Primeira Edição Volta ao Mundo 24/25

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mundo mundo

Índice e Ficha Técnica

“Neoliberalismo e o Século XXI - O Caso Israelita” by Andreia Martins

“Amor Desconstruído no Gabinete da Psicóloga” by Alex

“Transição Energética e Energia Nuclear” by André Vigario

“À Espera de Ver Cair as Bolas de D.Dinis” by Selena Pereira

“Empatia em Tempos de Individualismo” by Catarina Mendonça

“A Cultura Mercantilizada nos Dias de Hoje – o Seu Destino e Implicações” by Rodrigo Rossa

“Coimbra, lição de Sonho e Tradição” by Diogo Vital

“Por trás da Tradição, uma Trajada Desassossegada” by Filipa Martins

Direção Editorial

Ana Bernardes e João Valor

Redatores

Filipa Martins, Andreia Martins, André

Vigário, “Alex”, Catarina Mendonça, Diogo

Matilde Figueiredo, Beatriz Montez, Júlia Bion, e Nicole Silva

Vital, Rodrigo Rossa e Selena Pereira Revisão

Gabriela Figueiredo, Rogério Costa, Ana Baeta, Ana Helena Torino, Isabela Bento, Laura Neves, Maria João Saraiva e Mariana Henriques

NOTA DOS EDITORES

Ana Bernardes João Valor e

Neste novo ano, o Volta ao Mundo pretende assumir-se como um jornal mais maduro e crescido, tal como aquela criança que dá os primeiros passos e começa a dizer as primeiras palavras, sem nunca descurar o brilho que quem o criou e ajudou a moldar lhe deu.

Assim, abraçamos este novo ano com mudanças profundas no jornal, desde logo na forma como o publicamos, efetuando agora um compêndio de artigos por temas e publicandoos de uma só vez, em contraste com as publicações avulso que eram até agora feitas. Cremos que, deste modo, o leitor pode ler com calma, numa tarde de sábado, o que o Volta ao Mundo tem a dizer, criando assim um momento de fruição para o conteúdo aqui partilhado.

Ao mesmo tempo, abrimos também espaço a novas categorias. Quem nos acompanha contará com as tradicionais temáticas da política, da vida em sociedade e da luta ambiental, bem como um espaço de livre opinião, abrindo ainda espaço para mentes criativas e que exploram os meandros da cultura

A isto acresce o nosso dossier, um espaço de debate onde dois redatores competem no campo da lógica, apoiando-se no mérito dos seus argumentos, não para uma hegemonia normativa, mas pela continuidade da liberdade de pensamento.

Esta primeira edição do ano inaugura, então, o novo modelo, contando com artigos irreverentes e inovadores, que tocam nas feridas da sociedade, ao mesmo tempo que demonstram a beleza dos pensamentos que correm nas brilhantes mentes de quem connosco escreve. Inauguramos ainda as “hostilidades” próprias do debate com o Senador da Praxe de Relações Internacionais e a nossa Coordenadora da Redação, num tête-àtête (perdoem-nos o francês!) sobre a tradição da Academia de Coimbra.

Avancem nas leituras e desfrutem das palavras mas, sobretudo, pensem!

Neoliberalismo e o século XXI - o caso israelita AndreiaMartins

As relações entre Estados são um fator de estudo central para toda a construção e formulação teórica das Relações Internacionais. Num contexto atual, a interdependência complexa é determinante tanto para a sua compreensão, como para a da anarquia que a caracteriza. O institucionalismo liberal assume uma ótica de destaque na explicação destes conceitos, mediante o relevo que lhes atribui e a ampla adoção desta ideologia no pós-Guerra Fria.

Definir o Institucionalismo Liberal – Origens e Concetualização

O neoliberalismo afirma-se enquanto teoria das Relações Internacionais na década de 1970 – após a implementação do regime chileno, através de Pinochet e a sua ligação à escola económica de Chicago, e após a eleição de duas administrações neoliberais em duas superpotências políticoeconómicas (Thatcher no Reino Unido, e Reagan nos EUA). O neoliberalismo instala-se assim como linha ideológica no panorama político internacional, centrada no capital e no apoio à acumulação financeira (Peck & Tickell, 2007).

Partindo de princípios e objetivos comuns à ótica realista estrutural, o neoliberalismo procura responder às questões levantadas pela fação conservadora quanto à exequibilidade da proposta de Kant e outros liberais iluministas Assim, mediante uma aproximação científica à génese da teoria liberal, o neoliberalismo promove uma abordagem positivista (centrada em fatores observáveis), a compreensão dos Estados como atores racionais, a autonomia institucional perante o Estado, a aceitação do dilema de segurança e a ponderação da relação custo/benefício na tomada de decisões políticas, económicas e sociais. (Peck & Tickell, 2007).

Interessa também distinguir as duas vertentes assumidas pela ideologia neoliberal, – no campo doméstico, a crença de Hayek no recuo no papel económico do Estado e no avanço do setor privado viriam a demarcar as políticas externas e financeiras de Reagan e Thatcher, que definem o estereótipo de hawkish neoliberalism (Krampf, 2018) Enquanto Hayek argumenta que a globalização desregulada estimula a cooperação internacional, o institucionalismo neoliberal, encabeçado por Keohane e Keynes, procura alicerçar a cooperação em corpos institucionais que possam conferir alguma solidez normativa ao processo cooperativo. (Oliveira, 2017)

As manifestações da tese neoliberal rapidamente se refletiram no panorama político e económico mundial – desde a Década Perdida, derivada da interdependência assimétrica decorrente do projeto pan-americanista implementado por Monroe, até à política de austeridade implementada pela administração de Thatcher, que amplificou significativamente a competitividade industrial do Reino Unido, condenando a indústria nacional à privatização forçada O foco neoliberal passa pelo recuo no papel económico do Estado, que parece estar profundamente ligado à despolitização dos mercados, a qual também fundamenta o apoio à expansão do setor privado (Peck & Tickell, 2007).

Também no Médio Oriente se sentiu o impacto do neoliberalismo doméstico– é pelos meados dos anos 80 que a economia do recém-fundado estado de Israel se afunda em crise e inflação acentuadas, fomentando uma mudança profunda do regime económico nacional – por outras palavras, uma nova inclinação neoliberal. A partir dos anos 2000, a inclinação neoliberal israelita tornou-se particularmente extrema, culminando numa subida sem precedentes dos níveis de pobreza e desigualdade, integrando alguns dos valores mais altos registados pela OCDE, e também mais elevados do que a média de outros países desenvolvidos (Krampf, 2018).

Neoliberalismo e o século XXI - o caso israelita AndreiaMartins

É exemplo vigorante do institucionalismo liberal (ou cosmopolita) a integração europeia ou a globalização pós-queda das URSS. O neoliberalismo institucional promoveu a interdependência económica, a democratização e o multilateralismo como meios de manutenção da estabilidade política e do crescimento e prosperidade, estabelecendo-se como uma doutrina geral que providencia uma justificação, não para o Estado de bem-estar social, mas para as instituições internacionais como fundações do progresso social (Keohane, 2012).

A prática institucional neoliberal foi generalizada, sendo adotada em África, na América Latina e no leste da Ásia. Prevalece, no entanto, um balanço de poder enviesado – procurando assegurar multilateralismo, o sistema internacional prioriza e privilegia a defesa do ocidente e dos respetivos interesses, sendo portanto do interesse internacional a preservação da hegemonia americana. Apesar de a conjugação de padrões de cooperação resultar em regimes internacionais notoriamente robustos, é importante denotar que o atingem em função da centralização do poder institucional em grupos limitados de superpotências com agendas e interesses próprios –prejudicando frequentemente os interesses de Estados hierarquicamente inferiorizados. Para além disso, a componente democrática do institucionalismo liberal é frequentemente censurada, como se vê, por exemplo, no veto americano contra o cessar-fogo no conflito Israel/Palestina, que se abordará mais à frente (Keohane, 2012)

Neoliberalismo Cosmopolita e Hawkish

Neoliberalism – o caso israelita Israel é, como já mencionado, um exemplo pleno da implementação institucionalista, demonstrando não apenas as costumeiras condições financeiras adversas que a originaram, como as falhas sistémicas na sua instauração – denotando também características próprias

De 1985 a 1990, a prática neoliberal israelita sustenta-se sobre uma conjunção das “melhores práticas” económicas convencionais, promovidas por economistas e instituições neoliberais Contudo, é após o início dos anos 2000 e os mandatos de Benjamin Netanyahu, tanto como ministro das Finanças como Primeiro-ministro, que se dá a introdução neoliberal em Israel na sua forma mais agressiva, justificada por uma ideologia neoconservadora. Após o assassinato de Yitzhak Rabin, o colapso dos acordos de Oslo e a ascendência da direita política, as políticas externa e de segurança de Israel foram reformuladas, seguindo uma vertente específica de ideologia neoliberal (Krampf, 2018)

É também após os anos 2000 que o neoliberalismo israelita transita de forma: sendo primariamente uma aproximação do neoliberalismo cosmopolita, a abordagem proposta por Netanyahu sustenta-se sobre argumentos de natureza económica e geopolítica, assemelhado ao que Krampf intitula de hawkish neoliberalism, e que afirma as duas vertentes neoliberais expostas pelo autor como duas faces da mesma moeda que, ao procurar opor-se, se complementam e afirmam. (Krampf, 2018).

A segunda forma neoliberal israelita assume uma frente doméstica e económica. Este modelo, popular no Reino Unido e nos EUA, é implementado em Israel sobre uma base de abordagem “business-friendly”, em detrimento do Estado de bem-estar social e do poder dos trabalhadores. Nas suas políticas externas, esta vertente neoliberal revela-se mais isolacionista que modelo europeu, não advogando multilateralismo ou cooperação internacional (Krampf, 2018). A ocupação de território palestiniano suporta o argumento económico fundamental defendido por Netanyahu – a supressão do povo palestiniano e o regime de Apartheid apoiado sobre mão-de-obra palestiniana barata reforçam a economia israelita à custa da economia palestiniana colonizada (Fleischman, 2004)

Neoliberalismo e o século XXI - o caso israelita AndreiaMartins

Importa também o estudo da hegemonia americana no contexto global – os laços diplomáticos entre os EUA e Israel servem-se mutuamente, como é o caso do “Road Map” proposto durante a administração de Bush, que servia claramente como uma finalização do projeto colonial iniciado pela nova lente liberal doméstica (Fleischman, 2004).

Assim, o sucesso do institucionalismo internacional e neoliberal em Israel alicerçou a implementação de um regime de neoliberalismo doméstico, que solidificou ainda um projeto neocolonial que só existiu, em primeiro lugar, dada a possibilidade de exploração internacional apresentada pela neoliberalização institucional de Israel, caracterizada por políticas externas permeáveis e uma forte componente institucional.

Assim, as instituições que procurariam assegurar a manutenção de boas relações entre Estados, reduzindo a insegurança internacional e neutralizando a anarquia do sistema internacional, asseguram posições hegemónicas à custa do bemestar social – manutenção do qual seria também objetivo do internacionalismo institucional

Conclusão

Desta forma, e mediante a análise concretizada, podemos aferir a centralidade do institucionalismo liberal nas Relações Internacionais modernas Desde a generalização da sua prática no pós-Guerra Fria, até ao caráter interdependente que o caracteriza e expande o seu impacto, o institucionalismo liberal atua, não como uma resolução institucional das problemáticas posadas pelo liberalismo doméstico de Hayek, mas como uma afirmação do mesmo – como duas faces da mesma moeda, observam os mesmos assuntos com uma lente oposta, afirmando, no entanto, as mesmas problemáticas estruturais e sistemáticas

Israel consolida um exemplo empírico desta complementaridade, por nele se encontrarem as duas vertentes da teoria neoliberal, não em oposição, mas como fases adjacentes de um projeto governativo – a solidez proporcionada pelo institucionalismo liberal validou a transição para um regime neoliberal angloamericano, de teor neoconservador e pouco aberto à cooperação internacional, afirmando ainda a hegemonia americana advinda das resoluções institucionais propostas pelo liberalismo cosmopolita.

Importa compreender a dimensão de intervenção representada pela proposta institucional – ainda que promova e estabeleça um notoriamente sólido regime institucional internacional, o fator humano, a anarquia, o poder e a hegemonia das Relações Internacionais não devem ser desconsiderados, devendo aliás ser apreciados em ponderação negocial ou resolutiva A idealização dos Estados como atores racionais não equaciona a agenda política que lhes é, evidentemente, inerente – devendo ser ponderada a extensão em que os mesmos se demonstram dispostos a agir em função dos seus interesses

Bibliografia

Fleischman, S. E. (2004). Israel, Neocolonialism, and US Hegemony. Erwin Marquit (Physics, Univ. of Minnesota) Leo Auerbach (English education, retired, Jersey City State College) Gerald M Erickson, April Ane Knutson, Doris, 17(3), 309

Gregory, D K (2016) The Rise of Neoliberalism - A Transrational Analysis: Towards a New Vision for Urban Education. College of Education Theses and Dissertations. 86.

Keohane, R. (2012), Twenty Years of Institutional Liberalism. International Relations 26(2): 125-138

Krampf, A. (2018) Israel’s Neoliberal Turn and its National Security Paradigm. Polish Political Science Yearbook, vol. 47(2) (2018), pp. 227–241 DOI: dx.doi.org/10.15804/ppsy2018205 PL ISSN 0208-7375 www czasopisma marszalek com pl/10-15804/ppsy

Peck, J , & Tickell, A (2007) Conceptualizing neoliberalism, thinking Thatcherism Contesting neoliberalism: Urban frontiers, 26(50), 1770-1787

Amor desconstruído no gabinete da psicóloga Alex

ncontram-se duas poltronas que parecem confortáveis. iga jovem, por volta dos 20 anos, e uma mulher, que A rapariga, Sara, tem o cabelo apanhado, óculos de aço ga comprida, uma saia e botas pretas. A mulher, Dra. inho, com uma blusa branca e sapatos de salto alto. No udo e, em pontas opostas do mesmo, encontram-se as poltronas encontra-se um candeeiro de pé alto, com uma stamos aqui.

re foi o meu heterónimo preferido, não afiliações, mas porque nenhum poeta me mo ele A forma de agir, o pensamento corrido, a um dos seus poemas traz-me um certo conforto, a própria linha de pensamento. Ou pelo menos

seguinte: quando se conhece alguém com quem ipo, logo de início, a vida toda muda. Obtém-se , o sorriso na cara é praticamente permanente, o nada damos por nós a sorrir de forma parva às m simples abraço vira o mundo ao contrário. O da? Ninguém é imune. Desde amor platónico, r, todos temos aquela pessoa r que o meu cinismo crónico ao amor se curou conheci, mas não. O que se revelou foi a raiz do . mente de uma bissexual reprimida que cresceu lhes faça muito caso, consigo sempre, sempre am construindo ao longo do tempo. As opiniões ada a respeitar e a levar em conta sobre todas as expressão, mas que merda foi crescer com elas. te da quantidade de pele exposta, meter as mãos tir o olhar de repreensão dos devotos à minha alo demasiado alto, sinto que estou a ultrapassar a. Conscientemente, sei que não devo nada a à igreja, ou à cultura em que cresci, mas o que eu e posso dar tudo, tudo mesmo, a quem de mim iciente. Sinto que estou sempre a agir para que a entidade um pouco benevolente, me perdoe

Amor desconstruído no gabinete da psicóloga Alex

Sara cruza as pernas, parando para respirar pela primeira vez desde o início da fala Dra Gaspar espera pacientemente, com um olhar de compreensão no rosto Quando recomeça a falar, a voz de Sara torna-se cada vez mais rápida e alta, os seus movimentos mais frenéticos.

Sara: Conhecê-la só exacerbou toda esta situação. Tipo, antes estava mais que à vontade para não reagir ou não fazer isto ou aquilo só porque não queria “poke the bear”, Sara cora Desculpe, não me lembro da expressão em português, mas assim, agora, fico cada vez mais irritada, porque é uma loselose situation nestas condições. Ou perco a minha família, deixando de ter a sua aprovação completa, ou deixo de ter algo que tem potencial para ser bonito Qualquer que seja a forma que eu aja, vou sempre perder. Isso paralisa-me de tal forma que nem sei de que forma tomo metade das minhas decisões.. Mas tipo, o que é que é suposto eu fazer? Eu não posso deixar de viver por causa de opiniões alheias, eu sei, já mo disseram mais de mil vezes, mas tipo não são opiniões alheias! São os meus pais, a minha família inteira caralho! São anos e anos e anos e anos disto! De sorrir quando não quero, de engolir e não responder a comentários que me deixam desconfortável, de existir em prol da felicidade e da manutenção dos outros! Como, tipo, como é que é possível eu livrar-me disto assim?!

Sara estala os dedos Para de falar durante alguns segundos Momento silencioso em palco

Sara: E é aqui que eu me separo de Reis, percebe? É que eu estou neste cruzamento, e por mais que eu queira ficar aqui, neste impasse, tipo, não é possível. Eu própria não consigo viver assim. A pergunta agora é: Dra., estou a ser demasiado dramática? Como é que eu me deixo simplesmente viver?

Silêncio durante alguns segundos outra vez. Fim de cena.

Transição Energética e Energia Nuclear

André Vigário

Não é recente o debate sobre os efeitos nocivos do greenhouse effect, (em língua portuguesa, efeito de estufa) e da acumulação de CO2 na atmosfera A preocupação com os danos colaterais tanto da atividade industrial global como da própria vida quotidiana tem sido crescente. Isso é percetível através da evolução no direito internacional relativo ao ambiente, com a assinatura de variados protocolos e declarações (Estocolmo, 1972; Rio, 1992; Quioto, 1997; Paris, 2015; entre outros) Uma das soluções que é apontada por especialistas para encaminhar a Humanidade para um futuro sustentável é a adoção de novas fontes de energia, capazes de combater a dependência de combustíveis fósseis sem aumentar desigualdades sociais. Por tal, este artigo debruçar-se-á sobre uma forma concreta da «energia verde», a energia nuclear.

Ultimamente, o debate sobre os benefícios e as perigosidades da utilização de centrais nucleares para a produção de energia elétrica tem estado em voga A partir de 2022, a União Europeia incluiu no seu sistema de classificação ambiental de atividades esta fonte de matéria-prima, classificando-a como verde e sustentável a longo prazo, gerando polémica por todo o continente. De modo a entender melhor os seus possíveis efeitos, convém recuar no passado por forma a perceber de onde surgiu este fenómeno

Ao contrário daquilo que o senso comum pensa, a energia nuclear não surgiu através do programa de armas dos Estados Unidos da América (EUA). Pelo contrário, surge por dois motivos: com o começo do estudo do átomo (a primeira vez em que foi possível resgatar a energia proveniente da divisão desta partícula data de 1938) e com a procura por uma fonte de energia alternativa ao carvão, até então utilizado como a fonte primária de energia Em 1957 surge na pequena vila de Obninsk (na Rússia profunda) a primeira central nuclear digna desse nome.

Atualmente, de acordo com a World Nuclear Association, estão em funcionamento mais de 400 centrais nucleares, produzindo perto de 400 000 Megawatts Elétricos (MWe), 9% do total da energia elétrica produzida no mundo A mesma fonte mostra que, apesar de ainda serem largamente os Estados Unidos da América (EUA) os maiores produtores deste tipo de energia, quem lidera a construção de novas centrais nucleares é a República Popular da China (RPC)

Tendo em conta o processo histórico do surgimento do nuclear, convém perceber algumas vantagens da utilização deste tipo de energia. Em primeiro lugar, como explicado pelo Doutor Luís Guimarãis, aquando da sua entrevista no podcast «45 Graus» de João Maria Pimentel, o urânio, mineral utilizado nas centrais nucleares, é muito mais denso do que o carvão, por exemplo. Esta diferença na densidade dos minérios faz com que haja mais energia por unidade de volume. Para melhor percebermos a diferença, uma pepita de urânio é capaz de produzir a mesma quantidade de energia de uma tonelada de carvão. No mesmo podcast, Luís Guimarãis afirma também que o urânio aporta em si uma carga de radioatividade menor, comparativamente ao carvão Outra das vantagens da utilização de centrais nucleares para produção elétrica, de acordo com a mesma fonte, é ser a forma de produção de energia com menos CO2 emitido em todo o seu ciclo de vida, incluindo a fase de construção

À espera de ver cair as bolas do D.Dinis:

uma análise sociocultural de promiscuidade na Universidade

A promiscuidade em contexto universitário é um fenómeno familiar. Cantorias sobre “vergalhos”, kits de caloiro que optam estilisticamente por uma presença numerosa de trocadilhos e innuendos sexuais, entre outros As próprias histórias e tradições que a Universidade de Coimbra promove são a reflexão de uma mentalidade libertina, descomprometida e levemente pervertida. São variadas as possíveis razões que o justificam: o facto do nosso córtex pré-frontal encontrar-se em desenvolvimento até aos 25 anos; o receio de um futuro incerto que desmotiva o estudante comum de apostar em relacionamentos amorosos de longo prazo; ou, então, a própria cultura académica conimbricense que incentiva à adesão ao comportamento não-monogâmico e sexualmente liberto. Tomemos como exemplo a lenda das bolas do D. Dinis, as duas esferas magnânimas no topo das famosas Escadas Monumentais: “segundo uma “lenda”, as “bolas” do D. Dinis, o rei que fundou a Universidade, vão cair no dia em que uma estudante se forme ainda virgem ” (Silva, 2017). Evidentemente, as “bolas” do D. Dinis permanecem em grandor no topo das Monumentais Isto, naturalmente, só pode significar uma coisa: em 734 anos de história da Universidade de Coimbra, nenhuma estudante da instituição se licenciou virgem

Nisto, surgem algumas questões: porquê a imperatividade ditada pela Universidade de Coimbra de nos saber sexualmente libertas? (Seria D. Dinis conhecido como O Lavrador, associado ao progresso da agricultura, ou teria ele o hábito de “sujar as mãos” mais perversamente?) A quem devemos a herança do estilo de vida promíscuo no período da faculdade? E, por fim, será este um estilo de vida a promover infinitamente?

Como nota preventiva, antecipo: o propósito deste artigo não é antagonizar a liberdade sexual do indivíduo, nem tão pouco pregar o regresso ao conservadorismo e ao pudor carnal.

Se há algo de positivo na desconstrução de estigmas sexuais e na abertura de mentalidades, é a possibilidade de maior autonomia corporal por parte de qualquer género. Dito isto, convido o leitor a questionar-se se maior autonomia corporal obriga a uma maior inclinação para o estilo de vida promíscuo incentivado pela cultura universitária.

Reflitamos: como pontos positivos da chamada “hookup culture” encontra-se a sensação de maior liberdade sexual que, por sua vez, permite a exploração pessoal do que é para si prazeroso, sem ter que atender a expectativas ou pressões sociais; a proporção de momentos de descontração momentânea, que têm como prioridade a satisfação de necessidades individuais; e, para muitos, a perspetiva de ser aventureiro, viver a vida no limite, a ideia de maximizar as oportunidades que a juventude oferece (Ambroise, 2023).

Em contrapartida, são referidas inúmeras desvantagens que advêm deste tipo de comportamento: impactos emocionais negativos como sensações de culpa, confusão, angústia, solidão e um vazio emocional; também a possibilidade de se sentir indesejado, insuficiente para algo mais do que uma relação efémera e amorosamente insignificante Num estudo sobre a questão, onde participaram 557 estudantes universitários norte-americanos de ambos os sexos, 41% admitiram que, na manhã a seguir a um momento íntimo casual, sentiam tristeza, ambivalência e arrependimento (Kerner, 2013)

À espera de ver cair as bolas do D.Dinis:

uma análise sociocultural de promiscuidade na Universidade

Foi também comprovado que problemas de saúde mental, tais como depressão e ansiedade, são agravados consoante uma maior frequência de momentos de intimidade singular. Para mais, a habitualidade de relações casuais e a preferência pelas mesmas acaba por desencorajar a exploração de relacionamentos mais profundos e possivelmente duradouros.

Por fim, sublinho um dos fatores mais negativos em volta da promiscuidade: a pressão social que dela surge, e que é posteriormente reproduzida. No entanto, não só esta pressão social é potenciada pelo aumento de intervenientes e adeptos deste tipo de interação, como a própria cultura académica parece ter um papel fundamental no seu incentivo Sabe-se, pois, que a experiência universitária não é apenas composta por momentos de formação académica, sendo também recheada de circunstâncias lúdicas, vida noturna, festas académicas, e demais oportunidades para estudantes se conhecerem, interagirem e, eventualmente, se envolverem. Chega-se a um ponto em que a promiscuidade se torna o expectável e o inevitável, o seguimento do progresso natural de uma conversa fluída

Faz parte da natureza humana criar afiliações sentimentais em relação a outros, ainda para mais depois de uma partilha tão vulnerável e íntima como a do nosso próprio corpo e sensualidade.

Chegou a hora de desafiar aquela que, agora, parece terse tornado a norma social. É momento de explorar a experiência universitária por outra lente, longe de pressões sociais e aparentemente pseudo-académicas. Permaneço na esperança de que a autonomia corporal de cada um seja só isso, ignorando qualquer fator externo que nos puxe a querer algo que não queremos, em detrimento da nossa saúde mental, emocional e social. Desejo sentir o ritmo individual, pessoal e heterogéneo de todo o estudante que subir ou descer as Escadas Monumentais, e fico na esperança de um dia poder ver cair as Bolas de D. Dinis.

Bibliografia

Ambroise, A M (2023) The pros and cons of hookup culture - Human opinions - medium. Medium. https://medium com/human-opinions/a-couple-ofmonths-back-i-watched-one-of-my-favorite-youtubers-

Empatia

em

tempos

de

CatarinaMendonça

individualismo: estaremos destinados à solidão?

for fastest, strongest or largest, er ” (Waytz , 2023)

auer: o ser humano é, na sua fletir - a pena que sentimos, a nossas ações Estas estão por da nossa natureza. A presença xternos, como a circulação de um outro apacidade de sentirmos esta taca a sua presa sem qualquer s que lhe ficam à espera, o ser cossocial necessária para levar somos seres sociais. Sabemoos o desejo de ajudar o outro e

mos, de modo geral, a tornarmenos empáticos Desde a etição interpessoal que lhes tendências de pensamento sas por detrás desta perda, e

re o que a nossa natureza nos diano Estamos tão descolados hoje já não correspondem, de Passamos a maior parte dos que não respeitam as nossas oderna, de trabalho incessante -nos da vida em comunidade, o? Problemas de saúde, tanto de descontentamento, com e ansiedade. Tivemos, aliás, a s negativos que o isolamento e COVID-19, onde, de forma da solidão vivida. Um estudo ntir-se mais sós durante a ento do sofrimento emocional ntal (Jabbari et al., 2024).

CatarinaMendonça estinados à solidão?

CatarinaMendonça estinados à solidão?

A cultura mercantilista nos dias de hoje:

o seu destino e implicações

A cultura traduz um dado adquirido em qualquer coletividade humana organizada. Num espaço onde coexistem homens e mulheres, a cultura surge como uma extensão inelutável do engenho criativo e do livrearbítrio, intrínsecos à medular e irrenunciável condição da humanidade, sendo instrumento de identidade, integridade territorial, coesão e continuidade intergeracional. Mas, a verdade é que o significado de «cultura» enfrenta hoje uma dura crise, em virtude das fronteiras impostas por um «mercado» cujo voraz e insaciável propósito é o de alcançar objetivos de cunho estritamente monetário. Por outro lado, essa nobre «cultura» pode também surgir como um infértil rastro ideológico, menorizado à condição de um veículo axiologicamente deturpado por parte de antagónicos grupos sociais em incessante colisão conflitiva. Assim, a hiperprodução cultural imposta pela lógica de mercado hodiernamente prevalecente transforma a criação cultural numa espécie de mercadoria fugaz, impropriamente desenraizada do seu contexto histórico, estético e social.

À luz da atualidade, como nunca antes havia sido testemunhado num qualquer contexto histórico-social, vivenciamos um mundo digitalizado e hiperconectado, em que o entretenimento surge como uma marcade-água singularizadora dos nossos peculiares tempos Hoje, entretenimento e cultura confundem-se, mesclamse, entrecruzam-se. À luz disto, como se compreende, hoje, esse conceito também ele, filosoficamente, de difícil definição… de «cultura», numa envolvência social externa que, em resposta às mercadológicas exigências da produtividade massificada, hiperproduz, está sujeito a uma profunda e diametral transmutação requalificadora.

O fenómeno precedentemente descrito, acarreta, por certo, diversas consequências, de teores também eles indubitavelmente distintos E nem todos eles, realmente, se afiguram positivos. O que antes era pouco e de poucos, hoje é muito e de muitos (e ainda bem) O que antes educava, hoje quase parece… deseducar.

Em tempos de antanho, a abundância e a velocidade de circulação de informação revelavam-se assaz diminutas, em virtude da liminar escassez de infraestruturas necessárias para uma transmissão racionalmente articulada dos núcleos informativos à generalidade das massas sociais, não raro sem condições económicas para aceder e inteligir o túrbido conteúdo do dado cultural Esta «cultura» traduzia-se, pois, num raro privilégio de uma pequena elite social, dotada que era de um superior poderio sócio-económico propiciatório de uma maior formação intelectual, indispensável para a compreensão do dado cultural em mãos , que nela encontrava uma exteriorização de uma benemérita ociosidade e um espaço para uma reservada contemplação da realidade Nesses tempos, a produção cultural era aprioristicamente limitada e excludente, refletindo uma estrutura social marcadamente hierarquizada, sólida e inamovível, no seio da qual os papéis sociais eram vincadamente préestabelecidos em função da classe, em jeito quase irredutível. À cultura, entre outras coisas, presidia um propósito educativo, de exposição do mundo físico e moral. Procurava-se desvendar os segredos do mundo. Só mais tarde é que a cultura adquiriu uma finalidade de intervenção social Não se redimindo à qualidade de visualizador acrítico de uma incompreensível realidade, o produtor cultural anelou agora, aliado aos sociais movimentos emancipacionistas coevos, ter uma voz ativa e participativa na mudança do quadro social concretamente vigente A produção intelectual ganhava uma feição interventiva, de cunho politizado e perpassado por uma identidade criativa incrustada na figura do autor.

A cultura mercantilista nos dias de hoje:

o seu destino e implicações

Hoje, todavia, em contraposição ao quadro social sobredito, é irremediavelmente certo que o mais comum e prosaico dos cidadãos se depara com um cenário sobremaneira singular: em quase todo o ponto do mundo, uma pessoa, se assim justificadamente o pretender, logra obter acesso imediato a quase qualquer informação que deseje, como que sem regra e medida. Qualquer um de nós, à distância de um mero clique computacional, pode criar e ver o que foi criado, nas inúmeras plataformas sociais que por aí exabundam A filosofia, a política, a arte, não são já apanágios, mas quase que fugazes banalidades. Com efeito, temos hoje uma espécie de Biblioteca de Alexandria nos computadores pessoais que titulamos. E nós nem sequer aparentamos sabê-lo Nem a aproveitamos com a dignidade que, indiscutivelmente, lhe é devida.

Numa sociedade estribada, como tão bem sabemos, num culto cego e desenfreado do progresso tecnológico onde é tão fácil conhecer e ficarmos (aparentemente) informados, parece, com efeito, que menos sabemos. E a radical transmutação da cultura, nesta esteira, revela ser

Amiúde, somos confrontados com um excesso de informações, que, sem a devida mediação intelectual ou reflexão crítica, pode conduzir à confusão, desinformação ou, mesmo, à alienação, com a consequente angústia que inexoravelmente a persegue

Ora, no meio deste meandroso rol de problematicidades sem resposta imediata, impõe-se sondar que espaço sobra para a relevância da cultura, face à sua radical reconformação semântica? Em abono da verdade, numa análise crítico-reflexiva do fenómeno circunstancialmente em mãos, o conceito de cultura transfigura-se, hoje, numa abundância de informação, as mais das vezes de autoria duvidosa ou ilegítima. Dos mass media às redes sociais, às normas, aos símbolos, aos movimentos sociais em voga, modos de interação relevantes e toda a interação social pertinente, não se encontra ordem no caos. Mas desengane-se, ante o exposto, aquele que pensa, assomado por um sentimento de indignação, que a cultura perdeu a sua matricial relevância. Ela permanece, plácida e queda, como um intransponível artefacto da nossa existência

A cultura mercantilista nos dias de hoje:

o seu destino e implicações

Ora, este excesso de informação, aliado à idolatria do entretenimento de fácil acesso são, hoje, sintomas reveladores de uma patologia latente na matriz civilizacional contemporânea: a apologia a um entretenimento imediato, oco e vão, que secundariza a substância para dar lugar à proclamação da eficiência e da utilidade. No meio de quantiosa informação, o cidadão informado torna-se raro. Os tempos atuais nitidamente colocam em evidência essa conclusão. A desinformação pulula e velozmente se multiplica Só as próximas gerações, na velha dialética hegeliana, conhecerão de forma crua e carnal, o destino a que lhe estamos a pré-impor.

Apesar de, evidentemente, estarmos a passar por um período exponencialmente evolutivo na história da humanidade, cabe a cada um de nós proceder a uma reflexão profunda sobre o que sabemos e queremos saber. Saber é também saber escolher. Ter informação não consiste, por reflexa inerência, em estar-se esclarecido. O esclarecimento passa, pois, por um deveniente processo de maturação intelectiva,

Destarte, em jeito de conclusão, sob a luz do panorama cultural hodiernamente prevalente, em detrimento de se fazer apelo ao fomento do desenvolvimento intelectual e, ademais disso, a um aguçamento da criatividade, inclíto manancial de qualquer pré-atividade cultural da população, gera-se o fenómeno tipicamente nominado «infodemia» no meio científico consistente, assim e então, numa sobrecarga de informações, muitas vezes contraditórias ou irrelevantes, que dificultam e deturpam a distinção entre o absolutamente essencial e o meramente supérfluo. Nessa ordem de ideias, o fenómeno em causa apresenta, outrossim, uma conatural predisposição para homogeneizar os juízos e sensibilidades estéticos, o que, paradoxalmente, reconduz a uma diminuição da diversidade cultural que ela guturalmente vocifera expandir. O gosto, nuclearmente subjetivo, torna-se uma concretização de uma massa compartilhada de heteronomias.

Portanto, talqualmente assinalado, as sortidas decorrências advenientes dessa hiperprodução cultural

Tradição Coimbrã Dossier

Por trás da tradição, uma trajada desassossegada FilipaMartins

Coimbra: cidade dos amores, da saudade e da tradição O imponente centro universitário do país que se ergue sobre uma reputação tradicionalista secular, juntamente com uma vida académica de excelência. Estudar na Universidade de Coimbra é um sentimento, um privilégio e uma aventura quotidiana que tanto estimo. Mas, por entre cânticos animados e elegantes capas negras, apercebo-me do inquieto sussurro de problemas igualmente denegridos e abafados em nome da tradição. Afinal, o que se pode esperar de uma academia com 734 anos de História, enaltecedora do passado e confortavelmente conformada, que não subscreve à metamorfose natural e necessária para atender às exigências das novas gerações?

Não aspiro escrever uma ode de desprezo e obliteração à tradição, mas sim denunciar a forma como esta é weaponized para que não haja espaço para inovar. Numa cidade universitária que assiste anualmente ao aumento do número de estudantes, é apenas natural que se integrem novas ideias e se realizem mudanças em prol do bem-estar da comunidade estudantil, sem necessariamente ofuscar a tradição. Porém, tal não parece ser o caso, como muito se tem observado recentemente.

Passaram apenas quatro meses desde a comoção em torno da realização da Serenata Monumental da Queima das Fitas 2023/2024, um debate acalorado que colocou Sé Velha e Sé Nova em lados opostos da mesma moeda. Se, por um lado, se desejava cumprir a tradição e regressar aos moldes pré-pandémicos, por outro, constatou-se a impossibilidade de o fazer, devido à falta de condições de segurança. Contudo, o apego tradicionalista e a impassibilidade das partes envolvidas impediram a alteração do local previsto inicialmente – a Sé Velha, resultando, por fim, no cancelamento oficial da Serenata Monumental.

Milhares de estudantes perderam a oportunidade de ver as suas capas traçadas pela primeira vez ao som da balada, e tantos outros não puderam desfrutar da última serenata enquanto estudantes, concedendo um tom amargo à sua despedida. “Há sempre alguém que resiste. Há sempre alguém que diz não” foi o mote utilizado na manifestação que decorreu na mesma noite na Catedral de Santa Maria, sendo esta um mero pretexto para que a serenata pudesse cumprir-se ilegalmente, contornando a vontade das forças de segurança Os organizadores da dita “manifestação” cortaram deliberadamente o trânsito e pediram silêncio para que se fizessem ouvir, mesmo sem as condições reunidas Em nenhum momento houve intervenção da PSP

O enaltecimento da tradição foi igualmente notório durante a preparação para a Queima das Fitas 2023/2024. O quão hipócrita seria, no atual panorama nacional e internacional, pautado por inúmeras questões socioeconómicas e culturais, escolher-se um tema centrado no próprio evento? Curiosamente, foi exatamente isso que aconteceu “Os 125 anos da Queima das Fitas” foi o tema eleito para a última edição do evento académico mais importante do ano, deixando inconformados os estudantes que viam uma oportunidade de conferir à popular festa académica um toque de sensibilização.

Por trás da tradição, uma trajada desassossegada

FilipaMartins

Falemos, agora, de outro elemento tabu para quem é amante da tradição: o Traje Académico. Muitos associam a sua origem à ambição de acabar com as diferenças sociais e de classes entre estudantes. No entanto, os factos apresentam-se bem diferentes. A “Capa e Batina” remonta para a influência da Igreja (responsável pelo ensino superior até ao século XVIII), na criação do traje, que terá sido inspirado nas Batinas Eclesiásticas. Só em 1957, aquando da publicação do primeiro código de praxe, o Traje Académico adquire um novo simbolismo; aí sim, associado à igualdade, respeito, humildade e fraternidade. Apesar do seu valor simbólico, foram criadas uma série de regras no seu modo de utilização que devem ser seguidas à risca: “traça-se sempre [a capa] sobre o ombro esquerdo; quando se usa pelas costas, deve ter algumas dobras no colarinho correspondendo o número de dobras ao ano do curso ou ao número de matrículas; em serenatas tem que estar totalmente traçada; na missa coloca-se pelas costas sem dobras; os rasgões na capa devem ser feitos por pessoas importantes e os emblemas, cosidos na parte inferior esquerda no lado de dentro da capa, […]”. Ora, além do exímio rigor que nos é exigido para integrarmos o clube dos bons usuários da Capa e Batina, é ainda “[…] proibido o uso de botins ou botas, sapatilhas, luvas, maquilhagem excessiva, pulseiras e todos os adereços que choquem negativamente com o uso da Capa e Batina e com os princípios que lhe estão inerentes;” (CPUC, 2022). Creio que a padronização do vestuário para efeitos sociais e a censura da liberdade de expressão e estética de cada um são dois conceitos separados por uma linha muito ténue

Ou seja, posso sair à rua com o traje vestido e participar numa manifestação contra desigualdades sociais, mas se o fizer de batom vermelho e unhas pintadas contribuo para que essas desigualdades se acentuem? Pelo facto de poder ser distinguida à distância? Penso que esta cultura de opressão de identidade e de liberdade individuais em nome da tradição começa a ganhar um aspeto antiquado e muito pouco inclusivo nos valores que esta universidade difunde.

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