Anderson Lima - Campo do Riso

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CAMPO DO RISO

Naomi Silman ANDERSON – Você durante sua trajetória foi beber em várias fontes, com mestres muito consagrados. Passou pelo Tadashi Endo, Sue Morrison, entre outras nomes importantes da linguagem cênica. Como você assimilou essas referências dentro do seu processo para chegar no que é hoje seu entendimento, sua ação enquanto palhaça? NAOMI – Foi muito curioso porque eu cheguei na palhaçaria meio por acaso. Quando terminei a faculdade fui atrás de mestres do teatro físico, porque eu queria trabalhar com o corpo e linguagens mais híbridas, não um teatro que se baseia mais na fala e no texto. Sou inglesa, e fui fazer a escola do mestre francês Philippe Gaulier em Londres, a escola era perto de onde morava. Ele era muito conhecido pelo trabalho do palhaço, mas dava outros cursos: máscara, bufão, jogos teatrais, Shakespeare, textos clássicos. A escola dele era dividida em módulos e o último era palhaçaria. Eu pensei: “jamais vou fazer o curso de palhaço, não tem nada a ver comigo, eu quero fazer teatro, ser atriz séria”. Tinha esse preconceito e a ideia de que era algo bobo, que não era sério. Se queria ser artista não iria ser palhaço. E logo que cheguei na escola dele, esse preconceito foi rompido. Comecei a perceber que tudo que era ensinado, não importava qual era o foco, ou o tema de estudo, lá no fundo, os princípios da palhaçaria sempre estavam presentes. Fazíamos todas as aulas e sempre voltávamos no palhaço e nos princípios da palhaçaria - o prazer de estar em cena, o jogo, a relação com o público, não importa se estava fazendo algo muito sério ou trágico. Comecei a perceber que tinham muitas pessoas que passaram por lá e eram palhaços maravilhosos. Comecei a ter uma admiração, não só porque eram ótimos palhaços e tinham uma capacidade de revelar o seu ridículo, mas que isso fazia com que fossem bons atores também. Foi a primeira vez que fiz essa junção do palhaço com o trabalho de ator e no fim acabei fazendo o curso de palhaço com ele, Gaulier. Acho que foi o trabalho mais difícil que eu fiz, o primeiro também. O ofício do palhaço parece muito simples: fazer rir. Mas é algo extremamente difícil. Quanto mais engraçado você quer ser, revelar o seu ridículo e rir disso, mais sério se torna o ofício. Para você conseguir chegar nesse lugar exige uma jornada de autoconhecimento, tem que se colocar ao avesso, literalmente, mostrar tudo o que está errado em nós, tudo que não está como a gente pensa que tem que ser, tudo que talvez esteja ao contrário, feio, ou que nos faz sentir vergonha. Aprendemos desde muito cedo a achar os nossos ‘defeitos’ ruins e nos defendemos tentando esconder essas facetas e não as deixando aparecer. A sociedade nos ensina isso e temos que cumprir aquilo que a sociedade espera da gente. A palhaçaria desconstrói isso.

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