Edição e textos Débora Sander, Rafaela Pechansky e Tatiana Cruz
Colaboradoras Laura Viola e Sophia Maia
Designers Bruno Miguell Mesquita e Lu Kohem
Capa Bruno Miguell Mesquita
Revisores Antônio Augusto e Liziane Kugland Impressão Impressos Portão
Olá, tagger
Acrueldade que o mundo reserva para aqueles que carregam a diferença no corpo não é exatamente algo novo, mas não podemos jamais nos acostumar a ela. A literatura ajuda a manter aceso nosso estranhamento para o que é inaceitável, permite navegar em segurança nos ventos de violência, injustiça e opressão e nos fortalece para transformar a realidade. O romance de estreia de Alana S. Portero, fenômeno editorial antes mesmo de sua publicação, é uma dessas histórias que ampliam a sensibilidade.
A autora desloca a figura convencional do herói ao criar uma heroína tão mundana quanto extraordinária em uma narrativa dura e afirmativa sobre crescer em um corpo que parece errado. Lidando com esse dilema nada simples, a protagonista busca tornar-se ela mesma em meio ao conturbado cotidiano do bairro operário de San Blas, em Madri, durante os anos 1980 e 90. Lá, presencia e vive os efeitos devastadores da epidemia de heroína, as negligências e violências do Estado e as opressões veladas no discurso das pessoas mais próximas. Ao mesmo tempo, aprende a reivindicar seu lugar e a reconhecer o amor que se esconde em meio à aspereza da vida real: o senso de comunidade da vizinhança, o cuidado familiar com suas necessidades mais imediatas e o acolhimento da família que ela escolheu.
Mau hábito é uma ferramenta poderosa para derrubar muros de reducionismo e preconceito e também um antídoto para a anestesia ao sofrimento humano. Uma narrativa em que o encantamento brota da verdade crua e poética das palavras, do valor profundo de memória e afeto que elas provocam na gente.
Boa leitura!
Experiência do mês
OUTUBRO 2024
Seu livro além do livro: para ouvir, guardar, expandir, crescer.
Mimo
Até pode ser possível sobreviver sem livros, embora essa existência pareça bem sem graça. Mas sem água parece que não dá mesmo. O mimo do mês é um incentivo para garantir uma sobrevivência feliz aonde quer que você vá, com um livro debaixo do braço e uma garrafinha na sua ecobag exclusiva. Para não esquecer de manter o corpo hidratado e a alma alimentada de boas histórias.
Projeto gráfico
Com ilustração da artista Jade Marra, a capa do livro do mês expressa de forma bela e sutil alguns dos aspectos e sentimentos que atravessam a narrativa de Alana Portero. Virada para um fundo nublado, a figura solitária da protagonista escova os próprios cabelos, um gesto que simboliza o cuidado de si e um caminho de transformação da própria imagem. Os generosos feixes de luz que banham sua pele insinuam a delicadeza afirmativa de uma história que é também repleta de sombras.
Para quem sabe que o livro sempre rende boas conversas
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Para ajudar a embalar a sua leitura
sumário
Por que ler este livro
Dor de amor? Dúvidas na vida? Nosso consultório literosentimental responde com dicas de livros 04 06 13 16 20 22 24 27 28
Bons motivos para você abrir as primeiras páginas e não parar mais
A autora
Um retrato caprichado e uma entrevista com quem está por trás da história
A curadora
Conheça Carla Madeira, que escolheu seu livro do mês
Cenário
De onde veio, do que fala, o que é o livro que você vai ler
Universo do livro
Livros, séries, filmes que orbitam o livro do mês
Da mesma estante
Livros que poderiam ser guardados na mesma prateleira do livro do mês
Leia. Conheça. Descubra.
Identidade e linguagem na obra de Caio Fernando Abreu
Vem por aí
Para você ir preparando seu coração
Madame TAG responde
“Peço que você leia Mau hábito, de Alana S. Portero, para compreender inteiramente o grau de adversidade, dor e perigo enfrentado pelas pessoas que crescem trans.”
Pedro Almodóvar
“A
prosa adquire o peso da poesia no primeiro romance de Alana S. Portero, que narra as aprendizagens de uma mulher trans na Madri dos anos 1980.”
El País
Por que ler este livro
Em um equilíbrio perfeito entre identificação e abertura à diferença, este livro mergulha em dramas íntimos que se parecem com os de qualquer pessoa, traduzidos na força narrativa e na realidade singular de sua protagonista, uma mulher trans da classe trabalhadora de Madri. Ela cresce integrada a uma família e a um território, mas não se sente vista em um aspecto fundamental de sua identidade. Uma narrativa que humaniza e aproxima pelo que a vida tem de vibrante e cruel, onde o encontro com o vazio e a insistência na continuidade disputam espaço, como acontece a todo tempo dentro de cada um de nós.
Narrar a partir do corpo
Conhecer Alana Portero para além das páginas de Mau hábito é tão fascinante quanto ler o que ela escreve.
Bem-humorada, crítica, sensível e original, a autora que explodiu como fenômeno literário internacional com seu romance de estreia em 2023 reúne em si uma combinação admirável de referências: poesia, teatro, mitologia, religião, ativismo e cultura pop. Medievalista de formação, Alana é escritora, dramaturga, encenadora e cofundadora da companhia de teatro STRIGA. Colabora com veículos da imprensa espanhola, como elDiario.es, Público e Vogue, e mantém uma página no Patreon. Lá, ela se apresenta de forma divertida como alguém que “é capaz de dançar até com a música do noticiário”.
Com origens no mesmo bairro operário que ambienta boa parte do enredo de seu livro, ela começou a escrever poesia ainda adolescente, inspirada por letras de bandas como The Doors e The Velvet Underground. Nunca abandonou a escrita, abrindo as brechas possíveis em meio a jornadas intensas de trabalho para seguir cultivando essa prática. De lá para cá, publicou artigos de opinião e poemas e encenou obras de sua autoria, percurso múltiplo que culminou na narrativa bela, aterradora e profunda que arrebatou leitores do mundo inteiro.
Enquanto seus conhecimentos como historiadora sustentam um retrato consistente da Madri dos anos 1980 e 90, sua memória pessoal nutre de profundidade afetiva os elementos da vivência da protagonista que coincidem com a sua própria condição. Não se trata, porém, de um relato diretamente autobiográfico, tampouco de uma obra de nicho: Alana reivindica tanto o direito à ficção quanto ao universal. Suas palavras têm a força e o alcance das grandes narrativas literárias e por isso falam a todos nós.
A autora leva para Mau hábito a premissa teatral de que tudo acontece no corpo — ou seja, não é possível narrar a experiência a partir de outro lugar que não esse. Escrever sob a luz dessa afirmação talvez seja o que confere tanta verdade a suas descrições em torno do processo de entender-se como uma mulher trans da classe trabalhadora.
Esse cenário é enriquecido pela forma como a autora enxerga o divino e o traduz na postura da protagonista diante da vida. Em meio à dor, persiste a busca pelo sublime, pela fantasia e pela transformação através da moda, da estética e da admiração às figuras pop. Da solidão opressiva aos lampejos de conexão humana, do desespero de estar no armário de si mesma ao encantamento com o desejo, do despertencimento corporal à entrega plena às sensações, Alana dá conta da crueza da realidade, das sombras da experiência, e contempla também o humor na observação do cotidiano e a beleza nas trocas singelas e transformadoras que desenham caminhos de esperança no horizonte da existência.
Na literatura, merecidamente, a escritora espanhola encontrou seu público e conquistou também uma via de transformação de suas condições materiais, um fator nada secundário que permite um cultivo ainda mais atento e presente desse território de potência. Sua obra abre caminhos para que a visibilidade e o reconhecimento alcançados possam movimentar debates necessários e, assim, ampliar os limites ainda injustamente estreitos de vivências que escapam à norma.
"Dramatizar em excesso o que é ser trans é fazer uma caricatura que alimenta o fetichismo cis sobre o que acreditam que
são nossas vidas."
Há um tempo que eu não lia uma história que abordasse tantas questões sociopolíticas importantes de maneira tão orgânica e verdadeira. Suas personagens são figuras complexas, que não se encaixam nos ideais de bem e mal. De que maneira sua experiência pessoal atravessa este livro?
Estou convencida de que é impossível escrever sem se envolver completamente na história que está sendo criada. Nossas ferramentas de criação vêm da nossa experiência vital e sensorial: o que nos aconteceu, o que fizemos aos outros, o que ouvimos, o que vemos, o que experimentamos ao ler outros, o que nos emociona, o que nos assusta. Tudo. É óbvio que Mau hábito é uma história difícil de dissociar da minha própria. Eu queria escrever um romance de classe, um romance de crescimento, um romance sobre mulheres e um romance sobre Madri. Minha própria vida me forneceu um guia extremamente útil para trilhar esse caminho.
Você afirmou em entrevistas que queria escrever um romance de formação com uma perspectiva diferente da maioria dos livros do gênero, que geralmente têm homens como protagonistas. Que outras protagonistas dissidentes te inspiraram na literatura?
Muitas, como as trágicas gregas Hécuba, Fedra, Medeia, Antígona ou Clitemnestra, que são mulheres que, de um modo ou de outro, se rebelam contra o que lhes é imposto e viram seu mundo de cabeça para baixo; Lady Macbeth, que é mãe, bruxa, assassina e suicida; a Adela de A casa de Bernarda Alba, que prefere morrer a continuar vivendo uma vida sombria; a Carmilla de Le Fanu; Kathy Acker, cujos personagens principais são versões dela mesma, puro punk. Eu poderia responder essa pergunta eternamente.
Em sua obra, há uma mistura livre de referências de história antiga e cultura pop contemporânea. Como você acha que isso influencia seu estilo narrativo?
Gosto de pensar que enriquece. De qualquer forma, é inevitável; mais do que um estilo, é uma militância estética que sempre me condicionará.
Mau hábito apresenta uma visão afirmativa sobre a experiência de uma mulher trans periférica, mas faz isso sem ignorar as experiências de dor, medo e silenciamento da protagonista. Como equilibrar esses universos em uma história? Porque em toda vida, cis ou trans, a tragédia, a felicidade e os estados intermediários entre um e outro acontecem. Porque dramatizar em excesso o que é ser trans é fazer uma caricatura que alimenta o fetichismo cis sobre o que acreditam que são nossas vidas.
Você tem uma trajetória como poeta e dramaturga. De que maneira o teatro e a poesia te levaram a escrever este romance?
Na minha experiência, são mundos diferentes; ambos os gêneros me impulsionaram a não ter medo de imaginar, arriscar e me expor. Mas foi meu trabalho em comunicação que fez a diferença. Escrever colunas e artigos me ajudou a aterrissar o mundo das abstrações poéticas em solo firme, sem perder seu poder. De qualquer forma, é óbvio que a poesia e o teatro estão presentes, queira eu ou não, no romance. Há uma lírica irrenunciável no texto e os personagens são tratados de uma maneira muito cênica.
MINHA ESTANTE
O primeiro livro que eu li: Enciclopédia de mitologia infantil.
O livro que estou lendo: Estou relendo Henry e June, de Anaïs Nin.
O livro que mudou minha vida:
O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë.
O livro que eu gostaria de ter escrito:
The Man Who Fell in Love with the Moon, de Tom Spanbauer.
O último livro que me fez rir:
A autobiografia de Morrissey.
O último livro que me fez chorar: Eu me emociono com facilidade, mas vou dizer La mujer volcán, as memórias de Carla Antonelli.
O livro que dou de presente:
The Man Who Fell in Love with the Moon, de Tom Spanbauer.
A curadora do mês
Nome:
Carla Madeira
Nascimento:
Belo Horizonte, 18 de outubro de 1964
Profissão:
Jornalista, publicitária e escritora
Obra:
Os romances Tudo é rio (2014), A natureza da mordida (2018) e Véspera (2021)
Duas ou três coisas sobre ela:
1 MAIS LIDA DO BRASIL
Carla foi a autora mais lida do Brasil nos últimos dois anos, com seus três livros integrando ao mesmo tempo as listas de mais vendidos. O mais impressionante é que ela conta que escreveu suas obras de forma despretensiosa, experimental, como um exercício de entrega à criação. Imagina se a pretensão fosse alta, né?
2 PUBLICIDADE
É fundadora da agência de branding Lápis Raro. Antes de trabalhar com comunicação, cursou matemática pela facilidade que sempre teve com as exatas, mas resolveu migrar de área, interessada por diferentes linguagens artísticas e culturais. Hoje, integra seus conhecimentos lógicos e expressivos como diretora criativa da empresa de publicidade.
3 MÚSICA
A música, para Carla, foi uma paixão mais precoce e intensa do que foram os livros. Aos nove anos, ganhou um violão e, até dar início à carreira publicitária depois da faculdade, o que ela curtia mesmo era tocar e cantar. Foi através das letras de canções que o encanto pela poesia e pela palavra ganhou corpo.
“Talvez eu escreva para dar conta da deriva da condição humana que me comove e angustia.”
A curadora do mês, Carla Madeira, fala sobre seu processo criativo e projetos futuros
Seus livros são conhecidos por sua profundidade emocional e personagens complexos. Quais são suas principais fontes de inspiração e como é o seu processo criativo desde a concepção da ideia até a finalização do manuscrito?
Minhas histórias nascem de um acontecimento que me afeta, me assombra, me provoca. Olho para esse acontecimento com a necessidade de imaginar o que veio antes, o que virá depois, e assim vou encontrando uma história. A condição humana, nossas potências de bem e de mal e como isso vai se encaminhando a partir das nossas circunstâncias (a família a que pertencemos, os pequenos acontecimentos que se tornam imensos) têm sido objetos de inquietação e curiosidade. Talvez eu escreva para dar conta da deriva da condição humana que me comove e angustia.
Por que você escolheu o livro Mau hábito como curadora?
Porque me arrebatou. Tem uma força de vivência, é escrito com a tinta do que foi vivido. É um livro de uma humanidade comovente.
Você está trabalhando em algo no momento? O que pode adiantar sobre novos projetos? Sim, estou escrevendo um novo livro, e naquele momento em que dá vontade de parar tudo e só escrever. Fui pega pela história. Tenho também acompanhado a adaptação dos meus livros para o cinema/séries.
MINHA ESTANTE
O primeiro livro que eu li: Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
O livro que estou lendo: A memória, a história, o esquecimento, de Paul Ricoeur, e Sodomita, de Alexandre Vidal Porto.
O livro que mudou minha vida: Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.
O livro que eu gostaria de ter escrito: A vida pela frente, de Émile Ajar.
O último livro que me fez rir: Poeta chileno, de Alejandro Zambra.
O último livro que me fez chorar: Sobre a terra somos belos por um instante, de Ocean Vuong.
O último que dei foi De uma a outra ilha, de Ana Martins Marques.
A Madri dos anos 80 e 90
Madri é tão presente na narrativa, nos acontecimentos e na tonalidade afetiva de Mau hábito que parece quase uma personagem da trama. A personalidade da capital espanhola, composta por seus elementos culturais, arquitetônicos e humanos, é belamente descrita pela autora na trama. Envolve as nuances particulares de seus bairros, suas luzes e cores, seus encantos, contradições, estranhezas, violências e complexidades, sua graça pouco óbvia, seus segredos escondidos, os modos e trejeitos das pessoas que fazem e são feitas pela cidade.
A protagonista da história é nascida e criada no bairro operário de San Blas. Com a escrita atenta para os problemas sociais e também para os lampejos de beleza cotidiana de seu bairro de origem, Alana Portero dá conta de um rico e instigante retrato pessoal do local. Ela descreve, por exemplo, a convivência precoce e constante da protagonista com os efeitos devastadores da heroína na vizinhança, um grave problema de saúde pública que se espalhou pelas periferias europeias como uma epidemia.
“[...] uma fileira de conjuntos habitacionais de três andares, de tijolos vermelhos e escadas externas de cimento. Essa paisagem arquitetônica, que se repetia pelo bairro inteiro, às vezes era interrompida por algum terreno baldio, cheio de vidros quebrados, restos de papel-alumínio, seringas e materiais de construção imprestáveis.”
“Com o tempo, o bairro se transformara em uma região de bares e pequenos comércios, de forma que o som dos vidros quebrando e dos barris de cerveja rodando não cessava. Sempre havia entregadores de um lado para o outro, cheios de carga, como mulas.”
“Os trabalhadores sempre foram vistos pelo franquismo como animais de carga para estabular na periferia. Esse abandono gerou uma consciência de classe no bairro, a qual as autoridades da transição democrática decidiram interromper, no fim dos anos setenta e durante toda a década de oitenta, com seringadas de heroína dadas quase de presente. A droga foi a última forma de execução sumária de dissidentes de um regime que encontrara a forma de se perpetuar.”
A protagonista passa a explorar outras regiões de Madri conforme a narrativa avança. Acompanhando seu percurso da infância até a vida adulta, participamos também da expansão de sua relação com a cidade. É como se descobríssemos junto com ela cada novo espaço desse amplo território urbano ao mesmo tempo que exploramos seu território existencial.
“Costumava voltar caminhando para casa porque amava Madri, me reconhecia na dificuldade de perceber sua verdade, em seu encanto esquivo e em como seus recantos podiam ser comoventes. Você morre madrilenha da mesma forma que morre trans. Por mais que tente negá-lo.”
O LEGADO DO AUTORITARISMO E O REFLORESCIMENTO DA DEMOCRACIA
O período histórico em que transcorre a narrativa de Mau hábito foi de profunda transformação na Espanha, marcado pela retomada democrática após o fim da ditadura de Franco, em 1975. As raízes de repressão e conservadorismo firmadas pelos 36 anos de regime totalitário deixaram efeitos significativos no campo político, social e econômico, e Madri foi um importante centro simbólico desse processo de transição.
A cidade viu o surgimento de uma nova geração de políticos, intelectuais e artistas que buscavam romper com o passado autoritário e abrir caminho para uma sociedade mais aberta e plural. Isso se refletiu na atmosfera cultural vibrante que emergiu em bairros que se tornaram epicentros da contracultura, do movimento punk e da movimentação pelos direitos LGBTQ+ — como Malasaña e Chueca, este último parte importante das andanças da protagonista por Madri.
A reestruturação econômica pós-franquista, num cenário de desemprego crescente, acirrou as tensões sociais já presentes naquele território.
A urbanização e o crescimento populacional acarretaram desafios de integração urbana e problemas de habitação, visíveis sobretudo nos bairros periféricos. A expansão urbana da capital espanhola refletiu a transição do país para uma economia mais industrializada e voltada para o turismo. Como consequência, áreas históricas, como o centro da cidade e o Paseo del Prado, passaram por processos de gentrificação.
Culturalmente, Madri se destacou como um centro de renovação artística e literária. A Movida Madrileña, um movimento cultural efervescente que surgiu nos anos 80, trouxe uma explosão de criatividade e liberdade após décadas de censura e conformidade cultural. O cineasta Pedro Almodóvar foi uma das figuras de destaque da cena artística espanhola a conquistar proeminência internacional nessa época, com filmes como Mulheres à beira de um ataque de nervos e Tudo sobre minha mãe, ambos ambientados em Madri.
MAU HÁBITO É embalado por canções inesquecíveis dos anos 80 e 90, como no filme AS VANTAGENS DE SER INVISÍVEL, de Stephen Chbosky
3
que retrata a experiência de um jovem com a inadequação às normas de gênero, como no filme CLOSE, de Lukas Dhont
2
em que a música ajuda a protagonista a criar um espaço para si, como na série MANHÃS DE SETEMBRO, da Amazon Prime Video
4
uma narrativa dura sobre o trauma e a força regenerativa dos vínculos humanos, como o livro
UMA VIDA PEQUENA, de Hanya Yanagihara
8
descritos com crueza e pitadas de humor ácido, como em MAU HÁBITO, de Alana S. Portero
5
um mergulho na subjetividade da protagonista em meio às sombras da solidão em uma grande metrópole, como no livro
A REDOMA DE VIDRO, de Sylvia Plath
7
que destaca contrastes sociais e tensões de classe como no livro
MAS EM QUE MUNDO TU VIVE?, de José Falero
6
na qual a cidade é uma personagem, como Madri no filme
TUDO SOBRE MINHA MÃE, de Pedro Almodóvar
Da mesma estante
Livros que poderiam ser guardados na mesma prateleira do livro do mês, para quem quiser continuar no assunto.
CRESCER, APESAR DE TUDO
Histórias sobre a insistência da vida em seguir pulsando, mesmo em territórios hostis
O SOL É PARA
TODOS, Harper Lee
José Olympio 350 pp.
Tradução de Beatriz Horta
Um clássico ganhador do Pulitzer, esse livro inesquecível narra o encontro de uma menina inteligente e sensível com a aridez do mundo. Seu olhar de criança permeia com beleza um enredo marcado pela dura temática da injustiça racial. Para ler e reler.
VIA ÁPIA, Geovani Martins
Companhia das
Letras 344 pp.
As diferentes fases da ocupação da Rocinha pelas UPPs, no Rio de Janeiro, através da experiência de cinco jovens moradores da comunidade.
Em meio a tensões e violências, eles procuram tocar a vida prática e afetiva, cultivar prazer, sonhos e futuros possíveis.
AS MENINAS, Lygia Fagundes
Telles
Companhia das
Letras 304 pp.
Repressão política e rompantes libertadores de descoberta atravessam esse romance corajoso e arrebatador, que sintetiza o espírito de uma época nas histórias de um trio de universitárias durante o período mais crítico da ditadura militar brasileira.
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GÊNERO E SEXUALIDADE
Transformação, força e assombro em narrativas de diferença
ORLANDO, Virginia Woolf
Autêntica 288 pp.
Tradução de Tomaz Tadeu
Um aristocrata inglês acorda certo dia com um corpo feminino. A elasticidade do tempo e a experiência subjetiva de gênero em uma obra que é a um só tempo histórica, íntima e fantástica, narrada no estilo provocativo de uma das maiores escritoras do século 20.
CLORO, Alexandre Vidal Porto
Companhia das Letras 152 pp.
Narrado por um protagonista defunto e seus familiares e amigos, esse romance contempla em retrospecto uma vida passada dentro de um armário angustiante. Uma história sobre desejo, violências veladas, impulsos de coragem e até onde é possível fugir de si mesmo.
O PARQUE DAS
IRMÃS MAGNÍFICAS, Camila Sosa Villada
Tusquets 200 pp.
Tradução de Joca Reiners Terron
Fúria e festa em uma história encantadora, imaginativa, comovente e real sobre amor, amizade, resistência e pertencimento da comunidade trans, corporificada por um grupo de travestis na Argentina dos anos 90.
LEIA. CONHEÇA. DESCUBRA: Caio Fernando Abreu
Jornalista, contista, romancista, novelista, poeta e dramatugo. Assim como a autora do mês, vida e obra de Caio Fernando Abreu se misturam em textos que transitam livremente entre a banalidade do cotidiano, a profundidade dos sentimentos íntimos e os acontecimentos sociopolíticos de seu tempo.
Nascido no interior do Rio Grande do Sul, foi com a família para Porto Alegre aos 15 anos. Aos 18, publicou seu primeiro conto na imprensa, "O príncipe sapo". Começou a estudar Letras e Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas, aos 20 anos, seu interesse pelo jornalismo o levou a São Paulo para trabalhar na revista Veja.
Em 1970, publicou Limite branco , seu primeiro romance. Durante a década de 70, driblando a perseguição pela ditadura militar, viveu entre São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e o exílio em Londres e Estocolmo. Chegou a se refugiar no sítio da escritora Hilda Hilst, referência literária e amiga pessoal de Caio. O livro Numa hora assim escura, de Paula Dip, reúne correspondências entre os dois.
A obra de Caio Fernando Abreu é confessional e política, materializando a conexão sensível com seu próprio mundo interno — atravessado pela cultura, pelo prazer e pelas tragédias da época. Em uma escrita livre, implicada e afetiva, a repressão da ditadura militar permeia seus textos, assim como a experiência queer, o amor, o sexo, a angústia, o medo e a busca por sentido.
Em 1993, foi diagnosticado com HIV e publicou uma série de crônicas semanais no jornal O Estado de São Paulo, quebrando o silêncio em um forte relato de importância literária, afetiva e política. Suas Cartas para além do muro inspiraram, por exemplo, o documentário de André Canto de 2019, que traça a cronologia da epidemia de HIV no Brasil a partir de valiosos depoimentos.
O escritor faleceu por complicações da AIDS em 25 de fevereiro de 1996, em Porto Alegre. Sua produção se mostra cada vez mais significativa e atual para compreender onde nosso passado histórico alcança o Brasil de hoje e para fluir com sensibilidade nos labirintos da experiência humana.
Os crepúsculos têm sido lindos. Passei o melhor verão da minha vida, ganhei um gatinho chamado Saturno (ele é Capricórnio), amei muito, fiz ioga à beira-mar. Enfim, tenho agradecido por estar vivo e ter andado por todos os lugares onde andei e ter vivido tudo o que vivi e ser exatamente como sou.
OBRA-PRIMA
PARA COMEÇAR PARA SE APAIXONAR DE VEZ
ONDE ANDARÁ
DULCE VEIGA?
Fim da ditadura, epidemia da AIDS, a MPB dos anos 80, repressão e desejo, a angústia e as fugas possíveis, os símbolos de que uma geração precisa. Um romance que é a síntese perfeita dos temas mais presentes na obra de Caio.
MORANGOS MOFADOS
Contos narrados em prosa irreverente, onde as manchas do medo sobre a liberdade e a diferença se manifestam dolorosamente, e onde, por isso mesmo, o desbunde e o sonho se fazem necessários e implacáveis.
TRIÂNGULO DAS ÁGUAS
Prosa poética com múltiplos pontos de vista e inspiração astrológica, com a água como substância dos sentimentos, do inconsciente e da transformação dos personagens. Para encarar o mundo com beleza e uma pitada de esoterismo.
No próximo mês
Encontre as 9 PALAVRASque dão dicas do spoiler do próximo mês.
A caixinha de novembro da Curadoria trará um livro que arrancou elogios de Alice Walker. Um retrato livre de idealizações do sonho americano através da experiência de uma mulher latina, com valiosas reflexões sobre a força e a complexidade dos laços familiares em situações profundamente adversas.
Madame TAG responde
Bom dia! Saudações do sul de Minas Gerais, Madame TAG.
Amo ler e amo mais ainda falar de livros nas redes sociais. Acontece que não consigo tanto alcance e fico ansioso quando meus vídeos encalham antes das 100 exibições. Como levar meus hobbies de maneira mais leve e sem cobranças por números?
Ass.: um leitor entusiasmado e um criador entusiasta.
Querido mineiro criativo e entusiasmado,
Observe com cuidado e verá que a resposta para a angústia que toma conta de seu coração está contida na própria questão que você me apresenta. Você ama ler e ama falar sobre livros. Bem, há muitos excelentes motivos para devorar livros, mas o melhor deles, se me permite ser taxativa, é o prazer, sentimento que, se bem cultivado, nos conduz graciosamente para o território do amor. E não é essa a matéria-prima dos hobbies?
TAG — Experiências Literárias
Tv. São José, 455
Porto Alegre, RS (51) 3095-5200 (51) 99196-8623
Não permita que a dureza dos números o afaste do entusiasmo da criação. É um eterno paradoxo: criamos por prazer, mas nosso anseio pelo olhar dos outros nos afasta dele. Seus vídeos são, por si sós, manifestos de amor à literatura. Cada um deles tem o poder de abrir novos caminhos dentro do seu mundo e, quem sabe, nos mundos de outras pessoas também. Números altos podem impressionar, mas não dão conta de algo muito mais complexo, valioso e incalculável: o infinito que se movimenta em cada conexão humana. Não deixe de ler e criar, e valorize a troca com quem aprecia o que você tem a dizer. Em caso de ansiedade, o melhor antídoto é sempre um bom livro!