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Jards Macal\u00E9: 'Besta Fera' \u00E0 solta na estrada

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Editorial

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Cantor, compositor e instrumentista se cerca de jovens talentos da nova cena musical em seu primeiro disco todo de inéditas em 21 anos, que já roda o país em turnê

por_ Kamille Viola ∎ do_ Rio ∎ fotos_ Leo Aversa

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Foram 21 anos de espera até que Jards Macalé lançasse um álbum inteiro de inéditas. Era lógico que ele quisesse cair logo na estrada. Apenas semanas depois de entregar “Besta Fera”, Macalé iniciou a turnê, acompanhado por Thomas Harres (bateria) e Pedro Dantas (baixo), que já eram parte de sua banda, e Guilherme Held (guitarra), Victoria dos Santos (percussão) e Allan Abadia (trombone), integrantes da nova formação. Novo é mesmo o principal conceito deste projeto, no qual o cantor, compositor e instrumentista carioca, um dos grandes da nossa música, trabalha com nomes de destaque do recente panorama da MPB.

Jards Macalé estudou piano e orquestração com Guerra Peixe, violoncelo com Peter Dauelsberg e violão com Turíbio Santos, entre outros. Estreou profissionalmente em 1965, como violonista no Grupo Opinião. Fez a direção musical dos primeiros espetáculos de Maria Bethânia. Em 1971, lançou seu primeiro álbum, “Jards Macalé”. Um de seus maiores sucessos é “Vapor Barato”, parceria com Waly Salomão gravada por Gal Costa em 1971 e relançada pelo Rappa em 1996, novamente um sucesso. Capinam, Torquato Neto, Naná Vasconcelos, Jorge Mautner, Glauber Rocha e Vinicius de Morais são outros de seus parceiros musicais. Além de Gal, foi gravado por nomes como Bethânia e Clara Nunes.

Com direção musical do próprio Macalé, o disco tem produção musical de Harres e Kiko Dinucci e direção artística de Romulo Fróes. Macalé fez parcerias com sete compositores convidados e conta com as participações de 17 músicos, além de três cantores com quem divide os vocais: Juçara Marçal, do Metá Metá, Tim Bernardes e Romulo Fróes. Dinucci, Fróes, Campos e Clima, autor de uma das faixas, também participaram de “A Mulher do Fim do Mundo”, disco que trouxe novo fôlego para a carreira de Elza Soares.

Macalé enxerga similaridades entre esses artistas e ele próprio. “Eu vejo que eles têm também o sentimento de experimentação, de busca de novos caminhos, novas linguagens, como eu sempre fiz. A gente fica irmanado nessa busca, no interesse por novas sonoridades”, ele analisa. “Eles me veem como uma referência. E eu também os vejo como uma referência para o meu trabalho. Porque também tenho interesse no trabalho deles, na busca deles, no que eles pensam, no que estão ouvindo, em qual é a formação musical deles. Enfim, é uma troca”, define.

O compositor tirou da gaveta “Pacto de Sangue”, letra de José Carlos Capinam à qual já tinha emprestado a melodia há algum tempo. Também musicou uma adaptação da tradução de Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos para o poema “Canto 1”, do americano Ezra Pound, e transformou o poema “Aos Vícios”, de Gregório de Matos, na faixa-título.

Algumas músicas não têm faixa, vão direto. É como se fosse um filme.”

Existem pessoas que elogiam aquilo (ditadura). E que estão no poder.”

“Estamos vivendo um momento muito ‘bestaferístico’,não só no Brasil como no mundo, por isso dei esse nome ao disco”, explica Macalé.

Para ele, os tempos são ainda mais sombrios do que na época da ditadura. “Aquele momento foi muito difícil, muito pesado para o Brasil. E hoje existem pessoas que elogiam aquilo. E que estão no poder. Acho que isso daí é pior”, desabafa.

Para desenvolver o trabalho, ele passou alguns dias com Kiko Dinucci e Thomas Harres em seu sítio em Penedo (RJ), o que já fez para gravar outros discos. “Partimos praticamente do zero, improvisamos, demoramos um pouco até formatar alguma coisa para concluir em estúdio”, conta. “Gosto de entrar em estúdio com as coisas bem adiantadas, para só fazer o necessário.”

A química foi tão boa que, em alguns momentos, Macalé tinha que dar limites à criação, pois os colaboradores tinham “ideias demais”. “No álbum, algumas músicas não têm faixa, elas vão de umas para as outras direto. É como se fosse um filme mesmo. Eu trabalho com cinema também. Trabalhei com Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade... Na montagem, a gente tinha que botar a palavra ‘fim’. Porque, se não bota essas três letrinhas ali, a gente continua eternamente. Não é fácil esse momento. Então, no disco teve uma hora em que eu tive que bater o martelo: ‘Agora chega, acho que está pronto’”, lembra.

Quando se preparava para começar a gravar as 12 faixas, em fevereiro de 2018, foi internado com broncopneumonia, em São Paulo. “Fiquei praticamente um mês no hospital e dois me recuperando. Quando me senti bem, fomos para o estúdio e gravamos”, conta Macalé, que, embora se sinta bem melhor, aos 76 se vê pela primeira vez às voltas com cuidados com a saúde: “E bote cuidado nisso, como é chato!”

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