O nu é muito simples e muito complexo. Complexo por termos pudores com os nossos corpos e com os dos outros. Nos nossos, temos medo do julgamento, a vergonha de convenções sociais, dos olhares não intencionais. Ao mesmo tempo que também gostaríamos da aprovação, admiração e, dependendo de quem, o desejo.
Transferimos essas mesmas sensações para o corpo dos outros, o medo de estar vendo algo que nos foi ensinado a não ver, o medo de desejar, de não desejar, como se tivéssemos a empatia de passar para o corpo do outro o que nosso corpo pode sentir.
A simplicidade do nu é por sua definição em si. O que nos diferencia do nu para o não-nu são os tecidos pendurados em nossos corpos, principalmente em público. Mas no nosso íntimo, costumamos estar em casa sem alguma peça que usamos normalmente na frente dos outros e, em algum momento, estamos nu de verdade.
Logo, esse medo talvez seja da intimidade que tenhamos com nós mesmo ser compartilhada. Então se permita nessa revista, se permita a ver uma intimidade compartilhada, prometo que ninguém vai ficar sabendo o que você pensou ou fez no seu íntimo, a não ser que você queira.
EQUIPE
Fotografia Gabriel Tornich
Social Media Giovana Heusi
Redação Rafael Lucena
Design Shadi
Março 2024
UNCLAD #2 Gustavo Cabral e Shadi
Medu Zaa
Defina Medu Zaa, a drag, e Heitor, a pessoa. Começamos com porrada já hahahah Eu tô sempre em constante e a Medu é a maior prova disso. Mas o Heitor é muito mais retraído, calado, inseguro, ama ficar em casa, ama cafunés, as poesias, as músicas da velha MPB e é apaixonado pela família. O Heitor é aquele taurino nato. Desde as coisas boas até as bem ruins. E a Medu é a possibilidade de ser tudo isso e ao mesmo tempo muito mais. Ela é meu exagero da coragem, da sensualidade, do sex appeal. A Medu é tudo aquilo que eu sempre ouvi que não posso ser, enquanto gente e enquanto corpo. Ela é a minha forma de expressão na comunicação e todas suas vertentes e ao mesmo tempo é meu bloqueio e escudo de um monte de coisa. Quem conhece a Medu muito raramente conhece o Heitor. Mas quem conhece o Heitor sabe cada passo da Medu.
Como você começou como drag?
Eu sou ator desde 2010 e depois de precisar parar com o teatro por causa da faculdade, comecei a sentir uma falta absurda de colocar essa energia pra fora. Só que na época eu não gostava de Drag hahaha e achava que era só aquilo que a gente via nos programas do SBT antigamente (o que hoje sou apaixonado). Por volta de 2014 comecei a assistir Academia de Drags e achei muito legal porque era um reality show brasileiro. E eu ficava com um menino que via muito Rupaul’s Drag Race. Quando a gente terminou, pra matar um tico da saudade dele, comecei a ver também e entendi que drag era muito além do que eu pensava. E aí unir a saudade do teatro com uma arte que permite ser o que eu quiser, foi um pulo. Um pulo que levou um ano e muito estudo e treino, mas foi um pulo haha. Hoje tenho a felicidade de conhecer, trabalhar e ser amiga das meninas do Academia de Drags e até algumas do Rupaul’s Drag Race. O que é uma confirmação pra mim de que alguma coisa tá dando certo.
Como você descobriu que drag é sua forma de expressão?
Eu descubro todos os dias! Aqui dentro tem muita coisa acontecendo sempre! E eu amo poder testar na Medu tudo isso que eu sinto. Tem dias que eu quero ser uma grande gostosa, dias que eu quero ser extremamente gótica, dias que eu quero ser uma menina brincalhona, dias que eu quero ser extremamente surrealista, ou um monstro haha. E tem dias que eu misturo tudo isso e descubro coisas novas. Às vezes dá certo, às vezes não…
Como você vê o crescente das expressões artísticas queer?
É lindo poder ver os lugares que a arte queer vem alcançando! Lindo mesmo! Ter uma temporada de Drag Race no Brasil foi um impulso muito legal para a valorização da arte queer. E a gente ainda tá aprendendo a lidar com isso! Mas a arte brasileira é muito rica e variada. A Gente tem tudo pra dominar o mundo na maior tranquilidade!
E no DF?
Bem, o DF é um berço de arte enorme. Nossa cena drag é extremamente forte, grande e variada. Nós só não temos ainda os grandes olhos da mídia voltados ao DF. Mas creio que seja algo que se resolva em pouco tempo. >
PERFIL
Quais dificuldades pessoais você enxerga ter passado para se tornar uma referência drag?
Então hahaha. Primeiro, obrigada pelo “referência drag”. Eu ainda me acho muito pequenininha pra qualquer coisa. Mas entendo que tenho trabalhado muito nesses últimos quatro anos.
A arte é pouquíssimo valorizada no Brasil e a gente sabe disso. A gente tem valor quando tem fama. E quando a gente fala de uma arte principalmente voltada à comunidade LGBT+, é muito mais difícil. A arte drag é muito cara de ser feita! E à medida que a gente vai estudando sobre, a gente quer investir mais nela. Hoje não existe montação da Medu que saia por menos de alguns mil reais. A peruca é muito cara, as roupas são caras, a maquiagem nem se fala, o salto, as meias, unhas, acessórios, perfume e outras dezenas de coisas. E se a gente colocar na ponta do papel, não compensa muito colocar uma peruca de três mil reais na cabeça (além de todo o resto) pra receber R$200,00 de cachê. Além de todo desgaste físico e emocional.
Hoje é muito legal chegar nos lugares e ser reconhecido mesmo desmontado pelo meu trabalho! Mas durante muitos anos eu precisei abrir portas que não existiam pra poder dar vida à Medu. Precisei inúmeras vezes trabalhar por 50 reais, ou menos, pro produtor de tal casa ver meu desejo de estar ali.
Como começou a sua participação no Brasília Orgulho?
Ahhh o Brasília Orgulho foi um presente lindo que surgiu através de um convite deles mesmos! Eles entraram em contato comigo pelo Instagram, me fizeram a proposta de ser embaixadora e apresentadora e eu surtei na hora!
A gente construiu uma relação muito legal! E o Festival do Orgulho vai muito além da Parada LGBT+ e estar por dentro de tudo isso é lindo demais!
Você relaciona a performance com a sua expressão de sensualidade?
Totalmente! Recentemente me entendi enquanto demisexual, quem se atrai sexualmente só quando existe uma conexão emocional ou afetiva. O que me fez entender a razão de não ter tido dezenas de parceiros sexuais na minha vida, o que nunca foi um problema para mim. E a Medu me faz entrar numa realidade muito diferente à minha. A Medu pode ser o que ela quiser, mas se ela não exalar sensualidade e tesão, ela não é a Medu. Sabe? Hahaha Eu quero que vocês olhem para ela e queiram devorar ela (ou serem devorados) o tempo todo. Eu performo sensualidade através da Medu desde a hora que faço a boca dela na maquiagem. Se eu não tô confortável montada, eu não vou fazer ela bem feita. E vocês sabem que a boneca é uma grande gostosa hahaha. Mas o mais legal de tudo isso é chegar no fim do dia, me desmontar, tomar um banho e olhar no espelho e ver o grande gostoso que existe embaixo dela. Só que ter essa segurança desmontado é muito mais delicado, porque a Medu pode ser feita da forma que eu quiser. E o Heitor, bem, já é assim hahaha.
Como você enxerga sua sensualidade quando está de drag, mais feminina, e quando está desmontado, como Heitor, mais masculina? Acho que a minha sensualidade masculina tá muito mais no que é indireto. Tá no afeto, no desejar “boa noite” com beijinho no canto do sorriso (nesse momento todo mundo com quem eu conversei percebeu que não é único), tá na cantada boba e nos trocadilhos ruins pra ver a outra pessoa rir, tá no buscar em casa e pagar a conta do date, tá nessas provocações da conquista e, com toda modéstia do mundo, tá no beijo que elogiam bastante hahahah. E bem, acho que na hora H tá na atitude direta e na entrega total. Já montada, a Medu é completamente direta. Quando eu quero alguém montada, eu vou deixar muito nítido sempre. A sensualidade dela tá no movimento do cabelo, na cintura, nas pernas, na boca e principalmente no olhar. Acho que é até um carma divino usar o nome do personagem mitológico haha. Se Medusa petrificava as pessoas com os olhos, o olhar da Medu Zaa sabe bem transformar os outros em pedra de outra forma hahahah. Só que a Medu é só a provocação. Você não vai transar com ela. Tem muita coisa pra tirar e as coisas da Medu são meu material de trabalho. Imagina só minhas perucas cheias de lubrificante, suor e esperma? Nunca hahahah. Eu posso te provocar montada e a gente transa desmontado. >
Por que você acha que existe essa diferença nas performances masculinas e femininas?
Acho que o conceito de masculino e feminino é muito subjetivo. E existe diferença porque nossa sociedade é extremamente falocêntrica, principalmente no meio gay. Ou você é a reprodução dos guerreiros gregos, ou você é considerado feio. E eu não me tiro disso, porque é algo que eu busco todos os dias desconstruir em mim. Muito se enaltece um pênis enorme e pouco se fala sobre a dor que ele causa. A performance “masculina” está voltada à reprodução do que é viril, do que a gente vê em filmes pornô muito bem produzidos, repletos de ferramentas cênicas que nos iludem a pensar que sexo é aquilo. E a performance feminina é voltada ao empoderamento belíssimo de um corpo que sempre foi colocado em submissão. A grande realidade é que nossos corpos sempre foram taxados e rotulados. E, para mim, toda performance que foge disso é belíssima!
Até onde você acha que a sensualidade masculina pode ser delicada e sensível e ainda ser reconhecida como algo masculino? Falar sobre performance de gênero é muito delicado porque nós temos dificuldade em compreender que ser quem somos não nos torna mais ou menos masculinos ou femininos. É muito doido ter que pensar que em pleno 2024 a gente ainda tem que lidar com conceitos de que homens não podem ser delicados, chorar ou expressar sentimentos. E que o feminino ainda tem que ser delicado e submisso ao masculino. Quantos homens ao nosso redor são lindos, mas não têm um pingo de responsabilidade afetiva e são cheios de traumas? Porque se ensina a enaltecer corpos, mas não se ensina a cuidar dos sentimentos que moram dentro deles. Todos os corpos podem ser delicados e sensíveis sem ser menos. A gente só tem que entender isso e se libertar dessa caixinha boba que nos foi colocada.
Tem algo que você gostaria de falar sobre o tema, assunto? Passou da hora de a gente parar de ver pessoas só enquanto identidade de gênero ou orientação sexual. Corpos padrões são lindos. Mas outros corpos são tão lindos quanto!
Tem algum projeto seu, ou trabalho do passado/presente/futuro que você gostaria de compartilhar com a gente? O que podemos esperar dos trabalhos futuros de Medu Zaa? E redes sociais que gostaria de divulgar?
Ah, o De Frente com Medu Zaa é meu xodozinho eterno. São mais de 60 entrevistas disponíveis no meu Instagram. Tem Pabllo Vittar, Lexa, Lia Clark, Pocah, Grag Queen, Nanny People e até Érika Hilton entrou na lista recentemente, então o negócio tá muito bom hahahah E acho que esse ano a gente vai ver muito menos a Medu. Mas vamos ver ela com muito mais qualidade, em lugares muito legais e com muito mais felicidade! Tenho viajado bastante esse ano e não existe felicidade maior do que ver meu trabalho sendo reconhecido pelo Brasil. Sobre as redes sociais, minha única é o Instagram. Não tenho psicológico para Twitter não, e não sustento o flop que é meu Tiktok hahaha. Mas pra acompanhar meu trabalho é só ir no @meduzaadrag que a gente tá sempre presente por lá :) •
Nos nossos construtos sociais, raramente corpos masculinos são colocados nessa posição, que não é de demonstrar força física, alguma ameaça ou dominação para ser respeitado.
O nu que os expôs é o mesmo que os concede poder, confiança e afirmação. A partir da exposição, você os respeitou. A perspectiva fez o olhar.
Nos últimos dias tem se discutido muito sobre a nudez e o sexo no cinema. Uma vez perguntaram a Paul Verhoeven, diretor de grandes thrillers eróticos, se era necessário tanto sexo e violência em seus filmes, sua resposta foi de que nada é necessário, se o filme se atêm apenas ao que é funcional, ele se torna curto e efêmero.
Você não tem a necessidade de ver essas fotos, mas se você leva a sua vida apenas com o que é “produtivo”, ela se torna curta e efêmera.
Essas fotos existem para mostrar que o nãonecessário é necessário, agradável e belo. Com pessoas que não estão preocupadas ou envergonhadas de suas pulsões sexuais. Corpos que não querem discutir, querem exibir e ter seu espaço. Dois corpos que se sentiram à vontade para compartilhar a intimidade deles com quem quer que estivesse olhando esta revista, ou seja, com você que está lendo. Nós não conseguimos te ver, mas você consegue nos olhar como quiser.
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A Unclad também tem como objetivo discutir todos os tipos de corpos masculinos e as possibilidades de existências desses corpos, entre em contato você também para ser um modelo das próximas edições!
Organizado e idealizado por Gabriel Tornich.