CAMPO DO RISO
Então, o palhaço deve ter uma entrada, um desenrolar e uma saída. Isso vale para um número de cinco minutos ou para um espetáculo de duas horas. São princípios, não dá para o palhaço fazer qualquer entrada, seja na rua, no circo, no teatro ou no cabaré da meia-noite. É nesse primeiro momento que ele se revela ao público, que cria um impacto, uma primeira conexão, traz o público para seu mundo. Esse palhaço que entrou com determinado impulso se transforma e, junto com ele, o público se transforma. Consequentemente, isso gera outro impulso que é a saída, o final. Se o palhaço perde esse impulso ele não sai. Ele terá que ser carregado dali ou terá que construir outra coisa. Vejo essas situações como parte do esqueleto do riso. O stand-up lida de um jeito, o teatro cômico de outro e o palhaço tem as suas próprias estratégias de entrada e de saída. Já vimos aquela entrada genial do Tortel Poltrona, palhaço de Barcelona e fundador dos “Payasos Sim Fronteras” - que já veio ao Brasil muitas vezes. Não tem entrada melhor que essa. Ele chega e vai amarrando cada um do público com uma fita. Neste momento, literalmente, ele traz o público para o mundo dele. Quando o palhaço não tem esse momento o público fica distante. O esqueleto é construído a partir das partituras das entradas e saídas, que nós não inventamos, a gente bebe da tradição. Até podemos encontrar nossa maneira de fazer, mas não inventamos a roda. ANDERSON - Você me fez pensar que essa é a estrutura do campo do riso. E na palhaçaria se fala muito de nosso estado [de criação]. Como você lida com esse assunto e faz com que este entendimento chegue para os alunos? PUCCETTI - Vou falar da maneira como nós, o Lume, entendíamos o trabalho do ator. Ele sempre tem dois componentes: o concreto - ação física, o corpo teatralizado, que vai agir segundo outros princípios; e há o lado subjetivo, que é energia, algo que a gente não vê, mas que está lá. Se não tiver isso, realmente não chega nada para a plateia. No princípio é semelhante à ação de uma criança. Ela quando sente o corpo, se expressar, não existe um filtro. Se distrai com a bola, tropeça, bate o pé e chora. O corpo todo chora. O palhaço é isso. O primeiro passo é esse: entrar em contato com essa possibilidade física. A partir disso, vemos que o nosso corpo tem várias maneiras de expressar energias. São facetas que cada um tem a seu modo. Esse é o ponto de partida para eu construir aquilo que você nomeia como estado, que nada mais é do que entrar em um nível de percepção além do cotidiano. Em resumo, é saber desenhar no espaço, é a forma que tem conteúdo, como a empada e a azeitona, ou seja, uma coisa não existe sem a outra. Acho que o retiro tinha um foco muito preciso, que era concentrar na descoberta desses estados. Eles aparecem quando você se vê em uma situação de extremo desconforto ou cansaço físico, situação em que você pensa, simplesmente aparece.
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