REVISTA ESCRIBA 5ª Edição de Inverno d'Alma ou, Estamos Cansados de Escrever

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5ª Edição

RE VIS TA ES CRI BA Apresenta

O Inverno d’Alma ou, Estamos Cansados de Escrever


5ª Edição

REVISTA ESCRIBA Uma antologia poética

O Inverno d’Alma ou, Estamos Cansados de Escrever Produção

Tiro de Letras Editora Capa

Annacris Andrades Edgardo Néstor Brites Edison Botelho Juliana Meira Mônica Trentini Ricardo Mainieri Selma Nanci Vinicius Brasil Annacris Andrades Gerson Nagel Niara Palma Paulo Rodrigo Ohar Elias Ficavontade Lilian Rocha Cristina Martim Branco CeloPax Léris Steitefus Renato de Mattos Motta Alexandre Brito Everton Behenck Anabela Souto Pedroso Júlio Alves Manuela Dipp Michelle C. Buss Sérgio Canarim Guilherme Pilla Ana Beise Porto Alegre 2019


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“Matsu afirmava: um dia fazes um leque para ele. Vai pedir-to quando perceber que são mais frescos de todos os leques do Japão. Itaro acreditava exclusivamente nas penas. Sonhava com nada. Tinha pesadelos. E a jovem insistia: quando tomar um leque teu, vai entender como nada sabe esfriar melhor. Os teus leques, irmão, têm espírito no inverno. São pedaços de neve das montanhas do norte. O artesão protestava: a neve derrete, é só água. Matsu respondia: eu sei. Com o leque que me fizeste perco a sede”. (trecho de “A cega menina Matsu”, in Homens Imprudentemente poéticos, por Valter Hugo Mãe).


Por Edgardo Néstor Brites Uh!

O que me importa a poesia hoje? O que me importa a rima? Não tenho nada a ver com elas. Sou um sanguinário, estripador de orações. Não há palavras para descrever o que sinto. Hoje, não faço versos. Nádegas de poesia vão se sentar em meus lábios. Não vou ceder! O que me importa hoje a rima... Palavras, palavrinhas, palavrões para os brutos. As palavras respiram, inspiram, expiram. As palavras expiram. Se vão... Nada vai permanecer de um texto. Só é necessário um coração saudável, sangue que circule, sêmen que flua como pretexto. Ar novo em meus pulmões dia a dia para os desastres da linguagem com que alguns nos dividem em prosa sinistra e a outros, nos une em silêncios de pele e proximidade. O que importa hoje a poesia O que me importa a rima Não tenho nada a ver com elas.


Por Edison Botelho Silva Jr. Ouvido ao vento

Não tenho uma poesia Para escrever neste momento Estou um pouco oco Como um ser de vidro Então que venha o vento Que lhe darei ouvido Pois os versos que me faltam Pela natureza se fartam E logo ao meu papel voltam


Por Juliana Meira

Ă larga repito a rua porque me afaga estar com as mesmas perdas com as pedras em si mesmas duras


Revista de Arte Invenção, de Décio Pignatari (1963)


Por Monica Trentini Trapped

If you see yourself Randomly meeting strangers Going to dark places Courting danger Think about your life How good it is right now Think of all your friends New friendships you sew. Sometimes it’s a match Sometimes it’s not more Than a romp around A meeting on the floor You hope to connect In this modern time You try to make good choices To reach for sublime Our encounters I do treasure The memories won’t fade Of roles we had together Of pleasures we played. But once the glass is broken It is hard to repair Once the petals have fallen The roses are no longer there.


Presos Se você se vê Aleatoriamente a encontrar estranhos Indo para lugares escuros Cortejando perigo Pense na sua vida Como é boa agora Pense em todos os seus amigos E novas amizades que você costura. Às vezes é um jogo Às vezes não é mais Do que uma brincadeira Uma reunião no chão Você espera se conectar Neste tempo moderno Você tenta fazer boas escolhas Para alcançar o sublime Nossos encontros eu valorizo As memórias não vão desaparecer Dos papéis que tivemos juntos Dos prazeres que trocamos. Mas uma vez que o copo está quebrado. É difícil reparar Uma vez que as pétalas caem As rosas não estão mais lá.


Por Ricardo Mainieri Meteorologia Interna

o sol derrama seus potes de ouro pelo horizonte no entanto ĂŠ inverno na alma tempo de tempestades frio infindo nos territĂłrios de dentro a vida corre louca & fere fundo fico em desabrigo e clamo por outro clima primavera invadindo intensa.


PO.EX - Poesia Experimental Portuguesa no Brasil (2018)


Por Selma Nanci Feltrin Não sei

Não sei se perdi a mão para criar um poema, ou se preciso de mais contato com essa mão que o escreve. Não sei. Talvez! Mas, afinal, o que zomba desse meu desinteresse nesse universo, será ele breve? Não sei. Talvez! Quem sabe é esse lápis sem ponta que ficou tanto tempo guardado e, agora, não se arrisca a riscar um só verso nesse espaço de alternância adormecido à caixa preta da subjetividade ou, quem sabe, em algum vão da infância? Não sei. Talvez! Vigio-me de um lado a outro, e continuo sem saber como essa mão que tanto escreve não se arrisca e nem se lança ao risco de escrever. Será que perdi a mão de vez? Não sei. Talvez!


Por Vinicius Brasil

Para onde você foi, onde você foi morar, Nem se despediu de mim, onde você foi morar, Vê se não demora, pois está difícil esperar, A paciência me tortura, você me fez um réu, Deixou-me ao léu, sem eira e nem beira, “saco”, Vontade de jogar tudo para o alto, A poesia se perdeu... Guerreiro quase morreu. O desgaste espiritual é inevitável, Ultimamente não consigo rezar... Anjo da guarda me ajude a suportar, Pois é só ela que conforta, que alivia a tensão, Porta-voz do coração, razão da canção, Que faz girar o meu mundo, dá sentido em tudo, Ilumina meus caminhos escuros, Amansa o monstro, guardado dentro de mim, Meu lado ruim, fiel amiga inspiração, Para onde devo ir, dê-me uma pista, Vou te seguir... Quero te encontrar, nem que seja na dor... Nem que seja na dor.


Por Annacris Andrades


Por Gerson Nagel Alma cigana

Surge detrás de uma longa cortina A resistência uma vez mais sobe o tablao Arrastando a bata de cola comprida Na palma das mãos a fúria flamenca Plácida e graciosamente evolve a bailaora Num ritmo frenético entrega-se à vida É tempo de evoluir estudados passos De fincar os pés e sacudir o regaço Expandir a alma e transformar o espaço Nessa dança entoar o grito de protesto Num movimento descalço, teatral Pisa forte mais uma vez o tablao Impactando o público presente Até que se aqueça os corações e mentes, olé!


Por Niara Palma Espelho da Alma


Por Paulo Rodrigo Ohar

o frio cortejava a alma através do espelho pássaros refletidos adejavam em bando para longe o coração pulsava na palma da mão era a era invernal chegando no espelho do quarto desarrumado a rosa vermelha tatuada no antebraço perdia suas pétalas coração com as veias abertas dava seus últimos pulsos por entre os dedos delicados o sangue escorria ficando como última visão do espelho – bem ao fundo – uma gata sentada na cama amarrotada olhando impassível pela janela


Por Elias Ficavontade


Por Lilian Rocha O Poeta

O poeta está vivo Mesmo com a boca amordaçada Com as mãos amarradas O poeta está vivo Nas letras amareladas De um caderno De uma agenda De um livro Que não foi vendido O poeta está vivo No sorriso da criança Na loucura do andarilho No beijo apaixonado O poeta está vivo Na arritmia da vida Desequilíbrio De formas Contada Em versos E prosas O poeta está vivo Mesmo cansado A escrita Tem vida própria.


Por Cristina Martim Branco

o silêncio do papel renuncia verões ajustando tempo dos dias rascunho sem intento, vencido feito pó fugaz descansa na margem entre rasos e razões no oco da cabeça penumbra prestes perder passagem do corpoema


Waly Salomão, in “Babilaques” (1975 - 1977)


Por CeloPax

O pequeno monstroPor


Por Léris Seitenfus Ciclo natural

No âmago de cada um o invernal reside com essência bruta dos primitivos prolifera a dinastia do nebuloso que a incerteza domina sem percepção ativa aos desajustes humanos o voo é sem rumo até descobrir-se alma (então) a mente abre o leque das estações diversas brotam as flores (revelação) escaldante natureza (vibração) caem as folhas (renovação) até a volta do inverno alvo de pensamentos e neve singelo como coração é espera simples e leve por uma quinta estação.


Por Renato de Mattos Motta cidade molhada

encharcada

o dia chora frio emoção amanhecida em chuva melancólico deprimido desditoso desgostoso desalegre dia de alegria adiada de águas insidiosas de frio que se insinua através dos abrigos in va si vo penetrando gelado roupa corpo pessoa personalidade até gelar o coração tempo de chuva tempo inundado tempo esgotado faróis acesos em pleno dia tentam iluminar alma obscurecida pela chuva cidade cinza céu cinza chuva cinza que lava o ar pesa nas roupas molha o humor gela escorre empoça respinga mofa chuva nos ouvidos respingando em estalidos de gotas que explodem água gotas que enganam o guarda-chuva e molham pernas encharcam pés lajes soltas que lavam pernas com imundície gelada molhada fria como o choro do dia sobre a cidade que só sobra em pranto.


Por Alexandre Brito

eu queria escrever um poema mas poema não se escreve cai na cabeça da gente como uma maçã ou um céu bárbaro ou a lembrança de um castelo de areia sempre esquecido eu queria escrever um poema como quem pinta ou despinta um grilo escrever como se inscrevesse na pele da janela aberta um caracol, um fóssil ou um corvo amarelo no ombro de um leão negro eu queria escrever um poema que fosse a festa do sentido mas poema não se escreve transborda feito um sonho uma ideia uma vontade luz de letra


Por Everton Behenck

A palavra cansada Não diz quase nada Mas está aqui

Olho por olho, Augusto de Campos (1964)


Por Anabela Souto Pedroso Inverno humano

O humano dormindo nas ruas é o mesmo que “dorme acordado” como um robô programado. O humano que busca alimento nas lixeiras é o mesmo que escolhe comer as porcarias da moda. O humano que anda sem rumo, sem família e sem morada é o mesmo que não valoriza o que tem. O humano que foge do perigo marginal é o mesmo que sofre seqüestros relâmpagos. O humano que “suja” as ruas é o mesmo que se nega a separar o lixo de suas moradas. O humano que grita por socorro é o mesmo que chama a polícia quando vê um desconhecido pelas calçadas de seu bairro chique. O humano que esqueceu o que é ser gente é o mesmo que trata muitos outros como bicho. O humano que prefere fugir de casa a ser maltratado é o mesmo que pensa em se matar quando é contrariado. O humano que é abandonado pelo governo em silêncio é o mesmo que reclama do governo o tempo todo. O humano que se sente protegido e aquecido por seu cão para sobreviver às ruas é o mesmo que protesta em ter que deixar seu aquecedor para levar o seu cão para passear e se aliviar. O humano que se alcooliza para suportar a frieza das ruas é o mesmo que bêbado faz de seu carro uma arma de matar pessoas. O humano das ruas só se torna humano de verdade quando parece não precisar mais de outros humanos e o humano abonado só lembra-se de ser humano quando perde o muito que tem.


Por Júlio Alves


Por Manuela Dipp

Guarda para mim A contracapa da tua história pois eu sou contra a regra mecenas da contracultura Cansada das conjunturas e rimas feitas quero a contratura do teu corpo contra o meu num inverno de chamas chamados presságios num inverno de gelo queimando tinto sem lamúrias algumas nostalgias e noites em claro num inverno que faça esvair pelo ralo toda a fria indiferença dessa humanidade congelada. num inverno que nos arda e resplandeça


Por Michelle C. Buss

Metade da vida Invento a outra inverno.


Por Sérgio Canarim

Cansaço é imprimir sempre vocábulos palavras que jamais serão o que expressam Inverno d’alma é saber que todo poema é incapaz de expressar o que está dentro do poeta O ser completo do remetente em linhas tortas de sangue-medo-dor-urina-sêmen-amor-gozo-finitude O poeta vê chegando a umidade da chuva que encharca A neve não cai nessas terras mas é branco o vazio de quem não sabe mais como dizer o que sempre disse e nunca se satisfez Se o poema é um retrato d’alma Será o retrato de um pôr do sol jamais será o fenômeno em si laranja-amarelo-vermelho-magenta será sempre um pouco mais pálido na captura do smartphone


Por Guilherme Pilla Forรงas


Por Ana Beise

Tenho os dedos manchados de tinta E cadernos e cadernos Preenchidos com palavras de amor Que vão se apagando com o tempo Tenho a cabeça avoada Cheia de lembranças borradas As quais não tenho certeza Se são reais ou imaginadas.



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