Edição especial Stanford Social Innovation Review Brasil #CoberturaVacinal

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COBERTURA VACINAL

Avanços e retrocessos da imunização no Brasil • Projeto P ela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais • Busca Ativa Vacinal • ImunizaSUS • Hesitação vacinal • Desinformação • A discussão ética

Instituto de Advocacy e Filantropia

ILUSTRAÇÕES DE JULIA JABUR. ARTISTA VISUAL E ILUSTRADORA, JULIA ACREDITA QUE O DESENHO É UMA FORMA DE SINTETIZAR E COMUNICAR O MUNDO, ASSIM COMO UMA FERRAMENTA DE PESQUISA CAPAZ DE CRIAR NOVAS REALIDADES.

sumário

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CARTA DO PATROCINADOR 3 Pavimentando novas linhas de ação

O bem comum em frascos: a imunização e o fortalecimento do tecido social

POR RENATO KFOURI, JUAREZ CUNHA, RICARDO MACHADO E CARLOS CARONI

Antes referência mundial pela cobertura vacinal e garantia de acesso universal a uma ampla lista de imunobiológicos, o país tem hoje o urgente desafio de reverter a queda na adesão às vacinas e afastar a ameaça que esse retrocesso representa para o presente e o futuro

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Caminhos tortuosos da hesitação vacinal

POR LORENA BARBERIA (COM COLABORAÇÃO DE FERNANDA RAVAGNANI)

A relutância em se vacinar ou vacinar os filhos, assim como o atraso na imunização, está longe de ser facilmente explicável. Uma pesquisa inédita realizada em 2023 revela que a hesitação varia de maneira significativa dependendo da doença, do contexto e de fatores sociais

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A ameaça do vírus da desinformação à saúde pública

POR ANA JULIA BONZANINI BERNARDI E JOÃO GUILHERME

BASTOS DOS SANTOS

A falta de confiança nas vacinas e no sistema de saúde, somada à disseminação de informações enganosas ou descontextualizadas, cria um ambiente de incerteza com enorme impacto nas campanhas de vacinação. Em um cenário de hiperconectividade, as plataformas digitais podem tanto combater como acentuar o problema

Colaboração em rede para segurança individual e coletiva

POR AKIRA HOMMA, MARIA DE LOURDES DE SOUSA MAIA, ISABEL AZEVEDO E ISABELLA LIRA

Criado em 2021 para apoiar o Programa Nacional de Imunizações na recuperação das coberturas vacinais do país, o Projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, do Bio-Manguinhos/Fiocruz, mobilizou experiências de diversos atores em prol da vacinação

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Estratégico para fortalecer o Programa Nacional de Imunizações (PNI) e recuperar as altas coberturas vacinais, o ImunizaSUS propõe o fortalecimento da atenção primária, capacitação profissional, aprimoramento dos sistemas de informação e comunicação efetiva, além de um esforço coordenado entre todas as esferas de gestão do SUS e a participação ativa da sociedade

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Proteção integrada na infância

POR CLARA CALDEIRA

Projeto do UNICEF, o Busca Ativa Vacinal ajuda municípios a encontrar as crianças e adolescentes que não tenham sido vacinados ou estejam com a vacinação atrasada. A proposta reúne e mobiliza representantes de diferentes áreas, oferecendo suporte aos agentes locais

Vacinação e ética global: os dilemas no século 21

POR ANA ELISA BERSANI E

MARCOS PAULO DE LUCCA-SILVEIRA

Em um mundo marcado por profundas desigualdades, a vacinação transcende sua eficácia médica e emerge como questão ética fundamental

Glossário: Ética e alocação de recursos em saúde

POR MARCOS PAULO DE LUCCA-SILVEIRA

Diferentes perspectivas do debate sobre justiça alocativa em saúde respondem de formas diversas a questões fundamentais da ética nessa área

As metas no mapa

Conheça o levantamento do VacinaBR mostrando indicadores de taxa de cobertura vacinal nos municípios brasileiros

Especial Cobertura Vacinal, com oferecimento do Instituto Futuro é Infância Saudável, uma organização da Fundação José Luiz Setúbal

Editora de projetos especiais Ana Claudia Ferrari

Revisão Carmen Garcez

Projeto gráfico e diagramação Simone Oliveira Vieira

Ilustrações Julia Jabur

Diretora-geral Carolina Martinez carolina@ssir.com.br

Editora-chefe Francesca Angiolillo francesca@ssir.com.br

Editora Mariana Meira

Estagiária Bárbara Lopes da Silva

Mídias sociais Rafael Dias

Programador web Daniel Miranda

CONSELHO EDITORIAL

Daniela Pinheiro, Eliane Trindade, Gabriel Cardoso, Graciela Selaimen, Graziella Comini, Guilherme Coelho, Marcos Paulo de Lucca-Silveira, Richard Sippli

MANTENEDORES INSTITUCIONAIS

Fundação José Luiz Setúbal • Instituto Sabin • Movimento Bem Maior • Samambaia Filantropias

CIVI-CO | Negócios de Impacto Social

R. Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 445 – Pinheiros, São Paulo – SP, 05415-030

Quer falar com a SSIR Brasil? Redação: contato@ssir.com.br

Projetos especiais, publicidade, eventos: marketing@ssir.com.br

StanfordSocialInnovationReviewBrasiléumapublicaçãodaRFMEditores sob licença da Stanford Social Innovation Review.

Editor-chefe e publisher Nicholas Jackson

Editora acadêmica Johanna Mair

Editores David V. Johnson, Bryan Maygers, Marcie Bianco, Aaron Bady, Barbara Wheeler-Bride

Editora edições globais Jenifer Morgan

CONSELHO CONSULTIVO ACADÊMICO

Paola Perez-Aleman, Universidade McGill

Josh Cohen, Universidade Stanford

Alnoor Ebrahim, Universidade Tufts

Marshall Ganz, Universidade Harvard

Chip Heath, Universidade Stanford

Andrew Hoffman, Universidade de Michigan

Dean Karlan, Universidade Yale

Anita McGahan, Universidade de Toronto

Lynn Meskell, Universidade Stanford

Len Ortolano, Universidade Stanford

Francie Ostrower, Universidade do Texas

Anne Claire Pache, Essec Business School

Woody Powell, Universidade Stanford

Rob Reich, Universidade Stanford

A StanfordSocialInnovationReview(SSIR) é publicada pelo Stanford Center on Philanthropy and Civil Society da Universidade Stanford. Todos os direitos reservados.

EDIÇÃO PATROCINADA, NÚMERO 4

CARTA DO PATROCINADOR

Pavimentando novas linhas de ação

COM MUITO PRAZER E ORGULHO apresento a segunda edição especial da Stanford Social Innovation Review Brasil, oferecida pela Fundação José Luiz Setúbal (FJLS), desta vez com o tema “Cobertura vacinal”.

Neste número trazemos sete artigos elaborados a partir de algumas das discussões produzidas no 5º Fórum de Políticas Públicas promovido pela FJLS, em outubro de 2023. O evento ocorreu no Instituto Butantan, em São Paulo, e assim como nos outros fóruns trouxe casos de sucesso, pesquisas inéditas financiadas pela fundação e debates sobre gargalos, de modo a contribuir na construção de linhas de ação para enfrentar os mais diversos desafios por meio de políticas públicas sólidas.

No artigo de abertura, os professores Renato Kfouri e Juarez Cunha, juntamente com os jornalistas Ricardo Machado e Carlos Caroni, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), trazem uma perspectiva histórica sobre o Programa Nacional de Imunizações (PNI), do seu início até os dias atuais, passando pelos desafios colocados pela pandemia de Covid-19.

Em seguida, duas pesquisas originais patrocinadas pela fundação e apresentadas no Fórum. A primeira, apresentada e analisada pela professora Lorena Barberia, investiga a hesitação vacinal no país, mostra como pensa o brasileiro sobre vacinação e revela dados bem interessantes a respeito de um dos temas mais debatidos na atualidade.

A segunda investigação, também sobre um assunto bem quente, traz dados relativos à influência das fake news na vacinação, sobretudo de crianças, no Brasil. Num estudo realizado com o apoio da FJLS, o Instituto Democracia em Xeque mapeou as principais narrativas sobre vacinas nas diversas mídias sociais do país e verificou como isso pode afetar na decisão dos pais. Quem assina o artigo são os pesquisadores Ana Julia Bonzanini Bernardi e João Guilherme Bastos dos Santos, diretores do Instituto Democracia em Xeque.

Os três artigos seguintes são casos de sucesso para a melhoria da cobertura vacinal no Brasil. Contando com uma estratégia de promoção do engajamento social em prol da vacinação, o projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, do Bio-Manguinhos/ Fiocruz, contribuiu para que Amapá e Paraíba fossem os primeiros colocados no ranking de cobertura vacinal das campanhas nacionais contra a poliomielite e a influenza em 2022 e 2023. O texto é assinado pelos professores

Akira Homma e Maria de Lourdes de Sousa Maia, e por Isabel Azevedo e Isabella Lira.

Outro projeto apresentado é o ImunizaSUS, desenvolvido desde 2021 pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), em parceria com a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e com o apoio do Programa Nacional de Imunizações (PNI), visando articular uma ampla mobilização para o fortalecimento das ações de imunização nos municípios e o enfrentamento às baixas coberturas vacinais.

Do UNICEF, trazemos um texto sobre a iniciativa Busca Ativa Vacinal (BAV), que tem por objetivo apoiar os governos locais na identificação, registro e monitoramento de crianças não imunizadas ou em risco de não receberem vacinas. Desenvolvida em parceria com a Pfizer e com apoio da FJLS, a ação visa contribuir com os municípios para encontrar crianças com menos de 5 anos, adolescentes e gestantes que não foram vacinados, ou estão com a vacinação atrasada. Esses dois artigos são de autoria da jornalista Clara Caldeira.

O artigo de Ana Elisa Bersani e Marcos Paulo de Lucca-Silveira, pesquisadores que integram nossa fundação, traz uma interessante discussão sobre questões éticas fundamentais acerca da vacinação. Lucca-Silveira também assina um texto-glossário, no qual reflete sobre quais critérios devem pautar as perspectivas do debate sobre justiça alocativa em saúde. Com este número especial, a Fundação José Luiz Setúbal pretende divulgar as importantes discussões que aconteceram durante o 5º Fórum de Políticas Públicas, apresentando para um público bem maior não só boa informação, como também as pesquisas inéditas sobre como pensa nossa população e como ela é afetada por notícias falsas. Além disso, ao compartilhar as análises e experiências de especialistas nesses assuntos, esperamos dar voz para tecnologias sociais de sucesso aplicadas no território brasileiro e que muitas vezes são desconhecidas. Esta edição também tem a finalidade de mostrar e divulgar o trabalho que a fundação faz e ser uma ferramenta para nossa equipe de advocacy usar junto aos formadores de opinião e tomadores de decisão do nosso país.

Desejo a todos uma boa leitura!

O bem comum em frascos: a

IMUNIZAÇÃO e o fortalecimento do TECIDO SOCIAL

Com a introdução da primeira vacina contra a varíola, a imunização passou a ser um pilar fundamental na saúde pública. No Brasil, a criação do Programa Nacional de Imunizações (PNI) em 1973, marco na coordenação e ampliação das campanhas de vacinação, levou à eliminação da poliomielite e ao controle de várias doenças. Antes referência mundial pela cobertura vacinal e garantia de acesso universal a uma ampla lista de imunobiológicos, o país tem hoje o urgente desafio de reverter a queda na adesão às vacinas e afastar a ameaça que esse retrocesso representa para o presente e o futuro

A VACINAÇÃO ESTÁ ENTRE AS INTERVENÇÕES DE SAÚDE PÚBLICA que mais impactaram no aumento da expectativa e da qualidade de vida. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as imunizações evitam, no planeta, entre 2 milhões e 3 milhões de mortes todos os anos1 por doenças como poliomielite, difteria, tétano, coqueluche, sarampo e gripe. O recurso preventivo permitiu eliminar a varíola, praticamente eliminar a poliomielite e controlar outras enfermidades.

A primeira vacina, contra a varíola, foi criada em 1796 pelo britânico Edward Jenner. No Brasil, a história da vacinação começou apenas oito anos depois, em 1804, quando o Barão de Barbacena decidiu enviar a Lisboa um grupo de escravos para imunizá-los contra essa doença e continuar o procedimento em território nacional, “braço a braço”, a partir dos anticorpos produzidos pelo organismo dos vacinados. Em 1808 foi criada a primeira organização de saúde pública do país e,

EM FOCO

A SOCIEDADE BRASILEIRA DE IMUNIZAÇÕES (SBIm) é uma organização sem fins lucrativos que visa promover e apoiar a imunização no Brasil. Fundada em 1998, a SBIm atua na educação, pesquisa e divulgação científica sobre vacinas e doenças imunopreveníveis, buscando conscientizar a população e capacitar profissionais de saúde para melhorar a cobertura vacinal e reduzir a incidência de doenças evitáveis por vacinas. A organização também participa de fóruns e grupos de trabalho junto ao governo e outras instituições, influenciando políticas públicas e estratégias de vacinação. A SBIm é reconhecida por seu compromisso com a saúde pública e por fornecer informações confiáveis e atualizadas sobre imunização.

em 1811, a Junta Vacínica da Corte. O caminho estava traçado e foi seguido de forma brilhante por pioneiros como Adolpho Lutz, Vital Brazil e Oswaldo Cruz − este último, símbolo da luta contra a febre amarela urbana, cujo último caso no Brasil aconteceu em 1942.2

Em setembro de 1973, paralelamente à declaração de eliminação da varíola nas Américas, foi formulado o Programa Nacional de Imunizações (PNI) − institucionalizado em 1975 por meio da Lei no 6.259, de 30 de outubro −, com o objetivo de coordenar e garantir a continuidade das ações de vacinação e ampliar sua abrangência. Em 1977, é publicado o primeiro calendário de vacinação, incluindo as vacinas BCG (contra a formas graves de tuberculose), a poliomielite oral (VOP), a tríplice bacteriana (DTP) – que previne a difteria, o tétano e a coqueluche – e a vacina contra o sarampo.3

No início, as coberturas vacinais atingiam apenas 50% das crianças com menos de 1 ano de idade, o que dava espaço para epidemias de poliomielite e sarampo em vários estados. Responsável pelo desenvolvimento da VOP, o cientista Albert Sabin, que diversas vezes veio ao país acompanhar o combate à poliomielite e era casado com uma brasileira, chegou a se manifestar na imprensa nacional, em 1979, “contra a ineficiência da vacinação contra a pólio no Brasil”.4

O grande salto ocorreria a partir de 1980, com a implantação dos dias nacionais da vacinação, como parte de uma estratégia que levaria ao fim da poliomielite no país − o último caso foi registrado em 1989 e o certificado de eliminação foi concedido pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) em 1994. O aperfeiçoamento da estrutura do programa e um plano de comunicação exemplar, marcado pela criação do personagem Zé Gotinha em 1986 e pelo apoio de personalidades com grande apelo junto ao público infantil, como é o caso da apresentadora Xuxa, alavancaram as coberturas vacinais e fizeram das imunizações parte do cotidiano brasileiro. Todos sabiam que era necessário se vacinar.

O preocupante retrocesso

AADESÃO ÀS VACINAS NO BRASIL começou a cair em 2016. Três anos depois, em 2019, pela primeira vez na série histórica nenhuma das vacinas oferecidas pelo PNI na rotina para crianças com menos de 2 anos chegou à cobertura mínima desejada:6 90% para BCG e rotavírus e 95% para as demais vacinas. A situação se tornou ainda mais crítica em 2020 e 2021, auge da pandemia de Covid-19. Em 2020, as cinco vacinas que apresentaram melhores resultados foram a pneumocócica, com apenas 82,04%, e a primeira dose da tríplice viral, contra sarampo, caxumba e rubéola (80,88%). As piores foram a da febre amarela (57,64%) e a segunda dose da tríplice viral (64,27%), indicativo claro de abandono de esquema. Em 2021, as melhores foram a BCG (74,97%) e a primeira dose da tríplice viral (74,94%), ao passo que as piores foram mais uma vez a segunda dose da tríplice viral (53,20%) e a da febre amarela (58,19%).7

Nesses dois anos, os números foram influenciados pela Covid-19, especialmente em 2020, quando os sistemas de saúde estiveram mais sobrecarregados, o temor da doença era maior e a vacinação de rotina chegou a ser interrompida durante o início da campanha de vacinação contra influenza.8 Em outros países não foi diferente. Em abril de 2020,9 a OMS, o Fundo das Nações Unidas

O PNI E A SAÚDE COLETIVA DOS BRASILEIROS

O PROGRAMA NACIONAL DE IMUNIZAÇÕES (PNI) se consolidou como um dos melhores exemplos de garantia de acesso universal e igualitário à saúde, conforme estabelecido pela Constituição de 1988. Graças ao programa foi possível eliminar a poliomielite, a rubéola, a síndrome da rubéola congênita, o tétano materno e neonatal; eliminar temporariamente o sarampo; e reduzir de maneira significativa a incidência de importantes causas de adoecimento e mortalidade, como a difteria, as meningites bacterianas, a coqueluche, entre outras.

Atualmente, o PNI disponibiliza 49 imunobiológicos, entre vacinas, imunoglobulinas e soros, oferecidos para crianças, adolescentes, adultos e idosos. Nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIEs), as pessoas imunocomprometidas por doença ou tratamento, ou as que vivem com doenças crônicas − como diabetes, cardiopatias e pneumopatias – que aumentam o risco de infecção ou complicações por enfermidadesimunopreveníveis, assim como seus contatos próximos, têm direito a receber algumas vacinas que não são encontradas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou não são oferecidas para suas faixas etárias.

O êxito da estratégia brasileira, oferecendo vacinas gratuitamente em um país populoso, com dimensões continentais e regiões de difícil acesso, fez do PNI uma referência internacional. O programa foi chamado para organizar campanhas de vacinação no Timor Leste 5 , colaborou com ações em áreas conflagradas como a Palestina, Cisjordânia e a Faixa de Gaza, promoveu treinamentos, firmou acordos de cooperação técnica e doou vacinas a diversas nações. O investimento, a qualidade dos centros de pesquisa, dos profissionais e das plantas industriais colocaram o Brasil em uma posição de vanguarda, com capacidade de produzir em massa imunobiológicos de altíssima tecnologia.

Como o programa pode melhorar

É inegável que, apesar de todos os méritos, ainda há pontos a aprimorar no PNI. O programa tem uma capilaridade louvável, mas muitos têm dificuldade em acessá-lo porque as vacinas são aplicadas basicamente em dias de semana e em horário comercial. Algumas UBS já atuam em horário estendido, mas o número ainda é muito limitado para haver um impacto significativo nas coberturas. A falta pontual de vacinas em algumas salas e episódios de desabastecimento também são extremamente prejudiciais, pois nessas situações adultos podem deixar de vacinar crianças sob sua responsabilidade ou desistir de vacinar-se. Sentem-se desmotivados a voltar às unidades devido ao receio de uma ausência desnecessária ao trabalho ou perda de parte do expediente, fora os eventuais gastos com transporte. Também dificultam o acesso a violência, restrições de mobilidade, residência em localidades remotas, institucionalização (no caso de idosos), entre outras situações, que devem ser contornadas por meio de busca ativa, trabalho com agentes comunitários de saúde e equipes especializadas.

para a Infância (UNICEF) e outras entidades alertaram que mais de 117 milhões de crianças corriam o risco de não receber a vacina que previne o sarampo. Em julho, a OMS10 informou que ao menos 30 campanhas de vacinação contra a doença haviam sido ou estavam sob risco de cancelamento. A cobertura da terceira dose da DTP em nível global caiu pela primeira vez em 28 anos. As baixas coberturas vacinais contribuíram para uma série de surtos nos últimos anos. A febre amarela silvestre, por exemplo, recrudesceu na sazonalidade 2016-2017, inicialmente em Minas Gerais, com posterior extensão para quase todas as unidades federativas, sobretudo Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Para efeitos comparativos, de 1998-1999 (início da série histórica) até 2015-2016, foram confirmados 428 casos humanos da doença, ao passo que nas quatro sazonalidades seguintes, que englobam o segundo semestre de 2016 ao primeiro semestre de 2020, houve 2.272 casos11. Foi notável também a expansão geográfica do vírus: dos casos no período, apenas 21 (0,92%) ocorreram na região amazônica, que era a única considerada endêmica para o vírus no país. Nas sazonalidades seguintes, houve 246 casos confirmados em primatas não humanos e dez em humanos.12/13/14 Com o atual índice de vacinação e a circulação do vírus em grande extensão territorial, todo o Brasil foi classificado como endêmico para febre amarela e novos surtos não estão descartados. Outro revés foi o sarampo. Em 2019, apenas três anos depois de ter recebido da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) o certificado de eliminação da doença, o país perdeu o status após registrar um ano de circulação sustentada do vírus. Casos importados da Venezuela, Israel, Noruega e, em especial, de um navio de cruzeiro de Malta que atracou em Santos deram início às cadeias de transmissão. Entre 2018 e 2021, 38.367 pessoas tiveram a doença e 40 morreram.15

A ligação entre a baixa nas coberturas e os episódios é evidenciada pela análise dos índices da primeira dose da tríplice viral. Em 2015 e 2016, os índices foram satisfatórios: 96,07% e 95,41%, respectivamente. Em 2017, ano anterior à reintrodução, o percentual caiu para 86,24%. No que diz respeito à segunda dose, os números se mantiveram em um intervalo de 72,94% (2017) a 81,55% (2019) − a maioria na casa dos 70%.

OS AUTORES

RENATO KFOURI é vice-presidente da SBIm, pediatra especializado em Neonatologia e em Infectologia Pediátrica. É presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Autor de diversos livros, representa o Brasil na Rede de Programas de Imunizações das Américas na Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

JUAREZ CUNHA é pediatra, especialista em Intensivismo Pediátrico, membro dos Comitês de Cuidados Primários e Infectologia da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SPRS) e do Departamento Científico de Imunizações da SBP. Ex-presidente da SBIm e autor do livro Vacinas e imunoglobulinas: consulta rápida (Artmed, 2009).

RICARDO MACHADO é coordenador de Comunicação da SBIm. Jornalista, atua há mais de 20 anos em assessoria de comunicação e imprensa no segmento de Medicina, Saúde e Educação.

CARLOS CARONI é assessor de imprensa da SBIm.

Devido à mudança na dinâmica de circulação global do vírus e a estratégias de prevenção e vigilância, o Brasil não registrou casos de sarampo em 2023. O fato levou a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) a classificar o país como “pendente de verificação para o sarampo”, 16 o que significa que a transmissão endêmica foi interrompida, mas ainda não há dados suficientes para a reconquista do certificado de eliminação. A notícia é boa, mas exige atenção, uma vez que as coberturas vacinais, apesar de terem melhorado nos últimos dois anos, ainda não são satisfatórias. Em janeiro de 2024, o Rio Grande do Sul confirmou um caso em um menino de 3 anos, não vacinado, procedente do Paquistão.17 Foi feita vacinação de bloqueio e não houve episódios associados, mas não é possível descartar que, no futuro, o vírus seja reintroduzido a partir de outros casos importados. A Europa, com a qual o Brasil mantém um fluxo turístico significativo, tem enfrentado uma onda da enfermidade: entre janeiro e outubro de 2023, o número de casos na região saltou 30 vezes em relação a 2022.18

No que diz respeito à Covid-19, um dos grupos mais afetados pela doença no Brasil atualmente são as crianças, para as quais a vacina foi licenciada há menos tempo (ver quadro abaixo).

O IMPACTO DA COVID-19 NAS CRIANÇAS

EM 2023, HOUVE 5.310 CASOS DE SÍNDROME respiratória aguda grave (SRAG) e 135 mortes entre crianças com menos de 5 anos. Além disso, desde o início da pandemia foram notificados no país 2.103 casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) – manifestação tardia da covid-19 –, com 142 mortes. Em 2023, houve 51 casos e uma morte.19

Apesar de a vacinação contra a covid-19 ter se mostrado segura20 e altamente eficaz na redução de quadros graves e óbitos em diferentes faixas etárias21/22, indicativo de que o panorama seria muito diferente caso as vacinas estivessem disponíveis desde o início da emergência do vírus, ainda há uma forte resistência à vacinação infantil. Em 23 de janeiro de 2024, as coberturas da vacina monovalente, considerando toda a população, eram de 83,9% (duas doses) e 51,15% (três doses). Entre crianças, eram de 13,1% (duas doses) e 5,8% (três doses) para as de 6 meses a menores de 3 anos; 22,3% (duas doses) e 6,1% (três doses) para as de 3 a 5 anos; e de 55,5% (duas doses) e 12,3% (três doses) para crianças de 5 a 11 anos.23

A partir dos 12 anos, a cobertura para as duas primeiras doses foi superior a 80% em todas as faixas etárias, enquanto para três doses o índice somente foi alcançado pelas pessoas a partir de 60 anos. Infelizmente, nenhum grupo etário atingiu o esquema vacinal completo. Além disso, a cobertura total para a vacina bivalente – licenciada a partir dos 12 anos – era de 19,8%. De forma geral, quanto mais novo o indivíduo, menor tem sido a cobertura.23 O abandono vacinal é extremamente perigoso. De acordo com um estudo publicado na revista Lancet, aproximadamente 18% dos casos graves da doença no Reino Unido poderiam ter sido evitados caso a vacinação estivesse completa.24

Tendência de retomada (e a volta do Zé Gotinha)

AÇÕES DE CONSCIENTIZAÇÃO, EDUCAÇÃO E ESTÍMULO à vacinação, a exemplo das campanhas, eventos científicos e de atualização realizados pela SBIm e outras entidades, aliadas ao empenho dos profissionais envolvidos na vacinação e ao arrefecimento da pandemia, favoreceram o aumento das coberturas vacinais de rotina em 2022. Em 2023, embora os dados ainda fossem parciais, houve nova melhora.

Não é possível afirmar categoricamente que a evolução continuará nos próximos anos, mas as perspectivas neste momento são boas, uma vez que a atual gestão federal incluiu a vacinação entre as suas bandeiras. O Zé Gotinha, por exemplo, passou a marcar presença em diversos eventos pelo país, inclusive no Carnaval do Rio de Janeiro25 e no desfile de 7 de Setembro, quando, de acordo com a Agência Estado, foi o mais aplaudido pelos presentes.26 O presidente Lula, por sua vez, foi vacinado publicamente pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, com a vacina Covid-19 bivalente.27

exemplo. O caminho para a elaboração de ações de enfrentamento à hesitação, nesse sentido, passa necessariamente por um conhecimento profundo da realidade em que se encontra cada grupo de pessoas, com suas singularidades, pela escuta ativa e atenta, pelo interesse legítimo e empático pelo outro e pela identificação e engajamento de lideranças locais em prol da vacinação.

Destacam-se também o Movimento Nacional pela Vacinação,28 que contempla diversas ações de comunicação presenciais e no meio digital; o investimento em sistemas de informação, que levou ao lançamento de duas plataformas mais intuitivas para o acompanhamento das coberturas vacinais de rotina29 e contra a Covid-1923; e as oficinas de microplanejamento, nas quais as estratégias de vacinação são definidas pelo Ministério da Saúde e os gestores locais a partir da realidade de cada bairro, município e estado.

A hesitação vacinal e as baixas coberturas

AHESITAÇÃO VACINAL É CARACTERIZADA PELA RECUSA ou o atraso em se vacinar, apesar de haver vacinas disponíveis. Em 2014, o Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização (SAGE, na sigla em inglês),30 da OMS, definiu três determinantes do fenômeno: conveniência e complacência – acesso e falta de percepção de risco, respectivamente – e (falta de) confiança, escala que ficou conhecida como 3Cs. Outro modelo, conhecido com 5Cs, inclui comunicação (devido à infodemia – excesso de informações, corretas ou não, sobre um tema ligado à saúde: no caso, a Covid-19) e contexto (status socioeconômico, religião, ocupação e etnia).31 Em 2019, a OMS listou a hesitação vacinal como uma das dez principais ameaças à saúde pública a serem combatidas naquele ano32 e, em 2020, chamou a atenção para o fenômeno da infodemia. (leia sobre os 3Cs determinantes da hesitação vacinal no artigo sobre a pesquisa da Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedade na p. 14). A seguir abordaremos o contexto e a comunicação. Tudo que está no entorno do indivíduo é o contexto, incluindo alguns fatores que também fazem parte dos outros Cs da hesitação. São exemplos questões socioculturais, econômicas, políticas, o ambiente de comunicação e mídia, a atuação de líderes influentes, as lideranças do programa de imunização, lobbies contra ou a favor da vacinação, influências históricas, religião, cultura, gênero e a percepção acerca do “papel” do setor farmacêutico, por

A comunicação que gera desinformação

OPESQUISADOR SAMUEL ALOBWEDE E COLEGAS, autores de um estudo que avaliou os motivos que levavam à hesitação em tomar a vacina contra a Covid-19 e a gripe na Cidade do Cabo, na África do Sul , pontuaram, de forma precisa, que “A desinformação se alimenta dos medos e ansiedades das pessoas sobre a pandemia para promover teorias de conspiração antivacinação”.31 Para eles, o excesso de informações, mudanças rápidas nas orientações sobre a Covid-19 e a falta de certeza criaram o ambiente ideal para gerar na população desconfiança e confusão generalizadas. Tais condições são potencializadas pelo poder de distribuição das mídias sociais e pela falta de letramento em saúde, ou seja, a capacidade de uma pessoa em obter, compreender, avaliar criticamente e utilizar informações sobre saúde para seu próprio cuidado ou de terceiros.

As consequências são trágicas. Um dos discursos falsos mais compartilhados durante toda a pandemia, o uso da hidroxicloroquina para a prevenção ou tratamento de pessoas hospitalizadas com Covid-19 pode estar associado a aproximadamente 17 mil mortes e a um aumento de 11% na taxa de mortalidade na Bélgica, Espanha, Estados Unidos, França, Itália e Turquia durante a primeira onda do SARS-CoV-2, aponta estudo publicado em fevereiro de 2024 no periódico Biomedicine & Pharmacotherapy 44

Não há trabalho que avalie a relação entre recusa vacinal, fake news e mortes evitáveis pela vacinação. Entretanto, se considerados o impacto da vacinação contra a Covid-19 na redução de casos graves da doença e a frequência com a qual receios sobre as vacinas são apontados como razão para não se imunizar, é verossímil pensar que cenário semelhante possa ter ocorrido. De acordo com o estudo do Confianza em las vacunas Latinoamerica (ConfíaLA) sobre as percepções a respeito da vacina Covid-19, 66% dos entrevistados que não se vacinaram demonstraram preocupação com a segurança das vacinas, 55% com sua velocidade de desenvolvimento e aprovação e 49% com a eficácia.

Discursos de terror sobre as vacinas Covid-19 circulavam no Brasil antes de a primeira delas ter o uso emergencial aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Uma pesquisa conduzida pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) a pedido da Avaaz em agosto de 2020 apontou que, na ocasião, 20% dos brasileiros diziam não ter certeza de que se vacinariam e 5% afirmaram que não se vacinariam de jeito nenhum quando o imunizante chegasse ao país. Entre as justificativas mais frequentes, estavam teorias conspiratórias reproduzidas por muito tempo – algumas até hoje: “A vacina pode provavelmen-

COSTUMA-SE DIZER NA COMUNIDADE

MÉDICA que as vacinas são vítimas do próprio sucesso: ao não vivenciarem mortes ou sequelas de doenças como o sarampo, difteria, tétano, poliomielite, entre outras, as pessoas − inclusive profissionais de saúde − tendem a achar que não é mais preciso cautela. “Se a doença não existe, para que me prevenir?” Isso muitas vezes faz com que as vacinas deixem de ser prioridade diante de outros compromissos ou sejam esquecidas. Além disso, permite que boatos e a raríssima possibilidade de eventos adversos graves ganhem mais atenção do que a própria doença.

A situação se repetiu com a covid-19, que matou mais de 700 mil pessoas no Brasil33 e mais de 7 milhões em todo o planeta.34

A partir do momento em que a vacinação promoveu o controle da doença, a população deixou de se vacinar – fato comprovado pela diferença significativa de cobertura entre as duas primeiras doses e as restantes – e de adotar as demais medidas preventivas.

O Confianza em las vacunas

A COVID-19 NO BRASIL

Latinoamerica (ConfíaLA) projeto criado com o objetivo de aumentar a confiança em vacinação na América Latina, publicou, na revista Vaccines, o artigo Opinions, Attitudes and Factors Related to SARS-CoV-2 Vaccine Uptake in Eight South American Countries, elaborado com base em entrevistas com mais de 6.500 pessoas com mais de 15 anos de idade em oito países da América do Sul e suas percepções sobre a vacina Covid-19: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela. De forma geral, a maioria dos participantes concorda total ou parcialmente que as vacinas COVID-19 são necessárias (86,4%), efetivas (79.8%) e seguras (79,1%). No Brasil, onde 92% afirmaram ter recebido ao menos uma dose da vacina, os índices foram de 92,19%, 82,73% e 83,17%.37

Já a obrigatoriedade da vacinação se mostrou uma questão mais polêmica. No continente, 32% das pessoas discordaram completamente da obrigatoriedade, enquanto no Brasil o valor foi de 27%, demonstração de que

te causar outras doenças” (35%); “Bill Gates afirmou que a vacina pode matar 700 mil pessoas” (20%); “A vacina pode ter chips implantados para controle da população” (19%); “A vacina pode alterar nosso DNA” (14%); e “A vacina é produzida a partir de células de fetos abortados” (12%)45 (sobre o papel da desinformação na saúde, veja artigo sobre estudo do Democracia em Xeque na p. 20).

Desserviço: como o Brasil enfrentou a Covid-19

AGESTÃO DA PANDEMIA DE Covid-19 no Brasil até 2022 foi marcada pelo negacionismo. De todas as formas, o governo federal minimizou a gravidade da doença, advogou contra o isolamento social e o uso de máscaras e promoveu tratamentos ineficazes – a exemplo do famoso kit Covid, que continha hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, entre outros medicamentos e vitaminas. Tudo com o intuito de transmitir uma falsa sensação de normalidade à população.

A vacinação também foi vítima da estratégia. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) ficou seis meses sem coordenador,51 houve atraso na aquisição dos imunobiológicos52 e o então presidente da República não apenas afirmou que não se vacinaria53 como disseminou inúmeras fake news. A mais famosa, provavelmente, sobre a possibilidade de pessoas vacinadas se transformarem em jacarés.54 Outros episódios lamentáveis foram a equivocada associação da vacina com a infecção pelo vírus HIV, a interrupção da vacinação de adolescentes55 e a audiência pública sobre a oferta das

muitos dos entrevistados que opinaram positivamente sobre a vacina não são a favor da obrigatoriedade. O direito de não se vacinar ou de não vacinar os próprios filhos – ainda que a legislação brasileira preveja a vacinação infantil obrigatória – é uma questão constantemente levantada por grupos contrários à vacinação. O próprio Conselho Federal de Medicina (CFM), em completa dissonância com todas as evidências, promoveu uma enquete sobre o tema com médicos,38 prontamente repudiada por diversas entidades científicas.39/40/41/42/43

Apesar de todo o movimento contrário às vacinas COVID-19, impulsionado pelo interesse político de algumas autoridades federais que deveriam promovê-las, a percepção sobre as vacinas no Brasil foi bastante positiva. A pesquisa, entretanto, não chegou a avaliar o impacto do posicionamento dos entrevistados em uma possível decisão de vacinar crianças sob sua responsabilidade. Esse, juntamente com o abandono vacinal, são os principais gargalos enfrentados pelo país atualmente.

vacinas às crianças, questão já amplamente debatida pela Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19.

O posicionamento encontrou coro em profissionais de saúde, muitos dos quais com interessante carreira pregressa, que abandonaram a ciência em virtude do alinhamento ideológico ao ex-presidente ou por causa de outros interesses. A participação de médicos na difusão de conteúdos contrários à vacinação não é nova nem exclusiva do Brasil, mas ganhou novas dimensões após o início da pandemia de Covid-19. A suposta credibilidade conferida pelo currículo, o alarmismo baseado em dados falsos ou retirados de contexto e a máquina de desinformação existente nas redes sociais foram responsáveis por danos imensuráveis à saúde pública e garantiram grande projeção a esses profissionais. Os mais famosos, inclusive, se candidataram a cargos legislativos nas eleições de 2022 e conquistaram votações expressivas.

Apesar de os negacionistas representarem um universo pequeno na classe médica, como mencionado no quadro acima o Conselho Federal de Medicina (CFM) chegou a fazer, em janeiro de 2024, uma pesquisa para avaliar a opinião dos afiliados sobre a obrigatoriedade da vacinação infantil contra a Covid-19.46 Não havia justificativa para o levantamento: a legislação prevê a obrigatoriedade para todas as vacinas do calendário infantil do PNI, a segurança e a efetividade da vacinação são pontos pacíficos e todos os debates necessários já haviam sido realizados nas esferas cabíveis. A discussão não traria nenhum benefício à sociedade. Pelo contrário, apenas estimularia a desconfiança sobre as vacinas.

A PANDEMIA NÃO FOI O PONTO DE PARTIDA das fake news sobre vacinas. O nível de desinformação e a consequente suscetibilidade a notícias falsas foram mapeados pela primeira vez no Brasil pelo relatório “As fake news estão nos deixando doentes?”46, publicado pela SBIm e a Avaaz em 2019. A partir de entrevistas com 2 mil pessoas com mais de 16 anos em todo o país, o trabalho constatou, entre outros pontos, que cerca de sete a cada dez brasileiros (67%) acreditam em ao menos uma mensagem imprecisa sobre vacinação. A grande maioria (87%) disse nunca ter deixado de se vacinar ou de vacinar uma criança sob seus cuidados. Ainda que o índice possa não parecer ruim, se os 13% de não vacinantes forem extrapolados para toda a população a partir de 16 anos, passa a representar um contingente de mais de 21 milhões de pessoas. Além disso, não é possível descartar que o percentual seja maior, uma vez que alguns podem não ter admitido a conduta.

Dos que não se vacinaram, 57% apontaram como justificativas motivos que podem ser considerados fruto de desconhecimento, como não achar a vacina necessária (31%); medo de ter efeitos colaterais graves (24%); medo de contrair a doença (18%); notícias, histórias ou alertas lidos online (9%) e alertas, notícias e histórias de líderes religiosos (4%).

Indagados sobre as fontes nas quais mais veem ou ouvem informações sobre vacinas, os entrevistados podiam escolher até três opções. A mídia tradicional − televisão, rádio, jornais e sites de notícias da grande imprensa − foi a mais mencionada (68%). Em seguida vieram as redes sociais, como o Facebook, YouTube, Instagram, além do WhatsApp e demais aplicativos de mensagens instantâneas (48%).

Aferir o impacto exato das mídias sociais e aplicativos não é simples, em especial porque conversas entre amigos e familiares − que podem ser pautadas por fake news − também constam na lista de principais fontes. Ainda assim, as atitudes e percepções negativas foram mais comuns entre os que mencionaram as plataformas.

De onde vêm as fake news?

O estudo verificou que quase metade dos discursos contrários à vacina em circulação na internet brasileira foi traduzido literalmente ou baseado em materiais publicados originalmente em inglês, nos Estados Unidos. Para tanto, foram analisados 30 artigos verificados pelo Ministério da Saúde e por agências de checagem de fatos.

O alcance da amostra foi considerável. Após encaminhamentos e reproduções, chegou-se a pelo menos 2,4 milhões de visualizações no Youtube, 23,5 milhões de visualizações no Facebook (somente os vídeos) e 578 mil compartilhamentos no Facebook. Outra análise constatou que os 69 principais vídeos antivacinação no YouTube tinham, somados, 9,2 milhões de visualizações e 40 mil comentários.

O papel do profissional de saúde

O relatório também indicou que as pessoas que tinham os profissionais de saúde e o Ministério da Saúde/governo como referências sobre vacinas eram mais seguras quanto à vacinação, mesmo quando expostas a fake news. A constatação é positiva, mas acompanhada de dois poréns: a falta de engajamento dos médicos na vacinação e o uso, por parte de profissionais e governantes mal-intencionados, da credibilidade conferida pela formação ou o cargo para atacar as vacinas.

Os profissionais de saúde e o Ministério da Saúde/governo ocupavam, respectivamente, apenas o quarto e o quinto lugares na lista de principais fontes de informação, ou seja, pecavam no diálogo com o público. Ciente do problema, a SBIm encomendara um ano antes, à MAAS – Marketing Assessorado, uma pesquisa qualitativa50 para avaliar de que forma a vacinação se inseria no cotidiano dos médicos não pediatras. Foram representadas as especialidades Ginecologia/Obstetrícia, Oncologia, Geriatria, Infectologia, Cardiologia, Clínica Geral, Endocrinologia, Reumatologia e Urologia.

Os resultados não foram bons. Embora todos tenham destacado as vacinas como ferramentas preventivas essenciais, somente os obstetras mostraram regularidade e abrangência na prescrição, para reduzir possíveis intercorrências no pré-natal. Na Geriatria, há elevada prescrição, mas focada na gripe. Entre os demais especialistas, alguns admitiram não prescrever nunca ou afirmaram que avaliam a condição psicológica do paciente com relação à doença de base antes de abordar o assunto.

A vacinação de adultos e adolescentes impacta na saúde de crianças, pois baixos índices entre esses grupos aumentam a circulação de vírus e bactérias e facilitam surtos. Vale destacar que a vacinação de gestantes e de pessoas que têm contato próximo com bebês é uma das principais estratégias para evitar doenças imunopreveníveis nos primeiros meses de vida.

O comportamento médico, fruto do desconhecimento, é perigoso. Especialmente no caso de pessoas com imunodepressão ou que vivem com algumas doenças crônicas, como diabetes e cardiopatias. As infecções por enfermidades imunopreveníveis são mais comuns entre elas, podem ser mais graves e com frequência descompensam o quadro de base.

É importante observar, no entanto, que a responsabilidade deve ser compartilhada com outros profissionais de saúde. Diversas oportunidades são perdidas ao redor do país porque as equipes de triagem não verificam a situação vacinal dos responsáveis que levam crianças para vacinar.

Como aumentar a cobertura vacinal

NA MEDIDA EM QUE A CAUSA DAS QUEDAS nas coberturas vacinais é multifatorial, as possíveis soluções para o problema devem englobar cada um dos aspectos envolvidos. Apresentamos as sugestões divididas em cinco eixos: gestão do PNI, parcerias, atuação médica e de enfermagem, legislação e comunicação.

GESTÃO DO PNI: ACESSO, TREINAMENTOS

É fundamental facilitar o acesso. De nada adianta aumentar a conscientização se a população não conseguir encontrar as unidades abertas ou vacinas disponíveis. A implementação de um bônus financeiro para as UBS ampliarem o horário de atendimento foi uma providência interessante do Ministério da Saúde, mas na prática os resultados foram discretos porque poucas têm equipe suficiente para implantar um turno adicional ou plantão aos fins de semana. É necessário investir em recursos humanos, por meio da contratação de pessoal e redução da rotatividade, na formação de estoques para evitar faltas ou desabastecimentos e formular estratégias para

nitorar a qualidade dos dados, atuando junto a estados e municípios para que as informações sejam enviadas e não haja inconsistências.

A disponibilidade de informações precisas sobre pessoas com doses em atraso fortalece ainda mais a necessidade de levar a busca ativa, com a vacinação casa a casa, para a rotina. A rede de saúde já adotou essa estratégia em campanhas, como a contra a influenza e a Covid-19, e utiliza para várias outras situações, a exemplo da busca de gestantes faltosas ao pré-natal e do atendimento a pessoas que têm dificuldade de se locomover aos postos de saúde. Nesse sentido, vale destacar que é imperativa a ampliação do envolvimento dos agentes comunitários de saúde, do Programa Estratégia Saúde da Família (ESF), nos esforços empreendidos. Já conhecidos pelos moradores das regiões onde atuam, eles podem colaborar de forma significativa no mapeamento de faltantes e conscientizá-los a respeito da importância da ferramenta preventiva.

Também é essencial levar adiante e ampliar as ações de microplanejamento, que envolvem estados e municípios na definição das estratégias de vacinação. O microplanejamento, de acordo com o manual elaborado pelo próprio Ministério da Saúde56, inclui em todos os níveis de gestão: compromisso e prioridade política, orça-

A VACINAÇÃO EM ESTABELECIMENTOS DE ENSINO É UMA FORMA EFICAZ DE AUMENTAR AS COBERTURAS

VACINAIS EM PESSOAS EM IDADE ESCOLAR, POIS ELIMINA A NECESSIDADE DE DESLOCAMENTO PARA UM AMBIENTE NÃO FREQUENTADO TODOS OS DIAS

diminuir perdas técnicas e físicas de doses. Outra opção interessante é a oferta de vale-transporte e de dispensa no trabalho para os responsáveis na data de vacinação das crianças.

Para enfrentar o desperdício de oportunidades de vacinação, devem ser ministrados treinamentos regulares e permanentes às equipes, talvez via plataformas de educação a distância (EAD). Convém assinalar que, além dos funcionários alocados diretamente nas salas de vacinação, o aprendizado deve incluir os demais profissionais de saúde dos postos. O médico, por exemplo, pode aproveitar as consultas para verificar a situação vacinal dos pacientes e, se necessário e não houver contraindicações, encaminhá-los para vacinação imediata. Isso, no entanto, exige políticas de retenção de pessoal. A alta rotatividade de funcionários é outro dos grandes obstáculos atuais: muitos deixam as unidades pouco tempo depois da capacitação ou mesmo durante o processo.

A dificuldade de acesso a indicadores adequados sobre a vacinação no Brasil, apontada como um dos problemas a serem corrigidos na edição de 2020 desta publicação, está sendo superada graças aos significativos investimentos realizados pelo PNI a partir de 2023. Embora ainda sejam usados múltiplos sistemas para o registro de doses, as regras de cadastro foram padronizadas, o que permitiu consolidar as informações em apenas uma plataforma: a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS). Atualmente, todas as doses administradas no Brasil estão atreladas ao CPF do vacinado, portanto, é possível saber exatamente quem está com o calendário vacinal desatualizado. O desafio, no qual o Ministério da Saúde já trabalha, é mo-

mento, organização e gestão locais, logística e rede de frio, planejamento adequado e oportuno, definição de estratégias e ações de vacinação, comunicação e mobilização social, sistemas de informação, vacinação segura, vigilância epidemiológica, formação, supervisão, monitoramento e avaliação.

PARCERIAS: VACINA NAS ESCOLAS

A vacinação em estabelecimentos de ensino é uma forma muito eficaz de aumentar as coberturas vacinais em pessoas em idade escolar, pois elimina a necessidade de deslocamento para um ambiente não frequentado todos os dias. Apesar de ter sido bastante utilizada no passado, a última grande campanha nacional de vacinação escolar no Brasil foi realizada em 2014, com o objetivo de aplicar em meninas de 11 a 14 anos a vacina contra o HPV, à época recém-incorporada ao PNI. Os resultados da primeira fase foram excelentes: cobertura média de 94,4% em todo o país, com estados como São Paulo superando os 100%.57

Embora tenha havido estímulo às escolas para continuar a estratégia na etapa seguinte, a ação foi muito mais discreta e nunca chegou à vacinação de rotina, como ocorre em outros países. Diversas razões contribuem para isso. Entre elas, a falta de políticas conjuntas entre o Ministério da Saúde (MS) e o da Educação (MEC), a falta de estrutura e profissionais, que impede muitas cidades de implementarem a vacinação fora das UBS, e o temor demonstrado pelas escolas de serem responsabilizadas por possíveis Eventos Supostamente Atribuíveis à Vacinação ou Imunização (ESAVI).

Contornar esse obstáculo depende de uma articulação entre o MS e o MEC, bem como das respectivas secretarias nos níveis estadual e municipal. Os sistemas de saúde precisam ser preparados para fazer a aplicação e dar suporte aos estabelecimentos de ensino na checagem das carteiras de vacinação e na resposta à ESAVI. Paralelamente, devem ser incluídos no currículo escolar conteúdos e conceitos sobre vacinação, como sua importância, as conquistas da vacina e o senso de responsabilidade coletiva.

Fortalecer o diálogo com os diferentes atores envolvidos na elaboração de políticas públicas de vacinação e com as instituições da sociedade civil organizada – como associações de moradores, sindicatos de trabalhadores, representantes religiosos, entidades que apoiam pessoas em situação de vulnerabilidade, entre outras – é mais um caminho a ser seguido. Essa foi a base do Projeto para a Reconquista das Altas Coberturas Vacinais (PRCV), realizado por Bio Manguinhos/Fiocruz, SBIm e o Ministério da Saúde, de 2021 a 2023, no Amapá e em 25 municípios da Paraíba. Esses estados foram os

de vacinação e ampliando a participação em eventos de atualização, como congressos, simpósios, jornadas e cursos. A mesma lógica sobre educação vale para os profissionais de enfermagem. Fora isso, no dia a dia é preciso fazer o paciente se sentir cuidado, esclarecer as dúvidas, informar sobre efeitos adversos esperados, identificar possíveis riscos e contraindicações, além de verificar a situação vacinal de todos os envolvidos. É extremamente interessante reconhecer, durante a conversa, situações que ajudem a fortalecer o sentimento sobre a necessidade da vacinação. Merecem atenção redobrada as pessoas com doenças crônicas, sobretudo as imunodeprimidas.

A SBIm realiza diversos eventos presenciais e pela internet todos os anos, a maioria gratuitos. Um exemplo é o curso online Sala de Vacinação, desenvolvido em parceria com o PNI, que treinou mais de 100 mil profissionais entre 2018 e 2019 e 60 mil em 2023. Além disso, a Sociedade também disponibiliza gratuitamente na internet calendários e outros conteúdos simplificados, mas acredita

FORTALECER O DIÁLOGO COM OS DIFERENTES ATORES ENVOLVIDOS

NA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE VACINAÇÃO E COM AS INSTITUIÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA

– COMO ASSOCIAÇÕES DE MORADORES, SINDICATOS, REPRESENTANTES RELIGIOSOS, ENTRE OUTRAS – É MAIS UM CAMINHO A SER SEGUIDO

únicos a baterem as metas de 95% na Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite,58 em 2022, e de 90% na Campanha Nacional de Vacinação contra a Influenza59, em 2023 (veja artigo na p. 28). Outra ação nesse sentido foi o I Fórum SBIm de Saúde Pública em Imunizações. Realizado em setembro de 2023, o encontro teve como objetivo promover o compartilhamento de experiências e desafios e a apresentação de demandas e sugestões. Participaram, além da SBIm, o Programa Nacional de Imunizações (PNI), a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e BioManguinhos/Fiocruz.

ATUAÇÃO MÉDICA E DE ENFERMAGEM

Os médicos, independentemente da especialidade em que atuam e da faixa etária que atendem, têm o dever de incluir a revisão do calendário vacinal na anamnese do paciente e de prescrever vacinas. Para tanto, é fundamental que as imunizações, não apenas de crianças, façam parte dos currículos da graduação e das residências médicas, em todas as especialidades. É necessário afixar calendários vacinais nas salas de espera, informar sobre os locais onde se vacinar e, no caso dos que atuam em consultórios particulares, lembrar os pacientes das datas de vacinação, via telefone ou outros meios. Diante da dinamicidade e da complexidade dos calendários vacinais, é primordial que os profissionais se mantenham atualizados por meio da leitura de artigos e da participação em eventos relacionados ao tema.

A SBIm vem buscando a aproximação com outras sociedades científicas e de especialidade médica, editando em conjunto guias

que a chave para essa questão é o aprimoramento do ensino sobre imunizações na graduação médica e de enfermagem, assim como nas residências, criando nova geração de profissionais de e, mais afeita às vacinas. Atualmente, o tema é abordado de forma muito discreta nos cursos – ainda mais se for levado em conta o benefício das vacinas.

LEGISLAÇÃO

Ao menos dois dispositivos legais versam sobre a obrigatoriedade da vacinação no Brasil. O primeiro é o Decreto no 78.231, de 12 de agosto de 1976, que regulamenta o PNI.60 No Título II – Art. 29, a norma afirma que, exceto em caso de contraindicação médica comprovada, “é dever de todo cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha a guarda ou responsabilidade, à vacinação obrigatória”. O segundo é o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990),61 que, no Título II – Capítulo I – Art. 14, § 1º, determina que “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”.

Em manifesto publicado em 2018,62 a SBIm − em posição que mantém − defendeu que todos os envolvidos com o ato vacinal devem conhecer os aspectos legais, explicar as sanções previstas em caso de recusa e comunicar os conselhos tutelares caso os responsáveis se neguem a vacinar as crianças. No documento, também é proposta a criação de mecanismos que tornem obrigatória a apresentação da carteira de vacinação de todas as crianças e adolescentes como pré-requisito para matrícula em estabelecimentos de ensino; e que, caso o documento não esteja atualizado, pais e responsáveis sejam convocados e encaminhados a um serviço de saúde para receber as devidas orientações.

A SBIm entende que, apesar de previstas, as punições, exceto em situações extremas, devem ser apenas citadas como parte do processo de reforço da obrigatoriedade. Em um país marcado por profundas desigualdades sociais, a multa de três a 20 salários-mínimos, conforme prevê o Art. 249 do ECA, ou medidas como prisão de pais e responsáveis, perda de tutela ou impedimento de matrícula escolar poderiam criar novos problemas, em vez de resolver o existente. Educar sobre a importância para a saúde individual e coletiva é, e sempre será, a melhor alternativa.

COMUNICAÇÃO

Como já citado, parte do sucesso do PNI pode ser atribuída ao trabalho de comunicação desenvolvido nos anos 1980 e início dos 1990, com destaque para a criação do personagem Zé Gotinha. A revolução tecnológica e comportamental que ocorreu desde então, porém, tornou a estratégia – baseada em uma linha publicitária e vertical –defasada quando não acompanhada por outras iniciativas.

O modelo só começaria a ser atualizado em 2023, quando a nova gestão do Ministério da Saúde lançou o Movimento Nacional pela Vacinação.34 Além das ações tradicionais, do fortalecimento da imagem do Zé Gotinha e do investimento em redes sociais, as ações de microplanejamento iniciaram uma caminhada para um modelo de comunicação horizontal. Agora, para difundir de forma mais eficiente a informação, são levadas em consideração características regionais e estabelecidas parcerias com lideranças locais vistas como confiáveis pelos moradores. O desafio por vir é avaliar o resultado das ações, aprimorá-las e intensificá-las.

É importante destacar que médicos e enfermeiros também são engrenagens desse processo: é preciso tocar no assunto sempre que possível, falar sobre benefícios e segurança e estarem prontos para esclarecer eventuais dúvidas, em especial dos que demonstram hesitação. Tudo em linguagem simples, sem utilizar termos técnicos. Para tanto, é vital a atualização profissional continuada.

O relacionamento estreito com a mídia é igualmente essencial, pois qualifica as coberturas jornalísticas sobre imunizações e amplia o alcance das informações em âmbito nacional. Experiências bem-sucedidas são os workshops para jornalistas realizados pela SBIm, além do trabalho de assessoria de comunicação e imprensa.

As redes sociais são muito mais relevantes e a atuação do Ministério da Saúde em tais meios demonstra que a pasta não está alheia à situação. A SBIm considera que a união de forças é imprescindível e tem se esforçado bastante nesse sentido, mantendo ativos seus canais no Facebook, Instagram, X (antigo Twitter) e YouTube, e realizando ações de relacionamento com influenciadores digitais.

Ao longo dos últimos anos, a Sociedade realizou diversas campanhas, como a “Vacina é proteção para todos”, “Quem é sênior, vacina”, “Onda contra câncer”, “#Vacinar para não voltar”, a “Vacinação em dia, mesmo na pandemia”, em parceria com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e o UNICEF, QuemVacinaNãoVacila (para adolescentes), campanha de apoio ao PNI, por ocasião de seus 48 anos, Raiva Mata e o Projeto pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais (PRCV), em parceria com Bio-Manguinhos. Atualmente, o site institucional da Sociedade (sbim.org.br) e o Família SBIm (família.sbim.org.br) fazem parte da Vaccine Safety Net (VSN) − rede de páginas sobre vacinação certificadas pela OMS. A SBIm participa dos debates do grupo e é uma das entidades à frente

do ConfíaLA. Por todo o trabalho, a SBIm recebeu homenagens da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas)63 e do PNI64 em 2022 e 2023, respectivamente.

Um futuro com saúde

OPNI É UMA DAS INICIATIVAS DE SAÚDE PÚBLICA mais bem-sucedidas do Brasil e considerado, com toda justiça, referência para outros países. Graças à sua implementação, o Brasil pôde somar à eliminação da febre amarela urbana e à erradicação da varíola conquistas como a eliminação da poliomielite, da rubéola, da síndrome da rubéola congênita, do tétano materno e neonatal e, ainda que temporariamente, a do sarampo. Outras doenças que representavam importante causa de mortalidade infantil também foram controladas.

Em 2019, pela primeira vez na série histórica, nenhuma das vacinas oferecidas gratuitamente na rotina para crianças com menos de 2 anos atingiu o mínimo desejado. Após uma redução ainda mais significativa em 2020 e 2021, pico da pandemia da Covid-19, os números aumentaram em 2022 e 2023. Apesar de permanecermos longe do ideal, o avanço indica uma tendência de recuperação.

A queda na adesão às vacinas não é um problema com causa única. Entre os motivos que contribuem para a resistência e a hesitação frente a elas estão a falta de percepção de risco, dificuldade de acesso, baixo engajamento de médicos e demais profissionais de saúde, além de uma crise de confiança nas vacinas, alimentada em boa parte por conteúdos equivocados que circulam nas redes sociais, produzidos ou não por grupos antivacinação.

É necessário implementar o mais breve possível medidas para reverter esse cenário. Além de intensificar as ações de microplanejamento, que envolvem estados e municípios na definição das estratégias de vacinação, de acordo com a realidade local, a SBIm sugere: a ampliação de dias e dos horários de funcionamento das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e outras ações que facilitem o acesso, como a oferta de vale-transporte e dispensa de dias de trabalho para os responsáveis na data de vacinação de crianças; políticas de contratação, capacitação e retenção de profissionais na rede pública; implementação efetiva do Sistema de Informações do PNI (SI-PNI); busca ativa de faltantes, com envolvimento dos agentes comunitários de saúde, que também auxiliariam na divulgação de informações; colaboração entre o Ministério da Saúde e o da Educação − e respectivas secretarias nos níveis estadual e municipal − para realizar um programa de vacinação escolar de rotina; fortalecimento das parcerias com a sociedade civil organizada; aprimoramento da graduação dos cursos de Medicina e de Enfermagem; cumprimento, em caráter educativo, da legislação que versa sobre a obrigatoriedade da vacinação; e a ampliação do modelo de comunicação horizontal, que privilegia o diálogo e inclui lideranças locais, como representantes de associações de moradores, líderes religiosos e outros.

O país tem hoje o urgente desafio de reverter a queda na adesão às vacinas e afastar a ameaça que esse retrocesso representa para o presente e o futuro. E esse desafio é de todos nós. O

As notas e referências deste artigo, atualizado em 22/04/24, estão disponíveis na versão digital, em ssir.com.br

Caminhos tortuosos da

HESITAÇÃO

vacinal

A relutância em se vacinar ou vacinar os filhos, assim como o atraso na imunização, está longe de ser facilmente explicável. Uma pesquisa inédita realizada em 2023 revela que, embora a confiança nas vacinas permaneça alta no Brasil, a hesitação varia de maneira significativa dependendo da doença, do contexto e de fatores sociais. O fenômeno, que atinge o mundo todo, é muito mais complexo do que simplesmente uma questão de confiança nas vacinas

EM FOCO

O QUE PENSAM OS BRASILEIROS

SOBRE A VACINAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM 2023 é uma pesquisa elaborada pela Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedade, com apoio da Fundação José Luiz Setúbal. Das 2.129 pessoas com idade de 18 anos ou mais que foram ouvidas, representando as cinco regiões brasileiras (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), 61,48% eram pais e mães. Os entrevistados responderam a uma série de questões específicas sobre vacinação de crianças e adolescentes entre 29 de julho e 3 de agosto de 2023.

COSTUMA-SE DISCUTIR A HESITAÇÃO VACINAL – a relutância ou resistência de uma pessoa em receber vacinas e em vacinar os filhos – como se fosse algo uniforme para todas as doenças e se baseasse acima de tudo na falta de confiança na segurança e na eficácia das vacinas, descrença que foi alimentada pelos recentes ataques de grupos antivacina e campanhas de desinformação.

O fenômeno da hesitação vacinal, que também inclui o simples atraso na imunização, é porém multifatorial e bem mais complexo. A confiança nas vacinas está em queda no mundo todo, assim como a cobertura vacinal, mas há pelo menos outros dois aspectos, além da confiança, que influenciam diretamente a aceitação da vacinação: a percepção do risco que uma doença representa e a facilidade para receber a imunização. Foi para buscar entender com mais profundidade as razões para a hesitação vacinal no Brasil que um grupo de pesquisadores, que inclui os integrantes da ampla Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedade,1 realizou em 2023 uma detalhada pesquisa de opinião, cujos resultados estão sendo analisados para a publicação de artigos que estimulem novas investigações e reflexões sobre o assunto. A pesquisa teve apoio da Fundação José Luiz Setúbal.

OS CHAMADOS 3C s

Confiança na efetividade e na segurança das vacinas; no sistema que disponibiliza os imunizantes e nas motivações daqueles responsáveis pela formulação de políticas de vacinação

COMPLACÊNCIA

Percepção de que os riscos de doenças preveníveis através da vacinação são baixos e, portanto, de que não existe necessidade de prevenção dessas doenças

CONFIANÇA CONVENIÊNCIA

Os dados preliminares mostram as vacinas ainda são bem aceitas no Brasil, principalmente quando elas são recomendadas por profissionais de saúde. Indicam também que a hesitação é desigual e depende da percepção da gravidade de cada doença. A aceitação da imunização contra uma doença tida como muito perigosa, como a meningite, por exemplo, tende a ser bem maior do que a média para outras vacinas.

Um dos recortes da análise das respostas da pesquisa evidencia que a vacina contra a Covid-19 é uma das que mais sofre com a hesitação quando se trata da disposição de pais e responsáveis para imunizar crianças. Em parte, essa postura pode ser atribuída à “hesitação” promovida pelo governo que a população brasileira testemunhou entre 2021 e 2022, durante as longas discussões para a liberação da vacina contra o SARS-CoV-2 para cada faixa etária infantil. Além disso, pesa também a ideia, muito reforçada naquela época, de que a Covid-19 não era uma ameaça grave para as crianças em comparação com a população adulta e especialmente os idosos.

Uma parte importante da pesquisa dedicou-se a avaliar a recepção da vacinação nas escolas, que pode ser uma estratégia importante para aumentar a cobertura vacinal. Os dados revelaram certa oposição de grupos conservadores a essa iniciativa. Entrevistados que se disseram evangélicos demonstraram menos chance de aceitar a imunização escolar que católicos, por exemplo, o que se alinha à reticência que esses grupos demonstram em relação à influência do ambiente escolar sobre crianças e adolescentes.

A pesquisa de opinião realizou no total 2.129 entrevistas domiciliares, em uma amostra representativa da população brasileira e das regiões Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul, entre os dias 29 de julho e 3 de agosto de 2023, de modo a permitir diferentes recortes e análises estatísticas. Pelo menos três artigos resultantes da pesquisa estão em preparação.

A definição dos chamados 3Cs (confiança, complacência e conveniência) que podem levar à hesitação vacinal data de 2014 e é de autoria

A AUTORA

LORENA GUADALUPE BARBERIA é professora livre-docente do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e coordenadora científica da Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedade.

Disponibilidade física de imunizantes, acessibilidade geográfica e financeira; atratividade dos serviços de vacinação ofertados

do Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização (SAGE) da Organização Mundial da Saúde.2 Confiança, nessa formulação, é mais do que uma pessoa acreditar que a vacina seja segura e eficaz. Refere-se também à confiança no sistema que disponibiliza a imunização, incluindo os profissionais de saúde, e na motivação daqueles que definem as políticas de vacinação.

O Brasil tem uma longa tradição de confiança nas vacinas, com o sucesso do Plano Nacional de Imunizações, criado em 1973. O que a pesquisa de opinião realizada em 2023 indica, e esse é um dado a ser comemorado, é que a confiança permanece. Em dados descritivos, nenhuma região teve resposta positiva inferior a 95% quando responsáveis por menores de 14 anos foram questionados se haviam dado a seus filhos as vacinas que integram o calendário do PNI e que foram sugeridas pela equipe de saúde.

Um estudo retrospectivo publicado em 2020 na revista Lancet3 pelo Projeto de Confiança na Vacina, do Departamento de Epidemiologia de Doença Infecciosa da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (Reino Unido), avaliou a variação da confiança nas vacinas entre 2015 e 2019 em 149 países, e mostrou que a credibilidade da imunização está sujeita a mudanças rápidas em um país, sendo suscetível a incidentes de repercussão local e internacional, a ataques de desinformação e a instabilidades políticas, que precisam ser estudados mais a fundo. A análise encontrou, por exemplo, quedas de confiança acentuadas no Afeganistão, no Azerbaijão, no Paquistão, na Nigéria, na Indonésia e na Sérvia.

Para o Brasil, mesmo antes da epidemia de Covid-19 e do aumento do alcance das campanhas antivacina, os números desse estudo mostravam que a confiança já estava em queda: em 2015, a proporção dos que concordavam fortemente com a afirmação “Vacinas são seguras” era de 73%; em 2019, havia caído para 63%. Para a afirmação “Vacinas são efetivas”, em 2015 no Brasil 76% concordavam fortemente, contra 56% em 2019.

Conveniência

EM UMA DAS ANÁLISES ESTATÍSTICAS dos dados da pesquisa de opinião realizada entre julho e agosto de 2023 no Brasil, nosso grupo de pesquisadores⁴ usou dados de respondentes responsáveis por crianças e adolescentes com menos de 17 anos para calcular as chances de eles autori-

zarem a vacinação de seus dependentes na escola, considerando a imunização contra influenza (gripe), HPV (vírus do papiloma humano, ligado ao câncer de colo do útero), Covid-19 e dengue. No geral, pela análise apenas 7,5% dos entrevistados não permitiriam que seu(s) filho(s) ou dependente(s) participassem do programa de vacinação escolar para nenhuma das quatro vacinas mencionadas, o que é uma mostra de que a confiança na vacina e no sistema ainda permanece. O alto nível de aceitação aponta também para a importância do item conveniência para a hesitação vacinal.

A vacinação nas escolas tem o potencial de facilitar a vida dos responsáveis, já que não exige deslocamento a um posto de saúde. Ademais, tem a vantagem de cumprir um papel educativo na conscientização de crianças e adolescentes sobre a importância da vacina. Também já se demonstrou que a imunização escolar consegue bloquear a transmissão durante surtos.5

Para vacinas com faixas etárias alvo mais altas, como a contra HPV (indicada atualmente pelo PNI para a idade de 9 a 14 anos), a imunização na escola derruba um dos grandes obstáculos, que é conseguir chegar a esse público, em termos operacionais. Além disso, oferecer a vacina em escolas é uma das formas de dar mais voz e influência a crianças e adolescentes na decisão sobre a vacinação.

Os resultados da análise multivariada dos dados6 indicam que a maioria dos responsáveis reportou que apoiaria a vacinação de seus filhos na escola. No entanto, um número maior de responsáveis, pais e mães não querem que os filhos participem da vacinação escolar contra Covid-19 (21,1%) em comparação com outras vacinas, como dengue (13,6%), HPV (13,9%) e gripe (12,3%). Entre essas últimas três vacinas, as diferenças nas taxas de aceitação não foram estatisticamente significativas.

Um dos motivos para essa apreensão maior em vacinar contra a Covid-19 é o contexto em que as vacinas para crianças foram aprovadas no Brasil. O contexto é, aliás, um quarto “C” entre os fatores que podem determinar a hesitação vacinal, de acordo com outro modelo, o dos 5C: confiança, complacência, conveniência, contexto e comunicação 7

O então presidente Jair Bolsonaro implementou políticas que questionaram e retardaram o início da vacinação contra Covid-19 em crianças. Seu governo realizou audiências públicas sobre o assunto, chegando a aventar que os responsáveis tivessem que assinar termos de autorização para permitir a vacinação de crianças, algo que não é exigido para nenhuma imunização no Brasil. O ex-presidente também pressionou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a não autorizar a vacina para faixas etárias mais baixas, além de trabalhar para influenciar a opinião pública com dúvidas sobre a vacina em declarações como “A minha filha de 11 anos não será vacinada”.

Outra hipótese para a hesitação maior dos entrevistados em relação à vacina contra a Covid-19 poderia ser o fato de se tratar de uma vacina relativamente nova. Os resultados da mesma análise relativos à imunização contra a dengue, porém, parecem desmontar essa hipótese. No momento em que o questionário foi aplicado, a imunização contra a dengue ainda nem havia sido incorporada ao PNI (o que aconteceu em dezembro de 2023), ou seja, também se tratava de algo novo. Mesmo assim, controlando-se todos os outros fatores, não houve hesitação maior para ela, ao contrário do que aconteceu com a vacina da Covid-19. O segundo artigo derivado do nosso questionário, inclusive, dirá respeito exatamente à imunização contra a dengue.

Complacência

DESDE O INÍCIO DA PANDEMIA DE COVID-19, no mundo todo e em especial no Brasil, a comunicação pública ressaltou que a doença era menos perigosa para crianças, relativizando o risco do SARS-CoV-2 para essa faixa etária, em comparação a pessoas mais velhas ou com comorbidades. Isso reduziu a percepção de risco e, quando a imunização foi liberada para essa população, muitas crianças e adolescentes já tinham tido a doença, o que pode ter contribuído para alimentar a sensação de que não havia mais a necessidade de vacinar. Esse é o “C” da complacência: é um item que indica até que ponto as pessoas estão dispostas a assumir o risco de ter a doença.

Uma observação importante que resulta desses estudos sobre hesitação é que é preciso ter cuidado, em termos de comunicação pública, para não estimular a complacência, não só em relação à Covid-19, mas a outras doenças. Esse tipo de mensagem que ameniza o risco de uma doença, quando atinge as crianças, pode acabar “transbordando” para outras enfermidades e se manter por toda a vida adulta da pessoa, influenciando a cobertura vacinal até da geração seguinte.

Uma outra razão para que exista alta complacência em relação a algumas doenças é o desconhecimento das consequências dos vírus e bactérias combatidos pelas vacinas. Trata-se do produto indesejado de um grande sucesso: como, devido à vacinação, não existem mais no Brasil doenças como a paralisia infantil, e reduziu-se muito a prevalência de outras infecções, como o sarampo, a caxumba e a varicela, a população não vivencia de perto seus efeitos negativos e deixa de ter percepção de risco. Não fica sabendo do primo, do vizinho, ou do amiguinho da escola que teve sarampo, da criança que foi internada com complicação de catapora ou do bebê surdo porque a mãe teve rubéola na gestação. Nem vê crianças de muleta ou cadeira de rodas por causa da poliomielite.

A VACINAÇÃO NAS ESCOLAS TEM O POTENCIAL DE FACILITAR A VIDA DOS RESPONSÁVEIS E TEM A VANTAGEM DE CUMPRIR UM PAPEL EDUCATIVO NA

SOBRE A IMPORTÂNCIA DA VACINA

ESSE TIPO DE MENSAGEM QUE AMENIZA O RISCO DE UMA DOENÇA, QUANDO ATINGE AS CRIANÇAS, PODE ACABAR “TRANSBORDANDO” PARA OUTRAS ENFERMIDADES E SE MANTER POR TODA

A VIDA ADULTA DA PESSOA , INFLUENCIANDO A COBERTURA VACINAL ATÉ DA GERAÇÃO SEGUINTE

De outro lado, para vírus como o HPV, as consequências são mais invisíveis. A ideia de que um vírus possa estar relacionado ao desenvolvimento de um câncer, como ocorre com o HPV e o câncer de colo do útero, não é tão disseminada na sociedade e reduzir a complacência depende de que haja letramento vacinal. Se uma alta complacência eleva a hesitação vacinal, o contrário também é verdadeiro. Nos dados descritivos da mesma pesquisa de opinião, sem considerar a questão da vacinação nas escolas, observou-se uma baixíssima complacência para a meningite, doença que causou uma epidemia principalmente em São Paulo nos anos 1970, com um número estimado de 2.500 mortes.7

A meningite atinge as meninges, membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal, e, na forma mais grave, a bacteriana, pode deixar sequelas neurológicas, como perda de visão e audição, além de colocar a vida da pessoa em risco, em especial bebês e crianças pequenas.

A MAIOR PREOCUPAÇÃO das autoridades de saúde com a queda da cobertura vacinal está relacionada à imunização dos bebês e crianças pequenas. É ao longo dos primeiros 18 meses de vida que está o “grosso” das vacinas do calendário, que previnem doenças em uma fase de vida em que as crianças estão mais vulneráveis a complicações. E esse público não é diretamente beneficiado por programas de imunização nas escolas. Por outro lado, a aplicação de vacinas nas escolas, sempre com o consentimento dos responsáveis, consegue suprir atrasos na caderneta de vacinação de alunos e administrar eventuais doses de reforço com versões mais atualizadas das vacinas, conforme elas vão sendo desenvolvidas e incluídas no Plano Nacional de Imunizações (PNI). O impacto positivo disso pode ser sentido inclusive na geração seguinte, que estará mais protegida se as

Foi questionado aos entrevistados que tinham filhos se concordavam ou discordavam da seguinte afirmação: “Tomar vacina contra a meningite é importante para prevenir sintomas da doença”. Em média, no país todo, 95,3% disseram concordar plenamente. Menos de 1% dos respondentes disse discordar plenamente da afirmação. O risco da meningite é um que os pais não estão dispostos a correr.

Agenda conservadora

NO RECORTE DA PESQUISA QUE TRATA da análise estatística dos fatores que explicam a relutância em permitir a vacinação de crianças e adolescentes na escola, controlando-se por outros fatores socioeconômicos relevantes, as chances de responsáveis que se autodeclararam evangélicos recusarem a imunização nas escolas eram 1,75 vez maiores (75% mais altas) em comparação a responsáveis de outras religiões.

SEGUNDA CHANCE

gestantes tiverem um bom histórico vacinal. Além de as vacinas tomadas antes da gestação protegerem contra doenças virais que podem afetar o bebê dentro do útero (como a rubéola), há evidências de que parte da imunidade seja transferida para o bebê durante a gravidez, sob a forma de anticorpos, como acontece com a coqueluche. Foi sancionada em junho de 2024 no Brasil a Lei 14.886, que institui o Programa Nacional de Vacinação nas Escolas Públicas. O texto prevê que sejam realizadas campanhas anuais dentro das escolas de ensino infantil e fundamental, na época da vacinação contra a influenza (gripe), com aviso prévio aos responsáveis. A iniciativa é extensível às escolas particulares e à comunidade em torno dos estabelecimentos de ensino, desde que haja doses disponíveis, e deve abranger, além da vacina contra a gripe, a atualização da caderneta de cada aluno e eventuais outras campanhas.

Se implementado, o programa substituirá as iniciativas apenas pontuais de vacinação escolar que vêm sendo realizadas pelo Brasil. O projeto original (PL 826/2019) previa que as escolas notificassem a unidade de saúde sobre alunos que não tivessem comparecido à campanha de vacinação, mas esse trecho foi vetado, pelo acordo fechado para a aprovação. Seria um monitoramento que facilitaria a busca ativa, por equipes de saúde, de crianças e adolescentes não vacinados.

Alguns estados, como São Paulo, determinam por lei a apresentação pelos responsáveis de caderneta de vacinação atualizada de crianças e adolescentes. Há projetos em tramitação para que a obrigatoriedade se torne nacional. A checagem da carteira de imunização pelas escolas é uma das estratégias recomendadas pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) para melhorar a cobertura vacinal.

A APLICAÇÃO DE VACINAS NAS ESCOLAS, SEMPRE COM O CONSENTIMENTO DOS RESPONSÁVEIS, CONSEGUE SUPRIR ATRASOS NA CADERNETA DE VACINAÇÃO DE ALUNOS E ADMINISTRAR

EVENTUAIS

DOSES DE REFORÇO COM VERSÕES MAIS ATUALIZADAS DAS VACINAS, CONFORME ELAS VÃO SENDO DESENVOLVIDAS E INCLUÍDAS

NO PNI

A mesma análise não detectou influência sobre essa decisão nem dos diferentes níveis de educação, nem da localização geográfica dos respondentes. Quando isoladas, outras religiões autodeclaradas (católicos, não denominacionais e outros) também não foram determinantes na chance ou não de permitir a vacinação escolar.

Essa observação da pesquisa parece ter detectado um movimento na mesma linha de reticência à escola como instituição manifestada por um setor do movimento evangélico e da agenda conservadora de costumes, que a percebe como um espaço de exposição de crianças e adolescentes a influências consideradas negativas, como a educação sexual e aquilo que essa parcela conservadora chama de ideologia de gênero.

Outro dado interessante encontrado foi que, ao dividir o grupo por faixa etária dos filhos, a chance de aceitar a vacinação nas escolas foi menor para responsáveis que apenas tivessem filhos de 5 anos ou menos, se comparados com pais que têm crianças mais velhas, independentemente da idade dos pais. Ou seja, o que influenciou na decisão sobre a vacina escolar foi a idade dos filhos, e não a geração dos pais. Pode-se especular que esses pais e mães mais recentes não tenham muita experiência ainda com o ambiente escolar, ou que tenham sido alvo de movimentos antivacina mais intensos durante a pandemia de Covid-19. É um terreno para novos estudos.

Um terceiro artigo que está em produção, derivado do mesmo questionário de opinião aplicado em 2023, é dedicado à influência da comunicação. Uma das perguntas foi se informações negativas sobre as vacinas – a respeito de preocupação com eventuais efeitos adversos, por exemplo – fariam a pessoa desistir de se vacinar, ou de vacinar as crianças sob sua responsabilidade. Os resultados, ainda inéditos, são muito claros em mostrar que a relutância em vacinar aumenta dependendo não só das informações que a pessoa recebe, mas também de como elas são mediadas, ou seja, de que maneira elas chegam. A hesitação vacinal cresce quando esse tipo de informação chega à pessoa via profissional de saúde, em comparação a quando chega por intermédio de outros atores sociais, como políticos e outros comunicadores.

De acordo com os resultados sobre os quais os pesquisadores estão trabalhando, pessoas jovens (entre 18 e 24 anos) estão ainda mais sujeitas a desistir da vacina quando ouvem preocupações vindas de profissionais de saúde. E a hesitação gerada por essas informações tem um efeito generalizado, em todas as faixas etárias: faz a pessoa tender a desistir de vacinar a si própria, e também desistir de vacinar seus dependentes.

O estudo sobre a aceitação da vacinação nas escolas, quando publicado, deve ser o primeiro a avaliar a confiança de responsáveis nesse tipo de campanha escolar, e os sobre a vacinação contra a dengue e sobre a comunicação lançarão mais luz sobre esses pontos ainda pouco estudados.

Pesquisas detalhadas como as resultantes desse questionário sobre hesitação vacinal, envolvendo pesquisadores de múltiplas áreas do conhecimento – como cientistas políticos, sociólogos, sanitaristas, psicólogos, médicos e economistas, entre outros –, são essenciais para compreender de forma mais granular as motivações que estão por trás da hesitação vacinal no país. As observações podem ajudar as autoridades públicas e a sociedade civil a buscar soluções de forma mais criativa e a balizar as estratégias de comunicação e a adotar políticas públicas mais adequadas que atendam a todos os aspectos que contribuem para a hesitação vacinal. O

Este artigo contou com a colaboração de Fernanda Ravagnani . Jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), atua também como redatora e tradutora, com experiência em divulga ção científica e jornalismo de saúde

NOTAS

1 A Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedade é formada por cientistas políticos, sociólogos, sanitaristas, psicólogos, médicos e economistas, entre outros, e foi criada em 2020 em meio à crise da Covid-19, com o objetivo de subsidiar a tomada de decisões na gestão pública. Os pesquisadores provêm de instituições como a Universidade de São Paulo, a Fiocruz, a Universidade Federal de Santa Catarina, a Universidade de Brasília e Universidade Federal de Alagoas, em contato com centros de excelência como a Universidade de Oxford (Reino Unido), a CONICET (Argentina), a Universidade de Harvard, a Universidade de Tulane e a Universidade Texas A&M (as três últimas nos Estados Unidos).

2 MacDonald NE, SAGE Working Group on Vaccine Hesitancy. Vaccine hesitancy: Definition, scope and determinants. Vaccine 2015;33:4161-4. https://doi. org/10.1016/j.vaccine.2015.04.036.

3 Mapping global trends in vaccine confidence and investigating barriers to vaccine uptake: a large-scale retrospective temporal modelling study. De Figueiredo, Alexandre et al. The Lancet, Volume 396, edição 10255, 898 – 908. Disponível em https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS01406736(20)31558-0/

4 Os autores do artigo Hesitação de responsáveis em vacinar seus filhos contra Covid-19, HPV, influenza e dengue, que está em fase de parecer para publicação, são: Lorena G. Barberia, Isabel Costa Rosa Seelaender, Rebeca de J. Carvalho, José Cassio de Moraes, Natália de Paula Moreira, Marcel de Toledo Vieira, Dara Aparecida Vilela Pinto e Tatiane C. Moraes de Sousa.

5 Arnedo-Pena A, Puig-Barberà J, Aznar-Orenga MA, et al. Varicella Vaccine Effectiveness during an Outbreak in a Partially Vaccinated Population in Spain. The Pediatric Infectious Disease Journal 2006; 25: 774-8; e Marathe A, Lewis B, Barrett C, et al. Comparing effectiveness of top-down and bottom-up strategies in containing influenza. PLoS One 2011; 6: e25149.

6 A análise do artigo usa o conceito de razão de chances, uma técnica que permite calcular a chance de proposições binárias, ou seja, a chance de algo acontecer em comparação à de algo não acontecer, isolando apenas uma variável.

7 Betsch C, Schmid P, Heinemeier D, Korn L, Holtmann C, Böhm R. Beyond confidence: Development of a measure assessing the 5C psychological antecedents of vaccination. PLoS One. 2018 Dec 7;13(12):e0208601. doi: 10.1371/journal.pone.0208601. PMID: 30532274; PMCID: PMC6285469.

8 Maior surto de meningite do país, na década de 1970, foi marcado pela desinformação. Portal Fiocruz. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/ noticia/maior-surto-de-meningite-do-pais-na-decada-de-1970-foi-marcadopela-desinformacao.

INFORMAÇÃO DE S

A ameaça do vírus da à saúde pública

A falta de confiança nas vacinas e no sistema de saúde, somada à disseminação de informações enganosas ou descontextualizadas, cria um ambiente de incerteza com enorme impacto nas campanhas de vacinação. Em um cenário de hiperconectividade, as plataformas digitais se tornaram um campo estratégico para o combate à desinformação e, ao mesmo tempo, para espalhar fake news e teorias da conspiração. Conheça os resultados de uma investigação sobre o papel que WhatsApp, TikTok, Twitter/X, Instagram, YouTube e Telegram desempenham na disseminação de informações falsas

A HISTÓRIA DA VACINAÇÃO NO BRASIL está profundamente enraizada no desenvolvimento de políticas públicas de saúde. Pioneiro no controle de doenças imunopreveníveis desde o século 19, o país teve sua primeira grande campanha vacinal durante um surto de varíola no início do século 20. A imposição da vacinação obrigatória gerou intensos protestos populares, culminando na Revolta da Vacina em 1904. O episódio, que resultou em 945 prisões, 110 feridos e 30 mortos, marca o início de um longo processo de construção de confiança pública nas vacinas. No decorrer das décadas seguintes, o Brasil desenvolveu o Programa Nacional de Imunizações (PNI), um dos mais robustos do mundo. Criado em 1973, o programa foi crucial para a eliminação e controle de diversas doenças, como a poliomielite e o sarampo. Com o apoio de campanhas públicas e a expansão da infraestrutura de saúde, coube ao PNI universalizar o acesso às vacinas, alcançando taxas de cobertura vacinal superiores a 90% durante várias décadas1. Além de garantir a vacinação de milhões de brasileiros, o PNI também desempenhou importante papel na cooperação internacional, ajudando outros países em desenvolvimento a estruturarem seus próprios programas de imunização

EM FOCO

NARRATIVAS SOBRE VACINAÇÃO NO AMBIENTE DIGITAL é uma pesquisa que olha para a interseção entre a hesitação vacinal e o papel das plataformas digitais na propagação de informações falsas. Com o apoio da Fundação José Luiz Setúbal, o Instituto Democracia em Xeque mapeou as principais narrativas sobre vacinas nas mídias sociais. Além de identificar estratégias para combater campanhas de desinformação, o objetivo do estudo foi localizar rumores de reações adversas com o propósito de restaurar a confiança nas vacinas.

No entanto, desde 2015 as taxas de cobertura vacinal, que historicamente ficavam acima de 80%, vêm registrando uma queda preocupante. O menor percentual de pessoas protegidas com vacinas em 20 anos foi registrado em 2021: 52,1%. Esse declínio pode ser atribuído a múltiplos fatores, incluindo uma crescente desconfiança na eficácia e segurança dos imunizantes. Embora a imunização tenha sido um fator-chave no arrefecimento da pandemia de Covid-19, cerca de três anos depois a hesitação vacinal, entendida como o atraso na aceitação ou recusa da vacinação, apesar da disponibilidade de serviços para tal emergiu como um fenômeno que ameaça os avanços conquistados no controle de doenças imunopreveníveis.

Confiança, complacência e conveniência

AREVISÃO BIBLIOGRÁFICA E A ANÁLISE NACIONAL feitas pelo ImunizaSUS em parceria com diferentes instituições identificaram diversas causas para a hesitação vacinal, que também se manifesta em outros países da América Latina. Fatores não associados à desconfiança em relação às vacinas contribuem para a discrepância nos dados de vacinação. Dentre eles, destacam-se a escassez de profissionais em horários e locais apropriados para que toda a população tenha condições de inserir a vacinação em seu cotidiano, questões de infraestrutura logística e de armazenamento necessários em diferentes regiões do país e incongruências trazidas por mudanças no sistema de registro paralelamente ao aumento das vacinas inseridas no calendário em um curto período de tempo. Esse cenário está alinhado ao modelo explicativo da Organização Mundial da Saúde (OMS) para elucidar os motivos que levam à hesitação vacinal. Trata-se dos “três Cs”: confiança (na eficácia da vacina e nas intenções de seus produtores e gestores em cada país); complacência (baixa percepção individual do risco de doenças imunopreveníveis e, consequentemente, do valor atribuído às vacinas); conveniência (facilidade para se vacinar quando o indivíduo deseja fazê-lo). A comunicação social pode atuar nessas três frentes no que tange aos fatores individuais, seja buscando aumentar a confiança nas vacinas e gestores, trazendo percepção de risco com relação à não vacinação, seja lidando com possíveis fatores socioculturais que podem fazer com que indivíduos não busquem a vacinação, e por fim informando cidadãos sobre modos mais fáceis de acessar as vacinas disponíveis. É relevante considerar todo o espectro da hesitação vacinal, ou seja, diferenciar a hesitação – pessoas que podem se vacinar e

OS AUTORES

o fariam em outros cenários, mas não se vacinam em um momento específico – de outros comportamentos, como recusa vacinal a priori, crença em teorias da conspiração sobre vacinas, inação por apatia com relação a vacinas ou, ainda, questionamentos feitos por pessoas que acreditam em vacinas em geral mas têm alguma dúvida ou insegurança sobre imunizantes específicos. Cada um desses comportamentos se refere a um tipo diferente de relacionamento e confiança no governo, na ciência ou nas universidades, de percepção de risco relacionado às doenças e à vacinação e também de acesso a informações e serviços de saúde.

A interação entre diferentes fatores deve ser considerada em países como o Brasil, marcado por grande desigualdade social. Por exemplo, altos índices de hesitação entre mulheres de baixa renda em regiões remotas podem ter causas completamente distintas daquelas identificadas entre homens de alta renda em grandes centros urbanos. De modo similar, há estados com mais de 90% da população vacinada com a primeira dose contra a Covid-19, como São Paulo e Piauí, e estados em que menos de 70% da população se vacinou, como Amapá e Roraima, com desigualdades regionais e diferenças consideráveis em termos de densidade populacional, acesso a profissionais de saúde e infraestrutura.

Um obstáculo à saúde pública

HISTORICAMENTE, A INTRODUÇÃO DE VACINAS tem sido acompanhada por resistências, frequentemente ligadas à desinformação e a teorias da conspiração que distorcem fatos científicos. No caso da vacina contra a Covid-19, esse fenômeno ganhou proporções alarmantes, exacerbado pelo que em 2020 a OMS nomeou de “infodemia”: a superabundância de informações – algumas precisas, outras não – que circulam nas redes sociais em época de pandemia. Tal sobrecarga de informações enganosas dificulta o acesso da população a fontes confiáveis. A pandemia de Covid-19 e a subsequente infodemia de informações falsas sobre vacinas trouxeram novos desafios para o PNI.

As informações falsas podem atuar contra cada um dos três Cs: minando a confiança na eficácia das vacinas e nas intenções de seus produtores e gestores; subestimando a doença ou superestimando possíveis efeitos colaterais a ponto de distorcer a percepção de risco dos cidadãos; ou ainda encaminhando pessoas ao erro ao veicular que vacinas não estejam disponíveis em regiões específicas ou que haja obstáculos (falsos) impedindo a vacinação. Portanto, embora a hesitação vacinal tenha causas multi-

ANA JULIA BONZANINI BERNARDI é diretora de Projetos do Instituto Democracia em Xeque. Doutora e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora visitante na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e na Escola de Ensino Superior da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (FipeEES). Autora do livro Fake news e as eleições de 2018: como combater a desinformação (Appris, 2020).

JOÃO GUILHERME BASTOS DOS SANTOS é diretor de Tecnologia e Estudos Temáticos e co-fundador do Instituto Democracia em Xeque. Pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), membro do Carnegie Endowment’s Partnership for Countering Influence Operations Researchers Guild (PCIO). Doutor em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com pós-doutorado no INCT.DD.

EMBORA A HESITAÇÃO VACINAL TENHA CAUSAS MULTIFATORIAIS, ELAS SÃO ALIMENTADAS POR CAMPANHAS DE DESINFORMAÇÃO , TORNANDO-SE UM DOS PRINCIPAIS OBSTÁCULOS PARA A SAÚDE PÚBLICA CONTEMPORÂNEA

fatoriais, elas são alimentadas por campanhas de desinformação, tornando-se um dos principais obstáculos para a saúde pública contemporânea.

Em março de 2020, a OMS declarou a Covid-19, causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), como uma pandemia devido à sua rápida disseminação entre os continentes e ao agravamento do quadro global de saúde. O primeiro surto foi registrado em Wuhan, na província de Hubei, China, e logo se espalhou pelo mundo, gerando uma emergência de saúde pública de alcance internacional. Esse cenário sem precedentes resultou em 503 milhões de casos confirmados e mais de 6 milhões de mortes. Em meio à crescente hesitação vacinal, especialmente em relação à vacina contra a Covid-19, as plataformas digitais se tornaram tanto um campo de batalha para o combate à desinformação quanto um canal para a disseminação de teorias da conspiração.

A ansiedade e o medo diante da imunização e as reações psicossomáticas decorrentes trouxeram o que a OMS classifica de Immunization Stress-Related Response (ISRR): respostas associadas não aos componentes da vacina, mas às emoções e gatilhos psicológicos vinculados à experiência de se vacinar. Trata-se de reações físicas e psicológicas reais, causadas pelo estresse em relação à vacinação. A circulação de vídeos no YouTube em que pessoas experimentam esse tipo de resposta cria ainda mais medo e ansiedade, aumentando as chances de que outros grupos tenham respostas induzidas pelo estresse. O desafio de explicar esse tipo de fenômeno em um momento em que crises de ansiedade são cada vez mais frequentes, e vídeos em plataformas de redes sociais online podem circular completamente fora de seu contexto original, faz com que o combate à hesitação precise considerar seriamente conteúdos que circulam em redes sociais no espaço virtual. Em um cenário de hiperconectividade, as plataformas digitais como Facebook, Twitter/X, Instagram, YouTube e Telegram tornaram-se canais ativos na disseminação de informações falsas e teorias conspiratórias, que minam a confiança pública nas vacinas.

Para além de casos de ISRR, há também a possibilidade de superdimensionar casos raros e reais. Apesar dos rigorosos testes e avaliações pelos quais as vacinas passam antes de ser disponibilizadas, as notícias falsas e distorcidas costumam omitir esses fatos, dando uma dimensão exagerada a possíveis eventos adversos raros. Segundo o Boletim Epidemiológico de 2022, os eventos adversos graves ocorrem em apenas 0,07% das doses aplicadas, um índice extremamente baixo se comparado ao benefício coletivo da imunização. No entanto, a narrativa a respeito desses raros casos é explorada com frequência para alimentar a desconfiança, especialmente entre grupos antivacina.

De acordo com o relatório do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), é fundamental que as campanhas de imunização sejam fortalecidas e que estratégias de comunicação sejam desenvolvidas para combater a hesitação vacinal. Para isso, a colaboração com profissionais de saúde é essencial. Esses profissionais desempenham um papel estratégico, tanto no fornecimento de orientações claras para a população como no combate a mitos e informações falsas. A falta de confiança nas vacinas e no sistema de saúde, somada à disseminação de informações enganosas ou descontextualizadas, cria um ambiente de incerteza que prejudica a adesão às campanhas de vacinação.

No rastro da desinformação

NARRATIVAS SOBRE VACINAÇÃO NO AMBIENTE DIGITAL é uma pesquisa que olha para a interseção entre a hesitação vacinal e o papel das plataformas digitais na propagação de informações falsas. Com o apoio da Fundação José Luiz Setúbal, o Instituto Democracia em Xeque, do qual somos diretores, mapeou as principais narrativas sobre vacinas nas mídias sociais.

Além de identificar estratégias para combater campanhas de desinformação, tínhamos também como objetivo localizar rumores de reações adversas com o propósito de restaurar a confiança nas vacinas. Acompanhamos as narrativas no YouTube, TikTok, Instagram, Twitter/X, WhatsApp e Telegram ao longo de 2023 para entender como diferentes plataformas influenciam a disseminação de informações sobre vacinação, especialmente no contexto de desinformação e hesitação vacinal.

Ao analisar o conteúdo de campanhas pró e antivacina, demos especial atenção ao papel das plataformas de redes sociais na amplificação dessas mensagens. Argumentamos que a viralização de informações na internet ocorre de forma integrada nas diferentes plataformas como um sistema complexo em que cada um desses ambientes virtuais adquire diferentes funções.

Nossa análise qualitativa mostra que as plataformas apresentam algumas similaridades importantes. O apelo emocional, tanto em mensagens pró-vacina como antivacina, desempenha um papel central no engajamento do público. Ainda, seja nos comentários ou nos conteúdos que circulam, informações falsas, teorias conspiratórias e narrativas antivacina (mais do que rumores aparentemente orgânicos) marcam o tipo de conteúdo problemático identificado.

A seguir, apresentamos os achados em cada uma das plataformas analisadas.

MÁQUINAS DE PROPAGAÇÃO ALTAMENTE CONTAGIOSAS:

NOSSA COLETA DE DADOS

Utilizamos instrumentos específicos de monitoramento em cada plataforma, abrangendo ferramentas abertas disponibilizadas pelo Digital Methods Initiative da Universidade de Amsterdã, intermediários como CrowdTangle e serviços de Social Listening como a Palver, além de APIs das plataformas.

Foram analisados 1.477 vídeos e 862 canais, com 9.570 resultados de busca coletados entre 24 de julho e 7 de agosto de 2023, utilizando o YouTube DataTools/DMI (Rieder, 2015)

Foram coletados 10.537 vídeos únicos entre 13 e 26 de setembro de 2023, via Zeeschuimer/DMI.

No Instagram, 78.739 postagens foram extraídas usando o CrowdTangle, abrangendo o período de 1o de janeiro a 15 de setembro de 2023

YOUTUBE

No YouTube, encontramos 862 canais diferentes, mas apenas 285 deles recebem featured channels (conexões indicadas pela API do próprio YouTube) ou inscrições de outros canais da amostra. Esses 285 canais possuem um total de 602 conexões com outros canais. Canais oficiais de saúde, como os do Ministério da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde, Fiocruz, e Hospital Israelita Albert Einstein, foram identificados na rede, mas com menos visibilidade em comparação com canais de notícias e entretenimento.

Apesar de a plataforma abrigar conteúdos educativos e científicos relacionados à vacinação infantil e ao calendário vacinal, os vídeos com maior visibilidade são frequentemente de canais de entretenimento ou notícias, e não de canais especializados em saúde. Isso demonstra que, nessa plataforma, visualizações e engajamento não estão necessariamente ligados à qualidade ou à precisão das informações, mas sim à popularidade dos criadores de conteúdo, seja em termos de quantidade de inscritos em seus canais, aparição em posições relevantes graças aos algoritmos de ranqueamento de busca ou recomendação de conteúdo, ou ainda distribuição de links diretos sem passar pelos recursos de gerenciamento de conteúdo da plataforma. Por exemplo, o canal de entretenimento Maria Clara & JP, que mostra crianças tomando vacina, possui 24.423.131.942 visualizações em 749 vídeos identificados e mais de 37 milhões de inscritos, enquanto canais como o do Ministério da Saúde (490 mil inscritos na época do estudo) ou Drauzio Varella (3,5 milhões) não chegam sequer perto disso. Mesmo canais informativos como CNN, presentes na amostra, possuíam pouco mais de 15 milhões de inscritos. Importante constar que devido à maior moderação de conteúdos, identificamos uma migração da desinformação para os comentários. Analisando especificamente os comentários dos vídeos relacionados à vacinação infantil em canais informativos como Metrópolis, CNN, Poder360 e TV Brasil, destaca-se especialmente que a popularidade de teorias da conspiração sobre a vacina, como alegações de que ela causa infartos ou convulsões, foi amplificada pelos comentários de usuários, o que reforça o impacto da desinformação na plataforma.

Para mensageria, no WhatsApp foram coletadas 56.052 mensagens sobre vacinação de 1o de janeiro a 4 de setembro de 2023, por meio do acesso à ferramenta de monitoramento de mensageria da empresa Palver

No Telegram, as 69.914 menções a vacinas foram extraídas de um total de 5,1 milhões de mensagens entre janeiro e julho de 2023

No Twitter/X, foram analisados 13.173 tweets coletados de 13 a 27 de agosto de 2023, utilizando a API do Twitter, em que se destacaram discussões tanto pró como antivacina

Os comentários mais perigosos encontrados no YouTube durante o estudo incluíram alegações de que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estaria aprovando “experimentos” vacinais, sugerindo que o Brasil seria um dos poucos países que ainda confiavam nas vacinas. Outros comentários afirmavam que infartos e convulsões eram resultados diretos das vacinas, com alguns indivíduos se identificando como médicos e alegando que não vacinaram seus familiares. Havia também referências a supostos eventos adversos em crianças, em particular meninas no Acre (estado relevante se considerarmos que foi lá que surgiu a Abravac, a Associação Brasileira de Vítimas de Vacinas e Medicamentos, além de um dos primeiros movimentos antivacina nos moldes atuais), sugerindo que esses casos foram ignorados pelas autoridades de saúde.

A seguir, os canais identificados como especializados.

Drauzio Varella

Tua Saúde

Cidade de São Paulo

Hospital Israelita Albert Einstein

PAHO TV Fiocruz

Canal Saúde Oficial

Secretaria da Saúde do Estado da Bahia

Saúde da Infância

Ministério da Saúde

TIKTOK

No TikTok, as hashtags desempenham um papel central na propagação de informações sobre a vacinação. A plataforma mostrou um alto volume de engajamento com hashtags como #vacina (2,5 bilhões de visualizações) e #vacinacovid (852,2 milhões), alcançando centenas de milhões de visualizações. Em menor proporção, mas ainda relevante considerando que os casos anteriores trazem toda a discussão sobre vacinas na pandemia, a #vacinaçaoinfantil obteve 279,4 mil visualizações. A plataforma se destaca, ainda, como ambiente em que o conteúdo é impulsionado por desafios – como chamadas para gravar vídeos realizando determinadas ações, histórias pessoais e vídeos curtos. Por essa razão, vídeos de pessoas tomando vacina ou narrando suas experiências com a vacina têm um grande apelo emocional e são amplamente compartilhados.

Ao executar uma clusterização hierárquica descendente nos textos das postagens identificadas juntamente a essas hashtags, identificamos oito classes de conteúdo sobre vacinação, cada uma com foco em um tópico específico. A classe “Vacinas/Crianças” abrange vídeos sobre vacinação infantil, enquanto “Vacina/ Tomar/Mês” foca nas vacinas contra a Covid-19, incluindo experiências pessoais de vacinação. A classe “Vacina/Obrigação” discute a obrigatoriedade da vacinação. Há também conteúdos ligados a “Bolsonaro/Polícia/Federal”, que abordam debates sobre o ex-presidente e a vacinação. Outras classes incluem “Caderneta/ Capa”, sobre registros de vacinação, e “Não/Coração/Mãe/Doer”, que explora experiências emocionais maternas com a vacinação infantil. “Amigo/Marcar/Medo” incentiva a vacinação entre amigos, e “Jacaré/Lacoste/Cuca” usa humor para satirizar teorias conspiratórias sobre vacinas.

A plataforma hospeda teorias conspiratórias e desinformação sobre a eficácia das vacinas, como vídeos afirmando que “Lula quer eliminar os pobres”, ou ainda algumas narrativas antivacina explorando medos relacionados à saúde infantil, mas boa parte do conteúdo com maior engajamento está relacionada a uma abordagem mais próxima ao entretenimento – filtros que transformam pessoas em jacarés, memes envolvendo vídeos de pessoas com medo de tomar vacina ou cartazes com piadas expostos no momento da vacinação.

INSTAGRAM

O Instagram, por sua vez, mostrou-se uma plataforma com grande volume de postagens relacionadas à vacinação, principalmente por perfis oficiais de prefeituras e secretarias da saúde, focados em incentivar a vacinação. Assim como TikTok, a plataforma se distingue pelo uso de imagens e vídeos curtos acompanhados de hashtags, que indexam à discussões específicas e ampliam o alcance do conteúdo, direcionando a outras diferentes discussões. Durante o período de coleta, houve um pico de postagens relacionado à investigação sobre o cartão vacinal do ex-presidente Jair Bolsonaro, o que mostra a sensibilidade da plataforma a eventos políticos e noticiosos.

Embora o Instagram tenha se revelado um ambiente mais favorável para a promoção de narrativas pró-vacina, o engajamento com desinformação também está presente, especialmente através de contas que compartilham teorias da conspiração e críticas ao governo. Entre perfis noticiosos, o desenvolvimento de diversas

vacinas, o fim da pandemia e o calendário de vacinação dividem espaço com notícias sobre suspeitas de fraude no cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em outros perfis, os grupos favoráveis à vacinação e sem pautas político-partidárias dividem espaço com grupos críticos à gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua ministra da saúde Nísia Trindade, bem como grupos com críticas contundentes à gestão da saúde durante o governo de Jair Bolsonaro, repercutindo também a polêmica relativa à suspeita de fraude em seu cartão de vacinação.

WHATSAPP E TELEGRAM

As plataformas de mensageria, como WhatsApp e Telegram, revelaram-se ambientes propícios a conteúdos mais explícitos e nitidamente falsos sobre vacinação e supostos efeitos adversos. No WhatsApp, as mensagens antivacina frequentemente utilizam apelos emocionais, como a apresentação de imagens de crianças sofrendo supostas reações adversas, para convencer os usuários a não vacinarem seus parentes mais novos. Entre as informações falsas com maior repercussão, podemos diferenciar as de âmbito internacional – teorias da conspiração centradas na ideia de que políticas de saúde estariam comprometidas com a redução populacional, seja seguindo interesses de uma suposta Nova Ordem Mundial ou da China – e outras mais centradas na ideia de efeitos adversos sem necessariamente focar em atores externos. Nesse segundo grupo, as informações falsas são validadas por menções e entrevistas com supostos especialistas da área médica como legitimadores de um discurso antivacinação. Há um forte apelo emocional contrário à vacinação infantil associado a imagens de crianças enfermas presumidamente sofrendo de reações à vacina contra a Covid-19; constante menção à trombose, miocardite e mortes supostamente frequentes e relacionadas à vacina contra a Covid-19, tanto em adultos como em crianças; e listas de pessoas famosas que teriam adoecido ou falecido em decorrência da vacinação contra a Covid-19.

No Telegram, as informações falsas parecem ser coordenadas. Circulam tanto através de canais e grupos específicos sobre vacinação, como em grupos e canais de cunho conspiratório e extremista, e até mesmo em canais com título de “receitas da vovó” (que podem ajudar a despistar políticas de moderação). Assim como no WhatsApp, há informações que ligam as vacinas a supostos casos recorrentes de doenças graves, como miocardite e trombose. Além disso, no Telegram observa-se uma reciclagem de conteúdos desinformativos – muitos dos vídeos apresentados nos últimos meses já circulavam na rede em 2021 – sobre presumidas reações adversas, que ressurgem durante campanhas de vacinação ou morte de figuras públicas – como foi no caso da morte de Agnaldo Timóteo – como se ocorressem em decorrência da vacina e não da Covid-19. De forma geral, esses grupos e canais exploram a temática de vacinação infantil utilizando argumentos de riscos à saúde e desenvolvimento de sequelas gravíssimas, até mesmo a ideia de um genocídio infantil caso não se evite a vacinação de crianças. Há ainda a ideia de que as vacinas alterariam o DNA das pessoas, trazendo supostos problemas genéticos e transtornos comportamentais, como por exemplo o transtorno do espectro autista, que para esses grupos estaria relacionado a vacinas MMR (tríplice viral), à vacina do sarampo e ao mercúrio presumidamente presente nas vacinas.

AS LIÇÕES APRENDIDAS: A CAIXA DE FERRAMENTAS SUGERIDA PELA OMS PARA O COMBATE À DESINFORMAÇÃO

“Não estamos combatendo apenas uma epidemia, estamos combatendo uma ‘infodemia’”, notou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS). “As fake news se disseminam mais rápida e facilmente que este vírus e são igualmente perigosas”, emendou. Era ainda 15 de fevereiro de 2020, antes portanto de a Covid-19 ser caracterizada como pandemia. Definida como um excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando se necessita, a palavra infodemia se refere a um grande aumento no volume de informações associadas a um assunto específico, que podem se multiplicar exponencialmente em pouco tempo devido a um evento pontual, quando surgem rumores e desinformação, além da manipulação de informações com intenção duvidosa. Embora o fenômeno não seja novo, foi a pandemia da Covid-19 que deixou claro o quanto a desinformação pode ser generalizada e corrosiva, prejudicando e colocando em risco a saúde e o bemestar individual e coletivo.

Seu combate exige uma coalizão de partes interessadas para traçar estratégias sobre a melhor forma de enfrentar essa crise e garantir que as informações de saúde sejam confiáveis, baseadas em fatos e cientificamente fundamentadas. Por isso, é necessário garantir que as plataformas de mídia social, governos e sociedade civil adotem um esforço regulatório conjunto em que cada setor desempenhe um papel único e complementar. Governos definem políticas e promovem a educação em saúde, a indústria ajusta algoritmos e práticas de transparência e a sociedade civil participa ativamente da correção de informações e na promoção de debates saudáveis.

Aos governos cabe:

• Facilitar o diálogo entre os setores público e privado para desenvolver políticas conjuntas contra a desinformação.

• Criar normas que exijam transparência nas plataformas e definir padrões de moderação de conteúdo.

• Lançar campanhas de educação em saúde digital para capacitar a população a identificar fontes confiáveis.

Por fim, há diversas sugestões para “desintoxicar” pessoas já vacinadas, ou a seus filhos, com uso de ivermectina, assim como se indica o uso de outros medicamentos e substâncias como zeólita, chá de funcho, vitamina C, vitamina D e suramina – inclusive com links para compra no Mercado Livre.

TWITTER/X

Por fim, no Twitter/X as mensagens mais compartilhadas podem ser facilmente divididas em dois campos distintos: um pró-vacina, que promovia a vacinação, e o antivacina, que disseminava desinformação sobre os riscos das vacinas. Enquanto o campo pró-vacina se concentrou na promoção de campanhas e na normalização da vacinação, o campo antivacina explorou alegações falsas, como a de que as vacinas frequentemente levam a quadros graves de saúde ou até mesmo à morte. A consideração das dez mensagens com maior número de compartilhamentos no período mostra essa divisão acirrada: • Seis das mensagens mais compartilhadas no período analisado foram produzidas e/ou engajadas pelo segmento envolvido no incentivo à vacinação: uma do presidente Lula, uma da primeira-

Ao setor privado, em especial às plataformas:

• Ajustar algoritmos para promover informações confiáveis e reduzir o alcance de conteúdos prejudiciais.

• Implementar mecanismos que permitam ao usuário verificar a origem e autenticidade das informações.

• Colaborar com autoridades de saúde para traduzir dados complexos em formatos acessíveis ao público.

À sociedade civil:

• Trabalhar com plataformas para garantir que informações falsas não sejam impulsionadas, além de ajudar a desmonetizar páginas e perfis que disseminam desinformação.

• Corrigir registros incorretos, notificar usuários expostos a informações falsas e promover explicações alternativas baseadas em fatos.

• Criar bots informativos para responder automaticamente a dúvidas com base em dados verificados, como foi feito com o chatbot da OMS durante a Covid-19.

Texto adaptado de Toolkit for tackling misinformation on noncommunicable disease: forum for tackling misinformation on health and NCDs. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe, 2022.

-dama Janja Lula, uma da mídia Choquei, uma de um petista “comum”, uma de uma profissional da saúde e outra do Ministério da Saúde. O discurso positivo, de união nacional e sobre a importância de se vacinar como hábito desde a infância muitas vezes vem associado à divulgação do início da campanha de atualização de vacinação de crianças e adolescentes com menos de 15 anos. Vale notar que figuras públicas, como a apresentadora Xuxa, também desempenharam um papel relevante: em uma campanha governamental, a artista participou de vídeos incentivando a vacinação infantil, gerando grande repercussão positiva.

• Por outro lado, quatro das mensagens mais compartilhadas foram produzidas e/ou engajadas pelo campo oposto à vacinação contra a Covid-19: duas por um médico infectologista alinhado aos grupos antivacina, uma por um militar apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro e duas por franceses também alinhados aos discursos antivacina. Entre os 20 principais perfis do segmento antivacina, foi possível identificar um ecossistema que conta com a maioria de perfis na chamada “extrema-direita” e que se articulam ocasionalmente com os bolsonaristas. O perfil mais relevante

PLATAFORMAS PERMITEM A CIRCULAÇÃO DE TEORIAS QUE LIGAM VACINAS AO AUTISMO E

APROVEITAM TRAGÉDIAS PARA SEMEAR DESCONFIANÇA E MEDO

SOBRE A SEGURANÇA DAS VACINAS. ISSO CRIA UM TERRENO FÉRTIL PARA A HESITAÇÃO VACINAL

e compartilhado no segmento antivacina brasileiro durante o período analisado na plataforma é @Dr_Francisco_, perfil é atribuído a Francisco Eduardo Cardoso Alves, médico infectologista cujo registro no Conselho Federal de Medicina (CRM) consta como ativo em São Paulo.

AExiste vacina para a desinformação?

S PLATAFORMAS VIRTUAIS, E APLICAÇÕES como YouTube, TikTok, Instagram, Twitter/X, WhatsApp e Telegram, são arenas-chave para a disseminação de campanhas pró-vacina e, ao mesmo tempo, de informações falsas que dão sustentação a grupos antivacina. Nos conteúdos pró-vacina, vemos um foco no incentivo à imunização, com hashtags populares como #vacinasalvamvidas e perfis institucionais promovendo a vacinação infantil e contra a Covid-19, além de perfis oficiais, como o do presidente Lula e a da primeira-dama Janja, que reforçaram a importância da vacinação, principalmente de crianças e adolescentes. Essa mobilização ajudou a promover um discurso de união nacional em torno da vacinação, especialmente no contexto da Covid-19. Da mesma forma, histórias pessoais e apelos emocionais também desempenham um papel importante nessas campanhas, buscando destacar a importância da vacinação como uma prática de proteção coletiva. Por outro lado, as narrativas antivacina exploram teorias conspiratórias e informações falsas, além de superestimar hipotéticos efeitos adversos e subestimar a eficácia das vacinas, muitas vezes com apelos emocionais e sensacionalistas para que pais “protejam seus filhos”. Teorias sobre a suposta censura à divulgação de casos fatais e supostos efeitos adversos frequentes, como trombose e miocardite, são amplamente disseminadas. Isso pode ser notado em especial em plataformas mais opacas como Telegram e WhatsApp, com indícios de coordenação. Essas plataformas permitem a circulação de teorias que ligam vacinas a doenças e condições como o autismo e aproveitam tragédias, como a morte de figuras públicas, para semear desconfiança e medo em relação à segurança das vacinas. Tudo isso cria um terreno fértil para a hesitação vacinal. Como recomendações decorrentes do acompanhamento das plataformas digitais, indicamos ações concretas para enfrentar a desinformação sobre vacinas. Em primeiro lugar, propomos a investigação triangular, combinando dados de monitoramento com pesquisas qualitativas e quantitativas para mapear a hesitação vacinal. A criação de campanhas positivas e narrativas pró-vacina, com base em evidências, deve ser testada em públicos específicos para garantir seu impacto. Sugerimos ainda a articulação de canais e perfis pró-vacina, promovendo um compartilhamento coordenado de briefings e mensagens. O advocacy com plataformas digitais é

essencial para negociar memorandos de cooperação que assegurem a moderação de conteúdos prejudiciais à saúde pública. Além disso, é importante consolidar o espaço da vacinação na mídia tradicional, com assessoria de imprensa que envolva programas de alta audiência e jornalistas especializados, fortalecendo as campanhas pró-vacina nos canais que concentram audiências mais hesitantes. Por fim, indicamos ações de formação em educação midiática, a fim de capacitar diferentes públicos para o reconhecimento da desinformação e apoiar as políticas de imunização. O

REFERÊNCIAS

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CONASEMS - Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Pesquisa nacional sobre cobertura vacinal, seus múltiplos determinantes e as ações de imunização nos territórios municipais brasileiros. v. 1. 2023. Disponível em: https:// conasems-ava-prod.s3.sa-east-1.amazonaws.com/institucional/publicacoes/publica cao-imunizasus-230123-3-1674844436.pdf. Acesso em: 23 abr. 2023.

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ZAROCOSTAS, J. How to fight an infodemic. The Lancet , London, v. 395, n. 10225, p. 676, 2020. DOI: 10.1016/S0140-6736(20)30461-X Acesso em 21 nov.2024.

COLABORAÇÃO EM REDE

para segurança individual e coletiva

Criado em 2021 para apoiar o Programa Nacional de Imunizações na recuperação das coberturas vacinais do país, o Projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais,1 do Bio-Manguinhos/Fiocruz, mobilizou experiências de diversos atores, incluindo o Ministério da Saúde, conselhos de saúde, instituições de ciência e tecnologia, universidades, organizações do terceiro setor e movimentos sociais. Contando com uma estratégia de promoção do engajamento social em prol da vacinação, o projeto contribuiu para que Amapá e Paraíba, os estados atendidos, fossem os primeiros colocados no ranking de cobertura vacinal das campanhas nacionais contra a poliomielite e influenza em 2022 e 2023

Por Akira Homma, Maria de Lourdes de Sousa Maia, Isabel Azevedo e Isabella Lira

MUITO ALÉM DO DEBATE SOBRE DIREITOS E DEVERES da sociedade e do Estado, estudos científicos comprovam que a vacinação é uma das principais estratégias de saúde pública para a prevenção de doenças e o enfrentamento de epidemias, surtos e pandemias. Quanto mais aumenta a cobertura vacinal contra determinada doença, mais vertiginosa a queda de sua incidência, podendo chegar à eliminação. A contenção da pandemia da Covid-19, partindo da redução dos casos de óbito, passando pela crescente adesão da população à estratégia e gradualmente permitindo o retorno à normalidade do convívio social, foi uma prova do impacto da vacinação para a sociedade.

A missão do Instituto Bio-Manguinhos como unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) é desenvolver e produzir vacinas, biofármacos e reativos para diagnóstico laboratorial necessários aos programas de saúde do país. Mas o instituto resolveu “arregaçar as mangas” e dar sua contribuição para o aumento da vacinação no país. Como o binômio Vacinas&Vacinações (V&V) precisa avançar em conjunto, o Bio-Manguinhos propôs o Projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais (PRCV) como uma estratégia de promoção do engajamento social em relação à da vacinação. Desde sua criação, o instituto vem tendo uma trajetória de evolução e crescimento movida a grandes desafios de saúde pública. O PRCV veio enriquecer essa trajetória, com suas ações e resultados em prol da vacinação no Brasil.

EM FOCO

O PROJETO PELA RECONQUISTA DAS ALTAS COBERTURAS VACINAIS (PRCV), desenvolvido pelo Instituto Bio-Manguinhos/Fiocruz em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e o Ministério da Saúde, e apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), teve como objetivo criar uma ampla rede de colaboração para enfrentamento das baixas taxas de cobertura vacinal envolvendo toda a sociedade do estado do Amapá e de 25 municípios da Paraíba. O projeto foi desenvolvido entre agosto de 2021 a dezembro de 2023.

O PRCV foi criado em 2021 para apoiar o Programa Nacional de Imunizações (PNI) na recuperação das coberturas vacinais do país, em crescente queda desde 2013. Organizado em três eixos –Vacinação, Sistemas de Informação e Comunicação e Educação –, o projeto atuou em uma escala piloto para a identificação das causas das baixas coberturas vacinais e para a construção de soluções efetivas a partir de diferentes realidades territoriais. Teve como diretrizes o engajamento social e a atuação na ponta do Sistema Único de Saúde (SUS) por meio de uma metodologia participativa, construtiva e emancipatória.

O foco de atuação do programa deu-se em todo o estado do Amapá, que em 2020 apresentou a mais baixa cobertura vacinal do país, e na 1ª Gerência Regional de Saúde da Paraíba, também com baixo desempenho na época. No total, 41 municípios foram contemplados: 16 do Amapá e 25 da Paraíba (incluindo a capital João Pessoa). O PRCV enfrentou desafios únicos, desde a logística na região amazônica até a mobilização comunitária nas favelas da Paraíba. No entanto, com uma metodologia adaptada às realidades locais, conseguiu superar barreiras e alcançar resultados significativos. O trabalho contribuiu para que ambos os estados fossem os primeiros colocados no ranking de cobertura vacinal das campanhas nacionais de vacinação contra poliomielite e influenza em 2022 e 2023. Com o uso estratégico da comunicação e a articulação de diferentes atores envolvidos nas ações de imunização do país, construiu-se uma ampla rede solidária constituída por instituições, organizações e movimentos sociais, associações comunitárias e

OS AUTORES

AKIRA HOMMA é médico veterinário, DSci, especializado em Virologia (BCM/EUA). Foi presidente e vice-presidente da Fiocruz, presidente do IBMP, diretor do Bio-Manguinhos, presidente do DCVMN, pesquisador emérito da Fiocruz. É assessor científico sênior do Bio-Manguinhos e vice-presidente da Abifina. Recebeu mais de 20 prêmios e títulos e publicou 70 artigos. Coordenou o PRCV (2021-2023).

MARIA DE LOURDES DE SOUSA MAIA é médica, infectologista, mestra em Pesquisa Clínica, especialista em Saúde Pública, Planejamento em Saúde e em Desenvolvimento de Recursos Humanos. Coordenou o PNI (1995-2005) e o PRCV (2021-2023). É chefe do Departamento de Assuntos Médicos, Estudos Clínicos e Vigilância Pós-Registro do Bio-Manguinhos/Fiocruz.

ISABELLA LIRA é mestra em Ciência Ambiental (UFF), trabalhou 24 anos no Bio-Manguinhos/Fiocruz em diferentes posições de gestão, incluindo chefias de gabinete e RH. Tem experiência em Comunicação para projetos socioambientais e advocacy na defesa dos direitos humanos. Apoiou a gestão e foi responsável pela articulação institucional do PRCV.

ISABEL AZEVEDO é mestra em Letras (UFRJ), atua em projetos de educomunicação e popularização da ciência com ênfase na organização de redes de engajamento social. Possui mais de 30 anos de experiência em projetos de extensão universitária, comunicação comunitária e divulgação científica. Foi Líder do Eixo de Comunicação e Educação do PRCV.

poder público. O projeto também contemplou o desenvolvimento de ações estruturantes para formar novas lideranças e conectar diferentes públicos por meio de canais permanentes de produção e troca de conteúdos com linguagem acessível, tendo como base as experiências da popularização da ciência e as realidades locais. Entre as várias iniciativas bem-sucedidas implementadas no âmbito do eixo de Comunicação e Educação ao longo de dois anos, discutiremos aqui as experiências dos Jovens Comunicadores e da Exposição Vacina! como potentes instrumentos da comunicação estratégica para o engajamento social com foco no aumento das coberturas vacinais.

SMuito além da pandemia...

EGUNDO A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS), o binômio V&V tem salvado anualmente 3 milhões de vidas, demonstrando ser um instrumento fundamental para o enfrentamento das doenças imunopreveníveis. Vários estudos evidenciaram que o V&V é de altíssimo custo-benefício, resultando em diminuição de mortes e sequelas de doenças e sofrimento das famílias. Além disso, a vacinação melhora a qualidade de vida da população, evitando dispêndios desnecessários no tratamento das doenças, além de possibilitar uma enorme economia na assistência médica dos países.

Foi pelo V&V que o mundo erradicou a varíola, eliminou viroses como a poliomielite, o sarampo e a rubéola e controlou a recente pandemia da Covid-19. Sem dúvida, contribuiu de forma substantiva para o aumento da expectativa de vida da população. No Brasil, de 45 anos na década de 1970, passamos para 75 anos hoje, um aumento de 30 anos de vida!

Apesar de todas as conquistas alcançadas e em função do consequente desaparecimento dessas doenças, a cobertura vacinal tem registrado uma queda brutal no mundo, o que em 2019 levou a OMS a eleger a hesitação vacinal como um dos dez mais importantes problemas de saúde pública global. Em particular no Brasil, a partir de 2015 as coberturas vacinais começam a cair, mesmo com as campanhas anuais de vacinação multivalente organizadas pelo governo federal e iniciativas como o Movimento Nacional pela Vacinação, lançado em 2023.

Todas as ações para promover a vacinação, incluindo a recém-implementada metodologia do microplanejamento pelo PNI, são muito importantes e o incremento da cobertura vacinal deverá aparecer a médio e longo prazos. Por ora, o monitoramento, mais aprimorado, detectou uma cobertura vacinal maior na maioria dos estados brasileiros, embora muitos ainda precisem melhorar.

As baixas coberturas vacinais são potencialmente perigosas porque abrem espaço para a volta das doenças já eliminadas ou controladas pela vacinação, como têm alertado inúmeros artigos e reuniões científicas. Em face da enorme mobilidade das populações, enquanto houver uma determinada doença no mundo seu agente infeccioso pode atingir regiões remotas se espalhar cada vez mais. Um exemplo é o caso da poliomielite, com dois países apresentando casos da doença por vírus selvagem – Afeganistão e Paquistão – e outros 6-8 países com casos originados a partir do vírus derivado de vacina de vírus vivos atenuados. Alguns países já tiveram casos de vírus importados e foram obrigados a realizar

campanhas de vacinação para evitar a expansão do vírus. Apesar desses alertas, a baixa cobertura vacinal se agravou ainda mais com a pandemia da Covid-19.

Em um cenário em que a hesitação vacinal e a desinformação ameaçam a saúde pública, o Brasil tem se destacado com iniciativas inovadoras para recuperar suas coberturas vacinais, entre as quais o PRCV. Exemplo dessa luta, o projeto traz uma estratégia diferenciada de atuação na ponta do SUS e de estabelecimento de uma ampla rede de solidariedade interinstitucional pela vacinação no país.

O resgate dos princípios de construção do SUS

OPRCV RECUPEROU ELEMENTOS NORTEADORES dos primórdios da criação do SUS que remetem à descentralização e à participação social. Nesse sentido, além de promover o fortalecimento do pacto federativo, no qual os níveis federal, estadual e municipal devem assumir cada um as próprias responsabilidades, o PRCV conta com a participação da sociedade para lhe conferir maior legitimidade, desde a formulação de políticas públicas de saúde, passando por sua execução, independentemente da esfera, e, em especial, pelo controle social, inclusive organizando conferências de saúde periódicas. Em 2021, as relações entre os diferentes níveis de governo, mesmo com os conselhos de controle social, encontravam-se fragilizadas em função da conjuntura política negacionista imposta pelo governo federal, que fragilizava o pacto federativo. Toda a atuação do projeto contou com a participação dos três níveis federativos: começando pela Secretaria de Atenção Primária em Saúde (Saps) e a Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA), do Ministério da Saúde, passando pelas secretarias estaduais e municipais de saúde e chegando até a ponta junto aos coordenadores municipais de imunizações e atenção primária e seus vacinadores.

Imunizações (SBIm) e o apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). O projeto também foi discutido com o Conselho Nacional da Saúde, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), passando pelas Comissões Intergestores Bipartite e Regional (CIB e CIR).

Articulação para uma ampla rede de colaboração

AMETODOLOGIA APLICADA BASEIA-SE NA PESQUISA-AÇÃO, com triangulação de dados e experiências de diversos atores, incluindo o Ministério da Saúde, conselhos de saúde, instituições de ciência e tecnologia, universidades, organizações do terceiro setor e movimentos sociais. A abordagem utilizada foi integradora, partindo de diagnósticos situacionais rápidos e participativos envolvendo os profissionais de saúde locais. Além de dados secundários, houve a busca de informações existentes, aplicação de formulários online, realização de entrevistas e oficinas e acompanhamento de ações locais para resolução de problemas.

Além da forte articulação de diferentes atores inter e intra níveis federativos, que incluiu mediação junto às áreas de vigilância e atenção primária, o projeto também formou parcerias com diversas

AS

BAIXAS COBERTURAS VACINAIS SÃO POTENCIALMENTE PERIGOSAS

PORQUE ABREM ESPAÇO PARA A VOLTA DAS

DOENÇAS JÁ ELIMINADAS OU CONTROLADAS PELA VACINAÇÃO , COMO TÊM ALERTADO INÚMEROS ARTIGOS

E REUNIÕES CIENTÍFICAS

instituições, que passaram a entender e apoiar as ações de imunizações de seus estados e municípios colaborando para seu sucesso.

Durante o processo, desenhou-se um passo a passo replicável, porém sem a pretensão de que seria exatamente da mesma maneira em quaisquer contextos, já que não há métodos universais sempre eficazes para problemas cuja complexidade inclui fatores locorregionais que precisam ser considerados. Ainda assim, o desenho não deixou de apontar para aprendizados que possam ampliar a capacidade de avanço em situações diversas, especialmente quando se pretende reconhecer, respeitar e estimular o protagonismo das pessoas que atuam na ponta do sistema.

A metodologia baseada na construção conjunta com os atores locais para cada atividade exigiu uma flexibilidade no planejamento e na execução do plano de ação, e conferiu aderência, legitimidade e apropriação das ações realizadas nas rotinas de imunizações por parte dos profissionais de saúde e de parcelas da população dos 41 municípios.

O PRCV foi discutido e aprovado pela então presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, e pelo secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Arnaldo Correa de Medeiros. Além disso, contou com a participação do PNI e da Sociedade Brasileira de

O método operado pelo PRCV foi consolidado em oito passos (ver quadro nas p. 32-33).

A sustentabilidade das ações após o término do PRCV foi uma preocupação ao longo de todo o processo. Por esta razão, os Planos Municipais Pela Reconquista das Altas Coberturas foram aprovados nas instâncias formais do SUS, bem como foram estabelecidas parcerias com instituições locais que pudessem garantir sua continuidade. Também buscou-se reforçar as políticas públicas e o pacto federativo pela vacinação, com responsabilidades dos entes federal, estadual e municipal.

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PASSOS PARA A RECONQUISTA DAS ALTAS COBERTURAS VACINAIS

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DIAGNÓSTICO SITUACIONAL:

CONHECER OS ESTUDOS E AS INFORMAÇÕES

SOBRE O TERRITÓRIO

O diagnóstico situacional apontou diversas causas das baixas coberturas, mas para efeito deste artigo enfatizamos os aspectos relacionados às questões de comunicação e mobilização social, como a falta de informação sobre V&V, desinformação, a circulação de fake news nas redes sociais e de informações com forte viés negacionista contra os avanços científicos e tecnológicos e a eficácia das vacinas e das vacinações.

CRIAÇÃO DE PLANOS MUNICIPAIS PELA

RECONQUISTA DAS ALTAS COBERTURAS

VACINAIS (PMRCV)

Ao longo dos dois passos anteriores, identificou-se que os respectivos Planos Municipais de Saúde não contemplavam atividades de V&V, o que levou à proposta da elaboração dos PMRCV, com o protagonismo dos coordenadores estaduais e municipais de imunizações e atenção primária, bem como vacinadores. O propósito era anexá-los aos Planos Municipais de Saúde. A articulação ocorrida durante a mobilização viabilizou o envolvimento das universidades federais como mediadores no processo junto à equipe do PRCV, portanto uma ação efetiva de engajamento do ensino superior nas atividades de imunizações.

Os planos concluídos foram validados pelos secretários municipais de Saúde, apreciados e homologados pelas respectivas Comissões Intergestores Regionais (CIR) e Bipartite (CIB). Assim, passaram a ser documentos formais do SUS nos níveis municipal, regional e estadual, em que estão registradas as atividades e ações a realizar, com metas e prazos, monitoradas por meio de uma ferramenta informatizada desenvolvida especialmente para isso (Sistema de Monitoramento do PRCV), desta forma orientando as autoridades e profissionais envolvidos nesses territórios.

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IMPLANTAÇÃO DAS REDES DE APOIO AOS PMRCV

Como parte da estratégia de comunicação e mobilização, foram implantadas ao todo 11 redes de apoio – 5 no Amapá e 6 na Paraíba – estruturadas em microrregiões que reuniam municípios vizinhos com critério de deslocamento de no máximo duas horas entre eles. Essas redes revelaram-se como uma importante ferramenta de engajamento social dos participantes em relação à vacinação, considerando a mobilização social decorrente junto aos respectivos públicos de abrangência.

MOBILIZAÇÃO

Após o diagnóstico, o passo seguinte foi a mobilização social, apresentando o PRCV com uma estratégia diferenciada. Nela, buscou-se a participação dos verdadeiros protagonistas (os vacinadores e todos os envolvidos na V&V) nas discussões junto à sociedade civil, quando eram apresentados dados e informações sobre a importância da vacinação, sobre a qualidade dos imunizantes e os benefícios que a vacinação propicia. Inúmeras reuniões foram realizadas nas comunidades, com poder público, entidades organizadas públicas e privadas identificadas como importantes interlocutores da sociedade local, com participação da universidade federal de cada estado, Pastoral da Criança (Igreja Católica), Central Única das Favelas (CUFA), lideranças das comunidades, Procuradoria Federal, entidades religiosas, Rotary Club, Lions e outras organizações.

CAPACITAÇÃO PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE

A partir do mapeamento das fragilidades de conhecimento, foram organizadas diversas capacitações em programas de imunizações, calendários vacinais e sistemas de informação para qualificação de dados de imunização e vigilância para as equipes de saúde locais, visando principalmente a formação de multiplicadores. A alta rotatividade dos profissionais de saúde torna as capacitações periódicas essenciais e necessárias.

Destaca-se também o trabalho direcionado para o público da educação, com a realização das Oficinas Saúde e Educação, que promoveram um melhor entrosamento entre as lideranças de saúde e da educação e o desenvolvimento de competências para se alavancar o Programa Saúde na Escola (PSE).

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AÇÕES ESTRUTURANTES PARA A CRIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA IMUNIZAÇÕES

A primeira grande rede de colaboração do PRCV se consolidou dentro da própria Fiocruz com a criação da Rede Fiocruz Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, a qual permitiu o envolvimento de todas as unidades da fundação em iniciativas pela vacinação.

Houve ainda a inserção do tema da Reconquista das Altas Coberturas Vacinais na 17ª Conferência Nacional de Saúde. Dentre as ações promovidas pela Rede Fiocruz-PRCV, destaca-se a realização, no dia 5 de maio de 2023, da Conferência Livre Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, da qual participaram remotamente centenas de pessoas, que deliberaram por diretrizes e metas que foram incorporadas como propostas no documento debatido na conferência, bem como elegeram três delegados.

Outro ponto de destaque foi a participação das universidades em ações do projeto, a exemplo do Projeto Teatro Maiuhi, com a Unifap, e o Jovens Repórteres e a mobilização dos indígenas potiguaras com a UFPB. Além disso, ambas universidades criaram ações acadêmicas como edital e programa de extensão relacionados às imunizações.

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AÇÕES DE COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO

A partir das informações coletadas durante os primeiros três passos foi possível detalhar o plano de ação de comunicação e educação com foco na mobilização e engajamento social pela vacinação. A identificação dos diferentes públicos permitiu o planejamento de ações de comunicação dirigida com potencial de alcance de suas respectivas redes de relacionamento, de forma a manter canais de produção e troca de conteúdo sobre promoção da saúde, com ênfase nas vacinas e vacinação, por meio de linguagem acessível e baseadas em experiências da popularização da ciência. A proposta foi enfrentar o fenômeno da desinformação com a informação de qualidade transmitida por atores sociais que inspiram confiança nos territórios dos quais fazem parte.

Juntamente com as instâncias formais de participação social do SUS por meio dos conselhos de saúde, o projeto propôs outras redes de articulação em prol da garantia da participação social. Propôs ainda interações entre os atores sociais das redes constituídas com instituições que já promoviam o acesso à comunicação e informação confiável sobre vacinas e vacinações. Além disso, estimulou o engajamento na produção de conteúdos relacionados ao tema de quem já atuava com a promoção da saúde localmente.

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MONITORAMENTO E SUSTENTABILIDADE

O monitoramento das atividades e ações preconizadas nos PMRCV foi realizado de forma permanente num espaço virtual e com visitas técnicas periódicas. Durante as campanhas de vacinação contra poliomielite e influenza, os assessores locais do PRCV realizaram monitoramento diário dos municípios junto às coordenações municipais de imunizações para fazer feedback e, quando necessário, orientar a intensificação das ações de vacinação.

Comunicação estratégica e Engajamento social

OSUCESSO DO PRCV SE DEVE MUITO AO PAPEL do eixo Comunicação e Educação. Utilizando canais acessíveis e linguagem clara, o projeto conseguiu disseminar informações corretas e combater a desinformação. Iniciativas como os Jovens Comunicadores e a Exposição Vacina! comprovam como a comunicação é uma poderosa estratégia para a promoção da saúde, capaz de estimular engajamento e controle social.

Através de uma rede solidária interinstitucional, o PRCV promoveu uma participação ativa da comunidade. Essa abordagem não só aumentou a adesão às campanhas de vacinação, mas também fortaleceu o senso de responsabilidade coletiva. Em todas as situações em que houve oportunidade de informar sobre a importância da prevenção das doenças pela vacinação e seus benefícios, sobre garantia de proteção da comunidade pelas altas coberturas vacinais, incluindo esclarecimentos sobre as reações adversas, a resposta por parte da população em busca da vacinação foi muito positiva, demonstrando haver uma carência de informação e comunicação.

No Amapá, o projeto Jovens Comunicadores implementou a ação do Teatro Maiuhi envolvendo jovens de quatro povos indígenas, enquanto na Paraíba jovens repórteres de nove favelas ajudaram a disseminar informações sobre vacinação.

Jovens Comunicadores

AFORMAÇÃO DE EQUIPES DE JOVENS comunicadores aconteceu com os projetos Jovens Repórteres e Jovens Indígenas, centrados em comunidades vulneráveis dos dois estados de abrangência do PRCV. Seja em favelas de João Pessoa (PB) ou em oficinas de Teatro do Oprimido para jovens indígenas do Amapá, a formação foi pensada como um dos pilares para a disseminação da estratégia de comunicação em saúde/imunizações com participação popular para vencer os desafios e contribuir para a reversão da hesitação vacinal e aumento da cobertura de todas as vacinas.

Os Jovens Repórteres da Paraíba constituíram uma das linhas de atuação, em parceria com o Canal Saúde/Fiocruz e a Central Única das Favelas (CUFA) da Paraíba. Foram selecionados 29 jovens de João Pessoa, que residem em nove comunidades economicamente carentes de maior população e menos acesso à informação, áreas que foram definidas em parceria com um gestor municipal. A CUFA/PB participou desde o início da construção da proposta, indicando uma liderança de cada comunidade para atuar no processo de mobilização, divulgação e seleção dos jovens, além de acompanhar nos territórios, como facilitadores, o trabalho de suas equipes. Cada favela teve a sua equipe de jovens repórteres –de três a cinco participantes.

Os jovens passaram por uma formação sobre temas específicos de imunização (envolvendo a Secretaria Municipal de Saúde e a Universidade Federal da Paraíba – UFPB) e produção audiovisual (envolvendo Canal Saúde e UFPB) com três oficinas de comunicação e saúde presenciais e acompanhamento remoto da produção de conteúdo. Com carga horária total de 120 horas, a

formação preparou-os para assumir a produção e a disseminação de informações, numa perspectiva de comunicação comunitária.

Os jovens criaram perfis no Instagram com publicação quinzenal de conteúdo, totalizando 105 postagens (cards e vídeos) e cerca de 50 mil views em quatro meses de atuação. Os perfis tiveram mais de mil seguidores. Os jovens repórteres foram estimulados a desenvolver um trabalho mais presencial que os vinculasse mais fortemente às organizações das comunidades em que vivem. Além disso, também foram incentivados a estreitar sua conexão com os serviços de saúde de referência a que estão adscritos, para compreenderem melhor a situação.

Durante as festas juninas da Paraíba, o Forró da Vacina, programação do Arraiá de Muçumagro, teve câmera aberta (exibição de vídeos, entrevistas com o público e transmissão simultânea no telão instalado no palco, método adotado pelas TVs comunitárias), brincadeiras e apresentação de repentistas famosos cantando,

podem criar e dialogar, recriando assim a realidade para si mesmas e para aqueles com os quais interagem. Segundo Augusto Boal via seu método como uma forma de intervenção social e política, visto que “todo mundo pode ensinar e todo mundo pode aprender”. Alguns aprendizados do projeto merecem ser mencionados: foi importante trabalhar com a população indígena abordando suas singularidades; fez diferença nessa iniciativa ter-se apostado em indígenas falando com indígenas nas línguas deles; conseguiu-se chegar a eles por meio da universidade local; foi significativo construir a experiência no campo do teatro como resposta ao interesse deles; é potente trabalhar com técnicas e métodos das artes, especialmente do teatro, que mesmo não sendo conhecido entre alguns deles, traz uma linguagem capaz de reunir as manifestações culturais das pinturas corporais, música, dança, canto, características dos povos originários – e abre a possibilidade de ampliar para outras manifestações artísticas. A beleza dos cenários, músicas, figurinos, danças,

É

PRECISO UNIR FORÇAS PARA RETOMAR O ENGAJAMENTO DA POPULAÇÃO EM RELAÇÃO À VACINAÇÃO, COMO OCORRIA NOS ÁUREOS ANOS DO PNI, QUANDO A IMUNIZAÇÃO ERA UMA AÇÃO PRIORITÁRIA PARA

valorizando e enaltecendo as atividades de vacinas e vacinações.

Outra linha de atuação a destacar foi o Teatro Maiuhi, com jovens de quatro povos indígenas do Amapá (Galibi Marworno, Karipuna, Palikur-Arukwayene e Waiãpi), desenvolvido em parceria com o Programa de Educação Tutorial Indígena (PET-Indígena) do curso de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade Federal do Amapá (Unifap), que indicou o caminho do teatro como possibilidade para a criação de pontes de diálogo com as aldeias sobre saúde e imunizações. O PRCV propôs, então, a metodologia do Teatro do Oprimido, criada por Augusto Boal. Com a participação de jovens artistas, foi construída a proposta de duas oficinas de Teatro do Oprimido com duração de dez dias cada, no Oiapoque e em Macapá. Alguns participantes que eram estudantes universitários do PET-Indígena foram fundamentais para a mobilização de outros jovens em suas aldeias. A oficina resultou em cinco espetáculos:

AUTORIDADES E A SOCIEDADE EM GERAL TODO MUNDO PODE ENSINAR E TODO MUNDO PODE APRENDER

• Silenciamento racial: a luta de ontem e de hoje – sobre o preconceito contra indígenas nas universidades

• Desaldeada – sobre o preconceito de volta para as aldeias depois de se formarem na universidade

• Por onde anda o Papagaio? – sobre alcoolismo nas aldeias

• O SUS e o susto do jacaré – sobre a Covid-19 e a vacinação

• A terra chora: interesses vindos de fora! – sobre o garimpo

A demanda por trabalhar com teatro surgiu dos próprios jovens, e a formação tinha em vista que fossem multiplicadores do método porque eles identificaram que o teatro seria uma oferta diferente daquelas em que já haviam trabalhado. A Estética do Oprimido baseia-se na possibilidade de expansão do ser humano e em sua expressão pela arte, partindo do pressuposto de que todas as pessoas

MAIUHI É COMO OS POVOS INDÍGENAS do Oiapoque se referem às atividades coletivas, realizadas em mutirão, como a plantação das roças e a produção de farinha de mandioca, que, por congregar o senso de coletividade que também permeia a produção teatral, representam a síntese da experiência vivida ali. Ao longo de 2023, ocorreram diversas apresentações do Teatro Maiuhi no Amapá, além de dois festivais, um em Oiapoque e outro em Macapá. O elenco do espetáculo O SUS e o susto do jacaré participou das atividades de encerramento do PRCV no Amapá e na Paraíba. Em Baía da Traição, município com área indígena no estado da Paraíba, o Projeto promoveu um intercâmbio com o povo indígena Potiguara com o apoio da UFPB e do cacique Sandro, cacique geral dos potiguaras na Aldeia Forte. Além do Teatro Maiuhi, houve apresentação e trocas com o grupo Juventude Potiguara da Aldeia Três Rios. O elenco foi convidado a participar da abertura dos Jogos Indígenas da Paraíba na Aldeia São Francisco. Quando o projeto encerrou suas atividades no Amapá, o Teatro Maiuhi era conhecido em seu estado e tinha ganhado a adesão de várias instituições. Seu esteio está no PET-Indígena da Unifap, responsável por dar continuidade às ações através do projeto de extensão criado com esse objetivo. Em 2023, o PRCV e o PET inscreveram o Projeto Teatro Maiuhi no edital Funarte Retomada – Teatro, do Ministério da Cultura, buscando formas de dar continuidade à ação – e ele foi aprovado!

performances, pinturas, totalmente criados e executados por esses jovens, além dos textos teatrais, fez do Teatro Maiuhi uma expressão artística e cultural diferenciada, inovadora e vibrante que tem ganhado cada vez mais espaços para encenação e encantamento.

Exposição Vacina!

OUTRA IMPORTANTE INICIATIVA DO PRCV foi a criação da Exposição Vacina!, com a perspectiva de estabelecer, por meio de linguagem expositiva e suas variações, um diálogo com o público sobre a importância das vacinas e a necessidade da vacinação em função das baixas coberturas vacinais no país. Ao se apropriar de informações sobre o tema, o visitante dispõe de mais condições para refletir sobre o papel da vacina na vida de cada um de nós.

Com linguagem de fácil entendimento, a exposição é composta por aparatos autoportantes e interativos, multimídias e jogos para estimular uma conversa sobre cada um dos temas abordados. Apresenta temas como história da vacina, tipos de vacinas, o que são vírus e bactérias, rede de instituições para que a vacina chegue a toda a população, vacinas e doenças, cadernetas e calendários vacinais, profissionais da vacina, jornada da vacina, cobertura vacinal e o que é verdadeiro ou falso sobre o tema, além de um jogo para o controle de uma pandemia. E conta com mediadores, estudantes de graduação da cidade em que for exibida, que passam por um curso de formação na temática e nas técnicas de comunicação com o público visitante.

A itinerância da exposição aconteceu, em 2023, nas duas capitais dos estados de atuação do PRCV e no Rio de Janeiro. Em João Pessoa, a montagem ocorreu no Espaço Cultural José Lins do Rego; em Macapá, na Biblioteca Nova da Unifap; e no Rio de Janeiro, na Rio Innovation Week 3. Os eventos foram abertos ao público com agendamento de grupos com mais de dez pessoas e foco nos grupos escolares e de organizações sociais locais. A exposição recebeu 7.155 visitantes nas três cidades – 2.652 em João Pessoa, 1.911 em Macapá e 2.592 no Rio de Janeiro.

Tamanho sucesso levou a equipe do projeto Exposição Vacina! a desenvolver uma versão virtual como forma de democratização do acesso a um rico material de pesquisa. A exposição foi gravada na cidade de João Pessoa, virtualizada e está disponível na internet no link https://www.eravirtual.org/vacina/ para ser acessada por computador, tablet e celular, e neste último poderá ser visitada em realidade virtual com óculos 3D. Além dos aparatos, multimídias, jogo e código QR da exposição, foram incluídos os arquivos do Bingo da Vacina para interessados baixarem e imprimir, além de dicas a professores para uso em sala de aula. A exposição física foi doada para o circuito de itinerância do Museu da Vida/Fiocruz.

Como enfrentar a ameaça do retorno de doenças?

OBRASIL CONTINUA A ENFRENTAR DESAFIOS na área da vacinação e com a incidência de doenças. De 2019 a 2023, todas as 27 unidades federativas notificaram casos de coqueluche e foram registradas 12 mortes pela doença.2 Em relação à difteria, de 2008 a 2022 ocorreram dez óbitos.3 Todos os casos poderiam ter sido evitados pela vacinação,

portanto são mortes inaceitáveis para toda a sociedade brasileira. Iniciativas como o PRCV são fundamentais para garantir a proteção da população. A continuidade e expansão dessas ações são cruciais para enfrentar os riscos iminentes de novas epidemias, e algumas doenças imunopreveníveis já estão voltando.

O governo federal instalado em 2023 tem demonstrado a importância da prevenção de doenças pela vacinação, com o fortalecimento do PNI, participação em diversos eventos e incentivo para que a população se vacine. Recentemente, o Ministério da Saúde comemorou a reversão da queda da cobertura vacinal no país pela primeira vez, após anos de baixa cobertura, que repercutiu muito na mídia escrita e falada.4 Essa reversão, no entanto, ainda não alcançou as taxas ideais, que segundo a OMS devem atingir 95% para a maioria das vacinas. É notória a dificuldade de chegar a esses índices na maioria das regiões do país.

Em relação à Covid-19, quando surgiu a pandemia em 2020 houve uma enorme cobrança da sociedade pela vacina. A pandemia acabou graças à vacinação. Mas o vírus da Covid-19 não desapareceu. Está presente e circulando, com novas variantes, e continua a infectar centenas de pessoas e causando doenças, sobretudo nos grupos não vacinados. Apesar desse cenário, a população já não tem ido mais se vacinar, não toma as doses de reforço, principalmente adolescentes e crianças.

É preciso unir forças para retomar o engajamento da população em relação à vacinação, como ocorria nos áureos anos do PNI, quando a imunização era uma ação prioritária para autoridades e a sociedade em geral. Com a chamada “Vacina boa é vacina no braço”, a equipe do PRCV, profissionais de saúde e parceiros dos 41 municípios obtiveram importantes resultados, que certamente contribuíram para o aumento das coberturas vacinais desses territórios na ocasião. Testemunhos de gestores públicos, participantes e beneficiários confirmaram o compromisso com a continuidade e o fortalecimento das ações, como foi o caso do secretário de Estado de Saúde do Amapá e do governador da Paraíba nos eventos de encerramento do projeto em dezembro de 2023.

O fator mais poderoso do PRCV foi justamente a aproximação e o protagonismo dos profissionais da ponta do SUS e o trabalho conjunto do poder público, parceiros e sociedade civil. A ação integrada e compartilhada dos trabalhadores de saúde; autoridades e gestores de saúde federais, estaduais e municipais; profissionais de diferentes esferas; instituições de ensino e sociedade civil como um todo é o que pode tirar o país do caminho que leva ao desastre anunciado e possibilitar a reconquista das altas coberturas vacinais de forma sustentável. O

NOTAS

1 Fundação Instituto Oswaldo Cruz. Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais: relatório final do projeto – 2021-2023/Fundação Oswaldo Cruz, BioManguinhos. Santana de Parnaíba (SP): Manole, 2024.

2 Laboissière, Paula. Coqueluche: saiba mais sobre a doença que voltou a preocupar o mundo. Agência Brasil. Brasília. 16/6/2024. Disponível em: https:// agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2024-06/coqueluche-saiba-maissobre-doenca-que-voltou-preocupar-o-mundo. Acesso em: 8 out. 2024.

3 Departamento de Vigilância em Saúde. Informe Epidemiológico: Difteria. Vigilância Epidemiológica Ribeirão Preto. 24/5/2024.

4 Estadão. Brasil melhora em ranking global de vacinação, mas coberturas ainda seguem abaixo da meta. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimasnoticias/agencia-estado/2024/07/15/brasil-melhora-em-ranking-global-devacinacao-mas-coberturas-ainda-seguem-abaixo-da-meta.htm. 15/7/2024. Acesso em: 8 out. 2024.

Desafios do poder público e a q ue está virando o jogo MOBILIZAÇÃO

Por Clara Caldeira

Iniciativa estratégica para fortalecer o Programa Nacional de Imunizações (PNI) e recuperar as altas coberturas vacinais, o ImunizaSUS enfrenta obstáculos como hesitação vacinal, desinformação, fragilidades operacionais e nos sistemas de informação, além de barreiras socioeconômicas. Para superá-los, propõe o fortalecimento da atenção primária, capacitação profissional, aprimoramento dos sistemas de informação, comunicação efetiva e, ainda, um esforço coordenado entre todas as esferas de gestão do SUS e a participação ativa da sociedade

HÁ DEZ ANOS SERIA DIFÍCIL IMAGINAR A VACINAÇÃO como um problema no Brasil, em qualquer faixa etária. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) já foi modelo internacional e suas taxas elevadas inspiravam políticas públicas em diversos países. No entanto, a partir de 2015 o quadro começou a mudar. As coberturas vacinais passaram a indicar tendência de queda, que não parou de se acentuar nos anos seguintes, com novos desafios durante a pandemia de Covid-19. Esse cenário tornou-se particularmente preocupante no caso de crianças e adolescentes, o que acabou colocando o país em alerta para o perigo do retorno de doenças evitáveis.

Para se ter uma noção mais clara do que isso representou na prática, basta analisar algumas taxas, exemplares da situação imunológica geral. A cobertura da vacinação contra a poliomielite caiu de 98,3%, em 2015, para 70,2%, em 2021. A da primeira dose da vacina tríplice viral – que protege contra sarampo, caxumba e rubéola – caiu de 96,1% para 74,4%, no mesmo período. Já a da vacina pentavalente – contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e a bactéria Haemophilus influenzae tipo B – passou de 96,3% para 70,6%, de acordo com o DataSUS 2021. Essa queda acendeu o alarme para governos e agências de saúde internacionais em razão do reaparecimento de algumas doenças imunopreveníveis, como é o caso do sarampo, que apresentou 2.369 casos confirmados e quatro óbitos nas primeiras 15 semanas de 2020, segundo o Boletim Epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde em abril do mesmo ano.

EM FOCO

O IMUNIZASUS É UM PROJETO desenvolvido desde 2021 pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), em parceria com a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e com o apoio do Programa Nacional de Imunizações (PNI), visando articular uma ampla mobilização para o fortalecimento das ações de imunização nos municípios e o enfrentamento às baixas coberturas vacinais. O ImunizaSUS está estruturado em três frentes de combate: educação permanente, pesquisa e mobilização social.

A maioria das vacinas precisa de uma cobertura de pelo menos 95% para que todas as crianças fiquem protegidas, meta que já havia sido conquistada mas que se tornou cada vez mais distante ao longo da última década. Num país tão extenso, diverso e desigual como o Brasil, não se pode perder de vista que as oscilações não ocorreram de maneira homogênea. Entre os dez estados com as taxas mais baixas de cobertura vacinal contra a poliomielite em 2021, nove estão nas regiões Norte e Nordeste: Amapá com 44,4%; Roraima com 50,2%; Rio de Janeiro com 54,1%; Pará com 55,8%; Maranhão com 61%; Acre com 61,5%; Bahia com 61,6%; Amazonas com 66,7%; Pernambuco com 67,3% e Paraíba com 68,8%.

Como foi possível regredir tanto num período tão curto de tempo e passar de modelo a mau exemplo? A questão não é simples de ser solucionada e sua complexidade motivou uma série de iniciativas em busca de um diagnóstico claro que permitisse a elaboração de estratégias para tentar reverter o quadro. A partir de 2021, o ImunizaSUS – projeto desenvolvido pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) em parceria com a Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, do Ministério da Saúde, e com

recidas capacitações certificadas de aperfeiçoamento profissional (180 horas) e de extensão (80 horas) que, somadas, contemplaram aproximadamente 25 mil profissionais de saúde de todo o país. No âmbito das ações de engajamento social, foram desenvolvidas estratégias de mobilização nas redes sociais do Conasems para disseminar informações de incentivo à vacinação e conteúdos para refutar a onda de desinformação, discursos anticientíficos e antivacina, fenômenos que ganharam maior relevância a partir da pandemia de Covid-19. A série documental Questão de Saúde, composta de cinco episódios, abordou dois séculos de história – desde a descoberta da primeira vacina, em 1796, até o ano de 2021, com os desafios da vacinação contra a Covid-19 – e foi disponibilizada no canal do Conasems no YouTube.

No eixo dedicado à pesquisa, cuja primeira etapa aconteceu em 2021, o ImunizaSUS se encarregou de investigar as coberturas vacinais no Brasil, bem como os prováveis motivos das quedas das taxas nos últimos anos e os porquês da hesitação vacinal, contando com uma parceria estabelecida com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por meio do Núcleo de Educação em Saúde

COMO FOI POSSÍVEL REGREDIR TANTO NUM PERÍODO TÃO CURTO DE TEMPO E PASSAR DE MODELO A MAU EXEMPLO?

A QUESTÃO NÃO É SIMPLES DE SER SOLUCIONADA E SUA COMPLEXIDADE MOTIVOU UMA SÉRIE DE INICIATIVAS

EM BUSCA DE UM DIAGNÓSTICO

o apoio do Programa Nacional de Imunizações (PNI) – se engajou numa ampla mobilização para o fortalecimento das ações de imunização nos municípios e o enfrentamento às baixas coberturas vacinais, que incluiu frentes de pesquisa, educação e comunicação.

Outro projeto relevante foi a pesquisa intitulada “Inquérito de cobertura e hesitação vacinal nas capitais brasileiras, Distrito Federal e em 12 municípios do interior, em crianças nascidas em 2017-2018 e residentes nas áreas urbanas”, realizada pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), em parceria com o Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/ UFBA). O inquérito ouviu a população das 26 capitais brasileiras e do Distrito Federal, além de 12 municípios do interior de São Paulo, com o intuito de inventariar causas da queda nas coberturas.

Foi também para tentar esboçar respostas possíveis para essa conjuntura que a Fundação José Luiz Egydio Setúbal (FJLS) organizou em outubro de 2023 o 5º Fórum de Políticas Públicas da Saúde na Infância, voltado para o tema da cobertura vacinal de crianças e adolescentes.

FImunizaSUS: uma reação coordenada

OI EM RESPOSTA ÀS PERDAS DAS ALTAS COBERTURAS VACINAIS – potencializadas a partir de 2020 com a pandemia de Covid-19 – que em 2021 nasceu o ImunizaSUS, organizado em três eixos principais: educação permanente, engajamento social e pesquisa. Na esfera educacional, foram ofe-

Coletiva (Nescon). Com base em uma revisão da literatura nacional e internacional produzida sobre o tema, foi feito um estudo descritivo retrospectivo sobre a cobertura vacinal no país, que analisou os registros realizados entre 2016 e 2021, tomando como referência o período anterior, de 2010 a 2015, com abordagem das hipóteses explicativas para as quedas observadas.

Em seguida, os pesquisadores se dedicaram a uma coleta de dados – por meio de contatos online, telefônicos e em fóruns – que envolveu profissionais de saúde e a população em geral. Foram mais de 10 mil entrevistados, incluindo profissionais das secretarias de saúde de 4.690 municípios, que responderam a um formulário detalhado sobre vacinação. Outras instituições também foram ouvidas, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), coordenadorias estaduais de imunização, além de representantes e técnicos do Ministério da Saúde. A diversidade de métodos de coleta de dados quali-quantitativos permitiu uma ampla análise sobre a produção, a distribuição e a aplicação das vacinas do calendário nacional.

A AUTORA

CLARA CALDEIRA é jornalista, mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Atuou na imprensa alternativa com foco em cultura, sustentabilidade, cidadania e direitos humanos e hoje concentra suas atividades no terceiro setor.

Em 2022, foi aprovada a reformulação do convênio, ampliando o escopo das ações do ImunizaSUS. A partir da discussão dos resultados da pesquisa com profissionais e gestores de saúde, foram promovidas oficinas de mobilização para o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento às baixas coberturas vacinais nos municípios. Cada um dos 26 Conasems teve acesso aos resultados da pesquisa, segmentados por macrorregião, e a partir de então iniciou-se um movimento de estímulo ao pensamento crítico e à problematização da realidade entre os servidores que atuam nas ações de imunização municipais. Participaram das oficinas mais de 4 mil profissionais e gestores, que a partir de uma base científica organizada auxiliaram na sistematização dos principais problemas e desafios enfrentados em cada território.

APor dentro do problema

CONVICÇÃO DE QUE OS IMUNIZANTES SÃO importantes para as crianças era quase unânime entre os brasileiros, mas recuou para 89% após a pandemia de Covid-19, de acordo com o relatório For Every Child, Vaccination, publicado em 2023 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). A tendência de queda das coberturas vacinais é um cenário complexo que envolve múltiplos fatores, atravessados pelas desigualdades que expõem um número crescente de crianças a contextos de vulnerabilidade, dificultando seu acesso aos imunizantes. O aumento da desinformação, as interrupções de serviços e da cadeia de suprimentos, as dificuldades de armazenamento, as falhas de registro e a proliferação de fake news são alguns dos fatores de queda da cobertura.

A escassez de vacinas também se destacou recentemente, ligada a uma alta na demanda internacional pelos imunizantes – fruto da expansão do acesso à vacinação em nível global –, mas que segundo Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), só se torna um problema devido à concentração da produção nas mãos de poucos fabricantes. De acordo com Kfouri, esse modelo precisa ser revisto porque, pioneiro na produção de algumas vacinas, o Brasil nunca investiu como se deve na transferência de tecnologia. Depois da compra e introdução de uma vacina, a transferência de tecnologia acontece quando se cria um acordo jurídico para que o detentor da patente seja remunerado e o comprador possa fabricá-la de maneira autônoma.

No entanto, para que se possa produzir 100% da formulação final da vacina, é necessário um investimento considerável em capacitação de técnicos, compra de insumos e parque industrial, lembra Kfouri. Mesmo quando há o investimento necessário, em geral há uma longa espera até a conquista do imunizante totalmente nacional. “Esses processos são morosos e esbarram em questões burocráticas, desde a Anvisa até a aprovação de plantas, verbas licitatórias para construir fábricas novas etc. Então essas transferências que deveriam acontecer em cinco, no máximo dez anos, não acontecem nunca”, lamenta. “A única vacina que hoje é 100% transferida e produzida no Brasil é a de gripe, que começou há quase 20 anos com o acordo entre a Sanofi [multinacional farmacêutica francesa] e o Butantan”, completa.

É imenso o desafio de retomar as elevadas coberturas que faziam do Brasil modelo internacional e, por isso, o Ministério da

Saúde não trabalha com a perspectiva de reverter o cenário em curto prazo. Por aqui, a responsabilidade pela vacinação é compartilhada entre governo federal, estados e municípios. No entanto, a etapa da aplicação propriamente dita é feita pelas administrações municipais, que têm autonomia com relação à esfera federal e são tão diferentes quanto é possível num país de território extenso e desigual em termos econômicos. Por isso, o diálogo entre o Ministério da Saúde e os municípios é fundamental para a execução do PNI e tem sido colocado como prioridade na elaboração de estratégias integradas.

A pesquisa executada pela UFMG no âmbito do ImunizaSUS, foi decisiva para estabelecer um diagnóstico completo, capaz de descrever detalhadamente o cenário atual e de destacar os desafios relacionados à imunização. O estudo ouviu em 2021 secretários municipais de Saúde e responsáveis pela vacinação em 4.690 municípios brasileiros, como já mencionado. A partir dessa escuta, foi possível identificar os principais obstáculos enfrentados pelas administrações para garantir as altas taxas de cobertura vacinal.

Os resultados se alinham em grande parte aos encontrados pelo Inquérito de Cobertura e Hesitação Vacinal, realizado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), e confirmam que os principais desafios enfrentados pelos municípios passam por questões relacionadas à infraestrutura e ao recebimento e armazenamento das vacinas, mas também à aplicação e ao registro dos imunizantes, ao atraso e à recusa vacinal, realidades que são agravadas por fenômenos atuais como a crise climática e a proliferação das fake news. Compreender cada um desses processos em suas especificidades e gargalos é fundamental. O mapeamento dos obstáculos é o que possibilita a elaboração de planos estratégicos capazes de contorná-los, e combatê-los, e foi exatamente isso que fez a pesquisa nacional da UFMG/ImunizaSUS.

Registro e sistemas de informação

OREGISTRO DAS VACINAS E O SISTEMA DE INFORMAÇÕES são apontados tanto pelas administrações municipais como pelo PNI como grandes barreiras para a recuperação e manutenção das altas taxas de cobertura vacinal. De acordo com a pesquisa da UFMG/ImunizaSUS, 53% dos municípios enfrentam problemas relacionados ao registro. Se levarmos em conta que um dos primeiros passos para qualquer estratégia de ampliação da vacinação é saber quem do grupo contemplado precisa ser imunizado e quem já foi vacinado, fica claro que o enfrentamento desse problema é prioritário.

A grande questão a se colocar é que, apesar de o Brasil dispor desses dados, nem sempre o acesso aos registros ocorre de forma precisa e ágil. Sem um número confiável, fica difícil propor políticas públicas assertivas e acompanhar o desenvolvimento das metas. Segundo o professor José Cássio de Moraes, do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, o Inquérito de Cobertura e Hesitação Vacinal efetuou, entre outras investigações, um levantamento de quantas doses anotadas em cadernetas de vacinação se encontravam também registradas no Sistema Nacional do Programa Nacional de Imunização (SIPNI). As diferenças encontradas

foram alarmantes. Com relação às 37.800 cadernetas analisadas em 27 capitais brasileiras e em 12 municípios do interior de São Paulo, constatou-se que 30% das doses registradas não constavam nos sistemas públicos de informação. Segundo Moraes, isso indica uma dificuldade de acesso ao sistema e implica coberturas vacinais subestimadas. “No final de 2022 nós tínhamos mais de 10 milhões de doses aplicadas que não estavam dentro do sistema”, lamenta.

Fica evidente, portanto, em todas as etapas de enfrentamento do problema, a dificuldade em manter sistemas com dados corretos e atualizados. No entanto, os fatores que contribuem para a ineficiência dos sistemas de informações são diversos. Os territórios cujas experiências foram compartilhadas no 5º Fórum de Políticas Públicas da Saúde na Infância – Baturité (CE), São Paulo (SP) e o projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais (PRCV), que incluiu 16 municípios do Amapá e 25 da Paraíba – nos fornecem pistas preciosas para um diagnóstico abrangente. Parte do problema vem das questões de infraestrutura. Para vacinar e registrar com eficiência, é preciso, entre outras coisas, contar com computador nas salas de vacinação e boa conexão de internet.

A TENDÊNCIA

DE

cional de Dados em Saúde (RNDS). Ela explica que mesmo tendo sistema próprio ou usando outros sistemas, os dados que entram em São Paulo precisam ser reconhecidos no sistema nacional. “Isso já melhorou muito a qualidade dos dados”, comemora. A assessora relata ainda que uma normatização está sendo criada para padronizar e orientar qualquer empresa que queira vender sistema para o SUS, facilitando a integração com a rede nacional.

Armazenamento, acesso e desperdício

AVACINA É UM PRODUTO PERECÍVEL, o que significa que alterações de temperatura e condições de transporte e armazenamento inadequadas podem comprometer sua qualidade, resultando em perda. Para piorar, os frascos são envasados com mais de uma dose e isso tem criado um duplo obstáculo: de um lado, o desperdício, quando uma embalagem é aberta e poucas crianças aparecem para se vacinar; de outro, as tentativas de contornar esse problema que dificultam o acesso à vacina e acabam impactando negativamente a cobertura. De acordo com a pesquisa da UFMG/ImunizaSUS, 53,7% dos

QUEDA DAS COBERTURAS VACINAIS É

UM CENÁRIO COMPLEXO QUE ENVOLVE MÚLTIPLOS FATORES O AUMENTO DA DESINFORMAÇÃO, AS INTERRUPÇÕES DE SERVIÇOS E DA CADEIA DE SUPRIMENTOS, AS DIFICULDADES DE ARMAZENAMENTO, AS FALHAS DE REGISTRO E A PROLIFERAÇÃO DE FAKE NEWS SÃO ALGUNS DELES

Micael Nobre, da Secretaria de Saúde do município de Baturité, explica que no início da série de medidas no território foram encontrados inúmeros erros de digitação e de inserção de registros. Em alguns casos, o registro da segunda dose era feito em sobreposição ao da primeira, apagando então o primeiro registro. Outro impasse apresentado foi em relação à migração das informações entre os sistemas já que, de acordo com Maria de Lourdes Maia, do Departamento de Assuntos Médicos, Estudos Clínicos e Vigilância Pós-Registro de Bio-Manguinhos/Fiocruz, há municípios com quatro sistemas de informação que não se integram e, portanto, não funcionam.

Em São Paulo, há muitos problemas semelhantes e o sistema nem sempre consegue se integrar ao do Ministério da Saúde, falha que já vem recebendo atenção da prefeitura há alguns anos. Baturité realizou, no começo do projeto, um grande mutirão para que os agentes comunitários de saúde atualizassem o cadastro das famílias e ajudassem a corrigir o banco de dados. Em São Paulo, para evitar incongruências entre o sistema e a caderneta de vacinação, adotou-se um padrão de dupla checagem, em que dois profissionais verificam se as informações da plataforma batem com as da caderneta.

Segundo Brigina Kemp, assessora técnica do Conasems São Paulo e ponto focal do ImunizaSUS no estado, o governo atual está fazendo um esforço muito grande para reduzir esse emaranhado e para que todos os dados sejam enviados para a Rede Na-

municípios têm perdas de doses. Os frascos com mais de uma dose colocam, com frequência, os agentes de saúde diante do dilema: abrir um frasco e aplicar a vacina, com risco de que não apareça outra criança e o resto do imunizante se estrague; ou pedir para a criança voltar outro dia, correndo o risco de ela não retornar. A pesquisa com as secretarias municipais de Saúde mostrou que o uso de apenas uma parte dos frascos é a principal causa de perda de vacinas. Mas há outros problemas, relacionados à insuficiência de demanda, aos prazos de vencimento e falhas nas redes de refrigeração.

“É óbvio que a opção tem que ser vacinar a criança”, defende Brigina Kemp. Para ela, “não é o programa de imunização que tem que se adequar à indústria, é a indústria que precisa se adequar ao programa de imunização”. Os tribunais de contas, porém, vêm questionando os municípios sobre essas perdas. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) tem debatido o tema com as instituições de auditoria. Brigina Kemp relata que como parte das ações do ImunizaSUS, o Conasems participou de um encontro onde estavam presentes também os órgãos de controle como o Ministério Público e Tribunal de Contas.

“Essa é uma questão que importa muito para os municípios”, explica Kemp. A técnica cita o exemplo clássico da vacina BCG, que vem com 20 doses e cujo frasco dura apenas seis horas depois de aberto. O contexto é desafiador e demanda atenção dos setores produtores de vacina. Para José Cássio de Moraes, a dis-

tribuição em frascos precisa ser repensada. Ele relata que para tentar evitar o desperdício, algumas unidades básicas de saúde criam dias e horários específicos para a aplicação de determinados imunizantes. “É como se estivéssemos colocando cada vez mais dificuldades para que a pessoa acesse a unidade básica e aí, logicamente, a hesitação aumenta pelo desgaste”, argumenta. “Às vezes você tem uma fila muito grande por conta dessa concentração dos horários de vacinação, a senha termina e a pessoa não consegue ser atendida. Também acontece de a pessoa errar o dia e não conseguir se vacinar porque aquele não é o dia em que vai ser aberto o frasco”, completa. Segundo Moraes, 23% das pessoas relataram não ter recebido todas as vacinas indicadas para aquele determinado ciclo ao comparecer à unidade de saúde.

Por esses motivos, o assunto foi tema de oficinas de trabalho e debates que integraram as ações do ImunizaSUS. Um dos encontros, segundo Brigina Kemp, convocou atores como Instituto Butantan, Fiocruz, além de alguns órgão ligados ao setor. O objetivo era discutir, por exemplo, se não seria possível diminuir o número de doses por frasco, ou ainda priorizar vacinas de uma dose só e vacinas de diversos tipos para apenas uma picada.

OHesitação vacinal

RECEIO DAS PESSOAS EM TOMAR VACINA AUMENTOU ao longo dos últimos anos, em especial após a pandemia de Covid-19. De acordo com a primeira rodada nacional da pesquisa UFMG/ImunizaSUS), 82,2% dos municípios brasileiros enfrentam problemas ligados ao atraso ou à recusa da vacinação. O movimento antivacina foi, em larga medida, impulsionado pelo fenômeno das fake news, que a a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu como infodemia, uma epidemia de desinformação que se tornou uma das maiores ameaças aos programas de imunização no mundo todo. Não foi por acaso, portanto, que 41,6% dos municípios detectaram em 2021 um aumento do número de pessoas que se recusavam a se vacinar. Enfrentar essas barreiras não é um desafio apenas para o poder público, segundo Brigina Kemp. Universidades, sociedades científicas e o setor de comunicação têm um papel crucial nessa empreitada. No geral, o combate à hesitação vacinal tem em vista as notícias falsas, mas também outros dois pontos importantes que aparecem tanto na pesquisa da UFMG/ImunizaSUS como no

UMA GRAMÁTICA DA DESINFORMAÇÃO

O SEGUNDO VOLUME PUBLICADO

SOBRE A PESQUISA REALIZADA PELA

UFMG dedicou-se a descrever e analisar os resultados da observação do debate público contra vacinas em plataformas digitais, ocorrido entre os meses de maio e novembro de 2021. A partir do monitoramento de cinco grandes redes sociais (Twitter/X, YouTube, Telegram, Instagram e Facebook), foi possível identificar um aumento, ao longo dos últimos cinco anos, do uso de gramáticas de desinformação específicas, que se repetem e nas quais é possível enquadrar praticamente todos os conteúdos antivacina. São estas as gramáticas utilizadas: uso de imagens pop de fácil reconhecimento pelo público, apropriação da estética de peças de divulgação científica e de campanhas de conscientização de órgãos públicos, negação de conteúdo produzido por veículos de informação tradicionais, tradução de conteúdo falso ou produzido no exterior e autovitimização dos disseminadores de conteúdo falso, quando denunciados e responsabilizados. Em alguns espaços, como Twitter/X, o fluxo de mudanças no perfil das publicações é acelerado, fortemente

influenciado pelos acontecimentos do dia.

No período analisado pela pesquisa, predominou a produção de conteúdo antivacina que tinha como tema os imunizantes produzidos contra a Covid-19. Entre os alvos de ataques, foi raro identificar referências a outros imunizantes aplicados no Brasil, como os que compõem o calendário de vacinação infantil. No entanto, de acordo com Kandice Falcão, assessora técnica do Conasems, o relatório da segunda rodada da pesquisa, que em breve será publicado, apresentará o resultado da pesquisa de termos e temas relacionados à vacinação de modo mais amplo e geral. Sendo assim, nos resultados dessa nova rodada será possível analisar informações relativas a diversos imunobiológicos e não só ao imunizante contra a Covid-19.

Um segundo aspecto bastante alarmante, segundo o estudo, é o fato de parte das redes digitais de desinformação e hesitação sobre vacinas dialogarem com mídias tradicionais,por meio de programas ou de apresentadores, como no caso da rádio Jovem Pan (Os Pingos nos Is) e, num primeiro momento do monitoramento, do canal de notícias CNN. Esse entrelaçamento

pode contribuir para a atribuição de veracidade à desinformação e merece atenção especial por parte dos veículos de comunicação tradicionais, organizações de defesa do jornalismo e sociedade civil. Por outro lado, é notório que algumas plataformas se posicionaram no combate à desinformação. Houve inclusive movimentos para barrar o acesso a parte do material problemático em circulação. Em diversos momentos, a busca por conteúdo antivacina em mecanismos de busca do Facebook e do YouTube apresentou poucos resultados e foi redirecionada a páginas oficiais ou com conteúdo confiável. Durante parte do período analisado, o YouTube exibia em sua página inicial um banner com sugestão de notícias e informações verídicas sobre vacinas. A partir dessa discussão, é possível compreender de que maneira esse tipo de mensagem é veiculado em cada uma das plataformas, passo essencial para qualificar o diálogo entre profissionais de saúde e a população. Essa pode ser também uma ferramenta importante para preparar os gestores para dar respostas rápidas e efetivas a movimentos de desinformação e antivacina.

inquérito vacinal da Santa Casa de São Paulo entre as principais causas para o atraso e vacina: a crença que determinadas doenças não representam mais uma ameaça e o medo das agulhas. “No caso da poliomielite, desde 1989 não temos nenhum caso”, exemplifica José Cássio de Moraes. O que não quer dizer que as doenças deixaram de representar um risco e que não podem retornar com o recuo da cobertura vacinal, como aconteceu com o sarampo em 2018. Com relação ao medo da picada, segundo Thayssa Fonseca, do PNI, o Ministério da Saúde tem acompanhado o desenvolvimento de novas tecnologias que dispensam as agulhas, como adesivos.

A diretora de Farmacovigilância do Instituto Butantan, Vera Gattás, citou pesquisas com imunizantes de uso nasal durante o 5o fórum. Para Gattás, no entanto, o mais importante é divulgar de modo enfático a segurança dos produtos. “Temos milhares de documentos científicos relacionados ao sarampo, influenza, HPV... Temos que mostrar para as pessoas que uma dorzinha no braço não mata ninguém, mas o câncer mata. Temos que trabalhar com este olhar: a vacina contra HPV protege de câncer”, defende.

AProblemas de logística

DIVERSIDADE GEOGRÁFICA E AS DESIGUALDADES econômicas que caracterizam o território brasileiro demandam dos programas de imunização estratégias que respondam às dificuldades e às características específicas de cada localidade. Essas especificidades influenciam, sobretudo, as questões de logística como transporte, armazenamento e aplicação das vacinas. O levantamento da UFMG/ImunizaSUS indicou que cerca de um em cada quatro municípios tem problemas com essas etapas, com exceção do armazenamento, dificuldade informada por menos de um em cada seis municípios. Em muitos casos, a perda de doses está ligada a quedas de energia. A falta de eletricidade por longos períodos afeta a temperatura dos sistemas de armazenamento podendo comprometer o imunizante. Ainda de acordo com a pesquisa, 35,9% dos municípios disseram ter problemas relacionados a esse cenário e apenas 32,6% têm um plano de contingência para enfrentar a questão. “As mu-

INFODEMIA, FAKE NEWS E DESINFORMAÇÃO

ALÉM DE MONITORAR E DESCREVER O DEBATE PÚBLICO contra as vacinas, a pesquisa da UFMG/ImunizaSUS realizou uma importante revisão da literatura especializada, que sugere estratégias específicas para lidar com a hesitação vacinal, a partir dde questões ligadas à comunicação. Um fenômeno comportamental multifatorial, como é o caso das fake news contra os imunizantes, demanda diferentes possibilidades de atuação e estratégias de ação. Essa é uma das conclusões fundamentais do grupo de trabalho SAGE (The Strategic Advisory Group of Experts on Immunization) Working Group of Vaccine Hesitancy (WG), criado para lidar diretamente com o problema da hesitação vacinal e cujos principais resultados foram publicados numa edição especial de 2015 do periódico científico Vaccine.

O grupo foi formado por 11 especialistas internacionais selecionados por meio de uma chamada aberta, que exigia experiência na área de hesitação vacinal e contemplasse inserções em áreas de conhecimento diversas, como antropologia social, comunicação e mídia, programa de imunização, conhecimento sobre vacinas e experiência em lidar com a hesitação vacinal em níveis comunitários.

A iniciativa do grupo de trabalho foi apoiada por uma cooperação entre a OMS e o UNICEF e envolveu diversos departamentos das instituições.

Os membros da equipe argumentam que a hesitação vacinal não deve ser tratada como um fenômeno global e homogêneo, mas como uma manifestação comportamental específica de nichos populacionais. Dessa perspectiva, é importante verificar quem é hesitante em relação à vacina, quais suas preocupações e onde se situa geográfica, política e socioculturalmente. A partir da organização do conhecimento dessas características é que se torna possível modelar estratégias de ação direcionadas.

Do ponto de vista das recomendações, segundo a pesquisa, é importante levar a sério as razões específicas que levam grupos particulares a hesitar em se vacinar. Os pesquisadores destacam a importância de autores que propõem a adequação de princípios do marketing e da comunicação para combater a hesitação vacinal. O elemento central do argumento é a necessidade de tratar a imunização como uma marca, um produto, um tipo de bem que deve ser embalado de acordo com as demandas cognitivas e comportamentais dos grupos de pessoas que são alvo

das campanhas de vacinação. A ideia é salientar os benefícios da vacinação sob a perspectiva daqueles que estão na ponta da cadeia de oferta, ou seja, os usuários dos sistemas de saúde, ou “consumidores de vacina”, e não da perspectiva de quem planeja a campanha.

Os autores fazem menção à possibilidade de microssegmentação da população para que determinadas mensagens sejam elaboradas especificamente para grupos com características demográficas e psicológicas específicas. Dessa forma, torna-se necessário um mapeamento das experiências subjetivas de estratos da população relacionadas à vacinação, das disposições para exercerem o comportamento esperado, dos históricos médicos, da cultura e de seus ambientes sociais. A comunicação eficiente requer, necessariamente, a capacidade de produzir um terreno comum entre interlocutores e, por isso, é fundamental conhecer bem, e nas suas especificidades, a audiência endereçada. Outro elemento fundamental é a identificação dos principais influenciadores, gatekeepers e outros agentes de mudança na população, como os que ofertam informações sobre a vacinação (ou contra ela) e como o fazem.

Fonte: Texto a partir da “Pesquisa nacional sobre cobertura vacinal, seus múltiplos determinantes e as ações de imunização nos territórios municipais brasileiros”, ImunizaSUS/UFMG volume 2.

O IMUNIZA SUS DEIXA COMO LEGADO METODOLOGIAS, ESTRATÉGIAS E POLÍTICAS PÚBLICAS TESTADAS E APRIMORADAS, ALÉM DE UM

DIAGNÓSTICO AMPLO E DETALHADO DA COBERTURA VACINAL,

QUE PODEM SERVIR DE APOIO INCLUSIVE AO ENFRENTAMENTO DE EPIDEMIAS FUTURAS

Nesse contexto, o desafio mais complexo de ser resolvido é a entrega a municípios distantes ou isolados. O Ministério da Saúde mantém um programa chamado Operação Gota, em parceria com o Ministério da Defesa, para levar imunizantes a locais de difícil acesso, mas ele não atende todo o país. A crise climática tem adicionado uma camada extra de dificuldade a essa logística, como o grau de severidade da seca que atingiu o Norte em 2023 e em 2024, dificultando a entrega de materiais por via fluvial, única possibilidade de acesso a alguns territórios.

Para apoiar os municípios nas estratégias de vacinação e atender à diversidade de contextos e demandas, o Ministério da Saúde tem adotado o microplanejamento (ou microplanning), uma metodologia concebida pela Organização Pan-americana da Saúde (Opas) e já colocada em prática em outros países. Esse tipo de planejamento abrange diversas etapas do processo relacionado à imunização e organiza as ações necessárias para que as vacinas cheguem à população. Cerca de 700 profissionais passaram pela capacitação, que incluiu diagnóstico, planejamento, recebimento dos imunizantes, monitoramento e supervisão.

O foco, portanto, está em preencher as lacunas de conhecimento sobre imunização dos profissionais da saúde por meio dos treinamentos. “O calendário do programa de imunização está muito complexo hoje. Quando falta vacina, ou quando precisa haver substituição, é preciso seguir várias regras e normas técnicas”, exemplifica Brigina Kemp. Além disso, agentes de saúde e equipes de enfermagem precisam desenvolver habilidades para enfrentar notícias falsas, criar vínculos de confiança com as famílias e as crianças. É uma tarefa abrangente, que requer envolvimento de outros setores, como assistência social e comunicação.

Rumo à retomada

APESAR DA QUEDA DA VACINAÇÃO NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS, é importante lembrar, para além das dificuldades, também das potências. Hoje o Instituto Butantan, por exemplo, é um produtor reconhecido, com vacinas pré-qualificadas pela OMS, e um exportador de vacina que fala em fazer vacina para o inverno do hemisfério norte, lembra Renato Kfouri. Ou seja, existe um processo longo para a produção 100% nacional de imunizantes, mas possível de ser alcançado se houver investimentos efetivos, na opinião do vice-presidente da SBIm. Outro ponto positi-

vo, destacado pelo professor José Cássio de Moraes, foi a constatação de que 95% da população entrevistada pelo inquérito vacinal da Santa Casa de São Paulo tinha a caderneta de vacinação presente. “Isso demonstra que existe uma aderência ao processo de vacinação, pois quem rejeita por completo a vacina não tem nem caderneta”, ressalta.

Em 2024, o ImunizaSUS encerra suas atividades, mas antes disso ainda contará com a publicação da última rodada da pesquisa, realizada em 2023, que abrange a cobertura vacinal e questões de comunicação. O resultado consolidado deve ser divulgado até o final do ano, mas outros levantamentos, como o ranking internacional de imunização da OMS, por exemplo, já sugerem um bom prognóstico referente à recuperação das coberturas. Depois de publicado o resultado da última rodada, o trabalho continua, pois, como destacou Brigina Kemp, uma pesquisa que ouve as fontes locais e reflete suas dificuldades oferece muitos elementos para políticas públicas mais eficientes, tanto para as gestões locais como para o PNI, que tem abrangência nacional. Kemp faz questão de exaltar o Programa Nacional de Imunizações como algo singular no mundo, com vacinação gratuita de uma gama de imunizantes que cobre quase todas as doenças, para todas as fases da vida. Em meio a desafios globais e locais relacionados à cobertura vacinal, o ImunizaSUS deixa como legado metodologias, estratégias e políticas públicas testadas e aprimoradas, além de um diagnóstico amplo e detalhado da cobertura, que podem servir de apoio inclusive ao enfrentamento de epidemias futuras. Graças aos esforços coordenados entre estados, municípios e o Ministério da Saúde, o Brasil tem hoje todos os elementos para conseguir virar o jogo, ser bem-sucedido na retomada das altas taxas de cobertura e voltar a figurar como referência internacional em imunização. O danças climáticas já estão aí. E chuvas intensas geram problemas de fornecimento de energia”, alerta Brigina Kemp. No entanto, não são apenas as chuvas e as quedas de energia que preocupam. A seca na região Norte tem sido mais severa a cada ano, isolando totalmente municípios aonde só se chega por rio e aumentando o risco de ameaças como insegurança alimentar e ausência de vacinação.

Texto elaborado a partir de Cobertura vacinal de crianças e adolescentes (publicação do 5o Fórum de Políticas Públicas para a Saúde na Infância, disponível em: https://fundacaojles.org.br/biblioteca) e diversas entrevistas, além das referências abaixo.

REFERÊNCIAS

Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico, v. 51, n. 17, abr. 2020.

Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Inquérito de cobertura e hesitação vacinal nas capitais brasileiras, Distrito Federal e em 12 municípios do interior, em crianças nascidas em 2017-2018 e residentes nas áreas urbana. Coordenador geral: José Cássio de Moraes. São Paulo: 2023.

ImunizaSUS. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisa nacional sobre cobertura vacinal, seus múltiplos determinantes e as ações de imunização nos territórios municipais brasileiros. 2023. 2 vol.

Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). For Every Child, Vaccination. Abril de 2023. Disponível em: https://www.UNICEF.org/reports/state-worldschildren-2023

OMS/UNICEF. WENIC. Estimativas sobre a cobertura nacional de imunização em 195 países atualizadas anualmente. Disponível em: https://worldhealthorg. shinyapps.io/wuenic-trends/. Acesso em: 10 nov. 2024.

Proteção integrada na

INFÂNCIA

Iniciativa do UNICEF, a Busca Ativa Vacinal ajuda municípios a encontrar crianças e adolescentes que não tenham sido vacinados ou estejam com a vacinação atrasada. A partir do princípio da intersetorialidade, a proposta reúne e mobiliza representantes de diferentes áreas como saúde, educação e assistência social oferecendo suporte aos agentes locais no mapeamento, registro e monitoramento, e nas medidas para que recebam a proteção

É NECESSÁRIO IR AONDE AS CRIANÇAS ESTÃO. do Busca Ativa Vacinal (BAV), iniciativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que atua em parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS) para reverter a tendência de queda das taxas de vacinação infantil observada no Brasil nos últimos anos. A Lei 14.886, de 11 de junho de 2024, instituiu o Programa Nacional de Vacinação em Escolas Públicas com o objetivo de aumentar a cobertura vacinal da população, principal mente entre alunos da educação infantil e do ensino fundamental. Além de constituir um avanço significativo num contexto em que o Ministério da Saúde trabalha duro pela retomada das altas coberturas, a lei confirma a importância do princípio da intersetorialidade, espinha dorsal da BAV no apoio aos municípios no trabalho pela garantia da imunização infantil.

Desde 2015, as coberturas vacinais vêm caindo no Brasil, colocando o país em alerta para o perigo do retorno de doenças evitáveis. A cobertura de algumas das principais vacinas infantis saiu de patamares superiores a 95%, em 2015, e sete anos depois caiu para 70%, de acordo com o DataSUS 2022. Entre os 12 estados com as taxas de cobertura vacinal mais baixas contra a poliomielite em 2022, nove estão nas regiões Norte e Nordeste e os outros três nas regiões Sul e Sudeste.

Em 2022, ano de lançamento do BAV, três em cada dez crianças não receberam as vacinas necessárias para protegê-las de doenças potencial mente perigosas. O UNICEF, por meio de uma parceria com a Pfizer e a Fundação José Luiz Setúbal, desenvolveu uma estratégia para ajudar mu nicípios do Norte e Nordeste, também entre as regiões com indicadores mais baixos de imunização infantil, a encontrar as crianças com menos de 5 anos, mas também adolescentes e gestantes, que não tinham sido vaci nados ou estavam com a vacinação atrasada e tomar as medidas para que elas recebessem todas as doses necessárias. Ao contrário do que ocorre em outros países, aqui o UNICEF não precisa aplicar as vacinas, graças à existência de um sistema de saúde pública ativo e funcional.

Quem aplica os imunizantes em território brasileiro é o SUS e todas as ações do UNICEF são cuidadosamente articuladas às diretrizes do Programa Nacional de Imunização (PNI) e do Ministério da Saúde.

A proposta da BAV baseia-se em uma metodologia social, cujo componente mais importante é a intersetorialidade. “Esse é o coração da BAV, é a partir daí que as ações acontecem”, ressalta Luciana Phebo, chefe nacional de Saúde do UNICEF no Brasil. Para possibilitar que essa premissa se efetive, é preciso reunir e mobilizar representantes de diferentes áreas como saúde, educação e assistência social em prol da vacinação infantil. “Nós entendemos que é necessário ir aonde as crianças estão”, explica Phebo. E em seguida pergunta, exemplificando o tipo de raciocínio que orienta o programa: “Precisamos nos questionar: quem tem acesso direto a elas? É a assistência social? A Secretaria de Educação?”.

O movimento promovido pela Busca Ativa, portanto, parte de uma força-tarefa que estimula a comunicação e o trabalho coordenado entre escola, assistência social e programas como o Bolsa Família e o Saúde da Família. O objetivo é ajudar a tornar o fluxo da informação vacinal mais assertivo e eficaz, desde a identificação das crianças sem vacina ou com atraso até o cadastro desses dados no sistema de informação do governo. A BAV conta com uma plataforma digital gratuita que oferece suporte aos agentes locais no mapeamento, registro e monitoramento dessas crianças, além de auxiliar no estabelecimento de estratégias de encaminhamento aos serviços de saúde e atualizações de vacinação, monitoramento da cobertura vacinal e identificação das vulnerabilidades que levam à não vacinação.

“No Brasil, hoje, além da falta de vacina no braço, outro problema muito sério é a falta de vacina no sistema de informação”, explica Luciana Phebo. No atual governo, lembra, a Secretaria de Informação e Saúde Digital (SEIDIGI) está fazendo um grande esforço para possibilitar a interoperabilidade, conectando o sistema da Atenção Primária à Saúde (APS) à Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS). O UNICEF tem apoiado essa mobilização com a promoção de capacitações com ênfase no letramento digital, visando esse foco específico. A participação dos profissionais de saúde dos municípios em tais atividades, por sua vez, entra como um dos critérios para o Selo UNICEF (ver quadro da p. 48), como um estímulo a mais para o engajamento dos servidores.

Oficinas e formações em imunização também são parte crucial da estratégia da BAV. A iniciativa inclui programas de capacitação online e gratuitos, voltados a agentes comunitários de saúde, a visitadores domiciliares de outras áreas e a todos os atores envolvidos direta ou indiretamente na imunização infantil. Nos percursos formativos são abordados temas como território, hesitação vacinal e letramento digital. “As necessidades vão mudando e as capacitações também”, esclarece Luciana Phebo.

Os aliados da vacinação infantil

OUTRO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL PARA COMPREENDER a dinâmica de funcionamento da BAV é a ideia de aproveitar ao máximo cada oportunidade. Partindo do pressuposto de que uma política pública eficiente pode e deve ser feita da valorização do vínculo e das ações promovidas por outras políticas, a Busca Ativa Vacinal entende como vitais os diálogos com instituições como os Centros de Referência de Assis-

tência Social (CRAS) e com as escolas da rede pública e privada. A vacinação nas escolas e a identificação das crianças com pendências de vacinação no momento da matrícula são oportunidades únicas que não podem ser desperdiçadas, segundo esse raciocínio.

“A escola é uma aliada da vacinação infantil”, afirma Luciana Phebo. Em primeiro lugar, por ser um local que já tem em sua rotina o monitoramento da documentação da criança e do cartão vacinal, mas também por sua importância na promoção da educação em saúde. “A vacinação é um autocuidado e um cuidado com o outro, e isso é muito importante de ser ensinado para as crianças e adolescentes.”

A profissional avalia que os próprios professores entendem que educar em saúde é uma das tarefas do sistema de educação básica, e que aprender a cuidar de si numa perspectiva individual, mas também coletiva, é algo que precisa estar no currículo oficial.

Nesse contexto, Luciana destaca a importância do Programa Saúde na Escola, que integra ações em saúde e educação para o aprimoramento de políticas públicas, trazendo em si a proposta da intersetorialidade, por meio da qual é promovida a vacinação no ambiente escolar, por exemplo. Sobre o risco de uma possível associação da escola à agulha ou ao medo da vacina por parte das crianças, relatos mostram o contrário. Na escola, por estarem em um ambiente social, envolvidas com colegas e brincadeiras, as crianças manifestam muito menos medo da vacina do que nos postos de saúde. Os colegas acabam incentivando e encorajando uns aos outros, o que gera uma mobilização espontânea muito positiva.

A pesquisa Escola: Uma Aliada da Vacinação Infantil ¹, realizada pelo Instituto Locomotiva a pedido da Pfizer, constatou que 76% das mães brasileiras consideram a escola como o melhor ambiente para a vacinação dos filhos. Segundo o levantamento, cerca de nove em cada dez mães acreditam que o acesso à vacinação infantil será facilitado caso a imunização seja realizada também nas escolas. As mães ouvidas manifestaram o desejo de que a escola as ajude a lembrar das doses previstas pelo calendário e que lhes envie mais comunicados sobre vacinas. Entre as vantagens desse tipo de iniciativa, a maioria das mulheres apontou a redução dos custos com deslocamento e dos gastos associados ao trajeto. Com relação à confiança, 81% das mães se mostraram seguras com a imunização no ambiente escolar. Mas se a escola, a assistência social e programas como o Bolsa Família – em que uma das condicionalidades é a imunização completa – têm tanta importância para a recuperação das coberturas vacinais, a vacinação abre outros caminhos. “A vacinação atinge mais pessoas do que qualquer outro serviço de saúde social no mundo”, argumenta Luciana Phebo, “então ela acaba sendo porta de entrada para outras políticas públicas que contribuem para a redução da pobreza.”

No âmbito da assistência social, reduz a incidência de infecções, o que auxilia na proteção financeira das famílias ao diminuir os gastos com doenças. “Existe um cálculo de que as vacinas ajudarão a evitar

A AUTORA

CLARA CALDEIRA é jornalista, mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Atuou na imprensa alternativa com foco em cultura, sustentabilidade, cidadania e direitos humanos e hoje concentra suas atividades no terceiro setor.

A ESCOLA É UMA ALIADA DA VACINAÇÃO INFANTIL POR SUA IMPORTÂNCIA NA PROMOÇÃO DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE.

A VACINAÇÃO É UM AUTOCUIDADO E UM CUIDADO COM O OUTRO ,

E ISSO É MUITO IMPORTANTE DE SER ENSINADO PARA AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

que até 24 milhões de pessoas entrem na linha da pobreza até 2030”, destaca Phebo, o que fortalece a importância da vacina para o êxito das políticas públicas assistenciais.

O cálculo que Luciana Phebo menciona é resultado de uma pesquisa realizada pela Universidade Harvard, em parceria com a Gavi (The Vaccine Alliance), e publicada em 2018 na revista científica Health Affairs 2 O estudo mediu o impacto econômico e de saúde das vacinas para dez doenças em 41 países em desenvolvimento e constatou que, além de reduzir a pobreza, as vacinas administradas entre 2016 e 2030 evitariam 36 milhões de mortes. De acordo com Seth Berkley, epidemiologista e CEO da Gavi na época, as vacinas não apenas salvam vidas, mas também provocam um enorme impacto econômico nas famílias e comunidades. Uma criança saudável tem mais chances de frequentar a escola e futuramente se tornar um membro produtivo da sociedade, enquanto sua família pode evitar os custos, muitas vezes devastadores, que uma doença pode acarretar. Uma outra pesquisa, de 2016, empreendida pela Universidade Johns Hopkins, também nos Estados Unidos, publicada em 2016 na mesma Health Affairs3, constatou que para cada US$ 1 gasto em imunização, US$ 16 são economizados em custos de saúde, salários perdidos e perda de produtividade devido a doenças. Levando em conta os benefícios mais amplos de pessoas vivendo uma vida mais longa e saudável, o retorno do investimento aumenta para US$ 44 por cada US$ 1 gasto.

Mas se as escolas e a assistência social já estão mobilizadas e juntas pela recuperação das altas taxas de cobertura, há também a possibilidade de envolvimento com grupos mais inusitados. Um exemplo é a parceria que o UNICEF está iniciando com o Conselho Nacional do Ministério Público para poder chegar até os cartórios, onde se faz a emissão da certidão de nascimento das crianças. Luciana Phebo lembra ainda que, no Brasil, é muito comum o pai do recém-nascido ir até o cartório fazer o registro de nascimento. “Essa também é uma oportunidade para engajar o homem nessa agenda, para que isso não fique só nas costas da mulher, porque tem uma questão de gênero importante envolvida nos assuntos do cuidado”, pontua.

Baturité: um piloto de sucesso

PARA CHEGAR AO DESENHO FINAL DA ESTRATÉGIA da Busca

Ativa Vacinal, o UNICEF, também com a parceria estratégica da Pfizer e apoio da Fundação José Luiz Setúbal, investiu em projetos-piloto em quatro municípios, sendo dois deles Baurité (CE) e Campina Grande (PB). Ao longo de 2022, a metodologia foi implementada nas redes municipais de saúde desses quatro municípios, testada e aprimorada para que, no futuro, pudesse ser utilizada em larga escala.

Por meio de reuniões virtuais mensais e alguns encontros presenciais, foram discutidas a organização das equipes e a metodologia

em cada município, as realidades locais, as diferentes iniciativas que já eram desenvolvidas para alcançar as coberturas vacinais ideais, além do que estava funcionando bem e quais as vulnerabilidades que impediam cada gestão de alcançar as metas estabelecidas. A cada encontro, os municípios recebiam materiais atualizados, ferramentas para diagnóstico institucional e novas apresentações para sensibilizar e gerar conhecimento sobre a BAV. Além disso, foram entregues os kits-BAV, compostos de camisetas e guias da metodologia do programa, guias de implantação no local e cartilhas para análise da carteira de vacinação. Todos os materiais foram desenvolvidos e testados durante os pilotos e depois passaram a integrar a estratégia maior, lançada no final de 2022.

Com relação à cobertura da tríplice viral (segunda dose), medida internacionalmente usada para avaliar o alcance dos programas de imunização infantil além do primeiro ano de vida, Barreirinha apresentou um crescimento sutil após o primeiro ano de BAV, mas indica uma tendência de crescimento acentuada em 2024, com grandes chances de fechar o ano próximo da meta de 95% segundo levantamento do DataSUS realizado pelo UNICEF Brasil. Já Abaetetuba, que no início da BAV estava próximo aos 30%, apresentou uma ligeira queda em 2023, mas parece estar se recuperando, podendo terminar 2024 perto dos 50%. Campina Grande, que já ostentou uma cobertura de quase 100% em 2019, sofreu uma queda vertiginosa com a pandemia de Covid-19 em 2020, aproximando-se dos 20%, mas termina 2024 se aproximando dos 50%. Percebe-se, assim, que há uma assimetria importante dos impactos, como observa o médico e oficial de saúde do UNICEF no Brasil Gerson da Costa Filho. “Mas eles tendem a se acumular com os anos conforme os esforços de recuperação, sobretudo após a pandemia de Covid-19, e vão se sedimentando”, explica Costa Filho.

Em Baturité, uma cidade de 35 mil habitantes, a implementação foi tão bem-sucedida que, após um ano de BAV, a cobertura vacinal média subiu de 43% para 95%, de acordo com a Secretaria de Saúde. Com relação à tríplice viral, assim como Campina Grande, o município contava com uma cobertura exemplar antes da pandemia e sofreu um baque em 2020, atingindo patamares próximos aos 20%, mas se recuperou e agora já se aproxima da sonhada cobertura total. Com isso, o Baturité alcançou a maior cobertura vacinal do Ceará, levando o governo do estado a assinar, em julho de 2023, o termo de adesão à iniciativa, com o objetivo de incentivar outros municípios a atingir as metas de cobertura estabelecidas pelo Ministério da Saúde – que variam de 90% a 95%, dependendo do imunizante.

Micael Pereira Nobre, coordenador de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Saúde de Baturité, explicou que as funerárias do município costumam ter planos de atendimento médico popular, oferecendo serviços acessíveis aos clientes por meio de parcerias nas áreas médica, odontológica e laboratorial. Com isso, a busca ativa das pessoas que não foram vacinadas e das mães que não vacina-

ram as crianças é feita também nesses estabelecimentos. A inusitada oportunidade identificada e aproveitada no contexto da busca ativa exemplifica com perfeição a aplicação prática de uma das principais diretrizes do programa.

Em Baturité, antes mesmo da adoção da metodologia BAV, um dos primeiros passos foi o estabelecimento de metas por coordenação da área de saúde para melhorar a cobertura vacinal. Para que isso fosse possível, e também para conceber estratégias e prever recursos, uma investigação inicial foi fundamental. Um bom diagnóstico implica dispor não somente de indicadores confiáveis, mas também de informações sobre as políticas em vigor, as condições da estrutura de saúde, a disponibilidade e a qualidade da mão de obra. Foi justamente essa etapa que detectou, por exemplo, que não havia nenhuma sala de vacinação informatizada no município e que, com frequência, os medicamentos eram armazenados incorretamente. Após o diagnóstico obtido com a implementação da BAV, foi feita a reposição das câmaras frias, as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) foram reformadas, todas as salas de vacinação passaram a ter internet e prontuário eletrônico e um plano de contingência foi criado para a falta de energia: “agora tem sempre uma pessoa de sobreaviso para colocar esse plano em ação caso seja necessário”, conta Nobre. Com relação aos registros e sistemas de informação, no início da série de medidas no município foram encontrados incontáveis erros de digitação e de inserção dos números nas cadernetas. Não raro, o registro da segunda dose era feito em substituição ao da primeira, que era apagado. Baturité realizou então, no começo do projeto, um mutirão para que os agentes comunitários de saúde atualizassem o cadastro das famílias e ajudassem a corrigir o banco de dados e, nesse sentido, as capacitações também constituíram um pilar importan-

te da mobilização. Para Gerson da Costa Filho, essa força-tarefa foi central para o sucesso da experiência de Baturité, o que foi corroborado pelos resultados de outros municípios que não fizeram parte do piloto, mas integram a iniciativa Selo UNICEF. Investir desde o começo na qualificação da informação e na captação dos resultados através dos sistemas de informação foi, segundo ele, um dos grandes aprendizados e que deverá ser levado para ações futuras.

Já em comunicação, outra área fundamental, além das parcerias com as rádios locais, que segundo Nobre tiveram importância decisiva para o sucesso da busca ativa, foi feito um trabalho intenso nas redes sociais com foco no Instagram. “Se você não comunica, você não consegue seu objetivo final”, comenta o coordenador.

Outra iniciativa que colaborou para os bons resultados do município foi a criação de mutirões de vacinação em diferentes localidades –para além das unidades de saúde – e a expansão dos horários de vacinação, com o objetivo de contemplar mães e pais que trabalham o dia todo.

Para que as mudanças alavancadas pela metodologia BAV tenham êxito e continuidade, é importante que ela seja capaz de promover transformações estruturais. Isso pode acontecer de diferentes formas, por meio de ações de incidência e advocacy, tendo sempre em vista o fortalecimento da intersetorialidade. Um exemplo representativo seria a criação de uma lei ou decreto municipal que estabeleça fluxos entre educação, saúde e assistência social. Assim, quando uma criança sem vacina é identificada, onde quer que ela esteja, os servidores públicos sabem o que fazer – tanto no que se refere ao encaminhamento do caso como em relação ao registro da informação. Um grande aliado nesse contexto é o Selo UNICEF, que, em 2024, certificou mais de 900 municípios do Norte e Nordeste que evoluíram em um conjunto de indicadores, incluindo a vacinação infantil.

SELO UNICEF: UMA AGENDA PRIORITÁRIA PARA A INFÂNCIA E A ADOLESCÊNCIA

O SELO UNICEF É UMA ESTRATÉGIA criada para fortalecer as políticas públicas municipais voltadas às crianças e aos adolescentes que vivem na Amazônia Legal brasileira e no Semiárido, e que se mostrou uma grande aliada na luta pela recuperação das altas coberturas vacinais. Ao aderir ao Selo UNICEF de forma espontânea, os gestores assumem o compromisso de manter uma agenda direcionada à infância e à adolescência como prioridade. A adesão inclui o monitoramento de indicadores sociais e a implementação de ações que ajudem o município a cumprir a Convenção sobre os Direitos da Criança, que no Brasil é refletida no Estatuto da Criança e do Adolescente e inclui o direito à vacinação. O sucesso do Selo UNICEF é resultado da parceria com governos estaduais e municipais por meio da atuação integrada.

A última edição (2021-2024) contou com a participação de 2.023 municípios, de 18 estados, dos quais 923 conseguiram o certificado, sendo que para imunização, enquanto, no Brasil, de 2020 a 2023, as coberturas da Tríplice Viral D2[i] aumentaram 2,6% (de 64,27% para 65,91%), nos municípios certificados pelo Selo UNICEF em 2024 o aumento foi de 17,7% (de 56,4% para 66,4%) no mesmo período. Um exemplo de ação pela retomada das coberturas por meio do Selo é definir a instituição de um decreto ou lei municipal que reforce a intersetorialidade da imunização como uma das iniciativas optativas que resultam na obtenção do certificado e que se tornará obrigatória na próxima edição. “Com isso, estamos conseguindo estimular a intersetorialidade em diversos municípios do Norte e do Nordeste”, comemora Luciana Phebo. Num decreto como esse,

segundo Phebo, tem que estar descrito o fluxo, as portas de entrada para identificar a criança não vacinada e também a implementação da vacinação nas escolas. Atualmente, já são 265 municípios com o Selo UNICEF que aprovaram normativas municipais relacionadas a decretos ou leis sobre imunização, seguindo as diretrizes do programa. “A assistência social tem como função identificar e encaminhar, mas a escola é um lugar estratégico para a vacinação”, ressalta a chefe de Saúde do UNICEF. Phebo destaca ainda a importância da territorialização para fortalecer a intersetorialidade. “Toda escola tem uma Unidade Básica de Saúde que a atende, é assim que é pensado o SUS”, explica. “Então é viável a gente pensar que haja esse trabalho em conjunto, detectando as crianças não imunizadas e promovendo a vacinação”, finaliza.

A esperança nos números

EM 2023, O NÚMERO DE CRIANÇAS QUE NÃO RECEBERAM a primeira dose da vacina contra a poliomielite foi menor do que em 2022. Dados do DataSUS mostram que o Brasil conseguiu retomar os avanços na imunização infantil após anos de queda nas coberturas vacinais, que colocaram em risco a saúde de milhões de crianças. No entanto, apesar dos avanços, os números ainda não indicam um cenário de tranquilidade equiparável ao anterior ao início da queda. Ainda há crianças não vacinadas no país, que precisam ser encontradas e imunizadas, em um esforço conjunto envolvendo saúde, educação e assistência social.

O levantamento realizado pelo UNICEF, com base em dados do Ministério da Saúde, mostra que em 2022 nasceram 2,56 milhões de crianças no Brasil e foram aplicados 2,32 milhões de primeiras doses da pólio (VIP) – o que significa que 243 mil crianças não receberam a vacina. Em 2023, dos 2,42 milhões de nascidos, 2,27 milhões receberam a primeira dose de pólio injetável e 152,5 mil ficaram sem a vacina. A retomada da imunização é um avanço que merece ser comemorado, de acordo com Youssouf Abdel-Jelil, representante do UNICEF no Brasil. Entretanto, para ele os desafios ainda existem e precisam continuar sendo encarados: “Essa busca tem de ultrapassar os muros das Unidades Básicas de Saúde e alcançar outros espaços em que crianças e famílias, muitas em situação de vulnerabilidade, estão”, defende.

A tendência de recuperação das coberturas vacinais é fruto do planejamento adotado desde o início pela atual gestão do Ministério da Saúde. O trabalho incluiu a criação do Movimento Nacional pela Vacinação e a implementação da estratégia de microplanejamento, sempre com respeito e atenção às particularidades de cada município. Após todo esse esforço e um investimento de mais de R$ 5,6 bilhões na compra de imunizantes, o ministério registrou, em 2023, aumento nas coberturas vacinais de 13 dos 16 principais imunizantes do calendário infantil do Programa Nacional de Imunizações (PNI), em comparação com dados de 2022. Registraram crescimento vacinas contra a poliomielite (VIP e VOP), pentavalente, rotavírus, hepatite A, febre amarela, meningocócica C (primeira dose e reforço), pneumocócica 10 (primeira dose e reforço), tríplice viral (primeirae segunda doses) e reforço da tríplice bacteriana (DTP, que previne contra a difteria, o tétano e a coqueluche).

A importância de trabalhar a intersetorialidade e múltiplos indicadores é reforçada num contexto em que ainda é preciso chegar àquelas crianças às quais o acesso é mais difícil e que, por isso, ainda não foram vacinadas. “Conforme a cobertura vacinal for aumentando, e ela está aumentando, cada vez fica mais complexo chegar àquela criança que não foi vacinada”, diz Luciana Phebo. “Por isso, necessariamente a saúde precisa atuar de forma articulada com a educação, assistência social, e outros grupos devem ser acionados, como grupos religiosos, por exemplo”, defende. Phebo lembra a importância da conscientização dos jovens, que já são ou vão se tornar pais e mães no futuro, para que eles possam entender a importância da vacinação. “Muitos desses jovens não viveram a poliomielite no Brasil, não conhecem o drama, a dor. Muitos deles também não viram crianças morrendo.”

NENHUMA CRIANÇA PODE FICAR PARA TRÁS

OUTRO INDICADOR IMPORTANTE que tem sinalizado uma tendência positiva é o parâmetro “criança zero dose”, utilizado pelo UNICEF e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e que corresponde ao número de crianças que não tomaram a primeira dose da DTP (vacina tríplice que previne contra a difteria, o tétano e a coqueluche).

No Brasil, em geral a primeira vacina que as crianças recebem é a BCG (contra as formas graves de tuberculose), diferentemente da maior parte do mundo, o que torna esse um indicador global importante. Em 2021, com relação à “criança zero dose”, o Brasil estava entre os dez piores países do mundo, ocupando o sétimo lugar no ranking organizado pela OMS, com 687 mil crianças. Em 2022, foi para a oitava posição, com 417,9 mil crianças. Em 2023,4 saiu do ranking dos dez piores e não figurou nem entre os 20 piores, com 103 mil crianças “zero dose”, um avanço que merece ser celebrado. Outro indicador importante é constituído pela soma entre o número de crianças “zero dose” e o número de crianças com atraso vacinal. Em 2022, esse número chegou a 620 mil crianças, mas em 2023 também foi possível observar uma melhora considerável: ficou em 257,4 mil crianças.

A vacina é um direito da criança, assegurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e, quando uma campanha de imunização chega a 95% de crianças vacinadas, é sempre importante lembrar que isso significa que 5% das crianças não estão vacinadas, ou seja, o trabalho ainda não acabou. A agenda de imunização 2030, ligada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) – por meio dos quais a Organização das Nações Unidas propõe metas a ser cumpridas por todos os países-membros –, sugere, como princípio, não deixar nenhuma criança para trás. No caso específico do Brasil, essa meta incorpora ainda a cobertura universal de saúde (que inclui o acesso às vacinas), apoio à pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e inovações. “Com esse indicador (‘criança zero dose’) a gente consegue contabilizar quantas crianças estão nessa situação de extrema vulnerabilidade com relação à proteção imunológica”, explica Luciana Phebo. “A vacinação é uma questão de direitos humanos e essa noção é muito importante para nós”, declara. O

NOTAS

1 Instituto Locomotiva. Pfizer. Escola: uma aliada da vacinação infantil. Abril de 2023. Disponível em: https://www.pfizer.com.br/files/White-Paper_Pesquisa-escolauma-aliada-da-vacina%C3%A7%C3%A3o.pdf

2 Gavi (The Vaccine Alliance). Harvard University. Study: vaccines prevent not just disease, but also poverty. 2018. Disponível em: https://www.gavi.org/news/mediaroom/study-vaccines-prevent-not-just-disease-also-poverty

3 Johns Hopkins University. Return on investment from childhood immunization in low-and middle-income countries, 2011–20. Health Affairs, 2016. Disponível em: https://www.healthaffairs.org/doi/10.1377/hlthaff.2015.1086

4 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Brasil avança na imunização infantil e sai da lista dos países com mais crianças não vacinadas no mundo. https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/brasil-avanca-naimunizacao-infantil-e-sai-da-lista-dos-paises-com-mais

VACINAÇÃO ÉTICA GLOBAL: os dilemas no século 21

Em um mundo marcado por profundas desigualdades sociais, a vacinação transcende sua eficácia médica e emerge como questão ética fundamental. O tema impõe reflexões cruciais sobre justiça social e equidade em saúde, desde o desenvolvimento dos imunizantes até sua distribuição mundial. Entre avanços científicos e obstáculos socioeconômicos, o desafio atual reside em garantir que essa poderosa ferramenta de saúde pública alcance efetivamente todas as populações, superando barreiras geográficas, econômicas e políticas

EM FOCO

EMBORA SEJA UMA DAS INTERVENÇÕES mais efetivas da saúde pública, tendo salvado cerca de 154 milhões de vidas no planeta nos últimos 50 anos, a vacinação enfrenta desafios significativos. Para além da eficácia médica, estão em jogo a hesitação vacinal, o conflito entre autonomia individual e bem-estar coletivo, desigualdades no acesso global a vacinas e questões éticas relacionadas ao desenvolvimento de imunizantes para doenças negligenciadas que afetam principalmente países pobres.

A VACINAÇÃO É AMPLAMENTE RECONHECIDA como uma das intervenções mais efetivas e significativas já desenvolvidas para a saúde pública, responsável por salvar cerca de 154 milhões de vidas no planeta ao longo dos últimos 50 anos1. Respaldado por evidências científicas robustas, esse impacto impressionante reafirma o papel das vacinas tanto na promoção da saúde coletiva como na proteção individual2, especialmente quando há ampla adesão populacional às campanhas de imunização. No entanto, o êxito dos programas vacinais transcende aspectos puramente técnicos, como a eficácia da vacina. Para analisar o sucesso de uma campanha, é preciso levar em conta estratégias que garantam o acesso do maior número possível de pessoas aos imunizantes, por meio de políticas públicas de saúde e outros possíveis incentivos para que a população opte por se vacinar. Além disso, essa análise deve contemplar as profundas desigualdades sociais existentes no interior dos países e também as disparidades entre eles, com particular atenção às regiões do Sul Global marcadas pela pobreza extrema.

Por Ana Elisa Bersani e Marcos Paulo de Lucca-Silveira

A vacinação, portanto, é um tema que suscita debates éticos de grande relevância, envolvendo questões sobre justiça social, equidade na alocação de recursos e desafios da saúde global. Este artigo explora três aspectos centrais dessa discussão: pesquisa e desenvolvimento de vacinas, políticas públicas de imunização e distribuição vacinal.

O ponto de partida

OAVANÇO CIENTÍFICO NO CAMPO da vacinação depende de uma colaboração complexa entre cientistas, governos, empresas de biotecnologia e grandes farmacêuticas multinacionais. Tradicionalmente, as iniciativas vacinais foram financiadas por uma combinação de investimentos comerciais e subsídios governamentais. Nas últimas décadas, entretanto, grupos filantrópicos e parcerias público-privadas emergiram como atores centrais, como é o caso de imunizantes para doenças negligenciadas ou com mercados limitados. Para que uma vacina se ache disponível à população, primeiramente é necessário o cumprimento de diversas etapas de pesquisa e desenvolvimento (P&D), processo que envolve altos custos financeiros. Há muitas doenças que, a despeito da existência de pesquisas relacionadas, não apresentam avanços terapêuticos, como vacinas, por exemplo, devido à falta de incentivos econômicos para o seu desenvolvimento. Entre essas enfermidades, destacam-se as doenças tropicais negligenciadas (DTNs), que afetam desproporcionalmente países de média e baixa renda. Apesar de atingirem mais de 1,6 bilhão de pessoas no mundo contemporâneo3, as DTNs recebem um investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de vacinas significativamente menor em comparação a doenças que atingem países mais ricos. Isso reflete uma disparidade global no que diz respeito ao financiamento e às prioridades da indústria farmacêutica, que tende a focar em mercados mais lucrativos. O desafio ético aqui é como equilibrar os interesses econômicos das empresas com o compromisso de atender às necessidades de saúde das populações mais vulneráveis.

A diversidade de atores e financiadores dos estudos resulta em uma gama ampla de prioridades de pesquisa, objetivos e indicadores de sucesso. Embora todos os atores compartilhem a meta comum de criar imunizantes seguros e eficazes, não são raras as divergências sobre quais estratégias seriam as mais adequadas para alcançar esse propósito e quais seriam as prioridades de P&D. As estratégias de parceria estabelecidas para o desenvolvimento da vacina contra a Covid-19, por exemplo, são um ótimo paradigma de colaboração de sucesso entre atores institucionais e individuais de diferentes setores4.

O contexto de pesquisa e desenvolvimento nessa área da saúde apresenta também outro conjunto de desafios éticos extremamente relevante. Entre outras questões presentes no debate contemporâneo sobre ética e vacinas, podemos listar:

• Estudos clínicos podem ser conduzidos fora dos países-sede da pesquisa e desenvolvimento das farmacêuticas?

• Como garantir que todos os protocolos e padrões éticos para testes de vacinas sejam seguidos, quando as pesquisas são conduzidas em países onde as doenças negligenciadas são endêmicas e as populações mais vulneráveis?

• Esses grupos podem ser incluídos em ensaios clínicos sem o acesso adequado às informações, à proteção jurídica ou aos benefícios após o estudo, como o próprio fornecimento das vacinas desenvolvidas através dele?

• Quais são as obrigações e responsabilidades das instituições e dos pesquisadores em relação à condição de saúde da população que se submete à pesquisa?

• As instituições e seus pesquisadores devem ser responsáveis por cuidados de saúde além dos associados diretamente à pesquisa?

Na atualidade, é consenso científico que as vacinas são supervisionadas de forma rigorosa e regulamentadas por diferentes entidades de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Cabe a esses órgãos, inicialmente, a responsabilidade de determinar se uma nova vacina deve ser licenciada e, caso aprovada, definir as populações-alvo para as quais sua aplicação será recomendada. No Brasil, essa atribuição cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que desempenha um papel crucial na garantia da segurança e eficácia das vacinas.

Após o licenciamento, essas instituições, em colaboração com os fabricantes, continuam monitorando a segurança e a eficácia das vacinas ao longo de sua vida útil. Contudo, esses processos têm gerado debates importantes nos últimos anos, muitas vezes relacionados à transparência das decisões, à comunicação dos riscos e benefícios e, ainda que raros, aos casos de eventos adversos. Esses fatores têm impacto direto na confiança pública, um aspecto essencial para o sucesso dos programas de imunização. Nesse sentido, tais questões éticas são relevantes e permeiam todo o processo de regulamentação.

Uma das principais críticas à formulação de políticas de vacinação em âmbito global reside no potencial conflito de interesses envolvendo agentes governamentais e pesquisadores que mantêm vínculos, sejam financeiros ou de outra natureza, com fabricantes de vacinas. Apesar de a maioria dos órgãos consultivos estabelecer políticas claras para a divulgação de potenciais

OS AUTORES

ANA ELISA BERSANI é doutora em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Pesquisadora do Centro de Estudos de Migrações Internacionais (CEMI) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e do Departamento de Pesquisa da Fundação José Luiz Setúbal (FJLS). É membro do Observatório Saúde e Migração da FENAMI. Desenvolve pesquisa com especial interesse nas áreas de Saúde e Ajuda Humanitária, com ênfase em contextos de migração, crise e pós-desastre. Atua junto à organização internacional Médicos Sem Fronteiras desde 2016 como coordenadora de Promoção de Saúde.

MARCOS PAULO DE LUCCA-SILVEIRA é pesquisador-chefe do Departamento de Pesquisa da Fundação José Luiz Setúbal, professor da Escola de Economia de São Paulo, Fundação Getulio Vargas (EESP-FGV). Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, é também Coordenador do LEAP-FGV (Lab for Economics and Applied Philosophy), pesquisador associado ao CEM (Centro de Estudos da Metrópole) e ao Núcleo de Saúde do Insper.

EM

UMA SOCIEDADE INTERCONECTADA, AS ESCOLHAS INDIVIDUAIS

RELACIONADAS À VACINAÇÃO TÊM REPERCUSSÕES DIRETAS NA SAÚDE E SEGURANÇA DOS OUTROS .

A AUTONOMIA, PORTANTO, NÃO PODE SER TRATADA

COMO UM DIREITO ABSOLUTO

Para mitigar suspeitas de parcialidade e reforçar a confiança pública, torna-se indispensável a adoção de princípios como transparência, minimização de benefícios pessoais, desincentivo a interesses conflitantes e ampla divulgação dos vínculos institucionais. Esses mecanismos não apenas protegem a integridade do processo decisório, mas também asseguram que ele seja pautado por evidências científicas e orientado pelo melhor interesse da saúde coletiva. A atenção rigorosa a essas práticas é essencial para preservar a legitimidade e a eficácia das políticas de vacinação, fortalecendo sua aceitação e impacto na sociedade.

Além disso, as comunidades de saúde pública e os órgãos reguladores devem responder de maneira assertiva e ágil a relatos de eventos adversos associados a vacinas, mesmo quando, à primeira vista, eles pareçam improváveis. Ainda que as evidências apontem que uma preocupação relatada seja infundada, tais garantias dificilmente eliminam as inquietações da população. Esse cenário foi ilustrado pelas alegações, cientificamente refutadas, que associavam vacinas infantis ao autismo, amplamente discutidas desde a década de 1990, por exemplo. Investigações abertas, rápidas e objetivas sobre as preocupações relacionadas à segurança das vacinas são cruciais para preservar a confiança nos programas de vacinação e no rigor de sua supervisão regulatória.

Políticas Públicas: combate à hesitação vacinal

ORECENTE CRESCIMENTO DOS MOVIMENTOS antivacina e da desconfiança em relação às vacinas tem intensificado os debates sobre a obrigatoriedade da vacinação, tornando-os ainda mais relevantes para a formulação de políticas públicas de saúde. No entanto, seria um equívoco supor que as controvérsias e dissensos éticos sobre o tema sejam fenômenos recentes, assim como as resistências à obrigatoriedade vacinal. Eventos históricos, como a Revolta da Vacina de 1904, no Rio de Janeiro, demonstram que programas de imunização e políticas públicas de saúde figuram como elementos centrais das disputas políticas e sociais há mais de um século.

As questões éticas associadas à vacinação obrigatória são numerosas e complexas. Elas envolvem perguntas fundamentais como:

• Qual é o limite da autonomia individual diante de decisões coletivas, como políticas públicas de vacinação?

• Quais riscos podem ser considerados aceitáveis em nome dos benefícios coletivos da imunização em massa?

• Até que ponto intervenções governamentais podem ser consideradas legítimas quando violam as preferências individuais?

• Os Estados deveriam vacinar crianças contra a vontade de seus pais? Se sim, em todas as situações ou apenas em circunstâncias específicas?

Uma das questões centrais nesse debate ético é o conflito entre a autonomia individual e a proteção coletiva. Para muitos, a decisão de vacinar-se deveria ser uma escolha pessoal e voluntária, refletindo o direito de cada indivíduo de decidir sobre seu próprio corpo, um princípio fundamental na bioética. Contudo, em uma sociedade interconectada, as escolhas individuais relacionadas à vacinação têm repercussões diretas na saúde e segurança dos outros. Dessa forma, especialistas argumentam que a autonomia individual pode ser legitimamente limitada em situações de risco severo à saúde pública, buscando um equilíbrio entre os direitos individuais e o bem-estar coletivo.

A autonomia, portanto, não pode ser tratada como um direito absoluto, especialmente quando suas implicações impactam negativamente a comunidade. A recusa individual em se vacinar pode contribuir para surtos de doenças evitáveis, ameaçando populações vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas imunocomprometidas. Nesse contexto, a responsabilidade coletiva deve ser ponderada em conjunto com a liberdade individual, reconhecendo-se que a proteção da saúde pública depende de decisões que promovam tanto a equidade como a responsabilidade coletiva.

Para enfrentar essas complexas questões, governos de distintas partes do mundo adotam estratégias para incentivar altas taxas de vacinação entre seus cidadãos. Um exemplo emblemático é a exigência de vacinação como condição para a matrícula de crianças em creches e escolas, o que tem provocado um debate que reflete não apenas a tensão intrínseca nas políticas de saúde pública entre a autonomia individual (ou parental) e o bem-estar coletivo, mas também levanta questões sobre o papel e os limites da intervenção governamental na proteção da saúde infantil. Esses requisitos têm como objetivo promover a imunização individual das crianças, enquanto buscam reduzir a transmissão de doenças nas comunidades, reforçando a proteção coletiva.

A vinculação da vacinação ao acesso a benefícios sociais e programas governamentais tem sido amplamente reconhecida por autoridades de saúde pública como uma medida eficaz para manter taxas de imunização suficientemente elevadas para garantir a imunidade coletiva. Essa abordagem é particularmente relevante quando iniciativas baseadas exclusivamente em educação e promoção voluntária não alcançam resultados satisfatórios. A imunidade coletiva, proporcionada por altas taxas de vacinação, oferece proteção contra doenças preveníveis a toda a comunidade, incluindo grupos vulneráveis: crianças muito pequenas para serem vacinadas, indivíduos conflitos, essa preocupação permanece. Mesmo com a convicção de que tais relações financeiras não estejam influenciando diretamente as decisões, é essencial que os responsáveis pela definição das políticas vacinais reconheçam o impacto dessas associações na percepção pública e na credibilidade de suas ações.

PAÍSES RICOS COMUMENTE GARANTEM GRANDES ESTOQUES DE VACINAS, ENQUANTO AS NAÇÕES DE BAIXA RENDA

ENFRENTAM GRANDE DIFICULDADE PARA ADQUIRIR DOSES SUFICIENTES.

ESSE DESEQUILÍBRIO SUSCITA QUESTÕES ÉTICAS CRUCIAIS

com contraindicações médicas à vacinação e aqueles que, mesmo vacinados, não desenvolveram uma resposta imunológica robusta. Essas medidas, portanto, desempenham um papel crucial na proteção da saúde pública e na prevenção de surtos de doenças evitáveis. Mesmo filósofos adeptos de abordagens libertarianas – que valorizam muito a liberdade e a autonomia individuais – se posicionam favoráveis a políticas de vacinação mandatórias em casos de surto ou em situações que possam colocar em risco a vida de outras pessoas. Poucos modelos éticos consideram a autonomia individual um princípio absoluto que deva prevalecer sobre todas as outras considerações. Na prática, o respeito à autonomia é geralmente equilibrado com outros fatores, como o bem-estar coletivo, a justiça e a prevenção de danos. No contexto da vacinação, há argumentos éticos sólidos de que as vidas salvas e o sofrimento evitado por meio da imunização superam a possível violação da autonomia individual gerada por requisitos vacinais impostos por governos. Essa justificativa é particularmente relevante na imunização infantil, em que os benefícios diretos e indiretos da vacinação têm implicações profundas na saúde pública.

Uma questão ética intimamente relacionada a essas ponderações diz respeito à maneira como médicos e outros profissionais de saúde devem lidar com pais que optam por seguir abordagens alternativas à vacinação, divergindo das recomendações baseadas em evidências formuladas por autoridades de saúde pública e organizações médicas, como o cumprimento do cronograma vacinal. Essa situação suscita debates sobre a responsabilidade dos médicos para com o bem-estar das crianças e a proteção da saúde coletiva, ao mesmo tempo que levanta preocupações sobre a relação médico-paciente e o respeito às preferências dos pais.

Entre as posições em discussão, alguns defendem que médicos se recusem a atender crianças cujos pais decidam atrasar ou omitir vacinas recomendadas. Esse argumento sustenta que tal recusa enviaria uma mensagem inequívoca sobre a importância da vacinação em tempo oportuno e reduziria o risco, ainda que teórico, que crianças não vacinadas possam representar para outros pacientes

em salas de espera. Contudo, críticos dessa abordagem alegam que a exclusão de pacientes deveria ser reservada apenas para circunstâncias excepcionalmente graves, nas quais as divergências entre médicos e pais comprometam profundamente a capacidade de oferecer cuidados adequados às crianças.

Além disso, a vacinação infantil é especialmente sensível do ponto de vista ético, pois envolve decisões tomadas por pais em nome de seus filhos, que ainda não têm capacidade de exercer a própria autonomia. Negar vacinas às crianças, seja por omissão ou atraso, não apenas compromete sua saúde imediata, mas também enfraquece a imunidade coletiva, expondo populações vulneráveis a riscos evitáveis.

Há ainda debates éticos relevantes que surgem quando indivíduos ou grupos reivindicam o direito de recusar a vacinação com base em convicções filosóficas, morais ou religiosas, desafiando as exigências legais ou institucionais para a imunização. O respeito à liberdade religiosa e à liberdade de consciência é amplamente reconhecido como um direito humano fundamental. Em muitos países, essa liberdade inclui a possibilidade de recusar intervenções médicas, como a vacinação, com base em crenças religiosas ou filosóficas. De um ponto de vista ético, permitir tais exceções é um reflexo do compromisso de uma sociedade democrática em proteger a diversidade de crenças e valores individuais.

No entanto, essa liberdade não é absoluta. A recusa à vacinação pode gerar riscos que transcendem o âmbito pessoal, afetando a saúde de terceiros e comprometendo a imunidade coletiva. Essa responsabilidade coletiva justificaria, para muitos, a limitação das exceções, especialmente em situações em que surtos de doenças são iminentes ou quando as taxas de vacinação estão perigosamente abaixo do nível necessário para garantir a imunidade coletiva.

Ademais, exceções religiosas ou filosóficas podem gerar desigualdades, já que os indivíduos que recusam as vacinas se beneficiam indiretamente da imunidade coletiva garantida por aqueles que aceitam a vacinação, sem contribuir com tal esforço coletivo. Essa circunstância levanta questões sobre justiça distributiva e equidade na divisão de riscos e responsabilidades dentro de uma sociedade.

Como superar barreiras

ADESIGUALDADE NO ACESSO ÀS VACINAS representa um dos desafios éticos mais prementes na saúde pública, especialmente quando os recursos vacinais são limitados e a demanda supera a oferta. A questão central é como alocar esses recursos de forma justa e eficaz. Trata-se de um debate que ocorre tanto no âmbito interno dos países, como também globalmente.

Do ponto de vista bioético, a alocação de vacinas exige um equilíbrio entre atender às necessidades das populações mais vulneráveis, otimizar os resultados da saúde pública e garantir justiça e transparência no processo de distribuição. Nesse contexto, a estratégia de alocação em situações de escassez deve priorizar, simultaneamente, a proteção das populações mais suscetíveis e a eficácia na contenção da propagação de doenças. Além disso, o processo deve ser conduzido de maneira transparente, incluindo a participação de diversos grupos sociais, com o intuito de construir confiança pública e assegurar que as políticas de distribuição sejam amplamente aceitas e compreendidas pela sociedade. Uma abordagem amplamente adotada para a alocação de vacinas em cenários de escassez é a priorização dos grupos mais vulneráveis ou daqueles com maior risco de complicações graves. Isso inclui, por exemplo, idosos, pessoas com comorbidades e profissionais de saúde da linha de frente, que estão mais expostos ao risco de infecção. Ainda, a vacinação de profissionais essenciais, como trabalhadores da saúde, professores e outros agentes que desempenham um papel crucial na continuidade das funções sociais e econômicas, também é frequentemente priorizada. Essa estratégia visa não apenas proteger os indivíduos mais vulneráveis, mas também reduzir a transmissão comunitária, maximizando os benefícios para a sociedade como um todo e buscando minimizar os impactos da doença no coletivo. Por outro lado, de uma perspectiva global temos um problema ético gigantesco relacionado às vacinas. Países ricos comumente garantem grandes estoques de vacinas, enquanto as nações de baixa renda enfrentam grande dificuldade para adquirir doses suficientes. Esse desequilíbrio suscita questões éticas cruciais sobre justiça e prioridades na alocação de recursos, exigindo esforços coordenados para mitigar tais disparidades. Isso implica a necessidade de acordos e iniciativas globais que priorizem o envio de vacinas para áreas menos favorecidas, além de uma colaboração internacional mais eficaz a fim de garantir que os países mais pobres não fiquem à margem da distribuição e do acesso. Assim, a responsabilidade ética de promover a alocação global de vacinas se torna ainda mais evidente durante pandemias, com ênfase na cooperação entre países, especialmente para permitir que regiões com menos recursos financeiros e menor capacidade de produção possam ter acesso a vacinas essenciais.

Além das questões éticas relacionadas à pesquisa e ao desenvolvimento de vacinas, apresentadas anteriormente, outro desafio importante é assegurar que as vacinas atendam às necessidades de saúde pública específicas de países com alta carga de doenças prevalentes, mas que são menos comuns ou menos severas em países ricos. Devido à limitada lucratividade das vacinas contra essas doenças, os fabricantes frequentemente hesitam em investir nesses es-

forços. Por consequência, uma grande parte do financiamento para o desenvolvimento dessas vacinas provém de iniciativas filantrópicas, organizações sem fins lucrativos e parcerias público-privadas.

Nesse sentido, esforços estão sendo feitos para aproveitar as vacinas existentes na redução ou até mesmo na eliminação de outras doenças. A erradicação bem-sucedida da varíola na década de 1970 gerou um entusiasmo renovado por campanhas de erradicação de doenças evitáveis por vacinas, entusiasmo que, apesar dos muitos desafios ainda intransponíveis, persiste no sentido de adicionar novas doenças à lista das erradicadas.

Nos últimos anos, a erradicação da poliomielite tem recebido grande atenção. Por muito tempo vista como alcançável, essa meta, no entanto, tem enfrentado retrocessos consideráveis e desafios significativos. O debate sobre a viabilidade de continuar com os esforços de erradicação da poliomielite tornou-se um tema central entre cientistas e especialistas em saúde global. Críticos sugerem que o simbolismo associado à erradicação de doenças pode, em algumas circunstâncias, sobrepor-se a abordagens baseadas em evidências para as políticas de saúde global.

Dado que os recursos destinados à saúde global são limitados, argumenta-se que formuladores de políticas e fontes de financiamento devem garantir que a atenção seja direcionada para estratégias de prevenção e tratamento que minimizem o sofrimento humano e gerem o maior benefício possível. Esse foco deve equilibrar os esforços de erradicação com outras prioridades de saúde pública, a fim de alcançar um impacto mais significativo e duradouro para as populações mais necessitadas.

O papel da confiança

AO LONGO DE SUA TRAJETÓRIA, marcada por notáveis avanços, a vacinação tem sido impulsionada por ganhos no conhecimento científico e pela criação de políticas públicas de saúde eficazes. No entanto, o sucesso contínuo das campanhas de vacinação depende, fundamentalmente, da manutenção de uma ampla confiança pública na segurança, eficácia e importância das vacinas, assim como da credibilidade nas autoridades de saúde, nos formuladores de políticas e profissionais responsáveis por sua recomendação e supervisão. Sem essa confiança, mesmo as mais bem elaboradas estratégias vacinais não poderão atingir seus objetivos.

Manter essa confiança requer a adoção de uma abordagem ética, sensível e responsável na formulação de políticas vacinais, bem como no desenho e implementação dos programas de imunização, ampliando seu impacto positivo em nível global. O

NOTAS

1 Shattock AJ, Johnson HC, Sim SY et al. Contribution of vaccination to improved survival and health: modelling 50 years of the Expanded Programme on Immunization. Lancet 2024; 403:2307-16.

2 Jane M Knisely, Emily Erbelding. Vaccines for global health: progress and challenges. The Journal of Infectious Diseases, 2024; jiae511. https://doi. org/10.1093/infdis/jiae511

3 Sobre a temática, ver https://www.who.int/health-topics/neglected-tropicaldiseases#tab=tab_1.

4 Louise C. Druedahl, Timo Minssen, W. Nicholson Price. Collaboration in times of crisis: a study on Covid-19 vaccine R&D partnerships. Vaccine, Volume 39, Issue 42,2021, Pages 6291-6295. ISSN 0264-410X. https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2021.08.101.

GLOSSÁRIO

Quais critérios devem pautar a alocação de leitos escassos de unidades de terapia intensiva? Quais pessoas devem ser vacinadas primeiro? Entenda neste glossário como diferentes perspectivas do debate sobre justiça alocativa em saúde respondem a essas e outras questões

ÉTICA E ALOCAÇÃO DE RECURSOS EM SAÚDE

Alocação de recursos escassos e justiça alocativa

CD OMO DEVEMOS ALOCAR BENS E RECURSOS escassos entre pessoas com demandas, necessidades e reivindicações distintas? Essa pergunta é a pauta central do que conhecemos como “justiça alocativa”.1/2 Diversos recursos demandados na assistência à saúde, como leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva), vacinas ou órgãos, não se acham disponíveis em número suficiente para atender às necessidades de todas as pessoas que precisam deles. Mais do que isso, muitos deles são indivisíveis ou não podem ser divididos de forma eficiente entre todos os necessitados. Justamente por isso, precisamos alocá-los de maneira justa

Ao respondermos a esses problemas de justiça alocativa – ou seja, de como devemos destinar recursos escassos –, não apenas temos de levar em consideração informações técnicas e científicas que subsidiam nossas escolhas, mas também aspectos éticos

DConsequencialismo

D E ACORDO COM PERSPECTIVAS CONSEQUENCIALISTAS, a alocação de recursos escassos deve ser baseada – única e exclusivamente – nas consequências e resultados esperados. Ou seja, ao tomarmos decisões sobre como designar recursos escassos em saúde entre pacientes que os demandam com urgência, o critério de decisão deve atender exclusivamente a avaliação de cenários futuros.5 A alocação que gerar o melhor resultado possível deve ser a escolhida. Conforme essa perspectiva, do ponto de vista moral nada mais importa além dessa informação. Assim, essas abordagens consideram que, para sabermos quão boa é uma decisão ou escolha, precisamos saber quão bom será o estado de coisas fruto dessa ação. Em outras palavras, segundo essa perspectiva teórica, agimos de forma eticamente correta sempre que produzimos as melhores consequências: justiça é a maximização de boas consequências.

Essa interpretação pode parecer bastante razoável para escolhas públicas, maximizar boas consequências – ou ainda gerar a melhor situação futura possível – parece ser um critério bastante plausível para decisões que envolvem algum impacto negativo ou trágico para alguém. Sempre que decidimos alocar um recurso escasso para uma determinada pessoa, estamos também decidindo, direta ou indiretamente, que outra pessoa, que também necessita do recurso, não o receberá no mesmo momento. Assim, se seguirmos um critério consequencialista, o suposto é que teremos a tranquilidade de estar decidindo de forma a ter o melhor estado do mundo futuro possível. Contudo, como saber qual é o melhor estado do mundo futuro? Pensando, por exemplo, em situações específicas da assistência à saúde, medicar e salvar duas pessoas, sem ajudar uma terceira, sempre será uma decisão melhor que salvar essa terceira pessoa e não propiciar recursos para as outras

O AUTOR

MARCOS PAULO DE LUCCA-SILVEIRA é pesquisador-chefe do Departamento de Pesquisa da Fundação José Luiz Setúbal, professor da Escola de Economia de São Paulo, Fundação Getulio Vargas (EESP-FGV). Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, é também Coordenador do LEAP-FGV (Lab for Economics and Applied Philosophy), pesquisador associado ao CEM (Centro de Estudos da Metrópole) e ao Núcleo de Saúde do Insper. e valores. Especificamente no campo da saúde, não é possível tomar uma decisão sobre alocação de recursos escassos apenas com base em necessidades médicas, fatos clínicos ou científicos, de modo neutro ou isento em relação à moral. A alocação de recursos escassos em saúde sempre envolve julgamentos fundamentados em valores.3 Em vista disso, a situação trágica da pandemia de Covid-19 trouxe à luz questões de justiça alocativa em saúde, muitas das quais já existiam de forma menos dramática e frequente em triagens usuais nas rotinas hospitalares.4

duas? Não apenas existem questões complexas de ordem técnica, visto que sempre estamos trabalhando com cenários probabilísticos – em medicina, assim como na ciência, nossas avaliações sempre envolvem incerteza –, mas também precisamos, segundo essa vertente ética, conseguir realizar difíceis cálculos imparciais e independentes do ponto de vista das pessoas envolvidas na decisão.

Deontologia

PD ERSPECTIVAS DEONTOLÓGICAS, de forma distinta das consequencialistas, defendem que os tomadores de decisão, ao realizarem alocações de recursos escassos em saúde, devem se basear em regras e normas morais que estabelecem as permissões e as obrigações que suas escolhas devem respeitar.6 Consequentemente, agir de forma ética em uma decisão sobre recursos de saúde, segundo essa vertente, é agir dentro dos limites estabelecidos por normas e regras morais que não podem ser violadas por nossa ação. Exemplos de regras morais fundamentais são a de que não devemos causar um dano desnecessário a alguém ou, de forma ainda mais fundamental, um princípio básico de dignidade, de que devemos considerar todas as pessoas como um fim em si mesmas e nunca tratá-las como um simples meios. Também não devemos violar contratos, respeitando os acordos que preestabelecemos

Desse modo, perspectivas deontológicas são contrárias à adoção de critérios alocativos baseados em cálculos que visam maximizar resultados, como salvar o maior número possível de pessoas. Analisando as decisões no campo da saúde da perspectiva deontológica, temos que o interesse de cada paciente deve ser levado em consideração, visto que ele deve ser tratado como um fim em si mesmo. Justiça alocativa em saúde não é, portanto, um sinônimo de maximização de bem-estar ou de vidas salvas. Assim, uma decisão que propicie um cenário alocativo que maximiza as consequências finais, vidas e o bem-estar agregado da população, mas viola princípios e normas morais de determinadas pessoas, não é considerada, dessa perspectiva, uma decisão eticamente correta.

AIgualitarismo

D BORDAGENS IGUALITÁRIAS SE PREOCUPAM com a igualdade. Quando buscam avaliar os estados do mundo, os igualitários adotam um princípio relacional (a igualdade) – que compara as situações em que se encontram as diferentes pessoas – para avaliar qual é a melhor decisão a ser tomada de uma perspectiva de justiça alocativa.7 Contudo, igualitários não precisam defender que um recurso escasso deva sempre ser distribuído de forma numericamente igual – na mesma quantidade – entre todas as pessoas. Concentrando-se na área da saúde, qualquer pessoa razoável não

QUAIS CRITÉRIOS DEVEM PAUTAR A ALOCAÇÃO DE LEITOS ESCASSOS

DE UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA? QUAIS PESSOAS DEVEM SER

VACINADAS PRIMEIRO? AS RESPOSTAS DEPENDEM DA PERSPECTIVA

DO DEBATE SOBRE JUSTIÇA ALOCATIVA EM SAÚDE

considerará que a melhor solução alocativa para um medicamento escasso seja dar a uma pessoa uma dose inferior à necessária para a cura de sua doença, para que assim todos aqueles que necessitam do mesmo medicamento recebam a mesma quantidade. Se é verdade que defensores do igualitarismo preferem um cenário com menos desigualdade de recursos que um cenário com mais desigualdade, o que é ainda mais importante para esses teóricos é tratar todos como iguais

Na assistência à saúde, e mais especificamente em uma decisão sobre como alocar recursos escassos, essa abordagem pode resultar na adoção de critérios de igualdade de acesso, equidade e igualdade equitativa de oportunidades.8/9 Garantias de que todos possuem acesso equitativo aos cuidados de saúde, informação e assistência adequadas às distintas necessidades de saúde individuais são valores defendidos por igualitários, os quais, quando enfrentam situações trágicas em que é preciso decidir sobre como alocar bens escassos e indivisíveis, recomendam a adoção de procedimentos transparentes, em que as razões da decisão sejam publicamente acessíveis, assim como podem recomendar o uso de loteria – que concede igual peso a todas as pessoas, que recebem números para o sorteio – ou critérios baseados na fila de chegada, desde que as garantias anteriormente citadas estejam preservadas.

OPrincipialismo

D PRINCIPIALISMO É UMA DAS PRINCIPAIS abordagens teóricas básicas da bioética contemporânea. Segundo essa perspectiva, há quatro princípios éticos fundamentais – respeito à autonomia do paciente, não maleficência, beneficência e justiça – que devem ser respeitados na relação entre médico e paciente.10 Em situações e contextos particulares, em que a tomada de decisão sobre a alocação de recursos escassos é necessária, profissionais de saúde devem agir de modo a respeitar as obrigações derivadas desses princípios, que são universais. Sempre que for possível, nenhum deles deve ser violado Contudo, nem toda situação específica possui uma solução harmoniosa, em que esses princípios não entrem em conflito entre si ou que algum deles não seja violado. A equipe clínica deve respeitar a vontade manifesta de um paciente de não ser reanimado, mesmo que esse procedimento médico possa salvar sua vida sem possíveis sequelas futuras? Um médico pode descumprir o compromisso previamente firmado com seu paciente de que faria tudo o que pudesse ser feito para salvá-lo, caso os critérios de triagem realizados na instituição de saúde desacon-

selhem que ele ocupe um dos escassos leitos de UTI, se esse leito puder salvar uma outra vida? Cirurgias de altíssimo custo e baixa probabilidade de sucesso devem sempre ser realizadas se o paciente desejar ou os recursos da cirurgia deveriam ser gastos de forma mais custo-eficiente? Diversas propostas de solução para tais problemas são encontradas na literatura, sendo duas as orientações de maior fôlego teórico: uma propõe que os princípios gerais podem ser detalhados em regras mais específicas para a tomada de decisão em casos particulares e outra defende que esses princípios possam ser balanceados para se buscar uma solução eticamente recomendada.

Prioritarismo

AD O ALOCAR RECURSOS ESCASSOS, prioritários avaliam as consequências de suas escolhas, dando um peso extra aos ganhos daqueles que estão em pior situação. Diferentemente do utilitarismo, que adota como critério de alocação um cálculo de agregação simples baseado em uma somatória do bem-estar das pessoas, no prioritarismo busca-se beneficiar especialmente aqueles que estão em condições mais difíceis.7 Dessa forma, prioritários se importam não apenas com a magnitude do benefício de uma alocação, mas também com a gravidade das condições da pessoa que receberá o recurso.11

Algumas dificuldades dessa perspectiva se concentram em identificar quem está em pior situação. Essa questão torna-se ainda mais complexa no campo da assistência à saúde. Quando pensamos em alocar recursos escassos em saúde, as pessoas em pior situação seriam as mais doentes? Ou seriam aquelas que são as mais jovens com doenças que necessitam dos recursos escassos? Priorizar os mais doentes parece uma regra aceita como válida se pensamos em um critério para definir como organizar o resgate em um acidente. Contudo, esse critério pode acarretar significativos problemas intertemporais se adotado recorrentemente na assistência médica, visto que ignora as demandas daqueles que hoje não estão em uma condição de saúde tão ruim, mas que ficarão em péssima condição em um futuro próximo, justamente por não terem sido tratados antes. Já quando pensamos na distribuição de vacinas, priorizar as pessoas com pior qualidade de saúde é um critério usualmente adotado. Por outro lado, atender os mais jovens prioritariamente pode também ser eticamente defensável, visto que esses pacientes ainda têm importantes ciclos futuros de vida. Porém, críticos a esse critério afirmam que ele discrimina de forma injusta pessoas mais velhas, especialmente se não for associado a outros critérios alocativos.

Reciprocidade, utilidade social e critérios instrumentais

CD RITÉRIOS DE RECIPROCIDADE, RECOMPENSA pela função social, solidariedade, além de critérios instrumentais, podem também pautar a alocação de recursos escassos em geral e, especificamente, no campo da saúde. Há uma longa lista de critérios e valores morais que definem as escolhas alocativas em saúde, os quais podem ser bastante distintos entre diferentes sociedades. A solidariedade, por exemplo, é um valor que veio voltou à tona durante a pandemia de Covid-19. Parece não ser mais possível ocultar que as escolhas dos outros impactam em nossa vida e saúde. Esses critérios podem ser levados em consideração em decisões alocativas. As decisões podem combinar diferentes critérios de justiça. No debate contemporâneo, boa parte de quem se debruça sobre questões de justiça alocativa em saúde defende critérios e abordagens pluralistas, que consideram diferentes aspectos de perspectivas éticas distintas apresentadas neste glossário.12/13 Priorizar profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate à pandemia pode se justificar por razões morais variadas. Por um lado, a vacinação prioritária de profissionais de saúde poderia ser uma forma de agradecimento pelos trabalhos prestados por esses profissionais. Seria, portanto, uma forma de reciprocidade perante essas pessoas, assim como de reconhecimento da importância de seus trabalhos de uma perspectiva social. Por outro lado, vacinar profissionais de saúde de forma prioritária também pode se justificar moralmente a partir de um critério instrumental: com a imunização, profissionais de saúde teriam como continuar a atuar em suas importantes funções e salvar um maior número de vidas. Esse mesmo critério também poderia ser utilizado na alocação prioritária de leitos escassos em UTI para profissionais de saúde durante uma pandemia, por exemplo. Contudo, podemos utilizar critérios de modo mais abrangente em outras decisões alocativas? Todos os trabalhadores essenciais devem ter prioridade na vacinação durante uma pandemia? E na fila por leitos de UTI e respiradores? Mas como definir o que é trabalho essencial? Critérios como esses, se não forem adequadamente desenhados, podem facilmente reforçar preconceitos e injustiças sociais existentes nas sociedades contemporâneas.

Utilitarismo

UD TILITARISTAS CONSIDERAM QUE O CRITÉRIO adequado para a alocação de recursos escassos é a soma do bem-estar dos indivíduos. De acordo com essa perspectiva, seria necessário levar em consideração a utilidade agregada da população – usualmente medida por alguma métrica de bem-estar ou qualidade da saúde – para se tomarem decisões sobre recursos escassos.14 De forma sintética,

utilitaristas defendem que, de uma perspectiva de justiça alocativa, o que importa é a maximização dos benefícios, do bem-estar agregado. Assim, o utilitarismo é uma perspectiva moral consequencialista, visto que avalia os cenários futuros a partir de um critério específico: a maximização da utilidade, uma somatória simples do bem-estar das pessoas. A distribuição desse bem-estar entre as pessoas que constituem a população não importa na perspectiva de justiça utilitária, o que importa é que seu nível seja o mais alto possível.

Em questões sobre justiça alocativa no campo da saúde, utilitaristas usualmente recomendam que o critério a ser adotado corresponda ao maior número de vidas salvas ou ao melhor prognóstico daqueles que serão salvos, seja em anos de vida ou em qualidade de vida futura. Em situações trágicas, como nos casos extremos de falta de leitos e respiradores durante a pandemia de Covid-19, os critérios defendidos por utilitaristas ganharam centralidade na literatura internacional sobre triagem. Contudo, reconhece-se a existência de riscos morais importantes na adoção de critérios utilitaristas para alocação em saúde. Entre outros problemas, eles podem causar injustiças contra pessoas com deficiência ou contra os idosos, visto que eles são desfavorecidos quando o critério de alocação é utilitarista. O

*texto originalmente publicado no Nexo Jornal, disponível em: https://pp.nexojornal. com.br/glossario/2021/05/25/etica-e-alocacao-de-recursos-em-saude

NOTAS

1 Daniels, N. (1994) Four unsolved rationing problems: a challenge. Hastings Center Report, 24:27-9

2 Rawls, J. (1999) A Theory of Justice. 2nd and Revised Edition. Cambridge: Belknap Press.

3 Persad G, Wertheimer A, Emanuel EJ. (2009) Principles for allocation of scarce medical interventions. Lancet. Jan 31;373(9661):423-31. doi: 10.1016/S01406736(09)60137-9.

4 Wilkinson, D. (2020) ICU triage in an impending crisis: uncertainty, pre-emption and preparation. Journal of Medical Ethics, 46 (5): 287-288.

5 Sinnott-Armstrong, Walter. (2019) “Consequentialism”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Summer 2019 Edition), Edward N. Zalta (ed.), https://plato.stanford.edu/archives/sum2019/entries/consequentialism/.

6 Kamm, F. (1998) Mortality, Morality, Volume I: Death and Whom to Save From It. Oxford: Oxford University Press.

7 Parfit, D. (1997), Equality and Priority. Ratio, 10: 202-221. https://doi. org/10.1111/1467-9329.00041

8 Daniels, N. (2008) Just health: meeting health needs fairly. Cambridge: Cambridge University Press; 2008.

9 Daniels, N, Sabin, JE. (2008) Setting limits fairly: learning to share resources for health. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press.

10 Beauchamp, T., Childress, J. (2019) Principal of Biomedical Ethics. 8th Edition. Oxford: Oxford University Press.

11 Nielsen L., (2021) Pandemic prioritarianism, Journal of Medical Ethics Published Online First: 04 February 2021. doi: 10.1136/medethics-2020-106910

12 Emanuel, E. J., Persad, G., Upshur, R., Thome, B., Parker, M., Glickman, A., Zhang, C., Boyle, C., Smith, M., & Phillips, J. P. (2020). Fair Allocation of Scarce Medical Resources in the Time of Covid-19. The New England Journal of Medicine. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMsb2005114

13 Emanuel EJ, Persad G, Kern A, Buchanan A, Fabre C, Halliday D, Heath J, Herzog L, Leland RJ, Lemango ET, Luna F, McCoy MS, Norheim OF, Ottersen T, Schaefer GO, Tan KC, Wellman CH, Wolff J, Richardson HS. An ethical framework for global vaccine allocation. Science. 2020 Sep 11;369(6509):1309-1312. doi: 10.1126/ science.abe2803. Epu

14 Savulescu J, Persson I, Wilkinson D. (2020) Utilitarianism and the pandemic. Bioethics. Jul;34(6):620-632. doi: 10.1111/bioe.12771. PMID: 32433782; PMCID: PMC7276855.

AS METAS NO MAPA

Conheça o levantamento do VacinaBR com indicadores de taxa de cobertura vacinal nos municípios brasileiros

Por Gabriel Maia, Victor Luccas, Antonia Teixeira, Fernanda Meirelles, Paulo Vitor Gomes Almeida e Natalia Pasternak Taschner

EM FOCO

VACINABR É UMA PLATAFORMA DESENVOLVIDA PELO INSTITUTO QUESTÃO DE CIÊNCIA (IQC) sobre dados vacinais, com apoio da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). O projeto visa ampliar o acesso aos dados de vacinação no país e facilitar a produção de conteúdos informativos, trabalhos técnicos e pesquisas científicas a partir dessas informações, além de auxiliar gestores públicos nas tomadas de decisões. (www.vacinabr.org.br)

A REDE NACIONAL DE DADOS EM SAÚDE (RNDS) é atualmente a principal plataforma de divulgação de dados do Ministério da Saúde, criada para centralizar informações de saúde do país, e traz painéis específicos sobre doses aplicadas e coberturas vacinais. A RNDS foi instituída por meio de portaria federal e sua implantação deverá estar concluída em 2028.

Apesar das dificuldades de transição do sistema anterior para a RNDS e da integração de dados de outras esferas federativas, a Rede já disponibiliza informações relevantes da área.

A atualização dos dados sobre a vacinação no Brasil vem sendo realizada no transcorrer deste ano e a plataforma já dispõe de acesso às informações de 2023 em duas bases: uma de doses aplicadas e outra de cobertura vacinal.

A partir dos dados do banco de cobertura vacinal, foi realizado um levantamento dos municípios que atingiram as metas de cobertura para os 16 imunizantes que compõem o calendário da vacinação infantil. As doses selecionadas para esta análise foram:

Tríplice Bacteriana (1a dose)

Febre Amarela (1a dose)

Hepatite B (0 a 30 dias) (1a dose)

Meningocócica Conjugada - C (2a dose)

Meningocócica Conjugada - C (1o reforço)

Pentavalente (3a dose)

Pneumocócica 10-valente (2a dose)

Pneumocócica 10-valente (1o reforço)

Poliomielite inativada (VIP) (3a dose)

Oral Poliomielite (VOP) (1o reforço)

Tríplice Viral (1a dose)

BCG (1a dose)

Oral de Rotavírus

Humano (2a dose)

Tríplice Viral (2a dose)

Varicela (1a dose)

Segundo dados divulgados no painel de coberturas vacinais da RNDS, em 2023 apenas 499 dos 5.570 municípios brasileiros atingiram as metas de cobertura para 16 vacinas do calendário de vacinação infantil. Em 2022, apenas 335 municípios conseguiram atingir a meta.

OS AUTORES

GABRIEL MAIA: cientista de dados, é responsável pelo tratamento, análise, visualização de dados e desenvolvimento de metodologia de dados do Observatório de Políticas Científicas do Instituto Questão de Ciência (IQC).

VICTOR LUCCAS: cientista de dados e graduado em Ciências Moleculares, atua na área de tratamento, análise visualização de dados e desenvolvimento de metodologia do Observatório de Políticas Científicas do IQC.

ANTONIA TEIXEIRA: enfermeira especialista em Epidemiologia e em Saúde Coletiva e Mestre em Saúde Coletiva, representante regional da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM/ RN) e consultora da Plataforma VacinaBR.

FERNANDA MEIRELLES: formada em Direito e mestre em Administração Pública, é coordenadora do Observatório de Políticas Científicas do IQC.

PAULO ALMEIDA: graduado em Direito e Psicologia, com Mestrado em Psicologia e Doutorado em Administração Pública, é Diretor Executivo do IQC e do Observatório de Políticas Científicas.

NATALIA PASTERNAK: Professora pesquisadora da Universidade Columbia (EUA). Microbiologista por formação, com doutorado em Genética Bacteriana, fundadora e presidente do Instituto Questão de Ciência.

MUNICÍPIOS QUE ATINGIRAM AS METAS PARA IMUNIZANTES DO CALENDÁRIO INFANTIL

A região Norte do país possui poucos municípios que atingiram as metas de cobertura. Em outras regiões, os municípios que atingiram todas as metas são heterogeneamente distribuídos. A imagem abaixo diferencia, por meio de escala de cores, os municípios conforme a quantidade de imunizantes que atingiram a meta prevista pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI). Ela permite visualizar claramente a variação de desempenho dos municípios de uma mesma unidade da federação no alcance das metas almejadas – o que não fica evidente quando se trabalha apenas com as médias de cada estado.

QUANTIDADE DE IMUNIZANTES QUE ATINGIRAM A META DE VACINAÇÃO (por municípios em 2023)

Fonte: Painel de coberturas vacinais RNDS. Acesso em 18/11/24.

Fonte: Painel de coberturas

PORCENTAGEM DE MUNICÍPIOS QUE ATINGIRAM METAS DE COBERTURA (por número de habitantes em 2023)

Diversas correlações entre vacinação e características geográficas ou sócioeconômicas podem ser testadas a partir desses dados. A equipe do VacinaBR fez um cruzamento entre a quantidade de metas atingidas em cada município e o tamanho da população residente, constatando que, em geral, municípios maiores tendem a apresentar mais imunizantes com cobertura abaixo da meta. Esse efeito se torna particularmente notável em municípios com mais de 30 mil habitantes.

NÚMERO DE MUNICÍPIOS QUE ATINGIRAM METAS DE COBERTURA

(por imunizante em 2023)

Em relação aos diferentes imunizantes, rotavírus e BCG tiveram as suas metas atingidas na maior quantidade de municípios em 2023. É importante ressaltar que a meta para esses dois imunizantes é de 90% de cobertura, enquanto para os demais o valor é de 95%.

A vacinação para febre amarela e a segunda dose da tríplice viral foram as que tiveram o menor número de municípios com metas atingidas.

Rotavírus 2ª Dose

BCG 1ª Dose

Meningo C 2ª Dose

Pneumo 10 2ª Dose

Tríplice Viral 1ª Dose

Poliomielite Inativada (VIP) 3ª Dose

Meningo C 1° Reforço

Pentavalente 3ª Dose

Hepatite B (0 a 30 dias) 1ª Dose

Hepatite A Infantil 1ª Dose

Pneumo 10 1º Reforço

DTP 1° Reforço

Oral Poliomielite (VOP) 1º Reforço

Varicela 1ª Dose

Febre Amarela 1ª Dose

Tríplice Viral 2ª Dose

As análises mostram que, ainda que as coberturas vacinais apresentem uma leve melhora em relação a anos anteriores, os municípios brasileiros continuam encontrando muita dificuldade em atingir de maneira consistente as metas de vacinação preconizadas pelo PNI. Chama atenção a desigualdade de cobertura dentro de um mesmo estado e a diferença de cobertura entre municípios próximos. Um olhar acurado sobre os dados, com a menor agregação geográfica possível, é condição necessária para se entender os entraves à ampliação da imunização, identificar os fatores socioeconômicos e demográficos relacionados à cobertura e desenhar estratégias de gestão e comunicação para que as metas de vacinação sejam alcançadas.

População por habitantes
Número de vacinas que atingiram a meta de cobertura

QUANTO VOCÊ SABE SOBRE VACINAS?

O DESAFIO DA IMUNIZAÇÃO

1. Em 2021, que lugar o Brasil ocupava no ranking dos 20 países com mais crianças não imunizadas do mundo e que posição atingiu em 2023?

a) 7o lugar, saiu da lista

b) 1o lugar, 1oo lugar

c) 13o lugar, 17o lugar

d) 18o lugar, 20o lugar

2. Em que ano foi criado o Programa Nacional de Imunizações (PNI) no Brasil?

a) 1970 b) 1971

c) 1972 d) 1973

3. O último caso de paralisia infantil causada pelo vírus da poliomielite no Brasil ocorreu em:

a) 1979 b) 1984

c) 1989 d) 1994

4. Quantos tipos diferentes de imunobiológicos (entre vacinas, soros e anticorpos) o PNI fornece atualmente?

a) 25 b) 48

c) 45 d) 55

5. Que evento histórico contribuiu para fortalecer movimentos antivacina globalmente em 1998?

a) Uma epidemia de sarampo

b) A publicação do artigo de Andrew Wakefield na revista Lancet

c) Um surto de poliomielite

d) Uma crise de abastecimento de vacinas

6. O horário de funcionamento dos postos de saúde (8h às 17h nos dias úteis) é citado como uma das razões principais para a queda na vacinação.

a) Verdadeiro b) Falso

7. Em 2021, o Brasil registrou a menor cobertura vacinal em 20 anos. Qual foi o percentual alcançado?

a) 75,3% b) 62,8%

c) 52,1% d) 48,5%

8. Que iniciativa foi adotada pelo Ministério da Saúde em 2023 para melhorar o registro e monitoramento da vacinação?

a) Carteira de vacinação digital

b) Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS)

c) Sistema Único de Registro Vacinal

d) Plataforma Integrada de Vacinação

9. Que evento histórico é considerado o primeiro grande desafio da vacinação no Brasil?

a) A Revolta da Vacina em 1904

b) A epidemia de varíola de 1811

c) A campanha contra poliomielite de 1980 d) O surto de febre amarela de 1942

10. Qual destes fatores NÃO é apontado nos artigos como causa da queda na cobertura vacinal?

a) Desinformação

b) Hesitação vacinal

c) Dificuldades de acesso

d) Custo das vacinas

11. A partir de que ano as coberturas vacinais começaram a apresentar tendência de queda no Brasil?

a) 2013 b) 2015

c) 2017 d) 2019

12. Que meta de cobertura vacinal a OMS estabelece para a maioria das vacinas?

a) 85% b) 90%

c) 95% d) 100%

13. Quem criou a primeira vacina e em que ano isso aconteceu?

a) Edward Jenner em 1796

b) Louis Pasteur em 1885

c) Albert Sabin em 1955

d) Jonas Salk em 1952

14. Como começou a história da vacinação no Brasil?

a) Em 1804, com o Barão de Barbacena enviando escravos a Lisboa para serem vacinados

b) Em 1811, com a criação da primeira organização de saúde pública

c) Em 1904, com a Revolta da Vacina

d) Em 1973, com a criação do PNI

15. Qual foi a primeira doença erradicada mundialmente através da vacinação?

a) Varíola b) Poliomielite

c) Sarampo d) Rubéola

16. Quando foi publicado o primeiro calendário nacional de vacinação no Brasil?

a) 1973 b) 1975

c) 1977 d) 1980

17. Na década de 1970, qual era a expectativa de vida no Brasil, antes das grandes campanhas de vacinação?

a) 45 anos b) 55 anos c) 65 anos d) 75 anos

18. O que é “infodemia”, segundo a OMS?

a) Um excesso de informações, algumas precisas e outras não, que dificulta encontrar fontes confiáveis b) Uma epidemia de informações falsas apenas

c) A disseminação proposital de fake news d) O compartilhamento viral de notícias sobre saúde

19. Quando a OMS reconheceu a hesitação vacinal como uma das principais ameaças à saúde global?

a) 2015 b) 2017

c) 2018 d) 2019

20. Quais são os “3Cs” originais que explicam a hesitação vacinal?

a) Confiança, Complacência e Conveniência

b) Comunicação, Contexto e Conteúdo

c) Controle, Confronto e Conhecimento

d) Credibilidade, Certeza e Consciência

21. Como a desinformação sobre vacinas geralmente chega ao Brasil?

a) Cerca de metade é traduzida de conteúdos em inglês dos EUA

b) É criada localmente na maioria das vezes

c) Vem principalmente da Europa

d) É originada em países asiáticos

22. Qual grupo tem maior impacto na decisão das pessoas sobre se vacinar?

a) Profissionais de saúde

b) Influenciadores digitais

c) Líderes religiosos

d) Familiares

23. Qual é a recomendação da OMS para combater a infodemia?

a) Bloquear todas as redes sociais

b) Criminalizar o compartilhamento de fake news

c) Criar uma coalizão entre governo, plataformas digitais e sociedade civil

d) Centralizar todas as informações em um único canal oficial

24. Qual destas NÃO é uma estratégia recomendada para combater a desinformação sobre vacinas?

a) Capacitar profissionais de saúde

b) Promover educação em saúde digital

c) Criar mecanismos de verificação de informações

d) Ignorar as fake news esperando que desapareçam naturalmente

COMO VOCÊ SE SAIU?

0-6 acertos Hora de reler os artigos! 7-12 acertos Precisa se atualizar um pouco mais! 13-18 acertos Bem informado sobre vacinação!

19-24 acertos Especialista em Saúde Pública!

respostas: 1a; 2d; 3c; 4b; 5c; 6a; 7c; 8b; 9a; 10d; 11b; 12c; 13a; 14a; 15a; 16c; 17a; 18a; 19d; 20a; 21a; 22a; 23d; 24d

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