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Loja de discos
A renovação passa pela loja de discos
Os 15 anos da Passa Disco, último bastião de venda de CDs na capital pernambucana e insuspeita agitadora da cena local
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por_ Bruno Albertim do_ Recife foto_ Heudes Regis
“Outra dia, uma moça entrou e perguntou se eu só vendia CDs. Respondi que sim. Ela retrucou, franzindo as sobrancelhas: ‘o que está na moda é pendrive!’. Eu emendei: ‘é que sou cafona!’” É assim, entre risos, suor do trabalho diário e fé na música que Fábio Cabral tem vivido os últimos 15 anos. Ele é dono da Passa Disco, a última loja física de discos do Recife — e uma das últimas da cidade e do país —, instalada no bairro do Espinheiro e agitadora da fervilhante nova cena local.
Agrônomo de formação, paisagista e jardineiro de ofício, filho de uma família tradicional da capital pernambucana, Fábio Passadisco, figura popular na cena musical daqui, cresceu nos anos 1970 como um devoto da rádio. O parente mais conhecido virou motivo até de uma música de Caetano Veloso sobre o fato de não gostar de música. Hoje verbete fundamental da cultura brasileira, o poeta João Cabral de Mello Neto não podia ver um disco rodando na vitrola. “Eu era criança, mas estive com ele umas três vezes. Uma delas, num jantar em torno dele... sem música!”, lembra Fábio, sobre o primo do avô, de quem, curiosamente, guarda como lembrança um vinil autografado da trilha do longa “Morte e Vida Severina”.
A existência da loja é mais que uma curiosidade. É sintoma e reflexo de um paradoxo. Se a indústria fonográfica não tem os pulmões colossais de décadas passadas, a democratização e popularização da tecnologia alimentam a produção de pequena escala, com distribuição garantida ali: “No total, as vendas são menores, mas a quantidade de produtos lançados é muito maior. Só vendo música brasileira, 50% dela daqui de Pernambuco”, conta.
Nos anos 1990, Fábio era sócio do irmão, Felipe (hoje dono de uma casa de shows), num bar bem frequentado. “Os artistas iam lá, deixavam os discos para tocar”, lembra. O Rei do Cangaço já não via as mesas tão abarrotadas como no começo quando, por curiosidade, Fábio foi acompanhar o amigo Silvério Pessoa na coletiva de imprensa de seu disco “Micróbio do Frevo” (2002). Ali, uma jornalista comentou que faltava, diante da efervescência musical da cidade, uma loja que concentrasse e comercializasse os muitos discos lançados do Recife. Não sabia a repórter, mas havia acabado de fornecer uma senha a Fábio.
Desde o começo, a Passa Disco foi um ponto de encontro. “Sou amigo de Fábio desde o bar Rei do Cangaço, onde começou minha carreira artística profissional”, lembra o cantor e compositor Josildo Sá, conhecido pelo seu Samba de Latada. “Sou saudosista, construo meus repertórios ouvindo CD. Acho romântico entrar numa loja física. A Passa Disco é linda!”.
Durante treze anos, a loja funcionou numa galeria, no bairro do Parnamirim. Quando a fila de autógrafos de um disco de Lenine dobrou a esquina, Fábio viu que estava na hora de arrumar o matulão e se instalar numa galeria maior. No que depender da importância afetiva deste lugar para o universo musical recifense, pode não ter sido a última mudança.
A loja é o selo
Para comemorar os 15 anos de atuação da loja, Fábio produziu uma coletânea com os novos nomes da música autoral pernambucana, uma geração marcada pelo apuro poético e a elegância melódica nas canções. Com o selo da Passa Disco, o álbum Arrisque traz nomes como Almério, Isadora Melo, Sophia Freire, Amaro Freitas, Tonfil ou Zé Manoel. “Toquei na inauguração da Passa Disco com uma banda que eu tinha com Alessandra Leão e Tiné, chamada Coqueiro Novo, 15 anos atrás. E já era muito significativo que houvesse em Recife uma loja de discos independente. Para nós, sempre foi um gigantesco oásis, um lugar de encontro. A Passa Disco, mais que uma loja de discos, é uma loja de música. Um ato de resistência”, diz Juliano Holanda, um dos gurus dessa nova cena e nome presente na coletânea.
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