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QUAIS AS JANELAS QUE SE FECHARAM E QUE JANELAS SE IRÃO ABRIR?
Gonçalo Byrne Arquiteto e presidente da Ordem dos Arquitetos Foto: Paulo C. Santos
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ano de 2020 é singular. Será recordado, não só, mas sobretudo Opela pandemia e pelo mais de milhão e meio de mortes causadas globalmente. O ano, que se anunciava auspicioso, deu lugar, sem aviso, a um momento transformador quando, em 11 de março, a OMS declarou a pandemia do , Covid-19 reclamando uma ação urgente, agressiva e global de todos os países.
A incerteza instalou-se. Todos sabíamos que estávamos não só no centro da pandemia, mas no epicentro da história. A nossa sociedade, a nossa forma de vida global estava posta em causa. Os efeitos da crise foram, quase instantaneamente, devastadores, obrigando a uma resposta coletiva, coordenada e organizada, da sociedade e das suas instituições, para fazer face a uma crise que foi, e continua a ser, sanitária, económica e social.
O primeiro momento foi de intenso isolamento social e, simultaneamente, de rápido ajustamento às novas condições e às novas tecnologias, exigindo, a todos, essa necessária adaptação. Fomos obrigados a ficar confinados e, por isso, a viver e sentir a casa onde habitamos mais intensamente. A casa passou a ser um contentor de todas as funções da nossa vida: trabalhar, estudar, estar em família, e a forma como essas funções se desempenham alterou-se drasticamente. O teletrabalho tornou-se uma realidade para
grande parte dos cidadãos. As reuniões presenciais deram lugar às telemáticas. As conferências deram lugar a webinars. O espaço de encontro passou a ser digital. E todos nos adaptámos.
A expressão “transição digital” passou a estar na linha da frente. É seguro dizer que a vida pessoal e a vida profissional convergiram na casa. A forma como as pessoas olharam para o seu espaço privado, mas também para o espaço público e para os espaços intermédios (alpendres, varandas) que, entre os dois, estabelecem esse buffer entre a vida privada e a pública, alterou-se. A pandemia revelou as vulnerabilidades do mundo construído, das cidades e da paisagem. Despertou na cidadania uma sensibilidade, mas, também, até certo ponto, uma reivindicação, para que a resolução dos problemas fosse acelerada: mais espaço, mais ar, mais luz, mais exposição solar. Nessa resolução, o papel da arquitetura é incontornável.
O modelo da separação de funções está posto em causa há vários anos. A pandemia veio revelar que o teletrabalho já estava instalado, mas não tão utilizado quanto poderia, e veio demonstrar que é importante estar atento às direções da transformação, que, neste caso, querem dizer voltar a ligar usos. Trabalhar e habitar têm de se aproximar.
Todas as transformações que têm vindo a ser exigidas em contexto pandémico, nomeadamente a necessidade de repensar as casas, os prédios, o espaço público, a cidade, o território, a paisagem, já estavam em curso antes do aparecimento da pandemia. O mundo, de alguma forma, já se tinha vindo a consciencializar de que a globalização, o mercado, o consumo, a concorrência, são valores monodirecionados para a economia e a finança, tornadas em política.
Esta crise veio, assim, de forma positiva, revelar uma contra-crise. A paragem da produção e da indústria e o confinamento vieram limpar a poluição. A descarbonização, as economias circulares, repensar a construção e o espaço público de forma abrangente, estudar novas formas de reabilitar e construir, eram medidas que estavam já em curso, mas ainda com resistência. A crise pandémica veio exigir essas soluções.
Imediatamente começámos a ouvir falar de cidades mais verdes, de edifícios mais sustentáveis. Assistimos à aceleração de novas políticas e ferramentas que visam a Transição Digital e a Transição Verde, em conformidade com o Pacto Ecológico Europeu (Green Deal).
Em julho, o Governo português apresentava a Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal 2020 – 2030. Nesse primeiro momento, o documento omitia quase por completo a componente física, a política e o planeamento do investimento, no que à Arquitectura, Urbanismo e Paisagem concerne, no combate à emergência climática e no alcançar a neutralidade carbónica na recuperação económica e social da Europa pós-pandemia.
Afinal, a tendência mais frequente na busca de uma construção sustentável é a aposta nas tecnologias. Mas a sustentabilidade não é matéria unicamente tecnológica. Sabemos que a construção é responsável por 40% da emissão de CO2, uma percentagem demasiado expressiva para que negligenciemos a responsabilidade que todos temos no que construímos. Importa trabalhar na questão da durabilidade e da qualidade da construção. Se construirmos algo que perdure o dobro no tempo, estamos a reduzir a sua pegada para metade e, potencialmente, reduzimos os seus custos de manutenção.
É preciso reabilitar, reciclar, repensar os modelos de vida com consequências diretas na forma de habitar, de construir, de utilizar os espaços públicos. A Covid-19 apenas veio mostrar esta evidência, de uma forma clara e transversal.
É um facto que a recuperação económica e social da Europa pós-pandemia se centrará no Green Deal. Em setembro, a Presidente da Comissão Europeia dizia que os europeus haviam demonstrado o quão forte é o espírito humano, e que este era o momento de liderar o caminho da transformação, da fragilidade para uma nova vitalidade, e o Green Deal o plano para essa transformação.
A todos surpreendeu, apresentando a ideia holística de uma “Nova Bauhaus Europeia” e trazendo ao Green Deal uma dimensão cultural que, somada às dimensões ambiental e económica, pretende aproximá-lo dos cidadãos. Como vemos, esta crise é, afinal, um processo em desenvolvimento. É preciso saber aprender com ela, estabelecer objetivos e estratégias, para, como arquitetos num projeto, ir fazendo escolhas, abrindo janelas, espreitando o futuro, “caminhando e medindo” .

Gastão Cunha Ferreira Arquiteto e sócio Martim Cunha Ferreira Arquiteto e sócio
Cunha Ferreira Arquitetos é um atelier de Arquitetura familiar, gerido pelos arquitetos Gastão e Martim Cunha Ferreira. Com o entendimento que de a Arquitetura deve servir as pessoas e que falta falar da importância desta disciplina nas escolas, esta empresa atravessou a pandemia sempre a trabalhar. Para Gastão Cunha Ferreira, é importante olhar a Arquitetura de forma descomprometida e adequada ao propósito que serve.
Como caracterizariam a Cunha Ferreira Arquitetos e o trabalho que Martim Cunha Ferreira (M.C.F.): Com a chegada da pandemia, mantivemodesenvolvem, tendo por base, também, o desempenho deste ano nos calmos e continuamos a fazer aquilo que sabemos fazer. Num tempo de 2020, particular em termos de pandemia? de reflexão como este, os serviços que ganharam mais força foram a Gastão Cunha Ferreira (G.C.F.): Somos um atelier pequeno e escolhemos consultoria e a revisão de projetos. Continuámos a apoiar os nossos fazer projetos de diferentes dimensões. Temos a possibilidade de escolher clientes ligados à área da consultoria financeira e advogados que têm para quem trabalhamos o que, para nós, não é um luxo, mas uma questão clientes que querem investir. Temos feito isso, bem como também projetos de sobrevivência. Este ano não se pode comparar a qualquer outro. A ligados à Arte. O nosso espectro de ação é muito grande, permitindo-nos verdade é que muitos projetos que podiam ter sido iniciados não foram, fazer de projetos pequenos até algo maior. ficaram suspensos ou acabaram por se perder. No entanto, tendo em conta o que se verificou em muitos outros setores e atividades, a verdade é que A diversificação de serviços é importante para a sobrevivência dos ateliers? não podemos dizer que foi mau, pois tivemos um ano bem preenchido. A (G.C.F): Portugal é um mercado pequeno e cheio de arquitetos – temos um nossa adaptação à nova realidade – confinamento, trabalho por número de arquitetos per capita enorme, dos maiores da Europa, o que videoconferência – foi pacífica, tendo em conta que temos uma estrutura acabou por desvalorizar a profissão. O mercado em geral tem uma grande leve e adaptável. Todavia, há que lembrar que a pandemia não foi a única dificuldade, depois, em distinguir a quantidade da qualidade. Por outro alteração no mercado – o Brexit, no nosso caso, também representou lado, o facto de sermos muitos implica que ganhemos capacidade para alterações significativas, tendo em conta a origem de alguns dos nossos trabalhar a várias escalas – podemos trabalhar num projeto pequeno e ver clientes estrangeiros. o trabalho a uma escala maior e o contrário também é verdade – fazemos
um trabalho grande e temos noção do trabalho como o espaço pode ter vários usos, ao longo existente nos outros níveis e das consequências das horas do dia… Assim sendo, o que importa é do mesmo. Quando executamos um projeto, a forma de olhar a Arquitetura. Essa forma é que pensamos no todo e nas consequências dele. tem de ser diferente e descomprometida.
Enquanto disciplina e Arte, é possível falar-se É possível pensar a Arquitetura de forma em boa e má Arquitetura? diferente em Portugal, tendo em conta que o (G.C.F): Eu acredito que ninguém se atreve a país ainda é tradicionalista? dizer o que é bom e o que é mau, porque essa (G.C.F.): A Arquitetura deve ser das poucas áreas opinião é sempre pessoal, mas não podemos que não é falada nas escolas e, no entanto, é olhar para a Arquitetura só de forma racional. uma área que influencia a vida das pessoas Eu acredito que a boa arquitetura é a que serve desde o momento do seu nascimento, pois as pessoas. Depois, é mesmo uma questão de vivemos numa Natureza construída. Aquilo que gosto – há ótima arquitetura, de péssimo gosto se faz dura muito tempo mas, incrivelmente, e há péssima arquitetura, de ótimo gosto. nunca se fala em Ambiente Urbano. Não existe (M.C.F.):A Arquitetura também tem a ver com o essa preocupação e, no entanto, a Arquitetura espaço, com a sua utilização e dimensão. Além interfere mais na nossa vida do que a roupa que disso, cada família é diferente. Se falarmos em nós vestimos. moradias, existem espaços que todas as casas têm, mas depois outros espaços devem ser Como preveem 2021? pensados tendo em conta determinadas (G.C.F.): As pessoas deixaram de ter a ilusão da características da família – os hobbies, a previsibilidade e perceberam que, se não ocupação profissional, qual a utilização que dão houver decisões, não há acontecimentos. Por aos espaços… A arquitetura tem muito desse isso é tão importante tomar decisões. A vida não lado pessoal, por isso é que importa conhecer a para. Psicologicamente, a vacina será muito forma como a pessoa vive, em casa. Nós importante, mas não creio que altere nada no fazemos uma arquitetura de excelência, pois modo de vida. No entanto, espero que a sabemos quais são os ingredientes e temos a adaptação seja rápida e inteligente. preocupação de ter poucos projetos e poder (M.C.F.): Iremos para um normal diferente. Toda trabalhar com calma, vendo o nosso trabalho a tecnologia que usamos, já existia, não estava reconhecido. era tão utlizada. Isso são benefícios que esta pandemia nos deu – a noção de que podemos Neste momento, a casa representa vários facilitar a nossa própria vida. Porém, espaços sociais. Como lidaram as pessoas com continuamos a ser pessoas que gostam da isto? proximidade e de estar fisicamente num (G.C.F): As pessoas adaptaram-se, tendo em espaço. Esta pandemia serviu para reposicionar conta as capacidades do espaço e as funções a família, o trabalho e os amigos, coisas que que serve. Além disso, também fizeram uma faltavam à nossa vida e que são muito gestão das suas relações. Todavia, o que importantes. acontece é que, em geral, quando se faz um projeto, ninguém pensa na questão das relações. Ninguém pensa na forma como as pessoas se relacionam, como usam o espaço,
Edificios de Escritório Lisboa, 2003, Praça de Espanha, actual sede do Santander. Fotografia: Fernando Guerra

Palácio Sotto Mayor Lisboa, 2003, Fontes Pereira de Melo, Centro Comercial, Escritórios e Hotel – Fotografia: Fernando Guerra

Parque das Cicas Oeiras, 2020, Habitação, Serviços e Comércio. - modelo BIM

Curbside de Partidas e interface de ligação à estação Metro Aeroporto Fotografia: João Guimarães
