RAMON GONÇALVES
“O trem que nos leva” é, para mim, um texto sobre processos criativos. “Como se cria um personagem?” Anísio pergunta a certa altura, e eu reduzo — como se cria? Enquanto artistas, temos processos criativos que são fundamentalmente diversos. Uns sofrem, outros regozijam, estes passam mal, aqueles embelezam-se, e cada um encontra, aos poucos, o seu próprio caminho. Mas quando estamos juntos, em uma criação coletiva, tudo é acrescido de uma espécie de magia.
Durante o processo de montagem do espetáculo “O trem que nos leva”, essa magia nos acompanhou nas peripécias do dia a dia, por vezes travessa (uma cafeteira em curto-circuito interrompendo o ensaio, um cupim e seus numerosos amigos ameaçando acabar com a mesa de Martim, uma fissura no pé de Vilma às vésperas da estreia…) mas, na maior parte do tempo, irresistível: a emoção nos olhos de Leda ao consolar um amigo querido, a cumplicidade juvenil entre Eron e Fabiano, o lirismo de Paulo Alcântara e a verdade de Marcio Meirelles.
Acompanhados sempre de um café quentinho e muitas bolachas cream cracker, passamos da sala Yumara Rodrigues à sala Harildo Déda ao Museu de Arte da Bahia para chegar, enfim, à nossa estação-escola que é a Barroquinha. Trazemos conosco não só a memória dos espaços (e das pessoas que eles homenageiam e evocam), mas o emaranhado imaginativo da comunhão entre indivíduos que se juntaram todos os dias, de segunda a sexta, por dois meses inteiros, em busca de algo.
Convido todos vocês a compartilharem da minha sorte e emprestarem o olhar que tenta enxergar no resultado aquilo que lhe confere o peso do corpo — o processo. Até porque, após essa parada, o nosso trem seguirá em frente, descobrindo novas paisagens e levando em seus vagões, além da magia, quem quer que tenha solicitado passagem. O processo não tem fim.
SOPHIA COLLETI
É uma honra enorme trabalhar mais uma vez com o Grupo Minotauro de Teatro. Essa parceria começou com Os Dias Lindos de Celina Bonsucesso, em homenagem a Yumara Rodrigues, e agora se renova em O Trem que nos Leva, com encenação de Márcio Meirelles. O Minotauro é um grupo muito especial, sério, organizado e movido por muito carinho.
SELMA SANTOS
De Paulo Henrique Alcântara.
Para os professores que me ensinaram. Para os alunos com quem aprendo.
Eu tenho truques nos bolsos e cartas na manga. Para começar, vou fazer o tempo voltar. Esta é uma peça de memórias.
Tennessee Williams, O Zoológico de Vidro
PERSONAGENS
Fabiano: Em torno dos 45 anos.
Professor Anísio/Tomaso Rubini: Em torno dos 60 anos.
Professora Leda/Manuela de Córdoba: Em torno dos 35 anos.
Professora Vilma/Carlota Petrucelli: Em torno dos 60 anos.
Professor Martim/Alexander Piero: Em torno dos 30 anos.
Eron/ Enrico Anselmi: Em torno dos 18 anos.
(Fabiano está em uma estação de trem, na Europa. Trata-se de um homem maduro, de cabelos brancos. Ele lê “Anna Karenina”, de Tolstói.)
FABIANO: (Para a plateia.) Eu sou Fabiano, dramaturgo, (Luz sobre Leda.) e aquela é a professora Leda. Eu não a vejo desde que eu estava na escola. Isso faz muito, muito tempo.
LEDA: Aí está você, de cabelos brancos. Eu me espantava com a passagem do tempo ao reencontrar ex-alunos com cabelos brancos. Guardei as cartas que trocamos, desde que você saiu da escola.
FABIANO: Eu também guardei as suas cartas. Até que parou de escrever.
LEDA: Parei de escrever porque parei de viver.
FABIANO: Você está morta. E surge nas minhas recordações enquanto espero, nesta estação, um trem que me leve para Marselha. Veja: releio Anna Karenina, presente seu.
LEDA: Sua nova peça inspira-se em Anna Karenina?
FABIANO: Estou sem escrever.
LEDA: Não pode! É preciso escrever, Fabiano! Escrever, escrever, escrever.
FABIANO: Tô em uma enrascada. Assumi o compromisso de entregar uma peça para seis atores.
LEDA: E desde quando isso é problema para você?
FABIANO: Estou sem tesão, sem coragem.
LEDA: (Ela arquiteta algo, tem segundas intenções.) Lembro que você escreveu suas primeiras peças na escola. Tinha aquela que se passava em um teatro…
FABIANO: A segunda: Noite de Estreia.
LEDA: Isso! A que horas sai o seu trem?
FABIANO: Daqui a pouco mais de uma hora.
LEDA: (Planeja algo.) Volte à escola.
FABIANO: Voltar como?
LEDA: Confie em sua antiga professora de literatura. (Fabiano hesita.) Vamos, tá esperando o quê?
FABIANO: Mas o meu trem....(Aturdido) o que está propondo?
LEDA: Passagem de volta para a escola e, depois, Marselha. (Tempo. Fabiano e Leda atravessam o “portal teatral do tempo” e instalam-se na antiga escola.)
PRIMEIRO ATO
CENA 1: VOLTA ÀS AULAS.
LEDA: Cá estamos. De volta à sua antiga escola.
FABIANO: (Espantado, em êxtase.) Espera aí...espera aí… Sim, estou aqui. (Mal consegue falar.) A sala de aula...esta mesma....
Olha ali...a cantina...dá pra ver a quadra. O que estou fazendo, aqui, de volta?
LEDA: Você vai descobrir.
FABIANO: (Atordoado, mas excitado.) Em que ano estou? 1981?
O ano em que Bob Marley morreu, o ano em que Beyoncé nasceu. 83? 84! Diretas Já!
LEDA: Ah! O calendário, a cronologia exata importam? O tempo é uma espiral.
FABIANO: Lembro de nossas conversas, professora Leda.
LEDA: Estimulantes.
FABIANO: Da banana real da cantina.
LEDA: Deliciosa.
FABIANO: (Depara-se, deslumbrado, com um número da revista Cahiers du Cinéma sobre uma mesa ou cadeira.) Meu Cahiers du Cinéma!
(A sirene escolar toca.)
LEDA: É a sirene te chamando de volta às aulas. Prepare-se! (Leda vai saindo.)
FABIANO: Não me deixe aqui sozinho.
LEDA: Saio de cena, mas sempre volto. (Leda sai. Eron entra.)
ERON: Fabiano!
FABIANO: (Para o público.) Olha ele, aqui, “o passado”!
CENA 2: AO MESTRE, COM CARINHO.
(Apenas Leda enxerga Fabiano na atualidade. Eron e os demais professores o percebem na idade que ele tinha quando era estudante e volta a ser, instalado no passado. Assim Fabiano se comporta diante deles, enquanto se relaciona com Leda de acordo como ele é no presente.)
FABIANO: (Efusivo, abraça o amigo.) Eron! Voltei, meu amigo, depois de tanto tempo.
ERON: Pirou? A gente se viu ontem. Prova de matemática! (Pega a revista das mãos de Fabiano. Ao longo da cena, segue folheando-a.)
FABIANO: (Desconcertado) Sim! Isso! Prova de matemática. Se deu bem?
ERON: Nas outras matérias tô mal, em matemática me garanto. (O professor Anísio entra.)
ANÍSIO: Mais um dia para a aposentadoria.
FABIANO: (Ao mestre, com carinho.) Professor Anísio.
ANÍSIO: Como vão os ensaios da nova peça?
FABIANO: A todo vapor.
ANÍSIO: Do que trata?
FABIANO: Do mundo do teatro. Dos bastidores da estreia do espetáculo O leque de Lady Windermere, da Companhia Manuela de Córdoba e seus comediantes.
ANÍSIO: Está gostando da peça, Eron? (Eron, entretido com a revista, não responde.)
ANÍSIO: Eron, está gostando da peça?
ERON: Uma maluquice.
FABIANO: Você não captou a complexidade, a originalidade do que estou escrevendo.
ERON: Captei a pretensão. (Eron sai. Fabiano permanece à margem, lendo a revista. Os professores estão reunidos.)
CENA 3: NORMA RAE NA ASSEMBLEIA. (Luz sobre os professores reunidos.)
ANÍSIO: E a excursão, Leda?
LEDA: Parcelada em 12 vezes. Europa, aí vou eu! Vem comigo!
Vamos ver a neve.
ANÍSIO: Vou nada. Deixar minha mãe sozinha?
MARTIM: Assembleia dos professores logo mais.
LEDA: Paralisação à vista?
MARTIM: Fortes indícios!
ANÍSIO: Na última greve, o diretor retaliou. Houve demissões.
MARTIM: Sem medo, professor Anísio.
ANÍSIO: Martim, não me chame de professor. Somos colegas.
MARTIM: É o costume, professor, afinal fui seu aluno. Não
faltem à assembleia!
ANÍSIO: Sei não...morro de medo de perder o emprego. Tenho uma mãe pra cuidar.
MARTIM: Salários defasados. É preciso reajuste.
LEDA: Eu tô precisando dar aula particular. Fim do mês, a conta não fecha!
ANÍSIO: Isso é verdade. Deixo o ordenado na farmácia por causa dos remédios de minha mãe.
LEDA: Vamos juntos à assembleia, Anísio!
ANÍSIO: É....vou ver. Quem sabe, lá, não baixa a Norma Rae em mim?
MARTIM: Quem?
LEDA: Os filmes dele.
ANÍSIO: Norma Rae, personagem de Sally Field, uma líder
operária.
(Vilma entra.)
VILMA: Deixa só o diretor saber que estão de conluio, falando em assembleia.
LEDA: Nós vamos.
VILMA: Tô pra ver… Anísio em uma assembleia.
ANÍSIO: Tô pra ver uma personagem mais corajosa que Norma Rae.
VILMA: Quem?
MARTIM: Os filmes dele. Deixa eu ir que vou buscar as apostilas no mimeógrafo.
(Martim sai.)
VILMA: (Advertindo) Vão se fiando em Martim...(Outro tom.)
Trago boas novas: O casório do meu filho tá na porta!
LEDA: Valdirzinho se decidiu!
ANÍSIO: Finalmente!
VILMA: Depois de 5 anos de noivado, com a família da noiva cobrando: “Como é, Valdirzinho, o casório sai ou não sai?”
Fiquei de ajudar eles a comprar o fogão. Que “ces” acham? Fogão com quatro ou seis bocas?
(Leda vai até Fabiano. Ao vê-la, ele fecha a revista.)
CENA 4: NÃO SEI O QUE ESCREVER.
LEDA: Meu amigo Anísio desejou tanto a aposentadoria. Aposentou-se. Fomos ao cinema comemorar. Abriu uma exceção, já que preferia ir ao cinema só. Pois não é que ele
morreu durante o filme! Um filme que ele queria muito rever.
FABIANO: Que coisa! Professor Anísio morreu no cinema.
Qual o filme?
LEDA: Aí é que está. Eu já fiz de tudo para lembrar e nada. Só lembro que era um filme que ele queria muito rever. A morte no cinema foi tão surpreendente que apaguei o filme.
FABIANO: Estava com um olho na revista e o ouvido na cena sobre a assembleia.
LEDA: (Esperta) Cena? Curioso...
FABIANO: Cena do passado, que está aqui, na minha cola. Será que vale a pena pongar no passado? Afinal, a vida anda pra frente.
LEDA: (Dando-se conta do livro “Anna Karenina” perto de Fabiano.)
Lembro que escrevi uma dedicatória em Anna Karenina.
FABIANO: (Lendo a dedicatória.) “Fabiano, leia para decifrar a realidade, leia para entender a vida. Eu não entendi. Será que você consegue?”
LEDA: Já conseguiu?
FABIANO: Tentei, mas desisti.
LEDA: E a sua peça?
FABIANO: Não sei o que escrever.
LEDA: Se você deixar o elenco esperando vai ser um desastre!
FABIANO: A culpa é sua!
LEDA: Minha?
FABIANO: Inoculou o veneno do teatro em mim.
LEDA: Lembro que levei seu grupo de teatro para assistir a Hedda Gabler.
FABIANO: Vi, fascinado, Dina Sfat como Hedda Gabler e a minha vida foi transformada.
LEDA: Não se abandona um talento, Fabiano. Procure! É capaz de encontrar, como encontrou o Cahiers du Cinéma, o caderno em que escrevia as suas primeiras peças. (Leda sai. Fabiano procura pelo antigo caderno e o encontra em uma das carteiras. Ávido, passa as folhas. Eron entra.)
CENA 5: NOITE DE ESTREIA.
ERON: Me empresta Anna Karenina?
FABIANO: Primeiro me devolva meu Feliz Ano Velho.
ERON: Fabiano, eu tenho um troço chaaato pra contar. Escreveram no banheiro: “Professor Anísio é viado.”
FABIANO: Sacanagem! Alguém do time de vôlei. Já peguei eles rindo do professor Anísio várias vezes.
ERON: Já sabe quem eu vou interpretar?
FABIANO: Ainda não.
ERON: Escreve um personagem bom pra mim! De que vale ser amigo do dramaturgo? Por que eu não faço o ator Alexander Piero, o amante de Manuela de Córdoba?
FABIANO: Ah, tinha graça! Você de Alexander Piero?
ERON: Por que não?
FABIANO: Porque eu escrevo vendo a cara dos meus personagens. E Alexander Piero é a cara do professor Martim. (Muda a luz. Entra a música tema da peça do estudante Fabiano, “Noite de Estreia.” O professor Martim é visto como Alexander
Piero, ator da companhia de teatro Manuela de Córdoba. Apenas Fabiano vê Alexander Piero, como projeção da sua mente de dramaturgo emergente.)
ERON: Se o professor Martim é a cara de Alexander Piero, eu entendo Manuela de Córdoba ser louca por ele. Eu também sou louco pelo professor Martim.
FABIANO: Você era louco pelo professor de química.
ERON: Que é a cara de Harrison Ford. Como não ser louco por Harrison Ford?
ALEXANDER PIERO: Já tocou o primeiro sinal?
ERON: Vem cá, Fabiano. Manuela de Córdoba, Alexander Piero. Essa peça se passa em uma companhia de teatro do Brasil ou do exterior? Sim, porque todos os personagens têm nome estrangeiro.
FABIANO: Se passa no Brasil.
ALEXANDER PIERO: Gente de teatro com nome italiano tem mais glamour. Eu, por exemplo, Alexander Piero! Só pelo nome o ator já se impõe. Já tocou o primeiro sinal?
ERON: Na peça desse ano também vai ter um crime misterioso?
FABIANO: Vai. Noite de Estreia será minha Morte no Nilo, meu Assassinato no Expresso Oriente. (A palavra “expresso” aciona o som do trem, que invade o palco, inquietando Fabiano.) Meu trem! Não posso perder o meu trem!
ERON: Que trem é esse?
FABIANO: (Desconcertado) É uma fala de Alexander Piero.
ALEXANDER PIERO: Minha não.
FABIANO: Noite de Estreia vai ser uma espécie de Pânico nos
Bastidores.
ERON: Já sei! Me coloca pra fazer o personagem que será assassinado.
FABIANO: Por que o assassinado e não o assassino?
ERON: O público esquece quem foi o assassino, mas nunca esquece quem foi assassinado.
FABIANO: (Teatral) Manuela de Córdoba será assassinada! (Alexander Piero, assustado, sai.)
ERON: Mas Manuela de Córdoba não é a principal?
FABIANO: “MANUELA DE CÓRDOBA ASSASSINADA NA
NOITE DE ESTREIA!”. Estampam os jornais!
ERON: Manuela de Córdoba ia cair tão bem em mim.
FABIANO: (Sonhador, visionário.) Manuela de Córdoba ia cair tão bem na professora Leda!
ERON: Ah, essa não! Só você pra ver uma professora como Manuela de Córdoba. (Vilma entra.)
CENA 6: CENSURA ANUNCIADA.
VILMA: Por que não estão na aula de educação física?
FABIANO: Porque temos coisa mais importante pra fazer.
VILMA: Já estão conspirando sobre a nova peça. Na condição de professora de educação moral e cívica e coordenadora pedagógica informo que este ano a peça passará pelo meu julgamento.
ERON: Pela sua censura, quer dizer.
VILMA: E você, Eronildes, já tá metido com teatro de novo.
Estudar que é bom... Suas notas estão péssimas.
ERON: Me chame de Eron. Você...
VILMA: A senhora!
ERON: A senhora ainda vai escutar muito o meu nome.
FABIANO: A peça é inofensiva.
VILMA: Você disse isso sobre a peça do ano passado. Tinha até freira que vira cantora da noite ninfomaníaca. Inadequada para uma escola.
FABIANO: E a liberdade de criação, onde fica?
VILMA: Fica da porta da escola pra fora.
(Vilma sai.)
ERON: (Para Fabiano.) Eu nunca vou te perdoar por eu não ter feito a freira que vira cantora da noite ninfomaníaca.
CENA 7: MEU LEQUE, ONDE ESTÁ MEU LEQUE?
(A professora Leda, na pele de Manuela de Córdoba, é vista, no camarim, com Alexander Piero. Eron não os nota, mas Fabiano sim.)
MANUELA DE CÓRDOBA: Onde está meu leque, Alexander? (Alexander Piero sai em busca do l eque que Manuela de Córdoba usa em cena, como Lady Windermere.)
FABIANO: (Entrega o caderno para Eron.) Anota, Eron, o que Manuela de Córdoba vai dizer.
MANUELA DE CÓRDOBA: Eu usava uma estola de vison na
montagem de Casa de Bonecas. Carlota Petrucelli escondeu a minha estola de vison. Ela ficou na coxia, às gargalhadas, mas a minha Nora Elmer foi pro palco mesmo sem a estola de vison e foi um sucesso.
FABIANO: Carlota Petrucelli vive reclamando: “Sou sempre a coadjuvante, nunca a protagonista.”
ERON: Que nem eu!
FABIANO: Anota o que Carlota Petrucelli vai dizer.
CARLOTA PETRUCELLI: (Para Manuela de Córdoba.) Sou sempre a coadjuvante, nunca a protagonista. A única estrela da companhia é você. Queria ser Nora Elmer, fui Senhora Linde. Queria ser Electra, fui Clitemnestra. Queria ser Lady Windermere, serei Senhora Erlynne. Se quiser ser Joana D’Arc, serei a fogueira.
(Carlota Petrucelli sai.)
FABIANO:(Para Eron.) Anotou?
ERON: Anotei!
MANUELA DE CÓRDOBA: Foi ela! Aposto que Carlota Petrucelli escondeu o leque de Lady Windermere. (Manuela de Córdoba sai.)
CENA 8: VAMOS VER REDS.
ANÍSIO: (Para Fabiano e Eron.) Provas de matemática corrigidas. Parabéns, Eron!
FABIANO: Dez?
ANÍSIO: 9,9
ERON: Puta que pariu! (Para Anísio.) Sorry.
ANÍSIO: (Entrega a prova para Fabiano.) Fabiano, meu filho!
Você não gosta de matemática, vá lá. Mas, um na prova? Pra tudo, na vida, deve-se ter limite. Até pra fracassar. (Martim desponta, juntando-se à cena.)
MARTIM: Professor Anísio!
ERON: (À parte, para Fabiano.) Lá vem Alexander Piero. Será que é ele que vai matar Manuela de Córdoba?
FABIANO e ERON: (Em uníssono.) Tchan, tchan, tchan, tchan!
MARTIM: Está passando um filme sobre a Revolução Russa.
ANÍSIO: Reds.
MARTIM: Quero deixar a sala de aula e levar as turmas pra sala de cinema, mas você sabe da minha implicância com o cinema americano.
FABIANO: Vamos, Alexander! Quer dizer, vamos, professor Martim, nossa turma vai gostar!
MARTIM: Prefiro o cinema europeu. Tô mais pra Nouvelle Vague que pra Metro- Goldwyn-Mayer.
ANÍSIO: Fui formado pelo cinema americano, mas eu queria mesmo era viver dentro de um filme francês.
MARTIM: O filme vale a pena mesmo, professor?
ANÍSIO: Um retrato grandioso da Revolução Russa de 1917.
MARTIM: Fabiano, Eron: Vamos ver Reds!
(Martim sai.)
ANÍSIO: O professor de história é entusiasmado. Já fui assim. Hoje eu só penso em me aposentar. Muito tempo ensinando a dividir, multiplicar, somar. Tá na hora de diminuir.
(Anísio sai.)
ERON: Fará falta quando se aposentar.
FABIANO: Topa pegar um cinema?
ERON: Eu bem que queria, mas a grana lá em casa tá curta. Meu pai perdeu o emprego.
FABIANO: Poxa, que barra!
ERON: Barra pesada. Licença, eu vou à luta atrás de trabalho. (Eron vai saindo, Leda vai entrando.)
CENA 9: VOCÊ ACREDITA EM INSPIRAÇÃO?
LEDA: Eron...lembro que ele queria ser ator. Tem notícias dele?
FABIANO: Nunca mais vi. Tem quem gruda na gente a vida toda. Tem quem vai e volta e tem quem estava tão próximo e nos escapa, pra sempre.
LEDA: Será que Eron morreu?
FABIANO: (Incrédulo) Será?
LEDA: Pensando o quê? Só professores morrem?
FABIANO: Está passando um filme na minha cabeça. Eron e você estão nele. Aqui é o set de filmagem da minha memória, do filme da minha vida. Um filme que foi rodado há muito tempo e eu reedito. (Vilma irrompe.)
VILMA: Leda, depois dá um pulinho na minha sala. (Vilma sai.)
FABIANO: Certa vez, Vilma te censurou por levar pra aula a letra de Folias no Matagal.
LEDA: (Vaga) Foi?
FABIANO: Letra, segundo ela, “inadequada”.
LEDA: Ah, Vilma, Vilma, tudo para ela era “inadequado”. (Outro tom.) Curiosa para saber da sua nova peça.
FABIANO: Ensaios agendados, estreia marcada. Eu preciso escrever!
LEDA: Vê lá que tem um elenco te esperando!
FABIANO: Preciso escrever.
LEDA: E por que não escreve?
FABIANO: Já disse! Falta, como vou explicar..., o trampolim pra mergulhar na peça. Falta inspiração.
LEDA: Ora, desde quando você acredita em inspiração?
FABIANO: Crise criativa.
LEDA: Autor lá tem crise! Tem inércia, indisciplina. É preciso escrever, escrever, escrever! “Tentar. Falhar. Não importa. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor.”. “Lutar com palavras é a luta mais vã...”
FABIANO: “...No entanto, lutamos mal rompe a manhã.”. Eu lembro que estudamos esses textos nas suas aulas.
LEDA: Aulas que você esqueceu.
(Ouve-se o barulho do trem, trazendo para Fabiano um choque de realidade.)
FABIANO: (Pegando o caderno, o Cahier du Cinéma e Anna Karenina.) Chega, Leda, vou voltar pra estação.
LEDA: Não é hora.
FABIANO: Está decidido. (Fabiano vai pra estação.)
LEDA: Fabiano, fique! Obedeça a sua professora.
FABIANO: (Exasperado.) Meu trem vai partir e estou, aqui, empacado na contramão do tempo. O que eu estou fazendo nesta escola?
LEDA: Você vai descobrir.
FABIANO: Qual a razão deste suspense?
LEDA: Ora, dramaturgo, logo você me perguntando a razão de um suspense?
FABIANO: Eu não posso perder o trem.
LEDA: Fabiano, detenha-se um pouco mais, aqui, no passado. O que te trouxe de volta?
FABIANO: A nostalgia.
LEDA: A nostalgia não basta. Tem algo mais. Se ligue.
FABIANO: O quê?
LEDA: Algo que você deixou pra trás.
FABIANO: Algo que eu deixei para trás....
LEDA: (Esperta) Você falou do embate que eu tive com Vilma sobre uma música...Não lembro.
FABIANO: Eu lembro como se fosse hoje.
LEDA: Curiosa essa expressão: “Eu lembro como se fosse hoje”.
FABIANO: Eu vou te contar.
LEDA: (Instigando Fabiano.) Não, contar não, você vai escrever a cena em que eu e Vilma, “a equivocada”, tivemos essa discussão.
FABIANO: Está me dando uma missão?
LEDA: Não. Estou passando um dever de casa, afinal, eu voltei a ser sua professora. Senta a bunda na cadeira e me puxa pela memória.
(Fabiano abre o caderno.)
LEDA: Escreva assim: Leda, dois pontos: “Você disse que quer conversar comigo, Vilma.” Vilma, dois pontos: “É sobre a música que você levou pra sua aula.” O resto é com você. (Leda vai duelar com Vilma, que está com uma folha na mão. Fabiano escreve, no caderno, a cena seguinte.)
CENA 10: FOLIAS NO MATAGAL.
VILMA: (Lendo) “O mar passa saborosamente a língua na areia que bem debochada, cínica que é, permite deleitada esses abusos do mar.” Muita luxúria!
LEDA: Folias no Matagal é um prato cheio para os alunos aprenderem o que é metáfora.
VILMA: (Lendo) “Por trás de uma folha de palmeira, a lua poderosa, mulher muito fogosa, vem nua, sacudindo e brilhando inteira.” Imagens libidinosas.
LEDA: Imagens poéticas.
VILMA: Inadequadas para alunos com hormônios à flor da pele. Eu sei o que você está querendo: bancar a professora moderninha espalhando o erotismo entre os estudantes.
LEDA: Agora você foi longe demais.
VILMA: Longe demais foram estes versos: (Lendo) “Palmeiras se abraçam fortemente, suspiram, dão gemidos, soltam ais.”
(Leda se vira para sair.)
VILMA: Eu ainda não terminei. (Leda volta-se para Vilma.)
“Um coqueirinho pergunta docemente a outro coqueiro que o
olha sonhador: Você me amará eternamente?” Eu sei o que isso significa!
FABIANO: (Escreve e pronuncia a fala de Vilma.) Conduta homossexual.
VILMA: Conduta homossexual. (Leda vai até Fabiano.)
CENA 11: EU JÁ SEI O QUE EU VIM FAZER AQUI.
LEDA: Ah, Vilma! Ela me tirava do sério!
FABIANO: (Fogos de artifício espocam dentro dele.) Eu já sei o que eu vim fazer aqui! Eu acabo de criar uma cena da peça que eu preciso escrever! A cena em que a professora Vilma censura a professora Leda por causa de Folias no Matagal. A peça é sobre um adolescente descobrindo a vida na escola. É isso! Um adolescente, aluno de Leda e Vilma. Cena um: “O mar passa saborosamente a língua na areia”.
LEDA: O adolescente Fabiano.
FABIANO: O público o vê escrevendo uma peça: Noite de Estreia. Um aspirante a Pirandello, mas não passa de um arremedo de Sidney Sheldon e Agatha Christie.
LEDA: Um garoto em formação.
FABIANO: Um garoto que, como eu, amava Cazuza e Legião. Um garoto na antiga escola Nossa Senhora de Livramento, de onde chegam os vestígios do passado, os espectros iluminados por minha memória.
LEDA: Agora que está no trampolim, salte!
(Leda sai. Eron entra.)
SEGUNDO ATO
CENA 12: TOMASO RUBINI ENTRA EM CENA.
FABIANO: Você! Você está escalado para interpretar Enrico Anselmi.
ERON: Enrico Anselmi!
FABIANO: O jovem diretor da Companhia Manuela de Córdoba.
ERON: Ele tem quantas cenas?
FABIANO: Eron, não se mede um personagem pela quantidade de cenas. Não existem personagens pequenos, existem...
ERON: Sem essa de não existem personagens pequenos, existem atores menores.
(Anísio entra como Tomaso Rubini.)
FABIANO: O produtor de Manuela de Córdoba, Tomaso Rubini, aposta em jovens talentos. Por isso, ele resolveu contratar Enrico Anselmi para dirigir “a diva” em O Leque de Lady Windermere.
TOMASO RUBINI: (Para Fabiano.) A estreia de O Leque de Lady Windermere foi capa! Deu em todos os jornais!
FABIANO: (Para Eron.) Manuela de Córdoba foi seduzida pelas propostas de Enrico Anselmi.
TOMASO RUBINI: (Para Fabiano.) Vou ao foyer recepcionar os convidados e paparicar os críticos. É noite de estreia, noite de estreia! Ah, convites só hoje. Amanhã não tem mais!
(Tomaso Rubini sai. A luz mágica que envolvia o fluxo criativo entre
os dois amigos é substituída pela luz “fria” da sala de aula onde Martim ensina.)
MARTIM: (Contrariado) Fabiano, Eron. Assim não dá! Vocês conversam demais. O assunto vai cair na prova de história.
FABIANO: A gente tava falando de outra “estória.”
MARTIM: Se quiserem conversar vão pro corredor.
FABIANO e ERON: (Se olham e dizem decididos.) Vamos pro corredor!
(Eles deixam a sala de aula. Vilma, encarnando Carlota Petrucelli, aparece, trazendo de volta a luz mágica.)
FABIANO: Carlota Petrucelli!
CARLOTA PETRUCELLI: (Para Fabiano.) Pra seu governo, estou tendo um romance com Tomaso Rubini.
FABIANO: Alto lá! Eu não escrevi isso. Não tem nem anotação nesse sentido!
CARLOTA PETRUCELLI: Pois trate de escrever. Manuela de Córdoba tem um romance com Alexander Piero. E eu? Não terei um romance por quê?
FABIANO: Mas, Carlota...
ERON: O que é que tem Carlota Petrucelli?
FABIANO: Está colocando as asas de fora.
CARLOTA PETRUCELLI: E tem mais: vou deixar a Companhia Manuela de Córdoba. Tomaso Rubini vai produzir Um Bonde Chamado Desejo para mim.
FABIANO: Que história é essa? Agora o autor é o último a saber?
CARLOTA PETRUCELLI: Como dirá Manuela de Córdoba,
escreva aí, “Uma atriz precisa interpretar Blanche Dubois”.
FABIANO: Eron, meus personagens estão saindo do meu controle. Vou pra biblioteca escrever.
ERON: Epa, volte, Dias Gomes! Temos reunião do trabalho em equipe de geografia.
CARLOTA PETRUCELLI: (Para Fabiano.) Você tem uma peça pra terminar. Não vai perder tempo com trabalho em equipe.
FABIANO: (Para Eron.) Eu tenho uma peça pra terminar. Não vou perder tempo com trabalho em equipe.
ERON: Tá vendo aí! Trabalho em equipe tem sempre alguém que tira o corpo fora.
FABIANO: Eron, meus personagens precisam de mim! Manuela de Córdoba vai ter uma pega pra capar no camarim com Tomaso Rubini. (Eufórico) É noite de estreia, noite de estreia!
ERON: Eu detesto trabalho em equipe!
(Eron sai.)
CARLOTA PETRUCELLI: “Apertem os cintos. Vai ser uma noite turbulenta.”
(Carlota Petrucelli sai.)
CENA 13: MANUELA DE CÓRDOBA
VERSUS TOMASO RUBINI.
MANUELA DE CÓRDOBA: Não venha reclamar da encenação de Enrico Anselmi.
TOMASO RUBINI: Enrico Anselmi extrapolou o orçamento.
Onde eu estava com a cabeça quando permiti a montagem de O Leque de Lady Windermere!? Uma peça de época!
MANUELA DE CÓRDOBA: Quanta insensibilidade! Assuntos prosaicos na minha noite de estreia. Hoje, “eu não quero realismo, eu quero magia”.
TOMASO RUBINI: Só seu figurino levou metade do patrocínio.
MANUELA DE CÓRDOBA: Uma personagem de Oscar Wilde precisa de um figurino à altura! Minha Lady Windermere vai ser um sucesso, depois do fracasso de Macbeth.
TOMASO RUBINI: Não fala! Não fala o nome da “peça escocesa” que dá azar.
MANUELA DE CÓRDOBA: Se era pra montar Shakespeare, bem melhor Romeu e Julieta.
TOMASO RUBINI: Julieta tem 14 anos! Se enxerga, Manuela! Se é por falta de espelho, é o que bem tem em seu camarim.
MANUELA DE CÓRDOBA: (Para Fabiano.) Ele vai falar assim comigo?
FABIANO: Vai!
MANUELA DE CÓRDOBA: E eu vou deixar por isso mesmo?
FABIANO: Não! Você vai dizer: “Uma atriz não tem idade.”
MANUELA DE CÓRDOBA: (Para Tomaso Rubini.) Uma atriz não tem idade.
TOMASO RUBINI: Ah tem! Tem sim. E você já passou da idade de fazer Julieta.
MANUELA DE CÓRDOBA: Quis fazer Piaf, você não deixou. Caiu nas mãos de Bibi Ferreira.
TOMASO RUBINI: Um musical, Manuela! Não delira!
MANUELA DE CÓRDOBA: O sucesso de Bibi era pra ser meu!
TOMASO RUBINI: Você não canta! Bibi sim! E muito!
MANUELA DE CÓRDOBA: Ah, mas você não vai me impedir de interpretar minha próxima personagem. A nova peça da Companhia Manuela de Córdoba será Um bonde chamado desejo.
TOMASO RUBINI: (Pigarreia, nervoso) Não diga!
MANUELA DE CÓRDOBA: Meu sonho é ser Blanche Dubois. Uma atriz precisa interpretar Blanche Dubois.
TOMASO RUBINI: Manuela, eu preciso te falar uma coisa.
MANUELA DE CÓRDOBA: (Ignorando Tomaso Rubini) Eu quero ver Alexander! Onde, diabos, ele se meteu?
TOMASO RUBINI: Manuela...
MANUELA DE CÓRDOBA: Não fale. Eu preciso me concentrar. É noite de estreia, noite de estreia! Saia do meu camarim, Tomaso! “I want to be alone”.
(Tomaso Rubini sai.)
CENA 14: ESSE É O PAÍS QUE VAI PRA FRENTE.
(Luz sobre Vilma e Martim.)
VILMA: Você foi aluno desta escola. Hoje é professor. Mas, do jeito que as coisas vão...
MARTIM: É uma ameaça?
VILMA: Um conselho. Cuidado com suas aulas. Ditadura, tema espinhoso.
MARTIM: Os alunos precisam saber dos temas “espinhosos.”
VILMA: Tortura, Martim? O diretor é mão de ferro. Por ele,
ainda se usava palmatória. Maneire.
MARTIM: Eu não sei como maneirar. Contar em tons pastéis
uma história manchada de sangue? Uma história que eu vi de perto. Meu pai foi preso e exilado.
(A luz sai de Vilma e Martim e vai para Fabiano e Leda.)
LEDA: Qual cena escreve?
FABIANO: Vilma censura Martim por abordar a ditadura.
LEDA: É bom escrever sobre Vilma e Martim?
FABIANO: É
LEDA: Por quê?
FABIANO: Porque Martim me serve de contraponto para Anísio. Anísio já se cansou, só olha pra porta de saída. Martim acaba de passar pela porta de entrada. Já Vilma puxa a corda, de um lado, enquanto os demais personagens puxam do outro.
(A luz sai de Fabiano e Leda e volta para Vilma e Martim.)
MARTIM: O país está saindo de uma ditadura, caminhando para a redemocratização, mas sei que alguns querem seguir cantando “esse é o país que vai pra frente”.
VILMA: O meu marido, por exemplo, desconhece a ditadura militar.
MARTIM: Por isso não ensino uma história caduca, limitada a datas, uma história míope. Ah, comigo não. A história que eu ensino põe uma lente de aumento sobre a ditadura militar. Traz seu marido aqui. Eu dou uma aula pra ele.
VILMA: Benzinho? Vem nada. Trabalha duro na repartição.
MARTIM: Eu contaria a ele o que minha família passou. Benzinho saberia o que foi a ditadura militar.
VILMA: Não é meu marido que me preocupa. São os pais dos alunos.
MARTIM: Não estou aqui para ensinar os pais. Estou aqui para ensinar os filhos.
(A luz sai de Vilma e Martim e volta para Fabiano e Leda.)
LEDA: Quem vai interpretar Vilma?
FABIANO: Vivianne Laert.
LEDA: E Martim?
FABIANO: Edu Coutinho. Anísio, Lucio Tranchesi. Eron, Hyago Matos.
LEDA: E eu?
FABIANO: Você? Veridiana Andrade.
LEDA: Vê lá o que eu vou dizer na sua peça.
FABIANO: Vê lá o que diz a um dramaturgo. Pode parar no palco.
LEDA: E Fabiano, o enfant terrible desta escola, quem vai interpretar?
FABIANO: Pois é… Fabiano é um adolescente...mas, Wanderley Meira não tem mais idade pra isso...Eu vou ter que resolver.
CENA 15: ZORBA, O GREGO.
(Luz sobre Anísio e Martim.)
ANÍSIO: E Reds?
MARTIM: O filme deu uma aula! Mostrou de forma emocionante a Revolução Russa. Meu pai teria gostado.
ANÍSIO: Quando você era garoto seu pai vinha te buscar na escola.
MARTIM: Em um fusca azul. Havia um filme, em especial, que meu pai adorava: Zorba, o grego. O senhor lembra daquela cena em que Zorba dança?
ANÍSIO: Entrou para a história do cinema.
MARTIM: Desde que voltou do exílio, aos domingos, meu pai tomava Campari. Louco por Campari. Lá pelas tantas, ele protestava. “O Brasil deu errado, meu filho. O Brasil tava dando certo. O Brasil da Bossa Nova, do Cinema Novo, o Brasil de Paulo Freire.” Ele ficava melancólico e para voltar a se alegrar colocava o disco com a música de Zorba, o grego. Ele dançava a mesma dança de Zorba. Um dia, ele me chamou para dançar com ele. Ele, que dançava pra se alegrar, de pileque, lamentava: “Eu quero o Brasil de Paulo Freire! O Brasil de Paulo Freire!” (Toca a sirene, chamando pra aula.)
ANÍSIO: O dever nos chama. Mais um dia para a aposentadoria.
MARTIM: Qualquer dia vamos dar uma volta no fusca azul que foi do meu pai.
(Martim e Anísio somem. Fabiano é visto ao lado de Leda.)
CENA 16: MARTIM E UMA VIDA INVENTADA.
(Leda está espiando o caderno de Fabiano.)
LEDA: Zorba, o grego. Você e suas referências cinematográficas.
FABIANO: O que teria acontecido a Martim?
LEDA: O dramaturgo aqui é você. Imagine.
FABIANO: (Para si próprio.) Deixa eu ver. O que teria acontecido a Martim?
(Tempo. Em outro extremo, Martim aparece dançando ao som da música Zorba’s dance, do filme “Zorba, o grego”. Martim reproduz os mesmos passos executados, ao som dessa canção, pelos atores Anthony Quinn e Alan Bates.)
FABIANO: Aos 40 anos, Martim tornou-se professor universitário e escreveu um livro sobre o pai, contando sua luta contra a ditadura, os anos no exílio. O livro marcou época.
Martim pensou: “É, a vida é boa comigo.” Acomodou-se. Aos 50 anos, casado já há 20, ficou viúvo da mulher que amava.
Martim pensou: “A vida fodeu comigo.” Mochila nas costas, resolveu fazer uma trilha pelos Andes. Entendeu que ainda valia continuar lutando. Entrou pra luta armada na América
Latina. Desapareceu.
LEDA: (Tirando Martim do momento mágico imaginado por Fabiano.) Martim, você já pensou em ser professor universitário?
MARTIM: Mais adiante, quem sabe...
LEDA: Outra coisa: já lhe ocorreu escrever um livro sobre seu pai?
MARTIM: Não, nunca pensei, mas, olha, é uma boa ideia. Quem sabe, no futuro.
LEDA: É....A gente nunca sabe o que o futuro nos reserva, não é mesmo, Fabiano?
FABIANO: É... A gente nunca sabe o que o futuro nos reserva.
MARTIM: Esta conversa está estranha, não está? É.... definitivamente esta conversa está estranha. (Leda e Fabiano se olham, cúmplices.)
CENA 17: PAUSA PRO CAFÉ.
(Vilma, Anísio e Leda estão na sala dos professores.)
ANÍSIO: Hora que gosto é esta. Pausa pro café.
VILMA: Esta escola dá uma canseira na gente, né não?
ANÍSIO: Ô se dá. Contando os dias para a aposentadoria. (Para Vilma, apontando um pacote de bolacha.) Quer um cream cracker?
VILMA: (Mostra para Anísio o seu próprio pacote de bolacha.)
Curiosa pra saber do que trata a peça daquele aluno Fabiano.
Ele já está ensaiando.
LEDA: (Bebe o café.) Eita que o café tá fooorte.
VILMA: Hoje vou ver o ensaio. Estou preocupada com aquele garoto. Daqui a pouco vira artista, aí já viu.
ANÍSIO: (Bebe o café.) Forte mesmo. Gosto assim.
VILMA: Acho Fabiano tão esquisito. A rapaziada na quadra, atrás da bola e ele na sala, escrevendo.
LEDA: Desde quando um aluno escrevendo é esquisito, professora Vilma? Fabiano não gosta de jogar futebol.
VILMA: (Maldosamente) Prefere jogar baleado com as meninas, não é?
ANÍSIO: (Desviando o assunto.) Acabou a manteiga.
VILMA: E a excursão, Leda?
LEDA: Vai correr várias cidades européias, incluindo uma passadinha em Marselha. Com sorte, em alguma cidade, vai nevar.
VILMA: Não sei que te dá. Todo ano se planeja pra ir e desiste.
Este ano você vai e manda um cartão postal pra mim.
LEDA: Pode deixar.
ANÍSIO: A bolachinha de goma acabou.
VILMA: Amanhã eu trago pra gente. E sua mãe, Anísio?
ANÍSIO: Não anda bem, mas a gente vai levando.
LEDA: Que tal um cineminha mais tarde?
VILMA: Marquei com Valdirzinho e a noiva. Vou ajudar eles a escolher o sofá.
ANÍSIO: Prefiro ver meus filmes sozinho.
LEDA: Sinto falta de ir ao cinema com alguém.
VILMA: Pro sofá Valdirzinho prefere cores fortes. Eu prefiro tons pastéis. Que “ces” acham? Eu sou uma mulher em tons pastéis.
ANÍSIO: Droga! Acabou o café.
CENA 18: NO CAMARIM DE ALEXANDER PIERO.
(Enrico Anselmi está no camarim de Alexander Piero.)
ENRICO ANSELMI: Você fixou a nova marca, não é, Alexander?
ALEXANDER PIERO: Fixei. Você tinha de mudar uma marca de Lorde Windermere justo agora, na boca da estreia?
ENRICO ANSELMI: Tudo tem que sair perfeito. É a minha única peça na Companhia Manuela de Córdoba e seus comediantes.
ALEXANDER PIERO: Carlota me disse que sairá da Companhia para fazer Um bonde chamado desejo.
ENRICO ANSELMI: Fui convidado a dirigir e aceitei.
ALEXANDER PIERO: A Manuela não vai gostar nada nada de
saber. O sonho da Manuela é interpretar Blanche Dubois.
ENRICO ANSELMI: Quando ela souber vai reagir com a fúria de uma Medeia.
ALEXANDER PIERO: Bem que eu queria fazer Um bonde chamado desejo. Já pensou, eu como Stanley Kowalski, o personagem que revelou ao mundo Marlon Brando!
ENRICO ANSELMI: Quem sabe…
ALEXANDER PIERO: Mas, eu vou te confessar, o que eu quero mesmo é fazer televisão. Troço chato esse negócio da mesma peça toda noite. Não é pra mim.
ENRICO ANSELMI: Você bebeu?
ALEXANDER PIERO: Precisei de um scotch. Tô uma pilha de nervos.
ENRICO ANSELMI: Um ator precisa ficar nervoso antes da estreia.
ALEXANDER PIERO: Por quê?
ENRICO ANSELMI: Se ficar calmo é sinal de que está muito confiante. Não é bom.
ALEXANDER PIERO: A Manuela esqueceu o texto nos ensaios.
ENRICO ANSELMI: Vai precisar do ponto pra dar as falas.
TERCEIRO ATO
CENA 19: NOITE DE ESTREIA CENSURADA.
VILMA: Aqui, na minha escola, sua peça não passa.
FABIANO: A senhora não pode fazer isso.
ALEXANDER PIERO: (Para Fabiano.) Se a peça não for
apresentada como é que eu fico?
VILMA: Tenho ordens da direção para decidir o que é ou não adequado para a escola.
FABIANO: Não é justo.
ALEXANDER PIERO: (Para Fabiano.) Quem ela pensa que é?!
VILMA: Peça inadequada para os alunos.
FABIANO: Até parece que sou o Pasolini de Saló ou os 120 dias de Sodoma.
VILMA: Esse eu não sei quem é e pelo visto nem é bom saber.
ALEXANDER PIERO: (Para Vilma.) Fascistas, no pasarám! No pasarám! (Vilma sai.)
FABIANO: Alexander, desconhecia esse seu lado revolucionário.
ALEXANDER PIERO:(Saindo)Fascistas, no pasarám! No pasarám! (Eron entra.)
CENA 20: ESTA CENA É MINHA.
FABIANO: Agora eu sei o que Godard sentiu quando o governo brasileiro proibiu a exibição de Je vous salue Marie.
ERON: Vou convencer Vilma a liberar a peça.
FABIANO: Ela não ouviu a mim que sou o autor, vai ouvir você?
ERON: (Firme) Esta cena é minha, Pier Paolo Pasolini.
FABIANO: Escreva! (Eron vai até Vilma.)
ERON: Professora Vilma, já ouviu falar nos gêneros literários?
VILMA: Eu não sou de literatura.
ERON: Para aprender sobre o gênero dramático estudamos a peça O Santo Inquérito. A professora Leda até chorou dando uma aula sobre O Santo Inquérito. Fabiano e eu ficamos tão entusiasmados que resolvemos fazer uma peça. A senhora não sabe o trabalho que dá. Pra montar o cenário da peça deste ano, a gente teve que trazer o espelho da mãe de Fabiano e o sofá da minha mãe. E a senhora censurou. Com que direito?
VILMA: Mais do que direito, eu tenho a obrigação de proteger vocês. Na condição de professora de educação moral e cívica e coordenadora pedagógica.
ERON: É uma injustiça! Eu vou protestar na direção.
VILMA: Vá! Eronildes, Eronildes… O diretor não vai ceder a um aluno que está com a mensalidade atrasada, Eronildes. Além disso, o seu boletim está quase todo vermelho. Não vejo por que ele atenderia um aluno tão abaixo da média.
ERON: Bom seria, quando não se sabe o que dizer ter um dramaturgo escrevendo as falas. Se este diálogo fizesse parte de uma peça, eu teria os argumentos que me faltam.
VILMA: Vá pra sala de aula. Não é no palco que vai passar de ano.
ERON: (Digno. Altivo. Do garoto apossa-se um homem maduro. Ele torna-se Simão Dias, de O Santo Inquérito.) “Vamos nós discutir com eles, lutar contra eles? Tolice. Têm a força, a lei, Deus e a milícia – tudo do lado deles. Que podemos nós fazer? De que adianta alegar inocência, protestar contra uma injustiça? Eles provam o que quiserem contra nós e nós não conseguiremos provar nada em nossa
defesa. Bravatas? Também não adiantam.” Tá vendo, professora Vilma. Eu gostei tanto de O Santo Inquérito que até decorei esta fala.
CENA 21: ANÍSIO TENTA LIBERAR NOITE DE ESTREIA.
FABIANO: Lê esta cena comigo.
LEDA: Eu não sou Manuela de Córdoba, mas aceito a missão.
FABIANO: Você lê Anísio e eu Vilma.
(Leda e Fabiano começam a ler, no caderno de Fabiano, a cena do embate entre Anísio e Vilma.)
LEDA-ANÍSIO: “Uma arbitrariedade.”
FABIANO-VILMA: “Você sabe do que trata a peça?”
LEDA-ANÍSIO: “Uma peça dos alunos. O teatro, nesta escola, deve ser aplaudido e não censurado.”
FABIANO-VILMA: “Submundo de gente de teatro, traição, pederastia, política, falas subversivas, tem até assassinato.”
(Surgem Anísio e Vilma. Fabiano e Leda assistem à cena saltar do caderno de Fabiano e ganhar vida.)
ANÍSIO: Isso nós que vamos avaliar. O público! Professores, estudantes, pais. A peça é apresentada e as críticas ouvidas.
VILMA: Só passando por cima do meu cadáver.
ANÍSIO: Não seja dramática. Seu papel é de censora e não de atriz.
VILMA: Minhas ovelhas não ficam desgarradas. Na condição de professora de educação moral e cívica e coordenadora pedagógica, devo livrar os alunos do mal.
ANÍSIO: Que mal? Que mal? Quanta prepotência! Você acha mesmo que, nós, professores, podemos livrar os alunos do mal?
VILMA: Assunto encerrado!
(Anísio vira-se para sair. Vê-se, escrita em uma folha, colada em suas costas, a palavra “viado”.)
VILMA: Anísio...
(Anísio para e vira-se.)
VILMA: (Constrangida, sinceramente sensibilizada.) Nas suas costas.
(Vilma vai até ele, arranca a folha e mostra para Anísio.)
CENA 22: EU BEIJEI ROCK HUDSON.
LEDA: No dia seguinte, Anísio não veio pra escola. Fui até sua casa, ah fui. Sabia que meu amigo precisava de mim. Taí! Eu gostaria de ver uma cena entre Fabiano e Anísio logo após este episódio.
(Fabiano chega na sala de aula e encontra o professor Anísio corrigindo provas.)
FABIANO: Terminei de ler Anna Karenina, professor.
ANÍSIO: Já viu Greta Garbo como Anna Karenina?
FABIANO: Não.
ANISIO: Imperdoável falha de caráter. Corra até a locadora e alugue o filme. Ninguém se jogou debaixo do trem com tanta classe como Greta Garbo!
FABIANO: Sinto muito pelo que fizeram com o senhor.
ANÍSIO: (Tentando, sem ser convincente, minimizar a situação.)
Ah, já esqueci.
FABIANO: Esse tipo de coisa não se esquece.
ANÍSIO: “Viado” escrito pra quem quiser ver! Que vergonha!
FABIANO: Vergonha de que, professor? Do cartaz escrito “viado” ou de ser...?
ANÍSIO: (Interrompendo Fabiano.) Respeito é bom e eu gosto! Eu sou seu professor.
FABIANO: Não tem aluno, nesta escola, que respeite o senhor mais do que eu.
ANÍSIO: Esta não é uma conversa para eu ter com você.
FABIANO: Por que não?
ANÍSIO: Porque sou seu professor, não sou seu amigo! “Viado”.
Palavra feia.
FABIANO: Se o senhor preferir, tem vários sinônimos.
ANÍSIO: Eu ainda sinto a palavra pregada nas minhas costas.
FABIANO: Eu sei que não é fácil. Professor, o senhor já amou um homem?
ANÍSIO: Eu não me conformo de ouvir um aluno me perguntando isso.
FABIANO: Amou ou não amou?
ANÍSIO: Já. Todos platônicos. Mas eu te juro, eu trocaria todos eles só pra estar perto de Edith Piaf.
FABIANO: Tá vendo, professor. Fã de Edith Piaf. Só podia ser viado.
ANÍSIO: Isso porque você não viu me dublando Edith Piaf.
FABIANO: Ah, professor, isso eu queria ver.
ANISIO: Vou te contar uma história. Uma vez, fui ao cinema
com minha mãe. Vimos Assim Caminha a Humanidade. Na saída, minha mãe comentou: “Reparou, Zezo” - minha mãe me chama de Zezo -, “como essa Elizabeth Taylor é bonita?” A minha vontade era dizer. “É sim, mãe, essa Elizabeth Taylor é bonita, tem olhos violeta, mas eu só tive olhos mesmo pra Rock Hudson.” Eu tinha uma revista com Rock Hudson. Quando voltei do cinema, eu beijei Rock Hudson. Nunca beijei um homem. Eu só beijei uma revista.
(Barulhos de trem. Fabiano fica atordoado.)
FABIANO: O trem! Daqui a pouco parte meu trem.
ANÍSIO: Que trem? Cê tá gozando com a minha cara?
FABIANO: Não, professor, estou falando sério. O senhor também. Acho que o senhor nunca falou tão sério em toda sua vida.
CENA 23: LEDA DÁ UMA LIÇÃO A FABIANO.
LEDA: E então, Noite de Estreia é censurada e fica por isso mesmo?
FABIANO: Eu lembro que foi assim que aconteceu.
LEDA: As memórias são suas. Mude-as como quiser!
FABIANO: Fui fiel aos fatos.
LEDA: Traia os fatos e seja fiel ao teatro. Se Vilma for vencida, mesmo a contragosto...
FABIANO: A cena vira...e xeque-mate! Tem razão! Vou reescrever e Anísio vai convencer Vilma a mudar de ideia.
LEDA: Anísio não! Tire Anísio desta cena. Vilma não cedeu a
Anísio, mas cederia a outro personagem: Martim.
FABIANO: Por que Martim?
LEDA: Porque Martim é um guerrilheiro, um revolucionário! Martim não se conformaria com a censura da representante da GESTAPO.
FABIANO: Tem razão.
(Fabiano senta e reescreve a cena. Martim e Vilma entram.)
CENA 24: MARTIM LIBERA NOITE DE ESTREIA.
MARTIM: Uma arbitrariedade.
VILMA: Você sabe do que trata a peça?
MARTIM: Uma peça dos alunos. O teatro, nesta escola, deve ser aplaudido e não censurado.
VILMA: Submundo de gente de teatro, traição, pederastia, política, falas subversivas, tem até assassinato.
MARTIM: Isso nós vamos avaliar. O público. Professores, estudantes, pais. A peça é apresentada e as críticas ouvidas.
VILMA: Só passando por cima do meu cadáver.
MARTIM: Não seja dramática. Seu papel é de censora e não de atriz.
VILMA: Minhas ovelhas não ficam desgarradas. Na condição de professora de educação moral e cívica e coordenadora pedagógica, devo livrar os alunos do mal.
MARTIM: Que mal? Que mal? Quanta prepotência! Você acha mesmo que, nós, professores, podemos livrar os alunos do mal?
VILMA: Assunto encerrado!
MARTIM: Vou convocar uma assembleia com os alunos. Eles vão ficar revoltados. Eles querem ver a peça. Fascistas, não passarão! Não passarão!
VILMA: Eu estou cortando o mal pela raiz.
MARTIM: E não vai parar aí! Vou convocar uma assembleia com os pais.
VILMA: Que mania de assembleia.
MARTIM: Vou botar esta escola de cabeça pra baixo, nem que seja a última coisa que eu faça aqui.
VILMA: Teatro é perigoso. Teatro destrói tudo. Começam, aqui, na escola, depois acabam em um palco. Drogas, maconha, promiscuidade…
MARTIM: O que os alunos vão fazer da vida deles é com eles. Quero uma resposta.
(Anísio encontra Fabiano escrevendo, vai até ele e olha por trás o que o aluno produz.)
CENA 25: COMO NASCE UM PERSONAGEM?
ANÍSIO: Ora, ora, se não é o dramaturgo empunhando sua pena.
FABIANO: Um dramaturgo secundarista. Em uma folha, suas equações de matemática, na outra minha nova peça.
ANÍSIO: A tão aguardada Noite de Estreia. É só o que se comenta na escola, quiçá na Broadway. Satisfaça minha curiosidade: Como se cria um personagem?
FABIANO: Inicialmente, eu me aproximo do personagem como
de um vizinho, que só encontro no elevador e nada sei da sua vida. Depois, o vizinho se torna um amigo. Então, o conheço mais. Até que ele me hospeda em sua casa. Com o passar dos dias, ele abre o coração; com o passar dos dias, abro seu quarto; suas gavetas; com o passar dos dias, leio seu diário; seu pensamento; com o passar dos dias, ele não vive mais sem mim e eu não vivo mais sem ele.
ANÍSIO: Assim nasce Manuela de Córdoba.
FABIANO: Assim nasce Enrico Anselmi. Assim nasce Carlota Petrucelli. Assim nasce Alexander Piero. E assim nasce Tomaso Rubini.
ANÍSIO: Você me espanta, Fabiano. Fala como se já tivesse cabelos brancos. Que cena está escrevendo?
FABIANO: A cena em que Manuela de Córdoba descobre que Carlota Petrucelli vai protagonizar Um bonde chamado desejo. (Luz sobre Manuela de Córdoba e Carlota Petrucelli.)
MANUELA DE CÓRDOBA: Você e Tomaso tramando pelas minhas costas. Deixa só a noite de estreia passar que Tomaso vai se ver comigo.
CARLOTA PETRUCELLI: Finalmente, vou protagonizar. Sou sempre a coadjuvante, nunca a protagonista. A única estrela da companhia é você. Queria ser Nora Elmer, fui Senhora Linde. Queria ser Electra, fui Clitemnestra. Queria ser Lady Windermere, serei Senhora Erlynne. Se quiser ser Joana D’Arc, serei a fogueira.
MANUELA DE CÓRDOBA: Ingrata! Quando ninguém mais te chamava pra trabalhar, eu te convidei para atuar comigo em
Vestido de Noiva.
CARLOTA PETRUCELLI: (Desdenhando) Madame Clessi, uma personagem secundária.
MANUELA DE CÓRDOBA: Ora, queria ser Alaíde, a protagonista?
(Carlota Petrucelli sai. Luz sobre Fabiano e Anísio.)
ANÍSIO: A situação se complicou para Manuela de Córdoba.
FABIANO: Aprendi com os filmes que nada é tão ruim na vida de uma protagonista que não possa piorar.
(Luz sobre Manuela de Córdoba e Alexander Piero.)
MANUELA DE CÓRDOBA: Quem Carlota pensa que é? Ela não tem cacife para ser Blanche Dubois. Você não está pensando em ser Stanley Kowalski, está Alexander?
ALEXANDER PIERO: É um personagem e tanto, Manuela.
MANUELA DE CÓRDOBA: Você escolhe, Alexander Piero! Ou Stanley Kowalski ou eu.
(Alexander Piero e Manuela de Córdoba saem. Luz sobre Fabiano e Anísio.)
ANÍSIO: Pobre Manuela de Córdoba. Atropelada por um bonde.
FABIANO: Ainda bem que eu dei ouvidos a Carlota Petrucelli. Ela me deu um conflito de mão beijada.
ANÍSIO: Não me diga que seus personagens falam com você?
FABIANO: Eles mandam em mim!
ANÍSIO: Você já sabe quem vai matar Manuela de Córdoba?
FABIANO: Ainda não.
ANÍSIO: Sua peça bem que poderia se chamar Morte no Teatro.
(Luz sobre Enrico Anselmi e Carlota Petrucelli.)
ENRICO ANSELMI: Por que você não esperou passar a noite de estreia para contar a Manuela sobre Um bonde chamado desejo?
CARLOTA PETRUCELLI: Enrico Anselmi, você não me conhece. “Quando sou boa, sou muito boa, quando sou má, sou melhor ainda.”
(Carlota Petrucelli e Enrico Anselmi saem.)
ANÍSIO: Agora, vamos pra aula. Antes do autor aí estrear tem que escapar da recuperação.
(Anísio sai.)
CENA 26: VOCÊ VAI MESMO ME MATAR?
(Manuela de Córdoba interpela Fabiano.)
MANUELA DE CÓRDOBA: Você vai mesmo me matar?
FABIANO: No final do segundo ato.
MANUELA DE CÓRDOBA: Tiros? Que morte vulgar.
FABIANO: Vai morrer no teatro, após deixar o palco aplaudida em cena aberta.
MANUELA DE CÓRDOBA: Eu farei o espetáculo de hoje como se fosse o último. Preciso ir. Gosto de ficar na coxia ouvindo o burburinho do público, antes do terceiro sinal, antes da hora mágica. Só mais uma coisa, Fabiano: eu fiz bonito?
FABIANO: Você fez bonito!
CENA 27: MARTIM NO OLHO DA RUA.
(Luz sobre Vilma e Anísio.)
VILMA: Eu não tive nada a ver com a demissão de Martim.
ANÍSIO: Foi buzinar no ouvido do diretor sobre as aulas dele.
VILMA: Eu não falei nada. Mas convenhamos: ditadura?
ANÍSIO: Professor de história, Vilma!
VILMA: Tortura? Precisava? Não, me diz, precisava?
ANÍSIO: O que você falou ao diretor?
VILMA: Eu não falei nada! Pais foram até a direção. Você não pode me condenar.
CENA 28: A DESPEDIDA DE ERON.
(Eron aproxima-se de Anísio e Vilma.)
ERON: Professores, eu vim me despedir. Vou deixar a escola. Consegui um emprego, tempo integral. Preciso ajudar em casa.
(Os professores saem. Eron vai se retirando, mas é detido por Fabiano.)
FABIANO: Eron, meu amigo. O que foi feito de você? Como podemos ficar, todos estes anos, sem nos ver? Por onde você anda?
(Tempo)
ERON: O Feliz Ano Velho fica comigo. Eu não vou te devolver. (Eron some, pra sempre.)
CENA 29: ADEUS, MARTIM.
(Martim despede-se de Anísio.)
MARTIM: Dia desses, professor, vamos dar uma volta no meu fusca azul.
ANÍSIO: Ficarei esperando.
MARTIM: O senhor é um homem distinto. Distinto como foi meu pai.
ANÍSIO: Eu sou só um velho professor de matemática que se esconde da realidade no cinema.
MARTIM: Adeus, professor!
ANÍSIO: Adeus, Martim!!
(Martim e Anísio se abraçam. Em seguida, Martim sai definitivamente de cena.)
CENA 30: ZEZO
LEDA: (Para Fabiano.) Martim cumpriu a promessa. Levou Anísio para dar uma volta no fusca azul. Martim também apareceu no velório da mãe de Anísio. Martim, Vilma e eu o consolamos, mas o que dizer a um amigo nesta hora?
FABIANO: Assim que soube da morte da mãe, a primeira pessoa para quem Anísio ligou foi você.
LEDA: Sim. Como você sabe?
FABIANO: Eu imaginei. E assim vou escrever.
(Anísio desponta. Fabiano afasta-se. À meia luz, observa/escreve a cena.)
ANÍSIO: Assim que ela morreu, a primeira pessoa para quem liguei foi você.
LEDA: Está precisando de alguma coisa? Aposto que está com a geladeira vazia. Vou às compras. Levo frutas, ovos, pão. Você gosta de doce de leite que eu sei. Café! Ninguém passa sem café.
(Anísio, em meio a dor, sorri.)
LEDA: Tá rindo de quê?
ANÍSIO: Você não para de falar em comida. Eu nunca deixo faltar café. Saía da escola, final da tarde, arrebentado de tanta aula, passava na padaria e levava pão quentinho. Minha mãe já tinha passado o café. Sentava e ela sempre perguntava: “Lavou as mãos, Zezo?”
LEDA: Zezo?
ANÍSIO: Só ela me chamava assim. Eu olhava pra ela e pensava: “Minha mãe ainda está aí. Aproveite, Anísio. Aproveite para ouvir ela te chamando de Zezo.” Por mais que eu tivesse aproveitado, não foi suficiente. Nunca é suficiente. Eu nunca mais vou ouvir ela me chamar de Zezo. (Pausa) Ainda bem que as férias estão chegando. Tô sem cabeça e sem coração pra lecionar. E a excursão, vai que dia?
LEDA: Não vou.
ANÍSIO: Não vai? E a neve? Não vai por quê?
LEDA: Porque eu tenho medo.
ANÍSIO: Medo de quê?
LEDA: Medo de tudo! Medo de detestar as pessoas na excursão,
medo de detestar o guia da excursão, medo de me desencantar e querer voltar, medo de me encantar e não querer mais voltar.
ANÍSIO: É, amiga, a vida tá amargando.
LEDA: Eu ensaiei te dizer tantas coisas! Agora, não sei o que dizer.
ANÍSIO: Não há palavras que deem conta do que é perder uma mãe.
(Anísio sai. Leda vai ao encontro de Fabiano.)
LEDA: Logo depois da morte da mãe de Anísio, Vilma ficou vários dias sem aparecer na escola.
FABIANO: Ela nunca faltava.
LEDA: Mesmo sofrendo, Anísio trouxe Vilma de volta pra escola.
FABIANO: O que houve?
LEDA: Ela só disse o que aconteceu pra Anísio.
FABIANO: O que será que eles conversaram?
LEDA: Escreva você.
(Leda sai. Fabiano pega o caderno e escreve a cena seguinte.)
CENA 31: VALDIRZINHO
VILMA: Onde já se viu, me arrastar pra dar aula. Eu não tô em condições de encarar uma sala de aula.
ANÍSIO: Você não tá em condições é de perder o emprego.
VILMA: Dane-se!
ANÍSIO: O que aconteceu, mulher?
VILMA: Valdirzinho...
ANÍSIO: O que é que tem Valdirzinho?
VILMA: Disse que não vai mais se casar. Disse que... tá gostando de um homem. É isso mesmo, Anísio. Valdirzinho tá gostando de um homem. Quer rir de mim, Anísio? Ria.
ANÍSIO: Não, Vilma, eu não vou rir de você.
VILMA: Por que ele me contou? Eu não queria saber. Eu já imaginei aquela mesma palavra que pregaram em você, nas costas de Valdirzinho.
ANÍSIO: A palavra é “Viado”.
VILMA: Não diz essa palavra. É feia.
ANÍSIO: Se preferir, tem vários sinônimos.
VILMA: Eu não quero que ele sofra, eu não quero que façam mal a ele.
FABIANO: (Escrevendo a rubrica.) Chora.
(Vilma chora. Anísio tira do bolso um lenço e entrega pra ela.)
ANÍSIO: Tá limpinho.
(Vilma pega o lenço e enxuga as lágrimas.)
VILMA: Eu vi o brilho nos olhos do meu filho quando ele me falava do tal. Um brilho como nunca vi. Eu pedi a ele pra me mostrar uma foto do moço. Ele tinha uma na carteira.
ANÍSIO: Bonito?
VILMA: Precisa ver. Bonitão, grande. É Anísio...meu filho gosta de um homem. E ele gosta de homem grande.
ANÍSIO: Eu também. (Tempo)
VILMA: Será que meu filho vai ser feliz?
ANÍSIO: Feliz, feliz...Ah, que mania que a gente tem de querer ser feliz.
(A sirene da escola toca.)
ANÍSIO: Vai, se apruma. Depois do intervalo, você dá aula.
VILMA: Por que você foi me buscar?
ANÍSIO: Porque eu sei o quanto você gosta desta escola. Se você ficasse em casa, o diretor mão de ferro te mandava embora. Olha, Vilma, faz de conta que a gente tá no meio de um filme. Espera o final. No final, tudo termina bem.
VILMA: Eu nunca imaginei que um professor desta escola faria isso por mim.
ANÍSIO: Vai trabalhar, vai atazanar a vida dos alunos, dos professores e depois corre pra ver teu filho. Sorte a dele que ainda tem a mãe com quem ele pode contar.
FABIANO: (Lendo a rubrica que incluiu para finalizar esta cena que acaba de escrever.) Vilma e Anísio saem, já gostando mais um do outro. (Leda aparece.)
LEDA: Tempos depois, Vilma, já aposentada, e eu nos batemos, por acaso. “Olá, como vai? Eu vou indo e você, tudo bem?” Ela me disse que ficou viúva e tinha um novo amor. Alguns seguiram felizes, outros solitários e assim caminha a humanidade. Lembrei! O filme que Anísio revia quando morreu no cinema: Assim Caminha a Humanidade.
FABIANO: Pois não é que o professor Anísio passou as últimas horas de vida com Rock Hudson.
LEDA: Na última cena, sua cabeça pendeu sobre meus ombros.
Morto. Olhei para a tela e estava escrito: The end.
FABIANO: Fim. Falando nisso, preciso ir. Meu trem vai partir. Obrigado, professora, graças a você, eu viajo pra Marselha com uma peça. E vai nevar!
LEDA: A peça sobre o jovem Fabiano na escola.
FABIANO: Mais que isso. A peça é sobre um dramaturgo. Ele precisa escrever uma peça para seis atores, mas não consegue. Ele espera um trem em uma estação, quando é tomado pela memória de uma professora. Ela, com segundas intenções, o convida para o passado. Passagem de volta para a escola e, depois, Marselha. E vai nevar.
LEDA: Então, este é o personagem de Wanderley Meira.
FABIANO: Exato! Na escola ele contracena com suas memórias e é instigado por sua professora a escrever. No final, o dramaturgo salta do passado e retorna pra estação com uma peça na mão.
(Fabiano prepare-se para retornar à estação de trem.)
LEDA: Fabiano, quem matou Manuela de Córdoba?
FABIANO: Quem matou Manuela de Córdoba? Ora, quem matou Manuela de Córdoba fui eu, Fabiano, dramaturgo.
LEDA: (Encantada) Veja, está nevando.
FABIANO: (Com ternura.) Só pode ser coisa da minha imaginação.
(Fabiano dirige-se à estação.)
LEDA: A peça vai terminar assim?
FABIANO: Falta mais alguma cena?
LEDA: Me leva com você.
(A luz cai em resistência.) FIM
AS REFERÊNCIAS DO TEXTO
Anna Karenina é um livro do escritor russo Leon Tolstói, lançado em 1877. É um dos maiores romances do realismo literário. Ao longo de mais de 800 páginas, o enredo aborda o caso extraconjugal da personagemtítulo, uma nobre da Rússia Czarista, com um oficial, o Conde Vronsky. O relacionamento provoca a derrocada de Anna, levando-a a se atirar debaixo de um trem.
O romance Anna Karenina foi adaptado para o cinema pela primeira vez tendo como protagonista Greta Garbo. O filme, dirigido por Clarence Brown, foi lançado em 1935 e se tornou um dos marcos na carreira da lendária atriz, um dos maiores nomes da história do cinema.
O livro Feliz ano velho, de Marcelo Rubens Paiva, foi lançado em 1983. A publicação foi um fenômeno de vendagem e marcou época, conquistando jovens leitores. Nele, o autor faz um relato autobiográfico, a partir do acidente que o deixou tetraplégico depois de um mergulho, em 1979.
A professora Leda e Fabiano citam os versos “Lutar com palavras é a luta mais vã, no entanto, lutamos, mal rompe a manhã”, encontrado no poema O lutador, de Carlos Drummond de Andrade.
A professora Leda cita “Tentar. Falhar. Não importa. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor”, que aparece na obra Worstward Ho, de Samuel Beckett.
A letra da canção Folias no matagal, lida pela professora Vilma, é de autoria de Eduardo Dusek e Luís Carlos Góes.
A revista Cahiers du Cinéma, surgida em 1951, tornou-se uma importante referência para os cinéfilos e está intimamente ligada à história do cinema francês. Sobretudo a partir dos anos 1960, jovens críticos que escreviam para o periódico começaram a realizar filmes de destaque, como Jean-Luc Godard, François Truffaut, Éric Rohmer, Jacques Rivette e Claude Chabrol.
A revista, existente até hoje, foi cultuada pelos intelectuais, que nela encontraram um espaço de reflexão sobre o cinema entendido como arte.
A Nouvelle Vague deve sua eclosão enquanto corrente cinematográfica ao Cahiers du Cinéma. Reconhecida como um dos mais destacados momentos da história do cinema, a Nouvelle Vague teve início em 1958, na França, surgindo, a princípio, como uma onda de cineastas contrários à estética de Hollywood, propagada mundialmente pela força de grandes estúdios americanos, como Metro Goldwyn Mayer. A Nouvelle Vague foi
responsável por filmes não convencionais, com narrativas não lineares, personagens errantes, vivendo situações comuns. Um dos seus principais expoentes é o cineasta Jean-Luc Godard.
Godard lançou, em 1984, o filme Je vous salue Marie. Em 1985, o governo do presidente José Sarney, o primeiro governante civil do Brasil, após vinte anos de ditadura militar, proibiu, no território nacional, a exibição do filme. O motivo da censura foi a maneira nada convencional, fugindo do que narra a bíblia, de contar a história de Maria, mão de Jesus. No filme de Godard, Maria é uma estudante que trabalha em um posto de gasolina e dá à luz Jesus, fruto de uma relação sexual com seu namorado José.
Norma Rae é um filme de 1978, dirigido por Martin Ritt e protagonizado por Sally Field. Ela interpreta a personagem-título, uma jovem operária que se dá conta das injustas condições de trabalho na fábrica onde é empregada, o que a leva a lutar pela criação de um sindicato. O filme foi um divisor de águas na carreira de Sally Field, valendo à atriz um Oscar.
Dina Sfat foi uma das mais importantes atrizes brasileiras. Ela faleceu com apenas 50 anos, em 1989, após respeitadas atuações no teatro, cinema e televisão. Em 1982 protagonizou Hedda Gabler, peça do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, com direção de Gilles Gwizdek. Dina Sfat pisou no palco do Teatro Castro Alves em junho de 1983, quando a montagem foi exibida em Salvador.
Morte no Nilo e Assassinato no expresso oriente são dois dos mais conhecidos livros da escritora inglesa Agatha Christie, conhecida como uma mestra da literatura de suspense.
Pânico nos bastidores (Stage Fright) é um filme de 1950, dirigido por Alfred Hitchcock, com Marlene Dietrich no elenco. Na trama, Jonathan Cooper (Richard Todd) é acusado pelo assassinato do marido de sua amante, a atriz Charlotte Inwood, papel de Dietrich.
Pier Paolo Pasolini foi um cineasta italiano, responsável por filmes que chamaram atenção pela ousadia, sempre valorizando o aspecto social e político. Um de seus trabalhos mais marcantes é o último, Saló ou 120 dias de Sodoma, de 1975, ambientado durante o regime fascista italiano. É uma alegoria sobre o poder, a opressão, contendo cenas de grande impacto que exacerbam a sexualidade e a violência.
Ao longo das cenas envolvendo a montagem de Noite de estreia, escrita pelo jovem Fabiano, são mencionadas peças que marcaram a história da dramaturgia mundial e fazem parte do repertório da Companhia Manoela de Córdoba e seus comediantes, como Casa de Bonecas e Electra. Casa de Bonecas, de autoria do dramaturgo norueguês, Henrik Ibsen, é um marco do teatro realista do século XIX. Já Electra é um dos expoentes da tragédia grega, personagem da mitologia que foi retratada no teatro tanto por Sófocles como por Eurípedes.
Outra peça mencionada como integrante do repertório da Companhia Manoela de Córdoba e os seus comediantes é Vestido de Noiva, clássico da dramaturgia brasileira, escrita por Nelson Rodrigues. Foi encenada pela primeira vez em 1943, pela Companhia Os Comediantes, com direção de Ziembinski, tornandose um marco do surgimento do moderno teatro brasileiro.
Uma peça, em especial, é motivo de conflito entre as personagens da Companhia Manoela de Córdoba e seus comediantes: Um bonde chamado desejo, de Tennessee Williams, que tem como protagonista a lendária Blanche Dubois, personagem que é um marco do teatro. Após a estreia do texto, em 1947, Blanche foi vivida no cinema, em 1951, por Vivien Leigh, que contracenou com Marlon Brando, no papel de Stanley Kowalski.
Alguns dos nomes dados ao elenco da Companhia Manoela de Córdoba e seus comediantes são homenagens. Tomaso Rubini, o produtor da Companhia, tem este sobrenome para evocar o personagem Marcello Rubini, interpretado por Marcello Mastroianni em A doce vida, filme de Federico Fellini, de 1960.
De outro personagem de Fellini, o diretor de cinema Guido Anselmi, vivido também por Marcelo Mastroianni, em Oito e meio, de 1963, veio a inspiração para batizar Enrico Anselmi, o jovem diretor da peça de Fabiano, Noite de estreia.
O nome Carlota Petrucelli, atriz da Companhia Manoela de Córdoba e seus comediantes, é uma homenagem a Luciana Petrucelli, importante figurinista, integrante da Companhia Teatro dos Sete, formada em 1959, da qual fez parte Fernanda Montenegro. Ela foi a primeira professora de Indumentária da Escola de Teatro da UFBA, surgida em 1956.
Dias Gomes é um dos mais importantes dramaturgos brasileiros de todos os tempos. O autor baiano destacou-se não só por suas peças, como também por suas telenovelas. Uma de suas obras mais conhecidas é O santo inquérito, montada pela primeira vez em 1966. Conta a luta da jovem
Branca Dias para se defender da inquisição religiosa, após ser acusada pela igreja de bruxaria, o que a leva a morrer na fogueira.
Sidney Sheldon foi um escritor norte-americano de grande sucesso. Ele publicou vários romances que alcançaram a lista dos mais vendidos, entre eles A ira dos anjos e O outro lado da meia noite. A crítica literária não o poupou de avaliações negativas. Os seus livros eram escritos com alto grau de suspense e erotismo, trazendo temas recorrentes, como o mundo dos milionários, os bastidores da fama e a luta por poder e fortuna, com altas doses de intrigas, assassinatos e vingança.
O leque de Lady Windermere é uma peça do dramaturgo e romancista inglês Oscar Wilde, escrita no final do século XIX. Na trama, a personagemtítulo se mostra desconfiada da infidelidade de seu marido, o Lorde Windermere, ao vê-lo acompanhado de uma mulher mais velha, a Senhora Erlyne, que se aproxima dele de forma insistente. O que Lady Windermere não sabe é que Senhora Erlyne vem a ser a sua mãe, que a abandonou no passado e tenta se reaproximar da filha.
Piaf foi um musical estrelado por Bibi Ferreira no início dos anos 1980. Bibi foi uma das maiores atrizes brasileiras de todos os tempos e o espetáculo, dirigido por Flávio Rangel, um grande sucesso. Em cena, a atriz dava vida à cantora francesa Edith Piaf. Bibi a interpretava à perfeição, segundo os críticos.
O filme Zorba, o grego estreou em 1964, dirigido por Michael Cacoyannis. O personagem-título foi interpretado por Anthony Quinn, que, juntamente com o personagem do ator Alan Bates, executa uma coreografia ao som do tema musical "Sirtaki", de Mikis Theodorakis. A cena da dança tornou-se antológica, entrando para a galeria dos momentos mais memoráveis do cinema.
Assim caminha a humanidade é um filme americano de 1956, dirigido por George Stevens. No elenco, Elizabeth Taylor, Rock Hudson e James Dean. Tornou-se um clássico do cinema, contando a história de uma família texana. Foi o último trabalho de James Dean, uma lenda do cinema, falecido em um acidente de carro aos 25 anos, após ter feito apenas três filmes, três atuações marcantes que, na opinião dos críticos, fixaram seu nome entre os grandes atores do cinema americano do século XX. Após sua morte, James Dean tornou-se um ícone da cultura pop.
PAULO HENRIQUE ALCÂNTARA
FONTES DAS IMAGENS
NO VÍDEO
- A Chegada de um Trem à Estação – 1896
Direção: Auguste Lumière e Louis Lumière
- A General – 1926 – Direção: Buster Keaton
- Outubro – 1928 – Direção: Grigoriy Aleksandrov e Sergei Eisenstein
- Anna Karenina – 1935
Direção: Clarence Brown - Assim Caminha a Humanidade – 1956
Direção: George Stevens
- A Chinesa – 1967
Direção: Jean-Luc Godard
- 13th – 2016 – Direção: Ava DuVernay
- “The American Railroads in 1897 - Vintage Footage”
Vídeo do canal FootageArchive - Videos From The Past (Youtube)
- Improving Your Cursive Handwriting – 2014
Vídeo do canal CJ’s Creative Studio (Youtube)
- Che Guevara: The Communist Solution - Fast Facts | History - 2016
Vídeo do canal History (Youtube)
- This photo triggered China’s Cultural Revolution – 2020
Vídeo do canal Vox (Youtube)
- Les cahiers du cinéma, la création d’une empreinte - 2021
Direção: Philippe Lasry
- “Nouvelle Vague: um novo cinema francês” – 2021
Vídeo do canal AvMakers(Youtube)
- Quem foi Vladmir Lenin? – 2021
Vídeo do canal Conhecimento Expandido (Youtube)
- English Mein Handwriting Kaise Sudhare | Cursive Writing Likhne Ka
Aasan Tarika !! – 2022 – Vídeo do canal Smart Writing (Youtube)
- “Colégio Estadual da Bahia Central - Nazaré / Salvador – BA “– 2022
Vídeo do canal Harrison Araújo (Youtube)
- TOUR pela PRIMEIRA ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL DA MINHA
CIDADE / ela é muito grande!! – 2023 – Vídeo do canal Geisa sousa (Youtube)
- Beginners Handwriting practice | Learn Cursive writing | Palash
Calligraphy – 2023- Vídeo do canal Palash Calligraphy (Youtube)
- “Diretas Já foi o maior movimento de massa da história do Brasil” – 2024
Vídeo do canal Folha de S.Paulo (Youtube)
- Diretas Já: relembre o movimento que abriu caminho para redemocratização do Brasil – 2024 - Vídeo do canal SBTNews (Youtube)
- Ho Chi Minh - The Communist Who Defeated the West Documentary –2025 – Vídeo do canal The People Profiles (Youtube)
- Vídeos da série “Vintage railway film”
Canal Bennett Brook Railway (Youtube)
- Vídeos do banco de dados do site: pexels.com
O TREM QUE NOS LEVA
FICHA TÉCNICA
Texto - PAULO HENRIQUE ALCÂNTARA
Encenação - MARCIO MEIRELLES
Assistente de direção - SOPHIA COLLETI
Elenco: EDU COUTINHO - Martin / Alexander Piero
HYAGO MATOS - Eron / Enrico Alselmi
LUCIO TRANCHESI - Anísio / Tomaso Rubini
VERIDIANA ANDRADE - Leda / Manuela de Córdoba
VIVIANNE LAERT - Vilma / Carlota Petruccelli
WANDERLEY MEIRA - Fabiano
Música - RAMON GONÇALVES
Desenho de som e execução da música ao vivo - THIAGO VINICIUS
Operação de som - LUCAS MACHADO
Criação do Vídeo - RAFAEL GRILO
Operação de vídeo - ROGÉRIO VILARONGA
Iluminação - IRMA VIDAL
Operação de luz - TAINÁ DE SOUZA
Colaboração coreográfica: BÁRBARA BARBARÁ
Cenário, maquiagem e figurino - MARCIO MEIRELLES
Assistente de figurino - HYAGO MATOS
Execução do figurino - ÁUREA LEITE
Pintura do figurino - LUIZA BRIZÊ
Coordenação de comunicação: GABRIELA WENZEL
Projeto gráfico e programa: RAMON GONÇALVES
Assessoria de imprensa: ARLON SOUZA
Redes Sociais Minotauro: HYAGO MATOS
Redes Sociais Teatro Vila Velha: JEAN TEIXEIRA
E MARLON CHAGAS
Fotografia e videos de divulgação: ÍCARO SOARES
Acessibilidade: ADRIANA URPIA e EQUIPE
Direção de produção - SELMA SANTOS
Produção executiva – CLARISSA GONÇALVES e HELENA MARFUZ
Assistente de produção e administração - FLORA VIRGENS
Realização: GRUPO DE TEATRO MINOTAURO
Parceria: TEATRO VILA VELHA
TEMPORADA DE ESTREIA:
04 a 21 de setembro de 2025
Espaço Cultural da Barroquinha
GRUPO MINOTAURO DE TEATRO
O grupo de teatro Minotauro existe desde 2008, a partir da montagem da peça Álbum de família, de Nelson Rodrigues, com direção de Paulo Henrique Alcântara, tendo a atriz Vivianne Laert como protagonista. A partir desse espetáculo, que foi apresentado no teatro Vila Velha, Paulo e Vivianne inauguram uma parceria artística que deu origem ao grupo. Em 2016, eles se reencontram em outro trabalho, A lira dos vinte anos, segunda realização do grupo Minotauro, com texto de Paulo César Coutinho e direção de Paulo. Essa montagem também estreou no Teatro Vila Velha. Em 2022, o grupo ganha força e afirma sua vontade de seguir criando, em uma sequência de produções. Passaram a fazer parte do Minotauro Hyago Matos, Veridiana Andrade e Clarissa Gonçalves. Em julho de 2022 o grupo estreou Maldita seja, com texto de Paulo, direção de Hyago Matos e atuação de Vivianne Laert ao lado de Veridiana Andrade. A produção ficou a cargo de Clarissa Gonçalves. A montagem permanece há 3 anos em cartaz, tendo sido indicada a quatro categorias no Prêmio Braskem 2023, atual Prêmio Bahia
Aplaude: (atriz, atriz revelação, texto e espetáculo), valendo a Veridiana Andrade o prêmio na categoria revelação. Além disso, Maldita seja foi indicada em duas outras categorias no Prêmio Nacional Cenym de Teatro 2024, texto e atriz coadjuvante para Veridiana Andrade. Em 2024 o grupo estreou Os dias lindos de Celina Bonsucesso, com texto de Paulo e mais uma vez a direção de Hyago Matos, tendo no elenco Vivianne Laert, Veridiana Andrade, Clarissa Gonçalves e mais cinco atrizes convidadas, entre elas a consagrada Chica Carelli e Kátia Leal. O espetáculo recebeu 3 indicações no Prêmio Bahia Aplaude 2024 (atriz, Kátia Leal), texto e espetáculo, sendo contemplado nas categorias atriz e texto.
TEATRO
VILA VELHA
Com mais de 60 anos de história (completados em 31 de julho de 2024), o Teatro Vila Velha é um dos mais importantes e inovadores espaços de difusão artística do Brasil. Fundado em 1964 pela Sociedade Teatro dos Novos, está localizado no Centro de Salvador BA. Tem como missão fomentar a criação artística coletiva e comprometida com a reflexão e o respeito à diversidade.
O Vila mantém intensa programação presencial e virtual, tem seus próprios programas de formação artística – a universidade LIVRE, que já revelou grandes nomes da arte nacional, e o Pé de Feijão que inicia crianças, adolescentes e professores no universo das artes da cena – e recebe espetáculos e artistas do mundo inteiro. Atualmente, o Vila começa a passar por uma reforma financiada pela Prefeitura de Salvador. Por essa razão, deu início ao programa ‘O Vila Ocupa a Cidade’, uma série de ações, criações e colaborações que mantém o Teatro Vila Velha atuante e presente, ao longo de 2024 e 2025, em diversos outros teatros e espaços culturais.
A marca de um espaço sempre em experimentação, formação artística e constante diálogo com a sociedade.
APOIO FINANCEIRO
UMA PRODUÇÃO
PARCERIA APOIO