2º Edição - As dimensões da Liberdade

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OPINIÃO E POLÍTICA

A tolerância intolerável

Quo Vadis Liberdade?

A liberdade de imprensa

A emancipação da liberdade

VOLTA AO MUNDO Ç O À CONVERSA COM PROFESSORA MADALENA DUARTE 48 anos de liberdade, 48 anos de resistência e de luta feminista
amor livre à consciencialização
voz dos estudantes
ASSOCIATIVISMO Do
A
A S D I M E N S Õ E S D A L I B E R D A D E NERIFEAAC NET/ @VOLTAAOMUNDO RI COM RI VOL.2
VOLTA AO MUNDO

De mãos é cada flor cada cidade. Ninguém pode vencer estas espadas: nas tuas mãos começa a liberdade.

Manuel Alegre, em 'O Canto e as Armas'

NESTA EDIÇÃO

Editorial O impacto internacional da Revolução dos Cravos 4
Política As Quatro Liberdades: O sonho de Roosevelt que ficou por cumprir A tolerância intolerável A liberdade de associação e a democracia Adeus Tiktok, Olá Segurança? Q V di Lib d d ? 5 6 7 8 9 14 Crónicas do tempo em que se morria a preto e branco Estamos a falar da mesma Terra da Liberdade? Murtosa Mudam-se os tempos, mudam-se as visões de Liberdade 18 Criativo Associativismo 19 20 21 22 A emancipação da liberdade Independência financeira: A chave para a liberdade? Somos-te tão ingratos, liberdade 13 À conversa com... Professora Madalena Duarte 15 Do amor livre à consciencialização A voz dos estudantes 12 20

O IMPACTO INTERNACIONAL DA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS

Abril é apelidado em Portugal como o “mês da liberdade” Recebe este nome graças ao maior feito político que se concretizou no país: o 25 de abril de 1974 A Revolução dos Cravos, como é frequentemente mencionada, teve claras implicações políticas, sociais e

culturais na sociedade portuguesa Algo não muito referido, contudo, são as implicações internacionais deste dia, não apenas na posição de Portugal no sistema internacional, mas também nas relações diplomáticas e económicas com países vizinhos Além disso, a própria visão que o povo português tinha do escopo internacional alterou-se drasticamente

Relativamente à visão da comunidade internacional sobre a ditadura salazarista em Portugal, esta sofreu algumas alterações com o passar das décadas No período inicial após o golpe de 1926, a Ditadura Militar não foi, desde logo, reconhecida como tal A visão estrangeira procedeu a uma “aceitação” deste regime, que a mentalidade internacional do pós-guerra via como “mais estável” que a I República Assim, Portugal manteve-se isolado dos restantes países durante décadas, não acompanhando as evoluções económicas, sociais e culturais que estavam a ocorrer à sua volta Foi a progressiva democratização após a 2ª Guerra Mundial que alterou esta visão internacional A nível europeu, a certa altura, restavam regimes autoritários apenas na Península Ibérica, apenas agora considerados como retrógrados

O 25 de abril alterou toda a dinâmica interna e externa da sociedade portuguesa Por um lado, houve uma mudança da relação com o Brasil Durante o regime, esta relação era conturbada, com Portugal a tentar constantemente garantir uma posição de superioridade relativamente ao antigo país colonizado Após a revolução, houve um esforço para reformular esta relação diplomática - os dois países uniram-se, de certa forma, e tornaram-se parceiros estratégicos importantes, cooperando em áreas fundamentais como a educação e a cultura

Além de por fim ao regime, o 25 de abril também marca o fim da Guerra Colonial Portuguesa enquanto projeto de manutenção de poder O conflito, marcado por violência extrema ocorria já há 13 anos Foi apenas no ano de 1974 que se iniciou o inevitável processo de descolonização dos antigos territórios coloniais portugueses Já com o conflito finalizado e cinco novos Estados-Nação independentes - Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe - o novo Estado português procurou ajustar-se ao sistema internacional novamente Com perspectivas cada vez mais favoráveis a tal, em 1999, Portugal iria transferir o controlo de Macau para a República Popular da China, pondo um fim à gestão deste território colonial

Concomitantemente, Portugal começou a restabelecer relações diplomáticas com vários países do Bloco de Leste, do continente africano e, ainda, com países com os quais tinha tido conflitos, como é o caso da União Indiana Além disso, também a ditadura franquista em Espanha foi afetada pela Revolução, sendo que a democratização do regime português significava a perda de um aliado próximo Espanha era agora a única ditadura europeia, que eventualmente se acabou por desmoronar.

Neste sentido, Mário Soares protagonizou a abertura de Portugal ao estrangeiro, fazendo uso do seu prestígio e contactos, estabelecidos outrora durante o seu exílio, de forma a credibilizar externamente o novo regime Logo no dia 2 de maio iniciou uma visita diplomática pela Europa, para, nas suas próprias palavras, “explicar aos chefes de Estado europeus a importância das modificações em Portugal” Passados três meses, uma delegação do Conselho da Europa deslocou-se a Portugal para discutir a entrada do país para a Comunidade Económica Europeia (CEE), o que revelou o interesse europeu nos assuntos da política portuguesa e a simpatia para com a Junta de Salvação Nacional

Em 1977, foi apresentada a candidatura formal de Portugal à CEE, processo que só se viria a concluir a 12 de junho de 1985, após negociações que envolveram oito governos portugueses Sobre a mesa estavam, entre outros temas, questões relacionadas com comércio, agricultura e pesca Em conjunto com a recémdemocrática vizinha ibérica, a efetiva adesão de Portugal à CEE deu-se, finalmente, a 1 de janeiro de 1986 Este foi o início da entrada oficial do país no " novo " sistema das RI

E para nós, jovens? O que significa o 25 de Abril? A ideia de que o povo se revoltou, soltando-se das amarras da ditadura transfere-nos para uma órbita de discórdia, de dizer que “não” E dizer que “não” é importante Não nos conformarmos com aquilo que temos. Importa procurar mais, sempre mais e melhor O 25 de Abril é uma lembrança de que podemos mudar a realidade e, enquanto estudantes de RI, isso é tudo

Equipa do Volta ao Mundo com RI
EDITORIAL
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Fonte: Lincoln Secco

AS QUATRO LIBERDADES: O SONHO DE ROOSEVELT QUE FICOU POR CUMPRIR...

Quando, em 1941, Roosevelt fez o seu discurso liberal progressista das Quatro Liberdades, certamente não esperava que, 80 anos depois, tudo tivesse mudado Mas catastroficamente, foi isso que aconteceu

Analisando a forma como a política interna norteamericana se tem desenvolvido nos últimos tempos, percebe-se que os EUA continuadamente desrespeitam e violam aquelas que são as Quatro Liberdades essenciais para o liberalismo, e que, até hoje, estão por cumprir

Liberdade de expressão: Desde proibições de livros nas escolas (Marin, 2022), a limitações na expressão de género de pessoas trans e artistas drag (Trans Legislation Tracker, n d ), passando pela mais recente proposta de lei na Flórida para, literalmente, banir o Partido Democrata local (Edelman, 2023) - todas estas decisões legislativas, algumas já em vigor e outras à espera de aprovação, são claras violações da liberdade de expressão

Liberdade de religião: Uma sociedade que supostamente deu o direito a cada pessoa de escolher livremente a sua fé, tenta agora uma imposição forçada de um cristianismo conservador De facto, esta imposição assenta na defesa dos “valores tradicionais da família” e na proibição do aborto Este último, além de violar os direitos reprodutivos das pessoas com útero, viola também a liberdade de religião pois, para religiões como o judaísmo, o islão e o hinduísmo, a vida não começa na conceção Logo, forçar uma pessoa de alguma destas religiões a manter uma gravidez indesejada porque “ os valores cristãos assim o indicam”, parece não respeitar a liberdade de religião da pessoa gestante (Gold, 2022)

Liberdade das necessidades: Esta é a liberdade que ficou por cumprir Numa sociedade onde a pobreza e as desigualdades socioeconómicas estão tão enraizadas, nomeadamente com a questão do racismo estrutural (Neubeck & Cazenave, 2001), e onde 30% do PIB pertence ao 1% dos mais ricos, restando 3% do PIB para 50% dos mais pobres (Statista, 2023), conclui-se, claramente, que a liberdade das necessidades não é assegurada, nem nunca foi, nos EUA Liberdade do medo: Falar que se vive em segurança nos EUA, é mentir “ com todos os dentes da boca” Dizer isso é ignorar a violência policial, é ignorar a violência contra as minorias, é ignorar a violência armada que mata 20 000 pessoas por ano (Gramlich, 2022) Dizer isso e dizer que não se pode fazer nada porque é um “direito constitucional”, é desrespeitar a morte injustificada de cada uma destas pessoas

Assim, torna-se claro que, se Roosevelt estivesse vivo, teria um desgosto enorme com o país que os EUA são hoje Contudo, algumas pessoas dirão que não mudou muito, pois a violência armada, racista, patriarcal, cisheteronormativa e capitalista já existia Talvez apenas não se fosse tão “livre” para a denunciar

Edelman A (2023 Março 1) Florida Republican pitches bill to eliminate the Florida Democratic Party NBC News Recuperado de https://wwwnbcnewscom/politics/politics-news/florida-republicans-bill-ban-statedemocratic-party-rcna72917 Acedido a 30 de Março de 2023

Gold, M (2022, Agosto 30) The Demise of Roe v Wade Undermines Freedom of Religion [website] Recuperado de https://wwwacslaworg/expertforum/the-demise-ofroe-v-wade-undermines-freedom-of-religion/ Acedido a 30 de Março de 2023

Gramlich, J (2022, Fevereiro 3) What the data says about gun deaths in the US [website] Recuperado de https://wwwpewresearchorg/fact-tank/2022/02/03/whatthe-data-says-about-gun-deaths-in-the-u-s/ Acedido a 30 de Março de 2023

Marin J (2022 Novembro 10) The 50 most banned books in America CBS News Recuperado de https://wwwcbsnewscom/pictures/the-50-most-banned-books-inamerica/ Acedido a 30 de Março de 2023

Neubeck K & Cazenave N (2001) Welfare Racism: Playing the Race Card Against America’s Poor Nova Iorque: Routledge

Statista (2023 Fevereiro 1) Wealth distribution in the United States in the third quarter of 2022 [website] Recuperado de https://wwwstatistacom/statistics/203961/wealthdistribution-for-the-us/ Acedido a 30 de Março de 2023

Trans Legislation Tracker (nd) Tracking the rise of anti-trans bills in the US [website] Recuperado de https://translegislationcom/learn Acedido a 30 de Março de 2023

POLÍTICA
Daniel Santos
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Fonte: Twinlkl

A TOLERÂNCIA INTOLERÁVEL

Os debates acerca da liberdade de expressão, segundo a qual os cidadãos podem expressar opiniões, crenças e ideias de forma livre, sem qualquer tipo de censura, têmse tornado cada vez mais habituais No mundo atual dos smartphones e do online, a liberdade de expressão é frequentemente visada É, de facto, no espectro das redes sociais, onde se verifica um crescente surgimento de grupos extremistas, que disseminam ódio e incitam à violência Especialmente em atos eleitorais, verifica-se uma polarização de opiniões que gera ataques de parte a parte

Perante este cenário resta-nos questionar: se, de um lado, temos o enaltecimento da liberdade de expressão, do outro, começamos a observar uma certa necessidade de limitar essa mesma liberdade Porquê? Porque ela começa a atingir grupos vulneráveis da sociedade

Este debate desembarca sempre no Paradoxo da Tolerância, de Karl Popper, que nos questiona se devemos ser tolerantes de forma ilimitada Afinal, se isto acontecer, estaremos a permitir aos intolerantes que se expressem sem quaisquer restrições, levando à propagação de ideias que minam a própria tolerância e a liberdade, pedras basilares da sociedade

Mas a resposta a este dilema não é assim tão simples, uma vez que a linha que separa a tolerância da intolerância nem sempre é clara Sobre este ponto, o Paradoxo da Tolerância afirma que, se uma sociedade for totalmente tolerante, acabará por gerar intolerância, levando à destruição da própria tolerância

Para mim, existe uma estreita ligação entre tolerância e liberdade A tolerância faz parte da liberdade e da Democracia, mas esta também deve ter os seus limites Porquê? Se queremos que uma sociedade evolua com base na tolerância e liberdade, estes valores devem ser protegidos daqueles que desejam miná-los O extremismo político é constantemente alimentado por discursos de in-

tolerância e ódio, ameaçando a estabilidade e a segurança

Em 1995, a UNESCO instituiu o Dia Internacional para a Tolerância Volvidos 28 anos, assistimos a uma normalização cada vez maior de discursos de ódio Um pouco por todo o Mundo, torna-se habitual o discurso de ataque aos direitos, liberdades e garantias Isto acontece mesmo ao nível do próprio Estado, aliás como se verificou na Hungria e na Polónia relativamente a pessoas LGBTQIA+ Também em Portugal se têm verificado partidos e movimentos que têm vindo a ganhar espaço no cenário público, propagando um discurso racista e xenófobo

O facto de sermos tolerantes não significa abdicar da razão Afinal de contas, temos a liberdade necessária para repudiar atos e discursos que vão contra os Direitos Humanos Tal como Karl Popper defendia, pelo bem da tolerância, não devemos tolerar quem é intolerante

Assim, traçamos facilmente um paralelo: para que haja um bom funcionamento da Democracia, a liberdade de expressão é fundamental; mas, ao mesmo tempo, deve traçar-se uma linha – mesmo que, por vezes, ténue – entre aquilo que separa discurso de ódio das opiniões coletivas

Vivemos tempos algo sombrios no que toca à normalização de discursos discriminatórios no debate público É claro que sempre existiram e provavelmente continuarão a existir, mas agora são propagados com mais força, gerando consequências negativas E há sempre quem esteja à espera do momento histórico necessário para expor a sua intolerância para com os outros, mas a liberdade de expressão nunca deve ser usada como um instrumento mobilizador do ódio

Anseio pelo dia em que acabem os discursos que ameaçam o Direito de Ser, mas talvez ele nunca chegue

POLÍTICA
Mariana Santos
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Fonte: Mark Manson

A LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO E A DEMOCRACIA

Poucas dúvidas existem relativamente à instabilidade no mundo atual A ansiedade económica, a degradação social e o temor ambiental tornaram-se a norma destes últimos anos O conceito de “liberdade” tem sido bastante debatido no contexto de crise (tanto sanitária como económica), associando-se a alguns discursos populistas, sem dúvida, mas estando presente também no cerne da luta social no mundo Fala-se aqui das manifestações reivindicativas às quais se tem dado bastante atenção nos meios de comunicação social Ora, lutar por um direito implica tanto liberdade de expressão como liberdade de associação, pelo que os termos “direitos” e “liberdades” estão intrinsecamente ligados

Esta “liberdade de associação” não é apenas um direito do indivíduo, mas também do coletivo Inclui-se aqui o direito de alguém se associar a (e desassociar de) grupos, bem como o direito de grupos adotarem ações específicas para proteger os interesses dos seus integrantes Estas ações coletivas são geralmente mobilizações de uma parte significativa da população, em prol de interesses económicos, sociais, políticos, ou até mesmo por uma questão de solidariedade para com uma causa externa

Quando se fala de greves e manifestações, é importante lembrar que estas ações são essencialmente instrumentos de equilíbrio de poder, inerentes a uma sociedade democrática De modo a nivelar o “palco de negociação”, as reivindicações coletivas são um contrapeso face ao poderio que empregadores/governos têm sobre os trabalhadores/cidadãos Relativamente às greves, ouve-se imenso dizer que estas “ apenas funcionam se afetarem a vida diária da população” Ora, existem aqui duas reflexões importantes a fazer: por um lado, é verdade que, apenas impactando a sociedade como um todo, é possível afetar o governo de um país e, por sua vez, obter uma voz significativa no meio político; por outro lado, e falando particularmente sobre a situação em Portugal, a parte da população que mais é atingida por estes movimentos é a classe trabalhadora Talvez seja assim pela forma como as manifestações de desagrado são realizadas no país As massas mais ricas da população portuguesa não são geralmente afetadas por distúrbios nos transportes públicos e fechos de escolas Tal não significa que estas reivindicações deixem de ser um dos instrumentos mais cruciais da democracia Neste contexto, existem alguns exemplos no estrangeiro sobre os quais se pode refletir

Um exemplo que se distingue de todos os outros são as ações coletivas em França De forma diferente de Portugal, as greves e manifestações francesas têm um impacto bastante mais abrangente, não se limitando apenas à classe trabalhadora Contrariamente ao que se possa pensar, não é a violência destes protestos que é res-

ponsável pela sua eficácia, existem razões estruturais mais relevantes Antes de mais, o “protesto” está profundamente enraizado na cultura e vida pública francesa Desde a Revolução Francesa à onda de protestos de Maio de 1968 e aos gilets-jaunes, a ação coletiva em França é vista como uma forma de poder popular e um catalisador de mudança As alterações na reforma levadas a cabo pelo governo de Emmanuel Macron foram vistas como antidemocráticas, tendo sido invocado o artigo 49:3 da Constituição Francesa - um poder que permite ao governo evitar votação na Assembleia Muitos não veem sentido nos protestos franceses, uma vez que “eles estão muito bem em comparação aos outros” Mas é exatamente graças à insistência popular e ao respeito geral que é atribuído a estas manifestações, por pessoas de todos os estratos sociais, que a situação da reforma em França está “tão bem” em comparação às outras

Dito isto, a liberdade de associação é indubitavelmente um direito fundamental, mas é necessário também reconhecer que poder protestar sem grandes repercussões é um privilégio A questão étnico-racial está sempre presente, havendo ainda uma grande diferença no uso de força policial para determinados grupos étnicos Assim, é necessário um olhar consciente, mas também um desejo de mudança, para manter a questão reivindicativa presente na vida social, de forma a proteger eficazmente esta liberdade democrática

POLÍTICA
Catarina A Sousa
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Fonte: La CGT

POLÍTICA

ADEUS TIKTOK, OLÁ SEGURANÇA?

Na quinta feira do dia 23 de março, o atual CEO do Tik Tok, Shou Zi Chew, compareceu perante membros do Congresso estadunidense para responder a questões de sua plataforma em uma Auditoria Pública sobre “características” questionáveis que o aplicativo possui e as suas consequências no contexto dos EUA Tais questionamentos efetuados pelo Congresso surgem num momento de incerteza securitária interna e externa dos EUA Buscando garantir uma maior segurança cibernética e de dados, o objetivo de toda auditoria parece ser a legitimação do (provável) banimento do Tik Tok da “Land of the Free”.

As tensões crescentes entre EUA e China configuraramse de modo econômico, securitário e político nos últimos anos As disputas geopolíticas dentro do sistema internacional abriram espaço para desconfiança e ceticismo para ambas as partes, resultando em inseguranças internas até mesmo em empresas multinacionais que atuam em solo estadunidense ou chinês O caso do Tiktok parece ser o mais volátil, não sendo visto apenas como danoso para a sociedade, como também uma ameaça para a liberdade e segurança dos EUA Entretanto, diversas problemáticas surgem com o banimento de tal aplicativo, não apenas no quesito político – diversos eleitores jovens são contra tal medida

mas também no quesito da liberdade envolvida na atividade do Tiktok

Tal liberdade seria a de fornecer um serviço de entretenimento – tornando assim o seu produto numa empresa multinacional

para diversos mercados interessados Dentro da livre competição estabelecida por preceitos (neo)liberais, esta ação não configura um crime, pelo contrário, deveria ser incentivada Entretanto, pouco deste discurso parece ser legitimado pelo posicionamento dos EUA Para o Congresso, e de certo modo para o Presidente, a saída da plataforma assume-se como a melhor opção contra possíveis “transferências de dados e propriedade intelectual” (para não dizer espionagem), as quais o Partido Comunista Chinês poderia efetuar em solo estadunidense

Não obstante, o próprio governo chinês mostrou-se preocupado com tal medida, comentando que “os EUA deveriam respeitar a competição justa e parar de suprimir companhias estrangeiras” Tal comentário trouxe pouco efeito para as mesas de decisões do Capitólio

Outra problemática dentro do espectro de liberdade seria a de uso deste aplicativo por grupos sociais e públicos-alvo que se deleitam com o mesmo Mensalmente, cerca de 150 milhões de estadunidenses utilizam o Tiktok para incontáveis fins, seja para ver novas tendências, trabalhar como influenciadores ou apenas passar o tempo com assuntos banais A retirada da plataforma não apenas prejudica o interesse destas pessoas em utilizá-la, como também afeta diversos criadores de conteúdo que nela encontraram a capacidade de gerar os seus rendimentos familiares Pouco disto parece interessar os congressistas, mesmo que esteja ocorrendo um enorme lobby dos tiktokers para que a plataforma permaneça Na perspectiva da “NSA” (National Security Agency), são 150 milhões de estadunidenses vulneráveis à espionagem de dados, facilitando, assim, a securitização do seu espaço cibernético e digital

Por fim, quando tratamos de segurança e, consequentemente, de securitização, diversos valores/perspetivas acabam por ser secundarizados na ordem de relevância política A liberdade digital, de media e de competição ficará atrás na fila pois outras questões parecem estar na lista de prioridades dos EUA Não obstante, diversos outros países ocidentais também começaram a atentar a tais questões e podem ver o desenrolar das decisões dos estadunidenses como “ um bom exemplo” a ser seguido

Leonardo Bortolini
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Fonte: Bea Vaquero

POLÍTICA

QUO VADIS, LIBERDADE?

Ao longo da história, poucos são os conceitos que terão sido mais disputados do que o da liberdade É uma das pedras-basilares do mundo de hoje e uma das questões centrais da humanidade.

Várias razões poderiam explicar estes factos, mas há uma que se sobrepõe às demais: a manutenção e obtenção da liberdade é, e sempre será, um objetivo a alcançar Tal como no passado, também atualmente e certamente no futuro, a ideia de liberdade é objeto de permanente construção, redefinição e luta.

Falar da liberdade como um direito e um dever em si mesmo, falar de respeito pela liberdade, é um mote essencial para preparar o futuro e compreender o passado

A História da Liberdade

Em pleno período clássico, Platão afirmou: “liberdade numa democracia é a glória do Estado” Atualmente, liberdade é o “direito de um indivíduo proceder conforme lhe parece, desde que esse direito não vá contra o direito de outrem e esteja dentro dos limites da lei” (Dicionário da Língua Portuguesa, 7° Edição)

Assim, é na Grécia Antiga que o conceito de liberdade ganhou destaque, sendo muitas vezes associado à conceção de democracia e de bem comum Ser livre significava, portanto, contribuir ativamente para o bem coletivo da sociedade democrática

Estas conceções de liberdade e democracia vão, posteriormente, ser adotadas e revistas na República Romana e na Roma Imperial, onde a obrigação de contribuir para o bem comum como forma de alcançar a liberdade perdeu força Por outro lado, permanece uma noção de liberdade egoísta e individualista, reservada a poucos e que pouco significado teria nos dias de hoje

Só vários séculos mais tarde, no século XVII, é que Thomas Hobbes lançou as bases de uma nova liberdade, que viria a marcar perpetuamente o futuro De um homem que só é livre quando cumpre a sua obrigação para com o bem comum, passamos a ter um homem livre que “não é impedido de fazer o que deseja”

Tal como estes, também muitos outros autores e teóricos se debruçaram e contribuíram para o curso da definição de liberdade ao longo dos tempos Não é, portanto, de estranhar os diferentes entendimentos do termo liberdade

Se fosse possível analisar com olhos de outros séculos a realidade de hoje, as conclusões seriam muito diferentes

Se um cidadão da Grécia Antiga, um membro da República de Roma, um cidadão renascentista, ou mesmo um revolucionário francês do século XIX respondessem às questões “O que é a liberdade?” e “O que é ser livre?”,

as respostas seriam, certamente, muito distintas É de notar que o uso do masculino ao longo desta crónica não é, de todo, inocente: nas suas origens, a cidadania estava reservada a um reduzido número de homens E, por isso, ser-se livre era, nada mais, que um privilégio de uma minoria escolhida a dedo

Perpétua Arma

De facto, as discussões sobre a liberdade reacenderamse na segunda metade do século XX Depois das atrocidades que o mundo viu em primeira mão, surgiu o debate entre uma liberdade positiva e uma liberdade negativa

Hobbes estabeleceu a liberdade negativa como a “ausência” de interferências na vida das pessoas Já a conceção positiva, cimentada nas trincheiras da guerra, implicava que uma pessoa fosse mestra de si mesma e que pudesse exercer autodomínio

Porém, as duas definições em pouco resultaram Não sendo possível assumir uma conceção de liberdade enquanto “tudo ou nada”, foi necessária uma terceira via que agregasse os aspetos mais relevantes de ambas as definições. Na prática, tal se tornou sinónimo de um conjunto cada vez mais restrito de qualidades que permitisse a um ser humano ser considerado livre e respeitado

Foi a este ponto que a discussão deixou o quadro das ideias, passando para o campo político Conseguida a definição hegemónica do conceito de liberdade, esta passou a ser utilizada como arma política. Não é de surpreender, assim sendo, que a direita espanhola tenha escolhido como slogan “Liberdade ou Socialismo” E, que entre as duas opções, ganhe sempre aquilo que é entendido como liberdade

A liberdade como histórica arma de emancipação tornouse, nesta altura, uma forma de conservação de privilégios e até de repressão. Como Jorge Pinto argumentou, “da liberdade pelos direitos universais, passamos a uma liberdade pelos privilégios. De uma liberdade ao serviço de todos, passamos a uma liberdade de apenas alguns” Liberdade do Presente

Mantém-se, deste modo, a dificuldade inerente de estabelecer uma definição universal de liberdade que tenha em consideração seres humanos, e não pequenas minorias pré-determinadas, que resulte do respeito, e não minação, e que seja um direito, e não mais uma ítica

ade é respeito pelo outro. É, de facto, um direito dever, que deve permanecer não como algo o mas como resultado do esforço intemporal de ue luta(ra)m, procura(ra)m e agiram/agem Assim, alavras de Oscar Arias, “the more freedom we he greater the responsibility we bear, toward s well as ourselves”

Ana Francisca Oliveira
Fonte: Time 9

OPINIÃO 1

A afirmação de Pessoa continua a ser tão verdadeira como o era há 100 anos De facto, compreender a natureza humana é fundamental para desconstruir os sistemas sociais fundados ao longo da história Toda e qualquer estrutura social é erguida com o propósito de orientar(oucondicionar?)osindivíduos

Correntes filosóficas como o Epicurismo ou o Estoicismo, defendem a ataraxia como o estado ideal para o ser humano – a ataraxia simboliza a derradeira libertação da perturbação e da ânsia Pode ser, neste sentido, concebida como a liberdade absoluta, alheia aosdevereseàsexpetativassociais.

Note-se a distinção entre tipos de liberdades e as limitações das mesmas: existe a liberdade negativa e a liberdadepositiva. A liberdade negativa é a ausência de coerção, ou seja, a não interferência nas decisões e ações do indivíduo A liberdade positiva é a manifestação do controlo sobre a vida humana, ou seja, a capacidade de exercer um controlo efetivo sobre as decisões e ações do indivíduo Na prática, ambos os tipos de liberdade apresentamlimitaçõesexternas:asestruturassociais Vivemos em sociedades que se impõem sobre os indivíduos,sejapormeiodesistemasopressores(como o são o capitalismo, a religião ou o patriarcado), seja pormeiodoEstado-paternalistaemqualqueroutrotipo desistema. É possível tomar o Contratualismo na filosofia social como limitador da liberdade humana Isto é, a liberdade civil imposta pelo contrato social é fruto do estabelecimentodeprisõesacéuaberto,queincapacitam oexercíciodavontadeautónoma

Estas prisões impelem-nos a crer num certo senso de liberdade: uma liberdade que pode ser considerada relativa, uma vez que apresenta as suas limitações O Estado democrático garante a liberdade de expressão, a liberdade de associação, a liberdade de pensamento, a liberdadepolíticaereligiosa,entreoutras

Somoscompelidosaacreditarnumasensaçãodelivrearbítrio, mesmo que ilusória, pois nem a democracia é capaz de conceder liberdade total ao indivíduo - todos somosservosdosistema.

Aescravaturaéabasedasociedadecontemporânea. E o capitalismo é uma das superestruturas sociais que restringe o ser humano – para existir sociedade, é necessária uma organização, que é, por sua vez, assente no valor do trabalho Ora, daqui se depreende uma escravatura económica, de tal modo subtil que se rege pelo pressuposto de que o trabalho é ferramenta essencial à sobrevivência do indivíduo, que morre de carência(s) se não o fizer Assim, surge um paradoxo: existe liberdade seestaélimitada?

As ideias, metas e expectativas determinadas pelas instituições sociais coagem-nos a acreditar na impressão de emancipação individual – como se estas adviessem da nossa vontade autónoma e liberdade absoluta Estas são alicerçadas na nossa convicção de que somos livres, impelindo-nos a perpetuar um ciclo quase impercetível de escravidão A sensação ilusória de livrearbítrio que nos é doutrinada atua no sentido de encobrir esta clausura

Neste sentido, a expressão da liberdade absoluta é desafiada pelas superestruturas (económicas e sociais) Podemosescapardeumacadeiasenãosoubermosque estamos numa? E podemos nos sentir livres mesmo dentro de cárceres? Apenas é possível escapar de uma prisão se soubermos que estamos numa; e, se acreditarmos que somos livres, não podemos escapar

Catarina Baptista
"Aescravaturaé,pois,aprimeiraeamais fundamentaldasinstituiçõessociais».
UMA PRISÃO INVISÍVEL: O PODER DAS ESTRUTURAS SOCIAIS Fonte: Skillcast 10

A LIBERDADE DE IMPRENSA

Uma conquista em risco permanente

A liberdade de expressão é um conceito que está profundamente ligado ao de liberdade de imprensa São direitos fundamentais que garantem aos cidadãos o direito de exprimir e divulgar, sem impedimentos e discriminações, o seu pensamento, seja por que meio for Sendo assim, a imprensa é um dos meios no qual a liberdade de expressão é exercida A Constituição Portuguesa, no seu Art 38º, legisla o direito, liberdade e garantia da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação, assegurando a sua independência perante o poder político e económico

Longe vai o tempo do “lápis azul", símbolo da censura na imprensa portuguesa durante o Estado Novo, mas, ainda assim, há exemplos recentes de tentativas de silenciar e diminuir a liberdade de expressão em Portugal Os comentários insultuosos de João Galamba, em 2021, relativamente ao programa “Sexta às Nove” da RTP1, são exemplo disso Perante esta polémica, Francisco Rodrigues dos Santos afirmou que Galamba “não percebe que sem jornalismo, mesmo que incómodo, não há democracia [ ]” Esta afirmação reforça o facto de que não há democracia sem liberdade de imprensa, um pilar basilar de um sistema democrático Portugal já foi, também, por várias vezes, condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos devido a violações da liberdade de expressão, acusado de incumprimento do Art 10º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos Podemos, então, admitir que a liberdade de expressão da imprensa, embora esteja estabelecida desde o 25 de abril, ainda tem um longo percurso para a sua concretização plena

Numa análise a nível global, verificamos que a liberdade de imprensa é constantemente colocada em causa Anualmente, jornalistas são mortos no exercício da sua profissão, quer por assassinatos deliberados, quer por trabalharem em cenários de risco Em 2022, de entre os países onde morreram mais jornalistas contam-se o México, a Ucrânia, o Haiti e o Paquistão A profissão de jornalista envolve cada vez maior risco: dados da UNESCO revelam que, em 2022, um profissional de imprensa perdeu a vida a cada quatro dias, sendo vários os motivos: “[...] represálias por reportagens sobre o crime organizado, conflitos armados ou a ascensão do extremismo, bem como a cobertura de assuntos delicados, como corrupção, crimes ambientais, abuso de poder e protestos [...]”

Existe, também, opressão a profissionais da imprensa O que aconteceu com Gary Lineker, este ano, é exemplo disso

Em pleno exercício da sua liberdade de expressão, Lineker, enquanto comentador de um meio de comunicação, publicou um tweet no qual criticava a política de imigração britânica Com a alegação de ter sido violada a imparcialidade jornalística, tal conduziu à sua opressão no trabalho

Esta realidade preocupante revela que há cada vez mais censura ao trabalho destes profissionais, usando como pretexto leis de difamação, leis cibernéticas ou legislação de combate às “fake news”, que violam claramente a liberdade de expressão do setor

Em 2023, com a desinformação, a pressão dos governos e o foco que tem sido dado às redes sociais, há uma crescente preocupação em garantir a liberdade de expressão, e consequentemente a liberdade de imprensa Nunca podemos esquecer que a liberdade de expressão da imprensa funciona como um quarto poder na sociedade e tem, efetivamente, de incomodar, mantendo a população informada com imparcialidade. Só esse “incómodo” pode garantir o funcionamento da democracia

Beatriz Antunes
OPINIÃO
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Fonte: Eva Bee

A EMANCIPAÇÃO DA LIBERDADE

Ao longo dos séculos tem-se lutado por um mundo livre de toda a opressão que nos impede de escolher, de pensar e de fazer A liberdade é utilizada pelos Estados como um elemento basilar do jogo de poder: as ditaduras usam a repressão, isto é, violação das liberdades individuais, para que nenhum cidadão ouse insurgir-se contra o regime; as democracias proclamam a liberdade como um bem adquirido que só pode ser condicionado em casos excecionais

Mas poder-se-á dizer que a liberdade é apenas física? E a liberdade da mente? A liberdade de nos sentirmos bem com a nossa consciência, de estimularmos a nossa intelectualidade, de sermos genuinamente felizes?

Ser livre no Ocidente é um paradoxo que pouca gente entende Somos livres, mas ao mesmo tempo somos prisioneiros dos media, da sociedade de consumo, de rotinas monótonas e stressantes. Todos os dias somos bombardeados com notícias manipuladas de modo a permitir a construção e coesão do ideal Ocidental, do American Way of Life

Por outro lado, o sistema capitalista tem em si enraizado uma sociedade de consumo que leva os recursos à exaustão e as pessoas a sentirem-se pressionadas a gastar e esbanjar dinheiro em coisas supérfluas Há uma pressão social para comprarmos as últimas novidades, para correr para os shoppings na época de saldos Na maior parte das vezes, não compramos por necessidade, mas porque o nosso subconsciente assim o considera para conseguirmos ter a falsa sensação de que pertencemos à sociedade. Na verdade, tudo se resume à necessidade por nós sentida de conseguir a aprovação do outro No entanto, não vão ser bens materiais que nos vão preencher ou dar o alento que desejamos Muitas das vezes, precisamos de ajuda para nos emanciparmos da prisão que é a nossa mente, mas a vergonha de o pedir impede-nos de o fazer

O Butão é o único país no mundo que permite que os seus cidadãos sejam genuinamente livres.

Ao contrário do que é habitual nas sociedades de consumo, nos “países desenvolvidos”, onde se vive num alvoroço e numa correria diárias, o Butão preza a vida como ela é no seu estado mais puro Este pequeno, mas grande, país asiático vive da agricultura e da silvicultura, respeitando sempre a natureza de modo a manter a harmonia entre os Humanos e a mãe-terra.

Apesar da sua economia ser bastante humilde comparativamente aos padrões ocidentais, a verdade é que o Butão é considerado um dos países mais felizes do mundo.

Na década de 70, Jigme Singye Wangchuck, o Rei do Butão, anunciou que a Felicidade Interna Bruta (FIB) era mais importante que o Produto Interno Bruto (PIB) Assim, o PIB não é o único indicador a ter em conta quando se mede o desenvolvimento do país, mas também a FIB Este indicador inovador é caracterizado pelo desenvolvimento económico sustentável, pela preservação da cultura, pela conservação do meio ambiente e por um bom governo A FIB passou a estar implícita em todas as instâncias do país, uma vez que na escola os jovens aprendem as disciplinas tradicionais e disciplinas que permitam expandir o conhecimento sobre a agricultura e a proteção ambiental O FIB, segundo o artigo 9º da constituição butanesa, deve ser respeitado e posto em prática pelo governo

Resta-me dizer que a liberdade é mais do que um bem, é um estado de espírito Se nos sentirmos presos no nosso íntimo, nunca poderemos ser verdadeiramente livres Ser livre é mais do que ter possibilidade de comprar tudo o que queremos, de dizer aquilo que pensamos

Ser livre é estarmos bem com a nossa companhia, sentirmo-nos amados, conseguir reconhecer que não estamos bem e que precisamos de ajuda.

Despeguemo-nos das garras do capitalismo, dos padrões da sociedade, do que os outros esperam de nós, porque se construirmos uma vida para agradar a terceiros, não estamos a viver Existir não é liberdade Ser livre é viver a ser feliz

Catarina Ferreira
OPINIÃO 12
Fonte: Freepik

INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA

A chave para a liberdade?

A liberdade é um direito humano fundamental que, muitas vezes, é ameaçado ou violado por forças externas, incluindo o Estado Nesse sentido, a independência financeira é uma das principais maneiras pelas quais os indivíduos podem alcançar maior liberdade, evitando a interferência excessiva dos Estados.

A independência financeira é essencial para atingir a liberdade na medida em que permite aos indivíduos fazer as suas próprias escolhas sem serem constrangidos pela sua condição econômica individual e/ou limitações impostas por terceiros Um dos principais benefícios dessa independência é a liberdade para perseguir paixões, interesses e objetivos Na maioria das vezes, não é falta de motivação, mas sim as restrições financeiras que impedem alguém de seguir um sonho Além disso, estar dependente de outras pessoas implica ter de seguir as suas regras e determinações Ser economicamente independente significa ter a capacidade de sair de um meio social que não coincide com os nossos objetivos. Em contraste, depender do Estado para obter apoio financeiro, uma condição na qual muitas pessoas se encontram limita a liberdade individual Frequentemente, e por questões estruturais, esta dependência sujeita o indivíduo a regras e regulamentos burocráticos que são intrusivos, morosos e, na grande maioria das vezes, insuficientes e ineficientes

Por outro lado, ter um determinado nível de liberdade individual relativamente ao Estado é também crucial para promover a independência financeira e o bem-estar em geral

Dito isto, é de notar que o Estado tem um papel legítimo na prestação de serviços básicos e na proteção do interesse público

Contudo, deve existir sentido crítico ao analisar a interferência estatal, sendo que esta se pode facilmente tornar autoritária e intrusiva, limitando a liberdade individual no processo Ao reduzir o papel do Estado em determinadas áreas da vida das pessoas, os indivíduos podem assumir maior controle sobre suas próprias vidas e tomar suas próprias decisões sem interferência indevida e excessiva regulação

No entanto, alcançar a independência financeira nem sempre é fácil (na grande maioria dos casos, na verdade) Numa perspetiva individual, exige trabalho árduo, disciplina e disposição para assumir riscos em prol do futuro Numa perspetiva societal, o contexto no qual o indivíduo se encontra tem também um grande peso neste processo

De facto, quanto menos recursos iniciais estiverem ao nosso dispor, ou seja, quanto menos privilegiada seja a nossa condição social, mais difícil e árduo se torna o caminho para atingir o objetivo de independência financeira

Deste modo, é importante que tanto os governos como as próprias sociedades criem um ambiente favorável à concretização individual da independência financeira Isto significa, portanto, facilitar as condições de acesso (e os “ recursos iniciais”) relativamente a setores como educação, saúde, habitação, etc Apenas assim é possível permitir aos indivíduos alcançar os seus objetivos

A criação de condições que promovam a independência financeira e liberdade individual pode ser feita através de políticas que estimulem o terreno para a iniciativa privada e a livre contratação no mercado de trabalho, por um lado, e o investimento em estruturas sociais, nomeadamente na educação, por outro Além disso, estas condições também podem ser alcançadas por meio de redes de segurança social que fornecem suporte para quem se encontra em situações de vulnerabilidade social É importante que este apoio seja consciente, não demasiado intrusivo e, acima de tudo, transparente O uso irresponsável, e por vezes populista, de ferramentas sociais pode levar a um efeito contrário dos objetivos pretendidos de liberdade individual Problemas como a corrupção generalizada afetam também a possibilidade de independência financeira dos indivíduos

Em conclusão, as condições financeiras do indivíduo estão intrinsecamente ligadas à sua liberdade

A independência financeira dos cidadãos deveria ser, portanto, um dos principais objetivos dos Governos e sociedades em todo o mundo Ao fazer isso, podemos criar um mundo onde os indivíduos são livres para perseguir seus próprios objetivos e aspirações, sem serem constrangidos por restrições financeiras ou interferência indevida dos Estados.

OPINIÃO
Lucas Lima
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Fonte: Dallas News

OPINIÃO

SOMOS-TE TÃO INGRATOS, LIBERDADE

O artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos refere, desde logo, que

“[t]odos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”

O título II da Carta dos Direitos Fundamentais da UE é inteiramente dedicado às liberdades dos povos da Europa

O artigo 1º da Constituição da República Portuguesa diz que “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária” Portanto, nestes três importantes documentos que regem a sociedade internacional, europeia e portuguesa, a liberdade surge como prioridade basilar No entanto, será que as pessoas a percecionam com a mesma primazia? Diria que não e passo a explicar porquê

Em tudo aquilo que a liberdade nos permite fazer, raramente nos lembramos que é ela que está por detrás de todas essas ações. Valoriza-se muito pouco o período democraticamente fértil em que vivemos – mesmo que ainda tão imperfeito No caso português, em particular, as 50 velas que celebram a nossa liberdade ainda nem foram sopradas e, por isso, não a devemos tomar como garantida A conjuntura internacional apresenta várias ameaças à mesma, desde a Guerra na Ucrânia, à crescente consolidação da extrema-direita por todo o mundo, ao cenário socioeconómico de miséria provocado pela inflação Estes exemplos mostram a importância de uma maior consciência sobre as liberdades que usufruímos bem como da sua preservação.

A minha proposta é a de um maior reconhecimento da primordialidade da liberdade em tudo aquilo que fazemos, pensamos e dizemos

Quantas vezes paramos para pensar que o que nos permite verdadeiramente ser e fazer é a liberdade?

Num passado português relativamente recente, não nos era permitido manifestar, votar, associarmo-nos política ou

sindicalmente Se existissem convicções contrárias às do regime, a polícia política reprimia e torturava brutalmente os oposicionistas Hoje, ainda em contexto português, já podemos manifestar, votar, associarmo-nos política e sindicalmente e podemos expressar os nossos posicionamentos políticos livremente

Todas estas conquistas foram fruto da resistência popular e, sobretudo, da consciência – por mais que a quisessem limitar – de que, inalienavelmente, os indivíduos possuíam direitos que não lhes eram concedidos

E é precisamente a estas pessoas inconformadas e reivindicativas que devemos um grande e especial agradecimento por, no seu tempo, terem lutado por elas e pelas gerações vindouras

Não querendo ser demasiado determinista, para mim é muito claro que a liberdade acompanha todos os passos que damos quotidianamente

Somos muito pouco sem liberdade e fazemos muito pouco sem ela.

De facto, a liberdade é o grande pano de fundo deste teatro que é a vida. Na minha ótica, darmos o devido valor à liberdade faria toda a diferença nas pessoas individualmente consideradas e na sociedade como um todo Não seria bonito que todos os meses do ano cantassem abril?

Mariana R A Santos
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Fonte: Jorm Sangsorn

À CONVERSA COM... PROFESSORA MADALENA DUARTE

48 anos de liberdade, 48 anos de resistência e de luta feminista

Há 48 anos Portugal via o fim da Ditadura e o início da Democracia Percecionava-se o princípio daquele que seria um percurso interminável, uma luta constante tanto pelos direitos que foram, desde logo, reconhecidos, mas que ainda necessitam de proteção, como pelos direitos e reconhecimento de quem sempre foi colocado nas margens O 25 de Abril de 1974 trouxe a liberdade que há tanto se desejava Quase meio século depois, a reflexão deve fazer-se em torno daquelas pessoas que, mesmo após tanto tempo, continuam silenciadas, invisibilizadas, marginalizadas, mas que continuam também na resistência, na luta e na vanguarda Para aprofundar o debate sobre esta temática, o Volta ao Mundo com RI conversou com Madalena Duarte, Professora Auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Investigadora do Centro de Estudos Sociais A entrevistada obteve o seu doutoramento na FEUC, e debruça-se atualmente sobre a sociologia do direito, os estudos feministas, a violência de género, o tráfico de pessoas e os movimentos sociais

No mês da liberdade, pensar-se o que é, de facto, a liberdade constitui-se um primeiro passo fundamental A entrevistada começou, exatamente, por dar a sua visão pessoal do significado de 'liberdade'

"A liberdade é um conceito muito relativo É tão importante, mas é também múltiplo Há várias dimensões e definições de liberdade Pode ser vista, desde logo, em dois sentidos: a liberdade total, isto é, a liberdade que me é ditada ou que tem como entrave única exclusivamente a minha consciência - a ideia de que ‘ eu posso fazer tudo aquilo que eu quiser’ - que é uma liberdade que não existe Depois temos também aquela liberdade que me permite fazer tudo aquilo que eu quiser desde que esteja na lei, ou seja, na verdade, a liberdade que a lei me permite Este segundo entendimento de liberdade talvez não nos permita ver ( ) que existem regimes de exceção, grupos que têm tido a sua liberdade mais circunscrita desde sempre Se virmos nas margens externas, desde logo, os povos colonizados Se virmos nas margens internas temos alguns grupos como, por exemplo, as mulheres, que viram sempre a sua liberdade um pouco mais condicionada por estereótipos, por preconceitos, por assimetria de poder A liberdade parece ser um conceito tão fácil de definir, parece que é universal, mas não é, de todo, universal "

Partindo deste entendimento de liberdade, e tendo em conta o que Madalena Duarte é antiga estudante e, atualmente, docente dentro da Academia, torna-se crucial refletir acerca dos constrangimentos e desafios a que as mulheres estão sujeitas neste espaço

"Olhando para o contexto português - porque os contextos são, de facto, muito diferenciados - é verdade que a presença das mulheres na academia está solidificada e é transversal quase em todas as áreas, isto ao olhar ‘de longe’ Quando ' pegamos na lupa', vemos que ainda há muitos problemas Há áreas que são mais estereotipadas, em que as mulheres, desde logo as estudantes, têm ainda dificuldades É um processo que começa antes de sedimentar a nossa carreira na academia ( ) Além disso, algo que já foi identificado por diversas autoras, principalmente no estrangeiro, temos áreas que, a partir do momento em que ficam mais feminizadas, parece que perdem prestígio, o que diz muito da sociedade e o modo como olhamos para as áreas canónicas, digamos assim ( ) E depois existe a pressão para o sucesso na academia Os indicadores que temos de entregar não se coadunam muito com aquilo que nós, mulheres, ainda temos como um grande obstáculo: a conciliação da vida profissional com a vida familiar "

Precisamente sobre a Academia e a presença das mulheres na mesma, o jornal «A Cabra» do mês de março do presente ano faz um levantamento dos presidentes e vice-presidentes da DG/AAC desde 2014 Entre as 37 pessoas, apenas 6 eram mulheres, sendo que nenhuma ocupou o cargo de presidente Sobre este assunto, e tendo em conta a sua experiência, a entrevistada abordou a questão das quotas de género

"Com as quotas, mesmo onde não são obrigatórias, começou a haver muito a ideia de que tem de existir algum princípio de igualdade de género nas listas, seja a nível local ou governamental, seja ao nível dos órgãos da Universidade ou da Associação Académica de Coimbra Mas, em regra, são os homens que ficam nos lugares cimeiros, sempre Isto é algo que tem sido difícil de combater Por um lado, parece que as coisas estão a melhorar, há cada vez mais mulheres nas listas Mas a questão vai além dos lugares, importa saber quantas mulheres estão nos lugares mais importantes, mais relevantes e com maior visibilidade”

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PROFESSORA MADALENA DUARTE

48 anos de liberdade, 48 anos de resistência e de luta feminista

Segundo Madalena Duarte, esta disparidade combate-se não só “tendo mais mulheres candidatas, mas tem também de haver uma consciencialização social ( ) de que as mulheres conseguem desempenhar um cargo de decisão, de forma tão ou mais competente do que qualquer homem ” Sobre a situação específica em Coimbra, a entrevistada salientou o facto de que “ nunca tivemos uma reitora” e que “ mesmo no número de catedráticos, que é o topo da academia na parte da docência, temos mais homens que mulheres "

Apesar de todos os problemas que ainda se identificam atualmente, a entrevistada reconhece o que foi alcançado naquilo que são os direitos das mulheres nestes 48 anos de democracia, tendo sido o movimento feminista português imprescindível para tal, continuando, hoje, a reivindicar as lutas que ainda se estão por concretizar

"O movimento feminista em Portugal foi muito relevante, embora às vezes pensemos que não, tendo um papel muito importante em várias lutas É claro que usufruímos também da integração de Portugal na Comunidade Europeia, que conduziu a um imperativo de termos que alterar os nossos quadros jurídicos e colocar normas para a igualdade de género Mas foi o movimento feminista que trouxe para as ruas, para a opinião publica, a visibilidade desses problemas E numa primeira fase, esteve particularmente atento ao que não era implementado, ou o que estava a ser falsamente implementado E quem diz o movimento feminista, diz outros movimentos, como o LGBTQ+ que estiveram sempre um pouco aliados ao movimento feminista "

Sobre as alterações da constituição que deram origem à sua versão pós-ditatorial em 1976, Madalena Duarte destacou a importância que esta mudança teve para a luta feminista De um quadro jurídico “altamente opressor das mulheres”, passou-se para uma versão que acabaria por ditar o futuro desta luta "Foi uma mudança muito significativa, mas não aconteceu logo tudo ao mesmo tempo O movimento feminista teve, e tem, um papel extraordinário, por exemplo, na questão da violência doméstica. Apesar de todas as leis que temos, continua um problema gritante ” Sobre a luta feminista nas últimas décadas, a entrevistada considera que o tema que “teve mais visibilidade na opinião publica e que foi muito mobilizada pelos movimentos feministas foi a luta pela despenalização do aborto” “Não era a questão da implementação, simplesmente não estava ainda na lei e tivemos uma luta muito significativa”, explica

"Neste momento, está a haver um diálogo interessante entre movimentos feministas, ONGs que existem quase desde o 25 de abril , e vários movimentos, que não estão tão institucionalizados, de gerações novas que trazem visibilidade para outras questões que não tinham ainda sido tão pensadas Acho que este é um convívio muito interessante e que, talvez, daqui a uns anos, vamos ver umas sinergias e uns rostos nos feminismos portugueses a aparecer que me entusiasma particularmente "

Relacionado com os avanços na luta feminista, a nível institucional, o atual governo tem o mesmo número de homens e mulheres Contudo, na Assembleia da República ainda existe maior presença de homens Madalena Duarte realça o alcance que a lei da paridade, modificada em 2019, teve e tem nas reivindicações e lutas das mulheres

"A lei da paridade foi importante, porque as lutas em geral, e a feminista em particular, fazem-se, como diz a autora Nancy Fraser, por três eixos: é necessária a redistribuição, ou seja, as mulheres não podem continuar a ser renegadas para as margens como acontece na esfera económica ainda Quando temos uma situação de crise, as mulheres são as primeiras a ficar em situação precária laboral e, por alguma razão, se fala em feminização da pobreza É preciso reconhecimento, em termos de respeito pela nossa identidade ou subjetividade de género, numa visão interseccional E, por fim, é preciso representatividade, precisamos de ver aqueles e aquelas com quem nos identificamos nas estruturas de poder que nos regem ”

A entrevistada enfatiza ainda que a lei da paridade “muitas vezes, surge como operação de cosmética, e nada nos garante que as pessoas eleitas vão defender as causas que nós defendemos, mesmo que sejam mulheres” Contudo, Madalena Duarte reforça a importância desta lei, apelando ao facto de que as mulheres “têm de estar, cada vez mais, em lugares de poder para elas próprias poderem tomar essas decisões "

Quando se fala em mulheres, universaliza-se experiências que não são iguais Relembrando o Dia Internacional da Visibilidade Trans (31 de março), abordou-se a luta da comunidade LGBTQIA+ Sobre a questão legal, a entrevistada salienta que " o direito tem muitos problemas, o edifício jurídico e legal tem muitos problemas Mas se não formos reconhecidas e reconhecidos enquanto sujeitos de direito, mais invisíveis somos Portanto, estas leis têm sido os primeiros passos fundamentais”

À
CONVERSA COM...
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PROFESSORA MADALENA DUARTE

48 anos de liberdade, 48 anos de resistência e de luta feminista

“O problema aqui é que a lei é importante, mas não revoga mentalidades. Portanto, aí, tem de haver campanhas de sensibilização, pugnando para que as pessoas que devem implementar as leis, elas próprias, não tenham preconceitos que impeçam a aplicação correta dessas leis "

Relativamente à implementação da legislação em Portugal, a entrevistada frisa o facto de Portugal não estar “mais atrás”, relativamente a outros países Contudo, Madalena Duarte explica que continuam a existir casos de ódio relativamente a este grupo de pessoas, o que sinaliza que algo não está a funcionar devidamente Sobre isto, levantou-se também a questão da introdução das questões de género nos currículos escolares No que diz respeito à discussão no espaço público sobre este tema, a entrevistada salientou que “há uma diferença enorme entre a informação de algumas pessoas, porque a procuram, porque têm interesse, e a completa desinformação de outros E estamos a falar das mesmas idades” Ressalta, ainda, a importância de debater na escola a questão de género numa perspectiva interseccional “Nós temos de pensar nestas questões tendo em conta o modo como o género se articula com outras variáveis identitárias e mesmo com a classe social"

Madalena Duarte explica também como a questão do género necessita de “estar introduzida nos currículos escolares de uma forma de consciência para os Direitos Humanos, para a Cidadania e para a Cidadania íntima”, enfatizado a importância de se “ensinar, desde idades mais jovens, a saber reconhecer, a saber dialogar e a saber respeitar tudo e todos aqueles que vão de encontro aquilo que nós somos e que são um pouco diferentes Enquanto isto não for feito, estas leis (da paridade) são muito boas, mas não vão ter uma aplicação efetiva”

Numa nota final, a entrevistada consolida a ideia de que “ as pessoas têm de saber a diversidade que existe à nossa volta, saber o que é uma identidade trans, saber o que é orientação sexual Mas as questões de género são sempre vistas como tabus, como não podendo ser falado, e isso remete, inevitavelmente, um grupo de pessoas à invisibilidade, ao silenciamento e à violência, que pode ser simbólica e que pode ser efetiva ”

A título pessoal, resta-me enfatizar que a luta das mulheres, de todas elas, que têm, desde logo, traços

identitários que tornam as suas experiências diferentes, é feita de persistência, de luta nas ruas, de luta no espaço familiar, de resistência a um sistema que sistematicamente empurra as mulheres e outros tantos grupos para as margens, insivibilisando-as

Não somos invisíveis, o mundo pararia se tal se sucedesse, mas o mundo não vai parar. Quando nascemos e nos tornamos mulheres, inevitavelmente surge a resistência em cada uma de nós.

Esta resistência não significa o mesmo para todas e a forma como a expressamos também não, muitas vezes porque não o é simplesmente possível Somos mulheres, viemos de contextos diversos, com diferentes níveis de privilégio, mas todas temos um papel singular, necessário e insubstituível nesta luta, seja de que forma for Que não se romantize a resistência, porque ela custa e sempre custou muito caro, principalmente às mulheres, mais a umas do que a outras, certamente Contudo, reconheçamos que só aqui encontramos o caminho que queremos trilhar e que, constantemente, é questionado e diminuído No final dos dias, é disto que se faz a democracia, de lutas constantes É disto que se faz a liberdade

À CONVERSA COM...
Maria Inês Roque
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Fonte: Eleanor Shakespeare

CRÓNICAS DO TEMPO EM QUE SE MORRIA A PRETO E BRANCO

Foram tempos difíceis para os pintores do reino Discutiase qual a paleta adequada: se o era o monocromatismo que se deveria encarregar de dar às flores e ao céu a cor que os olhos se recusavam a dar, ou se era de policromo que as angústias se deveriam pintar. Passaria a ser cinzento o correr dos rios ou cobrir-se-ia de cor o desassossego de estar vivo

O assunto foi bilateralmente discutido entre os dois monarcas de uma região que era separada por uma muralha de argila - que sempre aparecera hirta nas pinturas que visavam aproximar o observador da verdade estética do ponto geográfico em questão, desde que se havia começado a documentar incipientemente a realidade numa tela, ainda com lama e orvalho Acordaram os dois soberanos em classificar a paleta neutra como o princípio orientador estritamente inviolável dos que, então, se decidissem a molhar o pincel em água de suor de burro e a mergulhá-lo num prato fundo com uma substância que não era nem sólida, nem líquida - mas que, sem dúvida, seria, a partir daí, preta, branca ou de um cinzento indeciso entre para qual dos extremos do espectro cromático pender

para depois o salpicar em pele de besugo lixada e estendida entre dois ramos de pinheiro

Diga-se de passagem ao leitor mais curioso que a formação artística dos reis se circunscrevia aos semestrais passeios a rastejar plumas e mantos por entre exposições de artesãos nómadas que iam ganhando expressão noutros cantos do condado De maneiras que a decisão tomada, além de pouca credibilidade, minguava também em prudência Os monarcas ignoravam o perigo que seria dividir o mundo no maniqueísmo do preto e do branco, para não falar das complicações e burocracias que os pintores teriam de enfrentar em cada conferência de imprensa: foi o preto no branco ou o branco no preto? Está no cinzento-escuro-a-caminhar-para-o-carvão o equilíbrio ou é no cinzento-claro-aproximado-de-nuvemem-situação-de-pré-temporal que a humanidade deve enfiar os seus conflitos interiores? Era uma chatice de todo o tamanho

As contestações rapidamente inundaram os becos mais eruditos dos territórios: nascia uma nova espécie de artista que se revoltava ao vivo e a cores. Uma nova espécie que ousava calar o silêncio da neutralidade cromática e inundar as peles de besugo de oitocentas matizes de cor.

Naturalmente, a rebelião contra as direções dos supremos governantes dos reinos não era vista com complacência Havia que respeitar o preto e o branco Seria um problema se o rei do lado de cá do rio entrasse num dos quartos principais do castelo e os quadros lá expostos em tremeli-

ques de ansiedade fulgurassem mais do que a sua presença

Heitor sabia – ou não fosse a experiência de artista a que mais espezinha a puerilidade – o risco que corria ao pintar um campo de hortênsias com lilás e azul, mas, mesmo assim, à distância de uma pincelada na pele de besugo, não conseguia tolerar a ideia de ver as flores apenas a murmurar no cárcere do cinza É urgente dar cor às palavras das flores, dizia para si mesmo E assim o fez: pintou o campo das hortênsias num élan impetuoso e chorava tanto ao vê-las desabrochar que se comentava que o Heitor tinha olhos de limão

Ora, os reis, sabendo da existência da pintura, consideraram-na uma verdadeira afronta à sua autoridade Era uma blasfémia das mais intoleráveis a de atentar contra os projetos e visões de arte de um rei E as consequências não seriam leves De facto, Heitor foi condenado a um fim humilhante para todos os artistas que se prezam – ser-lheiam retirados os cinco sentidos em praça pública e postos em exposição numa das salas reais As faculdades que o conectavam, então, ao exterior de si mesmo – a visão, audição, tato, olfato e paladar – guardadas numa caixa de vidro com uma placa a expor o mote de cunho satírico d’O pintor que queria ver a cores

Começaram pelas mãos, usando uma espinha de peixe Heitor jazia lânguido numa maca Começou-lhe a doer a ideia de já não poder sentir o calor do cor-de-laranja ou a humidade do azul Seguiram para a língua, que arrancaram a sangue frio Heitor chovia então lágrimas miudinhas, por pensar que já não provaria nunca mais o veludo do branco ou a aspereza dos castanhos Lembrou-se de que não iria mais ser inundado pela frescura do verde ou pelo arder do vermelho Quando lhe perfuraram o nariz com um osso de pombo, imobilizou-o o pensamento de que nunca mais abraçaria a suavidade do cor-de-rosa ou que nunca mais espirraria da comichão dos amarelos Ao lhe cortarem as orelhas com uma lâmina de barbear, o silêncio da carnificina encheu-lhe o peito de ar e já estava morto Não conseguiria mais ouvir o clamor do arco-íris dos pavões Não conseguiria mais distinguir se era o preto a cor que lhe cantava em pesadelos ou o tépido cinzento Tiveram cuidado com os olhos, e minuciosamente soltaram-nos de membranas e ligamentos com o garfo preferido do rei do lado de cá do rio Já não poderia mais jogar com as luzes e criar novos tons de turquesa, já não poderia fechar as pálpebras e conservar dentro delas a imagem de um campo de hortênsias lilás e azul

Heitor, que pintava, engoliu a pílula da morte com um sorriso, e o rei do lado a jusante da muralha de argila, com o anacronismo que é pai de todos os que nasceram anteontem, bradou à praça pública que era a hora de voltar a morrer a preto e branco – e a penumbra caiu

CRIATIVO
Susana Perdigão
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ESTAMOS A FALAR

DA MESMA TERRA DA LIBERDADE?

Do outro lado do Oceano Atlântico, aprendi eu também cedo que os Estados Unidos da América eram a Nação-vencedora Eles têm a Hollywood - produzem filmes, música, cultura pop, ideias e valores que se propagam pelo resto do mundo civilizado; eles têm empresas que dominam as economias mundiais - Apple, Microsoft, Amazon, Starbucks, Nike; eles têm hard e soft power que influenciam as decisões políticas correntes de inúmeras organizações e instituições internacionais Eles criaram o “American Dream” que, para nós europeus ocidentais, traduziu-se de certa forma numa competição sobre qual o melhor estilo de vida Acima de tudo, porque o slogan “The land of the free” fica na cabeça

Desde 1931, quando o hino nacional, de onde pertence o slogan, foi oficializado, que esta afirmação engana os seus cidadãos e talvez até ainda muitos espalhados pelos seus Estados vizinhos Acredita-se, segundo ela, que tudo é possível quando se pisa território americano, que o seu caráter liberal é a resposta para viver uma boa vida

Ironicamente, muitos conservadores e Republicanos fiam-se na Constituição dos Estados Unidos, escrita em 1787, para validar as suas supostas liberdades na sociedade contemporânea Mas mesmo nessa altura, durante os passos primordiais dos Estados Unidos, é possível (e aconselhado) questionar-se sobre se a sociedade americana pioneira era verdadeiramente livre Povos indígenas violentamente expulsos dos seus territórios e vendo os seus direitos violados; mulheres ainda muito longe de acederem a uma vida profissionalmente ativa; negros e outros grupos étnicos inibidos de participar na sociedade enquanto cidadãos respeitados. Todos estes grupos sociais enumerados podiam discordar de tal afirmação.

E como é que tais condições sociais transbordam para a atualidade? Podemos certamente reconhecer uma certa evolução no departamento da “liberdade”, que os homens brancos americanos tanto teimam em defender Mas será ela assim tão substancial para esta nação ser reconhecida como a Terra da Liberdade? Indubitavelmente que não

Durante o filme The Dictator, uma sátira política lançada no ano de 2012, surge uma cena marcada pela sua precisão cómica, em que é feito um paralelo semelhante entre os EUA e uma ditadura convencional São comparados regimes económicos que favorecem as classes mais elitistas, reduzindo-lhes impostos; refere-se uma redução da participação do Estado quanto a serviços sociais, como seguros de saúde e educação; critica-se a influência absurda dos media na opinião dos cidadãos e a segregação racial presente em vários aspetos da esfera social

Em 2012, os EUA foram satiricamente comparados com uma ditadura Agora em 2023, estas semelhanças ressurgem de outras formas

Num mundo pós-Roe vs Wade, em quatro Estados do sul, Republicanos propõem legislação que encare mulheres que procurem abortar como criminosas por homicídio Não só isso, como nesses quatro Estados, esse crime é punido por pena de morte, sendo essa a resposta para as mulheres que tomem a decisão de terminar uma gravidez, mesmo que seja por razões de saúde, de incapacidade económica ou simplesmente por motivos pessoais, estas serão, caso esta legislação avance, ameaçadas com morte E esta mentalidade ainda é chamada de “Pro-Life”, quando a vida da mulher que é responsável por ter o bébé é descartada tão despreocupadamente

Outro assunto igualmente relevante para esta discussão é a problemática atual associada à atividade de Drag Queens lerem a crianças em bibliotecas públicas Esta atividade, inicialmente promovida já em 2015 em São Francisco, está a ser publicamente alvejada agora em variados Estados e bibliotecas, vítima de manifestações de ódio e até de tiroteios

A situação chamou, eventualmente, a atenção de Republicanos em parlamento, que agora planeiam passar legislações que proíbem estas atividades de continuarem Se tivermos em conta a origem deste tipo de eventos - promover a diversidade, a liberdade de expressão e uma abertura de mentalidades - e analisarmos a reação de muitos legisladores americanos, há muito sobre o que questionar: se os valores da liberdade tão prometidos pelos seus residentes conservadores serão assim tão libertadores

Chamar os Estados Unidos da América a “Terra da Liberdade” chega atualmente ao ponto de ser uma falácia. Esta situação atroz pede mudança Ou esta nação começa a corresponder aos valores que tanto se orgulha a representar, ou esta terra terá de receber um novo pseudónimo Tenho algumas sugestões

CRIATIVO
Selena Pereira
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Fonte: Daniel Garcia

MURTOSA

A água remisturada corre em terreno lamacento Penetrando todos os resquícios

O sol encalorado aquece a superfície Arbustos, árvores e ervas dançam com o vento

O céu continua azul Uma ou duas pessoas Aqui e acolá

Espalhadas pelo horizonte, Pela corrente ritmada e calma

De onde retiram o seu sustento

E os pássaros, esses Sobrevoam a terra Comunicando entre si

Tudo em perfeita simbiose!

De onde estou, tudo observo Terei eu nascido para ocupar este lugar? Ou também faço parte da paisagem?

MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VISÕES DE LIBERDADE

Tal como o tema da edição indica, a liberdade é um conceito bastante amplo e sujeito às mais variadas interpretações Para melhor compreender esta multidimensionalidade, foram recolhidas algumas respostas, da comunidade estudantil, à pergunta "Para ti, o que é a Liberdade?" A equipa do Volta ao Mundo com RI reuniu as definições recebidas e, sob silhueta do capitão de abril Salgueiro Maia, apresentamos o que significa, para RI, a Liberdade As visões mudam, mas a luta continua: 25 de abril em 1974, 25 de abril hoje, 25 de abril sempre

CRIATIVO
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DO AMOR LIVRE À CONSCIENCIALIZAÇÃO

No início do mês de março, os quatro Núcleos de Estudantes da FEUC organizaram, junto com a Associação Existências, um rastreio às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), que serviu também como forma de repensar os estereótipos em torno desta questão, que muitas vezes restringimos direitos e liberdades sexuais dos corpos

Quando se pensa em DSTs, a primeira coisa que costuma vir à cabeça do cidadão comum é o VIH (Vírus de Imunodeficiência Humana) Contudo, a primeira DST a ser registada medicamente foi a sífilis, em 1494 Deste então, foram descobertos vários tipos de bactérias e vírus cuja transmissão ocorre por via da atividade sexual

Ao longo da história, as DSTs já foram “usadas” de inúmeras formas para manipular o pensamento dos cidadãos Exemplificando, na II Guerra Mundial, os EUA apelavam aos seus soldados para não se envolverem com “trabalhadoras do sexo ” para assim não ficarem infetados e conseguirem verdadeiramente “defender o patriotismo”porque um homem com gonorreia não consegue defender a pátria (dizia-se)

Ora, os anos 70 e 80 foram intensamente marcados pela epidemia de VIH/SIDA (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida), que ficou na altura internacionalmente conhecida como o “ cancro gay ”

Numa época em que o neoliberalismo se estava a afirmar, a comunidade LGBTQIA+ foi a principal afetada por este estereótipo negativo Assim, os cortes na despesa pública implicaram, por um lado, uma redução no financiamento dos projetos de investigação do vírus e da doença, o que alguns profissionais estimam que tenha atrasado o processo de chegar a uma “ cura ” e que tenha produzido cortes radicais no financiamento dos serviços de saúde destinados ao tratamento e cuidado de pessoas infetadas com VIH Nas palavras do antigo presidente Ronald Reagan, a cura para a SIDA era uma questão de se escolher ser moralmente correto Já a própria Margaret Thatcher foi responsável pelo bloqueio deliberado de campanhas de sensibilização e de prevenção da transmissão de VIH, porque “não tinha simpatia” para com a questão Além disso, estava preocupada pois os jovens poderiam “sair prejudicados” pelas campanhas

Assim, os anos 80 foram marcados por várias lutas sociais contra a ascensão do neoliberalismo e do seu “(neo)conservadorismo”, numa tentativa de lutar pelas liberdades e direitos sociais, económicos e políticos das pessoas Neste caso, liberdades sexuais e o direito a serviços de saúde reprodutiva e sexual Foi necessário morrerem 23 000 pessoas para o Presidente Reagan fazer a sua primeira declaração pública em que menciona a questão do HIV/SIDA Mas, mais do que isso, foi necessário uma forte mobilização da sociedade civil, principalmente com o movimento LGBTQIA+, para se mudar de presidente, mudar de políticas, e garantir, verdadeiramente, os direitos e liberdades sexuais necessários

Esta luta foi também contra a estereotipação que surge em torno das DSTs - se bem que essa continua até aos dias de hoje Ainda existe bastante desinformação em torno das DSTs, patente no exemplo de que nem toda a população sabe que “Indetectável = Intransmissível” Por isso, é necessário promover um debate mais aberto acerca das DSTs e promover mais rastreios às mesmas, para que este deixe de ser um tema tabu e para que todas as pessoas possam viver sexualmente mais seguras

Em Portugal, mais de 60% dos jovens realizam atos sexuais desprotegidos, ou seja, sem preservativo (feminino ou masculino), o que é assustador, tendo em conta que este é o único método contracetivo eficaz para impedir a transmissão das DSTs

As DSTs são um desafio contínuo para a saúde sexual e o bem-estar das pessoas no Mundo. Assim, a consciencialização sobre a importância do seu rastreio é fundamental para que sejam prevenidas e tratadas adequadamente.

Deste modo, todes devemos assumir a responsabilidade e quebrar os tabus e estigmas relacionados às DSTs É urgente promover um diálogo aberto em relação ao assunto, pois, no final de contas, o amor e o respeito pelos corpos sexuais devem ser preservados

ASSOCIATIVISMO
Daniel Santos & Mariana Santos
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Fonte: Illustration by Studio Imeus

ASSOCIATIVISMO

A VOZ DOS ESTUDANTES

Como a reivindicação estudantil pode transformar a sociedade

Mesmo na noite mais triste

´ Enquanto hino da intransigência estudantil, a Trova do Vento que Passa, de Manuel Alegre, cantado por Adriano Correia de Oliveira, imortaliza a simbologia da longa luta juvenil contra o Estado Novo

Focada nos centros metropolitanos de Coimbra, Lisboa e Porto, a politização da luta estudantil começa dentro das associações de estudantes, mas rapidamente se vira para fora e transcende as quatro paredes das Academias Os movimentos estudantis foram peças essenciais para o questionamento e fragilização da ditadura portuguesa, bem como para a contestação da guerra colonial

Ao sair à rua, ao “pedir a palavra”, ao clamar “ofenderamte, enluta-te”, os estudantes portugueses exerciam os seus direitos de manifestação, de associação, de greve, de livre expressão, na altura reprimidos pelo regime Salazarista

Agora, mais de sessenta anos volvidos das primaveras estudantis dos anos 60, cabe aos estudantes manter alguma irreverência, alguma inconformidade Cabe-nos a nós a capacidade de lutar por aquilo em que acreditamos e de usar a Liberdade outrora censurada

Se ainda não estava claro na década de 60 e 70, hoje está comprovado que na voz dos estudantes reside um enorme potencial para a mudança social

Urge assim ressituar a luta estudantil aos desafios atuais da participação cívica e associativa, projetar o passado para o presente e mobilizar a luta estudantil.

A voz dos estudantes é fundamental na procura de transformações sociais significativas Inúmeros são os casos em que são os estudantes, enquanto grupo social, os primeiros a mobilizarem-se em torno de questões como a igualdade racial, a justiça climática, a defesa dos direitos LGBTQ+

No tema do ensino, há cada vez mais reivindicações por ouvir, sendo necessária uma luta pela redução das propinas, melhoria de infraestruturas universitárias, aumento do investimento na educação, a garantia de uma não discriminação, entre tantas outras questões

É, neste contexto, cada vez mais importante agir, honrar o legado daqueles que lutaram em Abril e honrar a Liberdade que habita em todos nós.

Em tempo de servidão Há sempre alguém que resiste Há sempre alguém que diz não
Beatriz Oliveira
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Fonte: Secção Fotográfica da AAC

Não o prazer

Não a glória

Não o poder: A liberdade

Unicamente a liberdade

Bernardo Soares, em 'Livro do Desassossego Vol.II'

FICHA TÉCNICA VOL. 2

Edição

Catarina Sousa | Leonardo Bortolini

Redação

Ana Oliveira | Beatriz Antunes | Catarina Baptista | Catarina

Ferreira | Daniel Santos | Inês Roque | Lucas Lima | Mariana Matias

dos Santos | Mariana Amaral dos Santos | Selena Pereira

Revisão

Beatriz Galhardo | Catarina Mendonça | Francisca Andrade | Inês

Anastácio | Maria Ramos | Marta Gil

Imagem

Adriana Pereira | Beatriz Oliveira | Bianca Zoppa | Iara Duarte

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