1º Edição Física | Crises, Desafios e Futuro

NÚMERO 1 DEZEMBRO 2023 CRISES, DESAFIOS E FUTURO

Editorial | p.2

O futuro, que começa hoje Caros leitores e leitoras do Volta ao Mundo com RI, É com um enorme orgulho que a nossa equipa vem a anunciar a primeira edição física deste ano letivo. Esta edição é o culminar de longos meses de trabalho, de reflexão e de pesquisa para criar uma compilação de respostas à grande pergunta que aflige a nossa geração: teremos um futuro digno?

Falarmos da urgência de enfrentar crises como a da habitação nunca se tornou tão evidente. O direito a viver, à vida digna e justa e ao acesso digno à habitação não devia depender dos recursos de cada um nem da classe onde nos encaixamos. No entanto, Portugal ocupa o sexto lugar do ranking de países com maior número de sem abrigos, com quase 10000 pessoas desalojadas.. É urgente protestar por uma vida digna? Não devia ser necessário sairmos à rua e implorar por algo tão simples quanto um abrigo. A falta de políticas de habitação eficientes representa um dos maiores problemas que Portugal encontra no que toca ao bem-estar da sua população, mas o acesso universal a casas dignas parece cada vez mais distante.

Neste contexto de crises que nos assusta diariamente, o Volta ao Mundo assume o compromisso de informar, educar e inspirar, com cada artigo, os nossos leitores. Pretendemos catalisar uma discussão produtiva e que promova a consciencialização de todos. Cientes do papel que este Jornal tem em promover as nossas inquietações, tentamos fazer desta edição um reflexo disso mesmo. Críticos e desinquietos, queremos continuar a servir de plataforma para todos aqueles que desejam reivindicar por condições mínimas de vida.

Juntem-se a nós nesta jornada de descoberta, de reflexão e de ação. O futuro está nas mãos de quem o quiser através do debate mas também da cooperação mútua que construiremos um amanhã melhor.

Com esperança e determinação, Catarina Mendonça & Rodrigo Sousa Editores do Jornal Volta ao Mundo com RI Queremos ainda agradecer a quem tornou esta edição possível: desde os nossos redatores e revisores, à excelente equipa gráfica que trabalhou de forma incansável, bem como ao restante da equipa que, ao não participar nesta edição, tornou a presença online do Jornal possível enquanto estas 20 páginas que seguram com as vossas mãos eram criadas, e terminando no NERIFE/AAC, que nos prestou um apoio imprescindível a crescermos enquanto estrutura jornalística independente.

O NERIFE/AAC agradece ao Jornal Volta ao Mundo com Relações Internacionais, pelo seu rico contributo na vida académica de todos os participantes do projeto, a todos os leitores que apoiam e acreditam nesta aventura e, acima de tudo, a todos os internacionalistas que se mantêm desassossegados pelo mundo.

2 Editorial Catarina Mendonça e Rodrigo Sousa Marte em tempos de cólera 3 ASusana Perdigão que futuro ambicionamos 4 Afinal, para a Europa? Eric Romero Mariana Rodrigues 6 Entrevista: Crise habitacional em Portugal Nossas Cidades de Hoje 8 As Nuno Ferronha SNS à beira da rutura 9 Um Vera Costa a quem (des)governa 10 Carta este país Érica Moreira Voz na Europa, 12 Garantir Salvar a Aliança Atlântica João Valor

Confronto: Habitação 14 Em Esther Monteiro x Guilherme Madaleno

15 Ideias para o Futuro 16 NERIFE Spot 17 RIView 18 Poemas Tomás Pinho e Guilherme Martelo 19 Sudoku e Cruza o Mundo com RI Edição Catarina Mendonça e Rodrigo Sousa

Design gráfico e paginação Francisca Batista, Bianca Zoppa Agatha Mangoni, Matilde Figueiredo Raul Azevedo

Coordenação Redação Selena Pereira e Beatriz Antunes

Revisão Inês Antunes, Iara Duarte, Mafalda Zarça, Rui Fernandes, Inês Vaz, Pedro Klering, Gabriela Figueredo, Ana Paula Magno, Rafael Pereira

2023 | Volta ao Mundo com RI com o apoio do NERIFE/AAC

Criativo | p. 3

A Marte em tempos de cólera

Susana Perdigão

Fiquei hoje por casa, Edgar, e pus-me a falar com o Júnior sobre o que se passa lá fora. Perguntei-lhe, É isto, Júnior, a vida? Ao que ele me respondeu, Não sei, não sou de cá. E insisti, Júnior, que grande melindre não me dares nunca respostas. Mas ele baixou os olhos, cão que é, e fiquei comigo entre paredes. É, no mínimo, bizarro, não mudar nunca o filme na televisão. O Júnior roeu a antena outra vez? Vejo sempre os mesmos sons, as mesmas fardas, nuvens de fumo, mães em lágrimas sucumbindo de exaustão - quase plácidas. Vejo sempre o mesmo elenco, mas são tantos - tantas pessoas e tão poucos humanos que ainda não lhes decorei os nomes. Contudo, creio que contracenam equivocados (ou o enredo é mesmo este?): se calhar não se lembram do seu papel e o espetáculo só continua porque se esqueceram de fechar as cortinas.

Confesso que tenho medo por eles. Alguém tem de o sentir, convenhamos. Quando vejo meninos desorientados e pequeninos de espingarda na mão, eu acho que o medo foi proibido do outro lado do ecrã. Eu que o sinta. Antes pudéssemos transplantar emoções como órgãos, antes eu lhes pudesse dar um bocado do amor que te dou e que me dás.

Não cessam os tiros, os tanques e os ataques, mesmo quando eu desligo a televisão, pois não? Mas se o ecrã se mostra, para mim, escuro, é como se estivesse do lado de lá, onde também não há luz.

Caímos todos num buraco negro (uns mais do que outros).

E eu faço o quê, Edgar? Se os meninos seguram com uma mão a espingarda e com a outra vasculham nos escombros à procura do abraço da sua mãe. E tu arranca-me, Edgar, as roupas e a tormenta, porque eu não aguento mais. Acobarda-te comigo, Edgar, voamos para Marte e choramos os desastres da humanidade. Talvez mudemos de filme.

O Jornal convida... | p.4

Afinal, que futuro ambicionamos para a Europa?

Eric Romero

O último discurso sobre o Estado da União de Ursula Von der Leyen enquanto Presidente da Comissão Europeia, joga luz em inúmeras questões que permeiam a atualidade europeia. Confrontamo-nos, portanto, com um questionamento inevitável: que visão de futuro desejamos esculpir para a Europa?

Quando Ursula Von der Leyen, direcionou o olhar para o horizonte da Europa no seu recente discurso sobre o Estado da União, uma visão brilhante e otimista do futuro europeu ganhou vida. No entanto, por trás de um véu de otimismo e dos audaciosos planos que delineou, existem áreas que merecem um olhar mais atento e um escrutínio mais aprofundado.

A Presidente, por exemplo, não apresentou propostas suficientemente concretas para enfrentar os maiores desafios atuais da União Europeia, o que foi uma das principais debilidades do seu discurso.

Apesar de ter referenciado temas importantes como segurança, migração, mudanças climáticas e parcerias globais, o seu discurso foi, em alguns momentos, vago e preenchido por generalidades, deixando-nos sem uma compreensão clara das ações que serão tomadas para resolver os problemas enfrentados pela Europa.

Além disso, nota-se que a líder europeia tem preconizado uma visão ousada do futuro, com a atenção voltada para desafios significativos como a transição digital e energética, a proteção dos valores democráticos e a revitalização económica.

No entanto, parece notar-se uma relativa ausência no que respeita a questões que afetam diretamente a relação entre os cidadãos do bloco e as suas instituições. A perceção de escassez de democracia e transparência na tomada de decisões da União Europeia tem sido uma crítica que se perpetua na consciência dos cidadãos europeus.

Muitos acreditam que o baluarte da democracia europeia parece estar oscilante, e sentem que estão a ser deliberadamente mantidos à margem do processo decisório. Este sentimento, emanado de um aparente isolamento na tomada de decisões, muitas vezes atribuído a burocratas não eleitos, tem vindo a suscitar desconfiança, assim como, um sentimento de alienação em relação à UE entre os seus cidadãos.

Nunca na história o apelo à proximidade entre as instituições da União Europeia e os cidadãos a quem elas representam se evidenciou com tanta veemência. À porta das eleições para o Parlamento Europeu, ser audaz significa fazer com que o pulsar europeu se faça sentir em cada cidadão, incutindo-lhe a sensação de pertença a um projeto singular. A necessidade premente de conduzir a União Europeia para uma maior coesão e para a definição clara de objetivos comuns requer, mais do que nunca, a colaboração e o comprometimento de todos. É crucial que a UE tenha em vista não só os desafios partilhados a nível geral, como também as preocupações e necessidades específicas dos diferentes grupos que compõem a sociedade europeia.

Imerso na análise do discurso de Von der Leyen, surgiu-me uma ponderação inevitável: afinal, qual é a visão que almejamos concretizar para o futuro da Europa?

O Jornal convida... | p. 5

Acredito que todos queremos uma Europa que seja capaz de lidar efetivamente com seus desafios, com políticas firmemente ancoradas em direitos humanos e igualdade, que esteja preparada para o futuro verde que promete e que esteja à altura do seu papel no cenário global.

Queremos uma Europa onde os princípios democráticos sejam preservados e respeitados, que as decisões a tomar sejam consequência de debates abertos e transparentes, nas quais as vozes de todos os cidadãos sejam ouvidas e levadas em conta.

Almejamos uma Europa que se aproxima dos seus cidadãos, reduzindo a distância entre os governantes e os governados. Nosso apelo é por uma Europa mais participativa, onde a representação política traduz efetivamente a multiplicidade e diversidade do seu povo. Queremos uma Europa que não se renda a populismos ou à simplificação de complexidades sistémicas, mas que encare os desafios com compromisso. Optar por uma Europa mais democrática passa por admitir o debate, a contrariedade de ideias e de projetos que compõem a sua diversidade. Assegurar que as suas instituições são por todos compreendidas e assegurar que sejam criados mecanismos eficazes para a participação cidadã. Assim, a democracia deixa de ser apenas um elemento passivo em nossa convivência coletiva, tornando-se um processo ativo e constante no nosso dia-a-dia.

Na verdade, é forçoso admitir que a nossa aspiração é para uma Europa democrática, robusta e resiliente. No entanto, o que temos à nossa frente parece mais uma fortaleza inabalável do que uma Europa audaciosa e participativa, tão necessária nos dias de hoje. Estamos perante uma Europa que parece hesitante em abordar com assertividade os enormes desafios que lhe são postos à prova. Neste sentido, não podemos ignorar que o caminho está repleto de obstáculos, mais do que alguma vez imaginávamos. No entanto, a nossa insistência e persistência em acreditar que é possível progredir fazem deste caminho, uma jornada que ainda vale a pena ser assumida.

À conversa com... | p. 6

A Habitação é um direito, sem ele nada feito Que a crise da habitação é algo que condiciona a nossa vivência, já isso sabemos. No entanto, nesta entrevista a Redação do Volta ao Mundo com RI fala com Mariana Rodrigues, jurista e ativista pelo direito à habitação no coletivo Porta A Dentro para nos fazer um retrato das lutas que temos pela frente em tornar a habitação um direito.

VAM: Qual o diagnóstico que fazes à situação do mercado de habitação que Portugal enfrenta neste momento?

MR: A catástrofe social que é a crise habitacional em que estamos mergulhados é consequência de décadas de sucessivas opções político-legislativas que apostam no estímulo ao investimento imobiliário por um punhado de interesses privados. Ao conceber a habitação maioritariamente como um produto transacionável cujo objetivo primordial é investir na expectativa de uma rápida valorização do seu valor de troca, promove-se ativamente a especulação imobiliária, que faz galvanizar os preços dos empréstimos e da renda que nos devora o rendimento, e a liberalização do mercado de arrendamento, que acelera a cessação dos contratos. As pessoas querem um país onde a habitação – pedra angular da intimidade, da família e da organização coletiva seja verdadeiramente protegida pelo direito, e não concebida como uma mera mercadoria.

VAM: O governo tem vindo a tentar responder ao problema da habitação de diversas formas. Qual é a perspetiva acerca dessas tentativas? A nível de respostas a nível europeu dentro desta temática, há alguma experiência que consideres vitoriosa?

MR: Enquanto os baixos salários e o aumento do custo de vida nos sufocam, o mercado desregulado e o turismo desenfreado têm feito refém os centros das cidades. Multiplicam-se os relatos desesperantes de pessoas a viver em carros, em apartamentos insalubres em sobreocupação habitacional, e de famílias inteiras empurradas para a rua. É inegável que a crise da habitação violenta a maioria em nome do lucro, ferindo de forma especialmente acutilante quem tem outros a seu cuidado e quem se vê desprovido de uma rede de apoio. O “Mais Habitação” foi a resposta camuflada do governo para tentar abafar a crescente mobilização social, sentida em todo o país, pela defesa intransigente do direito fundamental à habitação. Apesar do então Ministro Pedro Nuno Santos ter anunciado uma revolução na habitação, fomos assistindo, durante todo o ano, ao sucessivo esvaziamento deste pacote de medidas, que culminou no Orçamento de Estado de 2024. De cedência em cedência aos arautos do liberalismo, as propostas do governo limitaram-se, em suma, à aprovação de mais benefícios fiscais, a programas de apoio ao arrendamento e à bonificação de juros do crédito à habitação – que em nada farão descer o preço das casas – e, por fim, à renovação da renovação da promessa de aumentar, até 2026, o parque público de habitação e as casas entregues ao abrigo do 1.º Direito. Para o ano civil de 2024 não foi estabelecido qualquer coeficiente ou mecanismo extraordinário de atualização das rendas, que poderão ser atualizadas de acordo com o coeficiente legal de atualização de 6,94%, em contraste com o que acontece em vários países europeus, por exemplo.

À Conversa com... | p. 7

Gabi

VAM: Quais os desafios que o próximo governo enfrenta no campo da habitação?

MR: Um estudo da professora Ana Cordeira Santos, Rentismo e a Crise de Habitação em Portugal, explica muito bem porque é que o espoletar da crise financeira de 2008 e o aumento das necessidades externas de financiamento obrigaram, num contexto de forte contenção orçamental, à aposta na concessão de benefícios fiscais como principal instrumento político para atrair capital estrangeiro, o que resultou numa escalada dos preços da habitação a um ritmo que os nossos rendimentos não conseguem acompanhar. Os programas de apoio ao arrendamento e a bonificação de juros do crédito à habitação podem ser ajudas preciosas, porém esporádicas, para quem se encontra a necessitar de casa ou de quarto, mas não resolvem as questões de fundo do acesso à habitação. O próximo governo, como os anteriores, terá de lidar com as verdadeiras causas desta prolongada crise habitacional se a quiser resolver estruturalmente. Para assegurar a diminuição do preço das casas é imperativo terminar com o regime do residente não habitual e tabelar e limitar as rendas. Para garantir estabilidade e segurança na habitação, importa assegurar a impenhorabilidade da casa própria e permanente e a proibição dos despejos sem uma solução habitacional digna. Se o próximo governo renovar o seu compromisso com a banca, preterindo as reais necessidades de todos nós, continuará a ter como desafio um forte clima de contestação social pelo cumprimento do direito à habitação.

VAM: De que forma as atuais leis e regulamentos habitacionais contribuem ou dificultam a resolução da crise? Existe a necessidade de reformas legislativas para abordar de forma mais eficaz a questão da habitação em Portugal?

MR: Diria que seria especialmente importante reverter o procedimento especial de despejo. O número de despejos em Portugal aumentou em 2023. Agora, com a publicação das medidas do Programa Mais Habitação, na esteira da “Lei Cristas”, os despejos vão ter novas regras que vão tornar este procedimento mais simples e mais rápido. Vai ser criado o Balcão do Arrendatário e do Senhorio, que permitirá simplificar e melhorar o funcionamento, e reforçar as garantias dos senhorios (e inquilinos) no encaminhamento do processo especial de despejo em matéria de arrendamento. A simplificação dos processos de despejos desprotege completamente o inquilino, que fica à mercê do proprietário e sujeito aos constantes aumentos das rendas.

VAM: Existem soluções inovadoras ou modelos alternativos de habitação que defendes e/ou já viste serem implementados com sucesso em outros lugares?

MR: Sim, há cada vez mais relatos de cooperativas de habitação e de uma panóplia de diferentes projetos de habitação sustentável.

No entanto, essa foi uma discussão que ainda não tivemos oportunidade de aprofundar no movimento. Posso adiantar que, em Coimbra, aumentaram exponencialmente os relatos de despejos e pedidos de ajuda para a realização de ocupações. Também não poderia terminar sem sublinhar a situação das Repúblicas de Estudantes, que lutam neste momento para a manutenção das suas casas. Esperamos com expectativa o cumprimento do Regulamento Municipal de Proteção de Entidades de Interesse Histórico e Cultural ou Social Local pela Câmara Municipal de Coimbra.

Em nome do Volta ao Mundo com RI, agradecemos à Mariana Rodrigues pela sua disponibilidade e pela sua rapidez em aceitar o nosso convite para esta conversa e pelas suas respostas tão cirúrgicas.

Opinião | p.8

As Nossas Cidades de Hoje Ao abrir um mapa de uma região ou país, ao longo do território, estão representados os espaços urbanos através de pequenos pontos ligados por linhas. Estes espaços são verdadeiros polos sociais que englobam em si as diversas realidades dos indivíduos que neles habitam. As cidades que reconhecemos através do nome são, na verdade, diferentes para o imaginário de cada um, cada qual, de acordo com o ambiente que habita, molda uma visão pessoal do espaço urbano.

Esta variedade enriquece a nossa cultura urbana, dando importância aos espaços que construímos e habitamos. Deixamos de usar estes espaços meramente para viver ou trabalhar, passando a dar valor àquilo que é comum através das memórias que guardamos. No entanto, esta realidade está a desaparecer. Cada vez mais, as cidades tornam-se em fábricas “turísticas”, cujo objetivo é vender uma imagem pré formatada dos espaços que partilhamos.

A vivência das comunidades locais é substituída pelo o lucro proveniente da massificação do turismo.

Em Portugal, a economia do turismo em “esteróides” é gritante - em 2022 chegaram ao país cerca de 22,3 milhões de turistas, mais do dobro da população nacional (Expresso, 2023). Este valor tem vindo a crescer ao longo dos anos, graças à aposta do governo e autarquias neste setor.

Mas para alcançarmos estes valores há custos, que se vão refletir nas cidades e nos espaços que habitamos. Para acomodar os números avultados de pessoas que chegam a Portugal todos os anos e para criar as infraestruturas para o setor turístico, é necessário, portanto, reorganizar o espaço urbano, o que vai ter consequências nas comunidades das zonas visadas. Esta realidade é visível com o exemplo dos Airbnb ou, como o termo legal refere, os alojamentos locais. Estes são estatutos legais que em teoria teriam como objetivo permitir a indivíduos arrendar um quarto ou um espaço por um certo período de tempo.

No entanto, criaram-se verdadeiros negócios lucrativos, onde vários apartamentos ou casas estão a ser explorados por empresas do setor do turismo, o que se reflete no aumento exponencial do alojamento local nas cidades. Esta situação é problemática, porque a habitação no centro das cidades aos poucos passa a ser exclusiva a turistas, empurrando para fora dos centros a população local, que muitas vezes integra comunidades estabelecidas e enraizadas.

Nuno Ferronha Juntamente com o afastamento das populações locais para a periferia e com a massificação do turismo, os espaços urbanos na atualidade estão a desenvolver economias orientadas unicamente para turistas. A banalização dos tuck tuck ou das “free tours”, assim como outros trabalhos precários, ou o aumento dos preços que não acompanha o custo de vida nacional, só vão contribuir para o isolamento daqueles que habitam nos centros turísticos e o isolamento dos centros turísticos da restante população das cidades. A economia turística desregulada leva a que as pessoas não consigam acompanhar o custo de vida da sua própria cidade, pelo que, gradualmente, vão-se afastando também espiritualmente da mesma.

Cidades, não são apenas os limites ou ruas que identificamos num mapa, são as pessoas que nelas habitam, e são essas pessoas que definem e constroem os espaços onde vivem. É necessário que esses indivíduos tenham espaço para participar no debate público e que a sua voz seja tida em conta.

Para tal, é imprescindível que as pessoas voltem a participar ativamente na vivência da cidade, fazendo de todos os espaços urbanos, espaços que possam ser desfrutados por todos e espaços que alcancem um equilíbrio sustentável entre os habitantes e o setor turístico.

Opinião | p. 9

Um SNS à beira da rutura Vera Costa Novembro de 2023 é afirmado por muitos como o pior mês de sempre do Serviço Nacional de Saúde. Urgências fechadas: falta de médicos de cirurgia geral, de obstetrícia, de pediatria… A recusa em ultrapassar as 150 horas extraordinárias anuais prende-se com este facto.

Sempre foi “normal” os médicos fazerem 300, 400 ou 500 horas extraordinárias. Porquê agora de repente parar nas 150? Não se importavam de fazer mais umas horinhas?

Chegaram a um ponto de rutura. Tiveram de bater o pé e de causar constrangimento para que o governo abrisse os olhos e se lembrasse de que o SNS está num estado deplorável. Ainda assim, parece que não ficou suficientemente relembrado. Não age em prol dos médicos e enfermeiros, que estão à beira do burn-out (tendo muitos já o atingido).

As negociações entre a Federação Nacional de Médicos (FNAM) e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) e o governo duram há quase 2 anos. Como é que em 2 anos, não se conseguiu chegar a acordo? A resposta é simples: intransigência do governo.

Com salários baixos, elevada carga horária e más condições de trabalho, torna-se impraticável fixar e atrair médicos para o SNS. Face a isto, o governo transfere para o privado utentes e recursos a que o público não consegue dar resposta. A solução deveria residir no aumento do investimento no SNS e na melhoria dos salários e condições dos seus médicos. Em vez de resolver o problema, passa a responsabilidade para outro.

Claro está que a degradação do SNS não é um problema de hoje. É, aliás, um assunto que atravessou vários governos, quer do PS, quer do PSD. Contudo, como foi feito muito pouco a favor dos médicos, atingiu-se a gota de água. Decidiram revoltar-se, com toda legitimidade e fundamento. Estão cansados de trabalhar mais do que é permitido legalmente, de ter más condições de trabalho e de não ter um salário que se aproxima minimamente do merecido, face à responsabilidade que detêm.

Esta perspetiva recorda-me de um momento em que um senhor ficou reconhecido por ter confrontado o Presidente da República, em 2022. Afirmou “(…) Eu sou emigrante e lá fora sinto-me triste. (…) há 40 anos que não há saúde.

A solução tem forçosamente por passar em atrair os médicos para o público. É completamente legítimo que “fujam” da função pública para o privado, quando oferecem melhores salários e condições de trabalho, em oposição à autêntica degradação do SNS. Não existe falta de médicos. Existe falta de médicos na função pública, e as razões estão à vista.

As propostas lançadas pelo governo têm sido inócuas no sentido de resolver os problemas do SNS. É uma ofensa à carreira médica quando o governo apenas aceita um aumento de 5% do salário base, em contrapartida à proposta da FNAM de 30%. Não existe sequer um mínimo esforço em alcançar um meio termo.

Face à proposta das 35 horas semanais, o governo aceita que tal aconteça, desde que percam o dia de folga. Acaba por ser cómico. Aceitam que trabalhem menos, com a mera condição de que descansem menos. Isto apenas espoleta que os cuidados de saúde oferecidos tenham o risco de ter menor qualidade, dado o desgaste físico e emocional.

Com a atual crise política, as negociações encontramse num impasse e podem muito bem nem sequer prosseguir. Vamos continuar a ter médicos a recusar, com todo o direito, trabalhar para além do limite legal das horas extraordinárias. E, por sua vez, vamos continuar a ter urgências fechadas. As greves têm de tal forma tanta adesão que existem mais de 30 urgências constrangidas. Este constrangimento devese também ao facto de existirem utentes que, por não terem acesso aos cuidados de saúde primários, deslocam-se às urgências, sobrecarregando a procura. É degradante que tenhamos população idosa sem acesso a serviços de saúde dignos no interior do país. A respeito desta problemática, Carlos Cortes, presidente da Ordem dos Médicos, salientou que “(...) muitas vezes parece que há não só um esquecimento, mas quase que uma ignorância sobre os problemas que atravessam estes hospitais. E muitas vezes é difícil e custa ver a forma como o Hospital da Guarda e da Covilhã são esquecidos pela tutela. (...) O distrito da Guarda vai ficar sem Serviço de Cardiologia. Estamos a falar de coisas básicas, para atender as necessidades em saúde mais comuns” É completamente absurdo que tenhamos médicos à beira da exaustão. É premente a mudança nas condições de trabalho oferecidas pelo SNS. Com salários insuficientes e com uma grande carga horária, não espanta que tenhamos cada vez mais médicos a ir para o privado. É urgente o investimento. Caso contrário, poderemos assistir, nos próximos tempos, ao colapso do Serviço Nacional de Saúde.

Política, Mundo e Sociedade | p.10

Carta a quem (des)governa este país Exmos. e Exmas., Quem vos escreve é uma emigrante. Mais uma de muitas, de centenas, de milhares que se viram forçados a abandonar este que outrora foi o nosso país. Nasci e cresci neste vosso tão lindo e mui nobre Portugal. Vosso, não nosso, jamais nosso. Há muito que Portugal deixou de nos pertencer, aos jovens.

Deixa-nos agora uma porta completamente aberta (já nem o fingimento, a dúvida, de poder estar entreaberta nos resta) para que com a nossa mala repleta de sonhos, ambições, mas também inquietações e desilusões, partamos.

O que é porventura esquecido é que parte das nossas aspirações tinham Portugal como o seu destino.

Poucos são os que emigram sem fortes razões para tal. Deixamos para trás uma vida, família, amigos e uma eterna lágrima de saudade. Não me interpretem mal, folgo em ver que, hoje em dia, há jovens que possuem a escolha de embarcar pelo mundo fora, que almejam toda a utopia do que este lhes tem para dar.

Contudo, esta não é a carta desses jovens. Esta é a carta dos despejados, para quem Portugal já não é refúgio e já não abriga os seus desejos. Esta é a carta dos que procuram prosseguir a cantar o seu fado noutro lugar, que não neste país que nos tirou a voz.

Porquê Portugal? Porque é que outono após outono nos vimos persistentemente encurralados? Porque é que inverno após inverno nos vemos com condições suprimidas e qualidade de vida deteriorada? Porque é que primavera após primavera nos vemos desrespeitados e até esquecidos? Porque é que verão após verão continuam sem nos ouvir, sem nos dar voz? Todos somos assoberbados pela típica frase de que “os jovens são o futuro”, mais recentemente, esta narrativa encontra-se no presente, hoje em dia, fazemos parte desse presente de que tanto falam. O que nos devíamos inteligentemente questionar é, onde é que os jovens são o presente? Atualmente, somos o presente não de Portugal, mas da França, da Suíça, do Luxemburgo, do Reino Unido, de Angola, do Brasil, da Alemanha… Recordo-me de me perguntarem, numa sala com mais de dúzia de jovens, quem considerava emigrar? Mais de metade das mãos daquela sala estavam no ar. Hoje em dia, essas e outros pares de mãos já não se encontram para responder à mesma questão.

Érica Moreira Questiono até quando: até quando conseguirá Portugal manter-se repulsivo, indesejável para e dos jovens? Relembro que não falamos de Portugal dos pastéis de Belém, da vasta linha costeira repleta de praias que nos tiram o fôlego, do Fado acompanhado por um bom copo de vinho do Porto. Falamos do outro Portugal, o que não vem nas revistas americanas, o país envelhecido, encarecido a ponto de só quem não recebe pouco mais de 1300 euros conseguir sustentar (note-se que a condição se exacerba quando incluímos quem recebe o salário mínimo ou que nem isso recebe). Falamos do país onde os jovens deixam, em média, a casa dos seus pais aos 30 anos (Costa, 2023), onde se veem obrigados a migrar para os grandes centros urbanos com a crescente centralização de serviços e oportunidades ou, até mesmo, para fora. Todavia, lembre-se que é nesses mesmos centros urbanos onde um m² se compra por 5,149 euros e se arrenda por uma média de 23 euros (Lisboa regista o maior crescimento dos preços médios de venda e arrendamento, n.d.), repelindo quem não tem o suporte financeiro necessário para (sobre)viver. Falamos do que é assoberbado com taxas de desemprego jovem acima dos 15% há mais de 10 anos (Banco de Portugal, 2023) e, consequentemente, em 2021, levou mais de 12 mil jovens (dos 15-30 anos) a abandonar o seu lar à procura das promessas que ficaram por cumprir (PORDATA, 2023a). Mais de 6000 desses jovens possuíam um grau de Ensino Superior, um valor percentual marcadamente superior ao de 2014 (PORDATA, 2023b).

Enumerações são cruciais - é parte de entender a complexidade do problema - mas soluções são urgentes. Como tal, nesta carta a quem (des)governa Portugal listo - de uma forma não exaustiva, nem exclusiva - alguns dos meus desejos e recomendações: 1) Precisamos de mudança improrrogável, mas não nos deixemos cair em populismos e promessas vazias.

Gosto de acreditar que tudo é político e, como tal, quem governa o nosso país tem muito que se lhe diga.

Enquanto um país democrático, temos o dever de votar pelo futuro que queremos. Isso passa por três aspetos principais: informação - consumam informação, credível; envolvam-se - manifestam pacificamente, em presença ou nas redes sociais, juntem-se a grupos de reflexão, diálogo ou até mesmo partidários; votem - não deixem que a abstenção seja uma voz predominante nos resultados finais.

Política, Mundo e Sociedade | p. 11

2) A mudança depende também de quem nos lidera e, como tal, investir em jovens passa pela Educação.

Todavia, as políticas não devem ficar por aí, não serão suficientes sem um foco concreto em políticas de Habitação, que combatam os preços galopantes do mercado imobiliário e o regulem - tetos máximos, condições e acessibilidade. Uma outra prioridade deve ser o investimento no parque habitacional público.

3) Ainda na temática da Educação, é necessário um olhar atento aos jovens que são obrigados a longas deslocações devido à falta de escolas, aos que se veem obrigados a mudar de cidade para continuar os seus estudos, a trabalhar para cobrir custos, a grupos especialmente suscetíveis a vulnerabilidade benefícios económicos, como subsídios, bolsas de estudo e investigação são indispensáveis.

4) No que concerne o mercado de trabalho investimentos e reformas estruturais acompanhadas por subsídios que permitam, no entretanto, que o Salário Real cubra os custos da inflação e acomode os jovens e grupos expostos a um maior grau de vulnerabilidade. Neste último, igualdade salarial, quotas e iniciativas, como creches nas empresas, devem ser consideradas. Lembre-se que a quebra de estereótipos (não apenas de género) possui um forte componente a ter em consideração nos programas educativos.

5) No nosso país, os desafios de um jovem há 40 anos não condizem com a nossa atualidade marcadamente “global”. Apesar disso, em 2022, menos de 10% da composição da Assembleia da República era integrada por pessoas abaixo dos 35 anos. (Begonha, 2022). Representatividade jovem, nomeadamente participação política e um maior e direto envolvimento no processo de decisão são passos a tomar. Esta proatividade e incentivos são bidirecionais: tanto dos jovens - que se devem interessar, procurar e informar - como de quem já conquistou o seu lugar que tem o dever moral de chamar o máximo de pessoas ao diálogo democrático, para lá, de desenhar políticas que permitam uma participação jovem - no financiamento de projetos pessoais, envolvimento em projetos da comunidade, intercâmbios, ações de formações.

Acima de tudo, é necessário compreender que problemas complexos requerem respostas holísticas.

Não falamos de pontos afastados num quadro branco, mas sim de inúmeras figuras geométricas que acrescentam profundidade à questão. Não se trata de uma medida, mas de várias, a curto, médio e longo prazo. Deixo algumas sugestões para reflexão, tantas mais poderiam ser elaboradas, propostas e contrapostas. O crucial - agir, oferecer condições propícias à fixação dos jovens e mantê-las no tempo, expandi-las no espaço (para lá dos grandes centros urbanos).

Atenciosamente, Uma emigrante esperançosa

Referências: Banco de Portugal. (2023). Taxa de desemprego jovem (16 a 24 anos)-Trim.

BPstat. https://bpstat.bportugal.pt/serie/5739365 Begonha, A. B. (2022, May 8). Parlamento tem tantos deputados jovens como em idade de reforma.

PÚBLICO. https://www.publico.pt/2022/05/08/politica/noticia /parlamento-tantos-deputados-jovens-idadereforma-2004865 Costa, R. N. (2023, August 12). Jovens voltam a sair da casa dos pais antes dos 30 anos. Jornal de Notícias. https://www.jn.pt/6882990363/jovens-voltam-asair-da-casa-dos-pais-antes-dos-30-anos/ Lisboa regista o maior crescimento dos preços médios de venda e arrendamento. (s.d.). Consultado a 9 de Novembro de 2023, de https://diarioimobiliario.pt/Lisboa-regista-o-maiorcrescimento-dos-precos-medios-de-venda-earrendamento PORDATA. (2023a). Emigrantes permanentes: Total e por grupo etário. https://www.pordata.pt/portugal/emigrantes+perman entes+total+e+por+grupo+etario-2522 PORDATA. (2023b). Emigrantes permanentes: Total e por nível de escolaridade completo (%). https://www.pordata.pt/portugal/emigrantes+perman entes+total+e+por+nivel+de+escolaridade+completo+ (percentagem)-3794-325471

Opinião | p.12

Garantir Voz na Europa, Salvar a Aliança Atlântica João Valor A política externa portuguesa sempre viveu um desafio estrutural: garantir a sua sobrevivência no espaço europeu, e procurar a rede de influência que a Europa não lhe permite noutras áreas geográficas. Este consenso foi garantido durante muito tempo com a existência do território colonial. A inserção de Portugal no espaço político europeu rompeu com esta realidade, e retirou ao nosso país a influência que outrora ecoava através dos mares.

Com o fim da ditadura do Estado Novo, houve uma rutura na política externa portuguesa; o até aí território colonial conferia a Portugal um comportamento predominantemente atlântico, no entanto, o fim deste obrigou a uma reconfiguração das prioridades e a um recentramento destas no continente europeu. A integração europeia, embora não consensual, foi a escolha dos decisores políticos pois esta era a única que se entrelaçava com o estabelecimento de um regime democrático de tipo ocidental em Portugal (Gaspar, 2013).

O pendor europeu foi ganhando peso, e com o passar dos anos Portugal foi virando costas aos mares; a nossa vizinha Espanha, inimiga desde o nascimento desta Ocidental Praia Lusitana, deixou de representar uma ameaça para passar a ser um importante aliado. Existem, contudo, riscos nesta proximidade com Espanha; os nossos vizinhos ibéricos partilham connosco contextos muito idênticos, que apesar de promoverem esta mesma aliança tornam-se demasiado semelhantes para que os dois países sejam relevantes. Em consequência, a potência maior - Espanha - vai obviamente ficar com o título de potência ibérica. Isto representa para Portugal um desafio de afirmação (Sá, 2016).

Um dos maiores desafios da política externa de Portugal será, sem dúvida, a sua afirmação face a Espanha; a realidade é que conseguimos ganhar alguma relevância em contexto europeu com a recuperação económica após a crise das dívidas. Um dos aspetos fundamentais dessa relevância no Sistema Internacional europeu foi aproximação à Alemanha, iniciada com o XVIII Governo Constitucional e aprofundada com o XIX GC, sendo um exemplo disso a criação de um fórum Luso-Alemão em 2013, que debate temas das mais variadas ordens e o aumento do número de visitas entre líderes de Estado dos dois países desde 2009 (Portal Diplomático). Esta reputação criada com a saída

limpa valeu de muito a Portugal na União Europeia; um dos mais flagrantes exemplos remonta a 2017, quando o então Ministro das Finanças holandês e presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, acusou os países do sul de gastarem o dinheiro todo em copos e mulheres - só faltou mesmo a referência ao tabaco. Após estas afirmações, ergueram-se as vozes do Partido Popular Europeu e do Partido Socialista Europeu (família política de Dijsselbloem) em condenação. O Primeiro-Ministro António Costa chegou mesmo a sugerir o afastamento do então Presidente do Eurogrupo. Curioso ou não, isto coincidiu com uma pesada derrota eleitoral doméstica para o holandês, que se viu substituído no Eurogrupo por Mário Centeno, à data Ministro das Finanças de Portugal. Após a saída de Durão Barroso da Comissão Europeia, Portugal voltava a ocupar um lugar de destaque nas cadeiras da decisão.

Portugal não tem atualmente nenhum nome nos órgãos decisórios da União Europeia, nem se espera que venha a ter nos próximos anos - especialmente depois do fim dos rumores de uma possível Presidência do Conselho da União Europeia por António Costa. A voz que temos no espaço europeu, em consequência da nossa diminuta população, da fraca competitividade económica, e da deslocação da União para leste, é em consequência silenciada por países maiores, nomeadamente pelos nossos vizinhos ibéricos, que se fazem ouvir com muito mais força. Em consequência, um Portugal que anda sempre de mão dada com Espanha em matéria de política externa, acaba por ficar esquecido. Demarca-se o objetivo de colmatar este esquecimento através de alianças que confiram uma maior relevância face a Espanha em contexto europeu. Para isso, há duas opções: Portugal pode assumir um comportamento continental, procurando dentro da UE alianças que permitam elevar a sua voz, ou então no tradicional espaço Atlântico, garantindo a Portugal o papel de ator multilateral que defende os interesses europeus em contexto internacional.

A primeira opção representa um desafio maior, uma vez que dentro do espaço europeu o hegemon, Alemanha, dita o comportamento da maioria dos países, e a criação de uma aliança equilibradora de poder pode ser mais prejudicial que benéfica; por outro lado, implicaria sempre a presença da Espanha (Sá, 2016). Se uma aliança equilibradora de poder é um sonho (ou pesadelo) distante, a nossa única opção é vestir o fato de banho e olhar para o Atlântico, procurando lá a solução para um maior destaque em solos europeus.

Nesta nova política externa portuguesa inaugurada com a crise das dívidas (Arena, 2022) houve também uma maior aproximação com a China, que ainda se faz sentir hoje, apesar da crescente desconfiança da UE e dos EUA face à China e ao aumento do seu poder geoeconómico em solo europeu, especialmente num contexto em que a China ameaça desafiar a hegemonia norte americana. Para Portugal, um dos maiores fatores de preocupação nesta relação poderá ser a dependência económica que Portugal tem em relação à China. Esta pode afetar as relações que temos não só com este país, mas principalmente com os nossos parceiros tradicionais; inclusive, já colocou em causa a relação prioritária que Portugal tem com os EUA, quando o Secretário de Estado da Administração Trump, Mike Pompeo, mostrou a sua preocupação com o 5G chinês e a aproximação de Portugal à China. Embora Portugal defina a China como parceiro económico (Portal Diplomático), a verdade é que esta representa um parceiro duvidoso; não só mantém boas relações com a Rússia, como tem questões domésticas e internacionais bastante questionáveis. Convém relembrar que falamos de uma potência revisionista que tem pretensões sobre um território colonial, e se é certo que muitos lembramos a anexação dos Sudetas, e a inação dos europeus para impedir a Segunda Guerra Mundial, é também certo que poucos referem a tentativa de anexação de Taiwan, e o adormecimento do Ocidente em relação a este tema.

Esta realidade obviamente não abona a favor de um Portugal ocidental e atlântico, democrático e defensor dos Direitos Humanos. Por outro lado, aprofundar relações com a China pode significar um virar de costas aos EUA. É um dado adquirido que o espaço de Portugal é a Europa, no entanto, convivemos com o mar, e temos influência sobre uma extensa área do Oceano Atlântico, tanto no norte com os Açores, como no sul com a Madeira, com os PALOP e o Brasil. Desvalorizar a proteção dos EUA e a sua aliança connosco é um erro que não podemos cometer.

Opinião | p. 13 Para estes dois problemas, pode no entanto haver solução: em primeiro lugar, e para garantir uma voz na Europa, devemos apostar numa nova aproximação aos países atlânticos, com foco na América Latina e África garantindo um maior peso de Portugal não só neste espaço, mas principalmente dando a Portugal uma configuração de país atlântico e multilateral que garanta os interesses europeus fora da Europa; em segundo lugar, e para garantir o salvamento da Aliança Atlântica, devemos garantir também uma aproximação no oriente aos parceiros americanos; uma boa relação com o Japão, por exemplo, pode ser uma porta de entrada; não só o Japão é um bom aliado dos EUA, como tem também relações históricas com Portugal. O Japão é também uma potência económica bastante relevante, e tem um mercado interno muito forte. Ainda no Oriente, a Índia configura-se como um excelente parceiro para Portugal no espaço do Indo-Pacífico (Costa, 2021); este país representa um possível aliado dos EUA no espaço asiático, uma vez que é uma potência regional em ascensão que contesta a hegemonia chinesa.

Deste modo, a reconfiguração da política externa de Portugal nos próximos anos deve apostar na aposta na vertente Atlântica, para garantir no espaço europeu, inquestionavelmente prioritário, um destaque e protagonismo face à nossa vizinha Espanha, mas também no ressurgimento da prioritária aliança com os EUA, não através de uma relação bilateral, mas sim multilateral com outros países que estejam no radar de interesse dos EUA. Portugal no pós 25 de Abril é um país marcado a nível da política externa por uma forte vertente diplomática e por uma aposta no multilateralismo; por outro lado, é uma porta de entrada na Europa. Isto permite um fácil estabelecimento de relações; é também uma mais-valia, uma vez que confere a Portugal o estatuto de negociador, o que na atual conjuntura do Sistema Internacional lhe pode dar uma voz significativa, principalmente no sistema de alianças nos quais Portugal se insere. Deve ser aproveitado na aproximação a estes países, bem como no exercício do seu poder nos espaços tradicionais.

Como pequena potência, o espaço para a afirmação de Portugal tende sempre a ser mais diminuto que as grandes potências, no entanto, as características geoestratégicas e geopolíticas de que Portugal dispõe conferem-lhe o estatuto de possível potência Atlântica da Europa no mundo, e esta é uma oportunidade que não podemos deixar escapar.

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Em Confronto: Crise Habitacional e Intervenção Estatal Esther Monteiro

Favorável:

É necessário relembrar que a Economia é, sobretudo, uma ciência social feita, pensada e criada para a vida em comunidade. Essa característica social da ciência econômica é surpreendentemente deixada de lado, numa tentativa exaustiva de se aproximar das ciências exatas. Nesse sentido, a tentativa de resolução da crise habitacional em Portugal deve ir além do seu teor técnico e passar, também, pelo seu viés mais humano, uma vez que uma coisa não deve excluir a outra.

O problema da escassez deve levar em consideração a alocação de recursos limitados da forma mais eficiente e equitativa possível.

A eficiência não deve se ater somente ao melhor uso desses recursos, mas sim ao quanto pode beneficiar a sociedade em geral.

Atualmente, em Portugal, devido ao aumento da procura de casas, agravado pelo processo de gentrificação, principalmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto – mas que rapidamente tem se disseminado para outros centros habitacionais do país. Para parte da sociedade portuguesa, a realidade é de uma vida sujeita a morar horas longe do seu trabalho ou de sua universidade, devido à necessidade de viver em cidades vizinhas, ou até mesmo em tendas, só para sentir algo sobre as suas cabeças neste tempo chuvoso.

Fato é que o excesso de procura desencadeia o aumento do preço, fenômeno que deveria, teoricamente, gerar um aumento da oferta, de modo a balancear esse desequilíbrio. Todavia, o que acontece é que o mercado imobiliário apresenta pouca elasticidade, ou seja, não é, de todo, flexível para ajustar sua “produção” em comparação a outros mercados.

Desta forma, mesmo que, a longo prazo, a tendência do mercado seja a de encontrar um novo ‘ponto de equilíbrio’ com o aumento da oferta, faz-se necessário uma medida pública que seja socialmente sustentável, segundo o diário de notícias, somente no concelho de Lisboa há 48 mil casas que não estão identificadas como residência primária nem secundária pelos seus proprietários e, portanto, se encontram desativadas. Edifícios tanto públicos quanto privados estão vazios face a uma fila de pessoas que os necessita. Por outro lado, a burocracia presente nesses processos é necessária por sua natureza de garantir a tutela efetiva dos direitos fundamentais dos cidadãos, esta é uma medida protetiva para que os procedimentos realizados pelos órgãos administrativos sejam idôneos e conforme a lei, de forma que tenham um parâmetro de controlo formal e substancial, regulados pelas respectivas normas jurídicas, a fim de que não lesem os particulares. Ao contrário de uma reforma constitucional, é necessário um maior respeito a um preceito que já está previsto na constituição, de acordo com o artigo 65 da CRP. Entretanto, dessas 48 mil casas citadas anteriormente, 2.000 são pertencentes ao Estado, é importante uma revisão da utilidade dessas propriedades a fim de, se não reativadas a seu propósito estatal, pôr-las disponível no mercado imobiliário a um preço socialmente justo. Uma outra proposta é um orçamento estatal maior do que o proposto para a área de regeneração urbana e habitacional, mudança já proposta para o orçamento de 2024 em alguns concelhos. No que diz respeito às propriedades privadas, é urgente a contactação desses proprietários a fim de dar uma utilidade social para essas habitações que estão em situação de abandono. Por tanto, a realidade atual clama por uma intervenção eficaz, que vá para além da ‘mão invisível do mercado’, a fim de conter a volatilidade dos preços, e dar uma resposta equitativa que respeite o direito constitucional à moradia e seja coesa com a realidade econômica de seus cidadãos.

Em Confronto: Crise Habitacional e Intervenção Estatal Guilherme Madaleno

Contra: O debate da habitação tem uma importância fulcral na vida nacional e o problema está intrinsecamente relacionado com o investimento público ou privado.

A primeira sugestão seria fazer um inventário de todos os edifícios políticos em degradação. Assim, chegar-se-ia à constatação que restaurar os edifícios públicos (e partidários), como o antigo ministério da educação, em que passados dois anos ainda nada foi feito, seria uma forma de atenuar o problema, colocando-os disponíveis no mercado da habitação. Também Carlos Moedas já apelou a que isto seja feito (Diário de Notícias, 2023).

Uma segunda alternativa seria a desburocratização deste mercado. Enquanto na conjuntura nacional tiverem de ser as Câmaras Municipais (CM) a comprovar que um projeto está de acordo com as “milhares” de normas e regulamentos, o problema não se irá resolver. O problema da habitação está também associado à falta de arquitetos nas Câmaras Municipais, que fiscalizam os projetos.

Muitas vezes ouvimos falar em inconstitucionalidades; daí que eu me questione sobre se o problema da habitação não seria o problema da Constituição, que exige burocracia a mais. A burocracia é algo que está a atrasar o processo habitacional, e, na minha opinião, deve ser revisto para que se faça um simplex processual.

Ideias para o Futuro

Ideias para o Futuro | p. 15

Esta é uma rubrica na qual os estudantes partilharam as suas soluções para problemas concretos do país/mundo.

O objetivo desta rubrica foi puxar pelo o lado criativo dos internacionalistas, de forma a partilharem ideias para um mundo melhor. Focados nas temáticas da Cultura, Ambiente, Saúde, Educação, Política, Economia, estas foram das propostas que surgiram.

A crise de saúde mental global pode ser enfrentada criando espaços seguros de diálogo e confraternização e democratizando o acesso a cuidados de saúde psicológica, tornando-os bem mais acessíveis.

- Rogério Costa A população LGBTQIA+ ainda sofre com o peso da discriminação. É, assim, da responsabilidade estatal a promoção de uma educação sexual e afetiva verdadeiramente inclusiva e eficaz, que desconstrua preconceitos e que conduza a um futuro mais inclusivo.

- Rafael Pereira As artes são fundamentais para o bem-estar de uma sociedade. É, por isso, essencial que o setor cultural receba apoios, garanta a manutenção de teatros e cinemas e incentive a população a incorporar as artes locais no seu quotidiano.

- Selena Pereira

A crise habitacional em Portugal é uma temática cada vez mais preocupante na nossa sociedade. Tendo isto em conta, é essencial implementar políticas que incentivem a construção e reabilitação de moradias acessíveis.

- Daniel Campinho

Os jovens querem fazer sempre mais e estão motivados para agir ativamente na sociedade. As organizações precisam de publicitar melhor os seus programas com foco nos jovens (um exemplo claro desta falha publicitária é dos programas de voluntariado da União Europeia).

- Beatriz Antunes A educação é um pilar basilar de qualquer sociedade. Debatemo-nos, hoje, com problemas estruturais nesta área. Urge em Portugal uma reforma que consiga responder aos problemas e acompanhar as voltas que o mundo dá.

- João Valor

Atividades do Teu Núcleo

NERIFE Spot | p. 16

Há quem diga que setembro é a nova passagem de ano.

Neste mês de novos começos, o NERIFE/AAC ficou encarregue de acolher os novos internacionalistas!

Motivados pela vontade de que todos se sentissem confortáveis na faculdade e no curso, e ainda nostálgicos por um dia terem estado nesse mesmo lugar de quem chega, celebrou-se a Semana de Integração e a Sessão de Boas-Vindas da FEUC que, aliadas à criação de um Sistema de Monitoria, um Jantar de Boas Vindas com recordes de participação e à icónica Noite dos Horários, que ajudaram os novos alunos a terem, de maneira descontraída mas informada, contacto não só entre si, mas também com a comunidade académica e com o ambiente universitário.

Ainda nesse mês, sob o mote “Vem conhecer a tua nova Casa”, realizou-se a Semana das RI, evento dedicado à promoção do estudo das Relações Internacionais e especialmente relevante neste início letivo por permitir dar a conhecer aos novos estudantes alguns dos Docentes da Faculdade de Economia da UC, enquanto se debateram temas relevantes internacionalmente (devia estar antes).

Finalmente, organizaram-se ainda atividades interessantes para os mais aventureiros, nomeadamente uma Sessão com Mochileiros.

Dizem que novembro é quente no começo e frio no fim.

Ora, connosco, novembro começou logo com novidades quentinhas, especialmente com a organização da conferência "Adeus às Armas: Direitos Humanos em Conflitos Armados Contemporâneos", em parceria com o Grupo Local da Amnistia Internacional de Coimbra. O mês onze foi também de celebração, pelo que a dia 13 se festejaram os 26 anos desta nossa Casa, com alguns discursos e um corte de bolo simbólico no bar da faculdade, que contou também com a presença do Coordenador de curso, Professor Doutor Bernardo Fazendeiro; o dia terminou com a realização de um jantar de comemoração. Deu-se ainda continuidade ao SAiba+ e a outras atividades de esclarecimento e entretenimento aos nossos alunos, como a presença na Sessão de Esclarecimento sobre Erasmus, o Workshop de Organização de Estudo, a participação na Feira de Emprego da UC, o Workshop sobre Cartas de Motivação e a Mesa Redonda Bem-Me-Queer. A estrela deste mês foi, no entanto, o V NERIFE MUN, evento recheado de participantes, alguns de outras faculdades, cujo objetivo foi uma simulação académica, seguindo o modelo da Organização das Nações Unidas.

Outubro esteve ao rubro. Mês das latas, o NERIFE/AAC participou com a realização da barraca no recinto da Festa das Latas e Imposição de Insígnias, alusiva à crise na habitação. Para além disso, depois de um bem sucedido workshop de Saúde Mental, que contou com a presença da JuniRHumo, UPC3 e a Doutora Cláudia Melo, o nosso Núcleo de Estudantes teve o seu primeiro grande recrutamento do ano letivo, depois de um Dia Aberto com bastante concorrência. Apostando no NERIFE/AAC como espaço de crescimento, capacitador de grandes projetos e promotor do bem-estar de todos os alunos, a equipa deu as boasvindas a mais colaboradores que zelam pelos interesses lúdicos, profissionais, culturais, pedagógicos e académicos de todos os internacionalistas. Foi ainda inaugurado o projeto SAiba+, que busca trazer mais informações e conhecimento sobre temas relevantes internacionalmente, servindo também de complemento a todos os interessados em participar nas simulações académicas que o NERIFE/AAC prepara ao longo do ano letivo. Para além disso, realizou-se um Workshop de Escrita Jornalística, em parceria com o Jornal Universitário de Coimbra, A Cabra, e em colaboração com o Jornal Volta ao Mundo com RI. Nesse mesmo dia, para além de salvarem vidas ao participarem numa doação de sangue em colaboração com os CHUC e os ademais Núcleos da FEUC, os alunos da nossa faculdade tiveram ainda o privilégio de participar numa Mesa Redonda sobre Tráfico Humano em Portugal, podendo ainda imergirse no tema ao visitar a exposição fotográfica na Biblioteca da FEUC "Também acontece aqui", da autoria de Hugo Pinheiro, em associação com a Organização Saúde em Português. Quase a terminar o mês e para os mais curiosos em diferenciar o seu percurso académico, o NERIFE/AAC realizou uma Sessão de Esclarecimento sobre o Protocolo Coimbra-Bordéus, seguida de um workshop de japonês, onde convidámos todos os poliglotas e consumidores de Ghibli a participar.

Termina o ano, mas não as responsabilidades e, por isso, o NERIFE/AAC não tira férias de Natal e tem preparado para o mês de dezembro várias sessões sobre Erasmus, workshops, nomeadamente focados na construção de CV em parceira com a JEEFEUC e na aprimoração das competência tecnológicas, assim como o grande evento promovido pelo Instituto da Defesa Nacional, o VIII IDN Jovem, a realizar-se na Faculdade de Economia, cujos temas principais são: Ameaças e riscos, Defesa Nacional, Segurança Humana, Direitos Humanos e Defesa, Transformação digital e Novas Tecnologias Militares. Para tal, desafiam-se os jovens numa call for papers onde, em grupo ou individualmente, estes podem apresentar, ou até publicar, os seus trabalhos. E, depois de tanto trabalho ao longo de 2023, todos merecem um bom Jantar de Fim de Ano para celebrar metas e conquistas, fazer planos para o futuro e, acima de tudo, aproveitar a oportunidade para conviver com a família que vamos construindo em Coimbra.

Para além de todas estas atividades, o NERIFE/AAC tem ainda várias rúbricas digitais, pelo que convidamos todos a visitarem as nossas redes sociais para terem mais informações sobre cada um dos eventos, se manterem informados, assinalarem datas importantes e conhecerem novas temáticas relevantes para as mais diversas causas do associativismo e da atualidade mundial.

“Mantenham-se atentos e nós prosseguiremos inquietos!”

RIView | p. 17

Recomendações Culturais “Jane Eyre” de Charlotte Brontë, é um romance clássico que apresenta uma personagem feminina extremamente independente e emancipada, sempre enfrentando os seus problemas e continuando em frente.

O novo álbum de Ana Frango Elétrico, “Me Chama de Gato que Eu Sou Sua”, lançado no final de outubro deste ano, é a prova de que a MPB continua viva e a florescer. Divertidas e bem humoradas, as músicas que integram este disco são compostas de versos inteligentes, captando instantaneamente a atenção dos ouvintes. É também de destacar a identidade não binária de artista, vinculada na sua obra contra um cenário de diminuta representatividade desta na música brasileira.

Música

“Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd” é o mais recente álbum da artista Lana del Rey, nomeado para diversos Grammys, incluindo “Música do Ano”. Neste álbum, a cantora retrata temas como a morte, a memória, a família e a reflexão pessoal.

“Pose” é uma série histórica que nos leva aos anos 80 e 90 em Nova Iorque. Aborda questões LGBTQIA+, identidade e discriminação ao tocar na cultura de ballroom que ascendeu desta conjuntura.

Séries

Estreou em 2023 a última das quatro temporadas de “Succession”. Brilhamentemente escrita, a série é desde o início permeada de momentos ao mesmo tempo drámaticos e cómicos, pontuados através de seus característicos diálogos acutilantes. Marcada pela sua singularidade, esta série oferece ao espectador um olhar privilegiado sobre as vidas repletas de desacordos de uma das famílias mais ricas à face da terra e demonstra como essas tensões podem colocar em jogo vários milhões de dólares.

Livros

“Women Destroyed”, de Simone de Beauvoir. Três contos da pioneira do feminismo que explora temáticas como a vulnerabilidade feminina através de personagens e narrativas que chocam, enervam e entristecem - mas que não nos abandonam depois da leitura.

Neste livro, os autores investigam como funciona o ambientalismo coercitivo chinês, focandose na forma como as iniciativas ecológicas promovidas pela República Popular da China servem como um instrumento de vigilância ao cidadão e influência geopolítica. Sendo o ecologismo uma preocupação das sociedades atuais, preocupadas com a sustentabilidade e preservação do meio ambiente, assim como o bem-estar das gerações presentes e futuras, este é, então, um livro para muitos rebuscado, que com certeza deixará no leitor um debate interno sobre os riscos associados às atuais abordagens na promoção de um estilo de vida ambientalista, interseccionando o ecologismo, a política e as dinâmicas de influência global.

O NERIFE recomenda

Tears of Gaza é um documentário que se foca na vida de civis palestinianos, especialmente crianças, durante a ofensiva militar israelense em Gaza entre o final de 2008 e o começo de 2009, conhecida como “Operação Chumbo Fundido”. Sendo este mais do que nunca um tópico presente nos nossos dias, sugerimos esta obra pela sua sensibilidade em retratar cenas de guerra como elas são efetivamente vividas, sob um olhar inocente, através de entrevistas com crianças, muitas delas órfãs e obrigadas a crescer rapidamente perante situações de massacre. Transmitindo o impacto emocional e físico do conflito sobre o povo de Gaza, aconselhamos vivamente a que todos vejam esta obra por considerarmos que seja um “abre olhos” em relação à crueldade das guerras modernas. Advertimos também ao facto de conter imagens sensíveis aos espectadores.

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Poemas Da janela do escritório observo uma máquina, Com engrenagens que não lhe pertencem, Remendos e ferrugem que deformam a sua origem.

Esta máquina, que em dias havia sido bela, Produziu e funcionou com uma maestria única, Mas pela incompetência dos engenheiros, Apenas foi apodrecendo com o passar do tempo, Esperando agora apenas pelo dia do seu enterro.

Sem qualquer tipo de futuro esperançoso ao aguardo, Sou levado com ela após cada cigarro que finalizo com prazer.

Para encurtar a minha estadia nesta habitação apodrecida, Pois toda a natureza está cada vez mais morta.

Talvez um futuro belo exista noutra realidade.

Tomás Pinho

Vê-me só, meu povo tristonho, Este meu palácio de precário Onde, findo o mês, ponho Mais de metade do meu salário.

Paredes d'oiro branco, Em cartão e gesso feitas; As portas, de pau santo Ao abrirem, ficam desfeitas.

O teto, de formoso fresco, em belo preto se pinta: Por ele nada ofereço, Pois a chuva é a tinta!

O chão é do mais nobre soalho, e as tábuas nada corriqueiras: Não fosse tamanho o enxovalho de sobre o cimento pôr madeiras.

A banheira é digna de um Rei, Mas peço que não menosprezes: Água quente, com pena direi, Só a tenho por vezes.

A cama, juro ser de Delfim, Pois de três pernas é servida.

A quarta, por obra de Serafim, Ainda está desaparecida.

Se isto invejoso te fez, Digo ainda onde vão os meus faturados: Oitocentos euros ao mês Por quatorze metros quadrados!

Guilherme Martelo

Ilustração de

Beatriz Amaral

Espaço Recriativo | p. 19

Cruza o Mundo com RI

Horizontais

Verticais

Sudoku