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Grupos criados para torcer convivem com casos de violência

Associadas a brigas em estádios nos últimos anos, torcidas organizadas marcaram história com cânticos, cartazes e lutas políticas em outros tempos

Por Dominik Machado

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Historicamente, torcidas organizadas são grupos de pessoas que se reúnem para torcer pelo mesmo time.

Hoje, são estruturadas hierarquicamente, com presidente, vice e diretores, comercializam produtos para bancar viagens ou cobram mensalidades de associados e, principalmente, recebem auxílio dos clubes, na forma de ingressos e outras vantagens. Mas cenas recentes de violência nos estádios ofuscam o brilho de outras épocas quando se fala nesse assunto.

No Brasil, existe uma discussão acerca de qual foi a pioneira. No prefácio do livro La Doce, de Gustavo Gabia, o jornalista Mauro Cezar Pereira afirma que o movimento surgiu com a TUSP - Torcida Uniformizada do São Paulo , fundada em 1939, por Manoel Raymundo Paes de Almeida. Já o canal de notícias CNN, em reportagem de abril de 2023, marca o começo de tudo com a Charanga do Flamengo, fundada em 1942, por Jaime de Carvalho.

Ao se tratar do Rio Grande do Sul, uma figura marcante apareceu em 1940. Segundo o jornalista Cláudio Brito, em entrevista ao canal do YouTube Vozes do Gigante, Vicente Rao foi o criador do Departamento de Cooperação e Propaganda no Internacional. Ele foi responsável por introduzir bandeiras, charangas, serpentinas, buzinas e foguetes nas arquibancadas do Estádio Eucaliptos, antiga casa do Internacional de Porto Alegre, sendo considerada a primeira torcida organizada do estado.

Vicente Rao ainda participou da fundação da Camisa 12, em 1969, a mais antiga ainda em atividade no Sul do Brasil. Em sua homenagem, colorados decidiram criar os Discípulos de Rao. Anderson Valença, um dos fundadores, conta que eles não se consideram uma torcida organizada, e sim um coletivo de colorados, que tem como intuito deixar a memória de Rao viva e distribuir alimentos a pessoas em situação de vulnerabilidade.

Em dezembro de 2016, quando o Grêmio criou uma campanha chamada Comunidade Tri para distribuir tintas nas cores azul, preta e branca aos moradores da Vila Farrapos, no entorno da Arena, para pintar suas casas com as cores do clube, os Discípulos de Rao se uniram: “Nos revoltamos com a cam- panha e decidimos criar um grupo de moradores colorados para realizar ações sociais, para efetivamente ajudar as pessoas carentes do bairro”, relata.

Espaço de expressão

Ao falar do Grêmio, não se pode deixar de citar a Coligay, fundada em 10 de abril de 1977, por Volmar Santos, primeira torcida organizada exclusivamente gay no Brasil. “A Coligay era uma torcida muito diferenciada, foi pioneira em implementar o apoio incondicional, fora todo o simbolismo de ser uma torcida homossexual em plena época de ditadura militar e que lutou contra o preconceito”, analisa o jornalista Léo Gerchmann, autor do livro Co- ligay, tricolor e de todas as cores.

Em 2014, surgiu outra torcida gremista que luta contra o preconceito, a Tribuna 77. “Naquele ano (1977) o Grêmio quebrou uma hegemonia do Internacional no Campeonato Gaúcho, também foi o ano de fundação da Coligay, e diversas ações progressistas ocorreram através da gestão do antigo Presidente Hélio Dourado”, conta Roger Canal, um dos fundadores. A torcida se formou no Estádio Olímpico, com um grupo de amigos que hoje se reúne na Superior Norte da Arena do Grêmio. “É uma torcida antifascista e tem como objetivo lutar pela redemocratização dos espaços de futebol e o combate a todos os tipos

Na época de 80, 90 não existia a violência de hoje”

Sérgio Trein, ex-integrante de torcida organizada de preconceito”, define Canal.

A Geral do Grêmio, a mais conhecida organizada do Tricolor, surgiu em 2001, inaugurando o estilo “Barra Brava” no Brasil. Inspirado nos torcedores da Argentina e Uruguai, tem o mesmo intuito histórico de suas antecessoras: apoiar o time. Porém, a violência tem sido um fator marcante, levando a diversas interdições do setor no estádio gremista ou perda de mando de campo para o time.

Tensão nos estádios

Até 1990, a violência nos estádios era notícia vinda da Europa, onde os hooligans protagonizavam cenas sangrentas, como a morte de 39 pessoas durante uma partida entre Liverpool e Juventus, em 1985. Segundo Francisco Valle, jornalista do portal de notícias R7, a primeira e mais marcante briga generalizada entre torcidas no Brasil foi em 20 de agosto de 1995, entre Mancha Verde, do Palmeiras, e Independente Tricolor, do São Paulo.

Os times jogavam pela final da Copa São Paulo de futebol Júnior, no estádio Pacaembu, que estava em reformas. Após o apito final, as torcidas protagonizaram uma verdadeira batalha campal, que deixou 102 feridos e causou a morte de um torcedor.

“Hoje em dia não podemos imaginar torcidas organizadas de clubes rivais se reunindo em um jantar para trocar informações, ou nos jogos emprestando cordas para amarrar as bandeiras no estádio. Na época de 80, 90 era assim, não existia a violência de atualmente, a gozação sempre existiu, mas a gente se respeitava”, conta Sérgio Trein, que participou da Torcida Inter Grande do Sul.

A rivalidade entre torcidas de clubes adversários e até mesmo de um mesmo time se acirrou nos últimos anos. Segundo uma pesquisa coordenada por Mauricio Murad, doutor em sociologia do esporte, entre 2009 e 2019, ao menos 157 mortes foram registradas envolvendo brigas de torcidas. O desafio é combater esses atos para que bandeiras, bandas e buzinas toquem mais alto, como foi em épocas passadas.

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