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Criatividade Submersa

Receita produzida por setores culturais poderia dobrar, caso mais criadores se formalizassem, estimam especialistas; tônica é a necessidade de espalhar conhecimento sobre como funciona o mercado

por_ Roberto de Oliveira ∎ de_ Belford Roxo (RJ)

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As expressões indústria criativa e economia criativa se popularizam tão rápido quanto a percepção de que a criação artística não é só a expressão do espírito humano — o que já seria legítimo em si —, mas também uma importante fonte de empregos e receita para milhares de pessoas no Brasil. Isso não quer dizer que a formalidade seja a regra nos setores musical, audiovisual, literário, teatral e de outros campos tão variados quanto os videogames e o artesanato, a arquitetura e as artes visuais.

O mapa da economia criativa que a Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan) produz a cada dois anos apurou um montante nada desprezível de R$ 171,5 bilhões gerados pelo setor em 2017, período mais recente com dados compilados. Poderia ser muito mais. Especialistas como Luiz Carlos Prestes Filho, economista dedicado aos estudos da cultura e do desenvolvimento local, falam em pelo menos 50% de informalidade, o que nos leva a calcular que a soma de dinheiro gerado pelos setores criativos passaria de R$ 340 bilhões anuais — ou até mais.

Abastecer com informação

O SIM Transforma, projeto da superfeira SIM São Paulo, leva à periferia da capital paulista um grupo de profissionais de várias áreas do mercado fonográfico. “São jornalistas, produtores, artistas, assessores de imprensa, especialistas em políticas públicas, em editais, donos de casas noturnas que vão em caravanas aos bairros para conversar com artistas locais sobre diversos temas do mercado da música”, diz Fabiana Batistela, diretora-geral da SIM São Paulo.

Um projeto recém-lançado pela Associação Brasileira da Música Independente (ABMI) promoverá, a partir de maio, em São Paulo, seminários de capacitação digital. O Giro Digital ABMI “trará informação sobre marketing, direitos autorais, agregadores, plataformas digitais, números do mercado atualizados...”, enumera Carlos Mills, presidente da ABMI. Interessados podem se inscrever em abmi.com.br.

E a própria UBC, como esquecer?, tem um foco voltado para a capacitação dos seus associados. Através das nossas newsletters, da Revista, do site e de vídeos exclusivos no YouTube (ubc.vc/ YT), buscamos aportar ferramentas para a inserção dos criadores no mercado.

“Essa grande informalidade é impossível de ocorrer com petróleo e gás, metalurgia e indústria de automóveis, entre outras áreas. Mas estamos no milênio dos serviços, e não no milênio de fabricação de bens de materiais duráveis”, preocupa-se Prestes Filho, que prega a necessidade de formalizar os atores dessa indústria. Com isso, poderia-se pôr em movimento um ciclo virtuoso de mais impostos, mais investimento na área, mais geração de empregos e mais produção de bens culturais exportáveis, um importante vetor de inserção de um país no cenário global.

“Formalizar”, no caso da música, abarca exigir contratos para gravar ou tocar; o registro oficial como cantor/músico/intérprete/ compositor em entidades de classe; mas, sobretudo, a participação no bolo da distribuição de direitos autorais, o que ocorre quando um criador está vinculado a uma sociedade de gestão coletiva como a UBC. Dada a própria dinâmica da carreira musical, muitas vezes os direitos autorais funcionam como a “aposentadoria” dos criadores.

Ano passado, o Ecad distribuiu R$ 971 milhões a centenas de milhares de titulares. Não é ilógico pensar que essas cifras se multiplicariam, caso mais participantes estivessem inseridos no sistema. Para se ter uma ideia, baseada em registros do extinto Ministério do Trabalho, a Firjan levantou apenas 13 cantores profissionais em toda a cidade do Rio no estudo de 2017. Nenhum deles é Paulo Jorge da Silva Mendes Júnior, de 32 anos, o PJ, que grava em seu estúdio caseiro, na Zona Norte da cidade e não está filiado a nenhuma sociedade. Nem Diego José dos Santos, também de 32 anos, cantor que trabalha na noite tocando em bares. “A noite é onde a gente mais consegue ganhar dinheiro, mas não tem nenhum tipo de contrato, é tudo sempre de boca”, diz.

Anita Carvalho, pesquisadora do mercado de música, chama a atenção para um outro agente que também é visto como um trabalhador informal pela ausência de contratos nas relações profissionais: o empresário artístico. “Nove em cada 10 empresários que eu entrevistei só ganham dinheiro com venda de shows, mas, mesmo assim, apenas 40% acham importante estar filiados a alguma entidade de classe”, diz a pesquisadora, que, num estudo para a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), calculou o mercado de shows ao vivo em R$ 2 bilhões anuais.

De Fortaleza à Baixada Fluminense, músicos tomam a frente

No Ceará, o rapper Erivan Produtos do Morro (36) pôs a mão na massa e resolveu espalhar, entre os artistas da comunidade Castelo Encantado, de Fortaleza, onde vive, as vantagens de participar do mercado. Ele criou o selo Produtos do Morro Rec e contratou mais de 30 criadores. O trabalho do selo ensina aquela parte burocrática que o artista, chegando ao mercado, frequentemente desconhece: como lançar um single, como distribuí-lo, como colocar nas plataformas digitais.

Na Baixada Fluminense, Rodrigo Caê (músico, produtor e DJ) e Marcão Baixada (rapper e produtor cultural) reúnem artistas, produtores e músicos interessados em saber mais sobre os aspectos variados da indústria musical, em especial, as regras e leis de direitos autorais, num esquema de troca de ideias que começou com um almoço oferecido numa laje. “Queremos ajudar a nossa galera a entender como funciona a cadeia produtiva da música e o direito autoral”, diz Caê.

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