Cidade Solidária n.º 31

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Nº31 2014 REVISTA SEMESTRAL PORTUGAL: 3,60€

CIDADE SOLIDÁRIA

SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA

INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE: Um presente solidário com futuro

BANCA SOCIAL | EMPREENDEDORISMO | BENEMÉRITOS | ALZHEIMER


Venha conhecer...

MUSEU DE SÃO ROQUE SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA O Museu de São Roque reúne uma das mais completas coleções de arte sacra a nível nacional. O seu acervo integra obras de pintura, escultura, ourivesaria, arte oriental, relicários e frontais de altar, evidenciando-se a coleção do Tesouro da Capela de São João Baptista, composta por peças de ourivesaria e paramentaria setecentista de produção italiana, única a nível mundial. Ao lado do museu, e em estreita ligação com este, ergue-se a Igreja de São Roque que pelo seu valor histórico e riqueza artística, se evidencia como um monumento ímpar no contexto da arte portuguesa e internacional. No espaço da Igreja e do Museu decorrem actividades educativas e culturais diversificadas, dirigidas a diferentes públicos. Para mais informação consultar o site do Museu de São Roque: www.museu-saoroque.com


EDITORIAL

De olhos postos num amanhã melhor

I

novação e sustentabilidade são conceitos-chave na ação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa do século xxi, na busca de respostas aos desafios complexos do nosso tempo. Um tempo de criatividade que deve focar-se na melhoria das condições de vida e no mundo que queremos legar. Em breve, a Santa Casa será, aliás, a primeira entidade do terceiro setor a apresentar um “Relatório de Sustentabilidade”, com os esforços já feitos para criar referenciais de boas práticas ambientais e sociais. Um tempo de responsabilidades partilhadas, de possibilidades conjuntas. É por isto que defendo que esta Casa tem de partilhar a sua experiência acumulada ao longo de 515 anos e investir na formação de redes de saber comparado, na modernização tecnológica, em novas soluções para áreas prioritárias, da Saúde à Investigação, Ação e Inovação Social. Na Saúde, além do alargamento do Centro de Reabilitação de Alcoitão – com a criação de uma ala para o tratamento de pessoas que sofreram AVC e de um espaço para as famílias de pessoas aí internadas – e da expansão física e de especialidades do Hospital Ortopédico de Sant’Ana, criámos os Prémios Santa Casa Neurociências. Duas bolsas de estímulo a novas abordagens de tratamento para as doenças vertebro medulares e para doenças neurodegenerativas associadas ao envelhecimento, como o Alzheimer – um dos problemas mais graves de saúde pública a nível mundial. A promoção da Inovação Social é outra das apostas que considero inadiáveis. O Banco de Inovação Social, lançado em 2013, está a apoiar o desenvolvimento de projetos geradores de emprego e de valor social. Estamos igualmente a desenvolver iniciativas como o Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Ameixoeira e uma campanha do Serviço de Gestão de Produtos de Apoio, que mostram que é possível fazer evoluir as metodologias de intervenção social tradicionais. Disto é exemplo o programa InterSituações, que quer mudar o paradigma de ação junto dos sem-abrigo, para os tirar da rua, criando um núcleo de ligação, um Centro de Recuperação de Competências Psicossociais e um Centro de Alojamento de Transição. Com o projeto De Mãos Dadas, a Santa Casa investe ainda na melhoria dos cuidados continuados e paliativos, estendendo, pela primeira vez na sua história, o apoio a Misericórdias de todo país. Em suma, temos de olhar para a inovação como um instrumento ao serviço dos direitos e deveres do ser humano (ler, nesta edição, as palavras do professor Adriano Moreira). Temos de entendê-la como um agente do progresso e de justiça social, na sua expressão no quotidiano das pessoas e nas oportunidades das gerações de amanhã. Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa Pedro Santana Lopes 3


SUMÁRIO

INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE: UM PRESENTE SOLIDÁRIO COM FUTURO

DESTAQUE 10

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Do Sillicon Valley ao Social Valley Maria do Carmo Marques Pinto

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Fazemos do insustentável, sustentável. Todos os dias, desde sempre. A estratégia de sustentabilidade na SCML como referência para o terceiro setor Patrícia Ferreira

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Investimento social e banca social José Ortigão Sanches

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Bolsa Start Up Me. Entre a exclusão e a inclusão Manuel Leite

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Aldeia de Santa Isabel. Rumo à sustentabilidade ambiental António Antunes e Jorge Gomes

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Projeto de Inovação Comunitária. Instrumento de desenvolvimento e intervenção social de proximidade Cristina Simões

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Doença de Alzheimer. Novas abordagens terapêuticas e preventivas Ana Isabel Santos Afonso

SOCIAL 50

Produtos de apoio: uma gestão sustentável Cristina Vaz de Almeida

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Pensar global… Agir local! Andreia Dominguez Fernandes, Margarida Guedes e Maria João Sobral

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Construir Comunidade. Contributos da animação sociocultural Ana Ngom

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Bairros municipais de Lisboa. Diversidades e homogeneidades Marta Santos

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Partilha de Saberes & Sabores Equipa do CAI do Bairro da Boavista

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Língua, troca de culturas. Projeto multicultural Ana Célia Vicente

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SOCIAL 88

Convite à leitura partilhada Florbela Costa, Isabel Mourato, Rosa Lourenço e Rute Alves

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Intervenção em formação profissional. Novas abordagens Ângela Fragoeiro, Carlos Alves e Micaela Santos

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Perspetivas de representação jurídica no âmbito da saúde mental Gonçalo Pereira Esteves

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SAÚDE

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106

Política e preço do medicamento. Evolução em Portugal, de 2000 a 2011 Joana Pinto Ribeiro

110

Intervenção psicológica no contexto da reabilitação física João Galhordas

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Riscos psicossociais no trabalho António Duarte Amaro

SOLIDARIEDADE 124

Direitos e deveres humanos e paz social Adriano Moreira

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A doutrina social da Igreja e a crise António Bagão Félix

124

HISTÓRIA E CULTURA 134

Preservar a memória dos beneméritos. O fundo documental dos Benito Maçãs Luís Lima

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Instituta ordinis beati francisci. Um impresso do século XVI no Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa Helga Maria Jüsten

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Miquel de Giginta e as Casas da Misericórdia Alexandre Pagès

160

O Colégio Araújo Francisco Santana

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164 LEGISLAÇÃO

167 LIVROS

168 AGENDA

FICHA TÉCNICA

DIRETOR: Pedro Santana Lopes DIRETOR-EXECUTIVO: Samuel Esteves CONSELHO EDITORIAL: Ana Salgueiro, Francisco D’Orey Manoel, Margarida Montenegro, Maria do Carmo Marques Pinto, Maria João Matos, Maria Teresa Grácio, Mário Rui André, Ricardo Amantes e Samuel Esteves PROJETO GRÁFICO: Catarina França. PAGINAÇÃO: Ana Lopes e Catarina França. REVISÃO: J. L. Baptista PROPRIEDADE E EDIÇÃO: SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA. Largo Trindade Coelho – Apartado 2059 – 1102-803 Lisboa. Tel.: 213 235 000 / 213 235 575. Fax: 213 235 166 ASSINATURAS: SCML – Revista Cidade Solidária/Remessa Livre n.º 25013 – 1144-961 Lisboa (não necessita de selo) ASSINATURA ANUAL (2 NÚMEROS): Portugal: €6 Europa: €9,96 Resto do Mundo: €10,92 Regime Especial*: €8,16 Preço de cada revista: €3,60 *Macau, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor IMPRESSÃO E ACABAMENTO: Tiragem: 5000 exemplares. Depósito Legal n.º 126 149/98. Registo no ICS: 121.663. ISSN: 0874-2952

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| INOVAÇÃO SOCIAL |

DO

SILLICON VALLEY AO SOCIAL VALLEY A inovação social ainda é olhada como a parente pobre da inovação científica. Para contrariar esta situação e em busca de uma dinâmica de promoção contínua da inovação social, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa criou o BIS – Banco de Inovação Social. Texto de Maria do Carmo Marques Pinto [DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE EMPREENDEDORISMO E ECONOMIA SOCIAL_SCML]

A

inovação, independentemente do âmbito em que se verifica, é o motor do progresso e surge quando a resposta existente já não satisfaz a quem sobre ela se debruça e a analisa. Albert Einstein não se conformou nunca com a explicação que era dada pelo establishment científico à invariabilidade da velocidade da luz e a ousadia e determinação de Max Planck abriram as portas a uma realidade física – o mundo quântico – que proporciona objetos que melhoraram indiscutivelmente a nossa qualidade de vida. Louis Pasteur dedicou a vida à procura da solução para um flagelo social que condena-

va à morte e Bill Gates mudou a vida à humanidade ao encontrar o produto certo para o enorme desafio que era a proposta de introduzir a informática no dia-a-dia das pessoas. Os exemplos não têm conta e é pacífico o entendimento de que os avanços científicos ou tecnológicos, independentemente do âmbito onde se verificam, mudam, por vezes de forma radical, as respostas que vão sendo dadas às necessidades, problemas ou desafios existentes ou gerados pela própria sociedade. A sociedade aceita que é necessário investir na ciência e na tecnologia e os economistas não se cansam de teorizar e provar que a inovação

é o fator que maior responsabilidade tem na geração de riqueza. Nas últimas décadas, assistimos à progressiva interação entre a investigação e a produção de bens e serviços, ou seja, entre as universidades e centros de investigação e as empresas, como resposta à necessidade de otimizar e tornar mais eficiente o processo criativo. Existem, porém, âmbitos onde a inovação – por não propor explicações sobre fenómenos ligados à realidade física ou produtos tecnológicos que revolucionam o dia-a-dia das pessoas e por não serem estudados ou divulgados da forma sistemática como são as invenções científicas tecnológicas –, não é per-

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cebida como tal pela sociedade, embora esteja na origem de mudanças profundas na forma como vivemos. Pensemos no Serviço Nacional de Saúde, no time-sharing, no microcrédito, no Banco Alimentar ou em muitas outras respostas ou soluções a problemas, necessidades ou desafios que se nos colocam e que proporcionaram uma melhoria evidente nas condições de vida das pessoas. A este fenómeno é dado o nome de inovação social, o processo mediante o qual é facultada uma resposta – um produto ou serviço – que, por ser diferente da existente ou preencher uma lacuna, melhora a condição de vida das pessoas. Por diversas razões, a inovação social ainda não é percebida pela população como sendo uma forma específica de inovação que requer também uma sistematização e uma metodologia que potencializem e generalizem os seus resultados, tal como aconteceu com a inovação científica. É certo que a inovação social não pode fazer uso da metodologia que aborda, trata e avalia as propostas de inovação científica, uma vez que não existe causalidade direta entre o postulado de partida e o ponto de chegada, ambos verificáveis e mensuráveis. A única forma – ou a forma mais habitual – de medir e avaliar os efeitos positivos de uma proposta de inovação social é através da medição do impacte que essa resposta produz no meio onde tem lugar, o chamado impacte social. Ainda que, por vezes, o impacte social possa estar asso-

ciado a outros impactes economicamente mensuráveis, a verdade é que a sua verificação não pode ser exclusivamente imputável a uma só resposta. Quando o é, como no caso do microcrédito, a sociedade exulta-a como uma inovação que merece ser colocada ao mesmo nível de outras congéneres de natureza científica. A inovação que visa encontrar respostas às necessidades de caráter social, ambiental, cultural, ou mesmo político, e melhorar as condições de vida das pessoas e promover uma sociedade mais justa, mais

solidária, ou o progresso social, é a parente pobre da inovação científica. Por sê-lo, não se encontra ainda suficientemente estudada, sistematizada ou aplicada da forma que poderia trazer a todos os benefícios que lhe são inerentes.

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| INOVAÇÃO SOCIAL |

OS ECONOMISTAS NÃO SE CANSAM DE TEORIZAR E PROVAR QUE A INOVAÇÃO É O FATOR QUE MAIOR RESPONSABILIDADE TEM NA GERAÇÃO DE RIQUEZA.” E é um desafio fazê-lo. Nos tempos mais recentes tornou-se até imprescindível promover a inovação que visa encontrar respostas para problemas que afetam o modo como estamos organizados, para necessidades que, por razões diversas, emergem com rotundidade no nosso quotidiano ou que constituem um enorme desafio para a nossa consciência. Tal como acontece com os pontos de partida que estimulam à inovação científica, a realidade societal em que vivemos – ou seja, o entorno social, cultural, económico e ambiental – apresenta um conjunto de problemas, necessidades e desafios que nos obrigam a encontrar novas respostas, soluções diferentes, melhores, mais eficazes e que, de preferência, proporcionem modelos de desenvolvimento mais equilibrados e que gerem maior riqueza. O POTENCIAL DA INOVAÇÃO SOCIAL Em Portugal, em concreto, esses desafios são prementes e a crise colocou-os indefetivelmente na ordem do dia da cidadania: como assegurar a continuidade de um sistema de saúde tendencialmente universal e gratuito, como prevê a Constituição? Como cuidar de forma digna de todos os idosos que carecem de recursos?

Como promover um envelhecimento ativo? Como garantir que os cidadãos se envolvam nos processos eleitorais, para que se assegure a qualidade democrática e a representatividade do nosso sistema político? Como promover a criatividade e a qualidade das respostas aos desafios societais, se a nossa sociedade não dá valor à inovação social? Como proteger as boas ideias, se não existem mecanismos de proteção dessas boas ideias? Como encontrar novos recursos económicos para financiar as respostas sociais inovadoras, se o nosso sistema jurídico não os prevê? Como sistematizar e otimizar o potencial da inovação social, se a sociedade e os decisores não são conscientes da importância da forma como organizá-la, enquanto processo responsável pela melhoria das condições de vida das pessoas? A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, instituição secular enraizada na sociedade portuguesa, constitui a plataforma mais idónea para promover a inovação social no território nacional. Em primeiro lugar, porque constitui, pela sua longevidade e atualidade, um exemplo vivo da importância da inovação social. É porque incorpora no seu ADN constitucional a semente da inovação social que se estabelece, passados quinhentos anos, como um referencial

das respostas sociais que são dadas à sociedade portuguesa. Em segundo lugar, precisamente por ser uma instituição de referência na sociedade portuguesa, encontra-se numa posição em que lhe é fácil agregar o conjunto de “acionistas” que são indispensáveis para encontrar as respostas aos complexos problemas e desafios societais com que nos enfrentamos, questões que foram abordadas ao longo deste texto. Em terceiro lugar, porque a sua missão é ampla, abarcando os âmbitos da ação social, da saúde, da cultura e do património. Acresce ainda que a Misericórdia de Lisboa possui um mecanismo de financiamento que lhe outorga a estabilidade necessária para testar e desenvolver novas respostas sociais. A combinação destas circunstâncias permite-lhe cruzar o conhecimento e a experiência que possui nestes âmbitos e promover a inovação que proporciona as respostas mais adequadas à complexidade dos desafios que a sociedade portuguesa enfrenta. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no quadro desta dinâmica de promoção contínua da inovação social, promoveu a criação do BIS – Banco de Inovação Social, a “fábrica” que tem como objetivo proporcionar a primeira resposta integrada e global à necessidade de tratar a inovação social como o processo que sistematiza e introduz uma abordagem semelhante ao processo de inovação científica. O BIS é, para todos os efeitos, um projeto de inovação social em si, na medida em que se propõe investir os ativos de várias instituições

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públicas, privadas e da economia social de referência em Portugal – através de uma plataforma informal institucionalmente organizada – na procura de respostas aos desafios, problemas e necessidades da sociedade portuguesa. BIS: “FÁBRICA” DE INOVAÇÃO SOCIAL Por ser de criação recente, o BIS está ainda a criar no seu seio os mecanismos jurídicos e económicos que lhe permitirão organizar, de modo efetivo, as várias dimensões e formas de intervenção associadas ao processo de inovação social. Seja através da organização do processo de identificação das necessidades a abordar, do apoio à criatividade, dos processos de estruturação de respostas, dos mecanismos de financiamento, de avaliação do impacte e de disseminação das respostas. Mas estamos no bom caminho. Recentemente, o BIS foi assinalado por experts da Young Foundation – uma entidade de referência a nível europeu no âmbito da inovação social – como um projeto-piloto de boas práticas a nível europeu, uma referência a seguir, face à forma global e integrada como está a sistematizar o processo de inovação social e a gerir a colaboração entre instituições de forma a otimizar as suas valências na promoção de respostas inovadoras para as necessidades societais. Há muito por fazer ainda, porém. Em primeiro lugar, dentro da própria Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, onde é necessário que o BIS seja visto como um laboratório e fábrica da inovação,

que permite conceber, testar e promover novas respostas societais, empresas sociais inovadoras e sustentáveis, novos produtos e serviços que melhorem as condições de vida das pessoas e que resolvam os problemas graves e estruturais que afetam a nossa vida em comum. Em segundo lugar, é necessário que o ecossistema de incentivo e apoio à criatividade seja operacional e que a colaboração instituída com as entidades que possuem a capacidade de apoiar a concretização de ideias inova-

produção de bens e serviços – as tais respostas inovadoras – que surjam da criatividade e possuam as condições mínimas para serem introduzidas no mercado. Há, de facto, um longo caminho a ser percorrido por todos. Mas é um caminho de esperança e que nos deve animar a todos percorrê-lo com o mesmo entusiasmo, a mesma esperança e a mesma determinação com que os milhares de cientistas o percorreram no passado e o percorrem diariamente, no âmbito da ciência e da tecnologia.

PORQUE INCORPORA NO SEU ADN CONSTITUCIONAL A SEMENTE DA INOVAÇÃO SOCIAL, A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA É, PASSADOS QUINHENTOS ANOS, UM REFERENCIAL DAS RESPOSTAS SOCIAIS QUE SÃO DADAS À SOCIEDADE PORTUGUESA” doras funcione de facto e as ajude a ver a luz. Em terceiro lugar, é urgente que a sociedade interiorize e assuma que as soluções para os problemas, necessidades e desafios com que nos confrontamos – sejam eles de natureza social, ambiental, económica ou cultural – dependem, em larga medida, de nós próprios e não de entidades abstratas às quais vulgarmente chamamos “eles” e às quais atribuímos sempre a responsabilidade pelo progresso e bem-estar do país. Por último, é crucial que seja criado o conjunto de mecanismos jurídicos e financeiros que agilizem e favoreçam a

Se nos convencermos de que a inovação social deve ser promovida, tal como acontece com a inovação tecnológica, teremos dado o salto mental e operacional necessário para que comecem a surgir, em Portugal, soluções inovadoras, viáveis e competitivas para os problemas societais com que nos confrontamos. A proposta é a de olhar para o nosso país como aquele que possui as condições necessárias – a criatividade – e no qual estamos a construir, entre todos, o ecossistema para o transformar não num Sillicon Valley mas sim no Societal Valley da Europa. 9

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| SUSTENTABILIDADE |

FAZEMOS DO INSUSTENTÁVEL, SUSTENTÁVEL. TODOS OS DIAS, DESDE SEMPRE. A ESTRATÉGIA DE SUSTENTABILIDADE NA SCML COMO REFERÊNCIA PARA O TERCEIRO SETOR Texto de Patrícia Ferreira [SCML_DEPARTAMENTO DA QUALIDADE E INOVAÇÃO]

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Em 2012, a Misericórdia de Lisboa pôs em prática uma estratégia de sustentabilidade assente em três pilares de ação: ambiental, social e de inovação. Em 2014, publicará o seu primeiro Relatório de Sustentabilidade.

O

desafio: o conceito de sustentabilidade não é algo de novo para a Misericórdia de Lisboa. Desde há 515 anos, a instituição trabalha em prol de um desenvolvimento social mais sustentável, evidenciando as suas preocupações sociais, inovando nas suas respostas e dando o seu contributo para uma maior coesão social e territorial na área de Lisboa. Institucionalmente, poder-se-ia dizer que aquilo que a Santa Casa faz no seu dia-a-dia é, per se, um contributo para a sustentabilidade. Assim como o é a atividade quotidiana de milhares de associações, organizações não-governamentais para o desenvolvimento, associações ambientais ou de direitos humanos, cooperativas e outras organizações locais, regionais, nacionais ou internacionais, espalhadas pelo mundo. Mas deverá a sociedade civil ser excluída de um papel ativo na prática da sustentabilidade, conferindo-se-lhe um papel eminente apenas enquanto parte interessada, que importa auscultar? Ou, pelo contrário, deverá a sociedade civil ser reconhecida enquanto um ator que desempenha um importante papel, não só de advocacy e de mobilização, mas também de concretização?

A Misericórdia de Lisboa, através da sua administração, assumiu uma atitude proativa, considerando que não basta contribuir para o desenvolvimento sustentável através dos seus deliverables, isto é, dos serviços que presta à sociedade. A sustentabilidade deverá estar presente ao longo de todo o ciclo da sua atividade: racionalizando e utilizando eficientemente os recursos, promovendo o bem-estar dos seus colaboradores, ouvindo as partes interessadas, apoiando a comunidade, estabelecendo parcerias ativas para aproveitamento de recursos e conhecimentos. Promover a sustentabilidade da Santa Casa é preparar um futuro melhor para a instituição, para todos os que ela serve e para a comunidade em que está integrada. Daí o empenho em desenvolver a sua atividade de uma forma ambiental e socioeconomicamente responsável, incorporando nas suas decisões, de uma forma equilibrada, os aspetos económicos, sociais e de preservação do ambiente.

“Um desenvolvimento sustentável pressupõe a preocupação não só com o presente mas com a qualidade de vida das gerações futuras, protegendo recursos vitais, incrementando fatores de coesão social e equidade, garantindo um crescimento económico amigo do ambiente e das pessoas. Esta visão integradora do desenvolvimento, com harmonia entre a economia, a sociedade e a natureza, respeitando a biodiversidade e os recursos naturais, de solidariedade entre gerações e de corresponsabilização e solidariedade entre países, constitui o pano de fundo das políticas internacionais e comunitárias de desenvolvimento sustentável que têm vindo a ser prosseguidas.” In Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável – ENDS2015

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O INÍCIO: A ADAPTAÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA DE SUSTENTABILIDADE À REALIDADE DA MISERICÓRDIA DE LISBOA Analisando a estrutura clássica de uma estratégia de sustentabilidade, esta assenta no modelo triple bottom line, isto é, numa matriz com três pilares – o económico, o social e o ambiental – em equilíbrio, refletindo a responsabilidade económica, social e ambiental de uma organização. Este enquadramento teórico começou a disseminar-se na primeira metade da década de noventa do século xx, advogando-se que os resultados das empresas deveriam deixar de ser medidos exclusivamente em termos económicos e que um bom desempenho – equilibrado, justo e sustentável – só poderia ser alcançado com respeito por esta estratégia tripartida. Desde então, a matriz de sustentabilidade original, mais ou menos rígida, tendeu a ser ampliada, incorporando outras dimensões e preocupações. Por exemplo, na sua mais recente comunicação em matéria de responsabilidade social, a Comissão Europeia apela ao universo das empresas para “adotar processos com o fito de integrar as preocupações de índole social, ambiental e ética, o respeito dos direitos humanos e as preocupações dos consumidores nas

Inovação

Social

DESDE HÁ 515 ANOS, A INSTITUIÇÃO TRABALHA EM PROL DE UM DESENVOLVIMENTO SOCIAL MAIS SUSTENTÁVEL, EVIDENCIANDO AS SUAS PREOCUPAÇÕES SOCIAIS, INOVANDO NAS SUAS RESPOSTAS E DANDO O SEU CONTRIBUTO PARA UMA MAIOR COESÃO SOCIAL E TERRITORIAL NA ÁREA DE LISBOA”

Ambiente

| SUSTENTABILIDADE |

INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE

respetivas atividades e estratégias, em estreita colaboração com as partes interessadas”1. No caso da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, sendo esta uma instituição sem fins lucrativos cuja própria missão já contribui para um desenvolvimento social mais sustentável, foi necessário adaptar a estrutura clássica de uma estratégia de sustentabilidade, que é mais frequentemente aplicável ao setor empresarial. Utilizaram-se as referências internacionais, nomeadamente o recurso a uma abordagem triple bottom line, mas ajustadas à realidade e às especificidades institucionais da Santa Casa. O resultado foi a definição de três pilares de ação – o ambiental, o social e o de inovação –, assentes num sistema de monitorização do desempenho da instituição em matéria de sustentabilidade. OS TRÊS PILARES DA SUSTENTABILIDADE NA MISERICÓRDIA DE LISBOA A concretização da estratégia de sustentabilidade da Santa Casa concentrou-se, num primeiro momento, no pilar ambiental, por se considerar

1. COM(2011) 681, Bruxelas, 25.10.2011, “Responsabilidade Social das Empresas: uma nova estratégia da UE para o período de 2011-2014”, p. 7, disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2011:0681:FIN:PT:PDF

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que este era aquele em que existiam maiores e mais urgentes oportunidades de correção e de melhoria. Sob o lema “Minimizar a pegada ecológica da Santa Casa”, foram definidas quatro áreas prioritárias de intervenção: eficiência energética, gestão de resíduos, compras sustentáveis e sensibilização e formação ambiental da comunidade interna. Já o pilar social e o pilar de inovação vieram enquadrar um conjunto de atividades desenvolvidas espontaneamente no âmbito da sua intervenção, contribuindo para o reforço da responsabilidade socioeconómica, ambiental e de inovação da nossa instituição e de promoção de um desenvolvimento mais sustentável. No pilar social, a Santa Casa tem vindo a lançar iniciativas que visam, por um lado, promover a coesão interna e o bem-estar dos seus colaboradores e, por outro, apoiar o desenvolvimento da sociedade, deixando a sua marca noutras causas públicas, territorial e socialmente mais amplas, que se alinham com a sua própria missão. Estas ações contribuem decisivamente para o posicionamento da Misericórdia de Lisboa enquanto entidade de referência no âmbito da responsabilidade social. No pilar de inovação, a instituição tem vindo a apostar na modernização interna e na adequação das suas respostas às novas problemáticas sociais, estimulando a criatividade e a inovação. AUSCULTAÇÃO ÀS PARTES INTERESSADAS O processo de auscultação às partes interessadas da organização constitui um momento fulcral no processo de delineação e concretização de qualquer estratégia de sustentabilidade. Antes de mais, porque permite estabelecer a relevância e as prioridades para a instituição, ao mesmo tempo que inclui as partes diretamente envolvidas no seu quotidiano – utentes/clientes, colaboradores, fornecedores, parceiros, etc. –, num processo que se deseja o mais participativo possível. Numa primeira fase, ainda em 2012, foi realizada uma auscultação à comunidade interna com o propósito de estabelecer o ponto de referência zero em relação ao nível de conhecimento dos colaboradores sobre o tema da sustentabilidade,

SOB O LEMA “MINIMIZAR A PEGADA ECOLÓGICA DA SANTA CASA”, FORAM DEFINIDAS QUATRO ÁREAS PRIORITÁRIAS DE INTERVENÇÃO: EFICIÊNCIA ENERGÉTICA, GESTÃO DE RESÍDUOS, COMPRAS SUSTENTÁVEIS E SENSIBILIZAÇÃO E FORMAÇÃO AMBIENTAL DA COMUNIDADE INTERNA” 13

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| SUSTENTABILIDADE |

NO PILAR DE INOVAÇÃO, A INSTITUIÇÃO TEM VINDO A APOSTAR NA MODERNIZAÇÃO INTERNA E NA ADEQUAÇÃO DAS SUAS RESPOSTAS ÀS NOVAS PROBLEMÁTICAS SOCIAIS, ESTIMULANDO A CRIATIVIDADE E A INOVAÇÃO” O QUE PENSAM OS NOSSOS COLABORADORES SOBRE A SUSTENTABILIDADE?

91% 61%

consideravam importante que a instituição se tornasse mais sustentável.

achavam que a maior condicionante para terem comportamentos mais amigos do ambiente era a falta de ecopontos/locais para reciclagem ou reutilização de materiais.

45%

consideravam que encaminhar para reciclagem, sempre que possível, os resíduos produzidos e dar formação aos colaboradores na área da sustentabilidade eram as medidas prioritárias para desenvolver a sustentabilidade ambiental. Fonte: Inquérito realizado à comunidade interna, 2012

TEMAS MATERIAIS PARA A SUSTENTABILIDADE DA SANTA CASA Do processo de auscultação às partes interessadas foi possível identificar os seguintes temas materiais: > Ética e transparência > Promoção da diversidade e da inclusão > Apoio às comunidades locais > Gestão do consumo de energia e das emissões de CO2 associadas > Gestão de resíduos > Cadeia de abastecimento sustentável Fonte: Inquérito realizado às partes interessadas externas, 2013

à importância que atribuíam à relevância de a Santa Casa se tornar uma organização mais sustentável e, ainda, à opinião destes acerca de como a instituição deveria promover a sua sustentabilidade ambiental. Esta auscultação permitiu alinhar o planeamento das iniciativas internas em matéria ambiental com as expectativas dos colaboradores. Em 2013 realizou-se a auscultação externa. Neste processo, ouviu-se a opinião de sessenta partes interessadas da instituição, entre utentes, parceiros e fornecedores, junto dos quais se procuraram apurar os temas considerados mais relevantes e prioritários para a mitigação dos impactes externos negativos da Santa Casa e para a alavancagem dos seus impactes mais positivos. COMUNICAÇÃO DE RESULTADOS A avaliação e comunicação de resultados, por sua vez, são essenciais para garantir a eficácia, a eficiência, a qualidade e a transparência de qualquer projeto. Tendo em vista este propósito, na definição da estratégia de sustentabilidade foi prevista a elaboração de um relatório de sustentabilidade, dois anos depois do arranque da iniciativa. Em 2014, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tornar-se-á a primeira organização do terceiro setor, em Portugal, a comunicar a sua atividade em matéria de sustentabilidade, de acordo com as diretrizes da iniciativa Global Reporting Initiative (GRI), na sua versão mais recente, a 4.0. Optou-se por este modelo de relato, por se considerar que a matriz GRI, sendo das mais utilizadas ao nível mundial, contribui para demonstrar o compromisso da Santa Casa com a sustentabilidade, para garantir a confiança e a qualidade da informação que é prestada e para evidenciar a diferenciação da instituição no plano nacional. A estrutura do relatório de sustentabilidade reflete, de forma integrada, as atividades levadas a cabo pela nossa instituição, desde 2012, no âmbito dos três pilares da estratégia de sustentabilidade: o pilar ambiental, o pilar social e o pilar de inovação. Além da comunicação de resultados, este relatório constitui um input fundamental para um balanço do trabalho desenvolvido até agora e para a delineação dos objetivos estratégicos em matéria de sustentabilidade para o próximo triénio.

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A IMPORTÂNCIA DA SUSTENTABILIDADE NO TERCEIRO SETOR A inclusão de práticas sustentáveis, de uma forma integrada, na atividade quotidiana das organizações do terceiro setor apresenta múltiplos benefícios. Frequentemente, esta discussão centra-se nos aspetos da sua sustentabilidade financeira, porquanto esta é uma das áreas mais complexas e delicadas da gestão nestas organizações. Não sendo objetivo menorizar a centralidade desta abordagem, consideramos que será pertinente alargar o seu escopo de análise. Numa época em que a competição por recursos (não só financeiros) é cada vez maior, a adoção de uma perspetiva integrada de sustentabilidade poderá contribuir para uma maior eficiência e transparência de gestão, para reforçar a confiança e a qualidade dos serviços prestados. O sucesso da prestação destes serviços não se deverá medir apenas pelo impacte positivo do seu resultado final, mas também pelo esforço de minimização dos impactes negativos que se geram para lá chegar. Para contribuírem para um desenvolvimento mais sustentável, as organizações têm de se tornar, elas próprias, mais sustentáveis e liderar pelo exemplo. É claro que, quando se fala no Terceiro Setor, fala-se de um

EM 2014, A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA TORNAR-SE-Á A PRIMEIRA ORGANIZAÇÃO DO TERCEIRO SETOR, EM PORTUGAL, A COMUNICAR A SUA ATIVIDADE EM MATÉRIA DE SUSTENTABILIDADE, DE ACORDO COM A GLOBAL REPORTING INITIATIVE” conjunto muito vasto de organizações, com diferentes dimensões, áreas de atividade, recursos e capacidades. Daí que seja necessário adaptar cada estratégia de sustentabilidade à realidade de cada organização. Umas podem assentar em objetivos mais comportamentais, enquanto outras poderão pressupor um maior investimento. Mas uma estratégia de menor complexidade não é sinónimo de um compromisso menor. Até porque a sustentabilidade é, precisamente, feita de pequenos gestos. 15

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INVESTIMENTO SOCIAL E BANCA SOCIAL

O recente eclodir do investimento social e da banca social assenta no pressuposto de que os serviços financeiros são usados na criação de impacte positivo na sociedade e no ambiente. Face ao atual contexto, bancos sociais e banca tradicional poderão estar em forte concorrência no futuro próximo. Texto de José Ortigão Sanches [SCML_DEPARTAMENTO DE EMPREENDEDORISMO E ECONOMIA SOCIAL]

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radicionalmente virado para o lucro e para a remuneração dos acionistas, o setor bancário está a confrontar-se, como toda a sociedade, a uma escala planetária, com novas realidades socioeconómicas, com novos problemas e com a necessidade de encontrar novas respostas para novos e velhos problemas. Os bancos, sejam quais forem as caraterísticas comerciais e os alvos originais do negócio, vão ter – e estão a ter – consciência de que, nesta realidade que vivemos, com mais ou menos comunicação e marketing, há uma nova área de negócio a que ninguém (bancos, empresas, comunidades, pessoas) é já indiferente: a chamada banca social.

ENQUADRAMENTO Para abordar esta temática, convém recordar que não foi há assim tanto tempo que as grandes empresas e as instituições financeiras, nomeadamente os bancos, passaram a incluir nos Relatórios e Contas a sua visão de sustentabilidade e de responsabilidade social. Estas tornaram-se assim áreas de relevo para dar a conhecer a posição da empresa ao mercado em geral e aos acionistas em particular. Foi a partir da década de setenta do século xx que o conceito de sustentabilidade começou a ser adotado pelo mundo empresarial. Fortemente associado ao ecologicamente correto, economicamente viável e socialmente justo, foi, a par da responsabilidade social, o foco das comunicações através das quais as empresas quiseram dizer ao mundo que estavam atentas às transformações que passaram a acompanhar. Com as grandes transformações económicas, políticas, sociais e culturais que o mundo vem sofrendo, é hoje comum a crescente preocupação que o mercado e os acionistas têm no reconhecimento das políticas adotadas pelos agentes económicos e financeiros. E na definição da sua própria política nesta matéria, contribuindo para fazerem, através da sua atividade, mais e melhor para a sociedade em geral. Tal reconhecimento é fator crítico de sucesso. O eclodir do investimento social e da banca social assenta no pressuposto de que os serviços financeiros são usados na criação de impacte positi-

vo na sociedade e no ambiente. Este conceito está necessariamente associado à rejeição de projetos que, apesar de rendíveis, não tenham valor social ou ambiental. O que distingue bancos sociais e banca tradicional na abordagem a pedidos de apoio a projetos de investimento, a pedidos de financiamento? Melhor dizendo: qual a diferença, quando analisam a vertente social dos projetos e demais pedidos que lhes são submetidos? Em teoria, os bancos sociais avaliam o impacte social gerado e os bancos comerciais, a viabilidade económica e financeira dos projetos. A banca social quer fazer crer que a verdadeira diferença reside na avaliação de impacte. Os projetos que apreciam só devem merecer apoio quando contêm impacte positivo para a sociedade. Contudo, as metodologias utilizadas são ainda muito fracas, não comparáveis e não normalizadas entre os diferentes operadores de banca social. Em conclusão, as metodologias usadas não são ainda aceites por todos os players do mercado. Por outro lado, os outros bancos, dada a força que os mercados reconhecem na responsabilidade social e na sustentabilidade, procuram divulgar e dar especial relevo ao apoio a projetos de índole social. Verifica-se uma crescente preocupação da banca comercial em associar a sua imagem e marca a projetos de impacte positivo, quer para o ambiente, com a colagem às chamadas indústrias verdes, quer no apoio a projetos de saúde e de índole social e cultural. Passam com especial ênfase e preocupação a mensagem da importância do reconhecimento de que a sua atividade reflete um comportamento transparente e de ética perante a comunidade. A comunicação e o marketing da responsabilidade social, mais do que a sua prática, é, primariamente, um instrumento diferenciador para o mercado e, portanto, utilizado pelas diferentes instituições, sejam elas da banca social ou da banca comercial. 2008 – 2012: CRISE FINANCEIRA E CONSEQUÊNCIAS As práticas especulativas e a ausência de controlos adequados das entidades regulatórias e de supervisão causaram a recente crise financeira, cujas 17

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consequências têm atingido, de forma diferente, pessoas, países, regiões, continentes, zonas económicas e mercados. Pode concluir-se que os níveis de desemprego recentemente atingidos são a mais transversal consequência da recente crise financeira, provocando desajustamentos na sociedade. Muitas famílias vivem situações de desemprego, outras transitaram para a recente “categoria” denominada de “novos pobres”, outras ainda perderam as suas casas e continuam com passivos substanciais, para além dos que perderam parte das poupanças, fruto da intervenção estatal ou de falências de que as instituições em que depositavam os seus ativos financeiros foram alvo. Esta realidade tem criado um conjunto de novas necessidades sociais para as quais as respostas

mente, o capital investido, sob pena de “afastarem” investidores e comprometerem o futuro e a existência de um mercado de empresas sociais. Assumindo qualquer uma das conhecidas formas jurídicas, as empresas sociais desenvolvem o seu “objeto social” através da produção de bens e serviços que contribuam para colmatar e responder a necessidades sociais. O sucesso das empresas sociais dependerá do equilíbrio conseguido entre investimento e resultado social atingido, isto é, da relação de equilíbrio entre impacte social do projeto versus remuneração do capital investido e reconhecimento da comunidade, por forma a garantir a continuidade e futuro do negócio e, neste caso, é apropriado falar em garantir a sustentabilidade das empresas sociais.

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O ECLODIR DO INVESTIMENTO SOCIAL E DA BANCA SOCIAL ASSENTA NO PRESSUPOSTO DE QUE OS SERVIÇOS FINANCEIROS SÃO USADOS NA CRIAÇÃO DE IMPACTE POSITIVO NA SOCIEDADE E NO AMBIENTE ainda não foram totalmente encontradas. Cumulativamente, os governos não vão ter as capacidades financeiras e disponibilidades para assegurar as chamadas funções sociais do Estado: Saúde, Social, Educação e Cultura. Após a tentativa de criação de um modelo de Estado social assiste-se, atualmente, a um processo gradual de “privatização” inevitável das funções sociais do Estado. EMPRESAS SOCIAIS O desenvolvimento do empreendedorismo social pressupõe a criação de empresas sociais. Não existindo uma definição comummente aceite para empresas sociais, entende-se que são entidades que perseguem, em primeira instância, objetivos sociais, sem contudo poderem abdicar de fins lucrativos, que assegurem o seu futuro e, consequentemente, garantam a continuidade do fim para que se constituíram. Os resultados deverão ser prioritariamente reinvestidos no próprio negócio, sem poderem deixar de remunerar, mais uma vez, pelo menos parcial-

BANCA E BANCA SOCIAL – QUE FUTURO? Globalmente, o sistema financeiro e os seus agentes, nomeadamente a banca, estão a sofrer grandes transformações, ainda longe de se entender como será o seu futuro. Tais transformações colocam-se a diversos níveis como consequência de reajustamentos originados por entidades reguladoras, mercados, acionistas, redefinição de modelo de negócio, geografias de atuação, etc. Uma coisa é certa: nada será como anteriormente. O negócio será necessariamente diferente, porque o mundo está diferente. Necessidades de clientes são e serão diferentes. Os clientes vão procurar satisfazer necessidades financeiras na banca – bancos sociais e banca tradicional, que estão em forte concorrência no futuro próximo. A diferença entre estes dois tipos de bancos será tendencialmente menor. A responsabilidade pelo desaparecimento da diferença será determinada pela procura da satisfação de novas necessidades sociais. Encontrar o melhor modelo de negócio será a tarefa a desenvolver por cada um, em simultâneo

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O SUCESSO DAS EMPRESAS SOCIAIS DEPENDERÁ DO EQUILÍBRIO CONSEGUIDO ENTRE INVESTIMENTO E RESULTADO SOCIAL ATINGIDO com a gestão corrente, tentando não aumentar a destruição de valor e procurando antecipar as decisões dos reguladores e as necessidades dos clientes e dos mercados. Analisar o posicionamento face à concorrência, encontrar os key value drivers e decidir o que mudar são passos cruciais para a redefinição estratégica, ou melhor, para a ambição estratégica dos futuros leaders do mercado. Vários serão os fatores críticos de sucesso ou key value drivers. Entre outros, serão relevantes a melhoria da qualidade do serviço prestado, o centrar esforços na otimização de objetivos do binómio cliente/banco e uma melhor utilização do capital alocado às operações. De referir ainda o alinhamento em função dos comportamentos e necessidades dos clientes (ouvir e perceber as necessidades e não “empurrar” qualquer tipo de produto), e a criação de métodos consistentes para medir a rendibilidade das operações (relações/produtos), construindo programas que permitam avaliar a eficiência da utilização de capital. Em conclusão: a banca continuará a desempenhar um papel crucial no futuro da sociedade da economia, desejando-se a existência de organizações financeiramente sólidas e rendíveis. Gestão de risco, base de capital e liquidez são fatores fundamentais para o futuro próximo da banca. Modelos de governação e compliance sólidos, que monitorizem o negócio sem o atrofiar pelo excesso do seu peso, deverão ser determinantes para o papel social dos bancos. Será desejável que os bancos regressem, em certa medida, às suas origens, ao velho negócio baseado em estruturas de balanço com forte base de capital, oferecendo segurança, para obterem estáveis e crescentes bases de funding. Que regressem ao modelo dos bancos com grande apetência para assumirem riscos que contribuam, ativa e responsavelmente, para o apoio e desenvolvimento de iniciativas e atividades económicas

geradoras de riqueza para a comunidade em geral. Com esta ambição teremos uma banca forte e preparada para ser um dos motores da recuperação económica e, desejavelmente, do desenvolvimento social. INVESTIMENTO SOCIAL – NEGÓCIOS SOCIAIS E MERCADO DE EMPRESAS SOCIAIS A combinação entre retorno financeiro e impacte social será o fio condutor das decisões de apoio a projetos de investimento social e, portanto, a negócios de empresas sociais. Como referido anteriormente, a banca, tradicionalmente, olha o investimento focado no retorno e otimização financeira, isto é, no princípio da maximização do lucro, enquanto os bancos sociais abordam o investimento na perspetiva do trinómio lucro/pessoas/ambiente. Investir em iniciativas socialmente responsáveis, em condições que garantam a sustentabilidade das empresas promotoras e das entidades financiadoras, será a garantia de construção de um mercado “saudável” entre empresas que produzem bens e serviços a preços e condições justas, e de equilíbrio entre procura e oferta, remunerando capitais e, simultaneamente, respondendo às necessidades sociais, económicas e ambientais. O crescente número de empresas sociais está a provocar um realinhamento e redefinição de políticas de investimento de particulares, empresas e investidores institucionais, nomeadamente de fundos de investimento, onde os focados em negócios e empresas sociais estão particularmente ativos. A breve trecho, as Bolsas de Valores serão confrontadas com pedidos de entrada em mercado de empresas sociais. Gradualmente, o paradigma empresarial será forçosamente alterado, por transferência da responsabilidade de quem deve investir – o setor privado ou o Estado. Responsabilidade, transparência e sustentabilidade são os atributos necessários para um melhor investimento social e banca com valor social. 19

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BOLSA START UP ME ENTRE A EXCLUSÃO E A INCLUSÃO

A Bolsa de Prestadores de Serviços Start Up Me surgiu com o objetivo de apoiar os residentes da Ameixoeira. Trata-se de uma plataforma multisserviços, desenvolvida numa lógica de empreendedorismo inclusivo, na medida em que se insere numa abordagem integrada e territorial, promotora do alargamento de oportunidades de acesso ao mercado de trabalho de pessoas em situação económica e social vulnerável. Texto de Manuel Leite [TÉCNICO DE DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO_SCML, PROJETO DE DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO DA AMEIXOEIRA - K’CIDADE]

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Bolsa de Prestadores de Serviços Start Up Me surge na Ameixoeira, financiada pelo Programa BIP/ZIP da CML. Teve como promotores a Associação Salamandra Dourada, o Movimento SOS Racismo e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa/Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Ameixoeira. Contou ainda com o apoio da empresa de gestão de condomínios Yellow City, prosseguindo um princípio de reciprocidade decorrente da ligação estabelecida com o Núcleo Empreendedor Liga-te1, aquando da fase inicial da constituição da empresa. Utilizando uma linguagem mais comercial, poderíamos descrever a Bolsa de Prestadores de Serviços Start Up Me como uma plataforma multisserviços que reúne, num só sítio, pessoas com referências e qualificações para acompanhamento de crianças e babysitting; serviços domésticos; obras e pequenas reparações; acompanhamento de idosos; ou mesmo motoristas. Tudo numa mesma estrutura, bastando aceder à página com o endereço www.startupme.com.pt, selecionar o prestador com o perfil pretendido e fazer o pedido no próprio site. Ou, se preferir, usar os contactos e fazer o pedido telefonicamente ou por correio eletrónico. Alia-se a comodidade de uma estrutura que garante referências e acompanhamento dos serviços a uma iniciativa da economia social e solidária. Aqui podíamos juntar o mote de marketing da Santa Casa: por boas causas. Mas o que distingue este projeto de outros que estão no mercado? Não faltam empresas de serviços, inclusivamente iniciativas com caraterísticas similares. Pensemos na Zaask, uma start up nacional em fase de consolidação que se baseia numa plataforma online de intermediação entre quem faz e quem precisa. Ou o projeto Marias, promovido pela Pressley Ridge, que faz algo similar, mas exclusivamente com empregadas domésticas. Nestes exemplos de empreendedorismo podemos identificar uma diferença fundamental. O primeiro, a Zaask, parte de uma ideia baseada

nas tecnologias da informação para a criação de um negócio de intermediação com fins lucrativos. Já o segundo, o projeto Marias, assume-se como um projeto de empreendedorismo social, cujo fim é resolver os problemas sociais associados ao emprego informal de empregadas domésticas, apoiando a contratação de acordo com a lei. De facto, a Bolsa de Prestadores de Serviços Start Up Me surge como um projeto com o objetivo de apoiar residentes na Ameixoeira, detentores de percursos e experiências profissionais diversos mas que partilham o facto de se encontrarem desempregados (ou em situação de trabalho precário) e procurarem novas oportunidades de emprego e aumento de rendimentos. EMPREENDEDORISMO INCLUSIVO Embora o empreendedorismo social comporte uma ideia muito ampla, “de acordo com a definição geralmente adotada, qualquer iniciativa inovadora para ajudar os outros cabe no conceito de empreendedorismo social. A iniciativa pode ser económica ou não, com ou sem fins lucrativos” (Yunus, 2008). Este projeto, pelo seu enquadramento, terá mais que ver com o empreendedorismo inclusivo, na medida em que se insere numa abordagem integrada e territorial, promotora do alargamento de oportunidades de acesso ao mercado de trabalho de pessoas em situação económica e social vulnerável. Como refere Ribeiro (2009), para haver uma “real estratégia de empreendedorismo é necessário que os processos de reinserção baseados no empreendedorismo inclusivo estabeleçam mecanismos muito fortes entre as estratégias de inclusão e de empreendedorismo e introduzam obrigatoriamente nesta dinâmica um novo paradigma que assenta em conceitos como empresas cidadãs, responsabilidade social, economia solidária, cooperativismo” e que essas estratégias para serem, de facto, inclusivas, terão de “implementar soluções flexíveis e adaptadas de base coletiva que envolvam e projetem para um futuro profissional minimamente organizado esta nova

1. Estrutura de promoção do empreendedorismo e empregabilidade, baseada na parceria informal entre instituições da economia social, empresas, particulares e destinatários envolvidos no processo de capacitação, desenvolvida no âmbito do Programa de Desenvolvimento Comunitário Urbano K’CIDADE pelo Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Ameixoeira.

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geração de desempregados que se encontra no meio da ponte, que não tem condições para se reconverter e retomar uma condição assalariada por conta de outrem e que pretende exprimir as suas competências profissionais como elemento central do seu projeto de vida”. Nesta óptica, o empreendedorismo inclusivo encontra o seu campo de ação no cruzamento entre as políticas da empresa (microempresas), as políticas ativas de emprego e as políticas de desenvolvimento local e comunitário e, com um especial enfoque, na coesão territorial. Ou seja, emerge de processos de intervenção ao nível do desenvolvimento local e comunitário que abordam – de forma integrada, ecológica e holística – os obstáculos adicionais das pessoas em situação socioeconómica mais vulnerável, numa perspetiva de valorização e mobilização do potencial endógeno dos territórios onde residem. Pois, como sugerem Stead e Evert (2009), “as questões relacionadas com o empreendedorismo inclusivo não podem ser resolvidas de forma

isolada e uma resposta coordenada de uma variedade de organizações é necessária para que seja possível a implementação de uma estratégia de empreendedorismo”. Também é reforçado e verificado pela produção de conhecimento gerada pela rede COPIE2 que os grupos vulneráveis necessitam de sistemas de apoio integrados e à medida, e ainda que estes sistemas devem poder ser acolhidos nas políticas gerais de empreendedorismo, de modo a que estas políticas se tornem, de facto, inclusivas. CRIAÇÃO DA START UP ME Olhando agora para os bastidores, a Bolsa de Prestadores de Serviços Start Up Me começa a ser pensada no Grupo de Trabalho Emprego Inserção, da Comissão Social de Freguesia da Ameixoeira, e envolve no processo os parceiros do Núcleo Empreendedor Liga-te. Uma análise de benchmarking, nomeadamente a uma outra experiência na Alta de Lisboa, ao projeto Marias e à Zaask, foram importantes contributos.

2. A COPIE – rede de cooperação e parceria transnacional – constitui-se como uma rede de partilha de boas práticas de projetos desenvolvidos no âmbito da Rede Temática de Empreendedorismo da IC EQUAL. Procurou reunir toda a informação sobre os projetos e parcerias desenvolvidos no âmbito do empreendedorismo e o desenvolvimento de ferramentas para a promoção do empreendedorismo inclusivo. Apresenta como principal objetivo reduzir o gap entre a implementação do empreendedorismo inclusivo e as políticas de empreendedorismo. No âmbito da COPIE foram definidos quatro grandes desafios para a promoção do empreendedorismo inclusivo: cultura e condições, apoio a start ups e formação, consolidação e crescimento, financiamento adequado. A COPIE é uma comunidade prática que assenta a informação numa plataforma virtual: http://www.cop-ie.eu/e http:// wikipreneurship.eu.

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Contribuíram na forma como se construiu a página na internet, na opção por uma gestão centralizada de atendimento dos pedidos dos clientes e sua distribuição pelos prestadores, assim como no deixar na esfera da autonomia dos prestadores a relação comercial com os clientes que, consequentemente, reforçou a necessidade de incluir formação específica sobre os procedimentos legais aplicáveis. Mas também é importante para a perceção do desenho do projeto perceber o incorporar dos princípios subjacentes à abordagem do Núcleo Empreendedor Liga-te. Desde logo, por o Programa K’CIDADE – que enforma o Liga-te – visar contribuir para a melhoria da qualidade de vida de grupos vulneráveis, trabalhando com eles a capacidade para avaliarem e enfrentarem as próprias necessidades e gerarem o seu próprio desenvolvimento social e económico, assumindo a promoção de processos de mudança social fundados no respeito pelos ritmos das comunidades e numa cultura de aprendizagem potenciadora do empowerment, da capacitação e da autonomização dos diversos agentes envolvidos. Depois porque, no Liga-te, o empreendedorismo não é exclusivamente encarado como a criação de um negócio – social ou não – ou a criação de autoemprego. Podendo sê-lo, é, antes de mais e de um modo mais geral, o ativar e fortalecer das competências empreendedoras de pessoas em situações de vulnerabilidade social ou exclusão, de modo a que desenvolvam formas de emancipação económica. Não só em prol da melhoria das próprias condições de vida, como das comunidades em que se inserem. Consequentemente, assumem-se os princípios da valorização da pessoa, do empowerment (emancipação, autonomia, autocrítica) e da participação que, alicerçados em relações de proximidade e confiança, se tornam fundamentais para que se possa promover a partilha, a interajuda e a reciprocidade entre todos os envolvidos. Mais do que a criação de empresa ou autoemprego, pretende-se proporcionar um maior conhecimento de fontes de informação e de apoio, um maior leque de opções de trabalho e geração de rendimentos e a pertença a uma rede de apoio alarga-

O EMPREENDEDORISMO INCLUSIVO ENCONTRA O SEU CAMPO DE AÇÃO NO CRUZAMENTO ENTRE AS POLÍTICAS DA EMPRESA (MICROEMPRESAS), AS POLÍTICAS ATIVAS DE EMPREGO E AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL E COMUNITÁRIO E, COM UM ESPECIAL ENFOQUE, NA COESÃO TERRITORIAL” da, fatores que, articulados, proporcionem e se traduzam numa efetiva melhoria de geração de rendimentos. A Bolsa de Prestadores de Serviços Start Up Me surge então como uma iniciativa piloto de empreendedorismo inclusivo baseada numa parceria maior do que a que formalmente a promoveu. Ou seja, incluída numa rede com um foco territorial. Rede essa que, na avaliação do próprio percurso e outros considerados relevantes, reinterpretou-os com os agentes envolvidos e com a comunidade, e coconstruiu um referencial de intervenção. Apropriando-o e fazendo-o seu (processo participado de modelização do Liga-te, em 2012). O arranque da Bolsa começou com o desafio lançado aos residentes para integrarem um processo de seleção e formação para provável ingresso numa bolsa de prestadores. Inscreveram-se cerca de setenta pessoas, às quais foram pedidas referências. Destas, após entrevista individual para verificação de perfil e competências, foram selecionadas vinte para iniciarem a formação. A formação incidiu no atendimento ao cliente, postura profissional, gestão de conflitos, empreendedorismo e possíveis enquadramentos e procedimentos legais na prestação de serviços. Durante a formação foi trabalhada a responsabilidade individual no desempenho enquanto prestador e as suas implicações no sucesso do conjunto e da imagem da marca Start Up Me. 23

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O PROGRAMA K’CIDADE DEFENDE A PROMOÇÃO DE PROCESSOS DE MUDANÇA SOCIAL FUNDADOS NO RESPEITO PELOS RITMOS DAS COMUNIDADES E NUMA CULTURA DE APRENDIZAGEM POTENCIADORA DO EMPOWERMENT, DA CAPACITAÇÃO E DA AUTONOMIZAÇÃO DOS DIVERSOS AGENTES ENVOLVIDOS” O espírito de colaboração e entreajuda promoveu-se não só para a homogeneização de preços e angariação de serviços, como noutros campos extrabolsa (como as informações recíprocas sobre ofertas de emprego entre prestadores). No fim da formação, 18 formandos assinaram um termo de compromisso e integraram a Bolsa. Em dezembro de 2012, a imagem e material gráfico estavam a circular e, no início de 2013, foi lançado formalmente o site e a página no Facebook, num evento com grande cobertura mediática. A marca Start Up Me estava criada e a estrutura a funcionar. NOVA DINÂMICA DA BOLSA START UP ME Esta fase corresponde ao financiamento BIP/ZIP, que terminou em fevereiro de 2013 e contou com uma coordenadora de projeto. Daí até dezembro, a gestão da Bolsa foi assegurada entre os promotores, num sistema de rotatividade. Entretanto, indo ao encontro da abordagem descrita anteriormente, foi-se procedendo à informação/encaminhamento para oportunidades de formação e emprego. Para os promotores tornou-se claro que, após a fase BIP/ZIP, este sistema de gestão serviria apenas para ir mantendo e recolhendo os frutos do trabalho realizado num tão curto espaço de tempo. Mas não asseguraria a disponibilidade e tempo necessários para alavancar um ganho de esca-

la da marca Start Up Me, que permitisse atingir um nível de volume de serviços que possibilitasse pôr em prática estratégias de sustentabilidade. Afigurava-se tangível desenvolver um trabalho de autonomização da Bolsa, centrada nos prestadores, como iniciativa da economia social e integrada nas dinâmicas comunitárias locais. De facto, uma prestadora – com formação na área administrativa – tinha o perfil, as competências e disponibilidade para gerir a Bolsa. Para isto ser concretizável, a Bolsa teria de passar a gerar os próprios fundos para assegurar, pelo menos, a remuneração dos serviços de gestão, o marketing/ publicidade e as comunicações. Isto poderia ser feito recorrendo ao modelo de negócios do Projeto Marias, ou seja, ter-se-ia de passar a reter uma comissão sobre os serviços prestados. No entanto, afigurava-se um círculo vicioso que precisava de ser quebrado. Para isto acontecer era preciso ganhar volume de negócio, para ganhar este volume seria necessário um recurso humano que garantisse a promoção da Bolsa, mas para o pagar a Bolsa teria de ter um maior volume de negócios. Quando já parecia que a história acabaria com um fim em aberto, outros elementos paralelos se conjugaram para lhe dar essa perspetiva de abertura e continuidade. A ligação às dinâmicas territoriais deu os seus frutos e a história deste projeto não acaba aqui. Em junho de 2013, a Associação Salamandra Dourada, promotora do projeto, abre um espaço na Ameixoeira: a Casa da Árvore, que desenvolve “uma abordagem onde a animação, a diversidade e a comunidade são os pilares fundamentais”. Neste espaço, existem salas de coworking, espaços de animação, terreno agrícola e uma oficina. Aqui, a Start Up Me encontrou uma casa para se alojar. O encerramento do ciclo anterior aconteceu em dezembro de 2013, com a passagem definitiva da gestão da Bolsa para a Salamandra Dourada e após um ciclo de encontros individuais com os prestadores. Pretendendo incutir na sua dinâmica o princípio da autossustentabilidade, a Casa da Árvore enfrenta grandes desafios. Quem não os enfrenta nos dias que correm? O assumir, por conta própria, o empreendedorismo inclusivo nesses desafios já é algo a que poucos estarão disponíveis.

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No período compreendido entre dezembro de 2012 e dezembro de 2013, a Bolsa registou pedidos de 33 clientes que solicitaram 41 serviços, dos quais se concretizaram 24. O total das encomendas corresponde a uma estimativa de valor bruto na ordem dos 33 650 euros. Já os serviços efetivamente prestados totalizam um valor na ordem dos 15 mil euros. Relativamente aos pedidos concretizados, os de limpeza/domésticas foram os mais solicitados, perfazendo metade do total de pedidos. Seguiram-se os pedidos para obras e pequenas reparações, com cerca de 38% dos pedidos, e o acompanhamento de idosos, com cerca de 8%. De realçar que cerca de 33% dos serviços efetuados são regulares3 sem termo definido (todos na área dos serviços domésticos), o que garante uma regularidade de rendimentos aos prestadores. Considerando o período indicado, e fazendo uma relação entre o valor investido no financiamento do projeto e o retorno de rendimentos por este gerado, verifica-se que esse retorno cobriu cerca de 83% do financiamento. Tendo em conta a abordagem integrada, inerente ao empreendedorismo inclusivo, é importante referir também que cerca de 50% dos prestadores integraram processos de reforço de competências e praticamente 3. Estes rendimentos foram contabilizados nos dados gerais, fazendo uma estimativa dos rendimentos gerados desde o início da prestação até dezembro.

todos passaram por momentos de informação, partilha, motivação e networking do Liga-te. Apenas um dos prestadores se aproximou do sentido da expressão start up e do sucesso normalmente atribuído ao empreendedorismo. Neste momento, tem a trabalhar com ele mais cinco pessoas em obras de construção civil. Para alguns dos prestadores, o envolvimento e os ganhos na Bolsa foram reduzidos. Para outros, já faz a diferença num percurso de valorização pessoal e no aumento de rendimentos através da sua força de trabalho por conta própria. Não serão estes, também, empreendedores?

BIBLIOGRAFIA YUNUS, M. (2008), Criar um Mundo sem Pobreza. 1ª edição. Algés: Difel. RIBEIRO, C. e outros (2009), Promover o Empreendedorismo Inclusivo a nível local: Diagnosticar e envolver para agir. Oficina de Engenho, CRL. RIBEIRO, C. (2009), “O Empreendedorismo como Desafio e Solução” in Inovação Social. Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social: Gabinete de Estratégia e Planeamento, Lisboa. STEAD, D.; Meijers, E. (2009) “Spatial Planning and Policy Integration: Concepts, Facilitators and Inhibitors” in Planning Theory and Practice. (Online Publication).

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ALDEIA DE SANTA ISABEL

RUMO

À SUSTENTABILIDADE

AMBIENTAL

Texto de António Antunes1 e Jorge Gomes2 [1.DIRETOR E 2.TÉCNICO SUPERIOR DE SOCIOLOGIA_SCML, ALDEIA DE SANTA ISABEL. OS AUTORES AGRADECEM A COLABORAÇÃO DA ENG.ª RITA NOGUEIRA]

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A Aldeia de Santa Isabel, equipamento polivalente da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa situado em Sintra, dá os primeiros passos no percurso da sustentabilidade ambiental. A mudança para um paradigma de gestão ecocêntrico impõe desafios de natureza cultural e organizacional.

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ste artigo pretende descrever a implementação de práticas socioambientais na Aldeia de Santa Isabel (ASI), no âmbito da estratégia de sustentabilidade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Nas últimas décadas, tem sido crescente a preocupação em relação às questões ambientais, decorrente da degradação do meio ambiente e de práticas não sustentáveis no uso dos recursos naturais. As discussões que vinculam o desenvolvimento sustentável aos contextos organizacionais põem em evidência as práticas de gestão que permitem o alinhamento das organizações com o seu ambiente interno e externo. No caso concreto da ASI, a mudança para um paradigma de gestão ecocêntrico impôs desafios de natureza cultural e organizacional. Por fim, é perspetivada a necessidade de, num futuro a curto ou médio prazo, ser implementado um sistema de avaliação de impacte das práticas socioambientais desenvolvidas na Aldeia de Santa Isabel. 1. O PONTO DE PARTIDA Hoje, a problemática da sustentabilidade assume um papel central na reflexão em torno das

dimensões do desenvolvimento e das alternativas que se configuram nas sociedades contemporâneas. Neste novo ideal contemporâneo, países, regiões, cidades1 e empresas2 procuram corrigir os abusos e as consequências de um modo de produção não-sustentável – agravamento da poluição atmosférica, das águas e solo; perda de biodiversidade; escassez de recursos naturais –, de forma a construir uma sociedade sustentável do ponto de vista ambiental, social e económico. Ora, foi durante a última década que a sustentabilidade assumiu também uma importância crescente na forma de gerir as organizações. Os riscos financeiros, sociais e ambientais, as obrigações e oportunidades ou as necessidades de mudança estratégica ou operacional por via de um aumento da competitividade, têm justificado um novo posicionamento das organizações face à sustentabilidade. Este novo posicionamento (práticas de gestão socioambiental) é consequência quer de inúmeras pressões externas (legislação ambiental, consumidores, movimentos ambientalistas) quer de fatores internos, nomeadamente os que resultam em ganhos (materiais e/ou imateriais) para as

organizações (menor consumo de energia ou redução de desperdícios). Por outro lado, há uma evidência tácita – talvez a mais importante –, que favorece o incremento de práticas de gestão socioambiental: a perceção de que, cada vez mais, os indivíduos desejam informações sobre o histórico das organizações na área de responsabilidade social e ambiental, e que esse conhecimento/ informação é determinante para decidirem sobre a quem devem comprar, em que organizações devem investir e para quais devem trabalhar. Ou seja, hoje a sociedade tem preocupações ecológicas, de segurança, de proteção e defesa do consumidor/cliente/utente, de qualidade dos produtos. Preocupações que não existiam de forma tão pronunciada nas últimas décadas. Isso tem pressionado as organizações, e a gestão em geral, a incorporarem novos valores nos seus procedimentos administrativos, técnicos e operacionais. Neste contexto, como tem sido operacionalizada a relação entre os atuais desafios da sustentabilidade e os objetivos estratégicos da Aldeia de Santa Isabel? 27

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NESTE NOVO IDEAL CONTEMPORÂNEO, PAÍSES, REGIÕES, CIDADES E EMPRESAS PROCURAM CORRIGIR OS ABUSOS E AS CONSEQUÊNCIAS DE UM MODO DE PRODUÇÃO NÃO SUSTENTÁVEL, DE FORMA A CONSTRUIR UMA SOCIEDADE SUSTENTÁVEL DO PONTO DE VISTA AMBIENTAL, SOCIAL E ECONÓMICO” 2. DENTRO DO (MESMO) PERÍMETRO: MULTIPLICIDADE DE OBJETIVOS E SERVIÇOS A Aldeia de Santa Isabel é um equipamento polivalente de ação social pertencente à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, implantado no espaço do antigo Orfanato-Escola de Santa Isabel, criado em 1927 pelo franciscano Padre Agostinho da Motta e entregue à Misericórdia através do Decreto-Lei n.º 289/83, de 22 de junho. Neste espaço com cerca de seis hectares, situado em Sintra, foi instalado em setembro de 1986 um projeto de Educação-Formação e Ação Social Comunitária, fundado numa cultura de intergeracionalidade – crianças, jovens e idosos partilham e con-

vivem num único espaço que comporta a existência de quatro valências: > Os Lares de Crianças e Jovens (Lar Padre Agostinho da Motta e Lar de Transição Rainha Santa Isabel); > O Lar São João de Deus para pessoas idosas e os chalés Alvarinho, Andorinha e Bom Pastor; > O Centro de Formação Profissional, para jovens com mais de 15 anos que abandonaram prematuramente o sistema de ensino e que se encontram em risco de exclusão social;

> A Inclui, uma empresa de inserção social/profissional. A diversidade e a acumulação de modos de funcionamento, objetivos e práticas de trabalho existentes na ASI remetem para que a cultura organizacional originada e gerida por estas diferentes estruturas (valências) emerja mais como diferenciada e diferenciadora do que integrada ou integradora. A procura de uma tal homogeneidade – diferenciação interna mínima – apenas metaforicamente poderá ser encontrada. Se é verdade que tal situação

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põe em evidência a pluralidade existente na ASI, não é menos o que tal diferenciação comporta, em particular nos períodos de mudança e implementação de novas estratégias, com riscos e obstáculos acrescidos. 3. PREÂMBULO PARA UMA ESTRATÉGIA DE SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL No caso concreto, e de forma a reduzir uma possível resistência operacional sobre a necessidade e importância da temática ambiental “no local de trabalho”, foram desenvolvidas durante o ano de 2013 sessões de sensibilização ambiental. Em paralelo, realizou-se um diagnóstico ambiental que teve como objetivo caraterizar o comportamento ambiental da ASI e cujo resultado foi a elaboração do Bilhete de Identidade Ambiental (BI Ambiental) – recurso e instrumento de gestão essencial para a atual operacionalização da Estratégia de Sustentabilidade da ASI. A fase de envolvimento dos colaboradores foi assumida pe-

la gestão da ASI como crítica na mudança planeada. Sabendo que a resistência é uma expressão de reserva, que normalmente surge como uma resposta ou uma reação à mudança, a transmissão – por via das sessões de sensibilização – de informações explicativas, adequadas e úteis, permitiu consciencializar, motivar e agregar conhecimento em torno de cinco eixos principais: 1. Como capacitar os colaboradores para a aplicação de boas práticas ambientais no seu contexto de trabalho? 2. Como integrar conteúdos formativos de natureza ambiental nas aprendizagens dos formandos do Centro de Formação Profissional da ASI? 3. Como promover ações que fomentem a intergeracionalidade por via da sensibilização ambiental? 4. Como incorporar competências operacionais dos colaboradores na conceção de práticas ambientais? 5. Como monitorizar indicadores de gestão ambiental de forma a identificar oportunidades de melhoria na ASI?

Por outro lado, ao nível humano, a sustentabilidade valoriza as capacidades pessoais e o know-how, envolvendo mais os colaboradores no processo de tomada de decisão, dando-lhes portanto mais autonomia e atribuindo-lhes um papel fundamental na capacidade de renovação da ASI. Nesta perspetiva, são os recursos humanos, o seu envolvimento e alinhamento que permitem a qualquer organização o sucesso de uma sustentabilidade estratégica (Dunphy e outros, 2003). 4. ALGUMAS PRÁTICAS DO NOVO PARADIGMA ECOCÊNTRICO Atualmente, a estratégia desenvolvida na ASI posiciona-se em grande parte na dimensão ambiental3 da sustentabilidade, procurando uma situação de equilíbrio ótimo, na qual se utilizam os recursos naturais

REALIZOU-SE UM DIAGNÓSTICO AMBIENTAL QUE TEVE COMO OBJETIVO CARATERIZAR O COMPORTAMENTO AMBIENTAL DA ALDEIA DE SANTA ISABEL E CUJO RESULTADO FOI A ELABORAÇÃO DO BILHETE DE IDENTIDADE AMBIENTAL” 29

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QUADRO 1. Práticas de sustentabilidade ambiental por valência e/ou área funcional (exemplos)

que são renováveis e limitando o uso dos recursos não renováveis. Assim, pretende-se mitigar progressivamente os impactes ambientais das suas atividades, e promover a redução do consumo de matéria-prima, de água, de energia e de recursos naturais ao longo do ciclo de vida dos serviços que a ASI presta (ver Quadro 1).

OBJETIVOS

ATIVIDADES

Neste contexto, e encarando a sustentabilidade como um processo de evolução contínua, emergem duas vertentes fundamentais na visão sobre a ecoeficiência: a) a vertente dos recursos naturais, que pretende assegurar a eficiência energética dos diferentes edifícios que pertencem à ASI, através da redução do conRECURSOS UTILIZADOS

RESÍDUOS UTILIZADOS

sumo de eletricidade e água. De referir que se assiste a um elevado consumo de “energia reativa”, derivado em grande parte dos vários equipamentos elétricos e eletromecânicos existentes – equipamentos que necessitam para o seu funcionamento da componente da energia elétrica que não produz trabalho, vulgarmente chamada energia reativa; PRÁTICAS DE SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

LAR PADRE AGOSTINHO DA MOTTA • Assegurar a admissão de crianças, preferencialmente fratrias, com perfil adequado a poderem participar e usufruir das condições proporcionadas pelo projeto comunitário. • Promover o direito à participação efetiva dos menores institucionalizados. • Minimizar o tempo de internamento por período não superior a dois anos de permanência no Lar. • Favorecer a progressiva autonomia do menor com vista à adequada desvinculação da instituição. • Promover a construção e tomada de consciência da identidade pessoal e da condição de cidadão com direitos e deveres associados.

• Higiene • Refeições • Atividades de animação sociocultural

• Água • Energia • Gás • Papel

• Embalagens • Toalhetes • Guardanapos • Plásticos • Papel • Cartão

• Reutilização de papel para rascunho. • Aproveitamento de roupas entre as crianças e jovens do Lar. • Utilização racional de energia e água. • Utilização de toalhetes de mãos em papel reciclado. • Educação ambiental na área da reciclagem de materiais. • Lavagem de roupa no Lar de Transição segundo orientações para a poupança de energia e água. • Utilização de lâmpadas de baixo consumo.

LAR SÃO JOÃO DE DEUS • Garantir a prestação de todos os cuidados adequados à satisfação das necessidades básicas, como cuidados de higiene e conforto, alimentação, tratamento de roupas e acompanhamento ao nível de saúde. • Promover atividades que estimulem física e cognitivamente os residentes, contribuindo para o retardamento do processo de envelhecimento. • Assegurar um ambiente securizante e afetivo, através do relacionamento interpessoal entre os residentes e entre estes e as suas famílias.

• Higiene • Refeições • Enfermagem • Atos clínicos • Medicação • Atividades de animação sociocultural

• Água • Energia • Gás • Papel

• Embalagens • Toalhetes • Fraldas • Resguardos • Guardanapos • Plásticos • Papel • Cartão • Lâminas de barbear • Resíduos hospitalares • Tinteiros

• Utilização da informação em formato digital, sempre que possível. • Utilização do verso das folhas inutilizadas, para rascunho. • Encaminhamento dos resíduos hospitalares para operador licenciado. • Utilização de vidros duplos nas zonas sociais, com vista a um melhor isolamento térmico. • Utilização racional da energia e água. • Utilização de lâmpadas de baixo consumo.

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OBJETIVOS

ATIVIDADES

RECURSOS UTILIZADOS

RESÍDUOS UTILIZADOS

PRÁTICAS DE SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

CENTRO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL • Assegurar a certificação escolar e profissional de jovens.

• Higiene • Refeições • Formação em oficina • Formação em sala • Atividades de acompanhamento psicossocial e Atividades lúdico-pedagógicas

b) a vertente de gestão dos resíduos que, para além de garantir o cumprimento de obrigações legais, pretende valorizar os resíduos produzidos em articulação com operadores licenciados, através da implementação de um Plano de Gestão de Resíduos. No que diz respeito à valorização de resíduos, nomeadamente ao nível da recolha, separação e encaminhamento, o Centro de Formação Profissional desenvolve atualmente projetos de sensibilização aos formandos sobre a problemática da poluição/ambiente, nomeadamente ao nível da prática de separação do lixo e da reciclagem enquanto competência social. Neste momento, implementou-se uma rotina semanal de

• Água • Energia • Gás • Papel • Combustível • Materiais didáticos • Materiais oficinais

• Embalagens • Papel • Cartão • Toalhetes • Guardanapos • Plásticos • Resíduos têxteis • Fios de cobre • Material elétrico e eletrónico • Lâmpadas • Absorventes contaminados • Embalagens contaminadas • Diluentes • Chapa • Resíduos biodegradáveis • Desperdício de madeiras • Resíduos verdes

recolha e separação de lixo envolvendo os formandos. Durante a semana, e em cada oficina, é efetuada a separação dos lixos e o seu depósito em contentores adequados. Nos cursos de Pintura Automóvel, Reparação de Carroçarias, Carpintaria/ Marcenaria, Eletricidade de Edificações e Pintura de Construção Civil, o trabalho é realizado em colaboração com uma empresa certificada que realiza a recolha de alguns resíduos resultantes da atividade formativa, nomeadamente chapas, absorventes contaminados, embalagens contaminadas, diluentes, resíduos provenientes da lavagem dos equipamentos de pintura, filtros da estufa de pintura, lâmpadas e madeiras. Existem ainda dois depósitos de tinteiros e toners

• Abertura de um furo de água que alimenta quer o sistema de rega utilizado nos espaços verdes da ASI quer a oficina do curso de Lavador-Preparador de Viaturas. • Utilização de um Biotriturador no Curso de Operador de Jardinagem e Espaços Verdes para fragmentar os resíduos verdes provenientes da atividade formativa, de forma a serem depositados na zona de compostagem e reutilizados como adubo. • Utilização de tintas de base aquosa, o que permite diminuir a utilização de diluentes. • Separação de tinteiros e toners. • Reutilização de dossiers. • Os materiais de apoio são entregues em fotocópias “frente e verso”. • Utilização de papel reciclado nos WC.

(secretaria) que são recolhidos pela Assistência Médica Internacional (AMI). Por outro lado, na área da redução do impacte ambiental, e a título de exemplo, os produtos utilizados para a lavagem de viaturas são produtos “amigos do ambiente” e, nos cursos da área da Pintura (Automóvel e Construção Civil), foi fomentada a utilização de tintas de base aquosa, permitindo diminuir a utilização de diluentes e, desta forma, reduzir a quantidade de compostos orgânicos voláteis, nocivos para a atmosfera e que contribuem de um modo significativo para a formação do ozono troposférico. Em resumo, a implementação da ecoeficiência como instrumento de gestão na ASI pretende

QUADRO 1. (continuação)

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AS ORGANIZAÇÕES ENFRENTAM OS DESAFIOS DE INTEGRAR AS NOÇÕES TRADICIONAIS DE CRIAÇÃO DE VALOR E DE RELACIONAR AS OPERAÇÕES ‘SUSTENTÁVEIS’ COM OS RESULTADOS FINANCEIROS” responder aos seguintes objetivos: 1. Redução do consumo de materiais com bens e serviços; 2. Redução do consumo de energia com bens e serviços; 3. Redução da emissão de substâncias tóxicas; 4. Intensificação da reciclagem de materiais; 5. Maximização do uso sustentável de recursos renováveis; 6. Agregação de valor aos serviços prestados. 5. O PASSO SEGUINTE… CRIAÇÃO DE INDICADORES E MEDIÇÃO DE IMPACTE O percurso da ASI no desenvolvimento de práticas socioambientais – ainda que hoje numa fase inicial – terá necessariamente de incorporar, a curto ou médio prazo, uma dimensão avaliativa do seu impacte. Na definição e implementação dos modelos de medição da performance, as organizações enfrentam os desafios de integrar as noções tradicionais de

criação de valor e de relacionar as operações “sustentáveis” com os resultados financeiros. Tarefa difícil, mas essencial. O Sistema de Avaliação poderá comportar três momentos: ex ante (riscos previstos), in itinere (evolução dos riscos) e ex post (impacte observado). Assim, a avaliação de impacte da sustentabilidade adquire um caráter dinâmico, sem se limitar a ser um método ou ferramenta de diagnóstico. Nesta ótica, é um processo de coprodução e de partilha de informações específicas, que passam a atuar como “sinalizadoras” ou alertas para a gestão da ASI4. A título de exemplo, alguns dos indicadores passíveis de inclusão no processo de medição do impacte passam por: > Índice de visibilidade da sustentabilidade da ASI; > Grau de evolução na adesão das políticas e práticas internas ao desenvolvimento sustentável; > Imagem interna da ASI comprometida com o desenvolvimento sustentável; > Grau de redução de riscos ambientais identificados na ASI;

> Índice de adesão a tratados, códigos, normas nacionais e internacionais de promoção de desenvolvimento sustentável. Por último, referir que o desenvolvimento de uma política de sustentabilidade da Aldeia de Santa Isabel vinculará, de uma forma integrada, os seguintes pressupostos: 1. Posicionamento da Aldeia de Santa Isabel como prática bem sucedida na área da eficiência energética, potencializando a sua capacidade de inovação e promovendo o desenvolvimento sustentável; 2. Gestão da eficiência energética da ASI de forma sistémica, orientada pela inovação tecnológica, através de novas tecnologias e equipamentos de menor consumo energético; 3. Aumentar a competitividade da ASI através da eficiência energética como meio indutor da redução de custos operacionais (ao nível da instalação, operação e manutenção) e catalisador da redução do impacte ambiental; 4. Influenciar a formulação de políticas e programas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

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fabricante de catalisadores para veículos ligeiros e pesados. Em 2013, foi eleita a empresa mais sustentável no mundo, segundo o Ranking Global 100, elaborado a partir de estudo anual da Corporate Knights – empresa especializada em desenvolvimento sustentável. No ano de 2013 foram avaliadas quatro mil empresas, de acordo com dez indicadores de desempenho: produtividade energética, produtividade de carbono, produtividade hídrica, produtividade sobre desperdício, diversidade na liderança (percentagem de mulheres em cargos diretivos), pro-

(SCML) na área da eficiência energética e sustentabilidade, assumindo-se como referencial/modelo na gestão eficiente de recursos; 5. Partilhar e replicar na SCML os resultados das ações de eficiência energética, de forma a maximizar a qualidade das práticas desenvolvidas; 6. Procurar parcerias com instituições no exterior para responder a necessidades estratégicas e fomentar o desenvolvimento tecnológico em eficiência energética; 7. Fomentar processos e práticas organizacionais de apoio à gestão de eficiência energética, com vista à criação de um ambiente organizacional inovador voltado para a sustentabilidade; 8. Incentivar a ecoeficiência, minimizando o consumo de materiais, energia e outros recursos; 9. Gerir a cadeia de valor a montante, pretendendo inserir de forma gradual critérios de sustentabilidade na seleção de fornecedores; 10. Promover a implementação de um sistema de gestão ambiental.

NOTAS

porção de pagamentos, produtividade

1. Freiburg, no Sudoeste da Alemanha, é

em segurança, capacidade de inovação,

considerada uma cidade 100% susten-

relação entre sustentabilidade e impos-

tável. A cidade desenvolve uma política

tos pagos.

energética assente em três pilares: con-

3. A maioria dos estudos afirma que a

servação de energia, uso de tecnologias

sustentabilidade é composta por três

em ciclo combinado e uso de energias

dimensões que se relacionam entre si:

renováveis. No bairro de Vauban, as ca-

económica, ambiental e social. Estas di-

sas são construídas com técnicas orien-

mensões são também conhecidas como

tadas para o baixo consumo de energia:

tripple bottom line –TBL.

desde o isolamento térmico, sistemas

4. A elaboração de relatórios de susten-

de ventilação e aquecimento solar dos

tabilidade deverá ser a plataforma funda-

apartamentos, passando pela reciclagem

mental para comunicar os impactes de

de dejetos transformados em energia por

sustentabilidade, positivos e negativos,

um reator de biogás, para além de um

bem como para obter informações que

sistema próprio de tratamento de água.

possam influenciar a política e a estraté-

2. A Umicore é uma multinacional belga

gia da ASI.

BIBLIOGRAFIA AMARO, Duarte António (2012) – “A casa do homem de todas as idades: Cultura de intergeracionalidade na SCML”. In Revista Cidade Solidária. Lisboa: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. N.º 27/28, pp. 36-41. BERTELS, Stephanie; PAPANIA, Lisa; PAPANIA, Daniel (2010) – Embedding Sustainability in Organizational Culture: A Systematic Review of the Body of Knowledge. Ontário (Canadá): Network for Business Sustainability. DUNPHY, Dexter; GRIFFITHS, Andrew; BENN, Suzanne (2003) – Organizational Change for Corporate Sustainability: A Guide for Leaders and Change Agents of the Future (Understanding Organizational Change). New York: Routledge. NOGUEIRA, Rita (2013) – Bilhete de Identidade Ambiental da Aldeia de Santa Isabel (documento de trabalho). Sintra.

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PROJETO DE INOVAÇÃO COMUNITÁRIA Instrumento de desenvolvimento e intervenção social de proximidade Texto de Cristina Simões [COORDENADORA COMUNITÁRIA_ SCML, PROJETO DE DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO DA AMEIXOEIRA – K’CIDADE]

Desde a sua origem, o Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Ameixoeira tem procurado experimentar novas soluções para os problemas sociais locais, sustentando-se na convicção de que é nos locais que radica a sua capacidade transformadora. Os Projetos de Inovação Comunitária, desenvolvidos e experimentados no âmbito do Programa K’CIDADE, materializam este postulado. Rompem com as abordagens de intervenção social tradicionais, afirmando o protagonismo dos indivíduos, grupos e comunidades na condução do seu próprio processo de desenvolvimento.

C

omeçamos por descortinar os Projetos de Inovação Comunitária (PIC) indo ao encontro do que nos dizem as palavras. A palavra PROJETO tem origem na palavra latina projicere, que significa antes de uma ação, lançar para a frente ou colocar adiante. Nos dias de hoje, usamos o termo “projeto” em várias situações: umas vezes para designar uma intenção ou um desejo, outras associando-o

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Ricardo Vieira

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a um plano ou a um esquema, mas estes dois aspetos estão em geral sempre presentes. Num projeto, a intenção e o caminho para lá chegar emergem simultaneamente e influenciam-se mutuamente. A idealização e a execução estão integradas e não há separação entre os que pensam e os que fazem o projeto. A esta caraterística somam-se outras fundamentais que ajudam a definir o que podemos considerar como projetos:

> centram-se no desenvolvimento de um processo; > têm um propósito operacionalizado em objetivos formulados ou apropriados pelos seus autores; > têm um início e um fim, e são implementados num local e contexto específicos; > materializam-se num conjunto de atividades estreitamente relacionadas entre si e associadas a um produto final que pode assumir diversos formatos;

> deverão ter em conta não só as condições como também os recursos necessários para a sua realização; > pressupõem um desejo, intenção ou interesse dos seus autores e, por isso, têm associada uma carga afetiva marcada pelo empenho e compromisso. Sucintamente, no projeto define-se o que fazer, porquê, para quem, onde, quando, como, com o quê, quanto custa e como se paga. 35

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INOVAÇÃO deriva de innovare, palavra latina que significa tornar novo, mudar ou alterar as coisas. Habitualmente, inovação aparece como sinónimo de novidade, muitas vezes associada aos processos de geração de valor económico, podendo ocorrer quando há introdução de um novo bem, um novo método, um novo âmbito, uma nova matéria-prima ou a emergência de novos atores. O uso indiscriminado vulgarizou o termo e, “na esteira de inovar constantemente, o próprio conceito de inovação se renova e, na contracorrente do avanço tecnológico, emerge a inovação social” (Lacerda e Ferrarini, 2013). Sobre inovação social, diz Bignetti (2011) ser “o resultado do conhecimento aplicado às necessidades sociais através da participação e da cooperação de todos os atores envolvidos, gerando soluções novas e duradouras para grupos sociais, comunidades ou para a sociedade em geral”. É também neste sentido que a entendemos, como um processo que permite a geração de valor social para uma comunidade, onde ela própria é simultaneamente palco e protagonista, agindo sobre si e para si, valendo-se do seu próprio conhecimento e alimentando-se de práticas colaborativas. Não se trata somente de produzir novas soluções para os problemas sociais, mas de gerar dinâmicas comunitárias que aumentam a capacidade de ação social local. Inovação social, inovação comunitária ou inovação local vão assim no mesmo sentido. Rompendo com as práticas de cunho

Ricardo Vieira

| PARTICIPAÇÃO |

mais voluntarista, filantrópico e assistencialista que caraterizam um paradigma mais tradicional na intervenção social, afirmam a opção por um processo efetivamente voltado à emancipação social e à construção de uma sociedade com níveis efetivos de participação, oportunidades para todos e justiça social. COMUNITÁRIO é o que é relativo a uma comunidade, do latim communitate, grupo de indivíduos que partilham elementos em comum por viverem no mesmo espaço ou por partilharem dos mesmos interesses, costumes, ideais ou valores. No seio de uma comunidade cria-se geralmen-

te uma identidade comum, que a diferencia das outras. Numa comunidade as relações sociais são, de alguma forma, mais orgânicas, naturais e informais, por oposição às relações sociais mais conscientes e organizadas que caraterizam mais as sociedades. As comunidades estão no centro da inovação social. Na verdade, os PROJETOS DE INOVAÇÃO COMUNITÁRIA estão alicerçados no método de trabalho de projeto mas são muito mais do que isso. São uma metodologia ao serviço da Inovação Social, desde logo pela sua INTENCIONALIDADE: pretende-se mobilizar e capacitar os cidadãos

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NÃO SE TRATA SOMENTE DE PRODUZIR NOVAS SOLUÇÕES PARA OS PROBLEMAS SOCIAIS, MAS DE GERAR DINÂMICAS COMUNITÁRIAS QUE AUMENTAM A CAPACIDADE DE AÇÃO SOCIAL LOCAL para a identificação das suas reais necessidades e aspirações e para a conceção e implementação de novas soluções que lhes respondam, favorecendo a emergência de iniciativas de desenvolvimento local. Neste sentido, os PIC são fundamentalmente um instrumento de CAPACITAÇÃO, PARTICIPAÇÃO e EMPODERAMENTO dos indivíduos e das comunidades, que tem agregado um potencial de SUSTENTABILIDADE, pela transferibilidade das aprendizagens adquiridas no processo e pela transformação das potencialidades locais em recursos de desenvolvimento. Os PIC distinguem-se ainda de outras aplicações do trabalho de projeto na intervenção social porque têm, necessariamente, um ENFOQUE NA COMUNIDADE (o que se pretende fazer constitui um problema ou interesse genuíno para a comunidade) e porque são sempre PROCESSOS COLETIVOS (estimula-se a organização local e a ação conjunta dos cidadãos para obter um bem comum).

Em suma, os PIC são uma ferramenta de animação e capacitação comunitária, centrada na promoção da participação e no empoderamento dos cidadãos mais vulneráveis e socialmente excluídos, procurando criar as condições para que estes possam melhorar a sua qualidade de vida afirmando-se como os agentes do seu próprio desenvolvimento sustentável. Neste sentido, a metodologia PIC configura um processo de INTERVENÇÃO SOCIAL EMANCIPATÓRIA nos termos em que a explicam Viana, Nunes, Serra e Amaro (2013)1. Rompe com as tradicionais abordagens tecnocráticas, assumindo os destinatários o protagonismo na identificação dos problemas, na conceção e implementação das soluções e na sua avaliação.Os destinatários deixam de ser entendidos como os “beneficiários” das intervenções e sim, na mesma medida, como os “edificadores” das respostas aos seus problemas. Esta abordagem de intervenção social pressupõe transforma-

ções fundamentais, desde logo, nos indivíduos, que terão de deixar de ser sujeitos passivos face aos sistemas formais, passando a participar ativamente nas decisões que afetam a sua vida. Mas também nas instituições, que terão de deixar de ver as pessoas mais vulneráveis como o problema para passar a entendê-las como parceiras na solução, o que pressupõe modificações de regras e processos, a criação de espaços e formas de participação e democratizar a decisão e a governança. Por fim, esta abordagem pressupõe transformações na relação entre indivíduos e instituições, que deixa de ser uma relação assistencialista ou providencialista2, passando a ser uma relação centrada na progressiva capacitação e empoderamento dos indivíduos. Estes tornam-se mais críticos relativamente às instituições, reconhecendo as suas mais-valias e identificando as suas fraquezas. Através da METODOLOGIA PIC3 capacitam-se indivíduos e grupos na gestão de projetos.

1. A intervenção social emancipatória “tem em vista a plena inclusão e integração social, centrando-se em processos que assumem como objetivo a progressiva capacitação, empoderamento e autonomização de indivíduos, grupos e comunidades”. 2. Assistencialista é a intervenção que é orientada para a garantia das condições de sobrevivência dos indivíduos. Providencialista é a intervenção que é orientada para a garantia do acesso aos direitos sociais fundamentais (saúde, educação, habitação, cultura…). 3. Em 2007, no âmbito da IC EQUAL, o K’CIDADE – Programa de Desenvolvimento Comunitário Urbano, desenvolveu o Kit de Animação e Desenvolvimento Local, concebido como ferramenta de apoio a técnicos de desenvolvimento local que inclui o Manual de Suporte à Implementação de Projetos de Inovação Comunitária (PIC). A metodologia PIC foi concebida no âmbito da Parceria de Desenvolvimento do K’CIDADE, mas encontrou a sua inspiração na experiência da Fundação Aga Khan em projetos de desenvolvimento em contextos rurais em vários países da África Oriental e Ásia Central. O Kit pode ser obtido contactando a equipa do Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Ameixoeira na UDIP3 da SCML.

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OS PIC FUNCIONARAM COMO UM ENSAIO DE ORÇAMENTO PARTICIPATIVO NO ÂMBITO DA SANTA CASA Embora se apoie num método estruturado com fases definidas, é sempre um processo colaborativo, de proximidade entre os técnicos e os grupos e, por isso, necessariamente maleável e sistémico. Os técnicos cingem-se ao papel de facilitadores de um processo que é efetivamente conduzido pelo grupo promotor. As metodologias participativas jogam aqui um papel fundamental e são escolhidas em função das caraterísticas dos grupos com que se trabalha. Na primeira fase do processo PIC, procura-se animar e mobilizar a comunidade. É fundamental ir ao encontro das pessoas, seja através de conversas de rua, participação ou realização de atividades que promovam esse encontro, e criar as condições para incentivar um diagnóstico participativo que permita identificar e priorizar os problemas sociais locais. A segunda etapa consiste em apoiar a constituição de um grupo que aprofunde o diagnóstico e gere ideias de solução. Na etapa seguinte, o grupo desenha e planifica o projeto, identifica, ativa e mobiliza os recursos necessários, formula a estratégia de ação e

prepara a candidatura PIC. Com o PIC aprovado4, o grupo implementa o projeto e, no final, realiza a avaliação e a disseminação, relevante não só para a comunidade como para os próprios intervenientes no projeto, ajudando-os a refletir a ação desenvolvida e a interiorizar aprendizagens. Por sua vez, a disseminação anima e mobiliza, alimentando um novo ciclo de projeto. Não descurando os benefícios interessantes que derivam das soluções implementadas pelos PIC, interessa-nos mais os impactes resultantes do próprio processo. Ao nível dos indivíduos, desenvolvem-se competências e aptidões do domínio do saber e do fazer, promovem-se transformações individuais no domínio do ser e no domínio do estar, fortalecem-se as relações com o outro e com a comunidade. Ao nível dos grupos, reforça-se a sua organização e capacidade de ação. Grupos organizados têm mais possibilidade de conseguirem fazer ouvir e ver as suas necessidades satisfeitas. Ao nível da comunidade, reforçam-se os laços de solidariedade, a coesão social, a organização comunitária e a concertação coletiva. Com

protagonistas mais fortes, as comunidades tornam-se também mais fortes, conseguindo captar mais atenção e mais recursos. No âmbito da intervenção realizada na Ameixoeira, foram aprovados, entre 2007 e 2013, 15 PIC que envolveram diretamente no processo de capacitação 56 indivíduos. Embora alguns PIC ainda estejam em execução, estima-se em cerca de um milhar os beneficiários diretos dos projetos desenvolvidos. 52,6%5 do valor total dos projetos – aproximadamente ¤23 0006 –, foram assegurados pelo Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Ameixoeira, que conta com 1,9% do seu orçamento global anual para financiar as propostas de PIC apresentadas pelos indivíduos e grupos locais. Neste sentido, podemos considerar que os PIC funcionaram como um ensaio de Orçamento Participativo7 no âmbito da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. O alcance destes projetos depende sempre de diversos fatores, nomeadamente da natureza e complexidade das necessidades sociais a que tentam responder, do tipo de soluções propostas, da maturidade dos próprios

4. As candidaturas são avaliadas em função de um conjunto de critérios: relevância para o território; ausência/insuficiência de recursos locais; potencial impacte na comunidade; relação custo-benefício; gestão participada e envolvimento dos destinatários; articulação com a rede local de parceiros. A proposta é aprovada e financiada ou devolvida ao grupo com sugestões de melhoria. No caso de aprovação, é assinado um contrato, no qual são definidas as responsabilidades, direitos e obrigações de ambas as partes. 5. Convencionou-se que o financiamento atribuído a cada PIC não poderia ir além dos 60% do montante total de cada projeto, cabendo ao grupo proponente a mobilização do restante valor. 6. Do orçamento do Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Ameixoeira, SCML. 7. Processo de democracia participativa que atribui poder efetivo aos cidadãos para decidirem ou influenciarem os orçamentos públicos, nomeadamente através da apresentação de propostas, votando projetos que considerem prioritários, participando em assembleias abertas ou negociando diretamente com os órgãos de poder.

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grupos proponentes e de constrangimentos externos. Em alguns PIC, apostou-se num resultado mais pontual e imediato, potenciando o seu efeito mobilizador e demonstrativo. Nestes casos, funcionam como quick-wins, pequenos sucessos rápidos que permitem estabelecer relação com a população e captar a sua atenção para a mensagem que queríamos passar. É o caso do PIC Raparigas Solteiras com Capacidade. Este foi promovido por três raparigas ciganas que, em 12 dias, foram capazes de organizar momentos de convívio para si e para outras raparigas, tentando contrariar fragilidades que identificaram na comunidade: desigualdade de género, a baixa participação cívica e a falta de espaços de encontro e convívio. Noutros PIC ambicionaram-se impactes com maior espessura,

a médio e longo prazo. O PIC Projeto Local de Alfabetização foi promovido por um grupo de homens ciganos iletrados que, desejando aprender a ler e escrever, não encontravam respostas locais. A primeira etapa do processo realizou-se durante cinco meses e possibilitou alfabetização a 18 residentes. No seguimento deste processo, foi possível manter a resposta de alfabetização de adultos no território entre 2007 e 2012, envolvendo parceiros locais e a colocação de professores pelo Agrupamento de Escolas. A experiência da Ameixoeira permite também salientar a plasticidade da metodologia PIC que possibilitou um trabalho com grupos muito diferentes. O PIC Sempre Ativos foi promovido por um grupo de idosos, o PIC Muda o teu Mundo que o Mundo Muda foi promovido pelos jovens de uma associação juvenil local, o

PIC Atelier de Costura foi proposto por um grupo mulheres ciganas, o PIC Histórias no Sótão por pais e professores do 1.º ciclo, o PIC Sonho de Aprender foi desenvolvido por mulheres analfabetas, o PIC 12 Surfistas veio de um grupo de rapazes adolescentes e o PIC Galinheiras em Movimento foi promovido por um clube de atletismo local com residentes do bairro. Embora o balanço sobre a utilização da metodologia seja positivo e apesar de acreditarmos convictamente no seu potencial de desenvolvimento, não poderíamos deixar de referir alguns dos desafios que fomos encontrando no nosso percurso: > O desafio da capacitação – Desenvolver processos com comunidades muito fragilizadas é tarefa árdua e é fácil cair na tentação de “fazer por”, mesmo que de forma involuntária e 39

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inconsciente, na ânsia de obter resultados melhores, mais rápidos e visíveis. É muitas vezes difícil não resvalar para relações paternalistas com os grupos, agilizando etapas, desviando barreiras, protegendo-os e substituindo-os na relação com as instituições, impedindo-os de crescer ao seu ritmo. Mas também é fácil cair no lado oposto, descuidando a disciplina que os projetos exigem, acabando por alongar o processo e contribuir para a desmobilização do grupo. > O desafio da participação – Desenvolver uma cultura de participação passa por inverter hábitos sedimentados ao longo de muitos anos. Nas comunidades mais vulneráveis, as barreiras à participação agigantam-se, não só pela falta de recursos, in-

formação e oportunidades, mas também por um contexto local pouco favorável, marcado por experiências de discriminação e exclusão. Para abrir caminho à participação é necessário desenvolver relações de confiança, esbater diferenças, horizontalizar relações e elevar competências. É um caminho longo e lento, durante o qual, por vezes, perdemos de vista o que queremos alcançar e confundimos “participar em” com “participar para”. Não é suficiente ter as pessoas a participar nos processos se estes não forem conduzindo a níveis crescentes de participação do cidadão na decisão. A participação tem de ser sinónimo de poder. > O desafio do empoderamento – Mas promover a participação de maneira genuína pode

assustar as instituições, pois implica uma mudança das relações de poder. Presas a visões mais tradicionais, com grande rotatividade dos seus representantes no território e frágeis relações de confiança com a população, as instituições sentem-se ameaçadas com a maior autonomia, proatividade e sentido crítico dos grupos e acabam, muitas vezes, por exacerbar reações de distanciamento ou sobranceria que retraem a sua afirmação. Enquanto facilitadores de um papel mais interventor das comunidades, não podemos negligenciar o fortalecimento da capacidade integradora das instituições e das redes locais de parceria. > O desafio processo versus resultado – É muito difícil construir algo novo quando o que

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importa não é apenas o resultado, mas o processo que o permite alcançar. Não é tarefa fácil encontrar um equilíbrio para não frustrar expectativas sem desfocar do que se pretende. Os grupos estão concentrados no produto final da sua ação, os técnicos estão focados no processo. Um aparente conflito de interesses que nem sempre é fácil, a uns e outros, esbater. > O desafio do compromisso – Gerar e manter uma relação de compromisso com o grupo e com a tarefa é um verdadeiro desafio em comunidades fragilizadas, pouco coesas e com baixos níveis de confiança pessoal e interpessoal. Assumir compromissos implica capacidade para resistir a frustrações, ultrapassar adversidades, ser perseverante e resiliente, partilhar regras e responsabilidades. Para um processo PIC, que não está isento de contrariedades, a capacidade de comprometimento é fulcral no seu desenvolvimento. > O desafio institucional – Face a alternativas mais tradicionais, os PIC são uma metodologia exigente, que necessita de recursos humanos com competência técnica multidisciplinar, caraterísticas pessoais específicas, flexibilidade e disponibilidade de horário. É indispensável uma grande agilidade dos mecanismos de comunicação e dos procedimentos administrativos, nomeadamente os financeiros. Tratando-se de processos onde o grau de controlo institucional é relativamente baixo, é condição um grau elevado de autonomia, confiança e

responsabilidade por parte dos técnicos. > O desafio da sustentabilidade – A comunidade é um sistema vivo em constante alteração. Muitos dos ganhos que consideramos adquiridos podem, de um momento para o outro, sofrer reveses que desafiam as estratégias que se afiguravam sustentáveis. Mudanças sustentáveis exigem processos sustentáveis, só possíveis em intervenções de longo prazo que permitam uma efetiva sustentação das mudanças nos valores da capacitação, participação e empoderamento. > O desafio da avaliação – Determinar o alcance, a espessura e a solidez das mudanças produzidas e em que medida os PIC contribuem para essa mudança nas pessoas, nas comunidades e nas instituições. Perceber os impactes diretos e indiretos, os pretendidos e não pretendidos, os imediatos e os diferidos, os singulares e os múltiplos. Aferir que marcas deixam na comunidade e como são apreendidas. Se fazemos bem o que fazemos e se o processo serve o propósito. São dúvidas a que não conseguimos responder com objetividade. Faltam-nos instrumentos que nos ajudem nestas leituras e teremos de ser mais metódicos numa narrativa participada dos processos, o que nos leva ao último desafio. > O desafio da construção de conhecimento – Por um lado, a avaliação realizada por atores sobre os próprios atores é circunscrita, o que nos levaria a considerar a utilidade de ter um olhar externo que permitisse

legitimar aquilo em que acreditamos. Por outro lado, interessa-nos mais uma construção coletiva do conhecimento em que a aprendizagem não é separada da ação e resulta da elaboração conjunta de todos os que nela participam. Neste sentido, os PIC configuram uma verdadeira oportunidade que não podemos negligenciar. “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos algumas coisas. Todos nós ignoramos algumas coisas. Por isso aprendemos sempre.” (Paulo Freire).

BIBLIOGRAFIA BANDEIRA, A.; MARQUES, M.; CUNHA, P.; RANCHORDAS, P. Projectos de Inovação Comunitária – Manual de Suporte à Implementação da Metodologia, K’CIDADE – Programa de Desenvolvimento Comunitário Urbano, setembro 2007. BIGNETTI, L. As inovações sociais: uma incursão por ideias, tendências e focos de pesquisa, Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, Vol. 47, N. 1, p. 3-14, jan/abr 2011 LACERDA, L.; FERRARINI, A. Inovação social ou compensação? Reflexões acerca das práticas corporativas, Polis, Revista Latinoamericana, Volume 12, N.º 35, 2013, pp. 357-379. VIANA, A.; NUNES, N.; SERRA, N.; AMARO, R. “Culturas de Intervenção Social e Participação: Os Desafios do Desenvolvimento Comunitário”, Revista Cidade Solidária, n.º 29/30, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 2013. SILVA, C. Metodologia e Organização do Projeto de Pesquisa - Guia Prático, maio 2004.

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DOENÇA DE

ALZHEIMER

Novas abordagens terapêuticas e preventivas Texto de Ana Isabel Santos Afonso [FARMACÊUTICA, ESTUDANTE DE DOUTORAMENTO_ I.MED.UL – RESEARCH INSTITUTE FOR MEDICINES AND PHARMACEUTICAL SCIENCES]

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A doença de Alzheimer (DA) é uma afeção neurodegenerativa progressiva, responsável pela grande maioria das demências relacionadas com a idade, sendo considerada atualmente um dos problemas mais graves de saúde pública. Em Portugal, estima-se que existam cerca de noventa mil pessoas com esta doença e, face ao envelhecimento da população, os especialistas preveem uma duplicação destes valores ainda neste século. Passaram já cem anos desde a descrição da DA e, apesar de todos os esforços da comunidade científica, ainda pouco se tem a oferecer a estes doentes. Desta forma, torna-se crucial o desenvolvimento de novas abordagens, tanto terapêuticas como preventivas.

A

doença de Alzheimer (DA), descrita inicialmente pelo patologista alemão Alois Alzheimer, em 1907, é caraterizada clinicamente por uma progressão de problemas episódicos de memória e um declínio lento e global da função cognitiva, com ocorrência de morte, em média, nove anos depois do diagnóstico. A demência consiste na perda da capacidade intelectual previamente adquirida, envolvendo uma variedade de domínios cognitivos que podem incluir a memória, a linguagem, a função executiva e capacidades visuoespaciais, sendo suficientemente grave de modo a interferir com as atividades da vida diária. A deteção precoce da DA no seu curso clínico representa um desafio sério. Como não surgiu ainda qualquer marcador biológico para fazer o diagnóstico definitivo em estádios precoces desta doença, o diagnóstico da DA é feito, até aos dias de hoje, com base em dados clínicos. Já foram identificadas as mutações que originam as formas raras da DA familiar, mas os fatores que antecedem os cerca de 95% dos restantes casos

de doença são ainda desconhecidos e a sua etiologia ainda não está completamente esclarecida. Entre as causas mais evidentes da génese da doença está a formação de placas ricas em proteína ß-amiloide (ßA) que se depositam entre as células neuronais e a formação errática de emaranhados neurofibrilares intracelulares através da hiperfosforilação da proteína tau, uma proteína necessária para a estabilização dos neurónios. Esta situação danifica as conexões existentes entre os neurónios e impossibilita a sua comunicação, traduzindo-se nos vários sintomas da doença como, por exemplo, a incapacidade de recordar a informação. O padrão atual do tratamento da DA inclui a melhoria da função cognitiva com o donepezilo, a galantamina e a rivastigmina, como terapêutica de primeira linha na afeção ligeira a moderada, e a memantina, que pode ser utilizada em monoterapia ou em associação com os anteriores em situações mais graves. Apesar de todos os esforços da comunidade científica, os quatro fármacos até agora aprovados para esta doença limitam-se ao atraso da sua evolução, 43

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EVIDÊNCIAS GENÉTICAS E PATOLÓGICAS APOIAM FORTEMENTE, COMO ETIOLOGIA DA DOENÇA DE ALZHEIMER (DA), A HIPÓTESE DA CASCATA AMILÓIDE, QUE AFIRMA QUE A FORMAÇÃO DE PLACAS COM A PROTEÍNA SSA TEM UM PAPEL PRECOCE E CRUCIAL EM TODAS AS FORMAS DE DA” conferindo apenas uma melhoria parcial e temporária do estado funcional do indivíduo e dos seus sintomas, mas sem profundos efeitos modificadores da doença. Desta forma, tornou-se premente o desenvolvimento de novas terapêuticas, pelo que as várias abordagens que visam inibir a progressão da doença avançaram para casos clínicos. Entre essas, as estratégias direcionadas à proteína ßA são as mais avançadas. I. ABORDAGENS RELACIONADAS COM AS PLACAS DE ßA Evidências genéticas e patológicas apoiam fortemente, como etiologia da DA, a hipótese da cascata amiloide, que afirma que a formação de placas com a proteína ßA tem um papel precoce e crucial em todas as formas de DA. Com base nesta evidência, várias estratégias terapêuticas direcionadas a esta proteína estão a ser investigadas: a inibição da sua produção, inibição da sua agregação em placas, aumento da sua eliminação e a imunoterapia. De facto, a Eli Lily & Company (Lilly) anunciou recentemente o avanço da sua investigação relativamente ao semagacestat, um inibidor de uma das enzimas responsável pela formação da ßA, para ensaios clínicos de fase III, após ter sido evidenciada a sua segurança e tolerabilidade em estudos de fase II. Estes ensaios demonstraram uma diminuição dos níveis de ßA tanto no líquido cerebral como no plasma sanguíneo.

Imunoterapia ativa e passiva como terapêutica do futuro Ao longo dos últimos anos, a imunoterapia para a ßA tem-se tornado uma das áreas mais interessantes e fundamentais na investigação para a DA, com mais de dez agentes terapêuticos a entrar em ensaios clínicos. Três estão atualmente em ensaios de fase III: os anticorpos Bapineuzumab da Elan e Solaneuzumab da Lilly e a Imunoglobulina G intravenosa da Baxter, uma preparação de imunoglobulinas de soro humano que contém também anticorpos dirigidos contra o péptido ßA. Este campo começou a chamar a atenção após a publicação da primeira imunização ativa, que evidenciou a redução da patologia amiloide num ratinho transgénico após a vacinação com agregados de ßA que estimularam especificamente o sistema imunitário a produzir grandes quantidades de anticorpos séricos contra a ßA que inibiram a formação das placas. Outro tipo de imunoterapia em investigação envolve a administração passiva de anticorpos monoclonais direcionados contra a ßA. Estes anticorpos são capazes de entrar no sistema nervoso central (SNC) e induzir a eliminação das placas amiloides preexistentes em ratinhos velhos ou evitar a formação das placas em ratinhos jovens. Este procedimento faculta anticorpos diretamente para o péptido, em vez de proporcionar uma resposta autoimunológica. Tanto a estratégia ativa como a estratégia passiva na imunização anti-ßA são eficazes em modelos de rato de DA. Contudo, a vacinação ativa em pacientes com DA induz meningoencefalite em alguns dos pacientes. Assumindo que, em contraste, os anticorpos passivamente administrados não provocam uma resposta celular perigosa, a imunização anti-ßA passiva é, nos dias de hoje, mais aceitável do que a vacinação ativa. A regulação e a monitorização contínua da dose de anticorpo infundido e a frequência de administração permitem um manuseamento fiável de quaisquer efeitos secundários adversos que possam decorrer na imunoterapia passiva. Além disso, os efeitos adversos prejudiciais que podem ser induzidos por este tipo de imunoterapia

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diminuem num curto período de tempo, enquanto efeitos semelhantes em consequência de imunização ativa têm uma duração maior. II. ABORDAGENS RELACIONADAS COM A PROTEÍNA TAU Os microtúbulos ligados à proteína tau solúvel são necessários para suportar o transporte axonal. Na doença de Alzheimer, a proteína tau encontra-se hiperfosforilada, o que leva ao seu desprendimento dos microtúbulos e, por conseguinte, à constituição de agregados que podem formar os emaranhados neurofibrilares. Esta desestabilização dos microtúbulos e os efeitos tóxicos diretos da proteína tau solúvel hiperfosforilada podem levar à neurodegeneração. Desta forma, estratégias que visam ativar a eliminação dos agregados, inibir a hiperfosforilação da proteína tau (inibidores da cinase) e inibir a sua agregação são úteis no tratamento de doenças neurodegenerativas, incluindo a doença de Alzheimer. Atualmente, a terapia dirigida à proteína tau clinicamente mais avançada é o cloreto de metiltionina (azul de metileno), que tem demonstrado dissolver os filamentos da proteína tau e evitar a agregação destes in vitro. III. ABORDAGENS ANTI-INFLAMATÓRIAS A inflamação é considerada a área mais enigmática na terapia da DA. Atualmente, sabe-se que muitos mediadores inflamatórios são regulados nas áreas do cérebro que estão afetadas nos pacientes com DA. Isto leva à hipótese de que a terapia anti-inflamatória pode ser benéfica, uma ideia que é apoiada pela menor incidência de DA em pacientes com artrite, a maioria dos quais utilizam anti-inflamatórios não esteroides (AINE). Estudos populacionais indicam uma redução de aproximadamente 50% de risco de DA em pessoas que usam AINE a longo prazo. No entanto, ensaios clínicos que testaram o colecoxib, rofecoxib e o naproxeno na DA não mostraram qualquer efeito terapêutico benéfico, o que pode ser explicado pelo facto de as abordagens anti-inflamatórias, em geral, atuarem apenas na prevenção primária da DA e não no tratamento.

IV. ABORDAGENS ANTIOXIDANTES Muitos estudos sugerem que o stress oxidativo, induzido por espécies reativas de oxigénio (ERO), é um sinal precoce da fisiopatologia da DA e está envolvido no declínio cognitivo associado à idade e ao processo neurodegenerativo desta doença. A produção excessiva de ERO é associada a alterações das vias de sinalização, que conduzem à morte dos neurónios. A inflamação, o stress oxidativo e a produção de ERO através de enzimas oxidativas podem ser contrariados por antioxidantes, incluindo as vitaminas C e E, o resveratrol da uva e do vinho, a curcumina de açafrão e as catequinas do chá verde. Embora os mecanismos pelos quais estes compostos exibem os seus efeitos benéficos permaneçam ainda desconhecidos, existem cada vez mais estudos que evidenciam as suas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. O Projeto Kame, um estudo prospetivo que envolveu 1836 pessoas da região metropolitana de Seattle ao longo de um período de dez anos, demonstrou que a ingestão de frutos e vegetais desempenha um papel importante no retardamento da DA precoce (Dai et al., 2006). Vários estudos têm demonstrado que a inclusão de alimentos ricos em antioxidantes na dieta exibe efeitos neuroprotetivos, ao reduzir a taxa de declínio cognitivo e o risco de adquirir a demência, sugerindo que possam, desta forma, ser utilizados como potenciais agentes preventivos e/ou terapêuticos na doença de Alzheimer. O uso medicinal destes compostos ganhou popularidade considerável nos últimos anos, pois a maioria das pessoas considera estes produtos mais seguros do que os fármacos sintéticos. Dado o interesse crescente nas suas propriedades, já vários estudos experimentais foram realizados. Em tabelas anexas, estão referenciados alguns dos estudos pré-clínicos in vitro (Tabela 1) e in vivo (Tabela 2) e os ensaios clínicos (Tabela 3) mais importantes com antioxidantes na DA conduzidos nos últimos cinquenta anos. IV.1. GINKGO BILOBA Extratos de Ginkgo biloba são usados há muito tempo na China como medicamento tradicional 45

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em várias doenças. O seu extrato padronizado EGb761® tem sido amplamente utilizado na Europa para melhorar problemas de memória e concentração, pois é bem absorvido por via oral e a sua administração é bastante segura. Os mecanismos de ação pela qual exibe os seus efeitos neuroprotetores estão relacionados com as diversas substâncias contidas no extrato (principalmente os glicosídeos) e incluem a vasodilatação, a melhoria de neurotransmissão, a atividade antioxidante e a inibição da morte dos neurónios. No entanto, este composto pode reduzir a concentração sanguínea do omeprazol e de antiepilépticos, como o ácido valproico e a fenitoína, ou

TABELA 1. Ensaios pré-clínicos in vitro

TIPO DE CÉLULA

EFEITO

REFERÊNCIA

Daidzeína (soja)

Neurónios do hipocampo

+/-

Zhao et al. 2002

Células PC12

+

Levites et al. 2003

Neurónios do hipocampo

+

Choi et al. 2001

Neurónios do hipocampo

+

Simonyl et al. 2010

Neurónios do hipocampo

+

Bastianetto et al. 2000

Células PC12

+/-

Yao et al. 2001

Naringenina

Células PC12

+

Heo et al. 2004

COMPOSTO

ANIMAL MODELO

EFEITO

REFERÊNCIA

Amora silvestre

Ratinho Tg2576

+

Sun et al. 2008

EGCG (chá verde)

Ratinho Tg2576

+

Cuevas et al. 2009

Ratinho Tg2576

+

Sun et al. 2008

Ratinho TgCRND8

+

Sun et al. 2008

Ginkgo biloba

Ratinho Tg2576

+

Stackman et al. 2003

Ginseng

Ratinho Tg2576

+

Chen et al. 2006

COMPOSTO

AMOSTRA

EFEITO

REFERÊNCIA

341 pessoas com DA

+

10400 pessoas idosas

A decorrer

840 pessoas com DA

A decorrer

EGCG (chá verde)

50 pessoas com DA

A decorrer

Resveratrol

60 pacientes com DA

A decorrer

Ginkgo biloba

2854 pessoas com perda de memória

A decorrer

Ácido gálico (noz-de-galha) Ginkgo biloba

Ácido gálico

TABELA 3. Ensaios clínicos

IV.2. EPICATEQUINAS (CHÁ VERDE) A epigalocatequina-3-galato (EGCG), o principal constituinte polifenólico do chá verde, diminui o declínio cognitivo induzido pela ßA na DA, ao prevenir diretamente a formação de fibrilas de ßA. De facto, vários estudos in vitro e in vivo têm demonstrado resultados favoráveis. A L-teanina, outro composto isolado do chá verde, diminui o declínio cognitivo induzido pela ßA através das suas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias.

COMPOSTO

EGCG (chá verde)

TABELA 2. Ensaios pré-clínicos in vivo

até provocarem coma em indivíduos com DA tratados com trazodona, o que merece especial atenção quanto às interações medicamentosas.

Vitamina E

Mecocci et al. 2012

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IV.3. CURCUMINA (AÇAFRÃO) A curcumina, um polifenol derivado do açafrão do rizoma de Curcuma longa, tem várias propriedades benéficas, incluindo anti-inflamatórias, antioxidantes e quimioterapêuticas e demonstrou inibir a formação de fibrilas de ßA. No entanto, é necessária uma atenção especial, pois a sua administração pode interferir com o donepezilo e a galantamina, fármacos comummente utilizados nos pacientes com DA, aumentando os seus efeitos colaterais, como as náuseas, fadiga, cólicas e vómitos. As primeiras evidências de um papel protetor da curcumina na DA partiram de estudos epidemiológicos. Ganguli et al. (2000) demonstrou que a população indiana, que tem uma dieta rica em curcumina, tem prevalência reduzida da DA, em comparação com a população dos Estados Unidos. Após esta primeira observação, vários estudos pré-clínicos mostraram os efeitos citoprotetores da curcumina. Estudos in vitro mostraram que a curcumina e os seus derivados protegeram os neurónios da toxicidade induzida pela ßA e podem, de facto, inibir a formação das fibrilas de ßA, em concentrações muito baixas. Foi demonstrado que a administração de curcumina numa dosagem de 7,5 mg/kg/dia num ratinho transgénico, por via intravenosa, durante sete dias, atravessa a BHE, liga-se aos depósitos ßA e acelera a sua taxa de eliminação. Embora estes sejam resultados pré-clínicos promissores, o efeito benéfico da curcumina em pacientes com DA não foi provado até agora. Vários ensaios clínicos estão a ser seguidos para estudar a segurança, a tolerabilidade e a biodisponibilidade deste composto. IV.4. RESVERATROL (UVAS E VINHO) Vários estudos epidemiológicos indicam que um consumo moderado de vinho está associado a uma menor incidência de DA. Uma razão para isto é sustentada pela diminuição dos níveis de ßA observada na presença de resveratrol, um polifenol comummente encontrado na semente das uvas e no vinho tinto. Os múltiplos papéis do resveratrol como antioxidante tornam-no um candidato atraente para o tratamento e prevenção da DA.

VÁRIOS ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS INDICAM QUE UM CONSUMO MODERADO DE VINHO ESTÁ ASSOCIADO A UMA MENOR INCIDÊNCIA DE DOENÇA DE ALZHEIMER”

Vários estudos in vitro demonstraram a capacidade do resveratrol para proteger os neurónios da toxicidade induzida pela ßA ao inibir a formação e desestabilizar a ßA. De facto, o resveratrol, combinado com outros compostos polifenólicos, tais como a catequina de chá verde, pode produzir um sinergismo nos efeitos protetores.

AS EPICATEQUINAS do chá verde e o resveratrol do vinho e das uvas têm propriedades benéficas na prevenção e tratamento da doença de Alzheimer

V. ABORDAGENS RELACIONADAS COM OS ÁCIDOS BILIARES O papel potencial da apoptose (morte das células) na doença de Alzheimer tem-se tornado, progressivamente, numa área de pesquisa intensiva e interessante. O ácido ursodesoxicólico (ACUD), um ácido biliar, atualmente utilizado para tratar doenças hepáticas, assim como o seu conjugado com a taurina (ACUDT), tem demonstrado ser um inibidor potencial de vias clássicas da apoptose, embora o seu mecanismo de ação ainda não esteja completamente compreendido. No Centro de Patogénese Molecular, associado à Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, um grupo de investigadores portugueses tem testado estes compostos em diversas condições patológicas que apresentam um aumento dos níveis de apoptose, incluindo as doenças neurodegenerativas como a DA. Estudos iniciais usaram neurónios de ratos primários e astrócitos 47

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O DESENVOLVIMENTO DE NOVOS CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO PARA DETETAR FORMAS PRECOCES DE DOENÇA DE ALZHEIMER É CADA VEZ MAIS IMPORTANTE E FUNDAMENTAL NO DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO DESTA ÁREA”

CENTRO DE PATOGÉNESE MOLECULAR (CPM), associado à Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa

incubados com ßA para induzir um aumento da apoptose que foi seguidamente prevenido pelo ACUD e o ACUDT. PERSPETIVAS FUTURAS Nos últimos dez anos viram-se grandes progressos a nível das terapias modificadoras da doença de Alzheimer. As intervenções na via amiloide continuam a ser o foco do maior número de esforços para o desenvolvimento de fármacos. Vários estudos têm avançado, parecendo agora

ser mais seguros. No entanto, há ainda muitas incógnitas em relação ao seu funcionamento, entre as quais as seguintes: Que espécies de ßA são atingidas pelos agentes imunoterapêuticos? Que grau de redução da síntese de ßA é necessário para exercer um efeito benéfico na DA? Qual a altura ideal para a intervenção? Como modular os seus efeitos adversos? Estudos imagiológicos que utilizam agentes que se ligam às placas amiloide sugerem que a deposição das placas constituídas por esta proteína ocorre já antes do declínio clínico e que a terapia antiamiloide será mais eficaz se utilizada antes de os pacientes serem diagnosticados. Desta forma, o desenvolvimento de novos critérios de diagnóstico para detetar formas precoces de DA é cada vez mais importante e fundamental no desenvolvimento científico desta área. Além disto, apesar do grande aumento da quantidade de estudos in vitro, que tentam desvendar os mecanismos de ação dos componentes polifenólicos dos alimentos, a investigação neste domínio ainda está muito incompleta. Um primeiro ponto de atenção é que os polifenóis estão presentes nos alimentos, juntamente com muitos outros componentes e, por isso, é possível que a sua atividade in vivo possa ser resultado de sinergismo com outros fatores. Infelizmente, são ainda muitas as perguntas que estão sem resposta, especialmente em relação à transferência dos resultados dos estudos in vitro para a aplicação in vivo. Por outro lado, os estudos epidemiológicos humanos e as investigações clínicas são ainda muito poucos e trazem grandes desafios éticos para a sua realização. Outra questão muito importante a ser avaliada quando se explora o desenvolvimento de fármacos que possam atuar na DA, é o facto de os mesmos terem de ser cerebralmente acessíveis. Desta forma, os estudos futuros devem ser direcionados para investigar a capacidade de os compostos atravessarem a barreira hematoencefálica, o seu metabolismo por enzimas cerebrais e o(s) mecanismo(s) pelo(s) qual(is) exerce(m) os seus efeitos neuroprotetores.

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CONCLUSÃO O desenvolvimento de opções terapêuticas mais eficazes e seguras para a doença de Alzheimer é um dos objetivos mais avidamente perseguidos no cenário científico internacional, uma vez que se trata de um processo neurodegenerativo grave,

progressivo e, até ao momento, sem cura. A procura de fármacos que sejam capazes de modificar a evolução natural da doença. a par da antecipação do diagnóstico, representará o futuro do tratamento da DA e de outras doenças neurodegenerativa.

BIBLIOGRAFIA BASTIANETTO, S.; RAMASSAMY, C.; DORÉ, S.; CHRISTEN, Y.; POIRIER, J.; QUIRION, R. – The Ginkgo biloba extract (EGb 761) protects hippocampal neurons against cell death induced by ß-amyloid. European Journal of Neuroscience. 12 (2000) 1882-1890. CHEN, F.; ECKMAN, E.A.; ECKMAN, C.B. – Reductions in levels of the Alzheimer’s amyloid beta peptide after oral administration of ginsenosides. FASEB Journal. 20 (2006) 1269-1271. CHOI, Y.T.; JUNG, C.H.; LEE, S.R.; BAE, J.H.; BAEK, W.K.; SUH, M.H.; PARK, J.; PARK, C.W.; SUH, S.I. – The green tea polyphenol (-)-epigallocatechin gallate attenuates ß-amyloid-induced neurotoxicity in cultured hippocampal neurons. Life Sciences. 70 (2001) 603-614. CITRON, M. – Alzheimer’s disease: strategies for disease modification. Nature Reviews Drug Discovery. 9 (2010) 387-398. CUEVAS, E.; LIMÓN, D.; PÉREZ-SEVERIANO, F.; DÍAZ, A.; ORTEGA, L.; ZENTENO, E.; GUEVARA, J. – The green tea polyphenol (-)-epigallocatechin gallate attenuates Antioxidant effects of Epicatechin on the hippocampal toxicity caused by Amyloid-beta in rats. European Journal of Pharmacology. 616 (2009) 122-127. DAI, Q.; BORENSTEIN, A.R.; Wu, Y.; JACKSON, J.C.; LARSON, E.B. – Fruit and Vegetable Juices and Alzheimer’s Disease: The Kame Project. The American Journal of Medicine. 119 (2006) 751-759. DELRIEU, J.; OUSSET, P.J.; CAILLAUD, C.; VELLAS, B. – Clinical trials in Alzheimer’s disease: immunotherapy approaches. Journal of Neurochemistry. 120:1 (2012) 186-193. DODART, J. – Immunization reverses memory deficits without reducing brain Aß burden in Alzheimer’s disease model. Nature Neuroscience. 5:5 (2002) 452-457. FLEISHER, A.S. – Phase 2 safety trial targeting amyloid ß production with a ß-secretase inhibitor in Alzheimer disease. Archives of Neurology. 65:8 (2008) 1031-1038. FRÉDÉRIQUE, B. – Peripherally administered antibodies against amyloid ß-peptide enter the central nervous system and reduce pathology in a mouse model of Alzheimer disease. Nature Medicine. 6:8 (2000) 916-919. GANGULI, M.; CHANDRA, V.; KAMBOH, M.I.; JOHNSTON, J.; DODGE, H.H.; THELMA, B.K.; JUYAL, R.C.; PANDAV, R.; BELLE, S.H.; DEKOSKY, S.T. – Apolipoprotein E polymorphism and Alzheimer disease: The Indo-US Cross-National Dementia Study. Archives of Neurology. 57 (2000) 824-830. HEO, H.J.; KIM, D.O.; SHIN, S.C.; KIM, M.J.; KIM, B.G.; SHIN, D.H. – Effect of antioxidant flavanone, naringenin, from Citrus junos on neuroprotection. Journal of agricultural and food chemistry. 52 (2004) 1520-1525. LEVITES, Y.; AMIT, T.; MANDEL, S.; YOUDIM, M.B. – Neuroprotection and neurorescue against Aß toxicity and PKC-dependent release of nonamyloidogenic soluble precursor protein by green tea polyphenol (-)-epigallocatechin-3-gallate. FASEB Journal. 17 (2003) 952-954. LUE, L.F.; KUO, Y.M.; BEACH, T.; WALKER, D.G. – Microglia Activation and Anti-inflammatory Regulation in Alzheimer’s Disease. Molecular Neurobiology. 41 (2010) 115-128. MECOCCI, P.; POLIDORI, M.C. – Antioxidant clinical trials in mild cognitive impairment and Alzheimer´s disease. Biochimica et Biophysica Acta. 1822 (2012) 631-638. RAMALHO, R.M.; VIANA, R.J.S.; LOW, W.C.; STEER, C.J.; RODRIGUES, C.M.P. – Bile acids and apoptosis modulation: an emerging role in experimental Alzheimer´s disease. Trends in Molecular Medicine. 14:2 (2007) 54-52. SIMONYI, A.; HE, Y.; SHENG, W.; SUN, A.Y.; WOOD, W.G.; WEISMAN, G.A.; SUN, G.Y. – Targeting NADPH Oxidase and Phospholipases A2 in Alzheimer´s disease. Molecular Neurobiology. 41 (2010) 73-86. STACKMAN, R.W.; ECKENSTEIN, F.; FREI, B.; KULHANEK, D.; NOWLIN, J.; QUINN, J.F. – Prevention of age-related spatial memory deficits in a transgenic mouse model of Alzheimer’s disease by chronic Ginkgo biloba treatment. Experimental Neurology. 184 (2003) 510-520. SUN, A.Y.; WANG, Q.; SIMONYI, A.; SUN, G.Y. – Botanical Phenolics and Brain Health. Neuromolecular Medicine. 10 (2008) 259-274. WYSS-CORAY, T. – Inflammation in Alzheimer’s disease: driving force, bystander or beneficial response? Nature Medicine. 12:9 (2006) 1005-1015. YAO, Z.; DRIEU, K.; PAPADOPOULOS, V. – The Ginkgo biloba extract EGb 761 rescues the PC12 neuronal cells from ßamyloid-induced cell death by inhibiting the formation of ßamyloid-derived diffusible neurotoxic ligands. Brain Research. 889 (2001) 181-190.

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PRODUTOS DE APOIO:

UMA GESTÃO SUSTENTÁVEL Texto de Cristina Vaz de Almeida [DIRETORA SERVIÇO DE GESTÃO DE PRODUTOS DE APOIO_ SCML]

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O Serviço de Gestão de Produtos de Apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tem vindo a apostar na sustentabilidade da gestão, procurando sempre a melhoria da qualidade de vida da pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida e uma melhor inclusão social.

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oderemos afirmar que melhorar as práticas de gestão sustentável de produtos de apoio conduz a uma maior e melhor inclusão social dos seus utilizadores? A resposta é afirmativa. O objetivo deste artigo é a defesa da tese de que o Serviço de Gestão de Produtos de Apoio (SGPA) da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) procura operar na gestão dos produtos de apoio de modo sustentável. Procuraremos apresentar boas práticas que demonstram essa tese e como o nosso modelo de gestão proporciona aos utentes uma melhoria de qualidade de vida e, consequentemente, melhor inclusão social. O QUE SÃO PRODUTOS DE APOIO E QUEM SÃO OS SEUS UTILIZADORES Existe uma designação oficial de produtos de apoio referenciada pela Norma ISO 9999:2007, que é a seguinte: “Entende-se por produtos de apoio, segundo a classificação da norma internacional ISO 9999:2007, os produtos, dispositivos, equipamentos ou sistemas técnicos utilizados por pessoas com deficiência ou incapacidades, de produção especializada ou disponível no mercado que previnam, compensem, atenuem ou neutralizem as deficiências, incapacidades e desvantagens para uma melhor funcionalidade no seu dia-a-dia de forma mais rápida, adaptada e com economia de esforço.” Os seus principais destinatários são todas as pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. O CONCEITO DE GESTÃO SUSTENTÁVEL DE PRODUTOS DE APOIO A SCML faz o empréstimo de produtos de apoio, a custo zero, a todos os utentes da ação social e da saúde de proximidade da instituição, além dos parceiros da Rede Social e colaboradores da Misericórdia de Lisboa com evidente necessidade. Neste âmbito, o SGPA dá resposta a mais de uma centena de estabelecimentos e a cerca de três mil utentes em lares, centros de dia e apoio domiciliário, equipamentos de infância e juventude, assim como às unidades de saúde. Durante 2013, o número de parceiros da Rede Social que recorreram ao SGPA também aumentou

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A SCML FAZ O EMPRÉSTIMO DE PRODUTOS DE APOIO, A CUSTO ZERO, A TODOS OS UTENTES DA AÇÃO SOCIAL E DA SAÚDE DE PROXIMIDADE DA INSTITUIÇÃO, ALÉM DOS PARCEIROS DA REDE SOCIAL E COLABORADORES DA MISERICÓRDIA DE LISBOA COM EVIDENTE NECESSIDADE 1. DANÇA DAS BENGALAS, atividade técnico-lúdica promovida pelo SGPA

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2, 3.ATIVIDADE técnico-lúdica promovida pelo SGPA

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de forma significativa, tendo este aumento resultado numa maior intervenção da Santa Casa no âmbito dos suportes, no domínio dos produtos de apoio, dados a várias instituições. Para se obterem ganhos de eficácia e de controlo de custos de investimento é necessário planear e executar planos de gestão que tragam mais-valias e sustentabilidade a esta intervenção, que passa exclusivamente pela assistência que a Santa Casa proporciona a todos os seus utentes com este perfil de acesso aos produtos de apoio. Neste sentido, a sustentabilidade da gestão dos produtos de apoio na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa passa pelas seguintes áreas fundamentais: > gerir de forma eficaz um orçamento com limitações naturais face às múltiplas necessidades do seu público-alvo; > considerar os fornecedores como parceiros e negociar com eles as melhores condições, tendo em conta o custo/qualidade/benefício; > recuperar, reparar e manter os produtos de

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apoio que não são novos, de forma a garantir a sua eficaz reutilização; > criar ações promotoras de parcerias que visem a agregação de valor para a gestão de produtos de apoio e para a Santa Casa neste domínio.

O SGPA NO APOIO A PESSOAS COM DEFICIÊNCIA OU MOBILIDADE REDUZIDA O Serviço de Gestão de Produtos de Apoio gere a sua atividade como serviço integrado no Departamento de Ação Social e Saúde, numa ótica de sustentabilidade, inovação e eficácia para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, nas vertentes dos produtos, dos preços e das ações relacionadas com os produtos de apoio. O SGPA visa ainda impulsionar e reforçar a inclusão social de utentes (em todos os escalões etários, sejam pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida). Durante 2013, o Serviço de Gestão de Produtos de Apoio viu aumentar o apoio prestado aos equipamentos de acolhimento de crianças e jovens da Santa Casa. Foi feito um investimento considerável em produtos para o desenvolvimento infantil que vieram reforçar as estruturas de acolhimento destas crianças, equipamentos que se encontravam com diversas necessidades evidenciadas e que, devido à intervenção do SGPA, aumentaram a qualidade do seu serviço.

5, 6. PRODUTOS DE APOIO do SGPA armazenados

BOAS PRÁTICAS DE GESTÃO SUSTENTÁVEL As boas práticas de uma gestão sustentável implicaram uma orientação do serviço para as seguintes vertentes de ação: produto – serviço; distribuição 53

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O PROCESSO TORNOU-SE MAIS COMPLEXO MAS MAIS EFETIVO. DE ACORDO COM O NOVO MODELO DE ATUAÇÃO, A SANTA CASA REAVALIA OS ORÇAMENTOS ENTREGUES, RENEGOCIANDO O SEU VALOR. DEPOIS, ADQUIRE O PRODUTO DE APOIO E ENTREGA-O AO BENEFICIÁRIO, QUE ASSINA UM TERMO DE RESPONSABILIDADE EM QUE SE COMPROMETE A DEVOLVER O PRODUTO DE APOIO, QUANDO JÁ NÃO NECESSITAR DELE, DE MANEIRA A QUE POSSA SER REUTILIZADO – logística; preço – custos/investimentos; promoção – divulgação, de forma a termos claramente representadas, em termos de estratégia e de gestão, as áreas onde consideramos imprescindível atuar, para se conseguir resultados mais eficazes e mais evidentes. Existiu uma efetiva dinamização das relações intrainstitucionais através do processo de empréstimos de produtos de apoio a pessoas com mobilidade reduzida e com deficiência, assim como uma gestão mais coordenada dos processos de financiamento. Esforços que se concretizaram no desenvolvimento das atividades técnico-lúdicas (Dança das Bengalas e Cozinha com Andarilhos), através das sessões mensais de Aprendizagem ao Longo da Vida (ALV) para técnicos (Pequeno-almoço e ALV), na intervenção da terapeuta ocupacional em vários contextos, nomeadamente no apoio ao Programa Pilar (lares privados) e às assistentes sociais em vários equipamentos com necessidades de avaliação de utentes e de contextos habitacionais. Para medir os resultados e o processo de sustentabilidade da gestão, foi realizado um questionário de satisfação, tendo o SGPA alcançado uma taxa de muito bom e excelente. A difusão de informação através de artigos na intranet da Misericórdia de Lisboa e de uma reportagem sobre o Serviço de Gestão de Produtos de Apoio terá também ajudado a esclarecer o âmbito de intervenção deste serviço. Foi ainda criada na intranet uma área para o SGPA onde estão contidos esclarecimentos técnicos e informativos sobre as várias atividades desenvolvidas. É partilhando que se alcança um maior conhecimento por parte

dos destinatários diretos e indiretos. É comunicando que se conseguem mais opiniões e respostas de melhorias nos serviços e, assim, prosseguir no objetivo desta gestão sustentável, tornada realidade no dia-a-dia. Externamente, este serviço tem prestado um apoio efetivo a parceiros, emprestando, sob um termo de responsabilidade, produtos de apoio a utentes desses mesmos parceiros (em particular idosos), durante o período que for necessário. A rede social tem vindo a solicitar com maior frequência este apoio. A Santa Casa tem assim desenvolvido esforços para ir ao encontro dessas necessidades, contribuindo para deixar uma marca válida de cooperação interinstitucional com a rede social de Lisboa e de outras zonas do país. De referir ainda o grande impacte da campanha de doação de produtos de apoio. Iniciada a 1 de setembro de 2013, em poucas semanas teve a envolvência de centenas de pessoas, entre empresas e indivíduos, e de cerca de cinquenta beneméritos. Resultou num total de quase mil produtos de apoio doados. GESTÃO DO PROCESSO DE FINANCIAMENTO E ATRIBUIÇÃO O SGPA, serviço da Santa Casa responsável pela área dos produtos de apoio, tem também a responsabilidade de gestão dos processos de financiamento de produtos de apoio. A SCML, através de um protocolo firmado em 2003, substitui o Centro Distrital de Lisboa da Segurança Social na gestão do financiamento e atribuição de produtos de apoio aos vários requerentes, dentro dos limites da cidade de Lisboa.

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7, 8. RECOLHA e distribuição de material no âmbito da campanha de doação de produtos de apoio, Fundação Agape, Suécia 9. CARTAZ da campanha de doação de produtos de apoio

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Porque a ótica de intervenção do SGPA é a da garantia de um serviço eficaz e de qualidade prestado ao destinatário final (requerente do produto de apoio), desde o início deste serviço, considerámos indispensável garantir a entrega direta do produto de apoio ao requerente. Desta forma, alterámos o anterior processo que consistia na entrega de um cheque ao requerente, o que conduzia, muitas vezes, a situações de fraude ou de inexistência de compra do produto de apoio. Nesse sentido, foi elaborado o novo regulamento do SGPA, no qual esta alteração está bem demarcada. O atual modelo de entrega direta tem funcionado com bastante eficácia e eficiência (desde maio de 2012).

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O processo tornou-se mais complexo mas mais efetivo. De acordo com o novo modelo de atuação, a Santa Casa reavalia os orçamentos entregues, renegociando o seu valor. Depois, adquire o produto de apoio e entrega-o ao beneficiário, que assina um termo de responsabilidade em que 55

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NUMA LÓGICA DE SUSTENTABILIDADE, O SERVIÇO DE GESTÃO DE PRODUTOS DE APOIO DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA TEM DESENVOLVIDO UMA SÉRIE DE PARCERIAS COM OUTRAS ENTIDADES, APROVEITANDO AS SINERGIAS EXISTENTES, NOMEADAMENTE ATRAVÉS DE DOAÇÕES DE PRODUTOS DE APOIO DE OUTROS PAÍSES DA EUROPA se compromete a devolver o produto de apoio, quando já não necessitar dele, de maneira a que possa ser reutilizado. No ano de 2013, o SGPA fez a coordenação, gestão e atribuição direta dos pedidos de 82 requerentes, processos que envolveram a circulação de um total de 326 produtos de apoio. AÇÃO COMPLEMENTAR AO EMPRÉSTIMO E FINANCIAMENTO Para uma dinâmica de gestão sustentável parece-nos necessário abranger e intervir em áreas complementares ao core business do serviço (empréstimos e financiamentos). Intervindo em áreas transversais, torna-se mais abrangente a oferta do serviço, permitindo assim a prossecução da meta fundamental do SGPA, que é a qualidade de vida da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida. Considerámos onze boas práticas na gestão sustentável dos produtos de apoio: > Distribuição de produtos de apoio por equipamentos sociais e utentes específicos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. > Intervenção do SGPA, ao nível da terapia ocupacional, nas avaliações de utentes em equipamentos sociais ou em domicílio e apoio específico ao programa PILAR (programa dirigido a lares privados com utentes apoiados pela SCML). > Dinamização ao nível da manutenção e reparação de produtos de apoio, com particular relevância para as reparações realizadas pelo SGPA. > Consolidação do processo de armazenamento de produtos de apoio, com entregas diretas aos equipamentos sociais e domicílios, num processo logístico bem coordenado com o serviço de transportes da Santa Casa.

> Desenvolvimento de estratégias de sustentabilidade para aquisição de produtos de apoio através de doações, sinergias com parceiros e com o público geral, com recurso à campanha de doação de produtos de apoio. > Negociação com fornecedores, operação com reflexos na gestão sustentada do SGPA para aquisições próprias e para processos de financiamento. > Reforço da comunicação e divulgação. > Ações de sensibilização/inclusão social. > Sessões dirigidas a técnicos no âmbito da aprendizagem ao longo da vida (ALV). > Animação da rede de gestão de produtos de apoio. > Aposta na qualidade do serviço (bons resultados dos questionários de satisfação). PROJETO DE ELABORAÇÃO DE PRODUTOS DE APOIO Durante 2013 realizou-se um projeto de criação de produtos de apoio com os utentes da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, em cooperação com os animadores socioculturais da instituição. A iniciativa teve grande sucesso e recebeu o empenho de todos. Foi proposto a todos os utentes de lares/centros de dia da Santa Casa o desafio de abraçarem o projeto de construção de produtos de apoio, com a finalidade de serem posteriormente objeto de uma exposição e depois distribuídos por quem deles necessitasse. Os terapeutas ocupacionais e os animadores socioculturais dos vários equipamentos sociais acompanharam e incentivaram a participação de todos neste projeto. Os idosos envolveram-se assim numa iniciativa de verdadeira parceria entre equipamentos e de verdadeira inclusão social, tendo

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sido construídos mais de quarenta produtos de apoio, bastante originais e inovadores, ficando os nossos grandes “artesãos” satisfeitos com a sua participação e com o resultado final. ESTRATÉGIAS DE SUSTENTABILIDADE PARA A AQUISIÇÃO DE PRODUTOS DE APOIO Numa lógica de sustentabilidade, o Serviço de Gestão de Produtos de Apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tem desenvolvido uma série de parcerias com outras entidades, aproveitando as sinergias existentes, nomeadamente através de doações de produtos de apoio de outros países da Europa. Assim sucedeu com a Suécia, através da Fundação Agape, que doou produtos de apoio à Santa Casa. A Misericórdia de Lisboa recebeu da Fundação Agape, a 16 de abril de 2013, dez toneladas de material (o terceiro carregamento ocorrido no âmbito da parceria), correspondentes a cerca de novecentos produtos de apoio. Encontram-se todos em boas condições e já foram reutilizados cerca de 90% dos mesmos. A campanha de sensibilização para a doação de produtos de apoio decorreu de 1 de setembro a 31 de dezembro de 2013. Depois da divulgação da campanha em vários meios (cartazes, flyers, redes sociais, YouTube, sites vários, base de dados, canais televisivos, etc.), iniciou-se uma ação que em muito enriqueceu a Misericórdia de Lisboa em termos de produtos de apoio recebidos. Em três meses, a instituição recebeu cerca de mil produtos, o que contribuiu fortemente para o bem-estar e qualidade de vida dos novos utilizadores destes mesmos produtos, de uma forma sustentável e sem grande investimento. Sem esta ação, seria muito difícil para os nossos utentes – devido às carências económicas existentes – adquirirem estes produtos de que muito necessitavam. Estando também o SGPA numa fase de rutura de stock a alguns níveis, muitos dos produtos recebidos vieram colmatar as necessidades sentidas. Através do lema “Se já não precisa, ajude outros que precisam”, foram recebidos imensos contactos por e-mail e telefone. Todos os participantes foram integrados na lista de beneméritos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

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DINAMIZAÇÃO DO CENTRO DE MANUTENÇÃO E REPARAÇÃO DE PRODUTOS DE APOIO O Centro de Manutenção e Reparação de Produtos de Apoio (CMRPA), criado de modo informal no início de 2012 e oficializado em setembro de 2012, permitiu um contributo indelével na reutilização de produtos de apoio da SCML durante 2013, contribuindo para uma gestão sustentável.

10. ALUNOS do Instituto Superior Técnico apoiados pelo SGPA 11. EQUIPA-SGPA Equipa do Serviço de Gestão de Produtos de Apoio da SCML. Da esquerda para a direita: Luís Santos, Rita Mendes, Cristina Vaz de Almeida, Vítor Relha

PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO COM FORNECEDORES E REFLEXOS NA GESTÃO SUSTENTADA DO SGPA No processo de aquisição dos produtos de apoio, em particular nos processos de financiamento da Segurança Social, mediante os quais a Misericórdia de Lisboa passou a adquirir diretamente os produtos de apoio, foi realizada uma verdadeira negociação com fornecedores. O objetivo era que os fornecedores passassem de vendedores a parceiros, com responsabilização na atuação e na compreensão do espírito de missão da Santa Casa. 57

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O SGPA DÁ ASSISTÊNCIA MENSAL A UMA MÉDIA DE DUZENTOS UTENTES DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA, ENTRE OS QUAIS IDOSOS, CRIANÇAS E JOVENS, BEM COMO PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. ESTE NÚMERO TEM VINDO A CRESCER INOVAÇÃO E EMPREENDEDORISMO O SGPA tem vindo a apoiar e a incentivar movimentos de empreendedorismo e inovação na área da criação e sensibilização para o uso de produtos de apoio. Desta forma, foram promovidas e realizadas várias reuniões com diversos elementos de universidades e empresas com o intuito de fomentar este mesmo pensamento e ação, obtendo sinergias de várias áreas. A sustentabilidade na gestão de produtos de apoio passa também por parcerias, dinâmicas e novos conhecimentos que se vão produzindo ao nível das universidades e das empresas. Sustentabilidade é abrir as portas a um maior conhecimento. É alargar horizontes. Para esta ação se estruturar de forma consolidada e contínua, foram desenvolvidos e apoiados projetos que se enquadram no domínio da inovação e do empreendedorismo e que trouxeram mais-valias ao serviço prestado aos seus destinatários. APOIO A PROJETO DO INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO No segundo semestre de 2013, o SGPA apoiou um grupo de alunos do Instituto Superior Técnico (dois futuros engenheiros mecânicos e três futuros engenheiros de materiais) com o intuito de os ajudar a desenvolver um produto de apoio novo, que permitisse aos acamados terem as condições

Disponibilidade demonstrada

Qualidade do serviço prestado

Tempo de resposta às solicitações

Acompanhamento do SGPA

Atendimento pessoal

Satisfação global Satisfação do serviço

de higienização ideais. Destaca-se o especial interesse e incentivo dos professores do Técnico, que estão sensibilizados para a questão dos produtos de apoio e que incentivaram os alunos no desenvolvimento de um projeto dentro desta área. REFORÇO DA COMUNICAÇÃO E DIVULGAÇÃO A questão da divulgação e a presença de informação junto dos vários públicos, internos e externos, são consideradas importantes. Em 2013 foi criada uma área na intranet para o Serviço de Gestão de Produtos de Apoio, integrada nas intranet departamentais (DASS). Nesta área estão contidos todos os documentos importantes para a gestão dos pedidos de empréstimo, informações sobre financiamento de produtos de apoio e sobre as atividades desenvolvidas pelo SGPA. A campanha de doação de produtos de apoio também teve visibilidade permanente na intranet desde o dia 1 de setembro de 2013, tendo sido ainda criado um micro site na página da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa na internet, tal como uma área no Facebook que registou inúmeros apoiantes. SESSÕES PARA TÉCNICOS – APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA Com o objetivo de continuar a promover um maior conhecimento na área dos produtos de apoio junto dos profissionais da Santa Casa com funções técnicas, em 2013 foram organizadas pelo SGPA sessões mensais informativas e promotoras da aprendizagem ao longo da vida (ALV). Envolveram quase duas centenas de profissionais (assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, psicólogos, enfermeiros). CRIAÇÃO DE UMA REDE DE GESTÃO DE PRODUTOS DE APOIO Tendo iniciado as suas reuniões em meados de

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2012, foi criada a REDE de Gestão de Produtos de Apoio, constituída por vários técnicos das diversas áreas com intervenção nos produtos de apoio. Reúne mensalmente, tendo como objetivo permitir uma reflexão conjunta sobre os caminhos e estratégias para um bom desenvolvimento dos produtos de apoio na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. OS CAMINHOS DA SUSTENTABILIDADE NA GESTÃO O SGPA dá assistência mensal a uma média de duzentos utentes da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, entre os quais idosos, crianças e jovens, bem como pessoas com deficiência. Este número tem vindo a crescer. Trata-se de um serviço que assume a execução de questões tão diversas como os processos de empréstimo de produtos de apoio, o financiamento do Instituto de Segurança Social, a manutenção e reparação, a armazenagem e logística, as aquisições e negociações, os pedidos dos equipamentos e da rede social, etc. O desenvolvimento das parcerias e o trabalho conjunto com outros equipamentos e instituições na área da investigação e da aplicabilidade de conceitos traz mais-valias à Santa Casa. As empresas, as universidades, as associações e entidades não-governamentais ou de utilidade pública, são potenciais parceiros na sustentabilidade da gestão de produtos de apoio que enriquecerá por certo este caminho iniciado tão recentemente (2012). O caminho da mudança e da inovação, desde que realizado com passos certos e seguros, é sem dúvida uma mais-valia na transformação da sociedade e na melhor inclusão social das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Com o reforço desta orientação, poder-se-á continuar no processo inadiável da sustentabilidade da gestão nos produtos de apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. RESULTADOS DOS QUESTIONÁRIOS DE SATISFAÇÃO SOBRE O SGPA Em 2013, foi ainda elaborado e distribuído um questionário que pudesse avaliar a satisfação dos técnicos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa em relação à prestação de serviços e à atividade

do Serviço de Gestão de Produtos de Apoio. Foram assim enviados cem questionários de satisfação, tendo sido obtidas 66 respostas (66% de respostas válidas).

PERCENTAGEM DE ITENS SELECIONADOS POR NÍVEL DE PONTUAÇÃO

(4) Muito Bom 31,56% (5) Excelente 60,35% (3) Bom 7,58%

QUESTIONÁRIO DE SATISFAÇÃO SGPA

Bom

Muito Bom

Excelente

Podemos constatar que 95,46% das respostas permitiram avaliar o Serviço de Gestão de Produtos de Apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa como muito bom e excelente, o que nos oferece bastante confiança em relação à orientação que estamos a dar ao serviço. 59

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PENSAR GLOBAL…

AGIR

LOCAL!

A educação ambiental é uma vertente indissociável da atual formação das crianças, jovens e adultos, numa perspetiva de educação para a cidadania ativa e responsável, aproximando gerações, motivando comunidades e fomentando a abordagem transdisciplinar do ensino e da aprendizagem. “Cada dia a natureza produz o suficiente para a nossa carência. Se cada um tomasse o que lhe fosse necessário, não havia pobreza no mundo e ninguém morreria de fome.” Mahatma Gandhi Texto de Andreia Dominguez Fernandes1, Margarida Guedes2 e Maria João Sobral3 [1. DIRETORA DO CENTRO DE ACOLHIMENTO INFANTIL VALE FUNDÃO II 2. COORDENADORA PEDAGÓGICA DO CENTRO SOCIAL E COMUNITÁRIO DO BAIRRO DA FLAMENGA 3. TÉCNICA DE EDUCAÇÃO DA UNIDADE DE DESENVOLVIMENTO E INTERVENÇÃO DE PROXIMIDADE IV_SCML]

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s toneladas de lixo produzidas diariamente pelo homem e o impacte desta situação na preservação do meio ambiente tornou-se uma questão emergente. Dada a gravidade da situação, foi necessário que as soluções saíssem do campo teórico governamental para serem aplicadas na comunidade, num processo que se pretende de corresponsabilização. As escolas, através da educação ambiental, muito poderão contribuir para multiplicarmos os processos que diminuem – e muitas vezes até conseguem eliminar – os danos causados pelo lixo humano à natureza. Assim, o grande objetivo dos educadores deve ser o de transmutar as energias da relação homem – meio ambiente, transformar a relação de puro poder consumista para a da energia construtiva da sustentabilidade, da preservação e do crescimento conjunto, permitindo que a ligação entre os seres humanos e a natureza deixe de ser conflituosa e possibilite escolhas que preservem e valorizem a vida. Por último, tanto a família como a escola tem a responsabilidade de participar na construção destes valores básicos da consciência de cidadania na criança, para que no futuro ela tenha hábitos éticos, sadios e responsáveis quanto à preservação e desenvolvimento sustentável da Terra. O melhor caminho a trilhar pela nossa geração é fazer dos estabelecimentos um centro de mudança de valores, hábitos e atitudes através da educação ambiental como conceito transversal a todas as áreas do saber. CONCEITOS E LEGISLAÇÃO O conceito de desenvolvimento sustentável foi utilizado pela primeira vez no documento “Estratégia de Conservação Global” (World Conservation Strategy), publicado pela World Conservation Union em 1980. Desenvolvimento sustentável é o que “atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades” (World Commission on Environment and Development, 1987). A “Agenda 21”, documento operacional da Conferência das Nações Unidas so-

O MELHOR CAMINHO A TRILHAR PELA NOSSA GERAÇÃO É FAZER DOS ESTABELECIMENTOS UM CENTRO DE MUDANÇA DE VALORES, HÁBITOS E ATITUDES ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CONCEITO TRANSVERSAL A TODAS AS ÁREAS DO SABER” bre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio 92, define desenvolvimento sustentável como “um desenvolvimento com vista a uma ordem económica internacional mais justa, incorporando as mais recentes preocupações ambientais, sociais, culturais e económicas”. Uma preocupação que, no atual contexto de crise económica, é cada vez mais importante e urgente. Já a educação ambiental pode ser definida como um processo permanente no qual os indivíduos e as comunidades adquirem consciência do seu meio e aprendem os conhecimentos, os valores, as competências, a experiência e também a determinação que os capacitará para actuar, individual ou coletivamente, na resolução dos problemas ambientais presentes e futuros (Nova, 1994). Na educação relativa ao ambiente, os princípios orientadores mais relevantes observam que esta deverá: ser considerada na sua totalidade; ser um processo contínuo, desenvolvendo-se ao longo da vida (escolar e extraescolar); adotar uma perspetiva interdisciplinar; sublinhar a importância de uma participação ativa. A educação ambiental é, então, uma área do saber específico que exige uma formação específica, não só dos conteúdos científicos, ditos ecológicos, mas sobretudo da abordagem pedagógica da educação ambiental (Esteves, 1998). Segundo o mesmo autor, existem critérios básicos que deverão estar presentes na organização dos 61

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL É, ENTÃO, UMA ÁREA DO SABER ESPECÍFICO QUE EXIGE UMA FORMAÇÃO ESPECÍFICA, NÃO SÓ DOS CONTEÚDOS CIENTÍFICOS, DITOS ECOLÓGICOS, MAS, SOBRETUDO DA ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL” currículos escolares e na abordagem pedagógico-didática da educação ambiental: Critério da Integração: A educação ambiental deve estar presente em qualquer lado e em qualquer ocasião. Deve promover atividades de ensino-aprendizagem que atendam aos processos que desencadeia e não às coisas isoladas. Critério da Significação: Deve ter em atenção que a seleção das estratégias e das questões ambientais a desenvolver seja significativa para os alunos e adequada às suas idades. Critério da Experimentação/Resolução de problemas: Trata-se de uma aceção mais ampla em que a experimentação corresponde à ideia de experiência direta e imediata da realidade, concebida sem um enquadramento referencial rígido, o que significa que engloba também os conceitos próximos de descoberta e de exploração de alternativas. Embora a educação ambiental não exista formalmente, a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo veio contribuir substancialmente para uma nova fase da educação ambiental nas escolas (Carapeto, 1998). A aprovação, em 1986, da Lei de Bases do Sistema Educativo vem proporcionar um novo dinamismo para a educação ambiental. A inclusão da área de formação pessoal e social constitui mesmo um espaço formal para a dimensão da educação ambiental (Esteves, 1998). Também nós defendemos que a educação ambiental, além de exigir uma formação específica – de conteúdos científicos, ditos ecológicos –, tem

como objetivo o desenvolvimento de atitudes e sistemas de valores que nos levem a uma melhoria do ambiente total. Pensar global e agir local é educar, partindo da perceção das problemáticas ambientais locais, para pensar as problemáticas do ambiente global. Desta forma, pretende-se sensibilizar as pessoas e minimizar os danos causados pela mão do homem à natureza, permitindo que esta relação deixe de ser conflituosa e possibilite escolhas que preservem e valorizem a vida. REDUZIR, REUTILIZAR E RECICLAR: OS 3 R DA SUSTENTABILIDADE “REDUZIR Comprar bens e serviços de acordo com as nossas necessidades para evitar desperdícios. REUTILIZAR Usar um produto mais de uma vez, independentemente de o produto ser novamente utilizado para a mesma função ou não. RECICLAR Transformar objetos e materiais usados em novos produtos para o consumo.”

O Centro de Acolhimento Infantil Vale Fundão II e o Centro Social e Comunitário do Bairro da Flamenga situam-se na freguesia de Marvila e integram o Departamento de Ação Social e Saúde – Unidade de Desenvolvimento e Intervenção de Proximidade IV – da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). Nestes estabelecimentos, a preocupação com a preservação do meio ambiente tem constituído um dos principais valores consagrados nos respetivos projetos educativos dos estabelecimentos. Também o projeto da sustentabilidade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, “com vista a tornar a SCML uma organização sustentável”, determinou que o seu Departamento de Qualidade e Inovação (DQI) – definisse para o triénio 2012-2015 o seguinte objetivo estratégico: “Definir e implementar a Estratégia de Sustentabilidade da

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EM PARCERIA COM O DEPARTAMENTO DE QUALIDADE E INOVAÇÃO E A ECOPILHAS, ADERIMOS À AÇÃO DE SENSIBILIZAÇÃO AMBIENTAL DENOMINADA “O PILHÃO VAI À ESCOLA”.”

RECOLHA de pilhas. Quanto mais pilhas, mais material lúdico didático

SCML nas dimensões ambiental, socioeconómica e da inovação.” Este objetivo estratégico possibilitou uma consciencialização ecológica mais abrangente, em que a “educação ambiental surge então como imprescindível neste novo contexto no sentido de consciencializar os indivíduos para a crise que atravessamos e para os capacitar para a ação de forma consciente e responsável, assente em princípios éticos”1, revelando-se desta forma como um desafio e uma oportunidade pedagógica, concretizada em várias ações. Em parceria com o DQI e a Sociedade Gestora de Resíduos de Pilhas e Acumuladores, abreviadamente designada por Ecopilhas, aderimos à ação de sensibilização ambiental denominada “O Pilhão vai à escola”. Esta ação tem como objetivo a sensibilização da comunidade na adoção de boas práticas ambientais, promovendo a separação seletiva de pilhas e baterias portáteis usadas,

para que as mesmas sejam devidamente encaminhadas para a reciclagem. Após a adesão, foram rececionados pilhões que foram estrategicamente colocados nas entradas dos estabelecimentos e nalgumas salas, acompanhados de cartazes que explicitavam melhor a campanha. Numa ação mais abrangente, perspetivando o ambiente como um projeto comunitário (Guadiano, 2006)2, foram feitas propostas a diversos serviços, estabelecimentos de educação e pequenas empresas (comércio local), no sentido de aderirem e colaborarem nesta campanha. Para o efeito, foram construídos pelas equipas, jovens e crianças, pilhões e cartazes a explicar os objetivos da colocação dos mesmos fora dos estabelecimentos. Dado que a “escola não é uma ilha isolada do sistema social”3 (Sato, 2001: 29), a abertura à comunidade é, portanto, indispensável. A recolha deste material é feita mensalmente por uma equipa constituída para o efeito. Em contrapartida, por cada pilhão cheio, são atribuídos pela Ecopilhas pontos que mais tarde poderão ser trocados por material lúdico-didático. O CAI Vale Fundão II já converteu alguns dos pontos acumulados em livros para as salas e o Centro Social e Comunitário do Bairro da Flamenga num leitor de DVD. No final de cada ano letivo é feita a divulgação dos resultados obtidos com a recolha deste material. A reciclagem, por ser uma vertente primordial da nossa prática pedagógica, determinou a realização de outros ecopontos com o objetivo de recolher diferentes materiais. Estes ecopontos,

1. Cit. por MARICATO, Raquel; PEDRO, Ana – “Representações sociais de educadores de infância e agentes especializados sobre educação ambiental: um cruzamento de interesses e intenções?” 2. Idem. 3. Idem.

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A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA E DA COMUNIDADE NO PROCESSO EDUCATIVO E, MAIS CONCRETAMENTE, NOS PROJETOS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL, É FUNDAMENTAL” ATELIER de reciclagem

para as questões relacionadas com a reciclagem, que se traduz num envolvimento crescente de todos os intervenientes neste processo: crianças, equipa, famílias, parceiros e comunidade. Mais do que um problema, encontrámos nesta circunstância uma oportunidade de cuidar do ambiente. A participação da família e da comunidade no processo educativo e, mais concretamente, nos projetos de educação ambiental, é fundamental. Principalmente, se considerarmos que as crianças podem assumir o papel de agentes catalisadores de mudança ambiental, tanto na família como na comunidade onde se inserem. Isto é, ao desempenharem estas ações, as crianças influenciam os adultos para que estes possam mudar atitudes e despertar para os problemas ambientais. Desta forma, “toda a dimensão da cidadania sai reforçada”4 (Almeida, 2002: 31). HORTA BIOPEDAGÓGICA

igualmente construídos pelas crianças e jovens, enchem-se de material de desperdício (jornais, revistas, garrafas de plástico, latas, frascos, rolhas, CD, caixas de cartão, pacotes de leite, cápsulas de café, etc.) que famílias e equipas vão trazendo e relativamente aos quais é preciso decidir o que fazer. Estes mesmos materiais acabariam por constituir a principal matéria-prima na dinamização de diferentes atividades, das quais salientamos: ateliers envolvendo as famílas, colaboradores, jovens e idosos; construção de instrumentos musicais, livros, jogos didáticos, brinquedos e papel reciclado; decoração dos espaços dos estabelecimentos; Parte destes materiais foi também utilizada como recurso pedagógico-didático na área das ciências. Existem ainda materiais que, quando não são utilizados nas atividades já mencionadas, são encaminhados para as entidades competentes (cartão, tinteiros e tampas de plástico). Esta atitude decorre de um processo de sensibilização para a preservação do meio ambiente e

“Horta pedagógica – espaço cultivado com infraestruturas de apoio para a formação dos utilizadores, onde se realizam as ações de formação, educação e sensibilização, conjuntamente com o cultivo de produtos hortícolas, hortofrutícolas, plantas medicinais e aromáticas. Horta biológica – espaço cultivado sem a utilização de qualquer produto químico de síntese, em meio de produção biológica e promovendo os ecossistemas naturais.”

A horta biopedagógica constitui um importante recurso educativo, que proporciona às crianças e jovens oportunidades para a compreensão da origem dos alimentos, da observação do seu desenvolvimento e dos processos de produção, bem como o conhecimento dos alimentos hortícolas e da respetiva sazonalidade. É igualmente importante na promoção de uma alimentação saudável. A produção de alimentos de cultura biológica, assente num processo de compostagem (apro-

4. Idem.

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veitamento e conversão de alguns alimentos em adubo natural que melhora substancialmente a estrutura do solo), constitui-se como mais um contributo no processo de sensibilização da comunidade para o respeito e defesa pelo ambiente. A construção, manutenção e dinamização da horta é um projeto em que estão implicadas crianças, jovens, idosos, colaboradores e famílias. Desse envolvimento resultam atividades como: preparação do terreno, delimitação de zonas para cultivo, identificação das sementes, plantação, identificação das plantas, registo de crescimento, rega, manutenção do terreno, apanha dos alimentos e confeção dos mesmos em sopas, saladas e compotas na cozinha pedagógica. As nossas hortas já produziram couves, batatas, tomates, alfaces, cenouras, cebolas, pepinos, pimentos, alho-francês, favas, ervilhas, abóbora e ervas aromáticas. COMPREENDER O MUNDO As experiências de aprendizagem através das quais a criança produz um efeito no mundo são experiências que lhe permitem construir o seu próprio conhecimento, capacitando-a para a re-

HORTA biológica

solução de novos problemas que surgem das suas próprias tentativas de compreender e interagir com o mundo. Assim, “para se atingir um nível operacional de literacia ambiental, a educação tem um papel fundamental. Será através dela que se conseguirá que as crianças alcancem um conhecimento consistente dos problemas, associado a um empenho na sua resolução, traduzido na referida competência para a ação. À escola cabe naturalmente este papel, mas esta não será, certamente, o único agente promotor de literacia ambiental. Devemos incluir, igualmente, a família, a comunidade e a sociedade em geral” (Maricato, 2008).

BIBLIOGRAFIA ALVES, F.L.; CAEIRO, S. – Educação Ambiental. Lisboa: Universidade Aberta, 1998. BRICKMAN, A.N.; TAYLOR, L.S. – Aprendizagem Activa. Lisboa: Serviço de Educação da Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. CARAPETO, Cristina – Educação Ambiental. Lisboa: Universidade Aberta, 1998. ESTEVES, Lídia Máximo – Da Teoria à Prática: Educação Ambiental com as Crianças Pequenas – O Fio da História. Porto: Porto Editora, 1998. NOVA, Elisa Vila – Educar para o ambiente – Projectos para a Área-escola. Lisboa: Texto Editora, 1994. WEBLIOGRAFIA: http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/DPR460e79568d9b7_1.pdf http://ria.ua.pt/bitstream/10773/7268/1/ Representa%C3%A7%C3%B5es%20sociais%20de%20educadores%20de%20inf%C3%A2ncia.pdf http://pt.wikipedia.org/wiki/Agenda_21 http://www.suapesquisa.com/ecologiasaude/reduzir_reutilizar_reciclar.htm http://www.ipportalegre.pt/html1/sgrs/eventos/2013_Regulamento_Horta_Pedagogica_do_IPP.pdf https://sites.google.com/site/dicionarioenciclopedico/desenvolvimento-sustentavel-e-sustentabilidade

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CONSTRUIR

COMUNIDADE Contributos da Animação Sociocultural

UNESCO

Texto de Ana Ngom [TÉCNICA DE DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO_SCML, PROJETO DE DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO DA AMEIXOEIRA, K’CIDADE]

N

as sociedades modernas, há muito que a vida em comunidade deixou de ser um espaço de encontro entre semelhantes e de partilha de valores e visões do mundo, dando lugar a um empobrecimento das relações sociais. Com as mudanças drásticas que marcaram o mundo contemporâneo, vivemos realidades sociais e geográficas cada vez mais complexas, que se traduzem em enormes desafios para o desenvolvimento integral das comunidades. A industrialização e o crescimento acelerado das áreas urbanas mudaram radicalmente as cidades e a vida social dos seus habitantes, potenciando a existência de lugares cuja representação e significado não são partilhados pelas pessoas que neles residem e interagem. Sem uma forte relação entre o espaço e o social, com a ausência de uma simbolização coletiva que,

consequentemente, conduz à individualização das referências, criam-se condições favoráveis para a emergência de “não-lugares”, espaços de circulação, construídos com um determinado fim, que não identitário, nem relacional, nem histórico. Mais recentemente, a crise financeira vivida à escala global pôs a nu um crescendo de desigualdades sociais. Esta crise acentuou o fosso socioeconómico, educativo, social e cultural entre países do Norte e países do Sul, levando à deterioração dos padrões de vida de milhões de pessoas, em ambos os hemisférios, especialmente dos mais vulneráveis à pobreza e exclusão social. Não obstante este cenário, nunca as pessoas se abstiveram tanto de uma reflexão política e do exercício da cidadania, sentindo-se afastadas dos principais órgãos de decisão e não encontrando pontos de referência que lhes permitam

Ricardo Vieira

“A animação sociocultural é um conjunto de práticas sociais que têm como finalidade estimular a iniciativa, bem como a participação das comunidades no processo do seu próprio desenvolvimento e na dinâmica global da vida sociopolítica em que estão integradas.”

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exercer alguma influência em todo este processo global. É neste clima generalizado de desânimo e descrença na melhoria da qualidade de vida que estão submersos muitos dos territórios onde diariamente intervimos e para os quais é preciso encontrar soluções construídas com as pessoas e para as pessoas, que se traduzam na real satisfação das suas necessidades individuais e coletivas. ANIMAÇÃO SOCIOCULTURAL E DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO O termo animação, do ponto de vista etimológico (greco-latino), remete-nos para dois significa-

dos: um, traduzindo a expressão anima, quer dizer dar alma, alento e vida, evidenciando a busca de sentido; o outro, traduzindo a expressão animus, significa movimento e dinamismo. Este conceito surgiu na Europa, em meados dos anos 1960, com especial incidência em França e na Bélgica, para designar um conjunto de práticas com a finalidade de originar a participação das pessoas na vida social. Na tradição francófona designa-se por animation socioculturelle e na anglo-saxónica por community development, surgindo também a designação de animação comunitária. Atualmente, o termo animação sociocultural (ASC) é usado em diversos contextos e realida-

des, cujos significados frequentemente se distanciam das técnicas sociopedagógicas utilizadas na Europa, sendo impossível encontrar uma única definição clara e consensual. Toraylle (1973:32) afirma que “animar é sempre dar alma e vida a um grupo humano, a um conjunto de pessoas entre as quais os contactos não se produzem espontaneamente, ou são mesmo impedidos e bloqueados em consequência de coação das estruturas sociais ou das condições de vida. Da simples ideia de ‘dar um impulso’ passa-se pouco a pouco a uma ação exercida sobre os outros, sem pressões sentidas diretamente: suscitar e orientar iniciativas, impulsionar os outros, aumentar a sua

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participação na vida do grupo, organizar a vida desse grupo, provocar a reflexão”. Ander-Egg (2000:100), por seu lado, define a ASC como “uma tecnologia social que, baseada numa pedagogia participativa, tem por finalidade atuar em diferentes sentidos da qualidade de vida, mediante a participação das pessoas no seu próprio desenvolvimento sociocultural”. A ASC apresenta-se, deste modo, como um novo espaço de educação e recriação, visando a transformação da realidade social, a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento comunitário, social e cultural.

> impulsionar a participação através do acesso aos bens culturais e à promoção do diálogo inter-relacional, nomeadamente intercultural e intergeracional; > dotar a cidade com infraestruturas e equipamentos culturais e sociais; > facultar a utilização das instituições ou espaços públicos, como por exemplo a rua, para promover atividades culturais e promover uma cidadania ativa onde cada indivíduo é o protagonista das suas ações, ultrapassando a apatia, a trivialidade e a rotina, estabelecendo relações familiares com o seu semelhante e com o meio envolvente.

EM TERRITÓRIOS MARGINALIZADOS E DEPRIMIDOS É FUNDAMENTAL QUE OS ATORES SOCIAIS TENHAM ESPERANÇA NO FUTURO E ACREDITEM NAS SUAS CAPACIDADES ENQUANTO COMUNIDADE PARA MUDAR A SUA REALIDADE” Em contexto urbano, a ASC surge quando se tornaram evidentes as dificuldades sociais geradas pelas grandes mudanças sociais, económicas e culturais das sociedades modernas, nomeadamente a despersonalização, a massificação e a instabilidade relacional. Segundo Lopes (2006), os projetos de ASC em meio urbano pretendem promover iniciativas que visem: > valorizar a dimensão humana;

A animação sociocultural, enquanto prática e metodologia de intervenção social, é indissociável do desenvolvimento comunitário. A participação coletiva e a autonomização das pessoas são princípios basilares dos processos de animação que pressupõem o envolvimento ativo e comprometido das populações, funcionando como catalisador da expressão individual e coletiva. A ASC, estando direcionada para processos de desenvolvimento

comunitário, procura fomentar o associativismo e o voluntariado, assim como a implementação de iniciativas promotoras de identidade e pertença, nomeadamente através da promoção do património natural e cultural das comunidades, propondo novas formas de olhar a realidade. Animar o desenvolvimento comunitário é educar para a procura de soluções locais para problemas globais, sensibilizando para o papel que cada pessoa pode desempenhar na persecução do bem comum. É ensaiar espaços alternativos de ser e estar em comunidade, tendo em vista a mudança social. As pessoas são encorajadas a assumir o protagonismo das iniciativas comunitárias, o mesmo será dizer a assumir o comando das suas próprias vidas, numa démarche democrática e libertadora, capaz de levar à mudança de mentalidades e à transformação de atitudes e comportamentos dos indivíduos e dos grupos. Em territórios marginalizados e deprimidos é fundamental que os atores sociais tenham esperança no futuro e acreditem nas suas capacidades enquanto comunidade para mudar a sua realidade. A ASC pode contribuir para que os coletivos tomem consciência da sua realidade e desenvolvam competências para alterá-la. A mobilização dos coletivos para a participação afigura-se como um dos principais desafios para o animador sociocultural. O(a) animador(a), independentemente do seu estatuto profissional, deve ter várias habilidades e competências:

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DESDE O ANO DE 2006, AO ABRIGO DE UMA PARCERIA ESTRATÉGICA PARA A CIDADE DE LISBOA, A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA E A FUNDAÇÃO AGA KHAN IMPLEMENTAM, NA FREGUESIA DA AMEIXOEIRA, O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO URBANO K’CIDADE”

Ricardo Vieira

> Organização: estando atento aos detalhes e, simultaneamente, tendo capacidade de planeamento; > Disponibilidade para o trabalho em grupo: discutindo e exprimindo as suas ideias, debatendo e escutando; > Atenção ao grupo: escutando ativamente o que se diz verbalmente, mas também o que transparece nas atitudes e comportamentos; > Sentido de justiça: sendo imparcial;

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NA AMEIXOEIRA, ESTE PROJETO DE DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO TEM-SE ALICERÇADO NUM CONJUNTO INTEGRADO DE METODOLOGIAS, INSTRUMENTOS, ESTRATÉGIAS E PRÁTICAS DE ANIMAÇÃO E CAPACITAÇÃO COMUNITÁRIAS, QUE PRETENDEM ESTIMULAR O DESENVOLVIMENTO INDIVIDUAL, COLETIVO E ORGANIZACIONAL, VISANDO PROCESSOS DE AUTONOMIA E PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL” > Compreensão: promovendo a compreensão e a empatia, não fazendo juízos de valor; > Confiança: respeitando as necessidades e preferências de cada um; > Atenção e disponibilidade: no desenrolar das atividades, sem ser omnipresente; > Responsabilidade: guiando o grupo para atingir os seus objetivos com audácia e perseverança; > Capacidade de observação: vendo com clareza o que se passa ao nível da vida profunda do grupo, evitando a formação de subgrupos, prejudiciais ao bom funcionamento do mesmo; > Ter paciência e ser prestável: ajudando os membros em dificuldades, dando conselhos, encorajando o grupo; > Mediador: não exigindo mais do que aquilo que o grupo é capaz de fazer, mas ajudando-o a progredir; > Devoção e interesse: estando centrado sobre as pessoas de um grupo, mas também sobre as isoladas;

> Dinamismo e entusiasmo: tendo sentido de humor, criando um bom ambiente de trabalho; > Personalidade afirmativa: tomando decisões quando necessário, tendo autoridade sem ser autoritário. O DESPERTAR DE UM TERRITÓRIO: EXPERIÊNCIA K’CIDADE NA AMEIXOEIRA Desde o ano de 2006, ao abrigo de uma parceria estratégica para a cidade de Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e a Fundação Aga Khan implementam, na freguesia da Ameixoeira, o Programa de Desenvolvimento Comunitário Urbano K’Cidade. Trata-se de um programa de combate à pobreza e exclusão social em meios urbanos, tendo como missão capacitar a comunidade com vista à melhoria da sua qualidade de vida, promovendo iniciativas e dinâmicas sustentáveis de desenvolvimento local, centradas na participação e capacitação das comunidades. O Programa de Desen-

volvimento Comunitário Urbano K’Cidade tem como princípios uma abordagem integrada e de longo prazo, o empowerment, a sustentabilidade, a participação e monitorização e a avaliação. À sua entrada na freguesia da Ameixoeira, a equipa local de intervenção encontrou um território fragilizado por fatores de diversa ordem, onde escasseavam respostas a vários níveis. Evidenciava-se a concentração de populações carenciadas, em situação de grande desvantagem social, de diferentes proveniências e caraterísticas culturais e étnicas diversificadas, sem rotina de convívio. Numa fase inicial, foram dinamizadas várias ações de partilha do Diagnóstico Social e da Caraterização Demográfica, documentos que davam conta da situação de partida e que foram, deste modo, utilizados como instrumentos de aproximação à comunidade e que permitiram, de forma participada, auscultar e implicar desde início a população. Para a intervenção, este foi um elemento crucial, pois garantiu que os processos fossem discutidos, negociados e que tivessem em linha de conta as efetivas necessidades das pessoas para quem o projeto se dirigia. Esta presença forte na rua favoreceu a construção mútua de laços de confiança, condição essencial para a busca coletiva de respostas, contribuindo para um maior sentimento de pertença e para uma maior coesão social. O passo seguinte foi a realização de reuniões com grupos da comunidade para identificação

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de interesses e necessidades comuns. A adesão da comunidade à mensagem do programa não foi imediata. Percebeu-se que a população encontra-se muito mais predisposta a identificar problemas e, quando chamada a fazer parte integrante da construção de soluções, há quem recue, desconfie e resista. Contudo, o território foi-se abrindo gradualmente à mensagem. No segundo ano de intervenção, o projeto local acolheu o maior número de propostas de iniciativa comunitária, materializando ideias e iniciativas de grupos e/ou organizações do território, resultantes da identificação de

interesses e necessidades comuns. Com o continuar da intervenção, estes grupos de interesse foram diminuindo em quantidade, mas foram crescendo na consistência das propostas apresentadas e na sua pertinência para o território, evidenciando um olhar muito mais refletido e crítico. Muitos desses grupos mantêm-se ativos e autónomos, tendo assimilado os princípios da participação, do empowerment e do trabalho em parceria, permitindo à equipa local direcionar a sua atividade de capacitação para outros grupos que chegaram posteriormente ou se formaram

no território. Na Ameixoeira, este projeto de desenvolvimento comunitário tem-se alicerçado num conjunto integrado de metodologias, instrumentos, estratégias e práticas de animação e capacitação comunitárias, que pretendem estimular o desenvolvimento individual, coletivo e organizacional, visando processos de autonomia e promoção do desenvolvimento local sustentável. Este modus operandi permitiu potenciar a participação das pessoas em projetos coletivos e ensaiar experiências de autonomização progressiva da sociedade civil, que tomou nas suas mãos a responsabilidade de desenvolver atividades de cariz comunitário, conduzindo o seu próprio processo de desenvolvimento.

BIBLIOGRAFIA ANDER-EGG, E. (1989). La Animación y los Animadores. Madrid: Narcea. AUGÉ, M. (2007). Não-lugares: Introdução a Uma Antropologia da Sobremodernidade. Lisboa: 90 Graus Editora. LOPES, M.S. (2006). Animação Sociocultural em Portugal. Amarante: Intervenção – Associação para a Promoção e Divulgação Cultural. LUÍS, J. (2008). Animação de Idosos. Porto: Ambar. QUINTANA CABANAS, J.M. (1992). Fundamentos de Animación Sociocultural. Madrid: Narcea. Ricardo Vieira

QUINTANA CABANAS, J.M. (1993) Los Ámbitos Profesionales de la Animación. Madrid: Narcea Ediciones, col. «Narcea Sociocultural».

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BAIRROS MUNICIPAIS e DE LISBOA Diversidades Homogeneidades Texto de Marta Santos [GABINETE DE ESTUDOS E PROJETOS (GEP) DA GEBALIS, EM (GESTÃO DO ARRENDAMENTO SOCIAL EM BAIRROS MUNICIPAIS DE LISBOA)]

Conhecer o perfil social da população dos bairros municipais e aprofundar o conhecimento sobre a sua satisfação residencial e participação cívica, motivou a GEBALIS, EM para a realização de um inquérito que pretende lançar o debate em torno da habitação social e sua gestão. Convidam-se para o debate todos os atores da cidade. 72

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GEBALIS, EM, em parceria com a Spirituc – Investigação Aplicada, e com consultoria científica da Prof. Isabel Guerra, realizou em dezembro de 2011, um inquérito de “Satisfação Residencial e Participação Cívica dos Moradores dos Bairros Municipais de Lisboa” com os seguintes propósitos: obter uma caraterização sociodemográfica da população, aferir os níveis de satisfação residencial nas suas múltiplas dimensões, conhecer as expectativas e perceções face ao envolvimento dos residentes na gestão dos bairros e, por fim, apreciar e medir a sua satisfação face aos serviços prestados pela empresa. Foram assim inquiridas 1005 pessoas, que constituem uma amostra representativa do uni-

verso de habitações sociais geridas pela GEBALIS, EM, com contratos ativos, localizadas em bairros maioritariamente municipais (com menos de 50% de fogos alienados). A representatividade da amostra abrange ainda as variáveis dimensão de bairro (pequeno, médio, grande) e antiguidade (anterior a 1986 / posterior a 1986 – PIMP/PER) e tem 95,5% de intervalo de confiança (2 sigmas) e 5% de margem de erro. Pese embora tratar-se de uma “autoavaliação interna”, a pesquisa seguiu metodologias de independência na recolha e no tratamento da informação. Uma dimensão inevitável de trabalho sobre os modos de vida dos habitantes em qualquer contexto é, tradicionalmente, a satisfação residencial. Considera-se que uma boa integração na casa, prédio e bairro são condi-

ções prévias não apenas para a qualidade de vida mas também para uma boa relação com os restantes moradores e com os organismos gestores. Os trabalhos realizados pela academia (Guerra e Pinto, 1994; Freitas, 1990; Mucha, 2003; Marques et al., 1999) têm questionado as expectativas dos seus promotores de que a atribuição de uma habitação será suficiente para alavancar processos de mobilidade social ascendente e evidenciado que a concentração de populações de baixos recursos nos bairros sociais é responsável pela segregação socioespacial e pela fragmentação induzida pelo aprofundamento das polarizações sociais nos espaços urbanos. A sistematização dos resultados de estudos recentes (GaiaSocial, EM, 2006/2007; Soares,

FIGURA 1. Dimensões principais do inquérito

PARTICIPAÇÃO CÍVICA

SATISFAÇÃO GEBALIS

INQUÉRITO DE SATISFAÇÃO RESIDENCIAL E PARTICIPAÇÃO CÍVICA

SATISFAÇÃO RESIDENCIAL

PERFIL SOCIAL

SENTIDO(S) DOS DIREITOS E DEVERES

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CONSIDERA-SE QUE UMA BOA INTEGRAÇÃO NA CASA, PRÉDIO E BAIRRO SÃO CONDIÇÕES PRÉVIAS NÃO APENAS PARA A QUALIDADE DE VIDA MAS TAMBÉM PARA UMA BOA RELAÇÃO COM OS RESTANTES MORADORES E COM OS ORGANISMOS GESTORES” 2011; K’Cidade, 2009; GEBALIS, EM, 2012) realizados aos moradores de bairros sociais identifica alguns resultados comuns que parecem apontar para uma adaptação destas populações ao espaço residencial manifestada pelos índices elevados de satisfação relativamente ao espaço-bairro e espaço-casa, para a valorização das redes de vizinhança. Esses sentimentos coexistem com a persistência do problema da insegurança que continua a ser vivido pelos residentes em bairros sociais e a presença de problemas relacionados com a manutenção e conservação dos edíficios e espaços públicos. O PERFIL SOCIAL DA POPULAÇÃO RESIDENTE DOS BAIRROS MUNICIPAIS: FRÁGEIS QUALIFICAÇÕES E RECURSOS O perfil social da população dos bairros sociais geridos pela GEBALIS apresenta muitas semelhanças com o perfil populacional do país e de Lisboa. Mas também tem caraterísticas próprias, que lhe advêm do facto de situarem claramente uma população de frágeis qualificações e recursos, razão por que depen-

dem das políticas públicas de alojamento. As caraterísticas “típicas” de população num bairro social estão presentes, com um peso maior de famílias numerosas, de famílias monoparentais e baixos valores de famílias unipessoais. No entanto, do ponto de vista da estrutura etária, pela sua história própria, os bairros apresentam valores contrastados. Por um lado, predominam populações envelhecidas, com os maiores de 65 anos a apresentar valores superiores aos de Lisboa e do país. Mas, ao mesmo tempo, os realojamentos recentes rejuvenescem a população, apresentando os bairros sociais geridos pela GEBALIS uma percentagem muito significativa de pessoas com idade inferior a 15 anos, valores ligeiramente superiores aos de Lisboa e do país. Os dois traços distintivos desta população são claramente os níveis de instrução e os níveis de rendimento, que decorrem também da sua proveniência. De facto, a população que detém o nível secundário ou superior é cerca de quatro vezes inferior nos bairros sociais (11,4%) face aos valores registados em Lis-

boa e no país (48,0% e 30,2%, respetivamente). A população entre os 15 e os 24 anos sem a escolaridade obrigatória nos bairros sociais é quase o dobro (32,8%) da de Lisboa (17,8%) e da do país (18,7%), manifestando a precariedade dos processos de qualificação e a aposta não ganha neste domínio de inserção tão fundamental. Outro traço distintivo relaciona-se com a proveniência dos rendimentos desta população. De facto, menos de 1/4 da população vive de rendimentos do trabalho (24,5%), sendo essa percentagem cerca de metade da registada nas restantes regiões, isto é, 51,4% em Lisboa e 48,2% no país. Esta situação poderia salientar a importância das transferências sociais para manter os níveis de vida da população mas, embora ligeiramente mais elevada nos bairros sociais (37,4%), a proporção das famílias que vivem de transferências sociais aproxima-se dos valores de Lisboa (35,0%), e dos do país (33,1%). Sem trabalho ou rendimentos poderemos interrogar as formas de sobrevivência desta população. A resposta só poderá ser que cerca de 1/3 da população está desempregada e sem apoios sociais, fator que faz reduzir significativamente os rendimentos médios destas famílias. Nesse contexto, não será de estranhar que mais de 2/3 da população (69,4%) viva abaixo do limiar de pobreza, e que esse número aumente para os 89% na população com menos de 17 anos. Esta situação dramática, permite, no

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entanto, salientar quer a adequação na distribuição das habitações a população com menores recursos quer a importância das políticas públicas de habitação na amenização das situações de carência social grave, nomeadamente de crianças e jovens. Neste panorama é de compreender que se esteja perante uma população que não visualiza nem sonha com a mudança de casa: 84% não pensa mudar de casa e 11% gostaria de mudar para outra casa mas do mesmo estatuto, fornecida pelo Estado. Nesse sentido, é de prever que a frágil mobilidade habitacional, que há muito se reconhece nos bairros sociais, se mantenha, não permitindo facilmente a renovação do tecido social. FORTE ENRAIZAMENTO E SATISFAÇÃO COM OS BAIRROS, MAS HETEROGÉNEO CONSOANTE A IDADE E A ESCOLARIDADE Muitos autores têm enfatizado a importância da casa, quer como garantia do conforto nas condições de vida das famílias quer na estruturação de identidades e dos modos de vida. J.P. Kaufmann (1997) considera a casa o “objeto dos objetos” na organização das identidades, cada vez mais frágeis e mutantes. Considera-se que os processos de identificação dos indivíduos ao espaço passam pelas formas de apropriação, onde se projetam os gostos, os valores e, em larga medida, o sucesso da nossa condição de existência. F. Cavaillé (1999: 15) escreve mesmo que a “nossa identidade social

CERCA DE 1/3 DA POPULAÇÃO ESTÁ DESEMPREGADA E SEM APOIOS SOCIAIS” LISBOA (Censos 2011)

PORTUGAL (Censos 2011)

5,1

5,1

6,5

22,8

34,0

21,4

Monoparentais com filhos menores de 25 anos

7,7

11,8

10,2

Nacionalidade portuguesa dos inquiridos

94,7

65 anos ou mais

21,8

24,0

19,0

Menos 14 anos

15,2

12,9

14,9

Sem escolaridade

GEBALIS TIPO DE FAMÍLIA E NACIONALIDADE Famílias 5 pessoas ou mais Famílias unipessoais

IDADES E INSTRUÇÃO

20,4

6,8

19,4

Secundário

9,3

16,9

16,8

Superior

2,1

31,1

13,4

32,8

17,8

19,4

População sem escolaridade obrigatória (9º ano) entre 15/24 anos

CONDIÇÃO PERANTE O TRABALHO Desemprego população 15/64 anos

32,5

11,8

12,6

Reformado (velhice ou invalidez)

29,5

25,8

27,4

Principal meio de vida: apoios e transferências sociais (inclui reformas)

37,4

35,2

33,1

Rendimentos do trabalho

24,5

51,4

48,2

14,2(*) (2009)

14,8(*)

POBREZA Rendimento até 419,22¤

30,9

Abaixo do limiar de pobreza

69,4

População 0/17 anos abaixo do limiar de pobreza

89,1

Famílias com pessoas com deficiência

14,6

25(**) (2009)

QUADRO 1. Caraterísticas comparativas do perfil social da população residente nos bairros sociais sob gestão da GEBALIS, EM. Fontes: Inquérito Satisfação Residencial e Participação Cívica, GEBALIS, 2012; Censos 2011, INE; (*) Inquérito às Despesas das Famílias 2010/2011, 2012, INE; (**) Sobre a Pobreza, as Desigualdades e a Privação Material em Portugal, 2010, INE.

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GRÁFICO 1 Satisfação com a casa (%). Fonte: Inquérito Satisfação Residencial e Participação Cívica, GEBALIS, 2012.

47,0

Inexistência de problemas de construção

48,4

Apreciação positiva da qualidade de construção Apreciação positiva da adequação da casa a pessoas com limitações físicas

59,0 62,0

Realizou obras de manutenção Apreciação positiva da dimensão da casa (Muito satisfeito/Satisfeito)

80,7

Gosto pela casa (Gosto muito/Gosto)

80,6

aparece em primeiro lugar no e através do espaço”. Nesse sentido devem ser lidas as respostas ao questionamento colocado sobre a satisfação com a casa, numa população que foi maioritariamente realojada devido a precárias condições de exis-

tência (89% dos realojamentos são fruto de situações de barracas ou habitações precárias) e que, nesse percurso de mobilidade habitacional, tiveram acesso, para muitos pela primeira vez, a uma habitação com os requisitos mínimos de higiene e conforto.

SATISFAÇÃO COM O BAIRRO

QUADRO 2. Satisfação com o bairro, sociabilidades e identidades locais (%) Fonte: Inquérito Satisfação Residencial e Participação Cívica, GEBALIS, 2012.

Satisfação com o prédio

73,6

Satisfação com o bairro

67,2

Não assinala falta de manutenção dos prédios

91,9

Não assinala problemas com falta de equipamentos e serviços

85,6

Não assinala conflitos de vizinhança

70,2

Não assinala problemas de limpeza

68,3

Não assinala problemas de segurança

64,3

SOCIABILIDADES LOCAIS Tenho bons amigos entre vizinhos

49,0

Maioria dos amigos no bairro

42,8

IDENTIDADE LOCAL Nunca omitiu a morada

89,9

Igual à maioria das pessoas que vivem no bairro

77,6

Importante a existência de espírito de comunidade

68,6

Recomendaria a amigo viver no bairro

61,0

Considera que a maioria dos vizinhos é pobre

58,6

Essa trajetória habitacional arrasta consigo uma opinião positiva sobre a casa (que mesmo assim recolhe quase 20% de opiniões negativas) e é, em larga medida, tributária da consideração de ser uma casa com dimensões adequadas e onde cerca de 2/3 dos residentes realizou obras de manutenção. De facto, a apreciação positiva com a casa não faz perder o sentido crítico, manifestado no reconhecimento da existência de problemas construtivos (identificado por cerca de metade dos inquiridos). Como seria de esperar. quanto mais antiga a construção da casa, maiores os problemas detetados. Através da casa é estabelecida uma relação entre o individual, o familiar e o coletivo. A casa contribuiu também para a formação de identidades sociais que se projetam, materializam e reproduzem recriando-se através da dimensão espacial. Essa identidade traduz-se numa dupla natureza, por um lado

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| SOCIAL |

80,8%

Gosta casa

73,6%

Gosta prédio

67,3%

Gosta bairro

67,9 68,3

73,5

81,0 84,6 69,7 18-34 anos Mais de 65 anos

Gosta bairro

Gosta prédio

88,4 77,8

74,6 71,6

Gosta casa

82,3 62,2 Pequena dimensão Grande dimensão

Gosta bairro

Gosta prédio

material mas por outro lado simbólica, onde a pertença a um espaço coletivo nos coloca numa determinada ordem social. Nesse sentido, a menor satisfação com o prédio e com o bairro (73,6% e 67,2%, respetivamente) mostra que a satisfação com as dimensões coletivas da vida nos bairros é bem menor do que a satisfação com a casa. Curiosamente, o gosto pela casa é maior nos residentes com educação superior, sendo face ao prédio que a distância se torna maior, enquanto o gos-

Gosta casa

to pelo bairro é semelhante nos diferentes graus de escolaridade. Os mais novos gostam mais da casa do que os mais velhos, mas nas percentagens face ao prédio e bairro estão todos mui-

to próximos. Já nos bairros de menores dimensões (número de fogos igual ou inferior a 100), a satisfação com a casa, o prédio e o bairro são sempre superiores face aos bairros de maiores dimensões (número de fogos igual ou superior a 501). Noutros estudos (Pinto, 2001; Guerra, 1994), esta “satisfação com a casa e insatisfação com o bairro” já tinha sido identificada. As razões então referidas comprovam-se nos resultados deste inquérito, onde são mais valorizadas as dimensões sociais e as relacionadas com formas de apropriação coletiva (limpeza, etc.) do que as questões associadas às caraterísticas morfológicas ou mesmo ao estado de conservação dos imóveis e dos equipamentos do bairro. A hipótese central que se elabora face aos espaços de apropriação comum é que estes são entendidos como refletindo a imagem de si, mas também fazendo uma apreciação das formas de partilha com outros, bem como do interesse da instituição de gestão pelo espaço. Trata-se de relações complexas, que formam um cadilho de opiniões e desencadeiam estratégias de demarcação prática e simbólica que influenciam decisivamente

GRÁFICO 2 Gosto (Gosto muito/ Gosto) pela Casa, Prédio e Bairro (%). Fonte: Inquérito Satisfação Residencial e Participação Cívica, GEBALIS, 2012.

GRÁFICO 3 Gosto (Gosto muito/ Gosto) pela Casa, Prédio e Bairro nos mais novos e nos mais velhos (%). Fonte: Inquérito Satisfação Residencial e Participação Cívica, GEBALIS, 2012.

GRÁFICO 4 Gosto (Gosto muito/ Gosto) pela Casa, Prédio e Bairro nos bairros de pequena e grande dimensão (%) Fonte: Inquérito Satisfação Residencial e Participação Cívica, GEBALIS, 2012.

OS PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO DOS INDIVÍDUOS AO ESPAÇO PASSAM PELAS FORMAS DE APROPRIAÇÃO, ONDE SE PROJETAM OS GOSTOS, OS VALORES E, EM LARGA MEDIDA, O SUCESSO DA NOSSA CONDIÇÃO DE EXISTÊNCIA” 77

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| HABITAÇÃO |

NOS BAIRROS DE MENORES DIMENSÕES (NÚMERO DE FOGOS IGUAL OU INFERIOR A 100), A SATISFAÇÃO COM A CASA, O PRÉDIO E O BAIRRO SÃO SEMPRE SUPERIORES FACE AOS BAIRROS DE MAIORES DIMENSÕES.” quer as opiniões quer as formas de uso desses espaços. Estas afirmações de adesão ou de crítica ao bairro repousam sobre um trabalho simbólico de legitimação, presente em todas as formas de apropriação do espaço e que passam pela produção (ou destruição) de símbolos, para lembrar que o poder se exprime também espacialmente. Como diria Pierre Bourdieu (1993), a “violência simbólica” tem uma dimensão espacial muito evidente nestes bairros,

presente sobretudo pelo grande sentimento de insegurança, que continua a fazer afirmar que um dos equipamentos mais importantes em falta é “a esquadra da polícia”. Nesse sentido, a existência de diversidades sociais no bairro reflete-se nos espaços públicos, identificando estereótipos de formas de comportamento (sujidade, conflito, insegurança, etc.), cuja crítica se insere em estratégias de demarcação, através da atribuição de traços negativos

à vida coletiva que se pretende rejeitar ou mostrar que se rejeita. Mas essas críticas não são maioritárias e apenas estão presentes em cerca de 1/3 dos moradores. Curiosamente (ou talvez não), há um sentimento de forte identidade local, traduzido no facto de 78% dos inquiridos se considerar igual às pessoas que vivem no bairro e reconhecer ter amigos no bairro (49%), embora apenas 61% recomende a um amigo viver naquele bairro. O reconhecimento de algo “igual a mim” vem também associado à ideia de que muitos dos vizinhos são pobres (59%). Apenas 4% considera que vivem sem dificuldades. A grande distinção nestas dimensões de reconhecimento relaciona-se com os níveis de instrução. Numa situação de contraste os que têm instrução

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| SOCIAL |

superior têm muito mais amizades fora do bairro (15% contra uma média de 57%) e têm menos amigos entre os vizinhos. Por outro lado, há uma clara demarcação face aos outros residentes, pois neste nível de escolaridade 42% considera os outros residentes “iguais a mim”, contra 81% dos restantes inquiridos. Mais de metade também omitiu a sua morada nalguma circunstância. As idades demarcam essencialmente as dimensões da sociabilidade. Entre os mais novos surge valorizada a presença de amigos fora do bairro e regista-se menos identificação com os outros residentes. Comparativamente com trabalhos anteriores, esta pesquisa dá conta da abertura que as interações locais sofreram, quebrando a dimensão de “ilha” que durante muito tempo estes bairros tiveram, encerrando os seus moradores em relações sociais fechadas, estigmatizadas e frequentemente conflituais. O que se configura neste estudo – e que pode ser associado à apreciação apesar de tudo maioritariamente positiva da casa, prédio e bairro – é que os espaços de sociabilidade já ultrapassaram as fronteiras internas ao bairro e que se metade da população tem, sobretudo, amigos no bairro e nos vizinhos, a outra metade tem sobretudo amigos fora do bairro, manifestando um enraizamento na vida urbana bem mais alargado. Estas pistas de reflexão sobre as formas práticas e simbólicas de se apropriar e ver o espaço local sublinham a diversidade

que se estrutura por detrás de uma aparência de homogeneidade social. Revelam os traços de uma diversificação social e etária que vão produzindo sinais desiguais nas formas de marcar o espaço. Se é verdade que a cidade é, por definição, diferente e desigual, esta heterogeneidade nos bairros sociais complexifica-os, ao mesmo tempo que os aproxima da cidade “lá de fora”.

Em Lisboa, os residentes não estão fora da cidade. Como o estudo manifesta, os moradores dos bairros municipais sentem-se cada vez mais inseridos nos tecidos urbanos e relacionais. Assim, as formas de gestão devem aproximar-se do conjunto dos territórios, mas a presença maciça de populações vulneráveis nestes bairros deve privilegiar um olhar atento para que não se tornem territórios estigmatizados.

BIBLIOGRAFIA BOURDIEU, P. – La Misère du Monde. Paris: Seuil, 1993. CAVAILLÉ, F – L’Expérience de l’Expropriation: Appropriation et expropriation de l’espace. Paris: ADEF, 1999. GAIASOCIAL, EM – Inquérito de Diagnóstico Social (2006/2007). Disponível em http://www.gaiasocial.pt/gaia/attachs.pdf?CONTENTITEM OID=6D978080804381GC&CLASSTOKEN=cmg_download

&ATTRIBU

TEID= download [Consultado em 20.04.2012]. GEBALIS, EM – Estudo de satisfação residencial e expectativas da população residente nas Torres Alto da Eira. 2012 [Documento policopiado]. GUERRA, Isabel – “As pessoas não são coisas que se ponham em gavetas”. In Revista Sociedade e Território, 20 (1994), pp. 11-16. FREITAS, Maria João – Satisfação Residencial e Atitudes face ao Realojamento – Estudo de uma amostra de indivíduos residentes no bairro do Relógio. Lisboa: LNEC, ITECS4, 1990. KAUFMANN, Jean-Claude – Le Coeur à l’Ouvrage. Paris: Collection Essais et Recherches, Nathan, 1997. K’CIDADE/CEDRU – Alta de Lisboa – Inquérito em painel aos agregados familiares. 2009. [Documento policopiado]. MARQUES, Maria Margarida; SANTOS, Rui; SANTOS, Tiago; NÓBREGA, Sílvia – Realojamento e Integração Social – A população do vale de Algés perante uma operação de requalificação urbana. Lisboa: Edições Colibri, 1999. Vols. 2 e 3 – Exploração de resultados. MUCHA, Marta – (Des)Construir a descentralização pensando a implementação de política social habitacional e os seus reflexos nos modos de vida da população local. (2003) Disponível em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/273. pdf [Consultado em 12.04.2011]. PINTO, Teresa Costa – “A apropriação do espaço em bairros sociais: o gosto pela casa e desgosto pelo bairro”. In Revista Sociedade e Território, 20 (1994), pp. 36-43. SOARES, Ana – Identidade Territorial de Um Bairro Social: O Caso da Quinta Marquês de Abrantes. FCSH/UNL: 2011 [Dissertação do Mestrado em Gestão do Território – Território e Desenvolvimento. Documento policopiado].

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| COMUNIDADE EDUCATIVA |

PARTILHA DE SABERES SABORES

&

Texto da Equipa [scml_centro de acolhimento infantil do bairro da boavista]

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P

ÁSCOA O processo de aprendizagem e conhecimento é um processo dinâmico, que se constrói ao longo de toda a vida. A família é o espaço privilegiado para o desenvolvimento da personalidade e da afetividade da criança, como repositório de valores essenciais, sendo um veículo transmissor de cultura. Em nosso entender, devemos cooperar, apoiar e estimular o envolvimento pleno das funções específicas das famílias. Dado que a família é um contexto de socialização por excelência, queremos que o nosso trabalho contribua, positivamente, na formação de uma comunidade educativa, empenhada em maximizar as potencialidades das crianças. É nossa intenção continuar a assegurar a articulação entre o estabelecimento educativo e as famílias, no sentido de encontrar, diariamente, respostas mais adequadas. Neste contexto, o Centro de Acolhimento Infantil (CAI) do Bairro da Boavista assume, no trabalho desenvolvido, uma filosofia de partilha com as famílias. Como resultado, são planeadas frequentemente atividades conjuntas, de modo a promover e adequar as competências parentais das famílias. Ao longo desses momentos de convívio foram realizados vários lanches partilhados, em que se verificou que as famílias recorrem, sistematicamente, ao consumo de produtos alimentares já confecionados, que se revelam mais dispendiosos e de menor qualidade nutritiva. Constatou-se que, para além de algumas famílias não saberem cozinhar, também, culturalmente, não estão sensibilizadas para gastar parte do seu tempo em atividades de culinária. É-lhes mais fácil ir comprar produtos já confecionados do que cozinharem a sua alimentação. “Participei em quatro dos cinco dias de Atelier de Culinária, ficando muito agradada com a primeira experiência (1º dia). Gostei muito de participar. Para além de partilhar conhecimentos, a convivência com as mães foi muito agradável e gratificante. Aprendi até algumas técnicas culinárias que não conhecia e já tive a oportunidade de as pôr em prática! Experiência com certeza a repetir quando houver oportunidade!” Sara Carvalho, mãe do Diogo – sala dos 3 anos

Assim surge no CAI do Bairro da Boavista o projeto “Partilha de Saberes e Sabores”, que tem como objetivo valorizar as capacidades e a autoestima das famílias através da partilha de experiências e saberes, maximizando a qualidade das interações entre as famílias e o estabelecimento.

As iguarias confecionadas nos ateliers

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2, 3. Com as mãos na massa…

3

“Eu participei nos ateliers que o CAI da Boavista propôs para mães e pais e gostei muito, até porque deu para conviver com outros pais e com as educadoras. Aprendemos a fazer receitas e técnicas que, se calhar, não sabíamos fazer. A meu ver, é uma iniciativa que se deveria voltar a repetir, pela experiência e também porque, como estou desempregada, é uma forma de passar o tempo e de me distrair.” Andreia Gonçalves, mãe da Núria Nunes – sala dos 2 anos 81

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| COMUNIDADE EDUCATIVA |

A equipa do CAI programou a ementa (doces, salgados e bebidas) e facultou as receitas a todos os participantes. As famílias, entusiasmadas, também quiseram trazer receitas, surgindo assim uma partilha espontânea de saberes e sabores.

4

5

4, 5. Trabalho e diversão nos ateliers de culinária

6. Arte na culinária

Foi escolhida a época da Páscoa para iniciar a primeira atividade do projeto, porque esta data é uma festa que nos leva à reflexão e ao significado do renascimento, à renovação. Pretende-se assim contribuir para uma melhor estruturação familiar, passando pela consciencialização da importância da confeção dos alimentos em casa. Durante uma semana, as famílias foram convidadas, com inscrição prévia, a participarem em ateliers de culinária para confeção de iguarias a serem partilhadas no lanche realizado a 22 de março. “A semana de Atelier de Culinária foi muito didática para os pais e para as educadoras. Foi um convívio para todos os pais que, no meu ponto de vista, se divertiram muito e interagimos uns com os outros. Eu, pessoalmente, de certa maneira aprendi com todas as mães e trocámos ideias sobre todas as receitas elaboradas. O dia da primavera foi muito giro para todas as crianças e eu também gostei.” Noémia Lourenço, mãe do Hélder – sala dos 2 anos

“A minha experiência do Atelier de Culinária marcou-me muito pela positiva, porque houve muita partilha entre as mães e educadoras. Trocaram-se receitas e formas de confecionar bolos e salgados, além do próprio convívio. A festa da primavera foi muito divertida. Pudemos partilhar com todas as famílias as nossas iguarias e dá-las a provar aos nossos filhos. Considero muito importante estes ateliers, pela partilha e convívio.” Pauliana Silvestre, mãe do Santiago – sala dos 12 meses A semana de atelier contou com um elevado número de participantes e resultou num convívio muito saudável e educativo, tendo as famílias manifestado interesse em dar continuidade a estas ações. “Gostei de participar no Atelier de Culinária e de poder contribuir para a realização do lanche dos meninos. Gostava que houvesse mais, para poder aprender mais receitas e tirar ideias.” Cátia Chenque, mãe da Leonor – sala dos 2 anos Na continuidade deste projeto, foi lançada a proposta de confecionar um lanche saudável e divertido no Dia Mundial da Criança.

Colaboradoras do projeto “Partilha de Saberes e Sabores”: Maria Alice Amorim, Ana Maria Rocha, Maria José Alves, Marta Campos, Maria João Furtado, Maria José Cerieiro, Madalena Gomes, Paula Correia, Patrícia Frutuoso, Ana Paula Figueiredo, Maria Emília Brás, Lucelinda Costa, Mónica Oliveira, Helena Gonçalves.

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| FAMÍLIA E EDUCAÇÃO |

LÍNGUA, TROCA DE CULTURAS

PROJETO MULTICULTURAL Face à livre circulação de pessoas e bens e ao esbatimento das fronteiras à escala global, decorrentes da conjuntura atual, os Estados têm vindo a tornar-se visivelmente multiculturais, com populações cada vez mais plurais e heterogéneas. O nosso país não é alheio a esta realidade e transformou-se, na última década, num espaço de acolhimento de emigrantes oriundos dos vários cantos do mundo. Texto de Ana Célia Vicente [FUNDAÇÃO JÚLIA MOREIRA_SCML]

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| SOCIAL |

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Fundação Júlia Moreira é um estabelecimento direto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) que responde a uma população de crianças dos 4 meses aos 4 anos de idade, oriundas de famílias de uma enorme diversidade social, onde a realidade multicultural está muito presente. Destacam-se as famílias naturais do Brasil, Espanha, Inglaterra, Irão, Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, Gana, Senegal, Nigéria, Ucrânia, Roménia, Bulgária e Moldávia. Nesta diversidade cultural, sente-se a necessidade de trabalhar a promoção parental das famílias, firmando o seu sentido de pertença. Sendo a família a instituição primordial na educação dos filhos, há que articular os valores dos pais e da escola, reuni-los entre os agentes na formação das crianças, criando estratégias de aproximação, alargando à comunidade, de modo a atingir a autoeficácia dos mesmos, incitando à reflexão crítica de todos. E acreditando que o melhor para as crianças é a estabilidade das famílias, tal como é referido nas orientações curriculares do pré-escolar (p. 43): “A família e a Instituição são dois contextos sociais que contribuem para a educação da criança, importa que haja uma relação entre os dois sistemas […] porque os pais são de facto os principais responsáveis pela educação das crianças, têm também o direito de conhecer e contribuir para a resposta educativa que desejam para os seus filhos.” O projeto educativo do estabelecimento Fundação Júlia Moreira elege como princípio elevar a condição humana, incentivando ao espírito de solidariedade e tolerância, tornando-nos todos cidadãos ativos e participativos da sociedade envolvente. Neste âmbito, procurou-se responder ao objetivo de potenciar as diferentes formas de expressão através das várias “linguagens” e do estímulo à criatividade. Como refere João dos Santos, “a ação educativa deve basear-se na relação afetiva, espontânea… a educação é, na fase da vida da criança que corresponde à aquisição da linguagem falada, fortemente impregnada pelo afeto do educador; toda a ação que anule o afeto, e portanto elimine certa liberdade de experiência emocional, não é mais do que um mau ‘adestramento’”. Deste modo, defendemos como valores o respeito pela aceitação da diferença, vendo a diferença como

um “acrescento”, na partilha e solidariedade entre os povos. Assumimos como princípio a arte, fator essencial no desenvolvimento do ser humano. Parafraseando Herbert Read – crítico e filósofo de arte e presidente da UNESCO nos anos 1950 –, “a arte deveria ser a base de toda a educação para a formação da criança como ser humano total”. No sentido de implicar as famílias no processo educativo, estabelecendo laços de efetiva colaboração, sentimos a necessidade de aproximar a linguagem entre os intervenientes. O projeto Língua, Troca de Culturas surgiu de uma oportunidade, permitida pelo facto de uma voluntária com formação em língua portuguesa para estrangeiros, Rosário Batalha, se ter disponibilizado para promover a cultura entre os povos, através da partilha das diferentes línguas.

EM VEZ DE SE ENSINAR PORTUGUÊS AOS POVOS ESTRANGEIROS, PARTILHÁMOS DIVERSAS LÍNGUAS ATRAVÉS DE VÁRIAS FORMAS DE ARTE, CONFERINDO, DESTA FORMA, UNIDADE AO PROJETO EDUCATIVO” Ao caminharmos rumo à segurança e ao empowerment da condição parental, há que criar estruturas que elevem a autoestima e a estabilidade das famílias, valorizando os seus talentos e emoções, enriquecendo-os na sustentabilidade do SER PESSOA. O projeto teve início a 3 de abril, com um grupo de famílias estrangeiras, e estendeu-se por cinco sessões, até 20 de junho, sendo alargado à comunidade e a outras famílias de estabelecimentos vizinhos da Direção de Ação Social Local Sul (DIASL Sul) nas valências de Infância e Idosos. Nestas sessões, em vez de se ensinar português aos povos estrangeiros, partilhámos diversas línguas através de várias formas de arte, conferindo, desta forma, unidade ao projeto educativo. Na primeira sessão, a proposta foi de literatura. Foi contada a lenda do Drácula, com origem na 85

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| FAMÍLIA E EDUCAÇÃO |

Abril, o coronel Pita Alves. A sessão acabou com a distribuição de cravos. A canção ícone da revolução, Grândola, Vila Morena, foi cantada pelos presentes, tendo havido a intervenção de um elemento do Gana com uma canção patriótica do seu país. Acrescente-se que o interesse deste evento reside no facto de este estabelecimento ter origem na história de Abril, por ter sido criado para responder às necessidades das mães e crianças do bairro. Seguiu-se a quarta sessão, alusiva à dança, com música e trajes tradicionais dos diferentes países, acerca da qual os excertos de relatos dos intervenientes (ver caixa) enunciam a intenção do projeto. A última sessão traduziu a arte da culinária, com o registo das receitas em português e nas próprias línguas de origem. As famílias

DEPOIMENTOS DAS FAMÍLIAS

SESSÕES DO PROJETO Língua, Troca de Culturas”, dedicadas à história da cultura portuguesa (em cima) e à música e trajes tradicionais de diferentes países (em baixo)

Transilvânia. O texto foi dito em romeno, com tradução em português e inglês, e ficou registado também em francês. Na segunda sessão, os cantares exaltaram as épocas tradicionais da Moldávia, ilustrando os usos e costumes do país. O espírito destas sessões foi de elevada valorização e autoestima, criando entusiasmo e criatividade na elaboração da continuidade das sessões. As famílias mostraram interesse em conhecer a cultura contemporânea portuguesa, pedindo informações sobre o feriado do dia 25 de abril que se aproximava, o que se concretizou na terceira sessão. Esta terceira sessão aconteceu no espaço do Centro de Saúde – Monte Pedral, onde a assistência, composta por famílias e elementos da comunidade, mostrou-se colaborante, partilhando as suas experiências culturais e pessoais. A história da cultura portuguesa – a Revolução de 25 de Abril de 1974 – foi apresentada à assistência por um capitão de

DIVERSIDADE E TOLERÂNCIA “Foi um fim de tarde bem passado em que, a pretexto de alguns momentos de convívio entre pais, educadores, cuidadores, crianças e profissionais da Fundação Júlia Moreira, foram transmitidas claras mensagens de tolerância e aceitação das diversas culturas e modos de vida dos utentes da Fundação Júlia Moreira. É a Fundação Júlia Moreira exemplo de um microespaço onde a diversidade e a tolerância são cultivadas como valores de base para uma sã convivência entre todos. Estes valores são, em si mesmos, fundamentais para a busca e construção de uma sociedade mais justa e harmoniosa, para uma sociedade verdadeiramente global e tolerante, onde a diversidade seja vista como uma mais-valia e não como uma diferença a eliminar. Se, desde os primeiros tempos, estas virtudes forem cultivadas, certamente será possível fazer destas crianças jovens e adultos capazes de construir um futuro melhor. E, como se viu, pode ser tão simples como passar um final de tarde a ouvir e dançar “músicas do mundo”! Ângela Leandro Antunes (mãe da Maria Beatriz)

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SEVILLANAS “Las sevillanas nacieron en el Sur de España y derivan del flamenco. Son bailadas por todo el mundo y consideradas la principal danza de España. Para mi fue difícil representarla en esta fiesta pues no sé bailar pero me gusta mucho enseñarle a los niños los trajes y la música. Esta iniciativa incentiva a las famílias a interesarse por otras culturas y costumbres que muchas veces no conocemos. Muchas gracias por esta oportunidad de estar en esta fiesta y representar a mi país.” Ana Raquel Guille (mãe do Gustavo Guille)

CONSIDERAMOS QUE A PARTICIPAÇÃO DAS FAMÍLIAS NO ESTABELECIMENTO É UMA PRÁTICA EFETIVA DE INCLUSÃO, VISADA NO PROJETO EDUCATIVO, PELAS EVIDÊNCIAS APRESENTADAS”

MOMENTO DE AFETO “Esta tarde de dança foi um bom convívio e um exemplo para as crianças de que, apesar de sermos de diferentes etnias, podemos todos fazer as mesmas coisas e estarmos juntos. Foi um momento de afeto, respeito, amizade, principalmente de respeitar os gostos de música diferentes, porque nem todos gostamos do mesmo e recordar é viver!! Carla Torres (mãe do Leandro Maia)

apresentaram os produtos identificados pelas bandeiras dos referidos países. Consideramos que a participação das famílias no estabelecimento é uma prática efetiva de inclusão, visada no projeto educativo, pelas evidências apresentadas. As famílias trabalham entre si, trabalham em espírito de unidade, com entusiasmo e empenho, elevando com estas práticas a sua autoestima e criando competências. Constatámos, com este projeto, que fomos briosos na resposta aos princípios da missão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, contribuindo para a promoção das famílias, intervenção com repercussão na educação e desenvolvimento das crianças. A melhor forma de avaliar todo o processo do projeto Língua, Troca de Culturas está ilustrada nos depoimentos das famílias.

BIBLIOGRAFIA Orientações Curriculares para a Educação – Pré-Escolar, p. 43. READ, Herbert, A Educação pela Arte, Edições 70, 2007. SANTOS, João dos, Ensaios sobre Educação I – Falar das Letras.

SESSÕES DO PROJETO Língua, Troca de Culturas”, dedicadas a danças tradicionais de diferentes países (em cima) e à gastronomia (em baixo)

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CONVITE

À LEITURA

PARTILHADA Texto de Florbela Costa1, Isabel Mourato2, Rosa Lourenço3 e Rute Alves4 1. DIRETORA DE ESTABELECIMENTO DO CENTRO DE ACOLHIMENTO INFANTIL VALE FUNDÃO 1, 2. TÉCNICA DE EDUCAÇÃO NA DIREÇÃO DE AÇÃO SOCIAL LOCAL ORIENTAL, 3. DIRETORA DE ESTABELECIMENTO DO CENTRO DE ACOLHIMENTO INFANTIL DR. JOSÉ DOMINGOS BARREIRO, 4. DIRETORA DE ESTABELECIMENTO DA CRECHE BAIRRO QUINTA DAS LARANJEIRAS]

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Conscientes de que o trabalho entre diferentes equipas é enriquecedor, pela partilha de saberes e experiências/ vivências, três estabelecimentos de infância da Direção de Ação Social Local Oriental da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – Creche Bairro Quinta das Laranjeiras, Centro de Acolhimento Infantil Vale Fundão 1 e Centro de Acolhimento Infantil Dr. José Domingos Barreiro – propuseram-se a desenvolver um projeto em parceria, envolvendo ativamente todos os intervenientes (crianças, famílias e equipas) das diferentes respostas sociais.

C

onsiderando a leitura um bem essencial – e tendo em conta que os resultados de estudos nacionais e internacionais efetuados nos últimos anos revelam que, em Portugal, existem baixos níveis de literacia, tanto na população adulta como entre crianças e jovens em idade escolar –, surgiu o projeto Convite à Leitura Partilhada. A iniciativa tinha por base um objetivo comum às equipas envolvidas: incentivar e desenvolver hábitos de leitura nas crianças, desde a primeira infância, e, simultaneamente, promover o envolvimento parental nas atividades desenvolvidas nos estabelecimentos de infância e juventude. A palavra “leitura” deriva do latim – lectura (lição) – e consiste na “ação de decifrar o que está representado pelos signos gráficos [...], o ato de apreender o conteúdo de uma mensagem escrita [...], a maneira como cada pessoa compreende, interpreta um texto, uma obra, um acontecimento em função de determinados códigos, principais teorias [e a] ação de decifrar quaisquer sinais que foram traçados com a intenção de representar alguma coisa ou aos quais se atribui alguma significação” (Casteleiro, 2001, p. 2245). Segundo Oliveira (2005), para as classes sociais mais desfa-

vorecidas, a prática da leitura parece envolver uma ideia de “cultura” (sentido comum), uma ideia de poder “inteligente”. Para indivíduos de classes sociais mais favorecidas, a leitura encontra-se mais relacionada com o saber prático e utilitário, segundo o mesmo autor. Com a implementação deste projeto, pretendemos contribuir para o desenvolvimento cultural e social das famílias, procurando eliminar lacunas porque: Acreditamos que “a promoção da aprendizagem da cidadania passa não apenas pela aquisição do conjunto de saberes, capacidades e atitudes que lhe estão associados, mas igualmente por viver a cidadania”1. Acreditamos que “formar ‘cidadãos capazes’, com base na democracia e nos valores democráticos, com consciência crítica e social, é situar a cidadania na perspetiva das competências práticas, da intervenção e ação concretas […]. Ao acentuar-se este caráter prático, valoriza-se a participação dos indivíduos na comunidade e nas interações que aí se estabelecem”2. Acreditamos que a leitura é uma atividade permanente da condição humana, uma habilidade a ser adquirida desde cedo. Através do contacto

1. Recomendação n.º 1/2012 – Recomendação sobre Educação para a Cidadania – Conselho Nacional de Educação – Ministério de Educação e Ciência. 2. AFONSO, Maria Rosa – Guião de Educação para a Cidadania em Contexto Escolar… Boas Práticas. Direção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, Ministério da Educação. Setembro de 2007. p. 15.

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A APRESENTAÇÃO DOS LIVROS À CRIANÇA, NO MEIO FAMILIAR E NOS ESTABELECIMENTOS DE EDUCAÇÃO DESDE A PRIMEIRA INFÂNCIA, PROPICIA O SUCESSO ESCOLAR E AMPLIA O INTERESSE LÚDICO PELA LEITURA E ESCRITA, PROMOVENDO A CONSTRUÇÃO DE CIDADÃOS ATIVOS com o livro a criança tem oportunidade de ampliar, transformar e enriquecer a sua experiência de vida. Lê-se para sonhar, para viajar com a imaginação. Lê-se por prazer e curiosidade. Lê-se para aprender e ficar informado. Lê-se para questionar e resolver problemas. Lê-se para formar cidadãos participativos e comprometidos. Acreditamos que “educar para a cidadania passa, entre outros aspetos, pela criação de oportunidades de desenvolvimento nas crianças de um autoconceito positivo e por aprender a conhecer e a respeitar o outro. ‘Aprender a viver juntos e a viver com os outros’ apresenta-se, neste sentido, como um dos pilares em que deve assentar a educação do presente e do futuro”3. Acreditamos que a reflexão sobre as práticas pedagógicas possibilita às equipas educativas mudar os modos de fazer e introduzir novas dimensões nas atividades já habitualmente realizadas. Acreditamos que promover momentos de reflexão e análise sobre práticas educativas é uma mais-valia para o desenvolvimento pessoal e profissional das equipas. O contributo de cada elemento é fundamental para o enriquecimento de todos, visando assim a melhoria da qualidade das diversas respostas educativas dos três estabelecimentos. Acreditamos que “um projeto de educação para a cidadania só se torna eficaz quando a organização e modo de funcionamento do contexto em que se aplica se concebem com intencionalidade educativa segundo os mesmos princípios”4. Sendo os livros parte integrante do mundo – e contribuindo estes de forma significativa para o desenvolvimento pessoal, social emocional e cognitivo

da criança, influenciando o seu percurso de vida –, elegemos a leitura partilhada como mote para a implementação de diferentes projetos interligados e partilhados pelos três estabelecimentos da Direção Oriental. LIVRO NA INFÂNCIA As crianças devem ter acesso ao livro desde muito cedo. Devem poder manipulá-lo, segurá-lo, mesmo que seja de “pernas para o ar”. A criança deve poder fazer “um encontro entre o livro, a imagem e ela própria” (Durant, 1985). Segundo Faucher, a imagem, só por si, é transmissora de uma mensagem já descodificável pela criança pequena. Ao “ler”, a criança efetua um ato de compreensão e interpretação do mundo. Através dessa compreensão pode modificar ou dar outro significado ao contexto no qual está inserida (Coelho, 2000). Frente às possibilidades oferecidas pelo livro, Abramovich (1991) refere que nele se pode descobrir um mundo vastíssimo de conflitos e impasses, cujos problemas são enfrentados e solucionados pelas personagens da história. Ao imergir neste ambiente imaginário, a criança poderá identificar-se com algumas personagens presentes na história e resolver assim dificuldades pessoais. Os benefícios da criação do gosto pela leitura na criança traduzem-se num processo lúdico de interação, socialização, criatividade e emoção. A apresentação dos livros à criança, no meio familiar e nos estabelecimentos de educação desde a primeira infância, propicia o sucesso escolar e amplia o interesse lúdico pela leitura e escrita, promovendo a construção de cidadãos ativos.

3. LEITE, Carlinda; RODRIGUES, Maria de Lurdes – Jogos e Contos numa Educação para a Cidadania. Instituto de Inovação Educacional, Ministério da Educação. 2001. 4. Recomendação n.º 1/2012 – Recomendação sobre Educação para a Cidadania – Conselho Nacional de Educação – Ministério da Educação e Ciência.

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Numa primeira fase do projeto procurou fazer-se, através da realização de um inquérito, um diagnóstico sobre o perfil das famílias, quanto aos seus hábitos de leitura e à importância que atribuem aos momentos de leitura em contexto familiar. Assim, em outubro de 2012, foram realizados inquéritos a 245 encarregados de educação de crianças que frequentavam a Creche Bairro Quinta das Laranjeiras, o Centro de Acolhimento Infantil (CAI) Vale Fundão 1 e o Centro de Acolhimento Infantil (CAI) Dr. José Domingos Barreiro. Da análise dos inquéritos realizados, identificámos que os encarregados de educação inquiridos, maioritariamente pais jovens (62% encontra-se na faixa etária dos 19-30 anos), possuíam o 3º ciclo de escolaridade. Destes, a maior parte ocupava os seus tempos livres a ver televisão, sendo que ape-

Constatámos ainda que, na maioria dos agregados familiares, existiam poucos livros (não escolares). No que se refere à estimulação de práticas de leitura dos filhos pelos encarregados de educação, 90% destes já tomaram a iniciativa de promover o contacto direto do filho com o livro-brinquedo e 86% dos inquiridos já leu para os filhos. É de realçar que existe uma grande concordância sobre a importância dos livros para bebés. Relativamente a visitas a bibliotecas, a grande maioria menciona que já o fez, embora apenas 20% o tenha feito com os filhos. Somente 11,8% estão inscritos numa biblioteca e apenas 30% já requisitou um livro numa biblioteca. Somente 9% dos inquiridos referiram ter participado em programas de estímulo à leitura promovidos por bibliotecas públicas. Quanto à participação em programas

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NO QUE SE REFERE À ESTIMULAÇÃO DE PRÁTICAS DE LEITURA DOS FILHOS PELOS ENCARREGADOS DE EDUCAÇÃO, 90% DESTES JÁ TOMARAM A INICIATIVA DE PROMOVER O CONTACTO DIRETO DO FILHO COM O LIVRO-BRINQUEDO E 86% DOS INQUIRIDOS JÁ LEU PARA OS FILHOS. nas 88 dos 245 inquiridos dedicava o seu tempo livre à leitura. É de realçar que, dos 88 indivíduos que mencionaram ter hábitos de leitura, 39,3% referiram ler por prazer, 38,9% por considerarem um meio de valorização pessoal e apenas 6,7% lia por obrigação. No que respeita ao tipo de leitura, 54% liam revistas e jornais, 46% livros não escolares, selecionando os livros que leem pelo assunto/tema. A maioria dos inquiridos não tinha por hábito procurar informação sobre livros na internet. Relativamente ao tempo disponibilizado para a leitura, constatámos que 23,6% liam ao fim de semana; 23,2% todos os dias; 12,7% nas férias; 8% ao fim de semana e nas férias; e 2,1% nunca tentou ler livros. Contudo, 10,1% dos inquiridos nunca leram um livro até ao fim. Quanto à quantidade de livros que os inquiridos liam por ano, pudemos concluir que 48% liam, no máximo, entre um e dois livros por ano e 6% nem sequer liam um livro por ano.

de estímulo à leitura promovidos pelos estabelecimentos de ensino, 44% referem que já participaram, enquanto 36% nunca participaram neste tipo de iniciativas. Constatámos também que apenas 13% dos inquiridos conhecem o Projeto Leitura a Par e 66% não conhecem o Programa Nacional de Leitura. Da população inquirida, 69% tem por hábito oferecer livros. SENSIBILIZAR, PROMOVER E DIVULGAR Numa segunda fase do projeto, face ao diagnóstico obtido e às necessidades identificadas, foram programadas diversas ações a desenvolver durante o ano letivo. Estas tinham o objetivo de sensibilizar, promover e divulgar a importância e a utilização do livro na primeira infância, levando ao envolvimento e participação das nossas crianças, famílias, colaboradores e comunidade. Das ações desenvolvidas nos estabelecimentos, salientamos as seguintes: 91

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DINAMIZAÇÃO da biblioteca itinerante

CONSTRUÇÃO de histórias com jogo de dados “Três dados, três histórias / “Cinco dados, cinco histórias”

PROJETO Leitura A-Par

de educação e amas, procurando responder aos gostos e preferências das crianças em geral, mas também ir ao encontro das necessidades e interesses de cada criança, de acordo com a sua idade e o seu nível de desenvolvimento.

WORKSHOP PARA A CONSTRUÇÃO DE LIVROS INFANTIS Realizou-se um workshop destinado a elementos das equipas educativas da Creche Bairro Quinta das Laranjeiras, do CAI Vale Fundão 1 e do CAI Dr. José Domingos Barreiro com o objetivo de aprender diferentes técnicas/métodos de construção de livros e, simultaneamente, despertar os participantes para a mais-valia desta atividade na interação adulto/criança.

IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO “LEITURA A PAR” Com este projeto, realizado em parceria com a Associação A PAR, ambicionámos desenvolver vínculos afetivos, seguros e positivos entre pais e filhos, envolvendo as famílias na satisfação das necessidades das crianças em cada etapa do desenvolvimento, bem como o gosto pela leitura no contexto família. Este projeto operacionalizou-se com a constituição de um grupo de crianças e famílias de dois estabelecimentos (CAI Vale Fundão 1 e CAI Dr. José Domingos Barreiro). Realizaram-se 22 sessões semanais entre março e julho de 2013.

IMPLEMENTAÇÃO DA BIBLIOTECA ITINERANTE E DINAMIZAÇÃO DAS BIBLIOTECAS NOS ESTABELECIMENTOS Possibilitando às crianças/famílias que frequentam os estabelecimentos o usufruto de uma maior diversidade de livros, retomou-se a dinâmica de os requisitar semanalmente nas bibliotecas dos estabelecimentos, podendo levá-los para casa. A biblioteca itinerante foi organizada, estruturada e dinamizada em função dos seus utilizadores. Os livros requisitados foram usados preferencialmente pelos educadores de infância, auxiliares

CONSTRUÇÃO DE HISTÓRIAS COM JOGO DE DADOS “TRÊS DADOS, TRÊS HISTÓRIAS / CINCO DADOS, CINCO HISTÓRIAS” De acordo com a faixa etária das crianças, foram realizadas oficinas com os pais/comunidade para a elaboração da prenda do Dia Mundial da Criança, onde se construiu um jogo com dados. Este jogo tem como objetivo criar histórias a partir de imagens que retratam objetos do quotidiano, animais, pessoas, emoções e sítios. Depois de lançados os dados, há que criar /imaginar histórias, proporcionando momentos de lazer em interação.

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APÓS A REALIZAÇÃO DO PROJETO “CONVITE À LEITURA PARTILHADA” VIMOS REFORÇADOS OS VÍNCULOS ENTRE CRIANÇAS, FAMÍLIAS E EQUIPAS, ATRAVÉS DO ENVOLVIMENTO E PARTILHA DE SABERES E PRÁTICAS, NUM CLIMA DE PARTICIPAÇÃO ATIVA EM QUE A LITERATURA INFANTIL FOI O MOTOR

HORA DO CONTO … Quem conta?

A “HORA DO CONTO” Quem conta? As crianças, os pais, os avós, os elementos da comunidade, as amas, as educadoras de infância, as auxiliares de educação… Utilizaram-se todas as formas de expressão que se conseguiram imaginar e todos os materiais que se consideraram adequados… especialmente os recicláveis. Foi dar asas à imaginação! OFICINAS DE LEITURA / ELABORAÇÃO DE HISTÓRIAS COM AS CRIANÇAS Com estes momentos pretendemos proporcionar às crianças a possibilidade de dar um final à história, de continuar uma história já iniciada ou simplesmente de completar parte de um texto que está em falta. A criança pode ainda introduzir um novo herói ou fazer as personagens viajar no tempo. Os registos destas novas histórias constituíram um novo e importante documento para o acervo da biblioteca. FORMAÇÃO ÀS AMAS Em conjunto, as duas creches familiares da Direção

Oriental, realizaram uma dinâmica de formação destinada às amas, com o objetivo de capacitar e desenvolver competências por forma a: Utilizar com mais frequência o livro na sua ação pedagógica. Adequar os livros que utilizam à faixa etária das crianças do seu grupo. Utilizar os livros de forma lúdica e agradável junto das crianças e suas famílias. Criar histórias de forma estruturada. Usar diversas técnicas pedagógicas para promover hábitos de leitura nas crianças e famílias. Nesta formação foram privilegiados métodos ativos, que reforçaram o envolvimento das amas e a autorreflexão sobre o seu processo de aprendizagem-ação, a partir da partilha de pontos de vista e de experiências individuais.

OFICINAS de leitura

OFICINAS DE LIVROS COM AS FAMÍLIAS Os momentos da construção de livros pelas famílias e comunidade foram momentos de participação, aprendizagem, partilha e cooperação. Com esta ação pretendemos: um maior envolvimento das famílias no processo educativo das crianças; promover competências, nomeadamente na 93

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CONCLUSÃO Constatámos que, após a realização do projeto Convite à Leitura Partilhada, vimos reforçados os vínculos entre crianças, famílias e equipas, através do envolvimento e partilha de saberes e práticas, num clima de participação ativa em que a literatura infantil foi o motor. Verificámos que, de alguma forma, os objetivos traçados contribuíram para sensibilizar, promover e divulgar a importância do livro na primeira infância. A creche configura-se assim como um espaço excecional de aprendizagens estruturantes, significativas e decisivas no desenvolvimento de competências e na construção de cidadãos comprometidos.

FORMAÇÃO às amas das creches familiares Vale Fundão 1 e Dr. José Domingos Barreiro

OFICINA de livros com famílias

BIBLIOGRAFIA ABRAMOVICH, F. (1997). Literatura Infantil: Gostosuras e Bobices. São Paulo: Scipione.

EXPOSIÇÃO de livros no estabelecimento

AFONSO, Maria Rosa (2007). Guião de Educação para a Cidadania em contexto escolar… Boas Práticas. Direção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, Ministério da Educação. Setembro de 2007. p. 15. CASTELEIRO, J.M. (2001). Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea: Academia das Ciências de Lisboa. Lisboa: Editorial Verbo. COELHO, N.M. (2000). “A literatura infantil! Abertura para a formação de uma nova mentalidade”. In Literatura Infantil: teoria-análise-didática. São Paulo: Moderna.

escolha de livros para os seus filhos; combater o consumismo através da reutilização de materiais na construção de livros; bem como desenvolver a autoestima das famílias no processo de construção do livro (prenda para o filho), salientando ainda que este livro poderia ser utilizado como objeto de interações positivas entre pais e filhos.

DURAND, Gilbert (1997). As Estruturas Antropológicas do Imaginário. São Paulo: Martins Fontes. LEITE, Carlinda; RODRIGUES, Maria de Lurdes (2001). Jogos e Contos numa Educação para a Cidadania. Instituto de Inovação Educacional, Ministério da Educação. OLIVEIRA, C. (2005). Hábitos de Leitura e Sucesso Escolar. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Tecnológicas; Sociologia da Educação.

EXPOSIÇÕES Como forma de valorizar a participação e o envolvimento das famílias no processo educativo, realizaram-se exposições dos livros construídos nos estabelecimentos. Nestas exposições foram partilhadas ideias e técnicas e reveladas habilidades e competências.

OLIVEIRA, N.A. (2012). A importância do saber contar histórias na educação infantil. PALO, M.J.;OLIVEIRA, M.R. (1998). Literatura Infantil: Voz de Criança. São Paulo: Ática. Recomendação n.º 1/2012 – Recomendação sobre Educação para a Cidadania – Conselho Nacional de Educação – Ministério de Educação e Ciência.

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Intervenção em

FORMAÇÃO PROFISSIONAL

NOVAS ABORDAGENS

Texto de Ângela Fragoeiro, Carlos Alves e Micaela Santos [TÉCNICOS DO CEFC, _SCML, CENTRO DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO E CERTIFICAÇÃO]

O Centro de Educação, Formação e Certificação tem procurado fornecer um serviço de formação coincidente com as exigências emergentes na sociedade atual e cada vez mais adaptado ao seu público-alvo.

A

educação/formação é um bem fundamental ao longo do percurso de vida de todas as pessoas e deverá ser valorizada como um direito potenciador do acesso a outros direitos. Uma população adulta escolarizada constitui o principal fator de credibilização da escolarização e desencadeia novas dinâmicas de procura social de educação/formação: a aprendizagem ao longo da vida. O Centro de Educação, Formação e Certificação (CEFC) tem apostado em lógicas de formação que não se esgotam na qualificação profissional ou escolar, investindo na valorização das dimensões informais da aprendizagem como uma estratégia fundamental, quer junto dos públicos tradicionalmente desfavorecidos quer junto do grupo denominado “novos pobres”, caraterizado por situações

de pobreza emergentes do contexto conjuntural de crise e que, abrangendo pessoas e famílias situadas fora dos tradicionais quadros de pobreza, exigem respostas sociais específicas. Para além do seu valor no que se refere à capacitação das pessoas, também constitui uma experiência social importante, na medida em que contribui para o aumento e desenvolvimento da autoestima, do bem-estar, da confiança e da promoção da saúde das pessoas. Na construção do modelo de intervenção do CEFC procurou-se ir ao encontro dos valores culturais/educativos acima refletidos. O modelo tem como ponto de partida uma metodologia de trabalho comum entre a área de educação/ formação e a ação social de proximidade: a história de vida dos candidatos. A partir desta metodologia foi implementado um mecanismo de

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proximidade entre a atuação da educação/formação e o atendimento social, com o objetivo de contribuir para a resolução dos problemas emergentes do quotidiano do utente. As áreas mencionadas no modelo respeitam e refletem as diferentes etapas de atuação num processo de intervenção que culmina na autonomia e desvinculação institucional pela integração social. O trabalho conjunto realizado entre o CEFC e as restantes Unidades de Ação Social de Proximidade é promovido pelo Gabinete de Mediação para Inserção Socioprofissional do Centro, que assegura a interligação direta com as equipas do atendimento social, a monitorização social dos candidatos, a troca de informação privilegiada sobre os formandos e a criação de dinâmicas de mediação social, promotoras de uma relação positiva com a aprendizagem. As necessidades identificadas no âmbito da análise conjunta do diagnóstico social constituem linhas orientadoras para desenhar planos formativos individualizados, a serem trabalhados na área de Desenvolvimento Pessoal e Social (DPS), que irá interagir com as restantes áreas do plano curricular, partindo da metodologia da história de vida e com o objetivo de desenvolver atividades que promovem a reflexão sobre a atuação e resolução de problemas pessoais e sociais dos formandos. Esta filosofia de intervenção assenta num referencial transversal, flexível e ajustado às necessida-

CEFC

des identificadas aquando da análise da situação social dos candidatos e a utilizar de acordo com o perfil e o nível de escolaridade dos mesmos. A educação/formação adequa as suas respostas de apoio à resolução de problemas específicos dos utentes, acrescentando valor e eficácia na sua ação. Foi neste contexto que a área de DPS integrou todos os percursos formativos do CEFC, incidindo os seus conteúdos sobre: > Literacia financeira – gestão do orçamento familiar, produtos financeiros básicos, poupança, crédito e endividamento, funcionamento do sistema financeiro, poupança e as suas aplicações; > Saúde – na educação para a saúde, higiene e segurança doméstica, cuidados básicos de higiene e saúde, educação parental para a saúde, entre outras; > Educação/ Formação – aprender a aprender, valorização da aprendizagem ao longo da vida, gestão da carteira de competências; > Empregabilidade – técnicas de procura de emprego, desenvolvimento de planos de carreira profissional; comunicação e emprego; > Autoestima – valorização das competências e conhecimentos desenvolvidos/adquiridos. DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL A área de Desenvolvimento Pessoal e Social tem três objetivos fundamentais: desenvolver competências pessoais e sociais capazes de promoverem

Gabinete de Mediação para a Inserção social

Atendimento social

Autonomia, Integração social

Empregabilidade Educação/Formação Saúde Literacia financeira

Autoestima Cultura, Comunicação e Imagem

Autoestima

Integração Profissional

Educação/Formação Saúde Prestações pecuniárias

História de vida

FIGURA 1. Modelo de atuação do CEFC

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a inclusão, sensibilizar para a necessidade da qualificação escolar e profissional e contribuir para a aquisição de ferramentas facilitadoras da inserção/ reinserção no mercado de trabalho. Para o universo dos percursos formativos existentes no CEFC é planeado um itinerário formativo não centrado nos conteúdos de caráter escolar e profissional. Parte-se da auscultação e desocultação das experiências individuais dos formandos, da informação registada e analisada nos retratos sociais de cada indivíduo, da informação constante do processo individual/formativo e do próprio comportamento dos formandos em contexto de formação. Uma das mais-valias deste modelo pedagógico é a possibilidade de se realizar um conjunto de atividades lúdicas que viabilizam a aquisição e estimulação de competências relevantes noutros domínios e contextos, nomeadamente pessoal, social e profissional. A prática traduz-se na aplicação de exercícios, pensados numa perspetiva de transversalidade pedagógica, que implicam o treino de funções executivas como o pensamento, a memória

zer o planeamento das escolhas vocacionais mais adequadas, tendo em conta a promoção do autoconhecimento do indivíduo face às escolhas possíveis no momento e no contexto, culminando no delineamento de um plano individual. Uma outra caraterística deste modelo pedagógico é promover a consciencialização dos formandos para a importância da utilização no seu quotidiano dos conteúdos trabalhados nas diferentes áreas curriculares. FORMAÇÃO ADAPTADA A intervenção em contexto formativo, nomeadamente no trabalho em sala, implementa estratégias e metodologias diversas e ajustadas aos candidatos. Tendo em conta que o público-alvo é o universo de adultos e jovens provenientes das Unidades de Ação Social (sem o nível básico ou secundário de escolaridade, desempregados e em situação de desfavorecimento), procuramos promover competências no âmbito da progressão escolar e qualificação profissional, que possibilitem a inserção social e o exercício da cidadania.

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O CENTRO DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO E CERTIFICAÇÃO TEM APOSTADO EM LÓGICAS DE FORMAÇÃO QUE NÃO SE ESGOTAM NA QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL OU ESCOLAR, INVESTINDO NA VALORIZAÇÃO DAS DIMENSÕES INFORMAIS DA APRENDIZAGEM e a atenção que, por sua vez, facilitam o melhoramento ou recuperação de funções cerebrais muitas vezes “adormecidas” pelas caraterísticas do percurso de vida dos formandos. Referimo-nos ao desenvolvimento de competências tão diferentes como a destreza mecânica e manual, a capacidade analítica, de raciocínio e de cálculo, o trabalho em grupo e relacionamento interpessoal. A área de Desenvolvimento Pessoal e Social carateriza-se também pela preocupação em construir um quadro de significação pessoal que permita o desenvolvimento de um projeto vocacional e uma reorientação de carreira realista. Procura fa-

O CEFC disponibiliza uma oferta formativa variada: cursos de educação/formação de jovens e adultos de dupla certificação, formações modulares escolares e tecnológicas e programas de desenvolvimento de competências escolares, pessoais e sociais. Neste contexto, destacam-se as sinergias da equipa técnica ou pedagógica, com resultados positivos no planeamento, intervenção e avaliação da formação. Tal decorre da existência de uma equipa interna de formadores, fator facilitador da construção de uma experiência e empatia profissional comum.

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PROCURAMOS PROMOVER COMPETÊNCIAS NO ÂMBITO DA PROGRESSÃO ESCOLAR E QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL QUE POSSIBILITEM A INSERÇÃO SOCIAL E O EXERCÍCIO DA CIDADANIA. A proximidade e o trabalho em continuidade contribuíram para o desenvolvimento de práticas que se revelaram de grande importância no contacto com um público tão heterogéneo e complexo: a presença de vários formadores em sala (codocência), a transversalidade nas práticas letivas e projetos pedagógicos, a flexibilidade pessoal e pedagógica e a possibilidade de mobilizar outros interesses e capacidades, tanto de formandos como de formadores. Esta coesão e proximidade entre os elementos da equipa de formadores tem-se evidenciado em várias dimensões: na coerência de valores e metodologias de trabalho, na partilha diária e imediata de resultados, com impacte no planeamento das sessões de formação seguintes e no contacto direto com o gestor/mediador, que possibilita um feedback em tempo real face às questões que envolvem o grupo/turma. A equipa tem ainda como preocupação pedagógica a permanente articulação entre as diversas áreas de formação e a sua relação com a realidade circundante. Neste contexto são exemplos as atividades do workshop de Noções Básicas de Design Gráfico e da construção de sólidos geométricos através de técnicas de pastelaria em chocolate. Destaca-se igualmente o trabalho desenvolvido nas Oficinas Pedagógicas (cozinha/refeitório, cabeleireiro e carpintaria), traduzido na aplicabilidade das aprendizagens dos formandos em atividades específicas de cada área curricular, num contexto próximo da realidade profissional e institucional. O desenvolvimento de um projeto de vida autónomo, realista e em articulação com a realidade social é indissociável de uma educação/formação de qualidade e adaptada à heterogeneidade que carateriza a nossa sociedade. O Centro de Educação, Formação e Certificação considera a quali-

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dade, mais do que um objetivo, uma estratégia da organização. Atingir a adequabilidade dos serviços que disponibiliza às necessidades do público-alvo e a consequente satisfação dos candidatos/ formandos é, ao mesmo tempo, garantir um ambiente proporcionador de troca de experiências e capacidade de interação com os parceiros institucionais internos e externos.

1. SÓLIDOS geométricos de chocolate 2. CABELEIREIRO pedagógico

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PERSPETIVAS DE

REPRESENTAÇÃO JURÍDICA NO ÂMBITO DA SAÚDE MENTAL A população mundial está a envelhecer. É um facto inegável, confirmado pelos estudos efetuados e pelas projeções de diversas organizações internacionais. Apesar de a demência não ser sinónimo de envelhecimento, há uma maior incidência desse tipo de doença mental na população mais idosa. O isolamento, o individualismo e a crise económico-social dificultam a representação jurídica de pessoas incapazes de reger a sua pessoa e bens em Portugal, mas uma cidadania ativa e global pode facilitar uma solução. Texto de Gonçalo Pereira Esteves [CONSULTOR JURÍDICO_SCML]

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este artigo procuramos: 1) Identificar o problema do aumento da população idosa e evolução da saúde mental em Portugal; 2) Efetuar o enquadramento legal da representação jurídica de pessoas que não podem reger a sua pessoa e bens; 3) Evidenciar o caso da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML); 4) Propor a nomeação de tutor/ curador e constituição do conselho de família, contributo para soluções em consonância com uma cidadania ativa. SITUAÇÃO ATUAL E PERSPETIVAS O envelhecimento da população mundial é uma realidade, não só pela melhoria das condições de vida, mas também pelo desenvolvimento da medicina e controlo de epidemias. Atualmente, um décimo da população mundial tem mais de 60 anos mas, em 2050, esse valor aumentará para um quinto, sendo presumível que nesse ano haja um número superior de pessoas acima dos 60 anos, relativamente a crianças até aos 14. Apesar de a demência não ser sinónimo de envelhecimento, há uma maior incidência deste tipo de doença mental na população mais idosa. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a demência é uma síndrome que leva à deterioração da memória, pensamento e comportamento, impossibilitando as pessoas de desempenhar com normalidade as atividades do dia-a-dia. Há vários fatores socioeconómicos relativamente a custos médicos, cuidados

sociais e informais que podem causar distúrbios nas famílias. Importa dar uma atenção especial aos grupos que vivem sozinhos, que estão em localidades rurais isoladas e podem, eventualmente, ser alvo de violência física e psicológica. Em Portugal, a mudança na saúde mental verificou-se no início da década de 1980, mas de uma forma descontinuada e, por vezes, retrógrada. O balanço é, no entanto, bastante positivo. Graças à publicação da Lei de Saúde Mental em vigor (Lei 36/98, de 24 de julho), aos avanços registados na implementação do Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016, bem como ao consequente respeito conquistado a nível internacional, neste momento existem condições particularmente favoráveis à concretização de novos passos importantes na melhoria dos serviços de saúde mental, nomeadamente a conquista da liderança por Portugal da Joint Action on Mental Health and Well-being da União Europeia para 2013-2015, visando a participação em projetos da OMS e União Europeia (UE). A tomada de consciência da saúde mental como uma questão de saúde pública é sinónimo da importância que esta tem, e terá, cada vez mais, na sociedade portuguesa. Propomos fazer uma análise às situações em que as pessoas não conseguem reger a sua pessoa e bens, evidências atestadas por relatório médico, existindo dessa forma uma incapacidade. a) A incapacidade diz-se de exercício quando a pessoa não pode exercer os seus direitos ou

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EVOLUÇÃO do envelhecimento da população mundial

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Regiões menos desenvolvidas

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2040

2030

2020

2010

2000

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Regiões mais desenvolvidas

Fonte: World Population Prospects: The 2004 Revision Population Database, UN Department of Economic and Social Affairs http://esa.un.org/unpp/index.asp?panel=2 (23 November 2006)

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A INCAPACIDADE DIZ-SE DE EXERCÍCIO QUANDO A PESSOA NÃO PODE EXERCER OS SEUS DIREITOS OU CUMPRIR OS SEUS DEVERES, POR SI SÓ E LIVREMENTE

cumprir os seus deveres, por si só e livremente. Incapazes de exercício, embora em termos algo diversos, são os menores, os interditos e os inabilitados, sendo suprida essa incapacidade pela representação jurídica. Importa salientar que, de forma geral, os atos praticados por incapaz de exercício são anuláveis. A incapacidade diz-se de gozo quando a pessoa não pode ser titular de um ou mais direitos ou deveres. A capacidade de gozo das pessoas singulares não sofre restrições de princípio, embora, em alguns casos, se possam em concreto verificar em virtude de decisões judiciais. No art.º 67º do Código Civil (CC) lemos, sobre a capacidade jurídica, que “as pessoas podem ser sujeitos de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário, nisto consiste a sua capacidade jurídica”. Importa referir que, como regra, a capacidade de gozo dos menores não integra, por exemplo, o direito a testar (art.º 2189º a) do CC), nem o direito a casar até aos 16 anos de idade (art.º 1601º a) do CC). Os atos praticados por quem não tenha capacidade de gozo são nulos. Pode falar-se em incapacidade acidental (situação de uma pessoa embriagada, perturbada psi-

cologicamente ou em situação similar, que a torne ocasionalmente privada do uso da razão e da vontade, cfr. art.º 257º do CC), ou em incapacidade de facto (situação de uma pessoa na realidade inapta para exercer os seus direitos, mas que não se encontra interdita ou inabilitada), sendo estas últimas situações de facto, embora com consequências jurídicas, e não situações jurídicas, como as anteriores, cfr. art.º 122º e seguintes do CC. Efetivamente, a capacidade de exercício de direitos é a idoneidade para atuar juridicamente, exercendo/adquirindo direitos ou cumprindo/assumindo obrigações por ato próprio e exclusivo. A “anomalia psíquica” interfere com a formação livre e consciente da vontade da pessoa incapaz. b) O Processo Especial de Interdição está previsto no Código Civil e Código de Processo Civil (CPC) Português, determinando a situação jurídica de uma pessoa adulta que se encontra, total ou parcialmente, privada do exercício pessoal e livre dos seus direitos em virtude de uma decisão judicial. De acordo com o n.º 1 do art.º 138º do CC (Pessoas sujeitas a interdição), “podem ser interditos do exercício dos seus direitos todos aqueles que por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens […]. As interdições são aplicáveis a maiores, mas podem ser requeridas e decretadas dentro do ano anterior à maioridade, para produzirem os seus efeitos a partir do dia em que o menor se torne maior”. Os adultos, caso se mostrem incapazes para reger a sua pessoa e bens, podem ter um processo especial de interdição a seu favor para dirimir essa incapacidade, que será suprida pela tutela (exercida por um tutor). Os factos fundamentadores de interdição, acima referidos, só o são quando se caraterizarem pela atualidade, incapacitação natural e permanência, isto é, a interdição só pode ser decretada quando a pessoa, afetada por qualquer daquelas situações, o esteja atualmente, sendo essa afetação

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incapacitante e permanente para o governo da sua pessoa e bens, embora não tenha de ser necessariamente irremediável. A interdição torna o sujeito incapaz de exercício, equiparando-o à situação de menor. Porém, há que distinguir entre a interdição por anomalia psíquica, cujos efeitos incapacitantes juridicamente são mais extensos, e a interdição por outra causa (em que, por exemplo, não há privação de casar, cfr. alínea b) do art.º 1601º do CC, ou de testar, art.º 2188º e art.º 2189º do CC). Em qualquer altura do processo de interdição pode o juiz, oficiosamente ou a requerimento do autor ou do representante do requerido, proferir decisão provisória, nomeadamente interdição provisória, nos próprios autos, nos termos previstos no art.º 142º do CC e art.º 900º do CPC. O n.º 2

cesso de interdição. No caso de o interditando ser menor e estar sob a responsabilidade parental, só podem requerer a interdição os pais que exercerem aquela responsabilidade e o Ministério Público, cfr. art.º 141º do CC. Qualquer das pessoas com legitimidade para requerer a interdição pode também requerer o seu levantamento logo que cesse a causa que a determinou, cfr. art.º 151º do CC. O levantamento da interdição corre por apenso ao processo em que tenha sido decretada, podendo a interdição ser substituída por inabilitação quando a situação evolua no sentido da diminuição da incapacidade do adulto, mantendo-se na medida que justifique esta. A velhice, a dependência e a incapacidade física não são, por si só, fundamentos para se avançar com processo de interdição. O órgão executivo da tutela é o tutor, cumprindo-lhe

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INTERDITO É A PESSOA SINGULAR CUJA CAPACIDADE DE EXERCÍCIO DE DIREITOS FOI JUDICIALMENTE SUPRIMIDA OU RESTRINGIDA EM VIRTUDE DE ANOMALIA PSÍQUICA, SURDEZ-MUDEZ OU CEGUEIRA, QUE A TORNE INCAPAZ DE GOVERNAR A SUA PESSOA E BENS do art.º 142º do CC, estabelece que “pode […] ser decretada a interdição provisória, se houver necessidade urgente de providenciar quanto à pessoa e bens do interditando”. De acordo com o art.º 139º do CC (Capacidade do interdito e regime de interdição), “sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, o interdito é equiparado ao menor, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regulam a incapacidade por menoridade e fixam os meios de suprir o poder paternal”. Ou seja, interdito é a pessoa singular cuja capacidade de exercício de direitos foi judicialmente suprimida ou restringida em virtude de anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, que a torne incapaz de governar a sua pessoa e bens. A interdição pode ser requerida por qualquer parente sucessível ou pelo Ministério Público, apesar de não existir obrigação legal para se proceder à comunicação ou petição inicial, visando um pro-

a representação do interdito na gestão da sua esfera jurídica, pessoal e patrimonial (Direitos e obrigações do Tutor, art.º 1935º do CC, princípios gerais). c) O Processo Especial de Inabilitação é a situação jurídica de uma pessoa que, em virtude de decisão judicial, não pode, por si só, realizar determinados atos jurídicos, carecendo da autorização de um curador. Tais atos são, nomeadamente, os de disposição de bens entre vivos, podendo ainda a administração do património do inabilitado ser entregue, no todo ou em parte, ao curador. De acordo com o art.º 152º do CC, “podem ser inabilitados os indivíduos cuja anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, embora de caráter permanente, não seja de tal modo grave que justifique a sua interdição, assim como aqueles que, pela sua habitual prodigalidade ou pelo uso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes, se mostrem incapazes de reger convenientemente o seu património”. 103

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A VELHICE, A DEPENDÊNCIA E A INCAPACIDADE FÍSICA NÃO SÃO, POR SI SÓ, FUNDAMENTOS PARA SE AVANÇAR COM PROCESSO DE INTERDIÇÃO A inabilitação, apesar de ser uma fonte de incapacidade, refere-se a situações de menor gravidade, resultando, após decisão judicial, numa incapacitação parcial e na instituição de uma assistência ou curatela, correspondendo a uma limitação menor da extensão da capacidade de exercício do sujeito, por comparação com a interdição. Os inabilitados podem intervir em todas as ações em que sejam partes e devem ser citados quando tiverem nelas a posição de réus, cominando a lei com a nulidade correspondente à falta de citação tal omissão, mesmo quando o curador haja sido citado. No entanto, a intervenção do inabilitado no processo encontra-se subordinada à orientação do curador, cuja opinião prevalece sempre que exista discordância. d) O conselho de família é o órgão consultivo e fiscalizador, composto por um protutor (vogal), vogal e Ministério Público (preside). De acordo com o art.º 1954º do Código Civil (Atribuições do conselho de família) “compete ao conselho de família vigiar o modo como são desempenhadas as funções do tutor e exercer as demais atribuições que a lei especialmente lhe confere”. O EXEMPLO DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA Em conformidade com os Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 235/2008, de 3 de dezembro, conforme plasmado na alínea o), n.º 3, do art.º 4º, a SCML “assegura, quando se mostre necessário, a tutela e curatela dos menores, interditos e inabilitados apoiados pela SCML, nos respetivos termos legais”. Para tal, e nas situações de ausência de família, ou quando esta é disfuncional, a SCML tem vindo a participar ao Ministério Público as situações de incapacidade psíquica de adultos, nos termos do Código Civil (art.os 138º a 156º) e do regulamento sobre os meios de suprir a vontade de pessoas maiores em situação de incapacidade para ge-

rir a sua pessoa e bens, cfr. Deliberação de Mesa n.º 595, de 2 de junho de 2011. Acresce referir que essa participação, bem como o exercício da tutela, ou curatela, pelo responsável do equipamento onde o interdito/inabilitado está institucionalizado, apenas se verifica quando a pessoa resida em lar de administração direta da SCML ou, casuisticamente, seja beneficiária de apoio domiciliário nos termos do regulamento referido. Ressalva-se que a SCML está isenta da constituição do conselho de família, em virtude do disposto no art.º 1962º/2 do CC. Nestas situações tem vindo a ser aplicado pelo Tribunal o n.º 1 do art.º 1962º do CC (Tutela de menores confiados a estabelecimentos de educação ou assistência – exercício da tutela), sendo o interdito equiparado ao menor e aplicado, por analogia, o regime da menoridade. NOMEAÇÃO DE TUTOR/CURADOR E CONSTITUIÇÃO DO CONSELHO DE FAMÍLIA: CONTRIBUTO PARA SOLUÇÕES EM CONSONÂNCIA COM UMA CIDADANIA ATIVA Existem, no entanto, diversas pessoas que não têm uma rede de proximidade familiar ou de amigos que possibilitem a composição do conselho de família, sinónimo de uma evolução individualizada das estruturas familiares e de socialização, que origina o arquivamento do processo e consequente ausência de representação jurídica por parte de quem não está capaz de reger a sua pessoa e bens (atestado por relatório médico). A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência constitui um marco histórico na garantia e promoção dos direitos humanos de todos os cidadãos e, em particular, das pessoas com deficiência. De facto, cria uma obrigação geral dos Estados em garantir a promoção e plena satisfação dos direitos humanos e fundamentais, através de legislação específica, visando igualmente promover o respeito pela dignidade inerente.

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Em Portugal, e.g., a Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde. Relembramos que uma pessoa que não está capaz de reger a sua pessoa e bens, mas que não consegue suprir a sua incapacidade pelo regime jurídico da tutela e/ou curatela, acaba por estar afastada do exercício de diversos direitos fundamentais. Assim sendo, no intuito de fazer valer esses direitos quando não há quem assuma as funções tutelares ou no conselho de família, propomos a criação da figura do tutor público (e conselho de família público). Tendo em atenção o pressuposto de proximidade e cuidado do tutor, esta função seria desempenhada pelas câmaras municipais, disseminada pelas juntas de freguesia, criando uma equipa de técnicos das autarquias, constituídos por juristas, assistentes sociais e gestores. No entanto, apelando a uma cidadania participativa e ativa, galvanizada pelo Ano Europeu dos

Cidadãos 2013, propomos igualmente a criação de uma Bolsa de Voluntários para poder assumir funções tutelares, preferencialmente da área de residência dos interditos/inabilitados em razão da proximidade, coadjuvados por voluntários com competências técnicas nas áreas do serviço social, gestão e direito. NOTA CONCLUSIVA Desta forma, em Portugal, promovendo a cidadania europeia, seria possível conhecer os direitos e deveres como cidadão europeu, mas também permitir que outros cidadãos incapacitados de conseguir exercer esses mesmos direitos por si (e.g., reger a sua pessoa e bens), vissem essa incapacidade suprida pelo processo especial de interdição e inabilitação, dando sentido a uma Europa solidária e inclusiva, através do tutor público (e conselho de família público), seja pelas autarquias ou pelos voluntários.

BIBLIOGRAFIA ANTUNES, Maria João (2002) Medida de segurança de internamento e facto de inimputável em razão de anomalia psíquica, Coimbra: Coimbra Editora, 531 p. CARVALHO, Álvaro et al. (2000) A Lei de Saúde Mental e o Internamento Compulsivo, Coimbra: Coimbra Editora, 140 p. CE (2013) Ano Europeu dos Cidadãos 2013 – Diálogo com os Cidadãos, disponível em http://ec.europa.eu/portugal/ temas/ano_europeu_cidadao/index_pt.htm (acedido em setembro de 2013). COSTA, Adalberto (2011) A Acção de Interdição e Inabilitação, Porto: Legis, 93 p. GILLIES, Clare; LAMES, Anne (1994) Reminiscence Work with Old People, London: Chapman and Hall, 132 p. LEITÃO, Olívia Robusto (s.d.) Em Torno da Vida, Saúde e Doença do Idoso, Lisboa: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Portugal (2013) Saúde Mental em Números – 2013, Programa Nacional para a Saúde Mental, Direção-Geral da Saúde, disponível em http://www.dgs.pt/?cr=24816 (acedido em setembro de 2013). Portugal, Plano Nacional de Saúde Mental, 2007-2016, Resumo executivo, Coordenação Nacional para a Saúde Mental. PRATA, Ana (2005) Dicionário Jurídico, Coimbra: Almedina. SANTOS, Emídio (2011) Das Interdições e Inabilitações, Lisboa: Quid Juris, 175 p. SNRIPD (2002) Regimes da interdição e inabilitação e da tutela: benefícios para pessoas com deficiência, [ed. lit.], Lisboa: Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 6 p. UN (2006) Convention on the Rights of Persons with Disabilities. New York: United Nations, disponível em http://www. un.org/disabilities/convention/conventionfull.shtml (acedido em setembro de 2013). WHO (2012) Dementia – a public health priority, World Health Organization, Alzheimer Disease International, disponível em http://whqlibdoc.who.int/publications/2012/9789241564458_eng.pdf (acedido em setembro de 2013).

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| ESTUDO |

POLÍTICA E PREÇO DO MEDICAMENTO

Evolução em Portugal, de 2000 a 2011 Texto de Joana Pinto Ribeiro [ENFERMEIRA DO PROGRAMA SAÚDE MAIS PRÓXIMA_SCML, DIREÇÃO SAÚDE SANTA CASA]

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Ao longo dos últimos anos tem-se verificado uma alteração da realidade da população portuguesa. O aumento da esperança média de vida em conjunto com alterações de hábitos de vida diários (alimentação, falta de exercício físico, stress...) fizeram desencadear um aumento de doenças crónicas e, consequentemente, um aumento de custos no setor da saúde.

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criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) após a Revolução de Abril permitiu um maior acesso por parte da população aos serviços médicos e, assim, um maior consumo de medicamentos. Desta forma, aumentaram os gastos do Estado com medicamentos, despesa que representa 1,25% do PIB (Ministério das Finanças, 2011) e 15,5% dos encargos do SNS (INFARMED, 2011). Como tal, durante os últimos anos, as medidas adotadas tinham o intuito de aumentar a eficiência do mercado para reduzir custos. Das políticas adotadas na área da saúde, verifica-se que, no setor do medicamento, existiu uma preocupação crescente na regulação deste setor. Com efeito, adotaram-se medidas como o estabelecimento de preços de referência, o incentivo da prescrição de medicamentos genéricos, alteração do modelo de comparticipação e do modelo de prescrição. A introdução de preços de referência remonta a 2002. Esta medida tem o objetivo de controlar custos e racionalizar o uso dos fármacos (Boquinhas, 2012).

Este sistema estabelece um valor máximo de comparticipação do Estado, sendo o restante assegurado pelo utente. Quando este sistema foi inicialmente desenvolvido, Portugal tinha como países de referência Espanha, França, Itália e Grécia. Contudo, com a entrada da troika, os modelos foram alterados para países cujo PIB é semelhante: Espanha, Itália e Eslovénia. Os medicamentos genéricos sofreram um incentivo à prescrição a partir de início de 2000. No entanto, a definição destes medicamentos remonta ao Decreto-Lei 81/90, de 12 de março. O medicamento genérico é um fármaco cuja composição é similar à substância ativa, quer qualitativa quer quantitativamente. Apresenta-se bioequivalente ao medicamento de referência, tendo sido comprovado com estudos de bioequivalência (INFARMED, 2013). O modelo de comparticipação de medicamentos define quatro escalões de comparticipação distintos, que variam de acordo com as indicações terapêuticas, utilização, entidades prescritoras e o consumo acrescido para

utentes com determinadas patologias. Assim, os escalões oscilam entre 90% e 15% de comparticipação do Estado, assegurando o utente o restante valor (Portal da Saúde, 2012). Finalmente, também o modelo de prescrição de medicamentos sofreu alterações nos últimos anos. De facto, foi desenvolvido um software de prescrição, de modo a facilitar a escolha informada de medicamentos mais baratos, quer para o utente quer para o Serviço Nacional de Saúde. A prescrição está prevista por denominação comum internacional da substância ativa, forma e apresentação farmacêutica e dose. Salvo casos em que não existam medicamentos genéricos ou similares, o clínico pode prescrever por denominação comercial. Por outro lado, pode ainda prescrever o medicamento por denominação comercial se este apresenta margem ou índice terapêutico apertado, no caso de existência de intolerância ou reação adversa ao medicamento genérico equivalente ou quando exista o objetivo de assegurar o tratamento cuja duração é superior a 28 dias (INFARMED, 2012). 107

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| ESTUDO |

OS MEDICAMENTOS GENÉRICOS SOFRERAM UM INCENTIVO À PRESCRIÇÃO A PARTIR DE INÍCIO DE 2000 METODOLOGIA Para a elaboração deste estudo foi realizada uma análise comparativa da evolução mensal dos preços de medicamentos para a hipertensão arterial, Diabetes mellitus e dislipidemias, no período compreendido entre 2000 e 2011, por denominação comum internacional. Os dados foram fornecidos pelo INFARMED, tendo por base a lista dos cem medicamentos mais vendidos em Portugal em 2011 (último ano em que o INFARMED disponibilizou informação totalmente correta e atualizada). Em cada patologia foram selecionadas as doses mais vendidas, por número de embalagens e pela embalagem mais vendida, por medicamento. Pretendeu-se assim relacionar o impacte das políticas do medicamento na variação dos fármacos selecionados. Por outro lado, pretendeu-se perceber se o impacte é semelhante em todos os fármacos e quais as políticas que geraram maior diminuição no preço. RESULTADOS Este estudo teve como objetivo específico a análise da evolução do preço de venda ao público (PVP) dos medicamentos para as patologias crónicas Diabetes mellitus, hipertensão arterial e dislipidemias, que se encontram no ano de 2011 na lista dos cem mais vendidos em Portugal, durante o período de 2000 a 2011.

Verifica-se que, dos fármacos selecionados, apenas as insulinas apresentaram um aumento do seu preço, na ordem dos 0,3 por cento. Por oposição, cerca de metade dos fármacos em estudo apresentou uma descida média do seu preço superior a 20%, sendo que alguns grupos apresentam descidas na ordem dos 40 por cento. Dos grupos estudados, aquele que apresentou maiores descidas de preço foi o dos medicamentos para a doença cardiovascular, nomeadamente fármacos antidislipidémicos, bloqueadores de canais de cálcio, modificadores do eixo renina-angiotensina e depressores da atividade adrenérgica. Por outro lado, os fármacos que apresentaram menor descida no seu preço pertencem ao grupo dos anti-hipertensores e antidiabéticos orais. No entanto, analisando mais pormenorizadamente os dados, verifica-se que, apesar dos valores apresentados, dentro de um mesmo grupo nem todos os fármacos apresentam necessariamente um comportamento similar. De facto, analisando, por exemplo, o caso dos antidislipidémicos, verifica-se uma descida de 0,3% de alguns fármacos deste grupo, contra um decréscimo de 72,7% noutros fármacos do mesmo grupo. Da informação obtida pode concluir-se que quanto maior é o tempo que os medicamentos se

encontram no mercado, maior a variação do seu preço. Ou seja, os medicamentos que estão há mais tempo no mercado apresentaram quedas mais acentuadas de preço do que aqueles que se encontram há menos tempo. Os períodos temporais que apresentaram maiores alterações foram: > dezembro de 2001 a abril de 2002; > julho de 2004 a janeiro de 2005; > setembro de 2005 a fevereiro de 2006; > fevereiro a julho de 2007; > abril a dezembro de 2008; > abril de 2009 a janeiro de 2010. No decorrer da última década foram definidas medidas políticas de grande importância que se relacionam com estes períodos temporais, nomeadamente a atualização e incentivo de prescrição dos medicamentos genéricos, o sistema de preços de referência e o modelo de comparticipação. Das medidas estudadas, verifica-se que as que apresentaram maior impacte sobre o preço dos medicamentos dizem respeito à atualização dos PVP em 2001, através da Portaria n.º 1278/2001, de 14 de novembro, e posteriores atualizações, que originaram uma quebra importante no ano de 2002. Em 2004, ano em que se torna obrigatória a atualização trimestral do preço

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do medicamento, o PVP sofreu também um grande decréscimo. Esta medida permitiu um aumento de competitividade do mercado e uma variação periódica do preço dos fármacos. A alteração do regime de comparticipação e suas atualizações demonstrou ser uma medida eficaz para o reajustamento dos preços. Modificando os escalões de comparticipação, houve necessidade por parte da indústria de reajustar os seus preços, tornando-se um mercado mais competitivo e promovendo ganhos para os utentes. Em 2007, ocorreram alterações a nível de atualização do regime de comparticipação e de grupos homogéneos, originando também uma quebra no preço dos medicamentos e, possivelmente, poupanças para o Estado. Em 2008, os fármacos sofreram novamente uma quebra, pois foi definida uma redução do preço máximo dos medicamentos genéricos. Por outro lado, em 2009, definiu-se uma nova alteração no regime

de comparticipação do Estado e, assim, desenvolveu-se uma nova quebra de preços. Finalmente, em 2010, as medidas com maior impacte sobre o preço dos fármacos em estudo foram as novas regras de formação de preços e sua revisão anual, bem como a aprovação de novos preços de referência por grupo homogéneo. CONCLUSÃO O país vem observando uma mudança na sua realidade, quer a nível socioeconómico quer a nível demográfico. Estas mudanças originam novas exigências em vários setores, não sendo a saúde uma exceção. Assim, com o aumento da esperança média de vida, também a prevalência de doenças crónicas tem vindo a aumentar e, com isso, regista-se o aumento do consumo de medicamentos. Verifica-se que, ao longo dos últimos anos, o mercado do medicamento sofreu algumas alterações importantes. De facto, dos fármacos estudados, todos

revelaram quebras no seu PVP, à exceção das insulinas. Foram várias as medidas adotadas ao longo dos anos que permitiram um mercado mais competitivo, originando também ganhos de saúde para o consumidor final e ganhos económicos para o Estado.

BIBLIOGRAFIA BOQUINHAS, J.M. (2012). Políticas e Sistemas de Saúde. Coimbra: Almedina. INFARMED. (2013b). Prontuário terapêutico. Hormonas e medicamentos usados no tratamento de doenças endócrinas. Lisboa: INFARMED. Disponível em http://www.infarmed. pt/prontuario/framecapitulos.html (acedido em 16 de março de 2013). Ministério das Finanças. (2011). Orçamento do Estado para 2012 – Relatório. Disponível em http://www. igcp.pt/fotos/editor2/2012/Aprentacao_Investidores/Rel-2012.pdf (acedido em 10 de dezembro de 2012). Portal da Saúde. Comparticipação de medicamentos. Disponível em http://www.portaldasaude.pt/portal/conteudos/informacoes+uteis/ medicamentos/comparticipacaomedicamentos.htm (acedido em 23 de dezembro de 2012). Portal da Saúde. Legislação. Disponível

em

http://www.por-

taldasaude.pt/portal/conteúdos/ a+saude+em+portugal/legislacao/ legislacao.htm (acedido em 5 de janeiro de 2013).

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| QUALIDADE DE VIDA |

INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA

NO CONTEXTO DA REABILITAÇÃO FÍSICA Texto de João Galhordas [PSICÓLOGO_ CENTRO DE MEDICINA DE REABILITAÇÃO DE ALCOITÃO]

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Analisando as várias vertentes da intervenção psicológica na consulta de ambulatório de adultos do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, considera-se que a intervenção do psicólogo no contexto da reabilitação física pode contribuir para uma melhor qualidade de vida do doente.

A

s diversas situações de incapacidade com que trabalhamos na área da reabilitação estão relacionadas com aspetos psicológicos importantes. A reação psicológica a estas situações pode manifestar-se de duas formas que poderão estar associadas. Uma relacionada com o significado psicológico atribuído à incapacidade, outra com o impacte neuropsicológico que a incapacidade poderá provocar. Grande parte das situações de incapacidade implica uma vivência psicológica da perda que se poderá manifestar a vários níveis – pessoal, na autoestima, relacional e profissional. Este aspeto pode predispor a uma maior vulnerabilidade para a depressão, maior sentimento de impotência, menor autoestima, preocupação, ansiedade e desespero, maior impulsividade e revolta (Oliveira, R.A. 2001; Galhordas, J. & Lima, P. 2004). As alterações neuropsicológicas decorrentes de vários tipos de incapacidade, nomeadamente os acidentes vasculares cerebrais (AVC) e os traumatismos cranioencefálicos (TCE), que são

frequentes na consulta de ambulatório do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA), provocam alterações cognitivas, emocionais e comportamentais que poderão ser muito significativas, nomeadamente alterações na perceção, atenção, compreensão, memória, orientação, raciocínio, cálculo, alterações das funções executivas, maior apatia e desmotivação, maior impulsividade e desinibição (Ponsford, J. 1996; Oliveira, R.A. 2001). A reação psicológica à incapacidade é individual, dependendo do significado/impacte psicológico da perda de diversos fatores, como as caraterísticas de personalidade atuais e anteriores à lesão/acidente, a história pessoal, a localização cerebral da lesão, os aspetos familiares e os recursos sociais (Ponsford, J. 1996; Oliveira, R.A. 2001). Este impacte psicológico é também vivido pelos familiares e pessoas próximas (amigos e cuidadores), que reagem ao estado emocional e cognitivo do doente, bem como a todos os aspetos pessoais, sociais e profissionais que a situação implica. Uma das etapas mais delicadas

da adaptação psicológica à incapacidade é a fase da alta hospitalar, que levanta questões relacionadas com a readaptação à vida familiar, social e profissional e com a autonomia e qualidade de vida. Embora o CMRA seja diferente dos hospitais centrais – na medida em que as pessoas não entram em situações agudas e/ ou de emergência e se tenta ajudar a pessoa a reorganizar a sua vida, não só do ponto de vista físico, mas também social e profissional –, vários doentes que acompanhámos no internamento mostraram receio quando tomaram consciência de que iriam sair do ambiente hospitalar, muitas vezes sentido como protetor. Este confronto com a nova vida real tem, por vezes, desencadeado reações psicológicas de resistência, revolta e dificuldades de aceitação da alta, frequentes ainda durante o internamento. Provavelmente, o facto de as pessoas internadas poderem passar o fim de semana em casa permite um confronto gradual com as diversas dificuldades da nova vida e, nesse sentido, é uma estratégia mais adequada do que um confronto global e definitivo. 111

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| QUALIDADE DE VIDA |

GRANDE PARTE DAS SITUAÇÕES DE INCAPACIDADE IMPLICA UMA VIVÊNCIA PSICOLÓGICA DA PERDA QUE SE PODERÁ MANIFESTAR A VÁRIOS NÍVEIS – PESSOAL, NA AUTOESTIMA, RELACIONAL E PROFISSIONAL” A INTERVENÇÃO DO PSICÓLOGO Considerando o que atrás referimos, a intervenção do psicólogo pode constituir uma importante ajuda para a pessoa que está em tratamento ambulatório e que tenta reorganizar a sua vida fora do ambiente hospitalar. Nesta intervenção psicológica são fundamentais: > O estabelecimento da relação terapêutica. > A avaliação psicológica.

> A psicoterapia de apoio/ estimulação e de reabilitação cognitiva. > O acompanhamento prestado aos familiares e às pessoas próximas, amigos e cuidadores da pessoa com incapacidade. O estabelecimento da relação terapêutica é o aspeto mais importante da intervenção psicológica e essencial em todas estas etapas, incluindo o acompanhamento e orientação dada aos familiares e pessoas próximas.

Na relação terapêutica é essencial ter em consideração cada caso particular, com a sua história pessoal, e olhar para a pessoa (principalmente) e não só para o doente. É importante que exista disponibilidade para escutar, para sentir empatia e também para refletir na nossa contratransferência, isto é, na ressonância emocional, cognitiva e comportamental que a pessoa nos provoca (Laplanche, J. & Pontalis, B. 1979; Brown, D. & Pedder, J. 1997; Pedinielli, J.L. 1999). Este aspeto pode ser um guia importante para ajudarmos de forma mais vivida e genuína. A avaliação psicológica é realizada através de uma entrevista clínica e, se necessário, através da aplicação de testes/

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provas psicológicas que poderão permitir maior compreensão dos aspetos psicológicos. Nesta avaliação, deve-se sempre tentar compreender os aspetos emocionais, cognitivos e comportamentais que provocam maior sofrimento e/ou são mais desadaptativos e aqueles que poderão proporcionar maior bem-estar psicológico e/ ou maior adaptação. É sempre muito importante observarmos as capacidades que a pessoa possui. A compreensão destas caraterísticas psicológicas é muito importante. Poderá ajudar a definir, em conjunto com a pessoa, os objetivos da intervenção psicológica, as orientações que poderão ser dadas aos familiares e pessoas próximas, bem como as indicações para a equipa de reabilitação. A psicoterapia de apoio é uma intervenção psicológica aberta a todo o tipo de situações, independentemente das limitações da pessoa, e cuja duração é variável (pode ir de poucas semanas a vários anos) (Brown, D. & Peder, J. 1997; Leal, I. 2005). Com este tipo de psicoterapia pretende-se: > Ajudar, com a colaboração da pessoa, a restabelecer, dentro do possível, o equilíbrio psicológico, tentando reduzir os sintomas que provocam maior sofrimento psicológico e/ou maior desadaptação. Para este efeito, é extremamente importante utilizar a escuta ativa e ajudar a pessoa a aumentar a sua capacidade de tolerância à frustração.

VÁRIOS DOENTES QUE ACOMPANHÁMOS NO INTERNAMENTO MOSTRARAM RECEIO QUANDO TOMARAM CONSCIÊNCIA DE QUE IRIAM SAIR DO AMBIENTE HOSPITALAR, MUITAS VEZES SENTIDO COMO PROTETOR” > Reforçar as defesas psicológicas adaptativas, para que o indivíduo lide melhor consigo próprio, adaptando-se melhor à sua incapacidade e ao seu dia-a-dia. É importante ter em consideração: a) os mecanismos de defesa intrapsíquicos (Madison, P. 1961; Laplanche, J. & Pontalis, J.B. 1990; Galhordas, J. & Varela, M. 2011) que remetem para a forma como a pessoa lida com os seus sentimentos e pensamentos; b) as estratégias de coping (Glass, C.A. 1999), ou seja, o conjunto de cognições e comportamentos que permitem a cada indivíduo lidar melhor e de forma mais adequada com as suas dificuldades e incapacidades. > Facilitar a aquisição da maior autonomia possível, tendo em conta as limitações da pessoa. Autonomia emocional, para que a pessoa possa ter mais confiança em si própria e nos outros. Autonomia expressiva, permitindo-se a verbalização e a defesa de pontos de vista (é muito importante validarmos o que nos dizem, sem emitirmos juízos de valor). E autonomia comportamental, estimulando cada vez mais a independência funcional.

Durante este acompanhamento psicológico e tendo em conta as limitações e as capacidades cognitivas, poder-se-á sugerir que a pessoa realize atividades autónomas, como vestir-se, tratar da higiene pessoal, arrumar a casa, pôr a mesa, ir às compras. E que use estratégias e exercícios específicos que melhorem as suas capacidades ao nível da perceção, atenção, memória e cálculo. Nestes casos, é importante compreender a motivação que a pessoa tem para realizar determinadas atividades (se a pessoa gosta, torna-se mais fácil) e 113

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NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA É ESSENCIAL TER EM CONSIDERAÇÃO CADA CASO PARTICULAR, COM A SUA HISTÓRIA PESSOAL, E OLHAR PARA A PESSOA (PRINCIPALMENTE) E NÃO SÓ PARA O DOENTE”

ajudar a pessoa a consciencializar-se (Ponsford, J. 1996), chamando a atenção (ao doente e aos familiares/pessoas próximas) de que determinadas tarefas terão de ser realizadas de forma continuada e persistente, de modo a que tenham o efeito benéfico desejado. Por exemplo, registar a data e as atividades diárias a realizar, como forma de auxiliar quem tem um défice ao nível da memória. Com a população adulta, o acompanhamento aos familiares e pessoas próximas reveste-se de grande importância, especialmente nas seguintes situações:

> Depressões graves. > Psicoses e outras psicopatologias graves. > Comportamentos aditivos. > Situações de défice cognitivo significativo. > Existência de conflitos familiares significativos. > Adaptação da família/cuidadores à situação de incapacidade. Na consulta de ambulatório do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão tem sido frequente a intervenção conjunta com os familiares, especialmente no caso de pessoas com défice cognitivo significativo, que perderam importantes capacidades de autonomia e de gestão pessoal. Tem sido frequente também o apoio e orientação a familiares de pessoas com incapacidades físicas graves (ex.: lesões medulares) que se tornaram dependentes, perdendo grande parte da sua autonomia funcional e comportamental. Neste apoio e orientação aos familiares, o psicólogo deve considerar vários aspetos importantes da sua intervenção e que estão inter-relacionados (Sampaio, D. & Gameiro, J. 1985; Ponsford, J. 1996; Minuchin, S. & Fishman, H.C. 2004; Galhordas, J. & Lima, P. 2004):

> Manter os familiares/pessoas próximas informados das limitações e das capacidades da pessoa em tratamento. > Fortalecer a comunicação e a relação entre os familiares/ pessoas próximas, de forma a lidar e resolver situações difíceis e reforçar a relação familiar. > Orientar os familiares/pessoas próximas para a estimulação de comportamentos de autonomia e dos aspetos cognitivos. O psicólogo deverá ainda estar em constante interação com a equipa multidisciplinar de reabilitação e com o psiquiatra de ligação (muito importante nos casos de maior desequilíbrio emocional), assim como com outras instituições, por exemplo, centros ocupacionais e de reabilitação profissional, de forma a dar o seu contributo no processo global da pessoa que se encontra em tratamento. CONCLUSÃO O trabalho nas consultas de ambulatório tem sido bastante motivador, pois tem proporcionado o estabelecimento de uma boa relação terapêutica com as pessoas, o que, de certo modo, traduzirá a necessidade que estas têm em procurar ajuda. Além disso – aspeto muito importante –, este trabalho tem vindo a revelar uma capacidade de resiliência e de adaptação às incapacidades, que nos vai surpreendendo. Nalguns casos, nos seguimentos que são mais prolongados no tempo – quando a periodicidade das consultas vai variando –, o acompanhamento psicológico

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afigura-se como um espaço que permite a catarse emocional, lidar com as perdas, reforçar a autoestima e ajudar a manter as capacidades adaptativas. Noutros, pode ser dada uma orientação aos familiares e pessoas próximas. As pessoas têm apresentado situações de incapacidade diversificadas, havendo casos com maior ou menor défice cognitivo, consoante a lesão neurológica associada. Contudo, tem sido curioso verificar que as situações em que há maior sofrimento psicológico e mais caraterísticas depressivas não correspondem necessariamente a um nível elevado de incapacidade motora e/ou neurológica. Este facto demonstra que a história passada de desequilíbrio psicológico, o significado que a pessoa atribui à incapacidade e o nível de consciência da mesma se constituem como fatores importantes da reação psicológica. O trabalho com a equipa e o trabalho em rede com outras instituições parecem ser também uma importante ajuda para quem está em tratamento. Por fim, julgamos importante afirmar que a avaliação psicológica e a psicoterapia de apoio deverão constituir-se sempre como uma forma de alcançar maior autonomia e melhor qualidade de vida fora do ambiente hospitalar.

NALGUNS CASOS, NOS SEGUIMENTOS MAIS PROLONGADOS NO TEMPO, O ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO AFIGURA-SE COMO UM ESPAÇO QUE PERMITE A CATARSE EMOCIONAL, LIDAR COM AS PERDAS, REFORÇAR A AUTOESTIMA E AJUDAR A MANTER AS CAPACIDADES ADAPTATIVAS”

BIBLIOGRAFIA BROWN, D. e PEDDER, J. (1997). Princípios e Prática das Psicoterapias. Lisboa. Climepsi Editores. GALHORDAS, J.; LIMA, P.; OUAKININ, S. e SILVA, C. (2004). “Aspectos Psicológicos na Reabilitação”. Re(habilitar), 0, p. 35-48. GLASS, C.A. (1999). Spinal cord injury: Impact and coping. Leicester. The British Psychological Society Books. LEAL, I. (2005). Iniciação às Psicoterapias. Lisboa. Fim de Século. MADISON, P. (1961). Freud´s concept of repression and defense: Its theoretical and observational language. Minneapolis: University of Minnesota Press. MINUCHIN, S. e FISHMAN, H.C. (2004). Técnicas de Terapia Familiar. Artmed. Porto Alegre. OLIVEIRA, R.A. (2001). Psicologia Clínica e Reabilitação Física. Lisboa. Instituto Superior de Psicologia Aplicada. PEDINIELLI, J.L. (1999). Introdução à Psicologia Clínica. Lisboa: Climepsi. PONSFORD, J. (1996). Traumatic Brain Injury Rehabilitation for Everyday Adaptive Living. Psychology Press. SAMPAIO, D. e GAMEIRO, J. (1985). Terapia Familiar. Edições Afrontamento. Porto. 2013. WHO (2012) Dementia – a public health priority, World Health Organization, Alzheimer Disease International, http://whqlibdoc.who.int/publications/2012/9789241564458_eng.pdf, (acedido em setembro de 2013).

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RISCOS PSICOSSOCIAIS NO TRABALHO Texto de António Duarte Amaro [DIRETOR_ ESCOLA SUPERIOR DE SAÚDE DO ALCOITÃO]

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A vida profissional na Europa está a mudar a um ritmo cada vez mais acelerado. Daí ser necessário monitorizar e melhorar constantemente os ambientes de trabalho a nível psicossocial a fim de criar empregos de qualidade e assegurar o bem-estar dos trabalhadores. 1. INTRODUÇÃO os últimos anos, os efeitos da crise americana de 2007/08 que rapidamente se espalhou pelo resto do mundo, mas também as consequências da atual crise da dívida periférica na Europa, deram origem a profundas transformações no mundo da economia e do trabalho e à emergência de novos riscos, que implicam novos desafios em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores. Vivemos tempos muito difíceis e as manchetes dos jornais assim o atestam: ”crise na economia”, “crise que ataca o coração das empresas”, “crise que afeta o bem-estar das famílias”, “crise que afeta a saúde dos trabalhadores e gera doenças” (Frasquilho e Guerreiro, 2012). Acrescem ainda notórias inovações tecnológicas e mudanças sociais e organizacionais, mormente na organização do trabalho que geram insegurança e instabilidade nas pessoas. Com efeito, a vida profissional na Europa está a mudar a um ritmo cada vez mais acelerado. A insegurança no mundo do trabalho, a necessidade de ter vários empregos e a intensificação dos ritmos de trabalho podem gerar stress profissional e colocar

N

em risco a saúde dos trabalhadores. Daí ser necessário monitorizar e melhorar constantemente os ambientes de trabalho a nível psicossocial a fim de criar empregos de qualidade e assegurar o bem-estar dos trabalhadores (Jakka Takala, diretor da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, 2010). Por outro lado, porque a vida humana é um todo integrado, em torno da crise não há domínios imunes na sociedade humana, desde as finanças, economia, saúde, segurança no emprego e no trabalho, família, lazer, estilos e condições de vida, tudo parece trespassado por fatores relacionados com a crise, que afeta todas as esferas da nossa vida e da cidadania. Neste quadro, a compreensão da relação entre crise e riscos psicossociais implica análises mais aprofundadas e de natureza sistémica, sendo certo, como assevera Who (2011), que as crises económicas são tempos de enorme risco para a saúde mental das populações. Tal significa que a crise económica – e também as mudanças tecnológicas incessantes – influencia os locais de trabalho, as práticas de trabalho e os processos produtivos. Estes fatores geram assim novos desafios 117

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A INSEGURANÇA NO MUNDO DO TRABALHO, A NECESSIDADE DE TER VÁRIOS EMPREGOS E A INTENSIFICAÇÃO DOS RITMOS DE TRABALHO PODEM GERAR STRESS PROFISSIONAL E COLOCAR EM RISCO A SAÚDE DOS TRABALHADORES” para as organizações e decisores políticos, implicando novas abordagens que assegurem níveis elevados de segurança e saúde no trabalho, mormente quanto à saúde mental dos trabalhadores. Calcula-se que a depressão será, no ano 2020, a doença de topo do mundo desenvolvido, ultrapassando a mortalidade por acidentes de viação, homicídio ou sida (http://osha.europa.eu). Entre nós, na atual conjuntura, os impactes da crise económica sobre as empresas – especialmente sobre as micro, pequenas e médias empresas, que constituem a esmagadora maioria do nosso tecido empresarial – repercutem-se na diminuição drástica de custos para garantir a sobrevivência, descurando ainda mais o investimento na saúde e segurança no trabalho. Se à crise financeira e ao contexto socioeconómico e empresarial de acrescidas precariedades laborais acrescentarmos as “políticas e dinâmicas agressi-

FIGURA 1 Fonte: Adaptado de OIT, 2009

CRISE

vas da austeridade” que ferem parte significativa do já frágil Estado social, acentuando assimetrias e desigualdades gritantes, então temos o “caldo” ideal para a potenciação dos riscos psicossociais e da saúde mental (figura 1). Por outras palavras, a crise conduz necessariamente a um aumento da vulnerabilidade laboral. Da resolução positiva ou negativa do desfecho da crise podem resultar riscos na sanidade mental dos trabalhadores, mormente “quando os recursos externos sociais estão diminuídos, quando as condições de segurança e interajuda das comunidades estão frágeis, quando as políticas são ineficazes” (Frasquilho e Guerreiro, 2012:22). Em suma, a nível laboral, a centralidade do evitamento dos riscos psicossociais está nas condições de trabalho e na sua organização mais ou menos salutares, sabendo-se que, conforme bem assinalam Frasquilho e Guerreiro (2012), não ter traba-

MUDANÇAS ORGANIZACIONAIS

lho por não o conseguir – desemprego – é o maior fator de agravamento da saúde mental. Retornando ao conceito de crise, vale a pena referenciar que a mesma também pode configurar-se como oportunidade e ocasião de desenvolvimento conforme assinala Einstein: “Não pretendemos que as coisas mudem, se sempre fazemos o mesmo. A crise é a melhor bênção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise supera-se a si mesmo sem ficar ‘superado’. Quem atribui à crise os seus fracassos e penúrias, violenta o seu próprio talento e respeita mais os problemas do que as soluções. A verdadeira crise é a crise da incompetência. O inconveniente das pessoas e dos países é a esperança de encontrar saídas e soluções fáceis. Sem crise não há desafios,

CONCESSÕES NAS MEDIDAS DE SST

AUMENTO: • ACIDENTES DE TRABALHO • DOENÇAS PROFISSIONAIS • MORTES RELACIONADAS COM O TRABALHO • PROBLEMAS DE SAÚDE MENTAL

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| SAÚDE |

4,38% 4,19%

são frequentemente resultantes não só de transformações técnicas ou organizacionais, mas também de transformações socioeconómicas, demográficas e políticas, incluindo o atual fenómeno da globalização. Os dez principais fatores de risco psicossociais atrás identificados pelos peritos (figura 2) podem agrupar-se nos termos da Facts n.º 74/2007, nas cinco áreas seguintes: A) NOVAS FORMAS DE CONTRATOS DE TRABALHO E INSEGURANÇA NO EMPREGO A utilização de contratos de trabalho precários, associada à tendência para a externalização (entregar trabalho a organizações externas), pode afetar a segurança e a saúde dos trabalhadores. Por outro lado, os trabalhadores com contratos precários tendem a efetuar os trabalhos mais perigosos, trabalham em piores con-

4,06% 4,00%

4,00%

Difícil conciliação entre vida profissional e vida privada

4,07%

Exigências emocionais elevadas no trabalho

Horários de trabalho longos

Mão-de-obra em envelhecimento

Sentimento de insegurança no emprego

Novas formas de contratos de trabalho

4,13%

Faca produção e externalização

4,25%

Intensificação do trabalho

4,25%

Maior vulnerabilidade dos trabalhadores no contexto da globalização

2. FATORES DE RISCO PSICOSSOCIAIS A vida dos trabalhadores europeus está a mudar a um ritmo cada vez mais acelerado e é cada vez maior o número de pessoas que sofrem de stress. Em 2020, o stress será, previsivelmente, a principal causa de incapacidade global (OIT, 2007). Por outro lado, a violência e a intimidação no local de trabalho suscitam cada vez mais preocupações. Embora afete todas as profissões e setores de atividade, é mais comum nos setores da saúde e dos serviços, podendo levar à perda da autoestima, ansiedade, depressão e até mesmo ao suicídio. A Agência Europeia (2007), através do Observatório Europeu dos Riscos, realizou um inquérito e um estudo literário sobre riscos psicossociais, para ajudar a “antecipar o conhecimento dos riscos novos e emergentes”. No respetivo relatório, elencou os dez fatores de risco mais importantes identificados nos inquéritos (figura 2), por ordem descendente. Por outro lado, o inquérito e os estudos de bibliografia revelaram que os riscos psicossociais

4,56%

Contratos precários no contexto de um mercado de trabalho instável

sem desafios a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. É na crise que se aflora o melhor de cada um. Falar de crise é promovê-la e calar-se sobre ela é exaltar o conformismo. Em vez disso, trabalhemos duro. Acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de não querer lutar para a superar.” (Albert Einstein, cit. Frasquilho e Guerreiro, 2012:24)

dições e recebem menos formação em matéria de segurança e saúde no trabalho. Trabalhar em mercados instáveis pode suscitar sentimentos de insegurança no emprego e aumentar o stress profissional.

FIGURA 2 Fatores de risco psicossociais Fonte: Elaboração própria a partir de Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, n.º 74/2007

B) A MÃO-DE-OBRA EM ENVELHECIMENTO É sabido que uma consequência do envelhecimento da população e do aumento da idade da reforma é a população ativa da Europa estar mais velha. Os peritos que participaram na previsão afirmam que os trabalhadores idosos são mais vulneráveis aos perigos resultantes das más condições de trabalho do que os trabalhadores mais jovens. A indisponibilidade de oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para os trabalhadores mais velhos também aumenta as exigências mentais e emocionais que lhes são impostas. 119

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Esta situação pode afetar a sua saúde e aumentar a probabilidade de ocorrerem acidentes de trabalho. C) INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO Muitos trabalhadores lidam com quantidades de informação cada vez maiores e têm de fazer face a maiores volumes de trabalho, bem como a uma maior pressão no emprego. Alguns deles, em especial os que trabalham em novas formas de emprego ou em domínios muito competitivos, tendem a sentir-se menos seguros. Por exemplo, podem ter receio de que a sua eficácia ou produção sejam avaliadas de forma mais rigorosa e, por isso, tendem a trabalhar mais tempo para concluir as tarefas. Por vezes, podem ser compensados pela sobrecar-

especial nos setores da saúde e dos serviços em crescimento e cada vez mais competitivos. A intimidação no local de trabalho é identificada pelos peritos como um fator que contribui para o aumento das exigências emocionais impostas aos trabalhadores de todas as profissões e setores. Tanto para as vítimas como para as pessoas que as presenciam, a violência e a intimidação psicológica ou física são causadoras de stress e podem afetar gravemente a saúde mental. E) DIFÍCIL CONCILIAÇÃO ENTRE A VIDA PROFISSIONAL E A VIDA PRIVADA Os problemas profissionais podem repercutir-se na vida privada das pessoas. O trabalho incerto e ocasional, os grandes

emerging psychosocial risks related to occupational safety and health está disponível no endereço: https://osha.europa.eu/en/publications/reports/6805478). 3. GESTÃO E AVALIAÇÃO DE RISCOS – A CHAVE PARA LOCAIS DE TRABALHO SEGUROS E SAUDÁVEIS Segundo a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (Facts n.º 81/2008), a cada poucos minutos morre uma pessoa na União Europeia por causas relacionadas com o trabalho. Acresce que, todos os anos, centenas de milhares de trabalhadores se lesionam no trabalho, outros entram de baixa por motivos de stress, sobrecarga de trabalho, lesões musculoesqueléticas ou outras doenças relacionadas com o trabalho. Para além do custo

>

MUITOS TRABALHADORES LIDAM COM QUANTIDADES DE INFORMAÇÃO CADA VEZ MAIORES E TÊM DE FAZER FACE A MAIORES VOLUMES DE TRABALHO, BEM COMO A UMA MAIOR PRESSÃO NO EMPREGO ga de trabalho, ou não receberem o apoio social necessário para a levarem a cabo. Um maior volume de trabalho e o aumento das exigências impostas a um menor número de trabalhadores podem levar a um aumento do stress profissional e afetar a segurança e a saúde dos trabalhadores. D) EXIGÊNCIAS EMOCIONAIS ELEVADAS NO TRABALHO Esta questão não é nova, mas suscita grande preocupação, em

volumes de trabalho e os horários de trabalho variáveis e imprevisíveis, sobretudo quando o trabalhador não tem qualquer possibilidade de os ajustar às suas necessidades pessoais, podem originar um conflito entre as exigências profissionais e a vida privada. O resultado é uma difícil conciliação entre a vida profissional e a vida privada, que afeta negativamente o bem-estar do trabalhador (o relatório completo, intitulado Expert Forecast on

humano que têm para os trabalhadores e para as suas famílias, os acidentes e as doenças consomem igualmente os recursos dos sistemas de saúde e afetam a produtividade da empresa, calculando-se entre 50% e 60% os dias de trabalho perdidos relacionados com os riscos psicossociais (https://osha.europa.eu/pt). Neste contexto, a avaliação de riscos – a análise sistemática de todos os aspetos do trabalho – constitui a base de uma gestão

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| SAÚDE |

SEGUNDO A AGÊNCIA EUROPEIA PARA A SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO, A CADA POUCOS MINUTOS MORRE UMA PESSOA NA UNIÃO EUROPEIA POR CAUSAS RELACIONADAS COM O TRABALHO eficaz da segurança e da saúde e é fundamental para reduzir os acidentes de trabalho e as doenças profissionais. Se for bem realizada, esta avaliação pode melhorar a segurança e a saúde, bem como, de modo geral, o desempenho das empresas. Assim, nos termos da Diretiva Quadro n.º 89/391/CEE, de 12 de junho, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho, alterada pela Diretiva n.º 2007/30/CE, do Conselho, de 20 de junho, ambas transpostas para a ordem interna e vertidas na Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, que aprovou o Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho, a entidade patronal tem o dever de assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspetos relacionados com o trabalho, destacando o papel crucial desempenhado pela avaliação de riscos, e estabelece disposições de base a observar pela entidade patronal. 3.1. Processo de avaliação de riscos Seguindo a Facts n.º 81/2008, em primeiro lugar, deve ser feita a “identificação e análise dos perigos e pessoas em risco”, sendo importante que fique claro, relativamente a cada perigo, quais as pessoas que poderão ser afeta-

das. Deste modo, será mais fácil identificar a melhor forma de gerir o risco. Por outro lado, deve ser prestada especial atenção às questões de género e a grupos de trabalhadores que podem correr riscos acrescidos ou ter requisitos específicos, como sejam, entre outros: • Trabalhadores com deficiência • Trabalhadores migrantes • Trabalhadores jovens e idosos • Mulheres grávidas e lactantes • Pessoal inexperiente ou sem formação • Trabalhadores da manutenção • Trabalhadores imunocomprometidos • Trabalhadores com problemas de saúde, como bronquite • Trabalhadores sob medicação susceptível de aumentar a sua vulnerabilidade ao dano. Na segunda etapa, deve proceder-se à “avaliação, estimativa e priorização dos riscos”, ou seja: • A probabilidade de um perigo ocasionar dano • A gravidade provável do dano • A frequência da exposição dos trabalhadores (e o número de trabalhadores expostos) A terceira etapa consiste na “decisão sobre as medidas preventivas”, ou seja, de que forma se pode eliminar ou controlar os riscos, isto é, se é possível eliminar o risco e, não sendo possível,

de que forma pode controlar-se, de modo a não comprometer a segurança e saúde das pessoas expostas, tendo em conta os princípios gerais de prevenção: • Evitar os riscos • Substituir o que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso • Combater os riscos na origem • Conferir às medidas de proteção coletiva prioridade em relação às medidas de proteção individual • Adaptar-se ao progresso técnico e às mudanças na informação • Procurar o melhor nível de proteção. A quarta etapa consiste na “adoção de medidas de prevenção” e de proteção, envolvendo os trabalhadores e os seus representantes no processo, devendo especificar-se: • As medidas a aplicar • Quem faz o quê, como e quando • Quando deve estar concluída a aplicação. Nesta etapa do processo é essencial definir prioridades para os trabalhos que são destinados a eliminar ou prevenir riscos. A quinta e última etapa (figura 3) alude ao “acompanhamento/ monitorização e revisão”, o que implica controlos regulares destinados não só a verificar a aplicação efetiva ou a eficácia das me121

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FIGURA 3 Etapas da gestão do risco Fonte: Adaptado de Macedo (2010:20)

IDENTIFICAÇÃO DO RISCO E DOS TRABALHADORES EXPOSTOS ANÁLISE DO RISCO (ESTIMATIVA E VALORIZAÇÃO) AVALIAÇÃO DO RISCO

TRATAMENTO DO RISCO

didas de prevenção e proteção, mas também a identificação de novos problemas, sendo que: • A avaliação de riscos deve ser revista regularmente, em função da natureza dos riscos e do grau provável de mudança na atividade laboral, ou na sequência das conclusões da investigação de um acidente ou de incidentes. • A avaliação de riscos não é uma atividade que se possa realizar “de uma vez por todas”. Este aspeto é particularmente verdade quanto aos riscos psicossociais, cuja natureza e idiossincrasia dificultam não só a sua identificação mas também a análise, avaliação e gestão, dada a sua acentuada intangibilidade (http://osha.europe.eu/topics/risksessement). CONCLUSÃO A realização pessoal e profissional encontra na qualidade de vida do trabalho, particularmente na que é favorecida pelas condições de segurança, higiene e saúde, uma matriz fundamental para o seu desenvolvimento. Nesta perspetiva, deverá ser compreendido o relevo parti-

MONITORIZAÇÃO E REVISÃO

COMUNICAÇÃO E CONSULTA

| SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO |

cularmente significativo que o ordenamento jurídico-constitucional português reservou em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, transferindo para o direito interno não só as diferentes diretivas-quadro da Comissão Europeia, mas também as convenções e recomendações, quer da Organização Internacional do Trabalho quer da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho. É, aliás, na esteira do lugar cimeiro que estas matérias adquiriram no fórum mundial das questões do trabalho e da saúde que, em 10 de setembro de 2009, o Estado português aprova, através da Lei n.º 102/2009, o já referenciado Regime Jurídico de Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho. Mas como aplicar a lei em contexto de profunda crise económica e financeira, que tende a provocar profundas mudanças organizacionais e diminuição de custos em segurança e saúde no trabalho, aumentando os acidentes e as doenças de foro mental? Efetivamente, nos últimos anos têm surgido riscos novos e emergentes (mormente os

riscos psicossociais), que têm na sua origem inovações tecnológicas e mudanças sociais ou organizacionais, tais como: as novas tecnologias, os novos processos de produção, as novas condições de trabalho com cargas muito elevadas, a intensificação de tarefas, os empregos na economia informal, as novas formas de contratação como, por exemplo, o trabalho independente, os contratos temporários, as subcontratações ou as más condições associadas à migração. A gestão destes riscos, tal como é preconizado na legislação nacional e comunitária, é da responsabilidade da entidade empregadora, cabendo-lhe a especial responsabilidade de gestão preventiva destes riscos, que não são riscos menores. Por outro lado, o processo de gestão preventiva dos riscos psicossociais deve incorporar a identificação dos perigos subjacentes; a avaliação dos procedimentos e práticas existentes; o desenvolvimento, a implementação e avaliação de um plano de ação. Por outras palavras, o sucesso da gestão dos riscos psicossociais depende da sua integração no sistema global de gestão da empresa e do envolvimento ativo dos trabalhadores, tendo presente um plano de ação que tenha em conta os seguintes “ingredientes”: 1. Uma correta avaliação do risco psicossocial de base; 2. Planeamento e intervenção faseada; 3. Medidas que consagrem quer o trabalhador quer a organização do trabalho;

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| SAÚDE |

FACE AO PERMANENTE TURBILHÃO EM QUE A VIDA DE GRANDE PARTE DAS PESSOAS EM IDADE ATIVA SE TRANSFORMOU, IMPÕE-SE QUE OS SINTOMAS INDICIADORES DAS ATITUDES DEPRESSIVAS SEJAM TIDOS EM DEVIDA CONTA NOS PROCESSOS DE AVALIAÇÃO DE RISCOS PSICOSSOCIAIS 4. Soluções específicas para o contexto; 5. Prática do diálogo social; 6. Envolvimento do topo da hierarquia (OSHA-EU2002). Resumindo, face ao permanente turbilhão em que a vida de grande parte das pessoas em idade ativa se transformou, impõe-se que os sintomas indiciadores das atitudes depressivas sejam tidos em devida conta nos processos de avaliação de riscos psicossociais que, para além de uma atividade técnica, é também uma atividade de gestão enquanto epicentro da prevenção dos riscos na empresa. Há, pois, um longo caminho a percorrer neste campo, sobretudo no tecido empresarial português, ao nível das pequenas e médias empresas. Muito provavelmente, esse percurso passará, antes de mais, pela informação e divulgação de casos e, sobretudo, das consequências médicas, sociais e familiares, de molde a que os empregadores percebam que “boa segurança e saúde no trabalho é um bom negócio” e que a participação dos trabalhadores tem um impacte muito positivo neste campo (Eusébio Gonzalez, Observatório Europeu de Riscos, 2010). Finalmente, nunca esquecer que não há lugares ou situações 100% seguras, mas há atitudes,

práticas, hábitos e comportamentos seguros. Pensar prevenção é prevenir, e prevenir é proteger pessoas, porque sem pessoas não há riscos, tendo-se presente que o acidente de trabalho tem custos indiretos que são sempre muito superiores aos custos diretos. Assim, a consciência da gestão de ris-

cos, mormente dos riscos psicossociais, não pode ser uma preocupação passageira, uma moda técnica ou administrativa mas, pelo contrário, deve levar à redefinição da organização, e até mesmo tornar-se o eixo integrador do sistema complexo e interdependente que é a empresa.

BIBLIOGRAFIA AGÊNCIA EUROPEIA PARA A SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO, Facts n.os 6/2005, 79/2007 e 81/2008. Bélgica. AMARO, António – “Consciência e Cultura do Risco nas Organizações”. Revista Territorium. Coimbra: 2005. N.º 10, pp 5-9. CORREIA, Maria Manuela – “Top Ten dos Riscos Psicossociais”. Revista Segurança (Suplemento especial). N.º 195, março/abril de 2010. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 2003. FRASQUILHO, Maria; GUERREIRO, Diana – “Dossier Trabalho Mental”. Revista Segurança. N.º 206, 2012, pp. 20-24. Norma Portuguesa 4397. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) – “Les facteurs psichosociaux au travail. Nature, incidences, prevention”. Relatório do BIT (Bureau International du Travail). Genebra: 1996. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) – Locais de Trabalho Seguros e Saudáveis. Relatório do BIT (Bureau International du Travail). Genebra: 2007, 22 p. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (PMS), 1981. Segurança. Revista Segurança (Suplemento especial). N.º 110, maio/junho de 2009. Seminário ESENER – Riscos Psicossociais numa luta por travar. Revista Segurança (Suplemento especial). N.º 198, setembro/outubro de 2010. CONSULTAS ELETRÓNICAS http://ec.europa.eu/comission http://epp.eurostat.ec.europa.eu www.europarl.europa.eu http://osha.europa.eu http://hw.osha.europa.eu www.pordata.pt www.dgs.pt http://censos.ine.pt

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| IRMANDADE DA MISERICÓRDIA E DE SÃO ROQUE DE LISBOA |

DIREITOS E DEVERES HUMANOS

E PAZ * SOCIAL Texto de Adriano Moreira

[PRESIDENTE DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA_CONSELHO GERAL DA UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA]

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As questões dos direitos e deveres humanos e da paz social só podem ser avaliadas tendo presente a pluralidade de conceções do mundo e da vida existentes. Ter – e divulgar e fortalecer – a convicção de que possuímos um paradigma comum de convergência dos modelos políticos europeus já seria um passo importante para deter o relativismo dominante no espaço ocidental.

A

questão dos direitos e deveres humanos e a paz mundial pode, como aconselhou Amartya Sen, ser considerada sob dois pontos de vista: o das instituições jurídicas ou o de referência à justiça, na perspetiva da sua expressão real na vida das pessoas e suas liberdades, entendidas estas em sentidos múltiplos. Naturalmente, os juristas são orientados no sentido de avaliar as instituições, muito frequentemente atendendo à racionalidade do seu posicionamento. Mas as circunstâncias do mundo em que estamos a viver implicam que os dois pontos de vista se cruzem e que o debate sobre o predomínio ou precedência de cada um deles seja objeto de ativa controvérsia, designadamente no campo específico da política, também institucionalizada, ou no plano da paz social, desafia-

da e violada, sempre – com severas mas raras exceções anárquicas – em nome de uma conceção de direitos e deveres desafiantes das instituições. Isto significa que estas questões dos direitos e deveres e paz social não parecem fáceis de avaliar sem ter presente a pluralidade de conceções do mundo e da vida. Conceções que dividem as áreas culturais, que confrontam os povos politicamente diferenciados, que inimizam as etnias diferentes, que levam aos confrontos armados, típicos e atípicos, tornando complexa uma polemologia que infelizmente se renova aceleradamente no milénio em que nos encontramos. Estas pequenas notas destinam-se a tornar clara aquela que julgamos ser a mais inquietante das componentes da circunstância em que nos encontramos, e que se tornou talvez a mais identificadora de uma problemática que se foi definindo sobre os destroços das duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945), de cinquenta anos de Guerra Fria e, finalmente, de uma crise financeira e económica mundial declarada na entrada do terceiro milénio. A referida componente tem expressão nesta perplexidade geral: existe qualquer possibilidade de formular um paradigma mundial que reorganize institucionalmente os direitos e deveres humanos, como busca infatigavelmente Kung, ou vamos assistir ao juízo de Deus, que é a guerra, neste caso plural e multifacetada, em busca do triunfo ou, mais provavelmente, do desastre global? A última hipótese aparece já formulada expressamente por William Ospina, num livro intitulado Es Tarde para el Hombre (2008), onde a última oportunidade oferecida é o apelo à transcendência. Diz assim: “Perante esta nuvem letal que avança sobre o mundo, cheio de saber, de poder, de tecnologia, de produtos, de publicidade, de espetáculos que mobilizam o homem, e de arsenais atómicos incompreensíveis, perante este faustoso e admirável poder que nega o sagrado e saqueia a natureza e tudo profana, só nos resta um poder a opor, o último asilo da esperança: o poder do divino que guarda, em forma de sonhos e terrores, de amizade e de amor, de arte e de memória, de perplexidade e de gratidão, no coração dos seres humanos, essa força que nun125

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EXISTE QUALQUER POSSIBILIDADE DE FORMULAR UM PARADIGMA MUNDIAL QUE REORGANIZE INSTITUCIONALMENTE OS DIREITOS E DEVERES HUMANOS, COMO BUSCA INFATIGAVELMENTE KUNG, OU VAMOS ASSISTIR AO JUÍZO DE DEUS, QUE É A GUERRA, NESTE CASO PLURAL E MULTIFACETADA, EM BUSCA DO TRIUNFO OU, MAIS PROVAVELMENTE, DO DESASTRE GLOBAL?” ca aparece na estatística, que por isso não parece existir nem conta em face dos evidentes poderes do caos, mas é o que constrói as nações, inventou as línguas, organizou os ofícios e sonhou erguer ao redor, sob as significativas estrelas, o único verdadeiramente dique que brotou alguma vez dos nossos lábios e das nossas mãos, o canto respeitoso da gratidão e da esperança.” Este texto, simultaneamente amargo e esperançoso, encaminha-nos com prioridade para a consideração da conceção do mundo e da vida que precede toda a construção jurídica. Talvez nos ajude a compreender porque é que a situação atual pode ser descrita pela voz escutada de Vandana Shiva, apontando uma resposta naquilo que chama Democracia da Terra (Manifesto para uma democracia da Terra. Justiça, sustentabilidade e paz, 2005). A Democracia da Terra baseia-se numa série de princípios virados para a inclusão e não na soberania, na reclamação dos “campos comunais” de toda a espécie e no uso não partilhado dos recursos da terra. A QUEDA DO IMPÉRIO EUROMUNDISTA Sugerimos que o ponto de partida para esta situação caótica – que é o reverso inspirador do referido Manifesto –, para esta espécie de The Logic

of Anarchy que chamou à meditação Barry Buzan, Charles Jones e Richard Litte, encontra-se pura e simplesmente na queda do império euromundista. Trata-se de uma tentativa de ultrapassar o neorrealismo que dominou o fim da Guerra Fria e procurou construir uma teoria lógica da nova realidade internacional. Independentemente da análise da tentativa, procurarei tornar claro que a visão da nova realidade tem a dificuldade histórica da conceção do mundo dos poderes políticos e de a sua função nesse mundo durar mais tempo do que a realidade. Para tornar claro o ponto, recordarei que, não obstante o fim do império euromundista, a França e a Inglaterra continuam a ter o poder de veto no Conselho de Segurança e que, no regionalismo – movimento em que se inscreve a União Europeia –, a Alemanha e a França não deixaram de mostrar supor que lhes pertence um poder diretivo na União Europeia, pondo em menoridade os órgãos institucionais, mal equacionados no Tratado de Lisboa. Ora, uma das razões para a anarquia mundial é que a Ordem proposta na Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) e na Declaração Universal dos Direitos do Homem foi corolário de uma conceção do mundo e da vida, em grande parte liderada pelo casal Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), que tinha a herança da Virginia Declaration of Rights (1776) e da Declaração da Revolução Francesa (1789), a inspiração do pensamento de Hobbs, Lock ou Kant sobre os direitos naturais, a intervenção menos lembrada de teólogo-juristas como Francisco Suarez, Bartolomeu de Las Casas, Luís de Molina, que acompanharam a expansão ocidental. Em suma, uma conceção do mundo e da vida tida por superior, desde Vasco da Gama até à descolonização do fim da Segunda Guerra Mundial, levou os europeus imperiais a tratar os outros povos como: o resto do mundo. O tempo e alguns desastres como o esmagamento da França na Indochina, a retirada dos EUA do Vietname, o desastre da Argélia ou o sacrifício da guerra colonial portuguesa, não chegaram para fazer compreender aos ocidentais que as outras áreas culturais do mundo falavam com voz própria na vida internacional e tinham

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leituras diferenciadas das narrativas dos factos e do conteúdo das doutrinas elaboradas e proclamadas pelos ocidentais. Quando, em 2009, no seu famoso livro The Idea of Justice (Penguin Books), Amartya Sen, prémio Nobel da Economia em 1998, escreveu que “um dos traços pouco habituais – alguns provavelmente dirão excêntrico – deste livro, quando comparado com outros escritos dedicados à justiça, é o amplo uso que fez de ideias reunidas de sociedades não ocidentais, especialmente da história intelectual indiana, mas também das outras”, Amartya Sen fez um notável esforço para equacionar a igual dignidade das culturas. Quando o galardoado com o Nobel da Economia em 1998 escreveu estas palavras, já Francis Fukuyama (The End of History and the Last Man, 1992), um assimilado ao orgulho ocidental, avisava que na luta entre a lógica da ciência e a lógica da história animava o que seria o unilateralismo americano, a suspensão do conflito direita-esquerda pela democracia capitalista liberal, enquanto o seu, julgo que mestre, Huntington morreria inquieto sobre o conflito das civilizações e o destino da própria sociedade civil multicultural americana (Who Are We?, 2005). O CONFLITO DAS CIVILIZAÇÕES É o último tema que torna improvável encontrar respostas à temática dos direitos e deveres humanos e da paz social. Temos uma Declaração Universal dos Direitos Humanos – em Portugal recolhida pelo Diário da República, I Série, de 9 de maio de 1978 –, repensada pelo Tratado de Helsínquia de 1975, sem nunca ficar esclarecido, até à queda do Muro de Berlim, se na Constituição Soviética (1977) tais direitos significavam liberdades no sentido original do texto da Carta ou, em parte, significavam deveres que exigem contribuição estranha, designadamente do Estado, por exemplo, o direito ao trabalho. Mas o tema do conflito das civilizações rodeou a leitura de mais interrogações difíceis, como se aceitando a sustentação e a própria doutrina dos direitos naturais, que ainda discutem que existem. Mas qual será a reta enumeração, como se distinguem de direitos locais, ou como se decide o eventual

NÃO OBSTANTE O FIM DO IMPÉRIO EUROMUNDISTA, A FRANÇA E A INGLATERRA CONTINUAM A TER O PODER DE VETO NO CONSELHO DE SEGURANÇA E, NO REGIONALISMO, A ALEMANHA E A FRANÇA NÃO DEIXARAM DE MOSTRAR SUPOR QUE LHES PERTENCE UM PODER DIRETIVO NA UNIÃO EUROPEIA” 127

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UMA CONCEÇÃO DO MUNDO E DA VIDA TIDA POR SUPERIOR, DESDE VASCO DA GAMA ATÉ À DESCOLONIZAÇÃO DO FIM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, LEVOU OS EUROPEUS IMPERIAIS A TRATAR OS OUTROS POVOS COMO: O RESTO DO MUNDO”

conflito com direitos regionais ou até convencionais dos novos povos chegados ao livre debate mundial? Este conflito entre as áreas culturais, que é sobretudo posto em evidência pela emergência do poder e presença muçulmana, enfrenta um núcleo irrenunciável dos antigos dominadores ocidentais, que compreende, designadamente, o direito de acesso ao devido processo judicial e a independência do julgador. Mas, na própria tradição ocidental temos severas lembranças da limitação dos direitos humanos fundamentais. Basta lembrar que, se a Declaração americana afirmava que todos os seres humanos nascem iguais e com igual direito à felicidade, todavia, o mesmo texto excluía as mulheres, os índios, os escravos ou os trabalhadores, numa teoria longa de exclusões que ilustrou muitos combatentes e mártires dentro do próprio país. Nesta data, o tema do cordão muçulmano, que vai de Gibraltar à Indonésia, e explodiu no Mediterrâneo, torna problemática a questão de saber se e como a leitura ocidental vai conseguir coincidir pacificamente com a crença que desencadeou um turbilhão no Mediterrâneo, que ajudou a deslocar a fronteira da pobreza do Sul do Sara para o Norte desse mar que parece estar a transformar-se num cemitério. O conjunto de revoltas populares que abalam o mundo muçulmano – sem a cooperação do qual não serão possíveis nem o projeto euro-africano, nem a paz geral –, não tem impedido que a tese de Fukuyama, tão contrariada desde o seu aparecimento numa data de explosão da crença americana de que lhe estava destinada a liderança mundial, tenha encontrado defensores de que, afinal, o profeta tinha razão. Esta consagração encontrou expressão, por exemplo, numa entrevista de Yadh Ben Achour (2011), um constitucionalista tunisino agora chamado a constitucionalizar o novo regime do seu país. Entre outras firmes convicções, Yadh Ben Achour afirmou o seguinte: “ A democracia não é nem ocidental, nem oriental, nem asiática, nem africana. Ela está na constituição psíquica de todo o ser humano. A democracia é a humanidade.”

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PARADIGMA COMUM DE CONVERGÊNCIA De facto, trata-se de retomar a proclamação da Carta da ONU e da Declaração Universal de Direitos Humanos, mas não se trata da realidade mundial que os relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) procuram retratar anualmente. Não se trata também do vazio de recursos dos Objectivos do Milénio, nem da privatização da guerra e do preço que é pago pela mutilação ou pela morte anual de milhares de crianças, nem da fome que fere ainda maior número, nem sequer dos múltiplos conceitos de democracia e dos diferentes sentidos de maioria: maioria de interesses, maioria de votos, interesses maiores. São estas diversidades que se abrigam sob o mesmo texto da Carta da ONU, que reúne 194 Estados, divididos pelas leituras diferenciadas e pelas práticas incompatíveis, com membros proeminentes a nem sequer ratificarem as convenções sobre os direitos das crianças, nem o estatuto do Tribunal Penal Internacional. Para fim da história, no sentido de Fukuyama, falta um longo trajeto. Já o conflito das civilizações, que inquietou o seu mestre Huntington – mesmo no que respeita à estrutura da sociedade civil americana (Who Are We?) e levou a organizar uma ativa intervenção da ONU –, não anuncia um ponto final próximo. Parece fora de propósito acrescentar, em abono da visão esperançosa do fim da história, a proposta em comparar a situação atual das revoltas que avançam no cinturão árabe-muçulmano ao que se passou na América Latina no fim do século XX (Luc Ferry, 2011), caraterizando-as como “uma queda de regimes autoritários e uma vitória dos valores democráticos”, porque o enquadramento cultural é diferente. Por isso, nem todas as camadas das populações acedem aos mesmos patamares de direitos e deveres e o que mais avulta é a demora com que, nesse espaço ocidental, se vai chegando ao que o fim da história anunciou para o resto do mundo. A razão de Fukuyama é a razão da longa teoria de projetistas da paz ocidentais, que ocupa limitadamente a memória dos fracos líderes que colocam em dúvida a capacidade de responder

ESTE CONFLITO ENTRE AS ÁREAS CULTURAIS, QUE É SOBRETUDO POSTO EM EVIDÊNCIA PELA EMERGÊNCIA DO PODER E PRESENÇA MUÇULMANA, ENFRENTA UM NÚCLEO IRRENUNCIÁVEL DOS ANTIGOS DOMINADORES OCIDENTAIS” com êxito aos riscos que ameaçam a unidade europeia, e a perceção de que é todo o Ocidente que se encontra em decadência. Ter – e divulgar e fortalecer – a convicção de que possuímos um paradigma comum de convergência dos modelos políticos europeus já seria um passo importante para deter o relativismo dominante no espaço ocidental, abandonando a frequente e histórica atitude de pretender ocidentalizar o resto do mundo, substituindo a tolerância pelo respeito das diferenças que não afetem os valores da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Lutar, nesse lugar que é a ONU, onde todos falam com todos, para que tal paradigma seja adotado e tornado efetivo como património comum da humanidade, seria não o fim mas o princípio da longa narrativa que ainda é necessário escrever. Assim se evitaria o recurso ao sangue, suor e lágrimas que permanece para além do fim da Guerra Fria, fazendo cada vez mais profunda a vala entre os povos ricos e os povos pobres, estes últimos com um nível de existência que não lhes consente o salto da luta pela alimentação para o patamar da ideologia política. Primeiro, conseguir viver. * Conferência proferida na Irmandade da Misericórdia e de São Roque de Lisboa.

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A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

E A CRISE

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A primeira e decisiva causa da actual crise reside na vertente comportamental, resultante de uma forte erosão ética. A Doutrina Social da Igreja responde de forma profunda e actualizada aos problemas e desafios de hoje e de amanhã. Texto de António Bagão Félix [IRMÃO DE SÃO ROQUE E MEMBRO DO CONSELHO DE ESTRATÉGIA DA IRMANDADE DA MISERICÓRDIA E DE SÃO ROQUE DE LISBOA]

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rise: a palavra mais dita, lida e ouvida nos últimos anos. Crise que é “oficialmente” explicada por muitas razões a que chamaria paramétricas, desde as taxas de juro ao nível de crédito ou de endividamento ou de outras variáveis do mundo da macro e da microeconomia. Tudo isto será verdade, mas a primeira e decisiva causa da crise reside na vertente comportamental resultante de uma forte erosão ética. Vivemos um tempo em que emergiram escancaradamente as consequências de um mundo em que a fronteira entre o bem e o mal se diluiu numa espécie de uma porosa “pedra-pomes” axiológica. A isto acrescem a deficiente conjugação entre direitos e deveres, o enfraquecimento do sentido de responsabilidade e a incapacidade de os poderes públicos responderem em plenitude às exigências da “hipoteca social” que impende sobre todo e qualquer bem económico ou social. O relativismo e o minimalismo éticos fizeram germinar e propagar a indiferença. Promoveram a estatística à categoria de mãe de todas as análises frias e racionais. Igualizaram, moralmente, fins e meios. Transformaram em ícones a copiar os “vencedores”, seja nos negócios, no desporto, na política, na comunicação social, e ignoraram os “perdedores”, entre os quais estão os pobres, os velhos, os sós, os que não têm voz, os que não consomem. 131

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Percebeu-se, de um modo flagrante, que nunca se deve confundir a ideia da ética com a ideia da moralidade. Ética é cada um confrontar-se com o seu dever. Moralidade é cada um ocupar-se com o dever dos outros. Muitos pregam a dita moralidade (para os outros) e esquecem o exemplo e a autenticidade dos valores quando se trata de praticarem o que aos outros exigem. Ficou também provado que não bastam as leis se a acção das pessoas não radicar em princípios éticos sólidos. É que nenhuma lei proíbe o egoísmo, a ganância, a mentira, o desprezo, o ódio, a malvadez, como infelizmente podemos constatar. Estes tempos mostram também os custos humanos e sociais de se olhar para as pessoas como meios ou instrumentos e não como fins e sujeitos. Ao mesmo tempo, premiou-se o arrivismo, o mediatismo inconsequente, a visão de curto-prazo. Como na política onde em geral se governa a olhar para umas próximas eleições e não para as próximas gerações, na vida das empresas o gestor passou a olhar tão-só para o seu curto mandato com a preocupação de maximizar resultados, ar-

perversão através de uma preferência por “lógicas de brevíssimo prazo desprovidas de consideração pelo bem comum a longo prazo”. Na sua recente exortação apostólica, o Papa Francisco denunciou, de uma maneira frontal, directa e simples, os problemas que advêm do que apelidou de tristeza individualista, individualismo pós-moderno e globalização da indiferença. Entre muitas considerações, salientou: “Hoje devemos dizer não a uma economia da exclusão e da desigualdade social. Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social.” “Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do ‘descartável’, que aliás chega a ser promovida.”

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O PAPA FRANCISCO DENUNCIOU, DE UMA MANEIRA FRONTAL, DIRECTA E SIMPLES, OS PROBLEMAS QUE ADVÊM DO QUE APELIDOU DE TRISTEZA INDIVIDUALISTA, INDIVIDUALISMO PÓS-MODERNO E GLOBALIZAÇÃO DA INDIFERENÇA recadar prémios de gestão, ter boa imagem mediática. Mesmo que toda essa visão imediata e táctica seja nefasta para uma perspectiva de mais longo prazo e estratégica da vida da empresa. Bento XVI chamou a atenção, na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2008 – significativamente intitulada Combater a pobreza, construir a paz –, para a ambivalência e o carácter não necessariamente determinista da globalização. Refere que, se é certo que esta vem produzindo benefícios à escala mundial (embora nem sempre equitativamente repartidos), também gera novos fenómenos de risco e dependência e situações de

Vale a pena revisitar a Doutrina Social da Igreja e reler importantes encíclicas, desde a Rerum Novarum de Leão XIII sobre a questão operária à Populorum Progressio de Paulo VI sobre os novos desafios do desenvolvimento ou à Laborem Exercens de João Paulo II sobre as relações no mundo do trabalho. A Doutrina Social da Igreja não é uma ideologia, não propõe programas políticos e económicos, nem manifesta preferências partidárias. Nem sequer constitui uma formulação ou teoria económica ou uma terceira via entre o capitalismo e o socialismo. Antes procura oferecer à sociedade universal, à sociedade das pessoas de boa

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NO PLANO DA VIDA ECONÓMICA E SOCIAL, O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL É O PRINCÍPIO DA CENTRALIDADE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, PRINCÍPIO, FIM E SUJEITO DE TODAS AS INSTITUIÇÕES” vontade, princípios de reflexão e de acção tendo a pessoa humana como centro e sujeito. No plano da vida económica e social, o princípio fundamental é o princípio da centralidade e dignidade da pessoa humana; princípio, fim e sujeito de todas as instituições. Associado a estes princípios está o direito à propriedade privada mediante o trabalho, mas que, não sendo absoluto e intocável, está subordinado ao direito ao uso comum. Logo, a propriedade privada é um meio, não um fim em si mesmo. Desempenhando uma insubstituível função social, daí decorre que sobre ela impenda o que na Doutrina Social da Igreja se chama uma verdadeira e justificada “hipoteca social”. Claro está que, nos tempos de hoje, há que reler este princípio à luz das novas formas de propriedade do conhecimento, de novos recursos técnicos e da globalização. Para se ver a actualidade da Doutrina Social da Igreja, transcrevem-se, a título de exemplo perante tão vasto legado, pequenos excertos de vários textos e encíclicas que parecem escritas para os dias por que passamos. DA ENCÍCLICA CENTESIMUS ANNUS DE JOÃO PAULO II (1991): “Não se podem negar as vantagens do mercado, mas também não se podem ignorar as suas limitações, e muito menos cair numa ‘idolatria’ do mercado.” DO CONSELHO PONTIFÍCIO JUSTIÇA E PAZ (2004): “A mobilidade também aumentou o risco de crises financeiras. Se as transacções financeiras superam largamente, em volume, as transacções reais, corre-se o risco de seguir uma lógica voltada para si mesma, sem conexão com a base real da economia. Uma economia financeira cujo fim é ela própria está destinada a contradizer os seus fins.”

DA ENCÍCLICA QUADRAGESIMO ANNO DE PIO XI (1931) ESCRITA NO RESCALDO DA GRANDE DEPRESSÃO: “A vida económica é juntamente social e moral […]. É coisa manifesta que nos nossos tempos não só se amontoam riquezas, se acumula um poder imenso e um verdadeiro despotismo económico nas mãos de poucos que as mais das vezes são simples depositários e administradores de capitais alheios, com que negoceiam a seu talante. Este despotismo torna-se intolerável naqueles que, tendo nas mãos o dinheiro, são também senhores absolutos do crédito e por isso dispõem do sangue de que vive toda a economia […]”. “Este acumular de poderio e recursos, nota caraterística da economia atual, é consequência lógica da concorrência desenfreada, à qual só podem sobreviver os mais fortes, isto é, os mais violentos competidores e que menos sofrem de escrúpulos de consciência.” Mudam os tempos e os meios, mas permanecem as grandes questões. A Doutrina Social da Igreja – embora às vezes esquecida e até ignorada no seio da Igreja e dos cristãos – responde de forma profunda e actualizada aos problemas e desafios de hoje e de amanhã. Porque esperam os cristãos para, com o seu exemplo fundado neste património universal que é a Doutrina Social da Igreja, fazer esta revolução (conversão) que é, antes de mais, espiritual e ética? Por decisão do autor, este texto não segue o Acordo Ortográfico.

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| BENEMÉRITOS |

PRESERVAR a MEMÓRIA dos

Beneméritos O fundo documental dos Benito Maçãs Texto de Luís Lima [TÉCNICO SUPERIOR DE ARQUIVO_SCML, ARQUIVO HISTÓRICO]

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| HISTÓRIA E CULTURA |

A documentação proveniente de heranças, legados e doações constitui uma importante parcela do património documental à guarda do Arquivo Histórico da Misericórdia de Lisboa. A incorporação e o tratamento destes documentos permitem honrar e perpetuar a memória dos beneméritos da Santa Casa, para além de aumentarem a capacidade de resposta à investigação em diversas áreas do saber.

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complementar o valioso património documental da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) produzido, recebido e reunido ao longo dos últimos séculos pelos diversos departamentos, serviços e estabelecimentos desta instituição, não pode deixar de ser valorizada a documentação incorporada no Arquivo Histórico (AH), proveniente de heranças, legados e doações. Produzidos num contexto totalmente distinto dos documentos internos, estes conjuntos documentais chegam à SCML integrados no conjunto dos bens que, por disposições testamentárias ou doações, são deixados à Misericórdia de Lisboa. Entre as várias heranças com expressão documental que passaram para a titularidade da Santa Casa, destaca-se a da benemérita Delmira Maria Filomena Benito Maçãs, não só pelo volume e diversidade das espécies documentais, mas também pela transversalidade dos assuntos e das épocas retratadas. São mais de vinte mil documentos produ-

zidos e reunidos entre o final do século xviii e o início do século xxi, maioritariamente pela benemérita e por vários elementos das três gerações ascendentes da sua família paterna. Retratam quer a realidade social das elites fundiárias do Alto Alentejo – desde o final do Antigo Regime à segunda década do século xx –, passando pela vida quotidiana de uma família burguesa com residência em Lisboa e compromissos de gestão patrimonial no distrito de Portalegre e no concelho

José Dias Maçãs [n. 1768]

do Cartaxo, quer os registos das atividades individuais de uma docente do ensino secundário, com uma complexa rede de interesses, de dinâmicas sociais e uma pesada herança de responsabilidades patrimoniais. Este conjunto documental foi transferido para as instalações da Santa Casa no cumprimento das disposições testamentárias de Delmira Maçãs (falecida a 14 de outubro de 2007), que instituiu a SCML como sua herdeira universal. À exceção de alguns

RETRATO de Delmira Maçãs (Arquivo Familiar Benito Maçãs) QUADRO genealógico da família paterna de Delmira Maçãs

Luísa Maria Mourato Abreu [n. 1786 / † 1809]

António Dias Maçãs [n. 1808 / † 1858] José Dias Maçãs [n. 1839 / † 1880]

Faustina Maria [n. 1801 / † 1863] Isabel Pereira Barradas [n. ? / † ?]

Francisco Dias Maçãs [n. 1840 / † 1922] António Dias Maçãs [n. 1836 / † 1900]

Leonor Pires Rolo [n. ? / † ?] Ana Catarina Bonito Semedo

[n. 1855 / † 1890] Catarina Maria Benito Maçãs [n. 1876 / † ?] Faustina Maria Benito Maçãs [n. 1879 / † 1901]

Constantino Alves

do Vale [n. ? / † ?] Francisco Pedro Benito Maçãs [n. 1881 / † c. 1930]

Josefa Georgina

Monteiro [n. ? / † ?] José da Ascensão Benito Maçãs [n. 1887 / † 1918 António Eusébio Benito Maçãs [n. 1883 / † 1975]

Ema Virgínia

Garraio [ou Ema Virgínia Cordeiro Feio] [n. 1884 / † 1962] Delmira Maria Filomena Benito Maçãs [n. 1923 / † 2007]

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FOTOGRAFIA da família Maçãs (o casal António Dias Maçãs e Ana Catarina Bonito Semedo, avós da benemérita [ao centro], com os seus cinco filhos: Catarina Maria Benito Maçãs, Faustina Maria Benito Maçãs [em cima], Francisco Pedro Benito Maçãs, José da Ascensão Benito Maçãs e António Eusébio Benito Maçãs, pai da benemérita [em baixo, da esquerda para a direita] (Arquivo Familiar Benito Maçãs)

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conjuntos de correspondência e de algumas espécies bibliográficas, a documentação encontra-se atualmente à guarda do AH. A unidade destes documentos é garantida pela interdependência de cada um relativamente à ação da testadora ou dos elementos das várias gerações vinculadas ao seu pai, António Eusébio Benito Maçãs, por linhas de parentesco ascendentes e colaterais – bisavós, avós, tios-avós, pais, tios e irmãos. Existem também, embora em número muito reduzido, alguns documentos diretamente ligados ao ramo familiar materno de Delmira Maçãs, nomeadamente dos seus avós, Augusto Garraio (1845-1911) – escritor dramático, ensaiador e empresário de teatro – e Amélia Mendes Garraio (1857-1894) – atriz. Destes antepassados apenas se conservam no arquivo familiar seis cartas remetidas de Lisboa e do Rio de Janeiro para a mãe da benemérita, Ema Virgínia Garraio (ou Ema Virgínia Cordeiro Feio). Após o falecimento de Amélia Garraio, no Brasil, em 1894, a educação de Ema Virgínia foi confiada à sua tia materna, Delmira de Albuquerque Mendes (1864-1915), casada com Alfredo Cordeiro Feio (1856-1916). Em conformidade com as disposições testamentárias deste capitalista e negociante, os seus bens passaram para a posse dos filhos de Ema Virgínia, ou seja, para Delmira Maçãs, aumentando o já vasto património da família Benito Maçãs. A documentação mais representativa deste ramo familiar está diretamente

OS DOCUMENTOS SURGEM COMO INSTRUMENTOS PRIVILEGIADOS PARA A REPRESENTAÇÃO DE TODOS OS ASPETOS DO PERCURSO BIOGRÁFICO DE DELMIRA MAÇÃS, DESDE AS VIVÊNCIAS QUOTIDIANAS EM FAMÍLIA À FORMAÇÃO, À ATIVIDADE ACADÉMICA E CIENTÍFICA, À DOCÊNCIA, AO LAZER E ÀS RELAÇÕES DE SOCIABILIDADE MANTIDAS” relacionada com a gestão destes bens, nomeadamente da Quinta de Santa Eulália. Considerando que o quadro social de referência para a produção e acumulação de todos os documentos é a família, podemos afirmar que o fundo documental incorporado na Santa Casa é um arquivo familiar. Testemunha ações, vivências e comportamentos de um conjunto de indivíduos que, entre o final do século xviii e o início do século xx, partilhava o apelido Maçãs, residia na freguesia de Ribeira de Nisa (concelho de Portalegre), era proprietário e integrava a elite social local. Reflete também algumas das continuidades e ruturas do ponto de vista socioeconómico, relativamente às gerações descendentes, em particular ao ramo Benito Maçãs, representado até ao início do século xxi pela sua última descendente, a benemérita Delmira Maçãs. É comum pensar-se que quanto maior é o estatuto de uma família, maior é a riqueza do seu arquivo. São normalmente considerados e divulgados os arquivos das grandes famílias nobiliárqui-

cas ou de grandes figuras públicas, que revelam pormenores menos conhecidos da sua vida privada ou dos meandros dos cargos públicos exercidos. Já os arquivos das famílias comuns ou “anónimas”, sem personalidades ou apelidos incontornáveis na história, são geralmente desvalorizados e acabam por sucumbir perante contingências de vária ordem. Não estando diretamente associado a homens de Estado ou a personalidades mediáticas, torna-se inevitável formular a seguinte questão introdutória: qual a importância e o interesse da guarda deste acervo documental no Arquivo Histórico da SCML? A resposta a esta questão, que orientará as restantes linhas do presente artigo, centrar-se-á em duas áreas de análise. Primeiro, na explicitação da importância da salvaguarda e perpetuação da memória e da identidade familiar, de acordo com os desígnios da benemérita. Em segundo lugar, no reconhecimento das potencialidades dos documentos enquanto evidências do contexto socioeconómico em que foram 137

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FOTOGRAFIA de Delmira Maçãs (com 1 mês e 7 dias) e seus pais, Ema Virgínia Garraio e António Eusébio Benito Maçãs (Arquivo Familiar Benito Maçãs)

produzidos, ou seja, enquanto fontes primárias para o estudo das mentalidades, do quotidiano, das relações de sociabilidade, da gestão patrimonial e das atividades, não só de um grupo de indivíduos ligados por laços de parentesco, mas de todo o am-

biente (geográfico, social, económico e político) que envolveu a sua existência e ação. O primeiro eixo de análise mencionado implica necessariamente a exposição sumária de alguns dados biográficos de Delmira Maçãs, salientando-se tam-

bém a sua posição relativamente aos vestígios da família. Delmira Maçãs nasceu em Lisboa (Santos-o-Velho) a 11 de abril de 1923. Recebeu as primeiras letras em casa, fazendo o exame de instrução primária aos 11 anos. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 1948, com a tese intitulada Os Animais na Linguagem Portuguesa. Foi bolseira do Instituto para a Alta Cultura entre 1949 e 1951, colaborando diretamente com o Centro de Estudos Filológicos da Universidade de Lisboa. No ano letivo de 1951-52 ocupou o cargo de leitora de português na Universidade de Heidelberg. Por motivos familiares, em grande parte relacionados com disputas judiciais que envolveram a posse de imóveis, afasta-se da vida académica e de docência, publicando pontualmente artigos e recensões de linguística na Revista Portuguesa de Filologia, no Boletim de Filologia e na revista Biblos. Só em 1976, já cinquentenária, fez o estágio pedagógico de acesso às Escolas Técnicas e ingressou na carreira de docente do ensino secundário. Publicou vários trabalhos literários na revista Stella e, na última década do século xx, escreveu e editou várias obras autobiográficas1, nas quais narra viagens e acontecimentos marcantes ligados à vida quotidiana e à gestão do património familiar; reproduz fotografias, cartas, escrituras, inventários e quadros genealógi-

1. Entre outros, salientam-se os seguintes títulos: Notas Genealógicas no Ano Internacional da Família, 1994; Livro de Horas dos Olhos d’Água em Marvão, 1991; Santa Eulália na Ribeira do Cartaxo, 1991; A Senhora da Lapa – Subsídios para uma monografia de Besteiros, em Alegrete, 1991; Pela Europa de Celtas e Romanos, 1993; Efemérides à Sombra do Segredo, 1996

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cos; partilha experiências, pensamentos e a sua visão do mundo. A partir da leitura das referidas obras de Delmira Maçãs é possível compreender não só a sua interpretação do passado mas também a importância dada às memórias da família. O conhecimento do passado funcionou para a benemérita como uma matriz de perceções que lhe permitia uma melhor compreensão do presente e de si própria. Como refere numa das suas obras, “tem a sua vantagem conhecer algo dos nossos ascendentes, não só nome mas, principalmente, vestígios das suas qualidades positivas e negativas, virtudes e defeitos, porque as leis da hereditariedade são fenómeno comprovado. Conhecendo aquilo que fomos ou de que somos feitos, melhor podemos educar, desenvolver ou dominar as tendências inatas”2. O suporte mnésico preponderante para esta “recuperação” do passado e para a construção da identidade familiar foi, indubitavelmente, a documentação produzida e acumulada pelas várias gerações da sua família. Consciente da importância do património documental, Delmira Maçãs reuniu os documentos dispersos dos familiares e, embora não tenha levado a cabo um tratamento arquivístico profundo ou global, inventariou, transcreveu e copiou algumas das espécies. A intencionalidade de preservar a memória familiar através dos documentos revelava-se de

O CONHECIMENTO DO PASSADO FUNCIONOU PARA A BENEMÉRITA COMO UMA MATRIZ DE PERCEÇÕES QUE LHE PERMITIA UMA MELHOR COMPREENSÃO DO PRESENTE E DE SI PRÓPRIA” modo explícito na forma como os mesmos chegaram à SCML. Diversos conjuntos documentais encontravam-se dispostos numa sequência lógica, acondicionados de forma a garantir a respetiva unidade e, em alguns casos, o material escolhido para os envolver revela preocupações com a sua preservação a longo prazo. Dada a importância dos documentos no conjunto dos bens deixados à herdeira universal, uma forma de honrar a última vontade da benemérita é, decerto, salvaguardá-los, promover a sua organização e acessibilidade, garantindo a expansão da memória de Delmira Maçãs e dos seus antepassados, bem como a preservação da identidade da sua família. Este objetivo foi já concretizado, em grande parte, pelo AH. Depois de devidamente higienizado, o conjunto documental foi na sua totalidade tratado arquivisticamente, ou seja, foi classificado, ordenado e descrito, encontrando-se atualmente acondicionado em condições que garantem a sua conservação a longo prazo. Ao longo do tratamento arquivístico constatou-se que, embora se trate de um arquivo familiar,

existe uma grande disparidade relativamente aos responsáveis pela produção e acumulação dos documentos. Pode afirmar-se que 90% dos documentos foram produzidos ou acumulados por Delmira Maçãs e pela geração dos seus pais, enquanto os restantes 10% se devem à ação das duas gerações anteriores. Independentemente dos motivos desta desigualdade – decorrentes, entre outros fatores, da crescente valorização dos registos escritos, do recrudescimento da burocratização do Estado ou das próprias exigências das atividades desenvolvidas –, importa sublinhar a memória como o fundamento basilar para a constituição do arquivo familiar. Até finais do século xix, para a maioria das famílias portuguesas, as recordações do passado dependiam quase em exclusivo da memória oral, auxiliada, em alguns casos, por objetos que, devido à sua utilidade ou a sentimentos de afetividade, eram transmitidos às gerações seguintes. A projeção retrospetiva da memória, limitada às duas gerações antecedentes, permitia apenas recordar os avós e, em alguns casos, os bisavós3. Contudo, para

2. Delmira Maçãs – Notas Genealógicas no Ano Internacional da Família. Lisboa: Edição de autor, p. 7. 3. Cf. José Manuel Sobral – “Memória e identidades sociais – Dados de um estudo de caso num espaço rural”. Análise Social. Vol. XXX (1995), p. 297

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PROVISÃO régia de emancipação de António Dias Maçãs, ficando sujeito ao regime jurídico aplicável aos menores emancipados (1828) (Arquivo Familiar Benito Maçãs)

ATÉ FINAIS DO SÉCULO XIX, PARA A MAIORIA DAS FAMÍLIAS PORTUGUESAS, AS RECORDAÇÕES DO PASSADO DEPENDIAM QUASE EM EXCLUSIVO DA MEMÓRIA ORAL, AUXILIADA, EM ALGUNS CASOS, POR OBJETOS QUE, DEVIDO À SUA UTILIDADE OU A SENTIMENTOS DE AFETIVIDADE, ERAM TRANSMITIDOS ÀS GERAÇÕES SEGUINTES”

as famílias dos grandes proprietários, desde as primeiras décadas do século xix, começava a assistir-se à necessidade da criação de uma memória e de uma identidade familiar própria, entre outros objetivos, como forma de “afirmação da sua proeminência social a nível local”4. A valorização dos principais símbolos identitários da família – os indivíduos e a propriedade – vai tornar obrigatória a preservação de todas as evidências documentais que, de alguma forma, pudessem contribuir quer para a perpetuação da lembrança da imagem física e da ação dos familiares quer para a proteção da propriedade familiar. É sobretudo neste contexto que pode ser enquadrada a produção documental das gerações anteriores à benemérita. Entre outras, destacam-se as seguintes espécies documentais: • Representações fotográficas individuais ou coletivas dos vários membros da família; • Documentos de identificação (bilhetes de identidade, cadernetas militares, certidões de registo de nascimentos, batismos, casamentos e óbitos); • Comprovativos da titularidade de bens (traslados e públicas-formas de escrituras de compra e venda, cartas de sentença de arrematações, certidões do registo predial, sentenças e acórdãos de ações judiciais, testamentos); • Comprovativos da titularidade de direitos (escrituras de demissão do pátrio poder, provisões e alvarás de emancipação); 4. Ibidem, p. 301.

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• Documentos relativos ao exercício de cargos públicos (alvarás de nomeação, um livro de registo das coimas e autos de julgamentos do Juízo Eleito da freguesia da Ribeira de Nisa); • Registos de controlo das despesas efetuadas (listagens com a relação de despesas semanais ou mensais, livros de caixa, livros de pagamento de rendas, folhas de férias ou folhas de pagamento de salários); • Comprovativos de pagamentos de foros, impostos, taxas e contribuições, côngruas e donativos paroquiais, quotas de organismos socioprofissionais, seguros e outros bens/serviços de utilização corrente. Com Delmira Maçãs, sobretudo a partir dos últimos anos da década de cinquenta do século xx, verifica-se uma significativa libertação dos tradicionais constrangimentos familiares. Apesar da continuidade da valorização do apelido e dos locais identitários da família, denota-se uma nova consciência individual e uma maior preocupação com a constituição da identidade pessoal. Os documentos surgem como instrumentos privilegiados para a representação de todos os aspetos do seu percurso biográfico, desde as vivências quotidianas em família, à formação, à atividade académica e científica, à docência, ao lazer e às relações de sociabilidade mantidas. Ao mesmo tempo, são fontes de recordação e testemunhos de experiências, momentos e factos. Um fator de diferenciação relativamente à tradição familiar é, sem dúvida, o percurso acadé-

LIVRO de registo das coimas e autos de julgamentos do Juízo Eleito da freguesia da Ribeira de Nisa. O livro encontra-se rubricado, na íntegra, por António Dias Maçãs, que assina também alguns dos registos efetuados entre 1846 e 1847 (Arquivo Familiar Benito Maçãs)

mico e profissional e as relações de sociabilidade estabelecidas. A atividade científica desenvolvida no campo da Filologia e da Linguística e a docência proporcionaram a produção de inúmeros documentos, entre os quais se destacam: os apontamentos e versões preliminares

de artigos, recensões e outros trabalhos escritos; os inventários de vocábulos e expressões; a correspondência com professores e investigadores; as fichas de identificação/avaliação dos alunos e os materiais de preparação das aulas. No campo social destacam-se as cartas, os 141

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CARTA de Marcelle Bué, remetida de Calais (França) para Delmira Maçãs, no âmbito do grupo de amizade por correspondência Club Amitié et Humanisme (Arquivo Familiar Benito Maçãs)

aerogramas e os bilhetes-postais trocados no âmbito de grupos de amizade por correspondência, nomeadamente o Club Amitié et Humanisme, através do qual Delmira Maçãs partilhava infor-

mação sobre os seus interesses, o seu quotidiano, a sua vida profissional e as suas ideias sobre temas literários, religiosos ou culturais com indivíduos de diversas nacionalidades. Embora

em menor número, também se sublinha a correspondência trocada por Delmira Maçãs ao abrigo da Campanha de Madrinhas de Guerra, promovida pela revista Eva, Grande Magazine Feminino. As diversas deslocações em território português e ao estrangeiro proporcionaram a elaboração de completos relatos de viagem, com descrições pormenorizadas de lugares, paisagens, monumentos, museus e locais de culto, e com considerações pessoais sobre indivíduos, sociedades, acontecimentos e costumes. Aparecem também, com Delmira Maçãs, os diários e as agendas, com anotações relativas à identificação cronológica de compromissos, viagens, falecimentos e funerais de familiares e amigos, consultas e exames médicos, entre outros dados. A vida religiosa de Delmira Maçãs é revelada através de narrativas com descrições de santuários e outros locais de culto, textos soltos com considerações sobre a Igreja Católica e membros da sua hierarquia e, ainda, através da correspondência trocada no âmbito do movimento católico Fons Vitae. No seu conjunto, a documentação produzida por Delmira Maçãs tem a particularidade de permitir entrar na sua intimidade, recriar os seus hábitos e compreender a sua vida sentimental, a sua religiosidade, as suas opiniões sobre assuntos e sobre pessoas. Independentemente das assimetrias identificadas, podemos concluir que o pormenor e a

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transversalidade da informação veiculada pelos vários documentos do arquivo permitem não só recordar e testemunhar as atividades e as experiências dos indivíduos produtores, mas também conhecer as suas perceções da realidade, os seus comportamentos, a sua personalidade, e traçar as principais linhas de continuidade e rutura entre as várias gerações. Importa ainda considerar a intencionalidade que está presente na conservação dos documentos que constituem qualquer arquivo familiar/pessoal. Com a certeza de que os indivíduos não conservam deliberadamente toda a documentação produzida ao longo da vida, devemos ter presente que os documentos que encontramos foram intencionalmente guardados. Como afirmação ou salvaguarda da identidade individual e familiar, como meio de prova de factos, direitos/deveres ou, simplesmente, como recurso informativo, são múltiplas as razões que poderão ter determinado a continuidade da existência de cada um destes testemunhos do passado, conservados agora na instituição herdeira universal de Delmira Maçãs. Passamos agora ao segundo eixo de análise supramencionado, relativo ao reconhecimento das potencialidades dos documentos enquanto evidências do contexto em que foram produzidos. Como refere Jacques Le Goff, o documento “é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças

CARTA de António Duarte Pereira, remetida de Luanda para a sua madrinha de guerra, Delmira Maçãs (Arquivo Familiar Benito Maçãs)

que aí detinham o poder”5. Resultante das inter-relações entre os indivíduos e das interações entre estes e a sociedade, com o quadro institucional que organiza, legitima e sanciona, a produção documental vai ser influenciada, em cada contexto espácio-temporal, pelas práticas e estruturas sociais. No sentido inverso, podemos também afirmar que os documentos se transformam em representações ou testemunhos dos contextos socio-históricos

da sua origem. Na prática, os documentos do arquivo familiar Benito Maçãs permitem identificar as realidades materiais e simbólicas não só de um conjunto de indivíduos relacionados através de vínculos de parentesco, mas de todos os que, perante os mesmos condicionalismos, tiveram atitudes, interesses, “práticas e tomadas de posição semelhantes”6. Retratam, portanto, diversos aspetos das atividades, dos comportamentos, das estratégias

5. Jacques Le Goff – História e Memória. Trad. Bernardo Leitão [et al.]. 5ª edição. Campinas: Editora da Unicamp, 2003, p. 545. 6. Pierre Bourdieu – O Poder Simbólico. 4ª edição. Lisboa: Difel, 2001, p. 136.

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LICENÇA de uso e porte de arma concedida a Ema Virgínia Cordeiro Feio (ou Ema Virgínia Garraio) para defesa pessoal e da propriedade (Arquivo Familiar Benito Maçãs)

familiares dos grandes proprietários do Alto Alentejo, entre o início do século xix e meados do século xx. Através de documentos – como inventários de bens, cartas de sentença de partilha de bens, testamentos, cartas de arrematação de bens imobiliários, escrituras de compra e venda de imóveis, escrituras de empréstimo de capitais – é pos-

sível verificar algumas estratégias de concentração fundiária seguidas até finais do século xx. Por exemplo, são raras as vendas de bens a elementos estranhos à família; os casamentos realizam-se em regime de separação total de bens; nas disposições testamentárias o grosso do património é deixado maioritariamente a um descendente.

Também a partir de documentos como inventários de lagares de azeite ou comprovativos de pagamento de taxas sobre prensas hidráulicas mecânicas é possível constatar que eram os grandes proprietários os detentores dos meios de transformação dos produtos agrícolas. Numa região e num período em que o setor agrícola era o principal meio de subsistência, os detentores da terra e dos meios de transformação dos produtos agrícolas possuem “naturalmente um grande poder sobre a população”7. Constituem a elite económica e social local que exerce um poder simbólico de representação, visível, entre outros, nos seguintes aspetos exteriores, testemunhados no universo documental deste arquivo familiar: • Construção de jazigos de família (títulos da transferência da posse de frações de terreno no cemitério; assentos de óbito); • Participação ativa nos organismos socioprofissionais e nas associações locais (comprovativos de pagamentos de quotas de diversas Casas do Povo do distrito de Portalegre e da Associação dos Bombeiros Voluntários de Portalegre); • Participação ativa nos espaços públicos (ofícios das autoridades municipais a solicitar a participação de membros da família em procissões solenes e outros eventos públicos); • Unidade familiar alargada a todo um conjunto de criados

7. Maria Antónia F. Pires de Almeida – Família e Poder no Alentejo: Elites de Avis – 1886-1941. Lisboa: Edições Colibri, 1997, p. 101.

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internos e empregados da casa que participavam na vida doméstica e educação das crianças8 (correspondência); • O estudo dos filhos (diplomas e certificados de estudo); • Posse de armas de fogo (licenças para uso e porte de arma de fogo pertencentes a indivíduos do sexo masculino e feminino); • A realização de viagens (relatos de viagens, fotografias e comprovativos de pagamentos relativos a alojamento); • O colecionismo de moedas e selos-postais (comprovativos de pagamentos relativos à aquisição de moedas e de selos-postais); • O exercício de cargos e funções públicas (livro de registo das coimas e autos de julgamentos; ofício a comunicar a eleição de António Eusébio Benito Maçãs para o cargo de vereador efetivo da Câmara Municipal de Portalegre); • A mudança de residência para a cidade, continuando a exploração direta das herdades através de um encarregado geral (correspondência trocada entre a família Benito Maçãs e alguns elementos da família Esperancinha, na qual são observáveis as metodologias de gestão da propriedade); • O relacionamento com homens eruditos, políticos e representantes da hierarquia eclesiástica (correspondência

A DOCUMENTAÇÃO PRODUZIDA POR DELMIRA MAÇÃS TEM A PARTICULARIDADE DE PERMITIR ENTRAR NA SUA INTIMIDADE, RECRIAR OS SEUS HÁBITOS E COMPREENDER A SUA VIDA SENTIMENTAL, A SUA RELIGIOSIDADE, AS SUAS OPINIÕES” recebida por António Eusébio Benito Maçãs de José Leite de Vasconcelos, António Lino Neto e D. Domingos Maria Frutuoso). • As atividades de lazer, como festas ou caçadas, e cerimónias familiares (fotografias). Como se procurou demonstrar, os vários exemplos de representação simbólica, caraterísticos de um contexto socioeconómico, são observados ou confirmados no conteúdo informativo de diversas espécies documentais presentes no arquivo da família. Sem estender este raciocínio ao absoluto e salvaguardando a importância do contexto da origem para a interpretação dos documentos, podemos afirmar que este arquivo familiar possui fontes primárias que podem constituir contributos para estudo da história da vida privada, da família, das mentalidades, da organização social, das relações e estruturas de sociabilidade, entre outras áreas ligadas às ciências sociais e humanas. Resultante da atividade de uma pequena

família sem fortes linhagens e sem figuras que se destacaram na vida do país, este fundo documental, como outros arquivos familiares e pessoais, reúne informação que pode subsidiar, complementar e corroborar as fontes de natureza oficial ou institucional, conservadas nos arquivos públicos, contribuindo para o desenvolvimento do conhecimento histórico-científico. Pelo exposto, pode concluir-se que a importância cultural do arquivo familiar Benito Maçãs não se resume ao papel de suporte da memória ou garante da identidade dos indivíduos e da família, refletindo também o coletivo, ou seja, o tempo e o espaço em que estes indivíduos viveram. Em suma, ao conservar e promover o acesso a este fundo documental, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa está a honrar a memória de Delmira Maçãs e dos seus antepassados, para além de aumentar consideravelmente a capacidade de resposta à investigação em diversas áreas do saber.

8. Cf. Ibidem, p. 134.

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INSTITUTA ORDINIS BEATI FRANCISCI Um impresso do século xvi no Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa Um livro impresso por Germão Galharde em 1530, pertencente ao espólio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, reencontra os seus “irmãos” espalhados pelo mundo. O texto fala dos vários aspetos desse reencontro e da grande família dos impressores portugueses do século xvi. Texto de Helga Maria Jüsten [INVESTIGADORA_UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA, CENTRO DE ESTUDOS HISTÓRICOS] 1

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uma recente visita ao Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), em que voltei a consultar o impresso Instituta ordinis beati Francisci, Lisboa, Germam Galharte, 9.9.1530, recebi do seu diretor, Francisco d’Orey Manoel, o grato convite para dar notícia, nas páginas desta revista Cidade Solidária, das pesquisas efetuadas no domínio da atividade tipográfica de Germão Galharde e para partilhar os resultados – sempre provisórios – entretanto alcançados, nomeadamente no que se refere ao Instituta ordinis, ou seja, uma “Regra da Ordem dos frades menores”. Para situar sumariamente a investigação que estamos a desenvolver, direi que a dedicação à produção tipográfica da oficina de Germão Galharde remonta ao ano de 2006, na sequência da conclusão do doutoramento sobre a Tipografia Portuguesa, cuja dissertação, com o título Incunábulos e Post-Incunábulos Portugueses (ca. 1488-1518) – Em Redor do Material Tipográfico dos Impressos Portugueses, veio a ser publicada, em 2009, pelo Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa. Foi, portanto, a verificação da similitude de processos e a continuidade do material tipográfico utilizado pelos impressores ativos no país durante a primeira metade do século xvi, aproximadamente, que determinaram a orientação da minha investigação seguinte para a oficina de Germão Galharde. De facto, este novo impressor “em a muy nobre e sempre leal cidade de Lixbona” herdara o parque gráfico, ou seja, os tipos, as iniciais, as tarjas e as gravuras dos seus antecessores, nomeadamente Valentim Fernandes, da Morávia, João Pedro de Bonhomini, de Cremona, e de Hermão de Campos, também ele estrangeiro, mais propriamente da Alemanha. Aliás, se outro alcance e dimensão histórica não tivesse, o Instituta ordinis beati Francisci interessaria sempre ao tipobibliógrafo enquanto evidência do que se acaba de afirmar, ou seja, que na impressão da referida obra Germão Galharde utilizou, ainda em 1530, parte do material tipográfico dos seus antecessores, embora introduzindo inovações quer nos tipos quer na iconografia. Relativamente aos primeiros impressores ativos em Portugal, desde o primeiro impresso de cerca de 1488, sucede que ficamos com uma parte substan-

FOI A VERIFICAÇÃO DA SIMILITUDE DE PROCESSOS E A CONTINUIDADE DO MATERIAL TIPOGRÁFICO UTILIZADO PELOS IMPRESSORES ATIVOS NO PAÍS DURANTE A PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XVI QUE DETERMINARAM A ORIENTAÇÃO DA MINHA INVESTIGAÇÃO PARA A OFICINA DE GERMÃO GALHARDE” cial do seu trabalho, i.e., os livros impressos, sem, no entanto, saber nada ou muito pouco sobre a sua biografia, nomeadamente acerca de Germão Galharde e seus antecessores. Estudiosos da história do livro e bibliógrafos como Ribeiro dos Santos1, Barbosa Machado2, Sousa Viterbo3, Venâncio Deslandes4 e, no século xx, António Joaquim Anselmo5, José Vitorino de Pina Martins6, Artur Anselmo7 e João José Alves Dias8, entre outros, não conseguiram ainda esclarecer muitas das dúvidas que envolvem a biografia dos primeiros impressores. Nesse domínio, como o objetivo da nossa investigação sempre se cingiu à observação e à descrição tipobibliográfica das obras impressas pelos primeiros impressores ativos no país, não será possível adiantar, tanto no que se refere a Germão Galharde como aos demais impressores, dados biográficos novos, reservando-se as eventuais “novidades” do nosso trabalho para a produção que nos legaram. Assim, e por estudos anteriores, sabemos que Germão Galharde era francês, originalmente Germain Gaillard – ou Germam Galharde, Galharte, Gallardus em terras lusas – e que iniciou a sua atividade no ano de 1519. Para o ano da morte do impressor aponta-se 1560, embora a sua oficina continuasse produtiva, em nome da viúva, até 1565. Aliás, durante a investigação em curso foi possível localizar um dos últimos impressos até agora co-

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RELATIVAMENTE AOS PRIMEIROS IMPRESSORES ATIVOS EM PORTUGAL, DESDE O PRIMEIRO IMPRESSO DE CERCA DE 1488, SUCEDE QUE FICAMOS COM UMA PARTE SUBSTANCIAL DO SEU TRABALHO, I.E., OS LIVROS IMPRESSOS, SEM, NO ENTANTO, SABER NADA OU MUITO POUCO SOBRE A SUA BIOGRAFIA” nhecidos, um livro intitulado Nao Sam Paulo, impresso em 8 de abril de 1565. A produção tipográfica de Germão Galharde, abrangendo quase meio século, é considerável, atendendo ao contexto geográfico, histórico e cultural do país. Durante a investigação em curso localizámos, até ao momento, cerca de duas centenas de impressos, aproximadamente, sem contabilizar as variantes que, do ponto de vista metodológico, se consideram impressões autónomas pela introdução de diferenças – acidentais ou propositadas – durante o processo de impressão. Considero que a introdução sobre a investigação em curso, embora extensa, era necessária e indispensável para me pronunciar, de seguida, sobre o impresso à guarda da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, i.e., o Instituta ordinis beati Francisci, Lisboa, Germam Galharte, 9.9.1530, SCML, cota L.A., XVI, 582. 1. A OBRA A obra intitulada Instituta ordinis beati Francisci abrange duas partes. Uma primeira que define, em geral, a Regra dos frades menores, incluindo o testamento do fundador da Ordem, assim como as declarações dos papas Nicolau III e Clemente V sobre a respetiva Ordem. O final das declarações papais coincide com a introdução, no verso do fólio xxxviij [com erro de foliação que corresponde a 35v], de uma gravura enquadrada por tarjas, concluindo-se, desta forma, a parte inicial da obra. A segunda parte da obra começa no fólio 36r, dedicada especificamente a Por-

tugal, com as Constituições Gerais e os estatutos dos frades menores da província – de Portugal – que constam do verso do fólio lxj em diante, fazendo-se referência à sua aprovação no “capitulo prouincial de santarem: a oyto dias de mayo da era de mill e quinhentos e trinta”, ou seja, realizado quatro meses antes da impressão da Regra, empreendida por Germão Galharde em Lisboa. A obra termina com o “Ordinário do Ofício Divino” e o “Recebimento e Profissão dos Noviços”. 2. DESCRIÇÃO – OU NOTÍCIA – TIPOBIBLIOGRÁFICA DA EDIÇÃO ANOTAÇÕES TÉCNICAS Formato: 4º Colação: Assinatura: a – k8 l6. Foliação: [1] ij – lxxxvj, 86 fl.; {172 p.}. Errata na foliação: xxxviij [=35]; xl [=37]; lxxiiij [=75]; lxxx [=77]; lxix [=79]. Composição e Impressão: Tipo de letra: Família: gótico, rotunda. Tipo 1: 119 G, títulos correntes, títulos e texto nas folhas 33r/v; 34 r/v; 36r, linhas 1-16; 50 r. Tipo 2: 99 G, restante texto. Tipo 3: 63/65 G, marginália. Composição das folhas Linha tirada. Mancha tipográfica: Tipo 1: 119 G: 155 x 110 mm, fl. 33 r, 26 linhas. Tipo 2: 99 G: 158 x 109 mm, fl. 32r, 32 linhas. Iniciais: Iniciais de alfabeto lombardo, de dois tamanhos, ocupando 2 ou 3 linhas do texto. Iniciais xilográficas, de vários tamanhos, ocupando 3, 4, 5, 6, 7 e 11 linhas do texto e provenientes da oficina de Germão Galharde, assim como dos predecessores Valentim Fernandes e João Pedro de Bonhomini de Cremona. Ilustrações: Gravuras

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IMAGEM 2. BDMII, 67, fl. Iv IMAGEM 3. BDMII, 67, fl. 2r

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fls. 1r e 35v, gravuras provenientes da oficina de Hermão de Campos9. fl. 1v, uma nova gravura, variante da imagem na portada, que Germão Galharde introduziu nesta edição. Tarjas fls. 1r, e 1v, cinco tarjas que enquadram as gravuras, duas tarjas da oficina de Germão Galharde, as restantes provenientes dos predecessores Valentim Fernandes, João Pedro de Bonhomini e Hermão de Campos10. fl. 35v, seis tarjas que enquadram a gravura, três da oficina de Germão Galharde, as restantes provenientes da oficina de Valentim Fernandes11, com destaque para a tarja T. 3612, que se encontra por baixo da gravura, uma vez que permite identificar estados de impressão diferentes. Língua: latim, português Repertório: [* exemplares observados presencialmente; † consulta de cópias parciais; # novos exemplares localizados] Portugal – *SCML, L.A., XVI, 582, exemplar incompleto. Portugal – *BDMII, 67, exemplar incompleto, Variante.

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A PRODUÇÃO TIPOGRÁFICA DE GERMÃO GALHARDE, ABRANGENDO QUASE MEIO SÉCULO, É CONSIDERÁVEL, ATENDENDO AO CONTEXTO GEOGRÁFICO, HISTÓRICO E CULTURAL DO PAÍS” França – # Paris, Sainte Geneviève, 4 E 2104 (2) INV 1309 Res (P.2) † EUA – # Houghton Library, Harvard, Typ. 535 30 405; HOLLIS Number 005526647† Nota final: Ao exemplar incompleto da SCML faltam os fólios com as assinaturas a1 a2 a7 e a8. O exemplar incompleto da Biblioteca de D. Manuel II preserva apenas os fólios 1 a 35 e corresponde a uma variante pelo facto de se verificar a inversão da tarja T. 36, colocada debaixo da gravura, no fl. 35v, como se pode observar na imagem 10 reproduzida na página 152. Os exemplares da Houghton Library e da Biblioteca de Sainte Geneviève corres149

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IMAGEM 4. BDMII, 67. fl. 2v IMAGEM 5. BDMII, 67. fl. 7r

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pondem, pela consulta de cópias parciais, ao mesmo estado de impressão do exemplar da SCML.

da descrição do exemplar incompleto da Biblioteca do Palácio Ducal de Vila Viçosa, imagens da portada assim como da iconografia do fólio XXXVIIj [= fl. 35] verso. No Catálogo das Obras Impressas nos Séculos XV e XVI. A Colecção da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa15, Júlio Caio Velloso, no registo n.º 11 sobre o Instituta ordinis beati Francisci, dizia tratar-se “do único exemplar conhecido”, não registando a existência dos outros três exemplares hoje identificados, entre os quais, o exemplar, incompleto, conservado no Palácio Ducal de Vila Viçosa. No entanto, no Catálogo […]. Os Cimélios da Santa Casa16 – na 1ª edição de 1997 como na 2ª edição de 2010 –, Francisco d’Orey Manoel, para além de citar a bibliografia que se ocupa da Instituta Ordinis, refere o exemplar da biblioteca de D. Manuel II e apresenta imagens de vários fólios, designadamente do fólio xxxviij, verso [= 35v]. Se compararmos a imagem do fólio 35v do exemplar da SCML com a reprodução do catálogo de D. Manuel II, p. 440, verificamos que a tarja situada por baixo da gravura não se encontra na mesma posição nos dois exemplares acabados de referir.

3. CONTROLO BIBLIOGRÁFICO E LOCALIZAÇÃO DE NOVOS EXEMPLARES O controlo bibliográfico destina-se não apenas a uma revisão criteriosa dos repertórios bibliográficos que anteriormente registaram a espécie em causa, como a tentar localizar novos exemplares que entretanto tenham sido enunciados em catálogos impressos ou eletrónicos. Quando observámos, pela primeira vez e talvez ainda no ano de 2011, o exemplar do Instituta ordinis beati Francisci da SCML, partimos para a pesquisa com base em repertórios bibliográficos do século xx, embora houvesse indicações a exemplares em referências anteriores. Assim, António Joaquim Anselmo registava o impresso, em 1926 e sob o n.º 589, embora sem indicação da sua existência na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP). Inexistência que, aliás, se confirmou tanto pela consulta do Catálogo dos Impressos de Tipografia Portuguesa do Século xvi13 como pelo catálogo eletrónico da BNP. Por outro lado, D. Manuel II, nos seus Livros Antigos Portugueses: 1489-160014, publicou, para além 150

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IMAGEM 6. BDMII, 67. fl. 7v IMAGEM 7. fl. 8r IMAGEM 8. fl. 8v

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Com efeito, e após a primeira observação do exemplar da SCML do Instituta ordinis beati Francisci, procedi a pesquisas várias e localizei mais dois exemplares do referido impresso de Germão Galharde. Um em França, na Biblioteca de Sainte Geneviève, Paris, com a cota 4 E 2104 (2) INV 1309 Res (P.2), e outro nos EUA, em Harvard, na Houghton Library, com a cota Typ. 535 30 405; HOLLIS Number 00552664717. As duas bibliotecas citadas cederam imagens do fólio 35v, o que permitiu confirmar a correspondência, do ponto de vista do estado da impressão, entre o exemplar da SCML e as espécies localizadas em Paris e nos EUA. A inversão da tarja T. 36 acima mencionada, situada em primeiro lugar debaixo da gravura e visível na imagem publicada por D. Manuel II (p. 440), corresponde, pois, a uma variante ou a um estado de impressão autónomo. Assim, do ponto de vista metodológico, tal facto deve ficar registado num aditamento à notícia tipobibliográfica. A inversão da referida tarja T.36 terá como hipótese de explicação uma intervenção acidental ou propositada durante o processo de composição e impressão. O controlo bibliográfico ficaria, contudo, incompleto, se não seguíssemos a pista deixada por A.J. Anselmo, em 1926, no seu registo n.º 589, dizendo que extraiu a notícia sobre o Instituta ordinis beati Francisci de “J. Santos, cat. 2, I:476, 1914 (c. fac-similes)”. Ora, uma recente consulta do Catálogo de Alguns Livros Raros e Curiosos18, permitiu concluir que se tratava de uma espécie completa, posta à venda

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em 1914 pelo preço de 100$00, com as reproduções dos fls. 1r, 1v e do fl. xxxviij, v.º [=35v]. A imagem do fl. xxxviij, v.º [= 35v] confirma, pela posição da tarja T. 36, que o exemplar de José dos Santos correspondia ao mesmo estado de impressão das espécies guardadas na SCML, na Biblioteca de Sainte Geneviève, Paris, e na Houghton Library, em Harvard. Surgiu, portanto, a interrogação sobre a proveniência dos dois exemplares da obra pertencentes às duas bibliotecas estrangeiras, dado que o estado de conservação da espécie da SCML, e com a falta dos 1r/v, 2r/v e 7r/v e 8r/v, excluía, à partida, esse exemplar, bem como o do Palácio Ducal de Vila Viçosa pela posição da referida tarja T. 36. A consulta efetuada junto das duas bibliotecas estrangeiras sobre a proveniência do Instituta ordinis beati Franscisci reduziu as hipóteses de a obra ter sido comprada ao livreiro José dos Santos pela Houghton Library, uma vez que o exemplar parisiense deu entrada, “entre 1710 e 1732”, na abadia de Sainte-Geneviève. A espécie pertencente à Houghton Library foi oferecida, em novembro de 1975, por Philip Hofer (1898-1984), bibliotecário de Harvard e bibliófilo que iniciou a sua coleção de livros em 1917. Com efeito, existe a possibilidade de o exemplar posto à venda em 1914 pela Livraria Lusitana ter sido vendido a Philip Hofer. Transmitido o resultado destas investigações ao diretor do Arquivo Histórico da SCML, Francisco d’Orey Manoel, e tendo, entretanto, conseguido imagens dos fólios 1r/v, 2r/v e 7r/v e 8r/v, em falta na espécie da SCML, através do exemplar da Houghton 151

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IMAGEM 9. SCML, cota LA. XVI, 582 . fl. 35v = Houghton Library, Harvard, cota Typ 535 30405 e Sainte Genevieve, Paris, com a cota 4 E 2104 (2) INV 1309 Res (P.2) IMAGEM 10. BDMII, PDVV, fi. 35v, Livros Antigos Portugueses (...), p. 440 Inversão da Tarja T. 36 = Variante 9

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Library, surgiu a ideia de proporcionar a um público mais amplo a pesquisa do Instituta ordinis beati Francisci, ora completado com imagens fornecidas pelas duas bibliotecas citadas, a Sainte Geneviève, de Paris, e a Houghton Library, de Harvard, EUA.

de setembro de 1530, encontramos o impressor Germão Galharde em Coimbra. As reduzidas informações biográficas disponíveis dizem-nos que montou a oficina tipográfica no Mosteiro de Santa Cruz nesse mesmo ano. Facto confirmado através da leitura do cólofon do Repertorio pera se acharem as materias no liuro Spelho da conciencia, que diz o seguinte: “Emprimio se per Germão galharde frances / na muy nobre e sempre: leal cida [sic] de Coymbra. / no moesteyro de sancta .+. per mandado do / Prior crasteiro e conuento delle: aa honrra e / lonuor [sic] de nosso senhor Iesu christo. aos noue dias / do mes de Agosto do anno do seu nacimento de / mil e quinhentos e trinta. //” Como se depreende pela apresentação sumária de uma das obras impressas por Germão Galharde, em Lisboa no ano de 1530, o trabalho do tipobibliógrafo exige, para além de conhecimentos teóricos, paciência e dedicação continuada. Contudo, a recompensa reside não apenas no elevado prazer intelectual que a observação dos livros encerra como na fortuna que a descoberta de novas obras, ou a localização de novos exemplares, a esse prazer acrescenta. NOTAS

4. IMAGENS DO MATERIAL TIPOGRÁFICO E COMPARAÇÃO DE EXEMPLARES Ao longo do artigo apresentamos, em primeiro lugar e nas imagens 1 a 8, os fólios em falta no exemplar da SCML do Instituta ordinis beati Francisci, cedidas pelo Museu Biblioteca da Casa de Bragança. As imagens 9 e 10 permitirão comparar o verso do fólio 35v, assinalando a variação da tarja T. 36, em posição inversa no exemplar da Biblioteca de D. Manuel II. Por fim, na imagem 11, reproduzem-se dois fólios em que se pode observar uma particularidade tipográfica, ou seja, a mudança no tamanho de um tipo para outro na composição de fólios contíguos, tanto no exemplar da SCML como no da Houghton Library de Harvard, EUA. 5. REMATE Resta acrescentar que, no mesmo ano em que se imprimiu o Instituta Ordinis, em Lisboa, a 9

1. António Ribeiro dos Santos, “Sobre as origens da Typographia

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IMAGEM 11. SCML, cota LA. XVI, 582. fl. 49v e 50r, mudança do tipo de texto: 99 G para 119 G = Houghton Library, Harvard, cota Typ 53530405 e Sainte Genevieve, Paris, com a cota 4 E 2104 (2) INV 1309 Res (P.2)

11

em Portugal no Seculo xv”. in Memorias de Litteratura Portugueza,

Impressos Portugueses), Lisboa, Centro de Estudos Históricos,

Tomo VIII, Lisboa. Na Officina da Mesma Academia, [Academia

Universidade Nova de Lisboa, 2009, pp. 510 e 508.

Real das Sciencias], 1812.

10. Idem, ibidem, pp. 463, 470 e 469.

2. Diogo Barbosa Machado, Bibliotheca Lusitana historica, critica e

11. Idem, ibidem, pp. 463 e 466.

chronologica na qual se comprehende a notícia dos authores Portugue-

12. João José Alves Dias, No Quinto Centenário da Vita Christi, Lis-

zes, e das Obras, que compuserão desde o tempo da promulgação da

boa, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 1995, p. [106],

Ley da Graça até o tempo prezente, 3.ª ed., 4 vols. Coimbra, Atlân-

Tarja 36.

tida Editora, 1965-67.

13. Catálogo dos Impressos de Tipografia Portuguesa do Século xvi,

3. Sousa Viterbo, O Movimento Tipográfico em Portugal no Século

Lisboa, Biblioteca Nacional, 1990.

xvi, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1924.

14. D. Manuel II, Livros Antigos Portugueses de Sua Majestade Fide-

4. Venâncio Deslandes, Documentos para a História da Tipografia

líssima, Braga, APPACDM, 1995.

Portuguesa nos Séculos xvi e xvii, Edição fac-similada, introdução

15. Catálogo das Obras Impressas nos Séculos xv e xvi. A Colecção da

de Artur Anselmo, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda,

Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Lisboa, Santa Casa da Mise-

1988.

ricórdia, 1994, n.º 11.

5. António Joaquim Anselmo, Bibliografia das Obras Impressas

16. Catálogo. A Arte do Livro na Misericórdia de Lisboa. Os Cimélios da

em Portugal no Século xvi. Lisboa, Bibliotheca Nacional, 1926.

Santa Casa, 2ª ed., Lisboa, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa,

6. José V. de Pina Martins, “Um opúsculo de medicina desconhe-

2010, n.º 7.

cido pelos bibliógrafos: Modus curandi cum balsamo”, in Revista da

17. O exemplar da Houghton Library é o único citado, em 2010,

Biblioteca Nacional. Lisboa. 2ª série, vol. 2, n.º 2, 1987, pp. 15-25.

por Alexander S. Wilkinson, com o número IB, 5833, na publica-

7. Artur Anselmo, Origens da Imprensa em Portugal. Lisboa, Im-

ção Iberian Books: Books published in Spanish or Portuguese or the

prensa Nacional-Casa da Moeda, 1981.

Iberian Peninsula before 1601 = Libros Publicados en Español o Portu-

8. João José Alves Dias, No Quinto Centenário da Vita Christi, Lis-

gués en la Península Ibérica antes de 1601, Leiden, Boston, Brill, 2010.

boa, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 1995.

18. Catálogo de Alguns Livros Raros e Curiosos á Venda na Livraria

9. Helga Maria Jüsten, Incunábulos e Post-Incunábulos Portu-

Lusitana de José dos Santos, Lisboa, [s.n.], 1914, pp. 49-50 [com

gueses (ca. 1488-1518). (Em Redor do Material Tipográfico dos

três fac-símiles em extratexto, lote n.º 476].

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MIQUEL DE GIGINTA

e as Casas da Misericórdia et les maisons de miséricorde As Casas da Misericórdia seriam os estabelecimentos onde tudo era organizado para socorrer e ajudar os mais pobres, os enfermos e os inválidos. Não deveriam ser oficinas com intuito meramente económico, nem hospitais destinados apenas a conter a propagação de epidemias: deviam ser concebidas como locais para viver, vocacionados para ajudar, reinserir, instruir e purificar. Texto de Alexandre Pagès

Les maisons de miséricorde seraient des établissements où tout serait organisé pour secourir et éduquer les pauvres, les malades et les infirmes. Elles ne devaient être, ni vraiment des ateliers ayant une finalité économique, ni vraiment des hôpitaux destinés à contenir la propagation des épidémies: elles étaient conçues comme des lieux de vie ayant vocation à les aider, à les réinsérer, à les instruire et à les purifier.

[PROFESSOR NA UNIVERSIDADE DE FRANCHE-COMTÉ] [MAÎTRE DE CONFÉRENCES À L’UNIVERSITÉ DE FRANCHE-COMTÉ]

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s Casas da Misericórdia vestem nova roupagem. Para lá das comemorações que serão levadas a cabo em 2014 em Portugal, poucos são os que conhecem a obra do cónego Miquel de Giginta (1534-1588), infatigável defensor dos direitos dos pobres. Tendo partido da pequena cidade de Elne, não longe de Perpignan, o cónego catalão é o autor de várias obras, em particular do famoso Tratado de Remedio de Pobres, publicado em 1579 em Coimbra, por António de Mariz. Reeditado em castelhano moderno em 2000, em Barcelona, pelo professor Félix Santolaria Sierra, o manifesto alimenta reflexões entre os especialistas que sublinham o seu caráter inovador, à frente do seu tempo. Ultimamente, de resto, tiveram lugar diversos eventos científicos que mostram a inteira originalidade do pensamento dum autor por demasiado tempo desconhecido, incluindo na sua cidade natal. Quando a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa me propôs escrever algumas linhas, pareceu-me importante sublinhar o combate de Miquel de Giginta, um combate que o conduziu aos quatro cantos da Península Ibérica na defesa do seu projeto junto das cortes de Castela e do rei Henrique I de Portugal. Ao longo da sua vida, Giginta foi deixando a sua marca, através de escritos e de realizações concretas. Existindo já algumas Casas da Misericórdia anteriormente à publicação do seu tratado, a verdade é que foi ele que influenciou as autoridades políticas e religiosas para que ajudassem os mais pobres, os enfermos e os inválidos. Segundo ele, as Casas da Misericórdia seriam os estabelecimentos onde tudo era organizado para os socorrer e ajudar. Não deveriam ser oficinas com intuito meramente económico, nem hospitais destinados apenas a conter a propagação de epidemias: deviam ser concebidas como locais para viver, vocacionados para ajudar, reinserir, instruir e purificar. Esta cura (do corpo e da alma) era a vocação principal destes estabelecimentos, no respeito da religião católica (compaixão, caridade) e da tradição do culto dos santos. Segundo Bronislaw Geremek, célebre historiador polaco que foi um dos primeiros a descobrir os

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es maisons de miséricorde font peau neuve. En marge des commémorations qui seront organisées en 2014 au Portugal, bien peu nombreux sont pourtant ceux qui connaissent l’œuvre du chanoine Miquel de Giginta (1534 – 1588), infatigable défenseur du droit des pauvres. Parti de la petite ville d’Elne, non loin de Perpignan, ce chanoine catalan est l’auteur de plusieurs ouvrages dont, en particulier, son fameux Tratado de remedio de pobres publié en 1579 à Coïmbra par Antonio de Mariz. Réedité en castillan moderne en l’an 2000 à Barcelone par le Professeur Félix Santolaria Sierra, ce manifeste nourrit des réflexions parmi des spécialistes qui soulignent son caractère novateur et avant-gardiste. Ces derniers temps, plusieurs événements scientifiques ont d’ailleurs été organisés et ils montrent toute l’originalité de la pensée d’un auteur trop longtemps méconnu, y compris dans sa ville natale. Lorsque la Casa da Misericordia de Lisbonne m’a pro155

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GIGINTA DESEJAVA MELHORAR O FUNCIONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES DE CARIDADE, FORNECENDO ALOJAMENTO E COMIDA AOS PENSIONISTAS, PROPONDO-LHES ALGUMAS HORAS DE ENSINO E UMA PARTICIPAÇÃO REGULAR NOS OFÍCIOS escritos de Giginta, tratava-se também de melhorar as condições de vida dos mais pobres quando se criaram caixas de socorro coletivas, destinadas à recolha das esmolas. Por esta altura, não era suficiente enquadrar a vagabundagem e a mendicidade. Segundo outros especialistas, Giginta desejava melhorar o funcionamento das instituições de caridade, fornecendo alojamento e comida aos pensionistas, propondo-lhes algumas horas de ensino e uma participação regular nos ofícios. Idealizou até a instauração de dias de descanso e o acesso facilitado à cultura, com a criação de pequenos museus abertos ao público. É verdade que Giginta foi influenciado pelas decisões tomadas por ocasião do Concílio de Trento e pela leitura de textos dos homens do seu tempo, mas provou ter uma grande originalidade. Enquanto na maior parte das grandes cidades europeias se observava a vontade de enquadramento dos comportamentos individuais sob a forma de uma regulamentação muito autoritária da mendicidade, ele preconizava a prevenção e a readaptação social. Dava importância ao acolhimento a dar aos mais pobres e à organização da sua vida quotidiana. Por forma a garantir uma certa independência, preconizou mesmo o autofinanciamento, através da venda de produtos manufaturados e da recolha do dinheiro das esmolas. Este globetrotter da beneficência não quis só sensibilizar e alertar as autoridades. Seguiu as pegadas de São Lourenço. Durante o seu périplo – muito provavelmente feito a pé, de mula ou a cavalo –, Giginta deixou para trás feitos concretos e projetos abortados. Porque terá percorrido milhares de quilómetros para encontrar a via do bem comum, desejaria situar a obra de Giginta num quadro definitivamente europeu. A este respeito, há ruturas e continuidades.

posé d’écrire ces quelques lignes, il m’a semblé important de souligner le combat de Miquel de Giginta, un combat qui l’avait conduit aux quatre coins de la péninsule ibérique en vue de défendre son projet auprès des Cortès de Castille et du roi Enrique Ier du Portugal. Tout au long de sa vie, Giginta a laissé des traces sous la forme d’écrits et de réalisations concrètes. Même s’il existait déjà quelques maisons de miséricorde avant que ne soit publié son traité, c’est bien lui qui aurait influencé les autorités politiques et religieuses pour qu’elles viennent en aide aux plus pauvres, aux malades et aux infirmes À ses yeux, les Casas de Misericordia seraient des établissements où tout serait organisé pour les secourir et les éduquer. Elles ne devaient être, ni vraiment des ateliers ayant une finalité économique, ni vraiment des hôpitaux destinés à contenir la propagation des épidémies : elles étaient conçues comme des lieux de vie ayant vocation à les aider, à les réinsérer, à les instruire et à les purifier. Cette guérison (du corps et de l’âme) était la vocation essentielle de ces établissements dans le respect de la religion catholique (compassion, charité) et de la tradition du culte des saints. D’après Bronislaw Geremek, célèbre historien polonais qui a été l’un des premiers à découvrir les écrits de Giginta, il s’agissait aussi d’améliorer les conditions de vie des plus pauvres en créant des caisses de secours collectives destinées à recueillir les aumônes. À cette époque, il ne fallait pas seulement encadrer le vagabondage et la mendicité. Selon d’autres spécialistes, Giginta souhaitait améliorer le fonctionnement des institutions de charité, c’est-à-dire offrir le gîte et le couvert aux pensionnaires tout leur proposant quelques heures d’enseignement et une participation régulière aux offices. Il aurait même eu l’idée d’instaurer des journées de repos et de favoriser l’accès à la culture en aménageant de petits musées ouverts au public. Certes, Giginta a été influencé par les décisions prises à l’occasion du Concile de Trente et par la lecture des tex-

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Na maior parte das publicações consagradas à história da proteção social, os especialistas apontam o Renascimento como tendo sido o momento de viragem. Para outros universitários que consagram os seus trabalhos ao desenvolvimento da ação social, esta intervenção teria ocorrido bem mais tarde: teria sido o prolongamento das medidas tomadas a partir do século xix para responder às pretensões dos movimentos operários. Quando se estuda a história e o desenvolvimento da proteção social nos diferentes países que atualmente compõem a União Europeia, não devemos ocultar o cunho das origens. Idem quando se trata de estudar as representações coletivas, incluindo as dos nossos dias. A conceção de programas de luta contra a exclusão responde sempre a imperativos. Mas inscreve-se numa história, numa cultura. Dito de

tes des hommes de son temps. Mais il a fait preuve d’une grande originalité. Alors que dans la plupart des grandes villes européennes on observait une volonté d’encadrement des comportements individuels sous la forme d’une réglementation très autoritaire de la mendicité, il préconisait la prévention et la réadaptation sociale. Et il accordait de l’importance à l’accueil qui devait être réservé aux plus pauvres et à l’organisation de leur vie quotidienne. De manière à garantir une certaine indépendance, il avait même prévu d’atteindre un auto-financement en vendant des productions manufacturées et en recueillant l’argent des aumônes. Ce « globe trotter » de la bienfaisance n’a pas seulement voulu sensibiliser et alerter les autorités, il a suivi les traces de Saint Laurent. Durant son périple – qu’il a très certainement effectué à pied, à dos de mule ou à cheval –, Giginta a laissé derrière lui des réalisations concrètes et des projets avortés. Parce qu’il aura parcouru des milliers de kilomètres en vue de trouver la voie

GIGINTA SOUHAITAIT AMÉLIORER LE FONCTIONNEMENT DES INSTITUTIONS DE CHARITÉ, C’EST-À-DIRE OFFRIR LE GÎTE ET LE COUVERT AUX PENSIONNAIRES TOUT LEUR PROPOSANT QUELQUES HEURES D’ENSEIGNEMENT ET UNE PARTICIPATION RÉGULIÈRE AUX OFFICES outro modo, apesar da crise económica e do seu impacte nas condições de vida das classes mais modestas, a situação que hoje conhecemos não é, felizmente, comparável à dos nossos antepassados, porque existe uma rede de segurança e toda uma série de medidas que visam ajudar os mais pobres. Dito isto, as questões que os intelectuais da Idade Moderna se colocavam são de uma atualidade enorme e acordam o nosso imaginário. Convidam-nos a pôr em causa os fundamentos da assistência porque se trata de acompanhar com cautela todos os que, por causa de um problema de saúde ou pela conjuntura económica, se viam sem poder ganhar a vida através do trabalho. Sublinham já a necessidade, com os seus ganhos e perdas, duma mutualização do risco.

du bien commun, je souhaiterais situer son œuvre dans un cadre résolument européen. À cet égard, il existe des ruptures et des continuités. Dans la plupart des publications consacrées à l’histoire de la protection sociale, les spécialistes indiquent que la Renaissance aurait marqué un véritable tournant. Pour d’autres universitaires qui consacrent leurs travaux au développement de l’action sociale, cette intervention serait beaucoup plus tardive ; elle serait le prolongement des mesures prises à partir du XIXème siècle en vue de répondre aux demandes émanant des mouvements ouvriers. Or, quand on étudie l’histoire et le développement de la protection sociale dans les différents pays qui composent actuellement l’Union européenne, nous ne devons pas occulter l’empreinte des origines. Il en est de même quand il s’agit d’étudier des représentations collectives, y compris de nos jours. La conception des programmes de lutte con157

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GIGINTA, REFORMADOR SOCIAL Cerca de 1534: Nascimento de Miquel de Giginta, em Perpignan. Cerca de 1560-1565: Após ter seguido estudos universitários em Perpignan e em Lérida, Giginta torna-se cónego do capítulo da catedral de Elne. 1563: Epidemia de peste em Perpignan e fundação, nos estados pontifícios, de uma casa dos mendicantes, onde a subsistência é assegurada pelo trabalho e pelas esmolas. Cerca de 1574: Giginta afasta-se da comunidade de Elne.

tre les exclusions répond toujours à des impératifs. Mais elle s’inscrit dans une histoire, une culture. En le disant autrement, malgré la crise économique et son impact sur les conditions de vie des catégories les plus modestes, la situation que nous connaissons aujourd’hui actuellement n’est heureusement pas comparable avec celle que connaissaient nos aïeux car il existe un filet de sécurité et toute une série de mesures visant à aider les plus pauvres. Cela étant dit, les questions que se posaient les intellectuels des Temps modernes sont d’une étonnante actualité et elles réveillent nos imaginaires. Elles nous invitent à réinterroger les fondements de l’assistance car il s’agit d’accompagner en douceur tous ceux qui, en raison d’un problème de santé ou de la con-

ENQUANTO NA MAIOR PARTE DAS GRANDES CIDADES EUROPEIAS SE OBSERVAVA A VONTADE DE ENQUADRAMENTO DOS COMPORTAMENTOS INDIVIDUAIS SOB A FORMA DE UMA REGULAMENTAÇÃO MUITO AUTORITÁRIA DA MENDICIDADE, GIGINTA PRECONIZAVA A PREVENÇÃO E A READAPTAÇÃO SOCIAL 1576-1577: Giginta encontra-se em Madrid e redige um primeiro documento destinado ao rei Felipe II. 1577-1580: Giginta vai para Portugal, onde é bem acolhido. Traduz o texto para português e, em seguida, publica o seu Tratado de Remedio de Pobres (1579), em Coimbra. Pouco tempo após a morte do rei Henrique I, abandona o posto que lhe tinha sido confiado em Évora e regressa a Castela. 1580-1582: Em Toledo e em Madrid, Giginta multiplica as ações e as publicações em prol da difusão das suas ideias. É-lhe confiada a organização de uma instituição de novecentos lugares, em Madrid. É criada uma casa em Granada. O seu projeto nem sempre é bem compreendido e falha em Jaén, Sevilha, Burgos, Valladolid, Oviedo... 1583-1588: Giginta desloca-se à Catalunha e a Aragão.

joncture économique, se trouvaient incapables de gagner leur vie par leur propre labeur. Elles soulignent déjà l’intérêt et les enjeux d’une mutualisation des risques. GIGINTA, RÉFORMATEUR SOCIAL Vers 1534 : Naissance à Perpignan de Miquel de Giginta. Vers 1560-1565 : Après avoir suivi des études universitaires à Perpignan et à Lérida, Giginta devient chanoine du chapitre de la cathédrale d’Elne. 1563 : Epidémie de peste à Perpignan et fondation, dans les états pontificaux, d’une maison des mendiants où la subsistance est assurée par le travail et les aumônes. Vers 1574 : Giginta s’absente de la communauté d’Elne. 1576-1577 : Giginta se trouve à Madrid et rédige un premier document destiné au roi Felipe II

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ALORS QUE DANS LA PLUPART DES GRANDES VILLES EUROPÉENNES ON OBSERVAIT UNE VOLONTÉ D’ENCADREMENT DES COMPORTEMENTS INDIVIDUELS SOUS LA FORME D’UNE RÉGLEMENTATION TRÈS AUTORITAIRE DE LA MENDICITÉ, IL PRÉCONISAIT LA PRÉVENTION ET LA RÉADAPTATION SOCIALE Imprime duas obras: Exhortación a la Compassión y Misericordia de los Pobres (1583) e Cadena de Oro (1584). Uma carta dos conselheiros da cidade de Barcelona ao Papa Gregório XIII menciona o estado de fadiga de Giginta, então com 50 anos. No entanto, prossegue o seu combate por ver reconhecidas as casas da misericórdia. Desloca-se a Perpignan, a Huesca (onde segue as pegadas do mártir São Lourenço), a Valência e a Saragoça, onde escreve e imprime um Discurso en prueva de que el glorioso mártir San Lorenzo fué cardinal de la Santa Iglesia de Roma. 1588: Perde-se o rasto de Giginta, provavelmente morto durante uma epidemia de peste.

BIOGRAFIA Bronislaw GEREMEK, La potence ou la pitié. L’Europe et les pauvres du Moyen Âge à nos jours, Paris, Gallimard, 1987. Miquel de GIGINTA, Tratado de remedio de pobres,

1577-1580 : Giginta rejoint le Portugal où il reçoit un bon accueil et publie à Coïmbra le Tratado de remedio de Pobres (1579). Peu de temps après le décès du roi Enrique Ier, il met un terme à la mission qui lui avait été confiée de créer une Casa à Evora et retourne en Castille. 1580-1582 : A Tolède et à Madrid, Giginta multiplie les actions et les publications pour la diffusion de ses idées. On lui confie l’organisation d’une institution de 900 places à Madrid. Il est crée une Casa à Grenade. Son projet n’est pas toujours bien perçu et il échoue à Jaén, Séville, Burgos, Valladolid, Oviedo... 1583-1588 : Giginta se déplace en Catalogne et en Aragon. Il fait imprimer deux ouvrages : Exhortación a la compassión y misericordia de los pobres (1583) et Cadena de Oro (1584). Une lettre des conseillers de la ville de Barcelone au pape Grégoire XIII mentionne qu’il est déjà fatigué car déjà âgé de 50 ans. Pourtant il poursuit son combat afin de voir reconnues les Casas de Misericordia. Il se rend à Perpignan, à Huesca (où il suit les traces du martyr San Lorenzo), à Valencia et à Saragosse où il rédige et fait imprimer un Discurso en prueva de que el glorioso Mártir San Lorenzo fué cardinal de la Santa Iglesia de Roma. 1588 : On perd trace de Giginta quand il revient dans la région de Perpignan. Il serait probablement mort lors d’une épidémie de peste.

Coïmbra, Imp. Antonio de Mariz, 1579 (ed. Félix SANTOLARIA SIERRA, Barcelone, Ariel Historia, 2000). Alexandre PAGÈS (dir.), Giginta. De la charité au programme social, Perpignan, Presses universitaires de Perpignan, 2012.

(cf : le biographe indique que Giginta aurait été “envoyé” à Evora pour créer une Casa mais ce n’est pas un poste : il est toujours resté chanoine auprès du chapitre de la cathédrale d’Elne.

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O COLÉGIO

ARAÚJO Fundado em finais do século xix por força das determinações testamentárias do benfeitor Francisco Gomes de Araújo, o Colégio Araújo guarda uma história de várias décadas dedicada à “instrucção gratuita de meninas e meninos na freguesia de São Jorge de Arroios”, em Lisboa. Texto de Francisco Santana

L

igando em cotovelo as ruas de D. Estefânia e de Alexandre Braga, temos a Travessa da Escola Araújo. Creio bem que qualquer curioso dos problemas que por vezes a toponímia suscita formulará de imediato duas perguntas: que escola deu nome à travessa? Quem era o Araújo que deu nome à escola? O testamento de Francisco Gomes de Araújo, cuja certidão está guardada no Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, responde parcialmente à primeira das perguntas formuladas e, de modo cabal, à

segunda questão. Esclareça-se que a consulta deste documento foi quase o culminar de uma longa pesquisa e, se ele surge, qual deus ex machina, a abrir a exposição que se segue, é isso devido à provavelmente vã tentativa de dar a esta exposição uma melhor arrumação. Francisco Gomes de Araújo faz o seu testamento em 16 de fevereiro de 1880. Neste, declara ser filho de Constantino José de Araújo e de D. Maria do Carmo Araújo, já falecidos, natural da freguesia de São João da Praça e nela batizado, viúvo de D. Maria José do Livramento

Santos, asseverando ainda não ter descendentes. Pelo ato da abertura do testamento ficamos também a saber que era proprietário, morador na Rua Direita de Arroios, n.º 227, 2.º, e que faleceu em 16 de outubro de 1880. Cotejando estes dados com os registos paroquiais, verificamos que Francisco Gomes de Araújo nasceu em 14 de novembro de 1815 e foi batizado em 26 do mesmo mês, sendo os seus pais “moradores na rua de S. Joam da Praça desta Freguezia, onde foram recebidos”. Quanto ao registo do

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óbito, dele consta que no dia 16 de outubro de 1880, “pelas seis horas da manhã, no Largo de Arroyos n.º 227 […] falleceu, tendo recebido os sacramentos, Francisco Gomes de Araujo, de edade sessenta e cinco annos, proprietario […]”. Na sua edição de 17 de outubro de 1880, regista o Diário de Notícias que, na véspera, falecera Araújo e que o funeral sairia “da sua casa no largo de Arroios, 227, 2º para o cemitério oriental”. As disposições testamentárias, se devidamente analisadas, dariam ponderável contributo para o conhecimento da personalidade de Francisco Gomes de Araújo. Mas, sem detenção nos numerosos legados a particulares e a instituições com papel assistencial (Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Hospital de São José, Albergue dos Inválidos do Trabalho), nas esmolas que mandava dar e nas missas (“ditas por um sacerdote pobre e velho”) que mandava celebrar, nas determinações sobre o destino do seu corpo (que seria embalsamado e repousaria no seu jazigo, o n.º 1524 do Cemitério Oriental), nas pompas litúrgicas que queria postumamente garantir (“Deixo à Irmandade do Santíssimo de São Jorge de Arroios três contos de reis em metal, com a condição de mandar cantar todos os annos a instrumental a missa vulgarmente chamada do galo, e fazer os officios da Semana Santa a cantochão”), atentemos no legado que respeita ao tema desta prosa. No seu testamento, Francisco Gomes de Araújo declara: “Dei-

Procuração passada pelo Hospital de São José concedendo poderes de representação em juízo à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para cobrança de dívidas de legados pios não cumpridos, deixados por Francisco Gomes de Araújo. Inclui o substabelecimento dos referidos poderes feito pela Misericórdia de Lisboa a Sebastião Maria Gonçalves Freire. Datas extremas: 1.10.1881-17.11.1881

xo ao Asylo de mendicidade desta cidade quinze contos de reis nominaes em inscripções com a obrigação d’estabelecer no prazo d’um anno do meu fallecimento, um collegio para instrucção gratuita de meninas e meninos na freguesia de São Jorge de Arroios, o qual se denominará ‘Collegio d’Araujo’

devendo o dito Asyllo pagar à mestra, comprar mobilia e fazer todas as despesas precisas para sustentar o dito collegio sem luxo, mas com decencia, e bem assim mandará pôr na frente d’uma das janellas do Collegio, uma tabella com a indicação seguinte = Collegio Araujo – Educação gratuita para 161

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NO SEU TESTAMENTO, FRANCISCO GOMES DE ARAÚJO DECLARA: “DEIXO AO ASYLO DE MENDICIDADE DESTA CIDADE QUINZE CONTOS DE REIS NOMINAES EM INSCRIPÇÕES COM A OBRIGAÇÃO D’ESTABELECER NO PRAZO D’UM ANNO DO MEU FALLECIMENTO, UM COLLEGIO PARA INSTRUCÇÃO GRATUITA DE MENINAS E MENINOS NA FREGUESIA DE SÃO JORGE DE ARROIOS, O QUAL SE DENOMINARÁ ‘COLLEGIO D’ARAUJO’” meninos e meninas = imponho mais ao dito asylo, a obrigação de ter a seu cargo a conservação e limpeza interior e exterior do meu jazigo no Cemiterio Oriental, e na Capella deste Cemiterio mandará dizer todos os annos e no dia 12 de Janeiro, uma missa por alma de minha mulher por ser o aniversario do seu fallecimento.” O Asilo de Mendicidade não se furtou ao cumprimento das obrigações que sobre si impendiam, como se pode verificar por notícia inserta no Diário de Notícias de 17 de outubro de 1881,

sob o título “Collegio Araujo”: “O dia de hontem ficará assinalado nos fastos da historia da instrucção popular da cidade de Lisboa, com a inauguração de uma nova escola devida à iniciativa de um cidadão benemerito, o fallecido Francisco Gomes de Araujo […]. No palacio da rua Direita de Arroyos n.º 158 A, foi solemnemente inaugurado um collegio para a educação de creanças de ambos os sexos, fundado com o legado que para esse fim deixou aquelle bemfeitor.” Indica ainda o mencionado periódico que, na sessão inaugural do Colégio Araújo, falaram Alfredo de Queiroz Guedes, provedor do Asilo da Mendicidade, Alfredo Mendes da Silva, primeiro testamenteiro, Teófilo Ferreira, em representação da Câmara Municipal de Lisboa, e Francisco Simões Margiochi, pela Direcção das Casas de Asilo da Infância Desvalida. A referida notícia fornece também o número de crianças matriculadas: “Estão já matriculadas 32 creanças, sendo 15 do sexo masculino e 17 do sexo feminino; a todas foi servido um abundante jantar.”

Uma outra fonte, os róis das desobrigas quaresmais da paróquia de São Jorge de Arroios de 1882 a 1886, dão notícia do colégio e de um Salvador José e familiares, funcionando na Rua Direita de Arroios (o último dos róis mencionados faculta localização mais precisa: no 1º andar esquerdo do n.º 160). Em 1887 está o colégio no n.º 2 da Rua de D. Estefânia. Nesta morada o situam os róis dos anos seguintes (embora com alterações nos números de polícia) até 1899. Não consegui consultar os róis de 1900 e 1901 e, a partir de 1902, já não há nesta documentação notícia da Escola (ou Colégio) Araújo. Com idêntico caprichismo na atribuição dos números de polícia, também o Anuário Comercial refere o Colégio Araújo nas suas edições de 1899 (denominado então Almanaque) e de 1901. Nas edições de 1921 e de 1926 do mesmo Anuário Comercial constam indicações de dependência, do Ministério do Trabalho e do Interior, respetivamente. Ficou acima registado que, decorrido um ano sobre a morte de Araújo, foi inaugurado o co-

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légio e também que, no princípio de 1887 (quando da elaboração do rol dos confessados), já ele funcionava na Estefânia. Sobre as novas instalações, expressamente construídas para este estabelecimento de ensino, esclarece-nos o processo da obra n.º 35975, do Arquivo Municipal de Lisboa, conjunto de documentos que inclui uma informação sobre requerimento de 10 de abril de 1886 da Administração do Asilo de Mendicidade respeitante à “edificação destinada ao Collegio Araujo que se pretende fazer na rua de D. Estephania”. O mesmo processo inclui também o projeto, composto por um corpo de rés-do-chão com cinco janelas, seguido de um de 1º andar com três janelas, e uma porta ladeada por duas janelas no rés-do-chão virado para a Rua de D. Estefânia. Na Travessa da Escola Araújo, para quem torneja o edifício, o projeto mostra ainda uma frente lateral virada a sul, de rés-do-chão com quatro janelas seguidas por uma porta e um 1º andar com cinco janelas. O mais que centenário edifício lá continua, ostentando a sua decrepitude. Complementando outros dados constantes deste processo do Arquivo Municipal com os facultados pelo volume que compila os diversos atos da Provedoria da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, é possível obter algo que se assemelhe a um esqueleto cronológico do que poderia ser a história deste estabelecimento de ensino e da assistência mediante

o qual, durante cerca de um quarto de século, a Santa Casa exerceu a sua ação benfazeja. A transferência do colégio para a Misericórdia de Lisboa resulta do Decreto n.º 15778, de 23 de julho de 1928, que concentra na Santa Casa da capital diversos estabelecimentos até aí subordinados à Direção-Geral da Assistência. Um aspeto, talvez de pormenor, é a abertura, em 20 de dezembro de 1934, de concurso para “fornecimento de fardamentos aos alunos do Colégio Araújo”. De 16 de outubro, 16 de novembro e 23 de dezembro de 1937 datam os ofícios da Santa Casa para a Câmara Municipal de Lisboa (CML), respeitantes a obras a efetuar no edifício “onde se encontra instalado o Colégio Araújo”. Outro documento de 9 de fevereiro de 1938, refere já estarem em curso as obras “no prédio n.os 14 e 16 da Rua de D. Estefânia (Colégio Araújo)”. Uma outra informação da fiscalização de obras da CML, datada de 31 de março de 1951, refere que “a propriedade em referência é uma Escola, pertença da Santa Casa da Misericórdia”. Mas, por pouco tempo o seria e, ainda por menos, neste edifício funcionaria o Colégio Araújo. Por despacho do subsecretário de Estado da Assistência Social, de 18 de setembro de 1952, foram encerrados três semi-internatos da Misericórdia, entre eles o Colégio Araújo. Referindo-se já no pretérito a este estabelecimento de ensino, a Santa Casa, por ofício de 24 de fevereiro de 1953 dirigido

à Câmara Municipal de Lisboa, informa ter “feito entrega ao Ministério da Educação Nacional do prédio sito na Rua de D. Estefânia n.os 14 e 16, onde esteve instalado o Colégio Araújo”. O Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa integra um fundo documental, ainda em fase de tratamento arquivístico, respeitante ao Colégio Araújo. Quando estiver acessível aos investigadores, algum destes poderá sentir-se tentado a historiar este estabelecimento de ensino. Espero que alguma serventia encontre nas linhas precedentes.

BIBLIOGRAFIA Documentação impressa Anuário Comercial Diário de Notícias de 17.10.1880 e 17.10.1881 Provedoria da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa desde 1851, Lisboa 1995 Documentação manuscrita Arquivos Nacionais/Torre do Tombo L.º 5 de Baptismos de São João da Praça, F.76 L.º 9 de Óbitos de São Jorge de Arroios, F.15V Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa Maço 13 de Testamentos, Processo n.º 20 Arquivo Municipal de Lisboa Processo de Obra n.º 35975 Gabinete de Estudos Olisiponenses Ficheiro de Pastor de Macedo Arquivo da Paróquia de São Jorge de Arroios Livros de desobrigas

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LEGISLAÇÃO OUTUBRO DE 2013 A FEVEREIRO DE 2014 | N.OS 31 |

DECRETO-LEI 135/2013, de 04-10 IN: Diário da República, série I, nº 192/2013, de 04-10, pp. 6012-6018 Resumo: Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 82/2009, de 2 de abril, que estabelece as regras de designação, competência e funcionamento das entidades que exercem o poder de autoridade de saúde. DECRETO-LEI 138/2013, de 09-10 IN: Diário da República, série I, nº 195/2013, de 09-10, p. 6068-6071 Resumo: Define as formas de articulação do Ministério da Saúde e os estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com as instituições particulares de solidariedade social, bem como estabelece o regime de devolução às Misericórdias dos hospitais objeto das medidas previstas nos Decretos-Leis nºs 704/74, de 7 de dezembro, e 618/75, de 11 de novembro, atualmente geridos por estabelecimentos ou serviços do SNS. DECRETO-LEI 139/2013, de 09-10 IN: Diário da República, série I, nº 195/2013, de 09-10, pp. 6071-6075 Resumo: Estabelece o regime jurídico das convenções que tenham por objeto a realização de prestações de saúde aos utentes do Serviço Nacional de Saúde no âmbito da rede nacional de prestação de cuidados de saúde. DECRETO REGULAMENTAR 6/2013, de 15-10 IN: Diário da República, série I, nº 199/2013, de 15-10, pp. 6100-6101 Resumo: Procede à terceira alteração ao Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, que regulamenta o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social. DECRETO-LEI 146/2013, de 22-10 IN: Diário da República, série I, nº 204/2013, de 22-10, pp. 6208-6209 Resumo: Procede à 12ª alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, e à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho.

PORTARIA 322/2013, de 30-10 IN: Diário da República, série I, nº 210/2013, de 30-10, p. 6320 Resumo: Fixa as normas regulamentares necessárias à repartição dos resultados líquidos de exploração dos jogos sociais atribuídos à Presidência do Conselho de Ministros. DECRETO-LEI 151-A/2013, de 31-10 IN: Diário da República, série I, nº 211, supl./2013, de 31-10, pp. 6328-(2) - 6328-(3) Resumo: Aprova um regime excecional de regularização de dívidas fiscais e à Segurança Social. PORTARIA 325/2013, de 01-11 IN: Diário da República, série I, nº 212/2013, de 01-11, p. 6330 Resumo: Primeira alteração à Portaria n.º 205/2013, de 19 de junho, que aprova o Regulamento do Programa de Ocupação de Tempos Livres. PORTARIA 330/2013, de 07-11 IN: Diário da República, série I, nº 216/2013, de 07-11, pp. 6418-6419 Resumo: Fixa as normas regulamentares necessárias à repartição dos resultados líquidos da exploração dos jogos sociais atribuídos ao Ministério da Administração Interna (MAI). PORTARIA 331/2013, de 07-11 Resumo: Fixa as normas regulamentares necessárias à repartição dos resultados líquidos de exploração dos jogos sociais atribuídos ao Ministério da Saúde. PORTARIA 335-A/2013, de 15-11 IN: Diário da República, série I, nº 222, 2º supl./2013, de 15-11, p. 6472-(4) Resumo: Primeira alteração à Portaria n.º 4/2012, de 2 de janeiro, que estabelece as regras de formação dos preços dos medicamentos, da sua alteração e da sua revisão anual, bem como os respetivos prazos.

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OUTUBRO DE 2013 A FEVEREIRO DE 2014 | SELEÇÃO |

LEI 80/2013, de 28-11 IN: Diário da República, série I, nº 231/2013, de 28-11, pp. 6582-6594 Resumo: Estabelece o regime jurídico da requalificação de trabalhadores em funções públicas visando a melhor afetação dos recursos humanos da Administração Pública, e procede à nona alteração à Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 74/70, de 2 de março, à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 209/2009, de 3 de setembro, e à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, revogando a Lei n.º 53/2006, de 7 de dezembro. DESPACHO 15586/2013, de 28-11 IN: Diário da República, série II, nº 231/2013, de 28-11, pp. 34714-34715 Resumo: Determina a constituição do Núcleo para a Língua Gestual Portuguesa. DESPACHO 15883/2013, de 05-12 IN: Diário da República, série II, nº 236/2013, de 05-12, p. 35188 Resumo: Cria o Conselho Nacional para a Qualidade na Saúde. LEI 81/2013, de 06-12 IN: Diário da República, série I, nº 237/2013, de 06-12, pp. 6650-6651 Resumo: Transição das freguesias no âmbito da reorganização administrativa operada pelas Leis n.os 56/2012, de 8 de novembro, e 11-A/2013, de 28 de janeiro. DECRETO-LEI 164/2013, de 06-12 IN: Diário da República, série I, nº 237/2013, de 06-12, p. 6654 Resumo: Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 279/2009, de 6 de outubro, que estabelece o regime jurídico a que ficam sujeitos a abertura, a modificação e o funcionamento das unidades privadas de serviços de saúde. DECRETO-LEI 165-A/2013, de 23-12 IN: Diário da República, série l, nº 248, supl./2013, de 23-12, pp. 6940-(2) - 6940-(4) Resumo: Cria o Fundo de Reestruturação do Setor Solidário.

DESPACHO 16618/2013, de 23-12 IN: Diário da República, série ll, nº 248/2013, de 23-12, p. 36610 Resumo: Determina o montante disponível para programas de apoio na área da infeção VIH/Sida para 2013. PORTARIA 375/2013, de 27-12 IN: Diário da República, série l, nº 251/2013, de 27-12, p. 6991 Resumo: Primeira alteração à Portaria n.º 204B/2013, de 18 de junho, que cria a medida Estágios Emprego. LEI 83-A/2013, de 30-12 IN: Diário da República, série l, nº 252, 3º supl./2013, de 30-12, pp. 7004-(8) - 7004-(19) Resumo: Primeira alteração à Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de Segurança Social. PORTARIA 377-A/2013, de 30-12 IN: Diário da República, série I, nº 252, 4º supl./2013, de 30-12, pp. 7004-(22) - 7004-(28) Resumo: Primeira alteração à Portaria n.º 301/2008, de 18 de abril, que regula os critérios e condições para a atribuição de incentivos institucionais e financeiros às unidades de saúde familiar (USF) e aos profissionais que as integram, com fundamento em melhorias de produtividade, eficiência, efetividade e qualidade dos cuidados prestados. LEI 83-B/2013, de 31-12 IN: Diário da República, série l, nº 253, supl./2013, de 31-12, pp. 7056-(2) - 7056-(57) Resumo: Aprova as Grandes Opções do Plano para 2014. LEI 83-C/2013, de 31-12 IN: Diário da República, série l, nº 253, supl./2013, de 31-12, pp. 7056-(58) - 7056-(295) Resumo: Orçamento do Estado para 2014. DECRETO-LEI 167-A/2013, de 31-12 IN: Diário da República, série I, nº 253, 3º supl./2013, de 31-12, pp. 7056-(345) - 7056-(347) Resumo: Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 126-A/2011, de 29 de dezembro, que aprova a Lei Orgânica da Presidência do Conselho de Ministros, adequando-a à atual estrutura orgânica do XIX Governo Constitucional.

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LEGISLAÇÃO OUTUBRO DE 2013 A FEVEREIRO DE 2014 | N.OS 31 |

DECRETO-LEI 167-C/2013, de 31-12 IN: Diário da República, série l, nº 253, 3º supl./2013, de 31-12, pp. 7056-(356) - 7056-(364) Resumo: Aprova a Lei Orgânica do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social. DECRETO-LEI 167-E/2013, de 31-12 IN: Diário da República, série l, nº 253, 3º supl./2013, de 31-12, pp. 7056-(364) - 7056-(369) Resumo: Altera o regime jurídico de proteção social nas eventualidades de invalidez e velhice do regime geral de Segurança Social. PORTARIA 378-G/2013, de 31-12 IN: Diário da República, série l, nº 253, 3º supl./2013, de 31-12, pp. 7056-(369) - 7056-(370) Resumo: Define o fator de sustentabilidade e idade normal de acesso à pensão de velhice para os anos de 2014 e 2015. PORTARIA 378-H/2013, de 31-12 IN: Diário da República, série l, nº 253, 3º supl./2013, de 31-12, pp. 7056-(370) - 7056-(376) Resumo: Terceira alteração à Portaria n.º 128/2009, de 30 de janeiro, que regula as medidas “Contrato emprego-inserção” e “Contrato emprego-inserção+”. DESPACHO 1025/2014, de 22-01 IN: Diário da República, série ll, nº 15/2014, de 22-01, pp. 2281-2282 Resumo: Fixa, para o ano letivo 2012/2013, o apoio financeiro estabelecido no protocolo de cooperação entre o Governo, a União das Instituições Particulares de Solidariedade Social, a União das Misericórdias Portuguesas e a União das Mutualidades Portuguesas no Programa de Expansão e Desenvolvimento da Educação Pré-Escolar. DESPACHO 1026/2014, de 22-01 IN: Diário da República, série ll, nº 15/2014, de 22-01, p. 2282 Resumo : Fixa, para o ano letivo 2012/2013, o apoio financeiro estabelecido no protocolo de cooperação entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses no Programa de Expansão e Desenvolvimento da Educação Pré-Escolar.

PORTARIA 20-A/2014, de 30-01 IN: Diário da República, série l, nº 21, supl./2014, de 30-01, p. 756-(2) Resumo: Segunda alteração à Portaria n.º 204-B /2013, de 18 de junho, que cria a Medida Estágios Emprego. PORTARIA 20-B/2014, de 30-01 IN: Diário da República, série l, nº 21, supl./2014, de 30-01, pp. 756-(2) - 756-(7) Resumo: Quarta alteração à Portaria n.º 128/2009, de 30 de janeiro, que regula as Medidas “Contrato emprego-inserção” e “Contrato emprego-inserção+”. DECRETO-LEI 19/2014, de 05-02 IN: Diário da República, série l, nº 25/2014, de 05-02, pp. 968-972 Resumo: Procede à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 48-A/2010, de 13 de maio, que aprova o regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, e à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 112/2011, de 29 de novembro, que aprova o regime da formação do preço dos medicamentos sujeitos a receita médica e dos medicamentos não sujeitos a receita médica comparticipado. DECRETO-LEI 26-A/2014, de 17-02 IN: Diário da República, série l, nº 33, supl./2014, de 17-02, pp. 1452-(2) - 1452-(5) Resumo: No uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 242º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, cria o sorteio “Fatura da Sorte”. DESPACHO 2671/2014, de 18-02 IN: Diário da República, série ll, nº 34/2014, de 18-02, p. 4967 Resumo: Estabelece o montante das verbas destinadas ao financiamento dos produtos de apoio, durante o ano de 2014. DESPACHO 2976/2014, de 21-02 IN: Diário da República, série II, nº 37/2014, de 21-02, pp. 5402-5403 Resumo: Determina que as unidades funcionais prestadoras de cuidados de saúde em matéria de intervenção dos comportamentos aditivos e das dependências no âmbito das Administrações Regionais de Saúde, I.P. (ARS,IP) denominam-se unidades de intervenção local e revestem a natureza de, nomeadamente, centros de respostas integradas, unidades de alcoologia, unidades de desabituação ou comunidades terapêuticas.

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LIVROS

| NOSSA SUGESTÃO |

Renascer em Alcoitão. Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão Autor: Dora Santos Rosa Edição: SCML, 2013 ISBN: 978-972-8761-99-8 Preço: ¤14

Inovação e Sustentabilidade em Saúde: Equação impossível?

O Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA), da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, foi planeado de acordo com os modelos aprendidos em países que constituíam a vanguarda dos cuidados de reabilitação à época. É esta história que se narra na primeira parte deste livro, relato onde ficam expostas as linhas orientadoras de um equipamento ímpar. No CMRA, a excelência do passado mantém-se. A segunda parte do livro dá a conhecer o dia-a-dia do Centro, a dedicação dos seus profissionais e as histórias muitas vezes dramáticas dos que ali chegam. São estes relatos que dão a conhecer Alcoitão, o lugar onde muitos dizem “renascer”.

40 Contribuições Pessoais para a Sustentabilidade

Autor: Vários Edição: Diário de Bordo Editores, 2011 ISBN: 978-989-970-871-6 Preço: ¤10 Na atual conjuntura de crise económica e financeira, surge como urgente a sustentabilidade dos sistemas de saúde nacionais. O equilíbrio entre a garantia do direito dos cidadãos a cuidados de saúde de qualidade e a gestão da dívida pública é a equação sobre a qual refletem os diversos autores deste livro.

Autor: Genebaldo Freire Dias Edição: Gaia Editora, 2005 ISBN: 978-857-555-038-0 Preço: ¤12,72 Constatando a progressiva degradação do meio ambiente a que assistimos, Genebaldo Freire Dias, uma das vozes mais sonantes do socioambientalismo, oferece 40 sugestões práticas para os cidadãos adotarem uma postura ativa de defesa do ambiente, contribuindo assim para a criação de uma sociedade mais justa.

Empreendedorismo e Inovação

Criatividade e Inovação

Autor: Soumodip Sarkar Edição: Escolar Editora, 2014 ISBN: 978-972-592-406-8 Preço: ¤32,50 Entender os conceitos de empreendedorismo e inovação, e a forma íntima como se interligam, é o objetivo principal desta publicação. O autor oferece respostas a algumas questões correntes, como quais os passos a dar na criação de empresas inovadoras ou as medidas de empreendedorismo e inovação que um país deve adotar.

Autor: António Oliveira das Neves (coord.) Edição: Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, Gabinete de Estratégia e Planeamento, 2010 ISBN: 978-972-704-362-0 Preço: ¤13,78 Diversos autores abordam o tema da inovação e criatividade associado à questão da aprendizagem ao longo da vida. Desta forma, é evidenciada a complexidade e riqueza das relações que se estabelecem entre as atividades e iniciativas da esfera da criatividade e inovação e as qualificações escolares e profissionais.

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AGENDA MAIO DE 2014 A JULHO DE 2014

DESTAQUE CAFÉ MEMÓRIA: O Ponto de Encontro para pessoas com problemas de memória e seus familiares Organização: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Lisboa Data: 1.º sábado de cada mês Hora: 09h00 – 11h00 Local: Portugália, Centro Colombo http://www.scml.pt/

ABRIL Negócio 25 DaCursoIdeiacomaouma forte

Um Cérebro para 30 Todas as Idades

componente prática. «Learn how to bring any idea, service technology, patent or product to the market and risk to succeed!» Organização: Universidade Nova de Lisboa Data: 25 a 27 de abril (2.ª edição) e 9 a 23 de maio (3.ª edição), NOVA SBE www.unl.pt/pt/eventos/

Formação destinada “a todos os que querem perceber o que se passa nos seus próprios cérebros e querem acabar com mitos, apagar alguns medos e tirar o melhor partido daquilo que a natureza criou”. Organização: Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa (UCP), Lisboa,

Data: 30 de abril; 7 e 14 de maio Hora: 18:00-20:00, UCP (sede) www.ics.lisboa.ucp.pt/

MAIO Seminário 8 8.º Internacional de Investigação em Enfermagem Organização: Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa (UCP), Porto Data: 8 a 10 de maio Local: UCP, Porto – Campus Foz www.ics.lisboa.ucp.pt/

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2.º Congresso Internacional de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria Desafios & Inovação em Saúde

Data: 9 e 10 de maio Local: Instituto Politécnico de Leiria www.health.ipleiria.pt/

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MAIO DE 2014 A JULHO DE 2014

MAIO

9 Conferência The Welfare State in Portugal in the Age of Austerity Organização: ISEG Local: Universidade de Lisboa https://aquila5.iseg.ulisboa. pt/aquila/instituicao/ISEG/ docentes-e-investigacao/ conference-theme

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Congresso de 10 IXNeurociências & Educação Especial PsicoSoma, Estimular, Prevenir e (Neuro)Educar… com Felicidade! Data: 10 e 11 de maio Organização: PsicoSoma Local: Viseu https://viicongressoneuro cienciaseducacaoespecial. wordpress.com/ Ciência 14 Espiritualidade, e Saúde/Conferência

Ação de Formação Marketing na Saúde Organização: Escola Superior de Enfermagem de Lisboa Data: 10 a 17 de maio www.esel.pt/NR/rdonlyres/ D15E881E-1352-45BB908D-87C9C027FAED/0/ prog_marketing.pdf

16 Conferência Internacional Autism in Pink Durante a conferência serão apresentados os resultados de um projeto europeu que explora a forma como o autismo afeta mulheres jovens. O objetivo da conferência é fomentar a discussão

“Spirituality in Patient Care”; Workshop “Research in religion, spirituality and health” Orador: Harold G. Koenig, MD

Organização: Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa (UCP) Local: UCP (sede), Lisboa www.ics.lisboa.ucp.pt/

em torno do diagnóstico e apoio a mulheres e raparigas com autismo. Local: Fundação Calouste Gulbenkian, Auditório 2, Lisnboa http://fpda.pt/autismpink-internationalconference-2014

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AGENDA MAIO DE 2014 A JULHO DE 2014

MAIO

24 Ciclo de Conferências 2014 – CENFIP A escola da geração digital: desorientação, criatividade e inovação Organização: Centro de Formação e Inovação

dos Profissionais de Educação (CENFIPE), escolas associadas, Coordenação Concelhia das Bibliotecas Escolares e Câmaras Municipais Local: Ponte da Barca, 24 de maio; Paredes de Coura, 25 de outubro www.cenfipe.edu.pt

ESC Congress 28 13th Challenges in Sexual and Reproductive Health Organização: European Society of Contraception and Reproductive Health (ESC) Data: 28 a 31 de maio Local: Centro de Congressos de Lisboa www.escrh.eu/events/escevents/2014

JUNHO Society 18 European for Population Economics Conference

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8.º Congresso Nacional do Idoso Tendo em conta o aumento da esperança média de vida verificada nos últimos 30 anos, torna-se indispensável adequar a formação médica e os padrões sociais a esta nova realidade. Presidente da comissão organizadora: Dr. José Canas Silva, diretor do Serviço de Reumatologia do Hospital

A 28.ª Conferência da European Society for Population Economics (ESPE) tem como objetivos facilitar a troca de ideias e resultados numa variedade de áreas de especialização que incluem economia da família, economia do trabalho, economia pública, demografia e economia da saúde.

Garcia de Orta; presidente da comissão científica: Prof. Doutor A. Pacheco Palha, professor catedrático jubilado da faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Data: 26 e 27 de junho Local: Centro de Congressos de Lisboa www.admedic.pt/ ficheiros/congressos/ programa1392047033.pdf

Organização: ESPE e Universidade do Minho, Braga Data: 18 a 20 de junho Local: Universidade do Minho, Campus de Gualtar www.econbiz.de/events/ event/28th-espe-annualconference-2014-europeansociety-for-populationeconomics/10009773675

Summer School 30 CES “Aprender com o Sul: Caminhando para traduções interculturais” Organização: Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, no âmbito de projeto ALICE – Espelhos Estranhos, Lições imprevistas Data: 30 de junho a 8 de julho de 2014 Local: Curia, Anadia www.ces.uc.pt/ cessummerschool/alice/

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