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#ubcmúsica

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Primeira edição de um acampamento de criação musical realizado pela UBC reúne 18 artistas brasileiros e australianos e termina com 24 novas canções; modelo se torna sucesso global e pode representar uma revolução na composição

por_ Alessandro Soler de_ São Paulo fotos_ Luís Bahú

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O roqueiro australiano dedilha sua guitarra enquanto a escritora de letras da MPB arrisca algumas rimas (em português e inglês) e o produtor confere um toque latino ao que vai saindo. Na jornada seguinte, cada um deles vai para outra sala, onde os esperam dois ou três criadores diferentes para começar tudo de novo.

Assim foram os dias no song camp co-organizado pela UBC em dezembro, em São Paulo. Assim são muitos dos acampamentos de criação musical que se espalham pelo mundo, popularizando essa inventiva, instigante e, por que não?, lúdica forma de composição. Ao unir gente de estilos, origens e gerações variados, e com os olhos de grandes gravadoras e intérpretes diligentemente voltados para o resultado dos experimentos, tais encontros evocam um ambiente de saudável pressão, de busca pelo melhor resultado. Exatamente como ocorreu no início dos anos 2000, nos Estados Unidos, com as disputadas salas de escritores, ou writers’ rooms, que elevaram o nível das séries de TV, equiparando-as aos melhores filmes.

Depois de seduzir nove entre dez roteiristas do setor audiovisual, esse modelo de produção passa a ocupar também o topo das aspirações de muitos autores e produtores musicais.

“Foi minha primeira vez num song camp. E não há dúvida de que quero muito estar em outros. Já compus com um monte de gente, mas, para mim, trata-se de um processo eminentemente solitário. A gente passa muito tempo sem compor, seja por bloqueio, seja por renovação de estilo, seja porque simplesmente está ocupado com outras coisas. Mas, quando se vê com pessoas novas, cercado de ideias novas, não rola bloqueio, não rola branco, só inspiração e um alimentando o outro”, define o compositor, produtor, cantor e instrumentista Lucas Silveira, líder da banda Fresno e um dos 18 artistas brasileiros e internacionais que participaram da primeira edição do projeto SongHubs na América Latina.

Nick Weaver, Mitch Kelly e Glória Groove em uma das salas de composição

Encontro ocupa estúdio VIP, de Dudu Borges Idealizado pela sociedade de gestão coletiva australiana APRA AMCOS, o projeto já rodou o mundo — Bombaim, Londres, Singapura, Sydney, Los Angeles — e, no Brasil, teve produção também da UBC, com a colaboração de uma iniciativa de difusão musical australiana, o Sounds Australia. Ao longo de três jornadas, produtores, letristas, compositores de músicas e arranjadores ocuparam o impressionante estúdio VIP, do produtor Dudu Borges, no bairro da Aclimação, sem compromisso específico que não o de fazer boas canções.

O curador responsável foi Glenn Dickie, da Sounds Australia, que organizou as turmas, pautou os criadores e supervisionou os intensos turnos de até 12 horas juntando, em diferentes pequenos grupos, os australianos Alexander Biggs, Nic Mckenzie, Nick Weaver e Brendan O’Mahony (os três da banda Deep Sea Arcade), Joel Byrne (Wolf & Cub), Birdz, Chela, Jess Cornelius, Lila Gold e Mitch Kelly, além dos brasileiros Celso Fonseca, Samille Joker, Pedro Dash e Dan Valbusa (da dupla Los Brasileros), Bibi, Glória Groove, Lucas Silveira e Monica Agena.

“Foi um fechamento com chave de ouro para um ótimo ano do SongHubs. Tivemos alguns dos melhores compositores e produtores brasileiros conosco”, celebra Dickie.

Diretor-executivo da UBC, Marcelo Castello Branco também faz uma avaliação mais do que positiva da primeira edição de um acampamento de criação organizado pela UBC. “Acredito muito que, para um certo perfil de autores e produtores, a palavra prazo é um anabolizante. Cria faísca, ansiedade, e o resultado aparece. Mais curioso e produtivo ainda quando se juntam diferentes nacionalidades, origens, destinos... ”, ele descreve.

Celso Fonseca, que já havia participado em junho do ano passado de um grande song camp na França, durante a megafeira Midem, se mostra particularmente feliz com o resultado do SongHubs Brasil: “Foi o melhor. Esse tipo de encontro foi feito para isso: compartilhar, conhecer, aprender com outras culturas, outras pessoas, o que é fazer música. Fico muito agradecido, foi uma experiência maravilhosa.”

Contribuiu para o relaxamento e a integração entre os criadores o ambiente do estúdio VIP, um conjunto com decoração moderna e convidativa, repleto de espaços de encontro e ócio. Aos poucos, o próprio lugar foi reunindo todo mundo, rompendo alguma barreira inicial que pudesse haver. “Vim com receio do que ia rolar, mas foi maravilhoso. O pessoal é supertalentoso e superaberto. Aprendi muito sobre ter humildade dentro do estúdio produzindo”, conta a guitarrista e produtora Monica Agena.

Lila Gold, uma cantora e compositora de Sydney radicada em Los Angeles, faz eco: “Foi muito recompensador, uma das melhores experiências que tive na vida. Faria tudo de novo.”

Jess Cornelius, Monica Agena e Joel Byrne

Equipamento do Studio VIP em São Paulo

Chela, Lila Gold, Nic McKenzie e Bibi. Diferentes momentos de criação musical durante as três jornadas do SongHubs Brasil, em São Paulo: 24 canções escritas, produzidas e arranjadas por 18 profissionais australianos e brasileiros

LEIA MAIS Veja como participar do próximo song camp da Warner Chappell ou enviar seu material para o Brabo Music Team e integrar um “cativeiro de produção” deles ubc.vc/scamps

Aposta certa de gravadoras e editoras

Outros ‘song camps’ realizados por brasileiros no exterior já renderam canções gravadas por astros como Anitta

de_ São Paulo

Além do já mencionado song camp do Midem, outros encontros similares têm ocorrido mundo afora, com a cada vez mais frequente presença de brasileiros. Um deles, da gravadora Universal, ocorrido em agosto, também no estúdio de Dudu Borges em São Paulo, já deu um resultado bem palpável: o sucesso de Anitta “Não Perco o Meu Tempo”, composto durante o camp por Brasa, Danilo Valbusa, Dayane de Lima Nunes, Gabriele Oliveira, IAD, Marcelinho Ferraz, DJ Dash e pela própria cantora e compositora.

“Essa pluralidade diz tudo: é um encontro de gênero, de personalidades, talentos, maneiras de trabalhar que gera uma música fora do comum. Você cria realmente algo novo”, afirma Marcelo Falcão, presidente da Universal Brasil.

Com três acampamentos realizados nos últimos meses só para o mercado latino-americano, fora outros nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia, a editora Warner Chappell também vê neste modelo uma forma quase imbatível de gerar músicas vendáveis.

“Em abril foi a edição de Bogotá, na qual os cantores colombianos Greeicy (que lançou a parceria “Jacuzzi”, com Anitta) e Mike Bahia circulavam, dando opiniões. Toda a produção era destinada aos dois. Em agosto, foi a vez da Cidade do México, com uma produção pensada para o Reykon (colombiano que faz sucesso no reggaeton). E o de novembro, em Miami, foi um sonho: tivemos o (grupo pop latino dos Estados Unidos) CNCO e o Ricky Martin conosco. Apostamos nesse modelo de criação tendo já um artista em mente porque, para nós, flui melhor, já há um feedback imediato e a certeza de que aquilo vai ganhar vida”, explica Filippe Siqueira, gerente de A&R e marketing digital e criativo da editora.

Para Falcão, tanto a criação para um artista quanto a pluralidade absoluta de ideias e objetivos funcionam. As experiências de acampamentos de produção que ele acompanhou foram bem-sucedidas porque, qualquer que fosse o caso, abundaram as ideias fora da caixa.

“A gente está acostumado à imagem de dois compositores sentados ao redor de um violão compondo. Isso está muito bem. Mas, nesses camps, um monte de gente já vem com a cabeça fervilhando de ideias, até mesmo com bases prontas, e você vê tudo mudar ao longo do processo. É uma abertura total. E que só funciona porque todos estão juntos, fisicamente juntos, trocando, atiçando-se, um colocando faísca no trabalho do outro”, ele analisa. (A.S.)

VEJA MAIS Um vídeo exclusivo com os melhores momentos do SongHubs realizado pela APRA AMCOS e pela UBC ubc.vc/scamps

Time de composição da Brabo Music

O ‘cativeiro de produção’ de Rodrigo Gorky

O compositor, produtor e músico Rodrigo Gorky, fundador do Bonde do Rolê e produtor de Pabllo Vittar, Banda Uó e Preta Gil, faz suas próprias versões de song camps. São muitos os “cativeiros de produção” realizados por ele e os sócios do Brabo Music Team, coletivo que inclui ainda Pablo Bispo, Maffalda, Zebu e Arthur Marques (foto).

Por que decidiram realizar ‘song camps’? Foi quando nos demos conta de que sempre trabalhamos com um montão de colaboradores. Decidimos levar todo mundo para viajar. O primeiro cativeiro foi num hotel em Uberlândia (MG), que rendeu de seis a oito músicas totalmente usáveis. Duas foram para a Mulher Pepita, uma para a Cléo Pires... O segundo foi numa casa em Itatiaia (RJ), sem internet, e rendeu uma só música, mas foi “Disk Me”, da Pabllo Vittar. A terceira foi num estúdio em São Paulo, mas tinha internet demais...

O que é melhor: criar músicas num ‘camp’ pensando num intérprete ou fazê-las ao acaso e depois ver quem as cantará? Definitivamente, pensando num intérprete. Já entramos na cabeça dele. Melhor ainda se o artista está junto.

Funciona para qualquer estilo? Funciona bem para o pop, funciona para o sertanejo, e eles vêm fazendo com frequência. Mas não consigo ver um artista folk fazendo isso. Ou da MPB. Não consigo imaginar o Bob Dylan, Caetano ou Gil num song camp. Num acampamento, você esquece a vaidade, a personalidade avassaladora... É um trabalho essencialmente em equipe. A música é para o outro... E é tão enriquecedor!

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