Revista Escriba n.4 - "Se Cair na Folia, Use Poesia"

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Tiro de Letras apresenta

Ana dos Santos Edison Botelho Júlio Alves Gerson Nagel Jana Wayne Cris M Branco Lilian Rocha Annacris Andrades Paulo R Ohar Sérgio Canarim Duda Fortuna Diego Petrarca Mauro Ulrich Hamilton Alex Germana Zanetini Lota Moncada Fábio Amaro Ricardo Koch Kroeff Renato Mattos Motta Manuela Dipp Anabelo Pedroso Cláudia Gonçalves


Revista Escriba 4ª edição Carnaval

Todos os direitos reservados para Tiro de Letras editora e artistas colaboradores Porto Alegre 2019


Por Ana dos Santos Ela cresce junto com a lua Entra no cio com as gatas da rua Uiva de quatro em cima da cama e molha a calcinha só com a imaginação Goza sozinha com a própria mão Os seios da cadela estão cheios de tesão o néctar das flores é sua transpiração A vaca só dá leite quando quer A galinha já cansou de ciscar no rolê Hoje à noite não tem luar Mas ela vai dormir com seu gemido que é canção de ninar A língua dos pequenos grandes lábios não é qualquer um que sabe falar O seu orgasmo é para a Deusa que ela vai ofertar!


Por Edison Botelho – Canto de um carnaval Numa alegre noite de folia Conheci uma linda menina Que fez meu tonto coração Se fazer de alegre folião Assim foram nossos dias Vivendo uma bela alegoria Ao som de repiques e tantans Virando noites até as manhãs Neste sonho de querubim Fui o mais feliz Arlequim Roubando a linda Colombina Mas todo o carnaval tem fim Assim ela se foi e eu me desfiz Numa triste quarta-feira de cinzas


Por Júlio Alves será que suporto dois dias de alegrias falsas gastou o estoque de sorrisos treinados e que falar do olhar todos parecem procurar alma a minha fera alma está ainda enjaulada apenas troca com o mundo externo através destes (di)versos olhos


assim assado nĂŁo sambo sĂł na festa da carne como cru

Rick


Por Gerson Nagel – Carnavalizado na obra Esvazio avenidas Desfilo minha bateria de versos Desconstruo escola-samba-canção Num inexpressivo enredo Confetes e serpentinas ofereço A quem fantasiar adereços No ritmo caio festivo E cada abadá tem seu preço Ensaio abrir alas de saia Que baiana alguma até hoje rodou O bloco etéreo da rua Vai à Colômbia atrás de Pierrot Uma velha guarda dá bandeira À magia passista que passa Cruzando a apoteose Deus-sol carnavalizado na obra


Samba para BashĂ´ nesse haikai qualquer high society vai querer cair


Por Jana Wh


Por Cris Martim Branco

Debruça tempo na perna de pau corre máscara vira delírio plural veste invenção brinca de ser normal descansa do fim do mundo enquanto não virar cinza depois do carnaval


Por Lilian Rocha – Confete & Serpentina Circunferência Colada ao meu corpo Misto de suor, Cerveja e banho de cheiro Marcado abraço apertado Do beijo roubado Ah, se esse confete falasse Num misto De marchinhas, Frevos e sambas enredo A nossa história Retratada e revelada Pela empatia Do papel colorido Na minha pele arrepiada, Úmida e extasiada E na tua Perpetuada Na serpentina enrolada Na dança frenética De braços, pernas, Bundas, bocas E sexos Na passarela Do gozo carnal Bendito Carnaval!


Por Annacris Andrades –Self da Palhaça

Auto retrato de uma palhaça em eterna construção


Por Paulo Rodrigo Ohar − Carnaval celebração da carne samba no pé vai até o dia raiar tambores cuícas tamborins cavaquinhos para bailar fantasias e alegorias é carnaval outra vez vamos botar o bloco dos lesa pátria na rua comissão de frente da farra dos políticos com o dinheiro público samba enredo da discriminação porta bandeira da intolerância mestre sala do ódio pelas minorias passista da violência contra as mulheres e na bateria o admirável povo desta terra dando a cadência da decadência pois é carnaval está tudo pronto pro bacanal cante dance pule tire os mendigos os famintos os esquecidos para sambar e beba até cansar pra esquecer onde está e depois enterre os ossos em cova rasa (e desenterre o ano que vem)


Por Sérgio Canarim − Carnaval banho de mar Sinto uma dor silenciosa a ferida sangra lentamente como um rio que corre para seu fim o fim-imensidão o fim é o mar o mar abre o rio a gota é o oceano o oceano é a gota Vez que outra sinto uma pontada de alegria sexta-feira o Carnaval vai chegar É sexta-feira o chão está repleto de confetes a banda toca uma marchinha o abre alas que eu quero passar estou embriagado caí na pista não senti nada cachaça não é água não álcool e felicidade anestesiam Vi uma menina bonita Alaah ô ôôôuô ôuô não tenho chance é Carnaval pego ela pela mão mamãe eu queroooo rodamos rodamos no salão


Todo ano eu sobrevivo ao salário a cesta básica dois ônibus para ir dois ônibus para voltar ao medo da morte a solidão Todo ano eu sei o rio chega no mar na sexta-feira o Carnaval vai chegar

Rick


Por Duda Fortuna − Enigmático carnaval Anda por aí Livre de uma liberdade que só a invisibilidade dá Fé de ter se há Não adianta chamar Querer gritar olhar Tocar pra ver se há Só abstrair E se entregar Talvez venha ao pé do ouvido Como um espírito sussurrar Uma indevida resposta Soprar Um vento esquecido Que se deixa encontrar No elemento ar Que ninguém vê Mas pela lógica deve estar É lógico que há Ilógico é querer prever, guardar Pode ser muito natural Ver você chegando Depois partindo Só pra trazer algumas tralhas Para um breve carnaval Enigmático carnaval Sem fantasias


Por Diego Petrarca – Itapeva Troco as boas madrugadas para estar no mar e deixar que me reflexo repita as ondas daquele navegar Rainha dos mares todo meu sal dissolve a cada mergulho e renova com seu azul minhas chances de futuro O mar reforma meus sentidos e eu já sei onde ficar o mar escreve a melodia do ar pra respirar O mar anima minha ora acalma meu coração o mar é a mira certa das formas mansas de amar Iemanjá, senhora do oceano atlântico toma essa cântico como uma oferenda debaixo d’água não há o que eu não compreenda


O mar meu declarado elemento liberta meu pensamento com toda brisa do seu vento e eu me deixo moreno sem saber nadar no azul do seu ďŹ rmamento

Rick


Por Mauro Ulrich − Gala Gay “Óh, jardineira por que estás tão triste...” A música transbordava o salão. Meninos de saia e suas pernas muito magras desfilando As saias roçando as pernas. “...mas o que foi que te aconteceu...” Suor pegajoso da pele oleosa. Axilas empapadas não emprestam charme algum. Lança perfume para disfarçar o bodum e a cena passa para “...foi a camélia que caiu do galho...” Beijo na boca, molhado e sofrido. Dente contra dente. Língua contra língua em brumas de uísque vagabundo. Cílios postiços se comunicam como pássaros tristes enquanto o DJ aumenta o som: “...deu dois suspiros e depois morreu.”


Por Germana Zanettini −Quarta-feira de cinzas

a velha escola desfiladeiro abaixo


Por Lota Moncada

Perdi minha mais cara máscara, minha cara. É Carnaval, na vida, no tempo. E agora? Fazer o quê, com a alma ao relento?


Por Fábio Amaro − Carnaval Vou entre bundas e plumas e o estrondo do bumbo me põe o coração em cadência. Na essência é furor e desejo represado há séculos. Os barracos têm ecos de tamborim e de tiros. Egípcios, romanos, fenícios, todos os povos e ritos de exaltação da carne. Catarse no desmantelo de saliva e esperma. Os corpos desprendem seus impulsos da terra. Os corpos ascendem na violência do samba. Vida mulamba debaixo do terno. Hoje ninguém vai pra o inferno, nada é eterno tampouco sagrado. O endiabrado brada o grito de guerra.


O batuque treme a base da perna, e eu giro, e rodo, e devoro a morena que dança. Terrível infante que manja o complexo desenho dos passos. Os meus nexos estão todos virados. Estaremos curados antes que o pé escorregue. Quarta-feira é o fim, não se negue. E então é a vida que segue.


Por Ricardo Koch Kroeff


Por Renato Mattos Motta −O país do carnaval Evoluímos como porta-bandeiras em meio à multidão de cassetetes evoluímos dançando no ritmo das bombas em meio ao gás respiramos liberdade denunciando as mentiras desacatando autoridades autoproclamadas evoluímos preparando a apoteose da reconstrução da democracia


Por Manuela Dipp −Confissão de colombina

Não me leve a mal Mas me entreguei ao Carnaval Tava de bobeira Quando vi a rapaziada Lépida e matreira Se embolando na calçada Nada me prendia Nada me importava Me joguei na brincadeira E parti pra o tudo ou nada Tava de bobeira Me entreguei ao Carnaval Deixa de besteira E não me queira mal.


Por Anabela Pedroso − Atos de carnaval Em escravidão, os escravos faziam suas festas para produzirem alguma alegria às suas vidas como pessoas exploradas e invadidas que eram, sem liberdade, sem história escrita por suas vontades. A Antiga da Europa tinha o seu carnaval– festividade carnal. Algo semelhante era feito pelas culturas pagãs nórdicas comemorando os bons frutos adquiridos pelo cultivo da Mãe Terra. Agora temos o “nosso” carnaval. Festejamos junto com os “senhores”. Eles, em parte, festejam duplamente: Ora por poderem parecer tão “bons”ao estarem partilhando este momento tão “feliz” (sabe-se lá pelo quê) com o “seu” povo (como se não fossem, igualmente, fruto do mesmo país e lugar que todos os “seus” outros), portanto, se “integrando” à fonte de tudo, ora aproveitando a dispersividade que este festejo oferece, “fazendo trabalho extra” para criar novas formas de escravizar o “seu” povo, desintegrar as “suas” riquezas e entristecer mais e mais o “seu” país. Daí surge a dúvida: se fazem o que fazem e, como fazem, com “algo” que consideram ser ”seu”, como agiriam com “algo” que não considerassem assim?


Por Cláudia Gonçalves −Toada do pierrot o canteiro de mágoas já não rego mais __ os ais deixei pra lá dei um tapa na cara da tristeza ____ soprei a nuvem pro sol voltar a reinar seu erro foi cuspir no prato ___ hoje é só comigo que eu faço trato despi da mente todos cacos e farrapos trecos troços e destroços ___ mandei tudo pro ar na avenida vou entrar [despidamente] com as cores que o carnaval mandar




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