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Relatos de quem vive nas ruas

Pessoas em situação de rua e profissionais movidos pela solidariedade se cruzam em viadutos da capital

Por Bárbara Bühler

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Embaixo de um viaduto, no centro de Porto Alegre, Clóvis Ortiz Abanel tem apenas um colchão e um travesseiro como companhia. O homem de 62 anos é natural de Rosário do Sul e foi parar nas ruas da capital por conflitos familiares. “Não sou drogado, não sou beubudo. Fui embora de casa porque tive um desentendimento com a família”, conta. “Tem sete anos que sou viúvo, já sou avô, e hoje estou aqui que nem cachorro. Tô pior que cachorro, porque cachorro verdadeiro não abandona seus filhotes e hoje meus filhos me abandonaram”.

A realidade de Clóvis é viver com doações. Seus documentos foram roubados, o que o impossibilita de frequentar albergues. A assistente social Aline Reis trabalha há um ano no espaço Acolher II, que pertence ao projeto Restaurar, onde cidadãos em situação de rua podem passar a noite, tomar banho e se alimentar. Segundo ela, documentos de identificação com foto são necessários para ingressar no espaço.

Alessandro Fagundes também passa por dificuldades parecidas. Natural de Porto Alegre, foi parar nas ruas por conta do seu vício em drogas. Ele costuma ficar na rua João Abott, bairro Petrópolis, onde recebe auxílio de moradores. Durante seis anos nessas condições, ele afirma que ainda não teve ajuda da Prefeitura e de instituições. “Morei uma vez só num albergue e não gostei. Então, eu moro na rua, tem meus amigos e minhas amigas que me ajudam”, diz. No instante da entrevista, ele se encontra em frente a um bar, sentado em uma cadeira branca de plástico, esperando para assistir o futebol de todo domingo.

Clóvis e Alessandro compartilham o mesmo sonho, sair das ruas e ter um lar. Os dois se comoveram ao falar sobre esse assunto. “Meu sonho é trabalhar num condomínio, onde eu vou cuidar do condomínio e ter onde morar. Não quero ficar morando embaixo dessa ponte aqui, pela sociedade eu sou um lixo”, diz Clovis. “Meu sonho é mudar de vida, ou acertar num jogo, ou ganhar um dinheiro, comprar um terreno por aqui”, responde Alessandro, sobre seu sonho de vida.

Acolhimento

Para os que procuram auxílio em lugares de acolhimento existem regras a serem cumpridas. “Os usuários não podem estar sob efeito de alguma substância psicoativa. Devem deixar os pertences de rua em armário com chave, tomar banho, usar roupa dispo-

Não quero ficar embaixo dessa ponte, pela sociedade eu sou um lixo”

Clóvis Abanel, pessoa em situação de rua nibilizada pelo local, evitar situação de conflito com a equipe e demais usuários”, conta a professora e psicóloga Cláudia Ramião Francios, do Albergue Instituto Espírita Dias da Cruz.

O professor Ivaldo Gehlen, do departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, ressalta: “Na Capital, tem um percentual muito alto de pessoas com mais de cinco anos que moram nas ruas. O governo deve realizar uma política que atende outra lógica, visando as necessidades do indivíduo transitório, como um espaço

IMAGENS: aberto 24 horas, onde eles possam tomar banho quente e utilizar o banheiro”.

Gehlen pesquisou a população em situação de rua de Porto Alegre no estudo “Senso e Mundo”, onde buscava dados fundamentais (idade, gênero, grau de instrução, cotidiano comum de cada pessoa) para abordar a problemática, trajetória de vida pessoal e motivos pelos quais essas pessoas estão nas ruas.

“Em torno de 30% da população de rua em Porto Alegre é chamada transitória, que são aquelas que vêm e saem das ruas. Se eles estão nos albergues e a gente vai entrevistar, entra na contabilidade de pessoas em situação de rua”, explica. “Eles estão há mais ou menos um ano e meio nessa condição, a maioria desses se dispõe a sair das ruas. Depois de cinco anos, a saída de rua é muito difícil, é uma minoria que sai, eles aceitam melhorar o seu cotidiano, mas não morar num internato”.

A assistente Mariana Moura, que trabalha na Associação Cultural e Beneficente Ilhê Mulher, ao ser questionada sobre quais os motivos que levam as pessoas a dormirem nas ruas, em vez de procurar ajuda em algum instituto, afirma: “O estado deve garantir os direitos sociais, e não faz. Os espaços de acolhimento não respeitam os vínculos comunitários e sociais, não respeitam algumas formas de trabalho da população em situação de rua e não acolhem animais de estimação”.

Poder público

A Prefeitura de Porto Alegre, por meio do órgão gestor da Política de Assistência Social (Fasc), é responsável pela oferta de serviços, programas e benefícios de pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social. Durante a pandemia, mais famílias e indivíduos passaram a viver nas ruas, somando 1075. Em 2022, foram contabilizadas 2500 pessoas em situação de rua e cerca de 1600 em algum tipo de acolhimento institucional.

Segundo a Fasc, a “Operação Inverno” tem como intuito proporcionar mais lugares para abrigar pessoas em situação de rua nos dias mais frios, entre 1º de junho e 30 de setembro de 2023. No total, são disponibilizadas 1.047 vagas na rede municipal de proteção social em abrigos, albergues e pousadas na capital, um aumento de 227 vagas, comparado ao ano de 2022.

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