Cidade Solidária n.º 36

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Nº36 2016 REVISTA SEMESTRAL PORTUGAL: 3,60€

CIDADE SOLIDÁRIA

SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA

SAÚDE E SOCIEDADE: agir sobre os determinantes sociais

refugiados I inovação hospitalar I cultura de segurança


HOSPITAL DE SANT’ANA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA O Hospital de Sant’Ana está desde o seu início vocacionado para a prevenção, tratamento e reabilitação de patologias no sistema musculoesquelético, nas quais se assume como um hospital de referência nacional. Aqui encontra um corpo clínico altamente qualificado para um melhor atendimento em: Ortopedia Geral | Subespecialidades de Ortopedia (Anca, Coluna, Joelho, Pé e Tornozelo, Mão, Ombro, Ortopedia Geriátrica, Ortopedia Infantil) | Reumatologia | Fisiatria (Fisioterapia e Terapia Ocupacional) Cirurgia Plástica | Dermatologia | Medicina Interna| Nutrição | Urologia | Oftalmologia| Otorrinolaringologia | Psicologia Pode também realizar e marcar os seguintes exames: Ecografia, Osteodensitometria, RX, TAC e Ressonância Magnética Marcação de exames: T. 21 458 56 21 (14h00 - 17h00) E-mail: imagiologiahosa@scml.pt Presencial: 11h00 - 17h00

Marcação de consultas: T. 21 458 56 14 (9h00 - 17h00) E-mail: consultashosa@scml.pt Presencial: 11h00 - 17h00

HOSPITAL DE SANT’ANA


EDITORIAL Saúde – o bem mais precioso

A

Saúde é e sempre foi encarada, desde a sua fundação, como um eixo prioritário para a atuação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. E sempre o fizemos numa perspetiva altruísta e solidária, de forma a estar junto de quem mais precisa e a suprir a falta de respostas do Estado ou a complementá-las. Acreditamos que a Saúde, por ser o bem mais precioso do ser humano, merece toda a nossa atenção e empenho, não apenas em termos de investimento, como também numa ótica de humanidade e proximidade. Temos por isso norteado a nossa ação por uma forte intervenção na diversificação da prestação de cuidados de saúde aos mais fracos, desprotegidos e necessitados. Para além das oito Unidades de Saúde Primária de que dispomos na região de Lisboa, do Centro de Medicina e Reabilitação de Alcoitão ou do Hospital Ortopédico de Sant’Ana, procuramos dar resposta aos novos desafios que surgiram nos últimos anos, motivados pelo envelhecimento da população e pelas grandes dificuldades económicas e sociais. Daí a nossa aposta tanto na prevenção — com a introdução, em 2012, do programa itinerante de rastreios “Saúde Mais Próxima” — como na investigação, com a criação, em 2013, das Bolsas Santa Casa Neurociências. Além disso, e porque pensamos numa ótica de intergeracionalidade e multidisciplinaridade e queremos ajudar na melhoria da qualidade de vida de todos, apostámos também na prestação de cuidados continuados e paliativos, uma carência enorme na região de Lisboa. À Unidade de Cuidados Continuados Maria José Nogueira Pinto, irá juntar-se brevemente, se Deus quiser, o antigo Hospital Militar da Estrela. Mas, apesar de trabalharmos diariamente de forma enérgica no aperfeiçoamento da nossa resposta a todos os níveis — nomeadamente no que se refere a equipamentos —, ainda há muito que se pode e deve fazer. Lisboa e Vale do Tejo é uma das regiões com a percentagem mais alta de população com baixo acesso a quase todos os tipos de internamento. Consideramos pois necessário dotar a Grande Lisboa de mais respostas, tanto ao nível de cuidados de saúde primários como de continuados e paliativos. É mais um desafio que é lançado e que não recusaremos. Quem tem o privilégio de dirigir uma Instituição como a Santa Casa deve ter a capacidade de abrir horizontes e rasgar fronteiras. De fomentar a busca para novas formas de resposta. É também esse o caminho que traçamos no setor da Saúde da SCML. Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa Pedro Santana Lopes 3


SUMÁRIO SAÚDE E SOCIEDADE: agir sobre os determinantes sociais

DESTAQUE 6

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A diferença na saúde: o desafio de um mundo desigual Sir Michael Gideon Marmot

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A sustentável leveza do ser saudável Patrícia Henriques

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Justiça social e determinantes sociais da saúde no contexto da integração dos refugiados Rui Marques e Mário Rui André

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Hospital centenário aposta na inovação científica e tecnológica nos cuidados de saúde João Gomes Peres

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Cuidados Paliativos: um cuidar em equipa Maria João de Almeida dos Santos

SOCIAL 44

Disfunções intencionais do vínculo parental: Avaliação. Parte 2 António José Fialho

52

Apartamentos de autonomização: Transição para a vida independente de adolescentes e jovens adultos Pedro Pereira e Isabel Freire

62

Experiências profissionais, roteiros para a empregabilidade Maria João S. Goldschmidt Gonçalves

72

Envelhecimento saudável e Snoezelen: Vantagens para a população idosa, com e sem processos de demência Cristina Vaz de Almeida, Rita Mendes e Ana Gonçalves

82

Repúblicas seniores: um desafio inovador Ana Filipa Dias e Pedro Cardoso

44

72

SAÚDE

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A nova imagiologia do Hospital de Sant’Ana: Qualidade e proximidade ao serviço dos doentes Clara Ribeiro

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Terapia ocupacional: um olhar sobre a acessibilidade e o design universal Élia Silva Pinto e Madalena Salavessa

102

Armeo: a tecnologia ao serviço da reabilitação Lúcia Norberto e Raquel Oliveira

108

Os serviços farmacêuticos do Hospital de Sant’Ana Maria Cândida Carrilho Maruta Barbosa

102


economia SOCIAL

114

114

LInQUE: Cuidar em casa. Porque em cuidados paliativos todo o tempo conta Elsa Mourão

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Determinantes da saúde e empreendedorismo social António Correia de Campos

História e cultura 126

A Casa da Misericórdia: para um novo paradigma interpretativo da arquitetura promovida pelas Confrarias da Misericórdia no século XVI Joana Balsa de Pinho

136

Passatempo Arithmetico Jorge Nuno Silva

126

solidariedade 144

Saúde dos Migrantes: Uma expressão também da Misericórdia Rui de Portugal

150

Religião e medicina: controvérsias à parte Fernando Sampaio

150

investigação & desenvolvimento 176

186 LIVROS

156

Inovação e integração de cuidados de saúde Rosa Valente de Matos e Carlos Caeiro Carapeto

164

Gestão Integrada de Resíduos Hospitalares Marisa Cristino

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Cultura de Segurança em proteção civil Lídio Lopes e António Duarte Amaro

188 Legislação

190 AGENDA

FICHA TÉCNICA

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DIRETOR: Pedro Santana Lopes SUBDIRETORA: Margarida Montenegro DIRETOR-EXECUTIVO: Samuel Esteves CONSELHO EDITORIAL: Ana Salgueiro, Alexandra Rebelo, Catarina França, Francisco d’Orey Manoel, Helena Lucas, Margarida Montenegro, Maria João Matos, Mário Rui André, Rita Chaves e Samuel Esteves PROJETO GRÁFICO: Catarina França PAGINAÇÃO: TVM Designers REVISÃO: J. L. Baptista apoio logístico: Bruno Galinha SECRETARIADO: Antónia Saldanha Colaboradores permanentes: Laurinda Carona e João Fernandes EDITOR: SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA. Largo Trindade Coelho – Apartado 2059 – 1102-803 Lisboa ASSINATURAS: SCML – Revista Cidade Solidária/Remessa Livre n.º 25013 – 1144-961 Lisboa (não necessita de selo). Tel.: 213 243 934 IMPRESSÃO E ACABAMENTO: Clássica. Tiragem: 5000 exemplares. Depósito Legal n.º 126 149/98. Registo no ICS: 121.663. ISSN: 0874-2952 CONTACTO: centro.editorial@scml.pt

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| Determinantes sociais da saúde |

A diferença na saúde o desafio de um mundo desigual Sustentando a conclusão feita pela Comissão DSS da OMS de que a injustiça social mata em larga escala, quando retira às pessoas o controlo sobre as suas vidas, o artigo apresenta o impacte do gradiente social nas desigualdades na saúde e enfatiza a necessidade de se debater o tema do desenvolvimento humano. Texto de Sir Michael Gideon Marmot [PROFESSOR DE EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA NA UNIVERSITY COLLEGE LONDON E PRESIDENTE DA COMISSÃO DOS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE NA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (2005-08)].

Traduzido por Diana Rocha

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a distopia de Aldous Huxley intitulada Admirável Mundo Novo existiam cinco castas. Aos Alfas e Betas era permitido um desenvolvimento normal. Os Gamas, Deltas e Epsílones eram tratados com químicos para atrofiar o desenvolvimento intelectual e físico, sendo que eram progressivamente mais afetados do Gama ao Épsilon. O resultado: uma sociedade claramente estratificada com funções intelectuais e desenvolvimento físico correlacionado com a casta. Mas isso era sátira, não era? Certamente seríamos incapazes de tolerar uma situação que dividisse as pessoas e dificultasse a vida aos estratos mais baixos, mas ajudasse as ordens superiores a alcançar o seu potencial. Se descobríssemos um químico na água ou na comida que prejudicasse o crescimento e o cérebro e, portanto, o desenvolvimento intelectual e o controlo das emoções de crianças de todo o mundo, exigiríamos ação imediata. Eliminem os químicos e permitam que as crianças cresçam, não apenas os Alfas e Betas. Ponham já um fim à injustiça. No entanto, talvez sem nos apercebermos, toleramos um estado de coisas assim tão injusto, aparentemente com poucas exigências em relação a alterações. O poluente chama-se desfavorecimento social; tem efeitos profundos em cérebros em desenvolvimento e limita o desenvolvimento intelectual e social das crianças. De notar: o poluente não é apenas a pobreza, mas também o desfavorecimento social. Existe um claro gradiente no desenvolvimento intelectual, social e emocional; quanto mais alta a posição social das famílias, mais as crianças crescem e melhor se saem em todas as medidas de desenvolvimento.1, 2 Esta estratificação no desenvolvimento

inicial das crianças, do Alfa ao Épsilon, surge da desigualdade das circunstâncias sociais. Dar ênfase às circunstâncias sociais e ao gradiente social não implica dizer que todas as diferenças no desenvolvimento infantil estão relacionadas com o ambiente social. Mesmo que as condições que rodeiam cada criança fossem equilibradas, haveria ainda diferenças entre indivíduos na cognição e no desenvolvimento social e emocional. Por exemplo, os estudos em gémeos mostram que a capacidade cognitiva pode ser herdada3. Posto isto, o efeito Flynn atribui os aumentos substanciais dos resultados em testes de QI efetuados ao longo do tempo ao ambiente, como se pensa4. As provas demonstram claramente que as condições sociais que influenciam os pais afetam a capacidade dos filhos de atingir o seu potencial e que são os mais importantes determinantes do gradiente social nas primeiras fases do desenvolvimento da criança5. Este gradiente social, por sua vez, tem um efeito profundo nas oportunidades que a criança virá a ter na vida. Vemos um gradiente social no desempenho escolar e na saúde adolescente; um gradiente na probabilidade de chegar aos 20 anos sem estar empregado, a estudar ou a obter formação; um gradiente nas condições laborais stressantes que prejudicam a saúde mental e física; um gradiente na qualidade das comunidades onde se trabalha e se vive, em condições sociais que afetam os idosos; e, essencial para este assunto, um gradiente social na saúde na idade adulta. Há uma linha casual que atravessa estas fases da vida, desde a primeira infância pela idade adulta até à terceira idade, em direção às desigualdades na saúde. A melhor altura para começar a combater as desigualdades na saúde é com igualdade desde o

1. Marmot, M. – The Health Gap: The Challenge of an Unequal World. London: Bloomsbury, 2015. 2. Marmot, M. – Fair society, healthy lives: strategic review of health inequalities in England post 2010. London: Marmot Review, 2010. 3. Pinker, S. – The blank slate. London: Allen Lane, 2002. 4. Dickens, W.T.; Flynn, J.R. – Heritability estimates versus large environmental effects: the IQ paradox resolved. Psychol Rev 2001; 108: 346-69. 5. Kelly, Y.; Sacker, A.; Del, B.E.; Francesconi, M.; Marmot, M. – What role for the home learning environment and parenting in reducing the socioeconomic gradient in child development? Findings from the Millennium Cohort Study. Arch Dis Child 2011; 96: 832–37.

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início. Mas a intervenção em qualquer altura da vida pode fazer a diferença. Combater a pobreza na idade adulta, pagar um ordenado, reduzir as causas da pobreza, melhorar nas condições de trabalho, melhorar nos bairros e reduzir o isolamento social dos idosos podem salvar vidas. O gradiente na saúde que estas influências exacerbam é drástico. Existe uma pequena indústria que viaja pelo metropolitano de várias cidades e mostra como a esperança média de vida diminui a cada estação.

No UCL Institute of Health Equity, em Londres, Reino Unido, fizemos uma avaliação dos determinantes sociais e desigualdades na saúde para a Comissão Europeia. Para uma parte dessa avaliação, examinámos a esperança média de vida aos 25 anos pelo nível de educação.7 Todos os países têm um gradiente na esperança média de vida: quanto mais elevado é o nível de educação, maior é a esperança média de vida. Surgiram três descobertas flagrantes na comparação. Em primeiro lugar, a esperança média de vida é mais baixa nos

A melhor altura para começar a combater as desigualdades na saúde é com igualdade desde o início. Mas a intervenção em qualquer altura da vida pode fazer a diferença A diferença nos limites de cada gradiente é verdadeiramente grande. No bairro londrino de Westminster, Reino Unido, existe uma diferença de 18 anos na esperança média de vida dos homens entre as zonas mais limpas e menos salubres do bairro.6 De forma semelhante, na cidade norte-americana de Baltimore, há uma diferença de vinte anos nos limites do gradiente. Vinte anos é muito: é a diferença na esperança média de vida entre as mulheres na Índia e nos EUA. As desigualdades na saúde serão, talvez, as provas mais flagrantes das desigualdades sociais e económicas. Estas viagens de metropolitano utilizam caraterísticas sociais das áreas de residência. Vemos gradientes sociais na saúde semelhantes se classificarmos as pessoas por educação, riqueza, ordenados ou estatuto ocupacional. Todas as sociedades têm desigualdades sociais e económicas e todas as sociedades têm gradientes sociais na saúde, mas a magnitude varia.

países da Europa Central e de Leste do que na Suécia, Itália e Noruega. Ou seja, devemos adicionar às preocupações as desigualdades na saúde entre países, assim como aquelas dentro de cada país. Se formos para além da Europa, vemos diferenças na esperança de vida de quarenta anos ou mais. Em segundo lugar, o gradiente é mais contrastante no Oriente do que no Ocidente. Em terceiro lugar, e ainda relacionado com o gradiente mais contrastante, as diferenças entre países na esperança de vida são muito maiores nas pessoas com nível de educação baixo do que nas pessoas com educação superior. Os riscos para a saúde associados a um estatuto baixo variam muito. A variação nas desigualdades na saúde abre caminho para o otimismo. Os dados mostram que é possível existir gradientes socioeconómicos menos evidentes. Além disso, a Estónia, a Roménia e a Hungria reúnem boas condições na saúde. O desafio é elevar o nível de saúde dos menos

6. Greater London Authority. Life expectancy at birth and age 65 by ward. http://data.london.gov.uk/dataset/life-expectancy-birth-andage-65-ward/resource/ce0b4dc0-f79d-43b0-887d-856c3a4329e6 (accessed Aug 26, 2015). 7. UCL Institute of Health Equity. Health inequalities in the EU – final report of a Consortium. Consortium lead: Sir Michael Marmot European Commission Directorate-General for Health and Consumers, 2013.

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favorecidos ao dos estratos mais elevados. As explicações para as desigualdades na saúde entre estes países e dentro dos próprios países, muito provavelmente, sobrepõem-se. O gradiente deve adaptar a nossa pesquisa na direção de explicações para as desigualdades na saúde e de políticas para as abordar. As minhas observações originais nos estudos de Whitehall dos funcionários públicos britânicos indicou que temos de olhar para além da pobreza e dos rendimentos para obter explicações.8 O gradiente muda a pergunta. Se as desigualdades na saúde se resumem a saúde pobre para os pobres e saúde razoável para os restantes, então o desafio é reduzir a pobreza: um objetivo nobre que é mais simples em termos concetuais do que políticos. Mas o gradiente envolve a sociedade no total; envolve-nos a todos, os que estão sob o cume. O residente comum do RU ou dos EUA pode estar preocupado, mas não passa disso, por viver numa

sociedade marcada pelas desigualdades na saúde que provêm da distribuição desigual dos benefícios sociais. Mas se isso parecer demasiado altruísta, existe a preocupação mais premente de que o gradiente social na saúde inclui todos os que são considerados cidadãos comuns. Abordar o gradiente implica reduzir a desigualdade e melhorar a sociedade. No relatório da Comissão dos Determinantes Sociais da Saúde da Organização Mundial da Saúde, Closing the Gap in a Generation, relacionámos as desigualdades na saúde entre e dentro dos países com as desigualdades da distribuição do poder, dinheiro e recursos e às desigualdades nas condições do quotidiano que estes exacerbam.9 O meu livro The Health Gap defende a afirmação feita pela comissão da OMS: a injustiça social mata em larga escala. Em termos mais simples, a injustiça social retira o poder. Retira às pessoas o controlo sobre

8. Marmot, M. – Status syndrome. London: Bloomsbury, 2004. 9. Commission on the Social Determinants of Health. Closing the gap in a generation: health equity through action on the social determinants of health. Final report of the Commission on Social Determinants of Health. Geneva: World Health Organization, 2008.

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| Determinantes sociais da saúde |

Devemos debater as causas das causas: as condições sociais que agem sobre a vida e que afetam as exposições e o comportamento das pessoas as suas vidas. Em países com rendimento baixo em que as pessoas têm dificuldade em alimentar os filhos e não têm acesso a água potável e medidas sanitárias, o poder retirado é material, assim como a sensação de estar à mercê de forças alheias ao seu controlo. As crianças morrem devido à falta de acesso às necessidades materiais da vida. Mas, por cada criança que morre, existem talvez 25 que não alcançam o seu potencial de desenvolvimento, em parte devido à falta de nutrição e a infeções, mas também devido à pobreza do meio social e subsequente falta de estímulo e educação psicossocial adequada. Em países de rendimentos baixos, médios e altos, a mente é o principal meio através do qual as circunstâncias sociais levam às desigualdades na saúde.10 A mente? A sabedoria convencional focar-se-ia em más decisões de estilos de vida ou falta de acesso a cuidados de saúde. A falta de acesso a cuidados de saúde não é, sem dúvida, a causa de má saúde; pode ser a causa de muito sofrimento desnecessário e uma consequência da doença. Levar um estilo de vida pouco saudável, fumar, consumir álcool, a dieta e a obesidade estão, claro, implicados nas doenças não contagiosas, assim como o stress, mas temos de perguntar porque é que estilos de vida cada vez menos saudáveis surgem dos gradientes sociais. Devemos debater as causas das causas: as condições sociais que agem sobre a vida e que afetam as exposições e o comportamento das pessoas. Uma das causas das causas é a educação. É edificante; sobretudo para mulheres em países com

rendimento baixo, a educação é o caminho para obter um emprego e autonomia, para assumir o controlo da sexualidade e da reprodução, para a sobrevivência dos filhos que poderão vir a ter, para a redução da probabilidade de violência conjugal e para melhores condições de saúde. Em países com rendimento elevado, as circunstâncias sociais que agem sobre a mente também podem ser responsáveis pelo gradiente social na saúde: até numa diferença de 28 anos na esperança de vida em Glasgow e de vinte anos em Westminster. Para tal, consideremos um jovem típico que cresceu na zona degradada de Glasgow, esperança média de vida pelos 54 anos, sujeito a abusos físicos e sexuais de uma sucessão de parceiros da sua mãe; muda de casa a cada 18 meses, mais ou menos; entra para a escola com problemas comportamentais, que acabam por levar à delinquência, violência nos gangues e estadas na prisão. Em várias ocasiões, os psiquiatras afirmam que ele tem distúrbios de personalidade, ansiedade, depressão e tendências antissociais. É algo que tem em comum com outros homens na cadeia, dos quais mais de 70% têm um ou mais distúrbios mentais11; 14 vezes mais comuns do que na população geral. É verdade que o tabaco, o álcool, as drogas e uma dieta péssima, assim como uma indulgência liberal na violência, contribuem bastante para a sua falta de saúde, mas as causas das causas provêm da sua trágica história de vida. Defender que este jovem é responsável pela sua própria falta de saúde é ignorar a marca deixada pelas circunstâncias da sua vida.

10. Hertzman, C.; Boyce, T. – How experience gets under the skin to create gradients in developmental health. Annu Rev Public Health 2010; 31: 329–47. 11. Singleton, N.; Meltzer, H.; Gatward, R. – Psychiatric morbidity among prisoners. London: ONS, 1999.

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Não é o que temos que é importante para a saúde, mas o que podemos fazer com o que temos

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Uma segunda razão para se pensar que a mente está implicada vem de Sir Harry Burns e dos seus colegas.12 Compararam a mortalidade em Glasgow com a de Liverpool e Manchester. As causas de morte com o maior excesso relativo em Glasgow eram intoxicações relacionadas com drogas, mortes associadas ao consumo de álcool, suicídio e outras causas externas. Todas elas têm origem psicossocial; ocorrem quando as pessoas têm pouco poder e controlo sobre as suas vidas. A nossa versão real e moderna da sátira debochada de Huxley permite-nos compreender porque é que em países com rendimentos elevados, assim como médios e baixos, continua o desfavorecimento social relativo, de forma tão evidente, a ser associado à falta de saúde. Também muda a questão moral: a pressa de culparmos os pobres pela sua irresponsabilidade ao terem comportamentos de risco devia ser apaziguada pelo conhecimento de que as desvantagens sociais na

infância podem ter tido uma influência duradoura no seu comportamento adulto. O caso de Glasgow que acabei de apresentar está na ponta grave do espectro. Algumas experiências adversas na infância afetam até metade da população em Inglaterra e nos EUA. Além disso, as provas mostram um gradiente social em marcadores do início do desenvolvimento; é um teste às opiniões políticas. A direita política diz que o gradiente provém das fracas capacidades dos pais; a esquerda defende que a culpa é da pobreza e do desfavorecimento social. Ambas têm razão. A capacidade dos pais de fazerem aquilo de que os filhos precisam é condicionada pela pobreza e pela desigualdade. O gradiente na saúde em países ricos torna claro que debatemos as desigualdades sociais mais do que quantidades de dinheiro absolutas. Os pobres de Glasgow são ricos comparados com os comuns da Índia, por exemplo, mas a saúde

12. Walsh, D.; Bendel, N.; Jones, R.; Hanlon, P. – It’s not ‘just deprivation’: why do equally deprived UK cities experience different health outcomes? Public Health 2010; 124: 487–95.

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deles é pior. São relativamente desfavorecidos em comparação a outros na sua sociedade. No seguimento de Amartya Sen,13 defendo que o desfavorecimento relativo ao rendimento se traduz no desfavorecimento absoluto no enriquecimento e no controlo sobre a vida de um indivíduo. Não é o que temos que é importante para a saúde, mas o que podemos fazer com o que temos.

rendimentos e baixas taxas de fiscalidade para os ricos dificultam o investimento em condições, ao longo da vida, que iriam reduzir as desigualdades na saúde. As desigualdades na saúde deveriam ser uma parte importante no argumento para mudar a discussão nacional e global de um debate que dá prioridade ao crescimento económico de uma

As desigualdades na saúde deveriam ser uma parte importante no argumento para mudar a discussão nacional e global de um debate que dá prioridade ao crescimento económico de uma qualquer forma para um debate que dá destaque ao desenvolvimento humano Não existe uma simples relação entre a magnitude das desigualdades de rendimentos e a gravidade do gradiente na desigualdade da saúde, mas isso não permite que a desigualdade de rendimentos escape impune. O que é que a população de 48 milhões de pessoas da Tanzânia, a população de sete milhões do Paraguai, a população de dois milhões da Letónia e os 25 gestores de fundos especulativos mais abastados dos EUA têm em comum? Em 2014, os rendimentos combinados de cada um destes grupos situava-se entre os 22 dólares e os 28 mil milhões. Em teoria, transferir um ano de rendimentos de 25 gestores de fundos especulativos duplicaria o rendimento nacional da Tanzânia. Não estou a sugerir que devíamos injetar capital nos indivíduos da Tanzânia, mas pensemos nas escolas que podiam ser construídas, na água potável que podia ser canalizada e nas enfermeiras que podiam formar-se com esse dinheiro. Altos níveis de desigualdade nos

qualquer forma para um debate que dá destaque ao desenvolvimento humano. As desigualdades crescentes são um desafio, mas não devemos baixar os braços. Em todo o mundo existem exemplos inspiradores de comunidades e países que fazem a diferença na vida das pessoas e melhoram a saúde como resultado: nos bairros de lata de Ahmedabad, nas comunidades maori da Nova Zelândia, na cidade de Coventry, no Reino Unido, no Brasil, na Eslovénia, em Taiwan e muitos outros. Na Tailândia fala-se do triângulo que move a montanha. Os três lados do triângulo são o governo, o conhecimento e as pessoas. Se colocarmos os três lados na sua devida posição, seremos capazes de mover montanhas.

Publicado originalmente no The Lancet (dez. 2015) e no livro de Michael Marmot, The Health Gap: The Challenge of an Unequal World, Bloomsbury, 2015. Reproduzido com permissão da editora Elsevier.

13. Sen, A. – Inequality reexamined. Oxford: Oxford University Press, 1992.

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A sustentável leveza do ser saudável Na sabedoria tradicional prevenir é o melhor remédio. Assim, que fatores biológicos, ambientais, culturais, sociais ou económicos influenciam a saúde da população e que impacte tem a prevenção no desenho das políticas de saúde? Pelo contributo dado na melhoria dos indicadores de saúde da população portuguesa, assumem particular relevância os estilos de vida: a alimentação, a atividade física, o tabagismo, o álcool e os comportamentos sexuais. Texto de Patrícia Henriques [ASSESSORA DE COMUNICAÇÃO DA DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE]

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D

omingo. Às nove horas da manhã o calor torna-se suportável apenas à sombra das árvores. No Jardim de Beishan o verde é pontilhado de pequenos pontos de cor dos praticantes de Tai chi que através da leveza dos movimentos almejam o equilíbrio entre o yin e o yang e, assim, alcançar a longevidade. Estamos na quente e húmida província de Guangdong, no Sul da China, onde nas últimas semanas de julho decorre o II Colóquio de Cooperação em Medicina Tradicional para os Países de Língua Portuguesa, no qual participa a Direção-Geral da Saúde. Organizado pelo Centro de Formação do Secretariado Permanente do Fórum de Macau em colaboração com o Guangdong-Macau Traditional Chinese Medicine Technology Industrial Park Development, o evento reuniu especialistas provenientes do Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e Timor-Leste com o objetivo de reforçar a troca de experiências na área

da medicina tradicional. A agenda dos trabalhos procurou estabelecer uma ponte de contacto entre a sabedoria ancestral e os cuidados de saúde tal como são praticados nos dias de hoje. Na interceção entre a medicina convencional e as práticas milenares provenientes do Oriente encontrámos o mesmo ensinamento: prevenir é o melhor remédio. Afinal, que fatores biológicos, ambientais, culturais, sociais ou económicos influenciam a saúde da população e que impacte tem a prevenção no desenho das políticas de saúde? Muitos são os estudos sobre esta preocupação. Estima-se que 70% destes determinantes sejam externos ao setor da saúde e, assim, devem ser tidos em consideração nos planos e programas que visam a obtenção de mais ganhos em saúde. Entre estes, pelo contributo dado na melhoria dos indicadores de saúde da população portuguesa, assumem particular relevância os estilos de vida: a alimentação, a atividade física, o tabagismo, o álcool e os comportamentos sexuais. 15


| prevenção |

Diagnóstico da saúde dos portugueses O relatório “A Saúde dos Portugueses”, que a Direção-Geral da Saúde apresentou em julho do ano passado, colocava a tónica na evolução positiva da generalidade dos indicadores de saúde, aliás demonstrada pelas tendências progressivas de cada vez maior esperança de viver à nascença, aos 45, aos 65 e aos 75 anos, acompanhadas por um aumento do número de anos de vida saudável. No mesmo sentido, este trabalho agregador de dados e estudos sublinhou uma clara melhoria no que se refere à evitabilidade da morte antes dos 70 anos de idade, com consequente redução dos anos de vida potencialmente perdidos. Sabe-se que 25% das causas da morte prematura podem ser evitadas. Motivo pelo qual reduzir a morte prematura constitui o principal desafio do atual Plano Nacional de Saúde 2020. Alinhado com os princípios e orientações da Estratégia 2020 da Organização Mundial da Saúde para a Região Europeia, o documento assume um papel orientador das medidas consideradas mais relevantes para obtenção de mais ganhos em saúde por parte da população residente em Portugal. De modo a alcançar a sua missão, diríamos mesmo ambição, o Plano Nacional de Saúde estabelece quatro eixos estratégicos transversais nos quais se alicerçam todas as intervenções: Cidadania em Saúde, Equidade e Acesso Adequado aos Cuidados de Saúde, Qualidade em Saúde e Políticas Saudáveis. O novo plano estabelece ainda metas para a redução da prevalência do consumo de tabaco na população acima dos 15 anos, a eliminação do fumo ambiental (o chamado fumo passivo) e o controlo da obesidade infantil. Indicadores que vão passar a ser monitorizados de uma forma sistemática. Pela boca melhora a saúde No que se refere aos fatores de risco que mais contribuem para o total de anos de vida saudável perdidos pela população portuguesa, surgem no topo da lista os hábitos alimentares inadequa16

o Plano Nacional de Saúde estabelece quatro eixos estratégicos transversais nos quais se alicerçam todas as intervenções: Cidadania em Saúde, Equidade e Acesso Adequado aos Cuidados de Saúde, Qualidade em Saúde e Políticas Saudáveis” dos (19%), a hipertensão arterial (17%), o índice de massa corporal elevado (13%) e o tabagismo (11%). Comportamentos e estilos de vida influenciam, de forma comprovada, a saúde individual e coletiva, uma vez que constituem denominador comum a praticamente todas as doenças crónicas não transmissíveis. Já em 2004, a Organização Mundial da Saúde alertava para a necessidade de promover uma estratégia global para a alimentação, o exercício físico e a saúde, reconhecendo que as doenças crónicas não transmissíveis como a diabetes, as doenças cerebrocardiovasculares, o cancro e as doenças respiratórias, entre outras, eram responsáveis por 60% de todas as causas de morte e que representavam 47% dos encargos gerais com a saúde. Uma fatura elevada a pagar pelas gerações futuras. As previsões da agência mundial são preocupantes. Se nada for feito, em 2020 estas percentagens atingirão, respetivamente, 73% e 60%. Aparentemente, a receita não parece de difícil aplicação. Entre os determinantes da saúde, os estilos de vida saudáveis permitem obtenção de mais ganhos em saúde, de forma mais rápida, eficaz e sem acréscimo significativo dos encargos para o sistema.


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Nos últimos anos, a Organização Mundial da Saúde tem insistido no apelo a uma intervenção qualificada sobre o ambiente alimentar onde os cidadãos residem. A alimentação de má qualidade afeta com maior intensidade crianças, idosos e os grupos socioeconomicamente mais vulneráveis da nossa população, aumentando as desigualdades em saúde. O investimento na promoção de hábitos alimentares deverá permitir reduzir estas desigualdades em saúde e combater aquela que é já tida como a epidemia do século XXI: a obesidade. Criado em 2011 como um dos programas prioritários da Direção-Geral da Saúde, o Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) tem como como finalidade melhorar o estado nutricional da população, incentivando a disponibilidade física e económica de alimentos constituintes de um padrão alimentar saudável e criar as condições para que a população os valorize, aprecie e consuma, integrando-os nas suas rotinas diárias. Um consumo alimentar adequado e a consequente melhoria do estado nutricional dos cidadãos tem um impacte direto na prevenção e controlo das doenças mais prevalentes a nível nacional: doenças cerebrocardiovasculares, oncológicas ou diabetes. Num país onde mais de 50% da população adulta sofre de excesso de peso, há também que olhar com um cuidado redobrado para a obesidade enquanto expressão da inadequada ingestão alimentar e insuficiente gasto energético. É importante estar atento à regulação da publicidade e oferta alimentar de muito má qualidade nutricional, em particular de alimentos com conteúdos elevados de sal, açúcar e gordura. Mexa-se! Pela sua saúde… A preocupação com a inatividade física é considerada como um dos principais fatores de risco para a saúde, levando a Organização Mundial da Saúde a defender a criação de condições para que existam ambientes promotores de atividade física nos locais onde as pessoas vivem e trabalham e que os cidadãos reconheçam as vantagens de ter uma vida mais ativa.

Desde 2013, a Direção-Geral da Saúde, em colaboração com diferentes parceiros da atividade física, educação e saúde, tem vindo a trabalhar no desenvolvimento de uma estratégia para a saúde, que procura ser uma resposta estruturada e inclusiva, promotora da atividade física e de estilos de vida saudável. O trabalho intersetorial desenvolvido resultou na Estratégia Nacional para a Promoção da Atividade Física, da Saúde e do Bem-estar, apresentada em maio deste ano. A Estratégia Nacional para a Promoção da Atividade Física, da Saúde e do Bem-estar pretende ser um documento estratégico e orientador para que a população residente em território nacional possa ser fisicamente ativa, apresentar baixos níveis de sedentarismo e usufruir do maior número possível de anos de vida saudáveis e livres de doença. Até 2020 os objetivos são ambiciosos, se bem que exequíveis: redução em 10% na prevalência de atividade física insuficiente, redução relativa de 25% no risco de mortalidade prematura por doenças cardiovasculares, cancro, diabetes ou doenças respiratórias crónicas, redução relativa de 25% na prevalência de pressão arterial elevada e travar o aumento do número de casos de diabetes e obesidade. Reforçando esta visão, foi criado já este ano um novo programa de saúde prioritário que pretende dar um novo impulso às recomendações e benefícios da atividade física. Assim, o Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física junta-se aos programas prioritários sob a égide da Direção-Geral da Saúde para a Diabetes, Doenças cerebrocardiovasculares, Doenças respiratórias, Doenças oncológicas, Promoção da alimentação saudável, Prevenção do tabagismo, Prevenção e controlo de infeções, do VIH/Sida e Hepatites virais, para promover a adoção generalizada de estilos de vida ativos e pouco sedentários, estudar e monitorizar a atividade física, o sedentarismo, seus determinantes e impacte, bem como fomentar o conhecimento da população sobre os benefícios do exercício físico e formação de profissionais para aconselhar e ajudar a alterar os comportamentos dos utentes. 17


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Justiça social e determinantes sociais da saúde no contexto da integração dos refugiados Os Determinantes Sociais da Saúde têm procurado firmar-se como um importante referencial para a ação dos Estados no sentido de reduzir as desigualdades em saúde através de uma melhor redistribuição de poder, dinheiro e recursos. Este desígnio só poderá ser alcançável se for possível, de facto, uma justiça social para todos. A abordagem à justiça social enquanto pilar fundamental para a operacionalização dos Determinantes Sociais da Saúde, tendo como pano de fundo a complexidade da problemática dos refugiados, constitui o desafio colocado por este pequeno ensaio.

 Open to Syria (pormenor) ©Ali Alsheikh Khedr / Amnistia Internacional

Texto de Rui Marques1 e Mário Rui André2 [1.LIC. EM MEDICINA, MESTRE EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO E COORDENADOR DA PLATAFORMA DE APOIO AOS REFUGIADOS; 2. SOCIÓLOGO, DOUTOR EM SOCIOLOGIA DAS REDES INTERORGANIZACIONAIS E REPRESENTANTE DA SCML NA PLATAFORMA DE APOIO AOS REFUGIADOS]

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O

esforço levado a cabo pela Comissão dos Determinantes Sociais da Saúde, criada pela Organização Mundial da Saúde em 2005, no sentido de reunir as evidências científicas sobre o significativo impacte dos fatores sociais, culturais, étnicos, de género e económicos na saúde dos indivíduos, grupos e populações, veio recentrar a questão da necessidade de se levar a cabo políticas integradas e intersetoriais e não apenas centradas no setor da saúde (Marmot & Wilkinson, 2006). Alguns autores chegam a considerar que os determinantes sociais da saúde têm um impacte superior a 60% nos indicadores de saúde das populações — bastante mais do que o impacte do sistema de saúde per se (Gráfico 1; Sowada, 2003).

Cuidados de saúde 20%

Fatores sociais e ambientais 55%

Genética e biologia 5% Fatores comportamentais 20%

gráfico 1 impacte dos determinantes da saúde (sowada, J. barbara, 2003)

De facto, as iniquidades em saúde resultam em grande medida das desigualdades verificadas nas condições em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem, e, deste modo, dependem também das desigualdades na distribuição de poder, de dinheiro e de recursos essenciais para garantir condições básicas para vivência digna (Marmot et al., 2012). Neste sentido, todos os esforços realizados para atenuar estas desigualdades e remover as barreiras para que todas as pessoas tenham oportunidade de alcan20

çar o seu máximo potencial em saúde representam importantes contributos em direção da plena aceção dos direitos humanos fundamentais. Por outro lado, considerar que o acesso a bens tão essenciais como a saúde, a educação, a habitação, o trabalho, a segurança social e a integração numa comunidade de interesses e benefício mútuo — de modo a garantir uma rede de suporte, de reconhecimento e participação social — é uma utopia, então é menosprezar o progresso alcançado na forma como nos organizamos em sociedade e desistirmos de afirmar os nossos valores partilhados. Os determinantes sociais da saúde incorporam assim os princípios e valores inerentes aos direitos humanos, bem como a ação social e política necessária para assegurar os direitos e liberdades fundamentais, enquanto referenciais para as estratégias e decisões políticas, no sentido de se alcançar a equidade em saúde; ou seja, que as desigualdades sociais que podem ser evitáveis — tais como a pobreza, o acesso à saúde, à educação e à segurança social, as desigualdades de género, o racismo e a discriminação — sejam consideradas como indesejáveis e socialmente injustas (Whitehead, 1990; Whitehead & Dahlgren, 1996; Dahlgren & Whitehead, 1996).

Condições socioeconómicas, culturais e ambientais Condições de vida e de trabalho Suporte social e comunitário Estilo de vida

Idade, sexo e fatores hereditários

DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE (DAHLGREEN & WHITEHEAD, 1991)


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Contudo, para se reduzir as desigualdades sociais que levam às iniquidades em saúde é necessário que as sociedades estejam de acordo quanto ao princípio de justiça social que estão dispostas a aceitar e a aplicar, quer em termos de mecanismos e instrumentos de redistribuição de riqueza e de igualdade de oportunidades quer em termos da universalidade do seu alcance. É neste sentido que a justiça social, enquanto valor partilhado, é um pressuposto fundamental para a compreensão da perspetiva dos determinantes sociais da saúde, ou, dito de outro modo, sem garantir que a justiça social seja um valor central nas nossas sociedades, a que todos devem ter acesso, não é possível assumir os determinantes sociais da saúde como uma prioridade. Todavia, torna-se necessário compreender melhor o significado de justiça social, pois trata-se de um conceito que tende a tornar-se difuso e servir para todos os tipos de utilizações, correndo o risco de se tornar numa buzzword. Se por vezes é difícil perceber a utilidade do conceito de justiça social e a sua aplicação nas sociedades que partilham valores e interesses comuns — basta

Para além de um dever que deriva da nossa matriz humanista, assente no respeito pelos direitos humanos, o acolhimento dos refugiados é uma obrigação autoimposta pelos países signatários da Convenção de Genebra e que deverá passar por garantir a justiça social necessária ao acesso aos determinantes sociais da saúde” para tal dar-nos conta de quão difícil é encontrar uma base comum de justiça social no contexto da União Europeia (UE) —, mais difícil se torna a sua compreensão e aplicação no contexto da saúde e sob circunstâncias sociais de extrema complexidade, como é o caso dos refugiados.  Refugiados e migrantes na ilha grega de Lesbos, 2015 © Michael S. Honegger

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Confrontados com uma Europa que procura reencontrar os fundamentos e a sustentabilidade do modelo social europeu, somos hoje desafiados a ir mais longe na compreensão e aplicabilidade do conceito de justiça social, sob o risco de o Velho Continente se acantonar como uma fortaleza dos direitos adquiridos e de um modelo de vida ameaçado e pouco preparado para adaptar-se às complexidades sociais que acontecem no seu seio e para lá das suas fronteiras. Estas dinâmicas sociais complexas que nos confrontam com o “estrangeiro” são sempre objeto de controvérsia e difíceis de enquadrar nos quadros de referência culturais das sociedades, pelo que a operacionalização dos princípios de justiça social se torna ainda mais exigente. E não nos estamos a referir apenas à vertente normativa destes princípios — a qual até é relativamente mais fácil de aplicar — mas fundamentalmente à forma como os indivíduos e grupos sociais incorporam estes princípios e valores e como os utilizam enquanto facilitadores, ou bloqueadores, de uma visão humanista e solidária. Propõe-se, neste sentido, encetar uma aproximação à capacidade de adaptação e formas de operacionalização do conceito de justiça social quando pressionado com dinâmicas sociais complexas, como é o caso da integração dos refugiados, e conhecer melhor as suas dimensões e alcance para dar resposta ao imperativo dos determinantes sociais da saúde. O conceito de justiça social e a sua aplicação É hoje relativamente consensual que a visão sobre o conceito de justiça social assume fundamentalmente três vertentes distintas: por um lado, a vertente utilitarista, herdeira dos pensadores liberais e defensores da propriedade privada como pedra basilar da liberdade individual e fim último da riqueza das sociedades; por outro lado, a vertente igualitarista, que assenta a discussão no tra-

tamento, por comparação, entre os indivíduos de uma sociedade, procurando responder à questão: se todos nascemos iguais à luz dos direitos humanos fundamentais, porque deverá ter uma pessoa mais direitos, mais rendimentos ou mais acesso a bens materiais do que outra? E, finalmente, a mais recente visão liberal/social-democrata, que procura, de algum modo, proceder à síntese entre a perspetiva igualitarista e utilitarista através da aplicação dos princípios e mecanismos promotores da igualdade de oportunidades e da redistribuição de riqueza (Miller, 1999; Porto, 2002). Apesar de a justiça social se constituir como um elemento central na legitimidade e estabilidade de qualquer unidade territorial politicamente organizada, a esmagadora maioria dos estudos assume que se trata de um conceito que tem dificuldade em deixar de se restringir a estes contextos — em particular, os Estados-nação. Mesmo Ralws, o principal teórico da perspetiva social-democrata de justiça social, acaba por conceber e enquadrar os princípios de justiça social com referência a um sistema fechado em que as fronteiras dão significado à noção de comunidade nacional autónoma (Miller, 1998). Como é fácil de imaginar, esta dificuldade aumenta se tivermos como pano de fundo não apenas os Estados-nação mas o contexto comunitário europeu. A UE, enquanto “espaço de fronteiras internas abertas”, procura dar consistência interna à aplicação do conceito de justiça social ao fazer uso do potencial integrador da ideia espaço comum de liberdade, segurança e justiça e procurar criar nos nacionais dos Estados membros o sentimento de pertença à comunidade — a cidadania europeia —, ao mesmo tempo que procura garantir o controlo das suas fronteiras externas, assegurando, deste modo, as condições essenciais para a aplicação do conceito de justiça social, bem como a manutenção da referência à noção de comunidade autónoma politicamente organizada1.

1. Apesar de alguns países, em particular a Inglaterra, sempre se mostrarem renitentes a alinhar com esta ideia, preferindo ficar de fora do espaço Schengen.

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Contudo, quer dentro de cada Estado membro quer entre os Estados membros, continuam a verificar-se significativas iniquidades na aplicação do conceito de justiça social. De acordo com o índice de justiça social na UE (Gráfico 2; Schraad-Tischler, 2015), cujas dimensões agregadas vão desde a prevenção da pobreza à coesão social, passando por dimensões como a saúde, a educação, o mercado de trabalho e a justiça intergeracional, confirma-se a existência um significativo diferencial na aplicação dos princípios de justiça social entre os 28 países analisados (desde os 3.61 pontos alcançados pela Grécia até aos 7.23 pontos alcançados pela Suécia, para uma média da UE de 5.63 pontos, numa escala de 0 a 10 — Portugal apresentava um valor de 4.98). Ora, se já é difícil garantir a aplicação da justiça social dentro e entre os Estados membros, onde a solidariedade está constantemente a ser posta à prova e em que, muitas vezes, parece já se condescender passivamente com a existência de iniquidades na distribuição de bens, direitos e garantias, entre os cidadãos dos países da UE — as quais se refletem em iniquidades em saúde (ver Relatório das iniquidades em saúde na União Europeia, 2013) —, então torna-se inevitável que esta dificuldade aumente consideravelmente quando surgem na equação realidades sociais mais complexas, como é o caso do processo de acolhimento e integração2 dos refugiados. Isto apesar de se procurar normativamente estender os direitos dos migrantes a igual tratamento na segurança social e acesso aos cuidados de saúde (Diretiva do Conselho 2011/98/UE). Contudo, se aceitarmos passivamente esta perspetiva de iniquidade na aplicação do conceito de justiça social, estaremos a aprofundar brechas que se tornarão insaráveis e que, mais cedo do que tarde, terão efeitos indeléveis na desagregação dos valores que “queremos” partilhados.

0

1

2

3

4

5

6

7

8

Suécia

7.23

Dinamarca

7.10

Finlândia

7.02

Holanda

6.84

República Checa

6.68

Áustria

6.57

Alemanha

6.52

Luxemburgo

6.44

Eslovénia

6.28

Estónia

6.24

Bélgica

6.19

França

6.18

Reino Unido

5.97

Lituânia

5.67

Média UE

5.63

Polónia

5.46

Malta

5.43

Eslováquia

5.33

Irlanda

5.14

Chipre

5.06

Portugal

4.98

Letónia

4.98

Croácia

4.93

Hungria

4.73

Espanha

4.73

Itália

4.69

Bulgária

3.78

Roménia

3.74

Grécia

3.61

gráfico 2 índice de justiça social na ue 2015 (schraad-tischler, 2015)

Neste sentido, a questão que se pode colocar em cima da mesa é a de descortinar se a justiça social não corre o risco de ser apenas aplicada numa perspetiva nacionalista restrita, e o seu alcance se limite aos cidadãos dos países da União, ou se existe vontade e ambição de firmar os princípios humanistas e consignar a justiça social como um valor universal efetivamente operacionalizável. A resposta a esta questão permitirá perceber melhor a forma como estamos preparados para acolher e integrar aquelas pessoas e famílias que, por diversas razões e, em particular, por refúgio às guerras e outros conflitos armados, procuram salvar as suas vidas e buscar uma nova oportunidade para recomeçá-las.

2. Geralmente o termo “acolhimento” é usado para o período imediato após a recém-chegada dos refugiados a um país anfitrião, enquanto o termo “integração” é usado para o processo mais ou menos longo em que os refugiados se tornam de facto membros de uma sociedade.

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Como já se deu conta anteriormente, a aplicação da justiça social apenas com base no conceito de “comunidade nacional autónoma”3 dificulta a assunção de uma postura humanista das sociedades. Como tal, importa perceber também quais os fatores facilitadores da incorporação dos princípios e valores humanistas. Neste âmbito, são conhecidos os estudos que mostram que a justiça social e o princípio da equidade distributiva parece terem maior aceitação e alcance quando existem laços entre os societários e estes se reconhecem “uns aos outros” identificando pontos de interesse e fatores que promovam o bem comum (Miller, 1998). Ora, se assim é, então impõe-se colocar em evidência tudo aquilo que nos aproxima a estas pessoas e famílias vindos de países culturalmente diferentes, em relação aos quais se constroem muitos mitos e “ideias gerais” que não ajudam nem à construção de laços sociais nem à compreensão dos benefícios mútuos que podem resultar de situações que à partida podem parecer adversas. A resposta a esta necessidade permitirá, por um lado, compreender melhor os facilitadores para a aplicabilidade da justiça social aos refugiados e, por outro lado, fornecer linhas de intervenção com vista à sensibilização e mobilização da sociedade civil para os benefícios da verdadeira integração dos refugiados, de forma a que deste modo todos beneficiem dos efeitos dos determinantes sociais da saúde. “Nós e os outros”: os interesses e benefícios mútuos O acolhimento de refugiados decorre, em primeiro lugar, de uma obrigação autoimposta pelos países signatários da Convenção de Genebra, como é o caso de Portugal. Não se trata, por isso, de uma opção, como acontece na gestão de entradas de imigrantes, legitimamente condicionada

pelas políticas nacionais, ou sequer de uma conta de “ganhos e perdas”. É um dever decorrente dos nossos valores e dos compromissos internacionais assumidos. Os países civilizados reconhecem-se sobretudo por terem uma matriz humanista, entre os quais pontuam o respeito pelos direitos humanos e a solidariedade. Perante a situação de necessidade extrema dos refugiados, o seu acolhimento é o único gesto compatível com esse padrão ético, moral e civilizacional. Este argumento deveria ser suficiente para determinar o comportamento do Estado, da sociedade e dos cidadãos, colocados perante o dilema de acolher ou não refugiados. Mas podemos acrescentar elementos complementares de ponderação que evidenciam ser não só um ganho civilizacional — sabendo até que esta cultura de proteção dos refugiados nasceu na sequência da Segunda Guerra Mundial e da necessidade de proteger milhões de europeus que se viram obrigados a fugir do seu país — mas também encerra outros benefícios. A vinda de pessoas e famílias com o desejo e a vontade de recomeçar uma vida nova e, neste sentido, agir proativamente na procura de modelos e processos de integração assentes em estratégias win/win com vista a facilitar a integração dos refugiados e superar divisões entre e com as populações autóctones é, no mínimo, uma boa oportunidade de a Europa se renovar demograficamente e de trazer a vantagem competitiva da diversidade cultural como fator de inovação. Convém relembrar que a maioria dos refugiados que foge desesperadamente da guerra, da fome e muitas vezes da morte são provenientes de grupos sociais ativos, com capacidade empreendedora e de integração comunitária, e com muita vontade de reconstruir as suas vidas, razão pela qual este é um daqueles fenómenos em que é possível discernir claramente a relação entre o egoísmo e o altruísmo — enquanto duas faces da

3. Caso para dizer: “Estranho conceito este que parece só ter validade e ser operacionalizável quando existem ligações formalizadas entre os indivíduos de uma sociedade organicamente instituída.”

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mesma moeda —, ou seja, o compromisso solidário altruísta acaba por coexistir com os ganhos e benefícios que daí resultam. Poder-se-ia aqui apresentar um extenso leque de exemplos dos benefícios que resultam da integração dos refugiados nas sociedades europeias, mas fiquemo-nos por alguns daqueles que poderão ser mais significativos no contexto macroeconómico e social em que a UE se encontra atualmente, a saber, os aspetos relacionados com a demografia e a sustentabilidade do modelo social europeu, o empreendedorismo e a inovação social. É por demais conhecido o chamado “inverno demográfico” que atravessa as sociedades euro-

peias, resultado das baixas taxas de fertilidade e dos elevados índices de envelhecimento populacional. A literatura sobre o efeito das migrações no contexto de sociedades mais envelhecidas, como é o caso das europeias e, em particular, da portuguesa, tem demonstrado que, na maioria dos casos, a mobilidade migratória resulta em benefícios para as sociedades anfitriãs (OCDE, 2012). Não só estas pessoas vêm com vontade de trabalhar e reconstruir as suas vidas — muitas vezes em tarefas e funções muito aquém das suas competências — como a taxa de natalidade nestes grupos é significativamente maior do que a registada nos países anfitriões, contribuindo,

 © UNICEF MK 2015 / Tomislav Georgiev

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deste modo, para o equilíbrio intergeracional e, consequentemente, para a sustentabilidade dos sistemas de segurança social e a sobrevivência do modelo social europeu. Neste sentido, os esforços levados a cabo para o acolhimento e integração dos refugiados devem ser vistos como um investimento e não como um custo. A maioria dos refugiados que entram na Europa estão em idade de trabalhar, pelo que a sua integração no sistema laboral representa um fator potenciador do crescimento das economias europeias (OCDE, 2012). Estudos levados a cabo em vários países europeus e referenciados pela OCDE (Liebing & Mo, 2013) mostram que os migrantes contribuem mais em impostos e em contribuições sociais do que recebem em benefícios individuais. Por outro lado, os movimentos migratórios têm contribuído para a inovação e crescimento económico, quer através do seu impacte demográfico quer pelo suplemento de capital humano proveniente das capacidades e competências dos migrantes, contribuindo para impulsionar a inovação social e o empreendedorismo sociotécnico (Hunt, 2010). Na Alemanha, os estudos levados a cabo pelas associações industriais apontam que os migrantes são mais empreendedores do que a média e que um quinto deles acabou mesmo por abrir um novo negócio. Acolher e integrar os refugiados é assim um processo interativo de interesses e benefícios mútuos com dois sentidos. Por um lado, dá-se a “adaptação” à nova realidade social e cultural e aos costumes da sociedade anfitriã — não numa perspetiva de assimilação nem de renúncia à identidade cultural de proveniência — com a oportunidade de construção de novos caminhos de vida. Por outro lado, é necessário sensibilizar, e mobilizar os nacionais dos Estados anfitriões, bem como as suas instituições, para compreenderem as oportunidades que resultam da integração dos refugiados e proporcionar a inserção nos sistemas sociais básicos — social, económica, cultural e legal — de forma a promover a sua inclusão social. Trata-se de um processo de duplo 26

sentido que traz responsabilidades e benefícios para todos e que pode ser facilitado se os princípios e valores de cidadania e justiça social forem garantidos de forma equitativa logo desde o início do processo de acolhimento (UNHCR, 2013). Estas são algumas das evidências que mostram que os refugiados não devem ser vistos como um fardo, mas como uma dupla oportunidade para as sociedades que os acolhem: oportunidade de reforçar os seus valores civilizacionais e oportunidade de beneficiar dos impactes positivos da sua presença. Um adequado processo de acolhimento e de integração permitirá dar um novo impulso para a renovação das sociedades europeias. No entanto, para que tal aconteça, o conceito de justiça social deve ser encarado como um valor básico fundamental e acessível para todos, este é um imperativo fundamental para que se reduzam as desigualdades sociais responsáveis pelas iniquidades em saúde. Desconstruir mitos e sensibilizar para uma justiça social para todos Não deverá ser surpresa para ninguém o facto de a crise dos refugiados ser atualmente percecionada como um dos desafios mais importantes que a UE enfrenta (Eurobarómetro, 2015). Mais de um milhão de refugiados atravessou a fronteira externa da UE em 2015 para fugir a guerras e outras situações de elevado risco para a sua sobrevivência, provenientes de países de África e do Médio Oriente, mas essencialmente da Síria (180 000), do Afeganistão (90 000), do Kosovo (80 000) e do Iraque (60 000). Confrontada com o maior fluxo de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial, a UE demorou a lançar as bases estratégicas para a sua recolocação, muito em particular por incapacidade de concertação política entre os seus dirigentes. Para tal também contribuíram os mitos e preconceitos associados aos refugiados, que só serviram para criar cortinas de fumo e tornar mais desconhecida e ameaçadora a situação daqueles que, na maioria das vezes, nos eram apresentados pelos meios de comunicação social como


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incivilizados e capazes das maiores atrocidades contra a vida humana. Com este quadro de referência dificilmente se torna pacífica a convergência e o consenso na resposta a dar a esta situação, em particular por parte da opinião pública dos países anfitriões. E se não existirem pontes de identificação com estas pessoas então dificilmente serão considerados dignos de acederem aos princípios de cidadania e de justiça social indispensáveis ao processo de inclusão social. Ora, neste sentido, para se alcançar a justiça social para todos é também necessário desconstruir os mitos e preconceitos que enviesam as representações sociais dos refugiados, e que apenas refletem objetivos de difusão de informação enganadora que muitas vezes está associada à disseminação do medo e à defesa de interesses puramente ideológicos. Esta desconstrução de mitos e preconceitos é fundamental para sensibilizar e mobilizar a sociedade civil a olhar a crise dos refugiados como uma oportunidade de afirmar os princípios humanistas, renovar as sociedades europeias e nos aproximar mais da realidade destas pessoas. Dimensões de integração e determinantes sociais da saúde dos refugiados O modelo dos determinantes sociais da saúde tem sido utilizado para demonstrar que os fatores sociais que influenciam a saúde dos refugiados durante os processos de trânsito, acolhimento e integração estão relacionados com o facto de estes se encontrarem numa situação de elevada vulnerabilidade devido ao efeito dos eventos de vida negativos experienciados, bem como às desigualdades sociais a que ficam sujeitos e, deste modo, acabam por estar mais suscetíveis aos riscos para a saúde física, mental e social que põem em causa o seu bem-estar. Ao contrário dos migrantes que por razões socioeconómicas saem dos seus países com o propósito de alcançar melhores condições de vida, os refugiados fogem dos seus países por se encon-

trarem em situação de elevado risco ou mesmo perigo de vida. Normalmente esta fuga dá-se em condições extremas, sem grande preparação e correndo enormes riscos de humilhação e submissão a grupos exploradores e até mesmo de tráfico humano. Assim, quer as experiências anteriores de vida quer a forma e as condições em que decorre a jornada migratória acabam por ter impacte na saúde destas pessoas, muito em particular no que diz respeito à sua saúde mental. As experiências de vida negativas aumentam significativamente o risco de virem a ser afetados durante muito tempo por psicopatologias, razão pela qual os investigadores, os profissionais de saúde e os políticos devem adequar os serviços de saúde para dar resposta a esta situação (Lindert & Schinina, 2011). Também durante o tempo em que se encontram nos campos de refugiados estas pessoas estão sujeitas a múltiplas condições de existência e violência psicológica que têm influência na sua saúde. Contudo, as principais preocupações durante este período centram-se no conjunto de ações levadas a cabo para assegurar a sua sobrevivência, desde garantir a alimentação a evitar a desidratação, até aos cuidados básicos inerentes às doenças que possam ter adquirido durante o caminho. Trata-se, pois, de uma fase em que a intervenção é fundamentalmente de emergência, não deixando de ser uma oportunidade para registar e declarar situações que necessitam de acompanhamento de saúde posterior (Frontières, 1997). É no processo de acolhimento e integração dos refugiados nos países anfitriões que os determinantes sociais da saúde começam a ter um impacte sistemático na sua saúde. A necessidade de ter uma habitação, emprego e formação, escola para dar educação aos filhos e acesso aos serviços de saúde são alguns dos determinantes sociais que condicionam a saúde dos refugiados logo desde o início do processo de acolhimento. Quaisquer que sejam as razões que levem ao retardamento da intervenção sobre estes determinantes sociais acabam por exacerbar os efeitos negativos na sua saúde (Quadro 1). 27


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quadro 1 alguns determinantes sociais da saúde em relação aos refugiados (adaptação dos autores)

1. Antecedentes de vida

Experiências pré-migração de guerra, tortura e outros tipos de trauma têm implicações na saúde mental e psicopatologias.

2. Discriminação cultural e étnica

Mitos e estereótipos associados à proveniência cultural e étnica que levam ao isolamento social, depressão, stress e revolta.

3. Défice de participação social

Afastamento dos círculos sociais de participação política, cultural e religiosa, levando a conflitos de identidade e desintegração social.

4. Rendimento e status social

Limitações de rendimento que levam à dependência de outros e ao défice de condições básicas de vida e de reconhecimento social.

5. Acesso aos sistemas sociais básicos

Acesso limitado a um emprego digno, a uma habitação adequada, à educação, à segurança na doença e na velhice, a uma alimentação saudável e a cuidados de saúde.

6. Literacia em saúde

Dificuldades na compreensão da língua e desconhecimento dos meios e recursos para a promoção da saúde.

7. Estilos de vida e comportamentos saudáveis

O défice de integração e a exclusão social levam à adoção de comportamentos nefastos para a saúde, como o consumo de tabaco, drogas, erros alimentares, dormir pouco e falta de exercício físico.

A partir do momento em que o processo de integração está em curso, os refugiados acabam, de alguma forma, por estar sujeitos a muitos dos determinantes sociais da saúde que afetam os grupos sociais mais vulneráveis das sociedades anfitriãs, como, por exemplo, o défice de rendimento e a precariedade das condições de vida e de trabalho. Sendo a relação entre as desigualdades socioeconómicas e o status de saúde das populações um facto sólido, cientificamente comprovado, leva a que os refugiados façam parte de um grupo de acrescida vulnerabilidade, não apenas em relação às necessidades básicas materiais, como a habitação e a alimentação, mas, muito em particular, as necessidades de autonomia, liberdade e empoderamento (Marmot, 2006). Neste sentido, os processos de integração que promovam o empoderamento dos refugiados e a sua capacidade para tomar decisões sobre a sua vida terão significativos efeitos nas dimensões de autoconfian28

ça e sentimento de autonomia, com inequívocos resultados positivos na sua saúde (IOM, 2006). Contudo, existem determinantes sociais mais específicos da sua condição de refugiados e que os afetarão durante mais ou menos tempo consoante a forma como se processa a sua integração e inclusão social. Destes, os mais frequentes são os associadas aos problemas de integração cultural, discriminação étnica e religiosa, e défice de participação social e política (Davies et al., 2010; UNHCR, 2013), razão pela qual a literatura tem procurado evidenciar a maior complexidade nas desigualdades relacionadas com os fatores de cariz cultural, religioso e de identidade étnica, com impacte nos fenómenos de estigmatização, aculturação e xenofobia (Marmot & Wilkinson, 2006). Na perspetiva dos determinantes sociais da saúde, o processo de integração e inclusão social dos refugiados está correlacionado com o grau de aplicação dos princípios de justiça social à sua


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condição de cidadania, na justa medida em que os princípios da igualdade de oportunidades e da redistribuição de recursos estejam ao seu alcance. A cidadania plena revela-se assim como uma componente básica para atenuar as desigualdades e vulnerabilidades sociais, económicas, culturais e étnicas a que os refugiados estão sujeitos, com impacte na redução das iniquidades em saúde. A garantia da aplicação dos princípios de justiça social aos refugiados constitui a base para que se desenvolva um adequado e efetivo processo

de integração, o qual poderá beneficiar também da adoção de políticas intersetoriais com referência aos determinantes sociais da saúde. Neste contexto, a intervenção não se fixará apenas em reparar os efeitos diretos causados pela migração na saúde dos indivíduos, mas antes em atuar ativamente nas causas indiretas — “as causas das causas” — da saúde, tais como a habitação, o acesso aos sistemas sociais básicos (educação, saúde, emprego e segurança social), a participação e a cidadania ativa (IOM, 2006).

 © UNICEF / UNI195498 / Klincarov

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 © UNICEF / NYHQ2015-1035 / Khuzaie

Notas finais Poder-se-ia continuar a elencar múltiplos efeitos dos determinantes sociais na saúde dos refugiados. Contudo, importa sublinhar que só poderemos agir adequadamente na redução das desigualdades dos grupos sociais mais vulneráveis se o conceito de justiça social estiver bem alicerçado nos valores, princípios e interesses comuns das sociedades. Deste modo, a base para um adequado processo de integração dos refugiados nas sociedades anfitriãs assenta na operacionalização dos princípios de justiça social e cidadania, de forma inclusiva — para todos.

A justiça social e a cidadania constituem assim a base para o desenvolvimento de políticas intersetoriais integradas de redução das desigualdades sociais e de promoção da equidade em saúde, tendo como referência os determinantes sociais da saúde e os principais domínios de integração dos refugiados (Quadro 2. Ager & Strang, 2008). Por fim, chama-se a atenção para a necessidade de colocar nas agendas dos agentes sociais e políticos a discussão e sensibilização da sociedade civil sobre a importância da justiça social enquanto pilar fundamental dos direitos humanos com impacte no nosso futuro comum.

quadro 2 principais domínios de integração de refugiados (adaptado de AGER & STRAG, 2008)

Interseção nos sistemas sociais básicos

Habitação

Relações sociais

Rede Social

Facilitadores

Conhecer a Língua e Cultura

Princípios e valores

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Emprego

Educação

Suporte Social

Saúde

Participação Social

Segurança e Estabilidade

Direitos de Cidadania / Justiça Social


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BIBLIOGRAFIA Ager, A. & Strang, A. (2008). Understanding Integration: A conceptual framework. Journal of refugee studies, 21(2): 166-191. Dahlgren, G. & Whitehead, M. (1991). Policies and Strategies to Promote Social Equit in Health. Stockholm: Institute for Future Studies. Dahlgren, G. & Whitehead, M. (2006) European strategies for tackling social inequalities in health: Levelling up Part 2. University of Liverpool: WHO Collaborating Centre for Policy Research on Social Determinants of Health. Davies, A.; Basten, A. & Frattini, C. (2006). Migration: A Social Determinant of the Health of Migrants. IOM Migration Health Department. Geneve Switzerland. Davies, A.; Basten, A. & Frattini, C. (2010). Migration: a social determinant of migrants health. Euro health; 16: 10–12. Eurobarómetro (2015). Os principais desafios para a UE, migração e situação económica e social. In: http:// www.europarl.europa.eu/pdf/eurobarometre/2015/ 2015parlemeter/EB84.1_synt_conso_pt.pdf European Commission (2013). Report on health in equalities in the European Union. Commission Staff Working Document: Brussels. In: http://ec.europa. eu/health/social_determinants/docs/report_ healthinequalities_swd_2013_328_en.pdf Frontières, Médecins Sans (1997). Refugee health. An Approach to emergency situations. In: http://whqlibdoc. who.int/euro/-1993/EUR_ICP_RPD_414.pdf Hunt, J. (2010). Skilled Immigrants Contribution to Innovation and Entrepreneurship in the US. Open for Business: Migrant Entrepreneurship in OECD Countries. Paris: OECD Publishing. In: http://dx.doi. org/10.1787/9789264095830-en Liebig, T. & Mo, J. (2013). The Fiscal Impact of Immigration in OECD Countries. International Migration Outlook. Paris: OECD Publishing. In: http:// dx.doi.org/10.1787/migr_outlook-2013-6-en. Lindert, J. & Schinina, G. (2011). Mental health of refugees and asylum seekers. In: Rechel B., Mladovsky P., Deville W., Rijks B., PetrovaBenedict R., McKee M., editors. Migration and health in the European Union. Maiden head: McGraw Hill Open University Press.

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| modernização hospitalar |

HOSPITAL CENTENÁRIO APOSTA NA INOVAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA NOS CUIDADOS DE SAÚDE

Enquadrado na missão da Santa Casa de melhorar as respostas na área da Saúde, o Hospital de Sant’Ana investe na construção de uma nova unidade hospitalar para modernizar as suas infraestruturas, e corresponder aos novos desafios tecnológicos, de modo a incrementar a atividade e as sinergias para uma prestação de cuidados de excelência. Texto de João Gomes Peres [ADMINISTRADOR-DELEGADO E DIRETOR CLÍNICO DO HOSPITAL DE SANT’ANA_SCML]

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O

Hospital de Sant’Ana foi inaugurado a 31 de julho de 1904, por D. Claudina Chamiço, então com a designação de Sanatório de Sant’Ana, para o tratamento específico da tuberculose óssea. A partir de 1927, o Hospital conhece nova dinâmica, sendo montadas salas de RX, o Serviço de Medicina Física e de Reabilitação e iniciadas as primeiras intervenções cirúrgicas ortopédicas. A sua reputada tradição cirúrgica iniciou-se precisamente a partir desta data, estando desde então o Hospital de Sant’Ana essencialmente vocacionado para a prevenção, tratamento e reabilitação no campo da Ortopedia e Traumatologia. O investimento que ao longo dos tempos foi sendo efetuado ao nível das estruturas técnicas e, fundamentalmente, de desenvolvimento das competências clínicas dos seus profissionais permitiu a este hospital desenvolver uma prática

cirúrgica diferenciadora e especializada em áreas como a Patologia da Coluna, Ortopedia Infantil, Patologia do Joelho, Patologia da Anca, Patologia do Pé e Tornozelo, Patologia da Mão, Patologia do Ombro, nas quais se assume como um hospital de referência nacional e internacional, assim como em especialidades complementares como Medicina Física e Reabilitação, Reumatologia, Cirurgia Plástica, Medicina Interna, Psicologia, Nutrição, Imagiologia, Otorrinolaringologia, Oftalmologia, e Medicina Dentária, sendo que a atividade das três últimas está também muito relacionada com o espírito de integração com a Direção de Saúde da Santa Casa. Este conhecimento e relevância do Hospital de Sant’Ana manifesta-se também na sua idoneidade formativa, no que concerne ao internato médico da especialidade de Ortopedia e aos acordos de estágio com diversas instituições de ensino

 Foto da maquete da nova unidade hospitalar

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| modernização hospitalar |

 Foto da obra de construção da nova unidade hospitalar  Dr. Gomes Peres

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superior para as áreas de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Imagiologia/ Radiologia e Nutrição. A sua credibilidade é igualmente bem visível através dos múltiplos apoios técnicos e/ou consultadoria que lhe são solicitados, entre os quais se destaca o CMRA — Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão e o Centro de Paralisia Cerebral Calouste Gulbenkian, e na colaboração que presta às instituições públicas e em particular às do Serviço Nacional de Saúde, designadamente na complementaridade de cuidados, intervindo em diversas situações em que a resposta pública às necessidades de saúde se revelam insuficientes, das quais será de salientar a sua integração nas equipas do Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO), em que as nossas equipas médicas asseguram 50% da urgência em Ortopedia e Traumatologia do Hospital de São Francisco Xavier. Por outro lado, e inserida na missão SCML de proporcionar


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mais e diferentes acessos aos cuidados de saúde prestados no Hospital de Sant’Ana, têm sido celebrados acordos com seguradoras, que se juntam aos acordos disponíveis com diversos subsistemas de saúde. É também de realçar o seu constante esforço de adaptação e incremento dos cuidados relacionados com as diversas patologias que trata e do seu público-alvo, sendo de referir que estão em curso as obras de ampliação das suas instalações com a construção de uma nova unidade hospitalar, que contribuirá para dar um novo impulso e permitir aumentar a capacidade de resposta e alargar as suas valências, o que o tornará mais concorrencial no mercado da saúde, aproveitar os excelentes recursos e infraestruturas da região onde se insere e dar melhor resposta a uma comunidade com cerca de trezentos mil habitantes. Com uma área total de construção de 6688 m2, a nova unidade será composta por três pisos, irá contemplar uma central de esterilização, bloco operatório com quatro salas, recobro com 32

 Rastreio de saúde

 Sessão “Aprender a Crescer”

 Simpósio Nutrição e Saúde

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| modernização hospitalar |

 Foto da fachada marítima

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postos, serviço de internamento com 60 camas divididas por quartos individuais e duplos e área de gestão de doentes (admissão/visitas). No que concerne à reabilitação, o Hospital de Sant’Ana possui um serviço constituído por fisiatras, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas e está vocacionado para a reabilitação dos doentes operados, assim como para doentes em regime de ambulatório, tendo à sua disposição diferentes técnicas terapêuticas. No âmbito da promoção da saúde e de uma melhor qualidade de vida da comunidade onde

o hospital está inserido, têm sido realizadas regularmente diversas ações, nomeadamente rastreios, seminários, sessões de esclarecimento e workshops, permitindo assim uma presença contínua na divulgação dos cuidados de saúde e na importância de adotar estilos de vida mais saudáveis por parte dos participantes. Inovação tecnológica Consciente da necessidade de acompanhar a evolução tecnológica, bem como de melhorar a resposta no diagnóstico e contribuir para os cui-


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dados de saúde prestados, o Hospital de Sant’Ana apostou na modernização da Imagiologia com a aquisição de um aparelho de Ressonância Magnética (RM), e outro de Tomografia Computorizada (TAC), ambos topo de gama, que proporcionam melhor resposta no diagnóstico e estudo de patologias da área musculoesquelética, e que se juntam ao ecógrafo, ao osteodensitómetro e aos equipamentos de radiologia convencional. Em 2016, o Hospital de Sant’Ana celebra 112 anos de atividade e o seu edifício centenário é considerado um ícone na paisagem da Parede

(concelho de Cascais), localizado em frente do mar, detentor de uma vista marítima e de espaços abertos ideais para a recuperação dos seus pacientes. Desde 2003 que este edifício é classificado pela Direção-Geral do Património Cultural como Imóvel de Interesse Público e considerado uma referência importante na arquitetura hospitalar, para o qual contribuíram os melhores engenheiros, arquitetos e artistas portugueses da época.

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| cuidados paliativos |

Cuidados paliativos: um cuidar em equipa

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A filosofia dos cuidados paliativos integra-se no cuidar, que é a pedra basilar da enfermagem. Contudo, as medidas terapêuticas com o intuito de proporcionar cuidados intensivos de conforto, minimizando as repercussões negativas da doença sobre a pessoa, em situação de doença incurável ou grave, em fase avançada ou progressiva, exige cuidados de uma equipa de profissionais com preparação específica. Texto de Maria João de Almeida dos Santos [ENFERMEIRA, TÉCNICA SUPERIOR, COORDENADORA TÉCNICO-PEDAGÓGICA NA UNIDADE DE FORMAÇÃO, DIREÇÃO DE RECURSOS HUMANOS_SCML]

A todos, a doença e a morte geram temor mas sobre tal assunto cada vez menos queremos falar, nem com os outros nem connosco próprios. Sancho M.G.

R

efletir acerca dos cuidados de saúde que prestamos é crucial para manter uma resposta adequada a todos aqueles que necessitam dos nossos cuidados. Ao falarmos de cuidados de saúde, os cuidados de enfermagem destacam-se na interação daqueles que cuidam com os que são cuidados. A enfermagem ao longo dos tempos tem sofrido inúmeras mudanças, as quais foram permitindo consumar-se como uma ciência, cujo exercício da profissão se baseia num corpo de conhecimentos próprios e integra conhecimentos de outras ciências. Simultaneamente apresenta-se como uma arte, uma vez que envolve um vasto conjunto de habilidades e competências, objetiváveis no seu exercício. O cuidar implica conhecimentos de natureza humana, ética, científica, técnica e saberes pró-

prios. É ter a capacidade de ir ao encontro do outro, tecer laços de confiança, ser autónomo e ser capaz de agir em transdisciplinaridade, favorecendo a autonomia do outro, respeitando-o. Para Collière (2003:439), cuidar “(…) situa-se na encruzilhada do que faz viver e morrer, é comunicar vida, é deixar existir e é desenvolver o que permite viver. (…). Cuidar é primeiro que tudo um ato de vida (…). Cuidar é ajudar a viver”. Nos últimos anos temos assistido a uma crescente necessidade de cuidados de saúde em sequência da elevada morbilidade e mortalidade que se vivencia na Europa e inclusive em Portugal. As situações causadas por doenças incuráveis ou graves, em fase avançada ou progressiva, independentemente da idade e do envelhecimento da população, reflete a necessidade urgente de cuidados em fim de vida ou paliativos 39


| cuidados paliativos |

(pediátricos e em adultos), para um número cada vez maior de cidadãos. A história dos cuidados paliativos remota ao século xx, com a defesa dos mesmos por Dame Cicely Saunders no Reino Unido, como um direito humano e uma obrigação social, tendo a mesma efetuado todos os esforços para uma efetiva operacionalização dos cuidados paliativos e o reconhecimento da medicina paliativa como uma especialidade. Nos restantes países europeus, este

hospitalares, independentemente da sua designação, e as unidades locais de saúde, integrados no Serviço Nacional de Saúde, e classificados nos Grupos I, II, III ou IV-a com valências médicas e cirúrgicas de oncologia médica, devem assegurar a existência de uma equipa intra-hospitalar de suporte em cuidados paliativos. Na sequência da regulamentação da Lei n.º 52/ 2012, de 5 de setembro, designadamente através do Decreto-Lei n.º 173/2014, de 19 de novembro,

A Lei de Bases de Cuidados Paliativos, Lei n.º 52/2012, Diário da República, 1.ª série – N.º 172 – 5 de setembro de 2012, veio consagrar o direito e regular o acesso dos cidadãos aos cuidados paliativos desenvolvimento foi mais tardio, pelo final dos anos setenta, sendo que em Portugal, apesar dos esforços (desde 2006 que têm sido incentivados os cuidados paliativos, integrados no programa de cuidados continuados), na realidade ainda estamos muito aquém de dar uma resposta efetiva às necessidades dos cidadãos. A Lei de Bases de Cuidados Paliativos, Lei n.º 52/ 2012, Diário da República, 1.ª série — N.º 172 — 5 de setembro de 2012, veio consagrar o direito e regular o acesso dos cidadãos aos cuidados paliativos, ao mesmo tempo que definiu a responsabilidade do Estado em matéria de cuidados paliativos e cria a Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP), a funcionar sob tutela do Ministério da Saúde. Em janeiro de 2013, surgiu o Despacho n.º 1235/ 2013, Diário da República, 2.ª Série — N.º 14 — 21 de janeiro de 2013, que indica a constituição do grupo de trabalho para a regulamentação da Lei de Bases dos Cuidados Paliativos. Cerca de um ano e meio após o mesmo, foi efetuado o Despacho n.º 10429/2014, Diário da República, 2.ª Série – N.º 154 – 12 de agosto de 2014, o qual determina que os estabelecimentos 40

clarifica-se através do presente decreto-lei que as unidades e equipas em cuidados paliativos deixam de estar integradas na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), assegurando a necessária articulação entre as duas redes, refletida já na referida lei. O presente decreto-lei prevê, assim, que as unidades da RNCCI podem coexistir com as unidades da RNCP, que a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados pode integrar as equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos e que as unidades e serviços da RNCCI, em função das necessidades, podem prestar ações paliativas, como parte da promoção do bem-estar dos utentes. Esta regulamentação aplicável às entidades públicas permite acentuar a necessidade efetiva de cuidados paliativos à população portuguesa e o reconhecimento dos cuidados paliativos como um direito humano e uma obrigação social. A Santa Casa da Misericórdia (SCML), sendo uma pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa, tem tido sempre a preocupação de dar uma resposta adequada à população, em particular na procura da melhoria do bem-estar da pessoa no seu todo, prioritariamente dos mais


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desprotegidos, assim como tem assumido o compromisso de apoiar os mais desfavorecidos e levar a cabo as 14 obras de misericórdia. Tal como enunciado (em 2012, no editorial desta revista), pelo Ex.mo Sr. Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Dr. Pedro Santana Lopes, “a Santa Casa tem um papel ainda mais essencial na sociedade portuguesa, ao colocar a sua reconhecida experiência ao serviço dos novos tempos, de novas causas e novos projetos, e de cada vez mais pessoas diferentes.” A Unidade de Cuidados Continuados Dr.ª Maria José Nogueira Pinto (Aldeia de Juso — Cascais), inaugurada em julho de 2012, tem efetuado todos os esforços para dar uma resposta efetiva na prestação de cuidados paliativos, além de todo o empenho demonstrado na área dos cuidados continuados (tipologia de cuidados de reabilitação, convalescença, internamentos de curta-média-longa duração e descanso do cuidador). De acordo com a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP), é essencial o assumir de algumas recomendações referentes à organização dos serviços de cuidados paliativos e à formação em enfermagem em cuidados paliativos, com base em inúmeras recomendações internacionais e guidelines. No que concerne às unidades de internamento, os principais critérios são: — Controlo de sintomas difíceis de resolver no domicílio ou em regime de ambulatório; — Problemas de claudicação/exaustão familiar e em casos de ausência de um cuidador principal. Na Unidade de Cuidados Continuados Dr.ª Maria José Nogueira Pinto, da nossa experiência, a situação que conduz ao internamento encontra-se intimamente ligada à escassez de soluções na comunidade para dar resposta às necessidades das pessoas e famílias que necessitam de cuidados paliativos. A falta de formação específica dos profissionais de saúde é um outro fator a ter em consideração, sendo tardiamente sinalizada a necessidade de cuidados paliativos.

As famílias chegam à unidade num estado de grande sofrimento e na maioria das situações as pessoas doentes encontram-se já numa fase terminal da sua vida. A situação de doença oncológica é assumida pela maioria dos profissionais e familiares como paliativa, contudo é necessário aprofundar conhecimentos e investir na formação, para poder identificar outras situações de doenças graves, crónicas, degenerativas, do foro neurológico e cardiovascular, como situações que carecem de cuidados paliativos. Esta situação complexa de cuidados, exige uma maturidade, controlo, conhecimento e formação específica de toda a equipa, o que tem sido uma aposta da SCML nos seus colaboradores. No que concerne à equipa de enfermagem, tratando-se de uma equipa bastante jovem e dinâmica, foi proporcionada pela SCML a formação em cuidados paliativos, certificando os enfermeiros de um Curso Básico de Cuidados Paliativos. Em relação à gestão de recursos humanos, o esforço de proporcionar oportunidades de formação, assim como o incentivo à mesma, tem sido uma realidade constante, bem como assegurar dotações seguras para uma prestação de cuidados de qualidade, sendo este desígnio um esforço garantido pela Ex.ma Senhora Administradora da SCML com o pelouro da Saúde, Dra. Helena Lopes da Costa. 41


| cuidados paliativos |

O trabalho em equipa é visto e sentido como uma oportunidade e tem-se fomentado a partilha e formação multidisciplinar. Só desta forma é possível prestar cuidados globais, minimizando o sofrimento e a dor total (física, psicológica, social e espiritual), promovendo a melhor qualidade de vida possível a todos aqueles que acolhemos na unidade. Respeitando as recomendações da APCP, no que concerne ao modelo de prestação de cuidados, o líder médico e o de enfermagem possuem formação avançada em cuidados paliativos, sendo prestados cuidados globais numa abordagem interdisciplinar. A pessoa doente e/ou a família, dependendo da situação concreta, são integradas no processo de tomada de decisão, que neste contexto de grande vulnerabilidade pode conduzir, por vezes, a situações de dilema moral e/ou ético. Atentos a esta realidade, em equipa identificámos a necessidade de criação de um grupo de apoio à decisão ética, o qual esperamos operacionalizar brevemente. Lidar com situações em que a dor total é uma constante exige identificar o mais precocemente possível as prioridades de ingerência para efetuar um plano de intervenção e definir estratégias. Pela nossa experiência, a dor física, embora seja causadora de imenso sofrimento, de um modo geral, de uma forma sistematizada com a experiência da equipa e com o acesso privilegiado que temos em relação à terapêutica, a qual tem sido fornecida pela farmácia hospitalar do Centro de Medicina Física e de Reabilitação de Alcoitão (CMRA) em articulação com a farmácia da Unidade, tem sido possível minimizar os sintomas físicos. A articulação estreita com a direção clínica do CMRA e do Hospital Ortopédico de Sant’Ana, assim como com a equipa de profissionais, tem facilitado o desenvolvimento da nossa unidade. A dor psicológica, por vezes mais “escondida” numa primeira abordagem, é um aspeto a que a equipa de enfermagem está alerta e, apesar de efetuar apoio emocional constante, é quase sempre necessária uma intervenção específica das 42

colegas psicólogas. O acompanhamento psicológico das pessoas com necessidades paliativas, das suas famílias e o apoio prestado aos colaboradores tem sido um desafio constante para a psicologia. Ao lidar com situações em que a dor total é uma constante, há que identificar as situações ou problemas e intervir em conformidade e atempadamente. Ao considerar que os profissionais que trabalham em cuidados paliativos estão também expostos ao sofrimento, é fundamental prevenir situações extremas de exaustão, pelo que em equipa estamos a operacionalizar um projeto de prevenção do Burnout (integra atividades de brainstorming e teambuilding). Em cuidados paliativos o acompanhamento das pessoas e famílias em luto é mantido até pelo menos um ano após a morte do familiar, estando a ser estruturado um novo projeto, de forma a poder ser usufruído por um número maior de pessoas. A dor social é em muitas das situações um dos obstáculos a um equilíbrio pleno da pessoa doente e da sua família. As dificuldades laborais, sociais e económicas são um peso a ter em conta no sofrimento. O trabalho executado pelas colegas assistentes sociais é fundamental na procura de respostas sociais adequadas e na garantia da articulação e continuidade de cuidados entre outras instituições. No que concerne à dor espiritual, sentimos que por enquanto é a área de sofrimento que temos maior dificuldade em minimizar. A religiosidade tem um peso elevado na espiritualidade e parece ajudar na procura da resposta ao sentido de vida. A presença do padre na unidade, a realização da missa, as festividades religiosas, embora sejam valorizadas, parece não serem o suficiente para colmatar este sofrimento espiritual. Tem existido também abertura para acolher outras religiões que não a católica, caso seja essa a vontade da pessoa. Esta situação de dor espiritual tem sido um desafio para toda a equipa e brevemente pretendemos aplicar uma escala de avaliação das necessidades espirituais, de acordo com uma investigação


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A Unidade de cuidados continuados Dr.ª Maria José Nogueira Pinto (Aldeia de Juso – Cascais), inaugurada em julho de 2012, tem efetuado todos os esforços para dar uma resposta efetiva na prestação de cuidados paliativos efetuada por uma colega enfermeira, no seu mestrado em enfermagem, na vertente oncológica. A equipa de terapeutas da área da Medicina Física e de Reabilitação tem procurado ter uma abordagem apropriada em pessoas com necessidades de cuidados paliativos, de acordo com o planeamento, assim como tem demonstrado interesse em aprofundar a área de conhecimento. A integração de uma colega nutricionista na equipa tem permitido um planeamento alimentar personalizado e individualizado, indo ao encontro das necessidades e desejos da pessoa doente e da expectativa da família. Os colegas auxiliares de ação médica são essenciais para a garantia do conforto e manutenção das atividades de vida diárias das pessoas internadas na nossa unidade, pois em articulação com a restante equipa e sob a orientação e supervisão dos enfermeiros garantem uma assistência contínua de 24 horas. A maioria destes colaboradores não teve formação na área da saúde, e como tal este tem sido um desafio a todos os níveis. Há também que cuidar de quem cuida e por isso a formação é um objetivo para pôr em prática ainda neste ano. O investimento efetuado pela SCML, relativamente aos registos informatizados, tem sido uma mais-valia para a continuidade de cuidados. Permite registos sistematizados, uma deteção e monitorização precoce de problemas, um plano individualizado de cuidados. Numa unidade com uma missão tão nobre, com uma equipa jovem, empreendedora, resiliente, mas motivada e com o desejo de proporcionar os melhores cuidados a todos aqueles

de quem cuidamos, e também aos que cuidam, acreditamos e confiamos que o futuro irá permitir que a nossa Unidade de Cuidados Continuados Dr.ª Maria José Nogueira Pinto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa seja reconhecida como uma instituição de referência em cuidados paliativos. Tem sido extraordinário observar como os “preconceitos” de que “não há nada a fazer” se transformam, fazendo que a intervenção de cada um seja fundamental para o resultado de um todo, tornando esta fase da vida o mais digna possível. Afinal ainda temos tanto que fazer…

BIBLIOGRAFIA BRENNAN, F., 2007. Palliative Care as an International Human Right. J Pain Symptom Manage. COLLIÈRE, M., 2003. Cuidar… a primeira arte da vida. 2.ª edição. Loures: Lusociência. CAPELAS, M.L., 2011. Indicadores de qualidade para os serviços de cuidados paliativos. UCP Editora. Lisboa. NETO, I.G., 2010. Cuidados Paliativos. Aletheia Editores. Lisboa. OSSWALD, W., 2010. Da Vida à Morte: Horizontes da Bioética. Gradiva. Lisboa. TWYCROSS, R., 2003. Cuidados Paliativos. 2.ª edição. Climepsi Editores. Lisboa. Principais hiperligações consultadas:

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| Direitos |

Disfunções intencionais do vínculo parental avaliação Parte II

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| social |

A problemática da promoção dos direitos e a proteção das crianças e jovens em perigo, de modo a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, é revista no âmbito dos seus objetivos, princípios, medidas de intervenção e de avaliação. Texto de António José Fialho [JUIZ DE DIREITO, MEMBRO DA REDE INTERNACIONAL DE JUÍZES DA CONFERÊNCIA DE HAIA DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO]

A INTERVENÇÃO NO ÂMBITO DA PROMOÇÃO E PROTEÇÃO

O

artigo 1.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo define o objeto da intervenção, afirmando que esta visa “a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, de forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral”. Assim, a intervenção deve retirar a criança ou jovem da situação de perigo em que se encontra, através da eliminação dos fatores que a colocam nessa situação, bem como promover a proteção e o respeito pelos seus direitos1. O desenvolvimento pleno e integral da criança e do jovem implica a realização dos seus direitos sociais, culturais, económicos e civis (artigos 69.º da Constituição da República Portuguesa, 19.º e 20.º da Convenção sobre os Direitos da Criança e Princípio VII da Declaração dos Direitos da Criança). Com vista a garantir estes objetivos, a Lei de Proteção das Crianças e Jovens em Perigo tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo que residam

ou se encontrem em território nacional, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (artigos 1.º e 2.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo). Para esse efeito, da intervenção social do Estado e da comunidade depende uma legitimidade substancial, ou seja, da existência de factos ou circunstâncias indiciadoras e enquadráveis nas situações em perigo em que se pode encontrar a criança ou o jovem (artigo 3.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo), devendo ainda ser estabelecido um nexo de causalidade entre esses factos e o perigo que resulta para a criança ou jovem, designadamente para a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento, provocado pelos comportamentos ou inação dos seus responsáveis parentais. A legitimidade da intervenção do Estado e da comunidade, seja através das comissões de proteção de crianças e jovens em perigo, seja através dos tribunais, é imposta pela ação restritiva dos direitos fundamentais que estão em causa: o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e garantia de não privação dos mesmos (artigo 36.º, n.os 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa).

1. Clemente, Rosa, Inovação e Modernidade no Direito de Menores, A perspectiva da Lei de Promoção de Crianças e Jovens em Perigo, Centro de Direito da Família 16, Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 23.

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| Direitos |

Assim, estabelece o artigo 3.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo que “a intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.”

O desenvolvimento pleno e integral da criança e do jovem implica a realização dos seus direitos sociais, culturais, económicos e civis” Esta intervenção obedece a um conjunto de princípios, dos quais devemos destacar os seguintes (artigo 4.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo): a) O princípio da intervenção mínima, ou seja, a intervenção deve ser exercida, exclusivamente, pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança ou do jovem em perigo; b) O princípio da responsabilidade parental, implicando que a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança ou o jovem; c) O princípio da subsidiariedade, o que impõe que a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria de infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais. A intervenção judicial, determinada especialmente pelo princípio da prevalência da família e 46

da subsidiariedade, exige que a criança ou jovem se encontre numa das situações de perigo enumeradas no n.º 2 do citado artigo 3.º, nomeadamente que “esteja sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional”. A situação de perigo tanto pode provir de culpa (atuação dolosa ou negligente) dos pais, representante legal ou daquele que tiver a sua guarda de facto ou da ação ou de omissão de terceiros, como de simples impotência ou incapacidade destes. As medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e jovens em perigo visam afastar o perigo em que estes se encontram e proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (artigo 34.º, alíneas a), e b), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo). São os pais que têm o direito e o dever de educar e manter os filhos, não podendo estes deles ser separados, exceto quando não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial (artigo 36.º da Constituição da República Portuguesa). Assim, a intervenção para a proteção e promoção dos direitos da criança ou do jovem deverá nortear-se sempre no superior interesse da criança, ser proporcional e atual, dando-se prevalência às medidas que a integrem na sua família (artigo 4.º, alíneas a), e), f), e g), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo). A Constituição da República Portuguesa estabelece o direito das crianças à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral (artigo 69.º, n.º 1). No âmbito do direito internacional, o interesse da criança ou do jovem é também fortemente enfatizado, designadamente na Base II da Declaração dos Direitos da Criança (aprovada pela Convenção das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959) em que se refere que “a criança deve beneficiar de uma proteção especial a fim de se poder desenvolver de uma maneira sã e normal


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no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”. A Convenção sobre os Direitos da Criança de 20 de novembro de 1989 (assinada em Nova Iorque em 26 de janeiro de 1990 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90) acolheu o “superior interesse da criança como o princípio prevalecente na tomada de decisões”. Também a Convenção da Haia relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Protecção de Crianças, de 19 de outubro de 1996 (aprovada pelo Decreto n.º 52/2008, de 13 de novembro),

afirma que os Estados membros reconhecem que a aplicação da Convenção e o reconhecimento das medidas tomadas pelas autoridades de um Estado contratante poderão ser recusados se forem “manifestamente contrários à ordem pública do Estado requerido, tendo em consideração os melhores interesses da criança”. Na ordem jurídica interna, o artigo 4.º, alínea a), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo estabelece que “a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem”2. Em conclusão, o ordenamento jurídico configura o superior interesse da criança essencialmente

2. Nem a lei nem os instrumentos internacionais definem o que deve entender-se por “interesse da criança ou do jovem” e, por se tratar de um conceito jurídico indeterminado, só adquire relevância quando referido ao interesse de uma determinada criança, em concreto, havendo tantos interesses quantas forem as crianças. O interesse de uma criança não se confunde com o interesse de outra criança e o interesse de cada uma destas é, ele próprio, susceptível de se modificar ao longo do tempo, já que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios, com caraterísticas e necessidades próprias. Na doutrina, “o conceito de interesse da criança comporta uma pluralidade de sentidos. Não só porque o seu conteúdo se altera de acordo com o espírito da época e com a evolução dos costumes, ou porque é diferente para cada família e para cada criança, mas também porque, relativamente ao mesmo caso, é passível de conteúdos diversos igualmente válidos, conforme a valoração que o juiz faça da situação de facto” (Sottomayor, Maria Clara, Exercício do Poder Paternal, Universidade Católica, 2.ª Edição, 2003, p. 85). Caberá, pois, ao julgador preencher valorativamente este conceito, de conteúdo imprecisamente traçado, apreendendo o fenómeno familiar na sua infinita variedade e imensa complexidade e, numa análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, decidir em oportunidade pelo que considerar mais justo e adequado. No fundo, significa que deve adoptar-se a solução mais ajustada ao caso concreto, de modo a oferecerem-se melhores garantias de desenvolvimento físico e psíquico da criança, do seu bem-estar e segurança e da formação da sua personalidade ou, como bem se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16 de março de 2004 “quem, na verdade, define, em cada caso, o sentido dos conceitos intencionalmente deixados vagos na lei é o tribunal, no exercício da função que lhe cabe de a interpretar e aplicar, em face das realidades concretas da vida, nos termos dos artigos 8.º, n.º 3, e 9.º, ambos do Código Civil”. É ainda afirmado que “hoje reconhece-se o interesse do menor como a força motriz que há de impulsionar toda a problemática dos seus direitos. Tal princípio radica na própria especificidade da sua situação perante os adultos, no reconhecimento de que o menor é um ser humano em formação, que importa orientar e preparar para a vida, mediante um processo harmonioso de desenvolvimento, nos planos físico, intelectual, moral e social. O conceito de interesse do menor tem de ser entendido em termos suficientemente amplos, de modo a abranger tudo o que envolva os seus legítimos anseios, realizações e necessidades nos mais variados aspectos” (Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 8/91 publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 418, pp. 285 segs.). O superior interesse da criança surge, assim, como um objetivo a prosseguir por todos quantos possam contribuir para o seu desenvolv imento harmonioso: os pais, no seu papel primordial de condução e educação da criança; as instituições, ao assegurar a sua tutela, e o Estado, ao adotar as medidas tendentes a garantirem o exercício dos seus direitos. É um conceito “vago e genérico utilizado pelo legislador, de forma a permitir ao juiz alguma discricionariedade, bom senso e alguma criatividade, e cujo conteúdo deve ser apurado no caso concreto”. Esse interesse só “pode ser encontrado em função de um caso concreto, situado no tempo e no espaço, através de uma perspectiva sistémica e disciplinar (…) já que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios, com características e necessidades próprias” (Manata, Celso, “No Superior Interesse da Criança”, disponível em http://www.cnpcjr.pt/preview_documentos.asp?r=2249&m=DOC).

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como um critério orientador na resolução de casos concretos3. Nas situações mais graves de necessidade de tutela da convivência familiar, em que estejam em causa comportamentos por parte de um dos progenitores que se traduzam numa campanha sistemática, continuada, intencional, dirigida à disfunção de um vínculo afetivo parental de positivo para negativo, não temos qualquer dúvida em enquadrar essa situação no âmbito dos abusos emocionais e, desta forma, configurar uma situação de perigo (artigo 3.º, n.º 2, alíneas b e e), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo). A finalidade das medidas de promoção e proteção tipificadas no artigo 35.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo consiste em afastar o perigo em que a criança ou o jovem se encontram, proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (artigo 34.º, alíneas a e b, da citada lei). Que medidas são essas? A medida de apoio junto dos pais consiste em proporcionar à criança ou jovem apoio de natureza psicopedagógica e social (artigo 39.º da Lei de Promoção e Proteção). A execução da medida de apoio junto dos pais (ou de um deles) deve ser orientada no sentido do reforço ou aquisição por parte destes das competências para o exercício da função parental adequadas à superação da situação de perigo e suas consequências e à conveniente satisfação

das necessidades de proteção e promoção da criança (artigo 16.º, n.º 2 deste diploma). Outras medidas de promoção e proteção podem ainda ser aplicadas perante esta situação de conflito parental que consubstancie a necessidade de intervenção protetiva. Ainda no âmbito das medidas em meio natural de vida, a medida de apoio junto de outro familiar consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de um familiar com quem resida ou a quem seja entregue, acompanhada de apoio de natureza psicopedagógico e, quando necessário, ajuda económica (artigo 40.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo).

a intervenção para a proteção e promoção dos direitos da criança ou do jovem deverá nortear-se sempre no superior interesse da criança, ser proporcional e atual, dando-se prevalência às medidas que a integrem na sua família”

3. Com vista a procurar objetivar a noção de superior interesse da criança, o Divorce Act do Canadá exige que o mesmo seja apreciado à luz dos seguintes elementos: natureza, estabilidade e intensidade da relação da criança e cada uma das pessoas envolvidas no processo; natureza, estabilidade e intensidade da relação entre a criança e outros membros da família onde a criança mora ou que estejam implicados na prestação de cuidados à criança; os passatempos e as atividades da criança; a capacidade de cada pessoa proporcionar um quadro de vida, educação e todos os cuidados à criança; os laços culturais e religiosos; a importância e vantagens de uma autoridade parental conjunta, assegurando a implicação ativa de ambos os progenitores após a separação; a importância das relações da criança com os avós e outros membros da família; as propostas dos pais; a capacidade de a criança se adaptar aos pontos de vista dos pais; a capacidade dos pais em facilitar e assegurar a manutenção de uma relação com outros membros da família e a existência de antecedentes que indiciem violência ou abusos cometidos contra a criança por qualquer um dos progenitores. Contudo, o interesse superior da criança não pressupõe a utilização pelo julgador de uma absoluta e total discricionariedade e, muito menos, de uma inadmissível arbitrariedade, embora confira ao juiz alguma dose de discricionariedade mas no sentido de que a sua interpretação permite mais do que uma solução igualmente válida, primariamente concretizado através do recurso a valorações subjetivas e assente numa perspetiva transdisciplinar.

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A execução da medida de apoio junto de outro familiar deve ser orientada no sentido de acompanhamento efetivo, responsável e securizante da criança ou do jovem, para aquisição, no grau correspondente à sua idade, das competências afetivas, físicas, psicológicas, educacionais e sociais que lhe permitam, cessada a medida, prosseguir em condições adequadas o seu desenvolvimento integral, de preferência junto dos pais ou em autonomia de vida (artigo 16.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 12/2008, de 17 de janeiro). O familiar acolhedor passa a exercer os poderes de guarda, de representação, assistência e educação, na medida indispensável à proteção da criança ou jovem e no respeito pelos termos da decisão judicial (artigo 26.º do referido decreto-lei). A medida de confiança a pessoa idónea consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de uma pessoa que, não pertencendo à sua família, com eles tenha estabelecido relação de afetividade recíproca (artigo 43.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo). Esta medida pressupõe a necessidade de afastamento da criança ou do jovem da família natural e a existência de um elo de afetividade com a pessoa ou família a quem seja confiada. Embora existam outras medidas de promoção e proteção (apoio para autonomia de vida, acolhimento familiar e confiança judicial com vista a futura adoção), merece especial referência4 a medida de acolhimento em instituição, a qual consiste na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações e equipamento de acolhimento permanente e de uma equipa técnica que lhes garanta os cuidados adequados às suas necessidades e lhes proporcione condições que permitam a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral (artigo 49.º da Lei de Promoção e Proteção).

A medida de acolhimento em instituição constitui a última solução de recurso para a criança ou jovem e só deve ser aplicada quando se tornem inviáveis as restantes medidas, com natural prevalência do acolhimento temporário ou de curta duração sobre o acolhimento prolongado (artigo 48.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo). A aplicação de uma medida de promoção e proteção importa não só a fixação do seu prazo de duração (artigos 60.º e 61.º da referida Lei de Proteção)5 mas também a designação da entidade que o tribunal considere mais adequada para o acompanhamento da sua execução (artigo 59.º, n.º 3 da mesma lei), bem como a definição das tarefas e objetivos que se visa prosseguir com a intervenção associada à medida aplicada. Com efeito, e no caso particular das medidas que impliquem o afastamento da criança ou do jovem da sua família, mas em que se perspetiva o seu regresso, impõe-se que a decisão contemple a clara definição do trabalho que, em concreto, deverá ser desenvolvido com o agregado familiar,

4. Não conhecemos integralmente os factos que a justificaram nem sequer se estarão verificados os pressupostos para a aplicação da medida de promoção e proteção mais limitativa do exercício das responsabilidades parentais, mas um exemplo desta situação traduziu-se no caso da menina que foi retirada à mãe por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Fronteira e acolhida provisoriamente numa instituição na sequência (segundo os factos que vieram a público) de dificuldades nos contactos da criança com o progenitor. 5. Com exceção da decisão que aplica medida de confiança judicial com vista a futura adoção.

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de forma a viabilizar em tempo útil a futura reunificação familiar, caso esta se perspetive6. A harmonização da incumbência de definição do projeto de promoção e proteção com a função de direção e controlo de execução da medida, que cabe à comissão de proteção de crianças e jovens em perigo ou ao tribunal que a aplicou, concretiza-se através da consagração judicial dos objetivos desse projeto, seja por via de inclusão nas cláusulas que fazem parte do acordo judicialmente homologado, seja através da sua integração na decisão proferida na sequência de debate judicial7.

LINHAS GERAIS DE ORIENTAÇÃO DA INTERVENÇÃO A complexidade do conflito familiar torna inadequada uma resposta parcelar ou uma perspetiva exclusiva ou estritamente jurídica exigindo, assim, o concurso de outros saberes8. A avaliação (normalmente designada por fase de instrução no âmbito do processo tutelar cível ou do processo de promoção e proteção) destina-se a concretizar os factos que legitimam a necessidade de intervenção do Estado na resolução do conflito parental, nomeadamente porque os pais não estão de acordo quanto a alguma vertente (ou todas) do exercício das responsabilidades parentais. No caso concreto da intervenção em matéria de promoção e proteção, também se destina a estabelecer o nexo de causalidade entre os factos que legitimam a intervenção e o perigo que resulta para a criança ou jovem e para a sua saúde, segurança, formação, educação e desenvolvimento e a determinar se esses factos se devem ao com-

portamento da criança ou do jovem ou à ação ou omissão dos responsáveis parentais. A instrução permite habilitar a entidade decisora a decidir o mérito da causa, com vista à regulação do exercício das responsabilidades parentais (residência, exercício das responsabilidades parentais, contactos com o progenitor não residente e obrigação de alimentos a favor da criança). Neste domínio, importa ter presente a ação interdisciplinar dos diversos saberes e a coordenação com os diferentes organismos e serviços do Estado e não-governamentais, sem que isso comprometa a independência dos tribunais, antes a enriquecendo com os vários matizes que evidenciam a natureza complexa destas situações. A avaliação e diagnóstico sobre a situação da criança e jovem e do seu agregado familiar ou de outras pessoas devem ser rigorosos e precisos quanto a alguns dos aspetos fundamentais, devendo traduzir uma avaliação da situação da criança ou do jovem em termos de desenvolvimento físico, afetivo e emocional, ligação afetiva com a família, numa perspetiva sistémica, nomeadamente as suas competências e da respetiva família, como é o seu meio, que tipo de família dispõe, e avaliar e definir prioridades e necessidades da família quanto a objetivos e apoios, face aos recursos disponíveis, dos sentimento de competência e de valor dos pais, sua disponibilidade e empenhamento na resolução da situação, de forma a ajuizar da solução mais adequada, devendo, inclusive, sugerir o tipo de organização familiar que acautele o superior interesse da criança9.

6. Guerra, Paulo / Bolieiro, Helena, A Criança e a Família – Uma Questão de Direito(s): Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família e das Crianças e Jovens, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 63. 7. Neste caso, já no âmbito do processo judicial de promoção e proteção. 8. Na feliz expressão do juiz desembargador Paulo Guerra, porque “ninguém bate palmas apenas com uma mão”. 9. Na sequência da aprovação da Lei da Alienação Parental no Brasil, o modelo adotado pelo poder judiciário do estado do Ceará inclui uma avaliação efetuada por equipas interdisciplinares compostas por psicopedagogos ou psicólogos (os quais procedem a exame caraterizado pela investigação e análise dos factos e das pessoas, focando-se nos aspetos subjetivos das relações entre estas, estabelecendo-se uma correlação de causa e efeito das circunstâncias e baseando-se na motivação consciente e inconsciente para a dinâmica familiar do casal e dos filhos; procura apurar a responsabilidade de cada um dos membros da família pelo estado das relações e sugerir ao juiz a melhor solução para garantir o equilíbrio emocional de todos, resguardando o superior interesse da criança) e por assistentes sociais (cuja avaliação se carateriza pela realização de visitas e entrevistas, com recolha de dados sobre o quotidiano da criança e dos pais, o suprimento das necessidades infantojuvenis e a avaliação da dinâmica das relações entre os progenitores).

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A intervenção no âmbito dos direitos da criança ou jovem (seja ela tutelar cível, de promoção e proteção ou até mesmo tutelar educativa) privilegia claramente as soluções de consenso, devendo sempre tentar obter-se a colaboração e empenhamento dos pais ou outros detentores da guarda da criança ou do jovem, destes, dos técnicos e entidades envolvidos, numa tentativa de encontrar uma plataforma de negociação, onde se procurarão enquadrar as várias perspetivas na procura de uma base de entendimento, com definição de estratégias de resolução dos problemas, com vista à obtenção de um acordo, e contratualizar, sempre que possível, com os vários intervenientes, o modo de regulação do exercício das responsabilidades parentais10. A avaliação deve ainda procurar traduzir uma análise interdisciplinar ou transdisciplinar da situação da criança em termos de desenvolvimento físico, afetivo e emocional e a ligação afetiva com a família. Implica também a avaliação das competências da criança e da família, o meio em que se inserem, que tipo de família dispõe, a avaliação e definição das prioridades e necessidades da família quanto a objetivos e apoios, face aos recursos disponíveis na comunidade e no meio envolvente, bem como a avaliação dos sentimentos de competência e de valor dos pais, disponibilidade e empenho na resolução da situação, por forma a ajuizar da melhor solução para a dinâmica familiar em que está inserida a criança ou jovem. Em qualquer dos casos, importa ter presente que o processo de tomada de decisão no âmbi-

o processo de tomada de decisão no âmbito da intervenção relacionada com crianças ou jovens não é estático mas antes dinâmico, fortemente dependente da evolução da situação dessa criança ou desse jovem, da sua família, do meio em que se insere” to da intervenção relacionada com crianças ou jovens não é estático mas antes dinâmico, fortemente dependente da evolução da situação dessa criança ou desse jovem, da sua família, do meio em que se insere, das respostas que a comunidade oferece ou garante ou da própria dinâmica da decisão adotada. Nada disto deve ser entendido como problemático ou desmotivador, principalmente quando se conclui que a decisão adotada não é a que melhor garante o superior interesse da criança ou do jovem em causa e, por vezes, parece que se torna necessário repetir tudo de novo. Em suma, há que ter a humildade necessária para… De cada vez que se tomar uma decisão errada, tomar logo uma decisão nova. Harry Truman (1884-1972).

10. O que pode ser feito não apenas em sede de promoção e proteção mas também em sede de acordo tutelar cível celebrado no âmbito de uma providência tutelar cível ou no próprio processo de promoção e proteção (artigo 112.º- A da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo).

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Apartamentos de autonomização Transição para a vida independente de adolescentes e jovens adultos

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A transição para a vida adulta, e em particular para a independência, é um período desafiante para jovens em qualquer contexto, mas ainda mais para aqueles que se viram privados da possibilidade de se desenvolverem num enquadramento familiar em meio natural de vida. Texto de Pedro Pereira1 e Isabel Freire2 [1. PSICÓLOGO; 2. EDUCADORA SOCIAL – EQUIPA TÉCNICA DE APOIO AOS APARTAMENTOS DE AUTONOMIZAÇÃO, DIREÇÃO DE INFÂNCIA E JUVENTUDE_SCML].

Autonomia em jovens institucionalizados

A

transição de jovens institucionalizados para a vida adulta, e mais especificamente para a vida independente, afigura-se como mais difícil comparativamente à população não acolhida (Berzin, Rhodes, & Curtis, 2011). Na literatura, salientam-se efeitos a curto prazo da institucionalização mas, igualmente e com grande destaque, os efeitos a longo prazo da permanência em instituições de acolhimento, em especial quando tal acontece por longos períodos de tempo. Nesse sentido, são vários os estudos que têm vindo a associar o acolhimento institucional a um conjunto de perturbações de desenvolvimento e, igualmente, a maiores dificuldades na adaptação à vida autónoma/independente. Concretamente, sabe-se que crianças em acolhimento institucional estão mais sujeitas, no futuro, ao insucesso escolar, ao desemprego, à situação de sem abrigo, à parentalidade prematura, à atividade criminal e a problemas psicológicos como a depressão e o stress (DAINING & DEPANFILIS, 2007, citados por Calheiros, Garrido e Rodrigues,

2009). Ainda nesta linha, deve reconhecer-se que “a institucionalização prolongada no tempo, e quando não é pensada na lógica da construção e prossecução de um projeto específico para cada criança ou adolescente, acaba por reproduzir e consolidar no tempo o risco social e psicológico inicial que justificou a sua efetivação. A institucionalização pode revelar-se um fator de risco pela ausência de oportunidades ou desinvestimento noutras alternativas” (CARVALHO, 2000; FORMOSINHO et al., 2002; RAYMOND, 1998, citados no Relatório Final do Conselho Técnico-Científico da Casa Pia de Lisboa, 2004). Barth e colegas (2009) realçam a importância do desenvolvimento de programas de autonomia de vida junto de jovens institucionalizados, de forma a facilitar a autonomização destes na sociedade, tendo Georgiades (2005) destacado que os jovens acolhidos que nunca integraram programas de autonomia de vida dependem mais da ajuda financeira pública do que jovens que neles participaram. Por outro lado, acresce como fator de preocupação o facto de se esperar que os jovens institucionalizados sejam capazes de viver de forma autónoma e independente numa idade em que a 53


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grande maioria dos jovens não institucionalizados não tem de o fazer, o que parece constituir-se como um paradoxo. Nos dias de hoje, os jovens entre os 18 e os 25 anos continuam, na sua grande maioria, a necessitar de apoio das suas famílias nas esferas física, económica, emocional e social, pelo que este período se tem designado por adultícia (ou idade adulta) emergente (Stott, 2013). Nesta idade, torna-se importante permitir aos jovens a experimentação e exploração de papéis adultos sem o impacte total das responsabilidades adultas, sendo igualmente importante que experienciem estabilidade e um sentimento de normalidade nos seus contextos vivenciais para que se possam preparar para a vida adulta dos pontos de vista desenvolvimentista, relacional, emocional e social (Stott, 2013).

 Os jovens referem que os profissionais

programas de transição para a vida independente Num estudo conduzido pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) sobre o desenho de um programa de autonomização junto de jovens institucionalizados com vista à transição para a vida independente, foram obtidas como conclusões gerais (Calheiros, Patrício, & Graça, 2013):

Neste sentido, o desenvolvimento da autonomia em jovens com percurso institucional e/ou com uma vivência enquanto vítimas de maus-tratos, negligência ou abuso sexual merece especial atenção, uma vez que representa um desafio acrescido comparativamente com a população normativa. De uma forma geral, os maus-tratos, a negligência e o abuso sexual têm consequências nas esferas física, psicológica, comportamental e social de um indivíduo. A nível físico destacam-se o deficiente desenvolvimento neuronal, bem como uma saúde física de forma geral deficitária. Na esfera psicológica destacam-se a possibilidade de desenvolvimento de perturbações de personalidade, ansiedade e depressão, bem como dificuldades ao nível da regulação emocional (que muitas vezes perdura pela adolescência e idade adulta). Ainda nesta esfera destacam-se as dificuldades cognitivas e as dificuldades no relacionamento interpessoal. Na esfera comportamental, assinalam-se comportamentos de acting out como a delinquência, o abuso de substâncias, a criminalidade, envolvimento em práticas sexuais de risco e comportamento abusivo em relação aos outros. Na esfera social, e apesar de não existirem dados disponíveis para análise em Portugal, destacam-se

 Tanto jovens como técnicos referem

a normalidade como a caraterística mais importante do serviço de autonomização (transição para a vida independente). Isso significa que o serviço deve ter uma estrutura, localização e modo de funcionamento semelhante a uma casa normativa (apartamento inserido em contexto comunitário), por oposição a um contexto mais institucional (artificial). A este propósito, os jovens referem como importante serem alvo de um grau de supervisão adaptado à sua idade e responsabilidade.  Os jovens referem ser importante poderem ter maior autonomia nas tomadas de decisão, mais liberdade e maior independência na gestão e regulação da sua vida. 54

que compõem a equipa técnica deste serviço devem ser pessoas compreensivas, experientes, dignas de confiança e ainda possuir caraterísticas pessoais que lhes permitam estabelecer relações afetivas, calorosas e apoiantes junto dos jovens. Os técnicos devem ser capazes de definir e aplicar regras e limites, mas, ao mesmo tempo, ser capazes de desempenhar um papel de suporte, orientação e supervisão. Aliás, os jovens têm maior probabilidade de recorrerem a serviços com profissionais apoiantes e encorajadores.  A relação entre residentes deve ser baseada em confiança mútua, compreensão, flexibilidade, respeito e privacidade.


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o serviço deve ter uma estrutura, localização e modo de funcionamento semelhante a uma casa normativa (apartamento inserido em contexto comunitário), por oposição a um contexto mais institucional (artificial)

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custos diretos e indiretos (como por exemplo custos associados à utilização aumentada de serviços de saúde, criminais/justiça, de saúde mental, de toxicodependência, de violência doméstica ou de apoio social) (Child Welfare Information Gateway, 2013). A Child Welfare League of America definiu, com base nas boas práticas, uma série de requisitos a que os programas de apoio à vida independente devem obedecer (ver Loman & Siegel, 2000), os quais se enumeram em seguida:  A planificação para a vida independente deve

obedecer a um plano escrito de forma clara;

 A planificação para a vida independente tem

de assentar em prazos de tempo realistas, que tenham em conta o facto de os jovens que se encontram fora dos seus núcleos familiares não possuírem a segurança proporcionada por uma família estável;  Podem ser necessários serviços pós-saída;  Os técnicos que trabalham com estes jovens devem estar disponíveis para providenciar apoio e para funcionarem como modelos e como orientadores;  As famílias naturais dos jovens devem ser envolvidas no processo de autonomização destes, tanto quanto possível.

 Os jovens devem ser envolvidos no

processo de planificação do seu plano de autonomização;  Quanto mais cedo começar o processo em direção à autossuficiência, mais eficaz será o resultado;

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Os programas de desenvolvimento das competências para a vida independente são, genericamente, direcionados a jovens a partir dos 16 anos e visam a promoção da sua autossuficiência e a transição, com sucesso, para a vida indepen-


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dente (Barth, 2014). O desenvolvimento destas competências pode ser feito por diversos agentes (mentores, técnicos de ação social, entidades/ associações comunitárias, organizações ou escolas) e incluem (Loman & Siegel, 2000):  Competências de vida diária incluindo:

manutenção de uma residência; gestão doméstica; gestão financeira; utilização de serviços comunitários; utilização de tempo livre; cuidado, higiene e segurança pessoais.  Tomada de decisão e necessidades educativas.  Avaliação de necessidades educativas.  Planeamento de carreira profissional.  Assegurar e manter um emprego.  Assegurar uma residência.  Planeamento de necessidades de saúde.  Construir autoimagem e autoestima positivas.

seus pais ou dos seus pares; b) Autonomia cognitiva — sentimento de confiança, crença de que se tem controlo sobre a sua vida, sentimento de que se é capaz de tomar decisões sozinho sem que seja necessária demasiada validação social; c) Autonomia comportamental — funcionamento ativo independente, incluindo a autorregulação do comportamento e a capacidade de agir em função de decisões pessoais. O desenvolvimento da autonomia é uma das tarefas psicossociais normativas mais importantes da adolescência, sendo consensual que um fraco desenvolvimento desta esfera se consubstancia em consequências nefastas, por vezes extremas, como por exemplo a perpetuação de estados regressivos ou o evitamento destes (patentes numa passagem demasiado rápida para papéis adultomorfos).

A criação dos apartamentos de autonomização pela SCML nasceu da necessidade de uma resposta adequada à promoção de competências de autonomia de jovens com percurso institucional Para além destas competências, Kroner (2007) menciona ainda como objetivo destes programas a obtenção de apoio pessoal e emocional, com o devido enquadramento técnico, ao nível pessoal e emocional durante o processo, bem como ganhar experiência no assumir de responsabilidades. A autonomia pode, num sentido abrangente, ser entendida como a autodeterminação do indivíduo em assumir decisões sobre a sua própria vida (Oliveira & Siqueira, 2004). Falar de autonomia é, também, falar de várias dimensões (Steinberg, 1990), a saber: a) Autonomia emocional — pode ser entendida como a capacidade do indivíduo em estabelecer valores pessoais e objetivos a alcançar, de forma intrínseca, isto é, de forma independente face aos desejos dos

No que diz respeito ao alojamento dos jovens em processo de autonomização, têm sobressaído diversas modalidades/contextos (Loman & Siegel, 2000), podendo ser reunidas em dois grandes grupos: com ou sem supervisão permanente de técnicos na habitação, sendo que os apartamentos de autonomização da SCML se enquadram nesta última categoria. Apartamentos de autonomização da SCML Os apartamentos de autonomização da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa são uma resposta social que pretende constituir-se como um contexto de intervenção diferenciado, promotor do desenvolvimento de competências de autonomia 57


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os apartamentos de autonomização estão inseridos na comunidade, não tendo qualquer identificação institucional, procurando-se, desta forma, que haja uma aproximação à realidade em jovens com vista à melhoria do seu potencial de transição para a vida independente. A criação dos apartamentos de autonomização pela SCML nasceu da necessidade de uma resposta adequada à promoção de competências de autonomia de jovens com percurso institucional nos Lares de Infância e Juventude da SCML, com vista à transição para a vida independente. O contexto de apartamento de autonomização é visto como um ambiente estável que estimula o desenvolvimento e a aquisição de aprendizagens relacionadas com a vida em grupo, bem como o desenvolvimento de valores sociais. É igualmente um contexto que encoraja os jovens a serem responsáveis pelos seus atos e por si próprios, permitindo que gradualmente desenvolvam competências pessoais e sociais necessárias à vida independente. Neste sentido, os apartamentos de autonomização estão inseridos na comunidade, não tendo qualquer identificação institucional, procurando-se, desta forma, que haja uma aproximação à realidade e aos contextos futuros que estes jovens irão encontrar aquando da sua saída e consequente passagem para a vida independente. Presentemente, a SCML gere nove apartamentos de autonomização, cinco que foram criados pela instituição e quatro que foram integrados aquando da passagem de algumas respostas do Instituto da Segurança Social para a SCML. Destes apartamentos, cinco dão resposta a jovens do sexo masculino e quatro a jovens do sexo feminino. São casas de tipologia T2, T3 e T4, com uma organização dos espaços idêntica à de uma casa normal e com capacidade para três ou quatro jovens. Em 58

alguns apartamentos existem quartos partilhados, embora esta situação não represente a regra, e na maioria destas casas verifica-se a existência de quartos individuais, devidamente organizados em função das caraterísticas de cada residente. São objetivos gerais dos apartamentos de autonomização:  Apoiar a transição para a vida adulta de jovens

e a sua inserção na sociedade através de uma metodologia de intervenção específica com vista à sua responsabilização e autonomização;  Proporcionar aos jovens a aquisição/ desenvolvimento de competências pessoais, sociais, escolares/formativas e profissionais;  Mediar processos de autonomia e participação ativa na vida em sociedade, potenciando os fatores de inserção social;  Proporcionar as condições necessárias ao bem-estar físico, psíquico e social dos jovens acolhidos nos apartamentos;  Desenvolver processos individuais de acompanhamento e de apoio a nível psicossocial, material, informativo e de inserção sociolaboral. São objetivos específicos dos apartamentos de autonomização:  Desenvolver atitudes de autoestima, confiança

e respeito mútuo;  Capacitar os jovens para a tomada de decisões de forma autónoma;  Desenvolver competências de corresponsabilização;


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 Fortalecer a confiança e a relação entre

os elementos do grupo;  Fomentar a responsabilização pelas esferas

escolar e laboral;  Desenvolver competências de vida diária

(gestão doméstica e gestão económica). Os apartamentos de autonomização enquanto resposta social destinam-se a apoiar a transição para a vida adulta de jovens, dos 15 aos 21 anos de idade, acolhidos em Centro de Acolhimento Temporário (CAT), Lares de Infância e Juventude (LIJ) do distrito de Lisboa ou com Medida de Promoção e Proteção de Apoio para Autonomia de Vida, que demonstrem competências pessoais específicas, através da dinamização de serviços que articulem e potenciem recursos existentes na comunidade local. A admissão de jovens nos apartamentos de autonomização depende da observância dos seguintes critérios cumulativos:  Ter idade compreendida entre os 15 e os

21 anos, com preferência para os jovens com idade entre os 18 e os 21 anos;  Ter motivação para desenvolver, de forma comprometida e responsável, o seu processo de autonomização;  Possuir maturidade e capacidade para a autonomização e encarar o apartamento como um meio de concretizar esse processo;  Encontrar-se a trabalhar e/ou a estudar. Estes e outros aspetos são avaliados durante um processo de apreciação da candidatura apresentada e que contempla momentos de avaliação com o jovem candidato para avaliação de aspetos psicológicos como a autoestima, a presença de indicadores de natureza psicopatológica, a autorregulação, o autocontrolo, a vinculação, a situação familiar e história de vida, a perspetiva em relação ao futuro, a motivação para integração em apartamento de autonomização, a avaliação das competências de autonomia, os tempos livres e usos do tempo e a rede social.

A importância das relações De uma forma geral, os jovens que passam pelo sistema de proteção, nomeadamente aqueles que necessitam da aplicação de medidas de acolhimento institucional, sofrem várias ruturas ao longo do seu desenvolvimento — colocações em múltiplos agregados familiares, mudanças de escola, colocações múltiplas em contexto institucional. Estas descontinuidades e ruturas conduzem a um desligamento (ou à inexistência) de redes de suporte social extrainstitucionais que os ajudem a ultrapassar os obstáculos com que se 59


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A investigação tem revelado que os jovens que beneficiam de uma relação com um adulto presente, significativo e apoiante progridem de forma mais satisfatória na sua vida adulta deparam diariamente. Muitos deles nunca chegam a conseguir desenvolver uma ligação permanente e duradoura com, pelo menos, um elemento significativo fora do contexto institucional. Nos Estados Unidos, estima-se que 25% dos jovens que saem do sistema de acolhimento o façam sem qualquer relação permanente com uma rede social ou familiar (ver Golonka, 2010). As ligações permanentes providenciam ao jovem apoio em várias áreas (emocional, emprego, orientação, educação, etc.) e podem consubstanciar-se tanto numa relação com um adulto significativo e apoiante, como numa adoção, guarda, ou outra ligação social. É também neste âmbito que a Equipa Técnica de Apoio aos Apartamentos de Autonomização (ETAAPA) perspetiva a sua ação, constituindo-se como pilar orientador e contentor na relação com os jovens. Atendendo à diversidade de perfis de funcionamento psicológico dos jovens em apartamento de autonomização, também a ETAAPA adequa a sua intervenção em função das necessidades existentes avaliadas essencialmente num contínuo de dependência-independência/ autonomia (funcional, comportamental e emocional), estando fisicamente mais presente em situações de baixa autorregulação dos jovens e/ou de fragilidade emocional, e mais afastada nas outras situações, mantendo sempre o acompanhamento necessário ao sucesso na concretização dos Planos de Autonomização dos Jovens. É com preocupação que a ETAAPA vê que muitos dos jovens beneficiários de intervenção social (tanto em meio natural de vida como em contexto institucional) apresentam dificuldades significativas no âmbito do seu desenvolvimento psicossocial, necessitando de um acompanhamento próximo 60

das equipas técnicas, bem como da constituição destas como egos de suporte e como instituidores de limites externos, aspetos essenciais à organização de comportamentos responsáveis e promotores de desenvolvimento pessoal por parte dos jovens. A investigação tem revelado que os jovens que beneficiam de uma relação com um adulto presente, significativo e apoiante progridem de forma mais satisfatória na sua vida adulta. Os jovens que não beneficiam deste tipo de suporte normalmente prolongam o vínculo a programas de assistência social (emergência social) e a serviços de saúde mental, enfrentando dificuldades acrescidas na sua vida e, muitas vezes, sucumbindo a quadros prolongados de abuso de substâncias (ver Golonka, 2010). A criação de uma ligação permanente pode ser atingida de diversas formas e deve ser entendida como um dos vetores da intervenção junto de jovens em contexto institucional (tanto em lar como em apartamento de autonomização). Esta pode centrar-se no fortalecimento das relações dos jovens com familiares (avós, tios, etc.), no fortalecimento da relação com os pais (quando se revele apropriado) ou no desenvolvimento de relações dos jovens com adultos preocupados, significativos e presentes. Em relação a estes últimos, a construção de uma rede de suporte assente em relacionamentos com adultos preocupados é uma peça importante no processo de desenvolvimento da independência dos jovens. Os adultos preocupados constituem-se como continentes que ajudam os jovens a tomar decisões e com quem estes podem partilhar os seus sucessos e desapontamentos. Os relacionamentos com adultos fora da esfera familiar podem ser extremamente


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benéficos, na medida em que podem promover o desenvolvimento de interesses (e ajuda) em esferas pouco investidas pelos elementos da família. A experiência tem revelado, igualmente, que o retorno dos jovens à casa dos pais após um trajeto em contexto institucional (acolhimento e apartamentos de autonomização) é uma realidade relativamente frequente. Esta transição, se não supervisionada, pode ser perigosa, uma vez que foi, na maioria das vezes, deste contexto que os jovens foram inicialmente retirados. Neste sentido, é importante que os técnicos apoiem os jovens no desenvolvimento de competências que

os ajudem a estabelecer relações seguras e de não dependência com os pais. A transição de jovens institucionalizados para a vida adulta e independente afigura-se como um desafio para as diferentes equipas técnicas e educativas que os acompanham. A intervenção destas, seja em meio natural de vida, seja em apartamento de autonomização, baseia-se em projetos e programas específicos vocacionados não só para o desenvolvimento de competências, como também para a estimulação da rede social dos jovens com vista ao estabelecimento de relações de permanência.

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ExperiĂŞncias profissionais roteiros para a empregabilidade

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Pro-Jovem e Via-Jovem são a designação de dois programas desenvolvidos pela Direção de Infância e Juventude, enquanto boas práticas em contexto real de trabalho, para a aquisição e desenvolvimento de competências de autonomização e empregabilidade de jovens acolhidos pela Misericórdia de Lisboa. Texto de Maria João S. Goldschmidt Gonçalves [DIRETORA DA CASA DE ACOLHIMENTO LAR DA LUZ_SCML]

Vulnerabilidades na empregabilidade

N

o decurso de 2014, a empregabilidade configurou-se como uma dificuldade acrescida no consubstanciar de projetos de autonomia, findos ou abandonados os respetivos percursos académicos. A recessão do país, o acentuar de vários candidatos para poucos lugares, a manutenção por parte dos empregadores de uma política de recrutamento assente na experiência, em detrimento da especificidade conferida pela qualificação técnico-profissional, configuraram-se em constrangimentos externos significativos, nos jovens adultos acompanhados pela Direção de Infância e Juventude e especificamente pela Unidade de Apoio à Autonomização. A estes fatores conjunturais, associavam-se as vulnerabilidades decorrentes da vivência institucional, nas suas dimensões pessoal e social, as quais para alguns jovens, se refletiam num comprometimento ou adiamento das primeiras experiências profissionais. Nesta tónica, importava potenciar o seu grau de empregabilidade, operacionalizando para além do “fazer currículo”, o incremento e o desenvolvimento de competências

técnicas, bem como de competências pessoais, comummente associadas ao mundo do trabalho. A proximidade ao conhecimento técnico disponível no contexto das organizações/empresas constituía-se como um fator potencialmente favorável e diferenciador, particularmente para os jovens com maiores vulnerabilidades e em maior risco de exclusão. Este apetrechamento num contexto real, significativo e facilitador de aprendizagens para

importava potenciar o seu grau de empregabilidade, operacionalizando para além do ‘fazer currículo’, o incremento e o desenvolvimento de competências técnicas, bem como de competências pessoais, comummente associadas ao mundo do trabalho” 63


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algumas situações, possibilitaria também, por si só, a experimentação do desempenho de um papel profissional, o qual permanece um “normativo” determinante do estatuto de adulto, bem como de referenciação e integração social do indivíduo. Pro-Jovem e Via-Jovem: estratégias qualificantes Na tentativa de obviar as condicionantes que se identificavam, delinearam-se duas linhas de ação, designadas respetivamente por Pro-Jovem e Via-Jovem, que, interna e externamente ao contexto institucional, objetivaram experiências profissionais em contexto real. As ações Pro-Jovem, equacionadas enquanto um primeiro nível operacional, assentaram no recurso interno — serviços da SCML —, considerando-se, que este possibilitaria em tempo útil, e numa vertente organizadora e qualificante, o enquadramento profissional protegido que se reconhecia necessário. Identificavam-se, em alguns jovens, para além da postura evitante face ao exterior, o treino necessário de rotinas de trabalho, o reconhecimento dos processos aí aplicados de modo a potenciar o seu sucesso, bem como o aferir da capacidade de autorregulação e de enquadramento numa estrutura hierárquica, na qualidade de profissionais. Estas unidades enquadradoras, internas, foram identificadas tendo em conta o perfil e a disponibilidade dos seus dirigentes diretos, os quais assumiram o papel de tutores versus interlocutores privilegiados, considerando-se a liderança reconhecida, em termos técnicos e psicossociais, o seu dinamismo, bem como a valência dos respetivos estabelecimentos enquanto prestadores de cuidados (crianças, idosos e públicos vulneráveis). Numa outra vertente também os serviços operacionais, núcleo de audiovisuais e multimédia se constituiriam como um contexto formativo. A linguagem específica, os meios técnicos disponíveis, as questões de género, e a dinâmica interna e relacional, evidenciavam-se como facilitadores para outro tipo de situações. Ambos os contextos garantiam, à partida, uma monitoriza64

ção contentora, organizadora e assertiva, assente na disponibilidade para a relação. No que se refere aos jovens, a sua colocação teve por base o perfil, as vulnerabilidades identificadas face ao objetivo-empregabilidade, a área e nível de formação, bem como o seu percurso formativo. As tarefas que foram chamados a desempenhar assentaram nas rotinas funcionais dos estabelecimentos/serviços, inicialmente segmentadas e progressivamente agrupadas. Na execução da vertente externa, Via-Jovem, a colocação dos jovens revelou-se mais exigente e morosa, em termos dos requisitos e competências. Se, para alguns, a sua concretização foi mediada por uma experiência prévia, em contexto interno, para outros, esta decorreria de modo direto, constituindo-se no primeiro contacto formal com uma organização laboral. Os segmentos empresariais disponibilizados dependiam da recetividade das organizações, não se identificando qualquer tendência em termos de setor de atividade. Num total de cinco empresas, os jovens foram enquadrados maioritariamente em funções administrativas, ou de natureza instrumental (apoio a oficinas, housekeeping), com um padrão exigente em termos de imagem, postura e adequação na relação interpessoal. Estes requisitos evidenciaram-se pela dificuldade de alguns jovens em se reconhecerem nas suas discrepâncias ou em manterem, de um modo continuado, o padrão exigido. ARTICULAÇÃO INTRA e INTERINSTITUCIONAL Pro-Jovem – Unidades Enquadradoras Internas: Na dimensão interna, as unidades enquadradoras constituíram a matriz na aferição da metodologia desenhada e aplicada ao longo do processo, bem como os seus agentes operativos. A articulação próxima e natural permitiu a monitorização regular das situações abrangidas e a definição, em tempo útil, da diversidade e da abrangência das tarefas a que os jovens foram sendo chamados a realizar. Esta proximidade via-


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Potenciando a empregabilidade Apresentam-se seguidamente, os objetivos mais relevantes e o método desenvolvido. O b je t i vo s g e r a i s :  Promover e potenciar a empregabilidade dos jovens pelo exercício de experiência

profissional em contexto real;  Desenvolver competências pessoais e sociais associadas ao mundo do trabalho;  Habilitar e desenvolver competências técnicas, transversais e/ou específicas,

associadas a um posto de trabalho;  Identificar potencialidades, bem como conferir às aprendizagens uma dimensão real e significante, passível de ser traduzida em currículo. O b je t i vo s e s pe c í f i co s :  Adequar e corresponder às exigências de um qualquer contexto laboral, em termos

de postura, apresentação, estratégias e formas de comunicação verbal e não-verbal;  Reconhecer e cumprir a especificidade das regras inerentes às relações humanas no contexto do trabalho;  Experimentar e gerir as relações no contexto de uma estrutura hierárquica;  Aumentar a capacidade de se autorregular, cumprindo com assiduidade e pontualidade os compromissos assumidos durante o período consignado;  Executar as rotinas técnicas e os procedimentos, associados a um posto de trabalho ou função, autonomamente e no tempo útil definido;  Gerir situações de antagonismo, devido ao confronto de opiniões, interesses ou aspirações divergentes em contexto de trabalho. M é to d o :  Monitorização da integração e acompanhamento do processo até ao seu terminus,

pela equipa responsável pela colocação;  Apreciação/avaliação do contexto para identificação: rotinas e/ou processos de trabalho,

momentos críticos, considerando-se, se necessário, o ajuste sequencial ou o compartimentar da tarefa a realizar, face ao perfil do jovem;  Suporte semanal ao jovem no processo utilizado para a concretização das tarefas ou no exercício da função, inicialmente de um modo intensivo e progressivamente pontual;  Identificação de um interlocutor privilegiado no local, a quem o jovem recorria para apoio/supervisão e monitorização do seu desempenho;  Definição, em documento escrito, dos indicadores, considerando a natureza e a especificidade das tarefas a realizar;  Definição de momentos específicos de avaliação, com a presença do jovem, da empresa e de um elemento da equipa que acompanhasse o processo, caso se considerasse;  Definição, em documento escrito, do regime, duração, horário, descanso semanal, feriados, bem como faltas, explicitadas as situações que pudessem comprometer e/ou suspender a experiência.

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bilizou a monitorização dos progressos em contexto, pela identificação de indicadores. Para além dos períodos formais associados à integração e avaliação, a articulação semanal ocorrida nos períodos iniciais possibilitou uma proximidade entre os interlocutores respetivos, bem como a aferição progressiva quer das expectativas recíprocas quer dos receios manifestados pelos jovens. Articulação Intrainstitucional Via Jovem/ Um dia com ... Unidade de Sustentabilidade e Inovação UDIP Tejo – Creche “O Principezinho” DIIPV – Direção Intervenção c/ Públicos Vulneráveis – Residência de Idosos de Campolide – Centro de Apoio Social de Lisboa – Centro Santa Maria Madalena Direção de Comunicação e Marketing – Núcleo de Audiovisuais e Multimédia DIPO – Unidade de Conservação e Manutenção Cozinha Central – Refeitório Pessoal Direção de Aprovisionamento Gabinete de Apoio Jurídico Articulação Interinstitucional – Empresas Via Jovem Renault Retail Group Portugal – Chelas Renault Retail Group Portugal – Telheiras Hóteis Real – Portugal Iglo Portugal – Com. Prod. Produtos Alimentares, Soc. U., Lda Estradas de Portugal, EP

Via-Jovem – A Responsabilidade Social das Empresas: A dimensão externa destas ações, equacionada como um segundo nível, viria a ser viabilizada através do Departamento de Qualidade e Inovação (DQI) da SCML. A articulação com este departamento possibilitou que se ultrapassasse o contexto instituição, pela dimensão responsabilidade social das empresas, que lhe está atribuída, por inerência. 66

Num total de cinco empresas, os jovens foram enquadrados maioritariamente em funções administrativas, ou de natureza instrumental (apoio a oficinas, housekeeping), com um padrão exigente em termos de imagem, postura e adequação na relação interpessoal” As diligências junto das potenciais organizações enquadradoras decorriam sob a responsabilidade do DQI, em articulação com a Unidade de Apoio à Autonomização (UAA), designado o candidato ao contexto empresarial, definidas as funções ou descritas eventuais tarefas. Nessa base eram identificadas organizações/ empresas que, no exercício da sua responsabilidade social corporativa, se podiam constituir enquanto promotoras de experiências profissionais, criando espaços, através de estágios de muito curta duração, que permitissem aos jovens, em contexto real de trabalho, treinar e desenvolver competências pessoais e profissionais que lhes possibilitassem futuramente um mais fácil acesso ao mercado de trabalho. Esta colocação externa foi formalizada através de um protocolo, sendo neste quadro explicitada a natureza jurídica e os requisitos a que se obrigavam as partes envolvidas: a) Celebrar com cada jovem um contrato de estágio, por escrito, de duração não superior a três meses; b) Constituir em benefício dos jovens um seguro de acidentes pessoais, podendo em alguns casos o seguro ser constituído pela SCML;


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c) Designar o(s) orientador(es) de estágio, a quem competiria, em articulação com o(s) interlocutor(es) indicado(s) pela SCML para cada jovem: (i) elaborar, ouvindo o estagiário, o plano individual de estágio; (ii) realizar o acompanhamento técnico e pedagógico do estagiário, supervisionando o seu progresso face aos objetivos fixados no plano individual de estágio; (iii) avaliar periodicamente e no final do estágio os resultados obtidos pelo estagiário. A articulação com as empresas subscritoras consubstanciava-se em reuniões formais nas sedes respetivas, demarcando-se três momentos: a integração, o acompanhamento e desenvolvimento e a avaliação respetiva. A integração ocorria após reunião prévia com todos os elementos envolvidos, nomeadamente o jovem, o responsável pelo serviço enquadrador e a UAA. A afetação do jovem ao serviço traduzia-se ainda na designação do seu tutor, o qual assegurava e monitorizava a aprendizagem e o desempenho do jovem no contexto. Não obstante a diversidade de segmentos e das respetivas culturas organizacionais, a proximidade a esta figura por parte dos nossos serviços foi sendo mediada pelos seus dirigentes máximos, não sendo viabilizada a articulação direta com os tutores. Este facto

conduziu a que os indicadores utilizados na avaliação da prestação dos jovens se pautassem por um pendor mais generalista. Por outro lado, as baixas expectativas que se identificavam no discurso e na postura das organizações foram sendo progressivamente ajustadas, quer pelo empenho dos jovens quer pelo investimento dos tutores na habilitação e no apetrechamento técnico dos seus tutorados. Este investimento, percebido pelos jovens revelou-se determinante no sucesso e/ou continuidade das respetivas experiências em contexto. Monitorização do desempenho Para todas as ações foram elaborados instrumentos de monitorização do desempenho, considerando as competências técnicas específicas à função desempenhada e as competências pessoais e sociais na sua transversalidade. Ambas as competências foram valoradas segundo uma escala de 4 pontos (1 – insuficiente a 4 – muito bom). Contudo a sua aplicação só possibilitou uma inferência dos progressos realizados, tendo como referência a prestação do jovem ao longo do tempo e não viabilizando a referenciação deste, face ao que as organizações consideravam como a prestação de um trabalhador médio em funções similares. Ainda que, para todas as empresas fosse solicitada uma apreciação qualitativa face a este referencial, as respostas obtidas evidenciaram-se pela sua natureza evasiva.

Experiências Profissionais – Percursos Experiências profissionais Total Pro-Jovem

Via-Jovem

7*

1

Estágio profissional

Formação profissional

1

Integrado em mercado de trabalho

Desistências

1

2

2

1

percursos a partir da ação Pro-Jovem 11 5

1

1

percursos a partir da ação Via-Jovem * 2 permanecem afetos à ação Pro-Jovem

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Roteiro para a empregabilidade As ações Via-Jovem e Pro-Jovem viriam a evidenciar a necessidade de, a montante, incentivar e valorar a proximidade ao mundo do trabalho e às suas representações. Considerou-se, assim, que um roteiro experimental para a empregabilidade, representado por profissionais das respetivas áreas, possibilitaria a vivência das particularidades associadas à rotina de um posto de trabalho, bem como às exigências e às oportunidades associadas a diferentes áreas profissionais. É neste enquadramento que se concebeu e executou a ação Um dia com… um profissional da SCML, a qual abrangeu 7 dos 10 jovens referenciados pelas três unidades da Direção de Infância e Juventude (DIIJ) da SCML, com idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos, os quais, durante um dia cumpriram e acompanharam a rotina de um profissional. Esta ação contou com a colaboração de vários serviços da SCML, tendo por critério de mobilização aqueles que possibilitassem a operacionalização prática desta ação, pela atribuição de tarefas significativas. A experiência traduzir-se-ia no reconhecimento por parte dos serviços dos seus contributos em prol da missão do serviço e ainda na identificação das apetências de alguns jovens para as áreas respetivas, como demonstram alguns testemunhos: ”Os colegas que os acompanharam, ficaram muito bem impressionados, principalmente com o R.”; “… os colegas ficaram muito bem impressionados, não só com o à-vontade, mas também com o bom ambiente de trabalho que mostraram, além da desenvoltura mostrada”. Da avaliação dos jovens, extraiu-se que a proximidade à realidade laboral se traduziu no seu envolvimento nas tarefas e nas dinâmicas reais e específicas de cada serviço, possibilitando o seu envolvimento e o reconhecimento das exigências e das especificidades das tarefas. Mais competências, menos vulnerabilidades Concluídas as experiências iniciadas em 2014, inferiu-se da avaliação realizada com diferentes unidades enquadradoras que os objetivos de 68

pendor técnico considerados tinham sido alcançados, sendo transversais as vulnerabilidades assinaladas pelos diferentes enquadramentos. Estas incidiriam nos ritmos de execução e na capacidade de os jovens se organizarem de modo autónomo e proativo. Em termos das competências sociais, a discrepância na postura e no discurso convencionado para estes contextos constituiu-se como fragilidade inicial, aparentemente pela transferência “literal” do modelo lar ou do modelo escolar, para o contexto laboral (e.g., “telefonou o António”, ao invés de o Dr. António, ao responsável do departamento dirige-se “Ó Carlos!”, ao invés de Eng.º Carlos), exigindo também aqui a necessária aprendizagem, que em maior ou menor grau veio a verificar-se. A integração neste tipo de experiências refletiu-se, também ela, na sua vertente organizadora, incrementando a regulação e a gestão, por parte dos jovens, de diferentes rotinas (pessoais e laborais), possibilitando obviar os hiatos que se registavam entre a conclusão ou o abandono do percurso escolar respetivo e a integração em mercado de trabalho. Estes traduziam-se comummente nas dificuldades em manter rotinas pessoais, no afastamento dos grupos e contextos relacionais estruturantes e organizadores, e em alguns casos no desinvestimento do projeto pessoal. Ainda assim, o apetrechamento pessoal, social e técnico reconhecido por todos os envolvidos potenciou para alguns jovens o paralelismo entre o seu desempenho e as tarefas que os trabalhadores das organizações realizavam, considerando, na sua apreciação, quer o empenho e comprometimento colocados na execução das rotinas de trabalho, quer a assiduidade e a pontualidade que concretizavam. Esta circunstância, associada ao facto de estas experiências não decorrerem sob o chapéu académico e não se consubstanciarem, à partida, num incentivo remuneratório, resultou para alguns jovens no desinvestimento e abandono prematuro. Tal contingência, equacionada à partida, determinou um período máximo (três meses) para a


| social |

um roteiro experimental para a empregabilidade, representado por profissionais das respetivas áreas, possibilitaria a vivência das particularidades associadas à rotina de um posto de trabalho, bem como às exigências e às oportunidades associadas a diferentes áreas profissionais”

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| empregabilidade |

permanência dos jovens nos serviços/organizações. Contudo, quer interna quer externamente, esta delimitação temporal viria a ser equiparada ao período de integração nas tarefas e na cultura do respetivo serviço, considerando-se que tal não viabilizava uma aprendizagem substantiva e qualificante em termos de processos e/ou procedimentos, com reflexos na execução e na destreza dos ritmos e rotinas de trabalho. Não obstante, a prática revelou-nos que a sua extensão pode subverter os pressupostos formativos e qualificantes destas experiências, viabilizando, quer nos jovens quer nas organizações/serviços, expectativas e dinâmicas tendentes para a supressão de necessidades de efetivos sem a devida formalização contratual e remuneratória.

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As experiências em contexto real revelaram-se organizadoras e qualificantes, potenciando a empregabilidade dos jovens em processo de autonomia institucional”


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Em resumo:  Os jovens identificados pelos serviços

da DIIJ, para estas experiências profissionais, diferenciavam-se dos seus pares pela sua acentuada fragilidade, a qual não viabilizava uma candidatura direta ao mercado de trabalho concorrencial;  A proximidade ao mundo do trabalho e as dinâmicas que lhe são próprias confundiam-se, para alguns destes jovens, com os seus cuidadores profissionais, os quais constituíam a sua referência de afetos.  As experiências em contexto real revelaram-se organizadoras e qualificantes, potenciando a empregabilidade dos jovens em processo de autonomia institucional;  A integração dos jovens envolvidos permitiu identificar potencialidades e treinar competências, que se traduziram no incremento das suas reais capacidades;  Os jovens envolvidos desenvolveram a sua atividade em paralelo com os trabalhadores dos serviços onde foram colocados e no mesmo regime;  O envolvimento dos serviços internos da SCML possibilitou, para as situações de maior vulnerabilidade, o enquadramento laboral protegido, o qual se revelou determinante nos percursos mais complexos de autonomia, habilitando-os para experiências de sucesso, em contextos não institucionais;  Externamente, as empresas/organizações reconheceram o empenho e a dedicação dos jovens, valorizando e identificando o percurso qualificante realizado, propondo a sua extensão para além do período consignado ou a sua conversão em estágio remunerado.

 A integração dos jovens valorizou

a dimensão real do trabalho, bem como o seu apetrechamento em termos pessoais e de currículo, habilitando-os e reforçando-os nas diligências que espontaneamente concretizaram para a sua inserção laboral, potenciando de modo sustentado a sua empregabilidade.  As ações concretizadas permitiram identificar a necessidade de as questões associadas à empregabilidade serem iniciadas a montante, enquanto sustentáculos dos projetos de autonomia institucional e num enquadramento prático e de proximidade aos profissionais em exercício.  Os percursos realizados indiciam mais-valias que importa aprofundar, obedecendo aos requisitos de uma metodologia de investigação/ação. O trabalho é, atualmente, a principal norma de integração dos indivíduos na sociedade. Para se “ser adulto” importa passar pela experiência do “verdadeiro” trabalho (Sousa, F. 2008).

BIBLIOGRAFIA Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de junho de 2011, do Ministério do Trabalho e da Segurança Social. Diário da República: 1.ª série — N.º 106 (2011); ANDRADE, C. (2010), Transição para a idade adulta: Das condições sociais às implicações psicológicas, Análise Psicológica (2010), 2 (XXVIII): pp. 255-267. SOUSA, F. (2008), O que é “ser adulto”? As práticas e representações sociais – A Sociologia do Adulto. Em: VI Congresso Português de Sociologia, UNL, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Acedido em 20/03/2014, em (http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/395) IEFP, Garantia Jovem. Acedido em: 2/f02/2014 em (https://www.garantiajovem.pt/estagios)

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Envelhecimento saudável e Snoezelen Vantagens para a população idosa, com e sem processos de demência As salas de Snoezelen, enquanto espaços de estimulação sensorial revelam-se uma mais-valia, não só para crianças e pessoas com deficiência, mas também para a população idosa e seus cuidadores formais e informais, contribuindo para um melhor envelhecimento saudável.  A filosofia Snoezelen é decisiva, podendo os seus equipamentos ser alusivos a aspetos da natureza, como colunas de bolhas, projeções de paisagens e música relaxante. Imagem cedida amavelmente pelo fisioterapeuta Carlos Santos e pela terapeuta Inês Vilela (Obra Social do Pousal, SCML)

Texto de Cristina Vaz de Almeida1, Rita Mendes2 e Ana Gonçalves3 [1.DIRETORA DO SERVIÇO DE GESTÃO DE PRODUTOS DE APOIO (SGPA); 2.TERAPEUTA OCUPACIONAL, SGPA; 3. ESTÁGIO ACADÉMICO, SGPA_SCML]

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O envelhecimento rápido da população europeia durante as próximas décadas e a iminente reforma da geração do “baby-boom” apresentam verdadeiros desafios. László Andor, Comissário responsável pelo Emprego, os Assuntos Sociais e a Inclusão

A

publicação Contribuição da UE para um envelhecimento ativo e solidariedade entre as gerações, editado em 2012, no Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e Solidariedade entre Gerações, vem reforçar que é importante promover o envelhecimento ativo, ajudando os idosos a ultrapassar as diversas barreiras existentes, nomeadamente ambientais, físicas, sociais, culturais, emocionais, de literacia, entre outras. A estratégia europeia reforça no seu ponto 7 os caminhos para a saúde, “incluindo igual acesso a cuidados de saúde de elevada qualidade (p. 15) e promoção da reabilitação e dos cuidados preventivos, cruciais para um envelhecimento saudável (p. 11)”. Entende-se por envelhecimento ativo, hoje no Programa Nacional de Saúde como “envelhecimento saudável”, “a possibilidade de envelhecer com saúde e autonomia, continuando a participar plenamente na sociedade enquanto cidadão ativo. Independentemente da idade, todos podem continuar a desempenhar um papel na sociedade e a usufruir de uma boa qualidade de vida”.

Dados 1 de janeiro de 2010 87 milhões de pessoas com mais de 65 anos

17,4% da população total População entre 65 e 79 anos:

63,6 milhões População com mais de 80 anos:

23,5 milhões

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Em 12 de julho de 2012, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) decidiu, nos termos do artigo 29.º, n.º 2, do Regimento, elaborar um parecer sobre o Ano Europeu da Saúde Mental. Nesta avaliação, o CESE refere que “no plano individual, a saúde mental é a condição para o indivíduo realizar o seu potencial intelectual e emocional. Socialmente, a saúde mental é um recurso para a coesão social, bem como para o bem-estar social e a prosperidade económica (…). A prevenção e a sensibilização são tarefas que incumbem a toda a sociedade (…), são especialmente importantes as recomendações e boas práticas europeias, nomeadamente as que visam reduzir adequadamente a psiquiatria hospitalar e o consumo de medicamentos, a fim de contribuir para criar centros de apoio e outras formas de ajuda alternativas. Importaria questionar mais (…) de que forma se pode promover ativamente a inclusão através do desenvolvimento eficaz de estruturas de cuidados centradas nas pessoas e do apoio à família como primeiro local de aprendizagem na vida de uma pessoa”. De acordo com o estudo realizado por Roberto Carneiro et al., Envelhecimento da População: Dependência, Ativação e Qualidade, as projeções para o crescimento da população referem que as pessoas com mais de 65 anos deverão aumentar de 19% em 2011 para 32% em 2050. A população com mais de 80 anos deverá ultrapassar um milhão em 2040, atingindo 1,3 milhões no final do período de projeção (2050). O peso da população idosa (65+), no total, aumenta progressivamente de 19,2% em 2011 para 32,0% em 2060. Neste grupo etário, o peso da população com mais de 80 anos de idade poderá passar de 4,5% em 2010 para 5,8% em 2020 e 10,9% em 2050. Uma das orientações evidenciadas nesse estudo é que “todos estes indicadores sugerem desafios significativos no ajustamento da sociedade portuguesa ao peso crescente da população idosa”.  Sala de Snoezelen, manipulação de fibras óticas. Imagem cedida amavelmente pelo fisioterapeuta Carlos Santos e pela terapeuta Inês Vilela (Obra Social do Pousal, SCML)


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Snoezelen – Vantagens para a população idosa com e sem demência Imagine que está deitado numa cadeira suave, enquanto como som de fundo ouve as ondas suaves do oceano e sente o cheiro a lavanda. Bem-vindo ao Snoezelen.

Este conceito é abrangente, permitindo ao profissional um elevado grau de autonomia na avaliação do perfil do utilizador e escolha da intervenção, evidenciando vantagens, por exemplo, quando aplicada num contexto de lar de idosos. A abordagem através do Snoezelen tem como principais objetivos:

Yudkowsky, 2012  Maior bem-estar e relaxamento da pessoa;

Numa ativa procura de formatos inovadores que contribuam para a promoção dos cuidados preventivos e de reabilitação, cruciais para um envelhecimento saudável, a abordagem através do contexto Snoezelen (que tem por base uma teoria de estimulação sensorial) encontra enquadramento dentro das estratégias que contribuem para a melhor saúde da população idosa, seja no processo de envelhecimento normal (senescência) ou de senilidade (processos de demência).

Através do uso controlado de estímulos, o seu objetivo primordial é proporcionar um espaço multissensorial que disponibilize aos utilizadores segurança, novidade, conforto e estimulação.

Neste sentido, e no caminho para um maior envelhecimento ativo, onde o contributo das soluções visa ainda a prevenção do isolamento social das pessoas idosas, e onde as capacidades cognitivas, físicas, sensoriais e as emoções devem ser estimuladas, o contexto Snoezelen vem possibilitar a sua utilização numa vasta amplitude populacional, nomeadamente em pessoas com problemas de desenvolvimento, acidentes vasculares cerebrais, problemas de saúde mental e deficiência intelectual, entre outros. O contexto Snoezelen permite a exploração/estimulação dos vários sentidos: olfativos, visuais, táteis, propriocetivos, auditivos e/ou gustativos, dependendo apenas das necessidades e desejos da pessoa. 76

 Facilitar as relações interpessoais;  Promover a descoberta e a comunicação.

Para isso, tem em conta princípios que guiam a intervenção, nomeadamente:  O uso de estímulos controlados pela pessoa

— confere ao seu utilizador maior sentido de independência e influência sobre o meio envolvente;  Combinação ou individualidade de estímulos — a sala de Snoezelen permite a conjugação dos seus equipamentos ou o seu uso isolado, conferindo à pessoa o seu direito de escolha;  Ambiente multissensorial — apresenta estímulos que apelam aos sentidos do ser humano, sendo que a exploração do espaço é possível sem que para isso seja necessário usar capacidades cognitivas complexas. Base neurológica O ser humano apresenta duas categorias ao nível dos sentidos: os sentidos remotos e os sentidos de contacto. Os sentidos remotos incluem a visão

 Sistema límbico, tronco cerebral e medula espinal


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e a audição. Os sentidos de contacto incluem o paladar, o tato, o olfato e o sistema vestibular. Desta forma, a estimulação sensorial é percecionada através dos sentidos remotos e de contacto, que enviam impulsos ao cérebro, sendo estes processados ao nível do sistema límbico. A abordagem em contexto Snoezelen ativa o sistema límbico. Este sistema está relacionado com o controlo de emoções e com o instinto e é uma das últimas estruturas a ser afetada pela demência. (PINKEY, 1999). Vantagens para os idosos A demência refere-se à perda de capacidades cerebrais relacionadas com o raciocínio, linguagem e comportamento. No entanto, também no processo natural do envelhecimento, ocorrem perdas, tais como: memória, atenção, orientação espaciotemporal, audição, visão, entre outros. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 25% das pessoas com idade superior a 65 anos sofrem de algum tipo de perturbação psiquiátrica, sendo a depressão a mais frequente até aos 75 anos. Segundo Marques Castro, na sua tese sobre Programa de estimulação cognitiva em idosos institucionalizados, “numa perspetiva de promoção da saúde mental, a depressão pode ser evitada com programas de prevenção que visem a integração da pessoa idosa em diversas atividades físicas, de animação e de estimulação cognitiva (EC), assim como a educação para idosos com doença crónica, a ativação comportamental, a reestruturação cognitiva (o treino de estratégias/competências de resolução de problemas), (o recurso a) grupos de apoio, entre outras estratégias (FISKE, WETHERELL & GATZ, 2009). Moffat et al. (1993) refere que muitos dos comportamentos exibidos por pessoas com défices cognitivos severos são grandemente provocados por privações sensoriais, e foi comprovado, durante o período em que foi utilizada uma abordagem no contexto Snoezelen, que os níveis de felicidade e interesse aumentaram, o medo e tristeza diminuíram, as pessoas pareciam apreciar

as sessões e os cuidadores formais conseguiram estabelecer uma melhor relação. (MOFFAT et al., 1993). Pinkney (1998) afirma que a falta de respostas adequadas por parte de pessoas com demência se deve ao facto de a estimulação à qual estão expostos ser demasiado sofisticada. Durante o processo evolutivo de uma demência, é comum observar perdas ao nível da memória e da linguagem. Muitas vezes, as pessoas estão privadas das relações/convivência com os seus familiares, sendo este um processo doloroso não só para a pessoa mas também para os seus cuidadores informais, que se veem numa situação difícil. Ainda num estudo realizado por Patricia Schofiel, da Universidade de Sheffield, foi observado que a população idosa que sofre de dor crónica atinge um maior estado de relaxamento num contexto de Snoezelen. A autora afirma ainda que, no processo de life review, a filosofia Snoezelen é decisiva, podendo os equipamentos ser alusivos a aspectos da natureza, como colunas de bolhas, projeções de paisagens e música relaxante, evocando reminiscências, promovendo o bem-estar e comunicação entre as pessoas e melhorando as relações interpessoais. Num outro estudo realizado num lar de idosos, localizado em Shangri La, uma das profissionais de saúde afirmou: “No inverno, tento visitar a sala de Snoezelen com as pessoas, duas a três vezes por semana. O sol e a luz são importantes para as pessoas idosas. É capacitador.” Loew & Silverstone (1971) realizaram um estudo em que confirmaram que pessoas idosas com demência podem apresentar comportamentos inadequados devido à privação sensorial, mais tarde confirmada por Kuhn (2000). Este último autor afirmou que o mais importante é que a pessoa se sinta suportada e valorizada, sendo possível no contexto Snoezelen, já que as capacidades cognitivas, normalmente afetadas, não são requisitadas a um nível complexo. Como neste contexto não existem as noções de “certo” ou “errado”, qualquer ação da pessoa sobre o meio será aceite, aumentando o sentido de competência e eficácia do mesmo. 77


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Nas sessões de Snoezelen, evidenciam-se diferenças a três níveis, nomeadamente:

Curto-prazo melhoria no comportamento e estado de espírito depois de concluída a sessão

Longo-prazo diminuição do comportamento social agitado no contexto habitacional

Vantagens para os cuidadores formais e informais BENEFÍCIOS DO SNOEZELEN

Durante a sessão As pessoas iniciam a conversa espontaneamente e evocam memórias com maior frequência

Adaptado de Baker et al. 1997

Num estudo realizado por Baker et al. (1997) com pessoas com Alzheimer e demência vascular, os autores comprovaram que, através da abordagem em contexto Snoezelen, evidenciavam-se diferenças a três níveis, nomeadamente:  Longo-prazo: diminuição do comportamento

social agitado no contexto habitacional;  Curto-prazo: melhoria no comportamento e

estado de espírito depois de concluída a sessão;  Durante a sessão: as pessoas iniciavam

conversação espontaneamente, evocavam memórias com maior frequência e a duração da conversação aumentava comparativamente com os momentos em que estavam fora da sala multissensorial.

O estudo acima mencionado sugere que o contexto Snoezelen pode facilitar a expressão verbal e a evocação de memórias, talvez por promover a concentração das pessoas. Sugere também que a abordagem em questão tem resultados benéficos na prevenção de comportamentos típicos dos padrões de demência. 78

Desta forma, os estudos sugerem que o contexto Snoezelen não só inibe comportamentos agitados, como estabiliza o humor e fomenta as relações interpessoais da população idosa com os seus cuidadores formais e informais.

O contexto Snoezelen pode facilitar a expressão verbal e a evocação de memórias Fomenta as relações interpessoais da população idosa com os seus cuidadores formais e informais Tem resultados benéficos na prevenção de comportamentos típicos dos padrões de demência Inibe comportamentos agitados Estabiliza o humor Estudo realizado por Baker et al. (1997)

De acordo com o parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Ano Europeu da Saúde Mental — Melhor emprego, melhor qualidade de vida, “uma abordagem respeitadora dos direitos humanos assume a maior importância”. O CESE vem reforçar que “os serviços médicos e psicossociais devem apoiar as pessoas que deles necessitem e desenvolver as suas potencialidades de autoajuda no sentido da capacitação. (…) Salienta ainda o parecer que os profissionais que prestam diversos tipos de serviços precisam de desenvolver as suas capacidades, com vista a compreenderem melhor os problemas de saúde mental e as perturbações psicossociais. De acordo com Verheul (2004), também o profissional que acompanha a pessoa retira benefícios da abordagem do Snoezelen, uma vez que devido à promoção da comunicação oferecida, este espaço fomenta a relação terapêutica, aspeto que se torna transversal, influenciando todas as intervenções relacionadas com a pessoa em questão.


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Algumas das abordagens do terapeuta ocupacional com a pessoa idosa com incapacidade física e/ou mental num processo de prevenção e reabilitação

Utilizar técnicas/estratégias que visem a manutenção das capacidades/competências atuais do idoso, contribuindo para a sua qualidade de vida Utilizar técnicas/estratégias específicas que visem atenuar as perdas inerentes ao processo de envelhecimento, permitindo à pessoa o desempenho satisfatório das suas atividades significativas Adaptar/estruturar o ambiente e/ou as tarefas, por forma a promover o maior grau de autonomia possível durante a participação ocupacional Integrar a pessoa idosa na sua própria comunidade, (...) promovendo relações interpessoais

De acordo com o artigo “A Atuação da Terapia Ocupacional Junto ao Idoso”, in http://www. profala.com/artto9.htm, “procura-se que o idoso tenha um desempenho o mais independente possível, enfatizando as áreas de autocuidado, do trabalho remunerado ou não, do lazer, da manutenção de seus direitos e papéis sociais. Ainda de acordo com este artigo, são objetivos gerais da terapia ocupacional em geriatria e gerontologia:

Pensamos que é de realçar a importância de um grande leque de profissionais especializados na intervenção com idosos. Nestes grupos multidisciplinares integram-se quase obrigatoriamente assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, psicólogos, técnicos de reabilitação, entre outros, que cada vez mais se vão especializando e aprofundando os seus conhecimentos e competências para intervir de forma mais eficaz neste grupo de pessoas mais velhas, que crescem exponencialmente de ano para ano, a nível europeu e mundial, com desafios próprios e com soluções cada vez mais amplas e integradoras. Estamos efetivamente numa nova era de pensamento/ação, onde a realidade nos posiciona numa sociedade mais envelhecida e com outro tipo de questões em que devem ser feitas reflexões antecipadas sobre os caminhos a desenvolver de forma muito mais integrada e transversal. Segundo Roberto Carneiro, “o isolamento social pode comprometer o envelhecimento ativo”. Neste sentido, a promoção de estratégias de proximidade vem dar mais consistência ao combate à solidão da população idosa. A partilha de compromissos com entidades que possam dividir algumas tarefas permite também aos cuidadores, particularmente aos informais, recobrar as forças

 Uma vista do efeito do Snoezelen. Imagem cedida amavelmente pelo fisioterapeuta Carlos Santos e pela terapeuta Inês Vilela (Obra Social do Pousal, SCML)

1. Integrar a pessoa idosa na sua própria comunidade, tornando-a o mais independente possível e em contacto com pessoas de todas as idades, promovendo relações interpessoais; 2. Incentivar, encorajar e estimular o idoso a continuar a fazer planos, ter ambições e aspirações; 3. Contribuir para o ajustamento psicoemocional do idoso; 4. Manter o nível de atividade, alterando o ambiente se necessário. 5. Enfatizar os aspetos preventivos do envelhecimento prematuro e de promoção da saúde; 6. Reabilitar o idoso com incapacidade física e/ou mental. 79


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CHECKLIST DE PLANEAMENTO DE UMA SALA DE SNOEZELEN  Porta

alargada ; Boa ventilação; Design colorido; livres para projetar; Chão antiderrapante;  Espaços abertos para cadeiras de rodas; Aquecimento;  Formas de aquecimento; Casas de banho e água corrente nas proximidades; Cabide para casacos e prateleira para sapatos na entrada.  Paredes

Sala

Iluminação Locais para sentar e descansar Bola de espelhos Luzes

 Luzes

de teto ajustáveis; Luzes indiretas adicionais; Luzes portáteis (candeeiros); Iluminação de elementos ajustável individualmente; Toda a iluminação deve ser ajustável.

 Confortável

e ajustável a diferentes grupos; calmas e isoladas; Áreas de descanso; Cobertores, almofadas e objetos antialérgicos diferentes tamanhos.

 Áreas

 Não

colocar no centro da sala; lenta (1 rotação por minuto).

 Rotação

 Direcionadas

à bola de espelhos (giratórias para iluminar outros elementos); Com ou sem roda de cores.

 Equipamento

Projetor de líquidos Fibra ótica e/ou cortina de fibras e fonte Música

básico: três discos (1/2 rotações por minuto). As imagens podem ser, por exemplo: céu com nuvens e pôr do Sol;  Giratórios.  Fibras

de 3 a 5 m (velocidade de luz ajustável); Com ou sem discos de cores; Fios de fibras fundidas nas extremidades e em boas condições.

 Aparelhagem

com controlo remoto e amplificador (som adaptado ao tamanho da sala); Colunas nos cantos da sala.

 Luz

Equipamento adicional

negra; Tubos fluorescentes na entrada ou como divisor da sala (ajustável); Tapetes de estrelas, com roda de cores integrada (rotação lenta); Projetor de slides; Divisores da sala;  Redes mosquiteiras; Armário para materiais, ferramentas e sistema de som (discreto).  Materiais

Áreas de projeção

de decoração em espelho (para paredes e teto); fluorescentes;  Materiais para estimulação tátil.  Materiais

 Saída

Medidas de segurança

assinalada por sinal luminoso; Assentos feitos com materiais não inflamáveis; Sem materiais cortantes ou esquinas na mobília; Sem puxadores e chaves que se destaquem;  Degraus iluminados ou assinalados por tiras fluorescentes;  Extintores afixados perto da porta; Telefone (móvel) com números de emergência; Todos os materiais técnicos devem ser marcados com as diretrizes VDE (https://www.vde. com/en/Pages/Homepage.aspx) e ser aprovados pela TÜV (http://www.tuv.pt/);  Instalação de material técnico deve ser feita por especialistas e eletricistas; Corrente parcialmente transformada, baixa voltagem; Fios de fibras óticas devem ser fundidos nas extremidades e sem danos.

Traduzido e adaptado de Snoezelen materials homemade Ad Verheul.

A Santa casa da Misericórdia lançou uma Sala de SnoezElen Móvel. A primeira instalação ocorrerá na Residência Quinta das Flores. Trata-se de projeto muito estratégico e inovador que trará muitas mais-valias para pessoas idosas com e sem demência que vem também reforçar a que já existe na Obra Social do Pousal 80


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das responsabilidades do cuidar de pessoas que estão em processos de demência ou alterações dos processos cognitivos. Verheul (2004) acreditava que seria comum que a rede de suporte das pessoas com incapacidades se poderia sentir, diversas vezes, sobrecarregada e exausta. A utilização de uma sala multissensorial deixa o utilizador mais alerta durante a visita dos seus familiares e facilita a comunicação. Um dos cuidadores afirma, relativamente a uma das pessoas do serviço em questão: “Descobri um novo lado dela que nunca tinha visto antes; está mais aberta à comunicação.” O Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016 realça que nos casos da saúde mental, “as ver-

tentes da reabilitação profissional, de reabilitação residencial e da participação social têm necessariamente de ser desenvolvidas fora dos serviços de saúde e integradas na comunidade. Exigem, por isso, outros recursos e metodologias e pressupõem uma partilha das responsabilidades entre a saúde mental e os outros setores. Neste sentido, e por todas as vantagens percebidas em diversos estudos e evidências, sobre o contributo das salas de Snoezelen para um envelhecimento ativo e para uma melhoria generalizada do estado de bem-estar biopsicossocial da população idosa, esta é uma opção que deve ser seriamente considerada na intervenção com idosos feita em Portugal, tendo em conta o seu custo-benefício evidente.

BIBLIOGRAFIA BAKER, R.; DOWLING, Z.; WAREIGN, L.; DAWSON, J.; ASSEY, J., 1997. Snoezelen: Its Long-Term and Short-Therm Effects on Older People with Dementia. British Journal of Occupational Therapy, 60 (5), pp. 213-218. BOHAM, J., 2013. Snoezelen Therapy for Elderly Persons with Challenging Behavior and Dementia. Degree Thesis of Human Ageing and Elderly Services. Helsinki: Arcada University of Applied Sciences. BRYANT, W., 1991. Creative group work with confused elderly people: a development of sensory integration therapy. British Journal of Occupational Therapy, 54 (5), pp. 187-192. CARNEIRO, R. et al., 2012. Envelhecimento da População: Dependência, Ativação e Qualidade. CASTRO, A. E. MARQUES, 2012. Programa de estimulação cognitiva em idosos institucionalizados: impacto no desempenho cognitivo e na sintomatologia depressiva. HANLEY, I.,1988. Individualised reality orientation. Glen Caple, Dumfries: Orientation Aids, 1988: 2 (5), pp. 20-21. HEDMAN, S., 2008. Building a multisensory room for elderly care. In M. Sirkkola, P. Veikkola & T. Ala-Opas (Eds.), Multisensory Work: Interdisciplinary approach to multisensory methods (pp. 34-42). Hämeenlinna: Hank University of Applier Sciendes, editors.

KUHN D.; ORTIGARA, A. & KASAYKA, R.E., 2000. Dementia Care Mapping: an innovative tool to measure person-centred care. Alzheimer’s Care Quarterly 1, pp. 7-15. LOEW C. & SILVERSTONE B., 1971. A program of intensified stimulation and response facilitation for the senile aged. The Gerontologist 11, pp. 341-347. MOFFAT, N.; BARKER, P.; PINKNEY, L.; GARSIDE, M.; FREEMAN, C., 1993. Snoezelen, an experience for people with dementia. Chesterfield: Rompa. PINKNEY, L., 1998. Exploring the Myth of Multisensory Environments. British Journal of Occupational Therapy, 61 (8), pp. 365-366. PLANO NACIONAL DE SAÚDE MENTAL 2007-2016 YUDKOWSKY, R. The Magical World of Snoezelen. Consultado em dezembro 2015. http://melabev. org/761/ 18.05.14 21:26. UNIÃO EUROPEIA. Contribuição da UE para um envelhecimento ativo e solidariedade entre as gerações. (2012). Luxemburgo: Serviço das Publicações da União Europeia. VERHEUL, A., 2007). Snoezelen materials homemade. Netherlands: Ad Verheul, Ede. Link consultado em dezembro 2015: site do AEEAS 2012, http://europa.eu/ey2012/ey2012main. jsp?catId=971&langId=pt

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Repúblicas Seniores: um desafio inovador

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Partindo da necessidade de se encontrar uma resposta para minimizar o isolamento social e as carências habitacionais de muitos idosos em São Jorge de Arroios, várias instituições inovam criando repúblicas seniores. Texto de Ana Filipa Dias1 e Pedro Cardoso2 [1.DIRETORA UDIP ALAMEDA_SCML; 2. CENTRO SOCIAL PAROQUIAL DE SÃO JORGE DE ARROIOS]

desafiando o isolamento e a carência habitacional

P

ara a maioria das pessoas, ter um espaço onde regressar todos os dias — a casa — é condição sine qua non de identidade, liberdade, privacidade e segurança. A casa, quer seja do próprio ou arrendada, constitui um lugar privilegiado para a satisfação das necessidades de realização da pessoa e é, por natureza, um porto de abrigo essencial ao bem-estar físico e psicológico. Para além de um abrigo seguro, a casa pode ser vista como um repositório das vivências de cada um, traduzindo a história de vida e sendo um espaço de reconhecimento da identidade pessoal. Nesta lógica, é fácil perceber o que significam para as pessoas mais velhas os seus pertences, bens simbólicos, sinónimo da construção de toda uma vida e recordações da mesma. As instituições que trabalham na área de apoio social deparam-se frequentemente com idosos, isolados e a viver em regime de subarrendamento (quartos), situação que não dignifica a pessoa, podendo em muitos casos fomentar a exploração da condição humana, quer a nível psicológico, físico ou financeiro, quer numa situação de economia paralela.

Estas situações encontram-se com frequência nalgumas zonas da cidade de Lisboa, tendo o Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios, no âmbito da intervenção desenvolvida com pessoas idosas, ao nível das respostas sociais de Centro de Dia e de Apoio Domiciliário, identificado 25 idosos com condição económica precária a viver em quartos alugados, em regime de subaluguer, sem as condições mínimas asseguradas. Confinados a quartos, muitos destes idosos encontravam-se impedidos de fazer uso da cozinha, pelo que no período da noite e aos fins de semana as refeições eram ingeridas de forma fria, por não haver onde as aquecer. Além disso, as tomas de banho eram limitadas e estavam sujeitos a situações de exploração ou de violência. Cooperação interinstitucional para a mudança Neste contexto específico e no sentido de minimizar o impacte da falta de condições das pessoas idosas que permanecem nestes espaços, desenvolveu-se, num primeiro momento, uma parceria entre o Centro Social Paroquial de São Jorge de Arroios e a comunidade, levando a cabo uma campanha de angariação de fundos para a aquisição de micro-ondas. 83


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Desta campanha resultou a aquisição de quarenta micro-ondas, que foram instalados nos quartos (subalugados) dos utentes e que, em consequência, se depararam com um aumento do valor da renda, por parte dos senhorios, no valor de 25 euros, sendo de registar que estas rendas se situam na ordem dos 250 e 350 euros mensais. Assim, havendo em mãos um desafio social eminente, a promoção da dignidade habitacional das pessoas mais velhas, urgiu a necessidade premente de refletir sobre esta questão e repensar quais as efetivas respostas sociais adequadas, atendendo ao facto de existir um número considerável de pessoas em idade muito avançada e a viver sós. Consciente da realidade de Arroios, uma zona envelhecida da capital, onde há muitos idosos em situação de grande fragilidade, com reformas baixas e sem suporte familiar, que não conseguem fazer face às várias despesas provenientes do arrendamento de uma casa, e que acabam por viver neste contexto de subaluguer de quartos, em meados de 2015 o Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios apresentou à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa uma proposta de parceria na procura de uma solução inovadora para estas pessoas. O nascimento de um conceito inovador Pensando numa resposta que traduzisse a liberdade e garantisse os direitos dos cidadãos mais velhos, foi criado, por analogia com as repúblicas estudantis, o conceito de república sénior. É neste contexto que um representante do Centro Social visita as repúblicas estudantis de Coimbra, que acolheram o projeto e se prontificaram a acompanhá-lo, bem como a avaliar a possibilidade de fomentar o intercâmbio intergeracional entre os repúblicos seniores de Lisboa e os repúblicos estudantis de Coimbra. A república sénior constitui-se, assim, como uma resposta inovadora que presta serviços permanentes e adequados à problemática habi84

tacional dos seniores que habitam em quartos subalugados, contribuindo para a manutenção da pessoa no seu domicílio em condições de dignidade e segurança, minorando sentimentos de isolamento e solidão e potenciando a integração social e a autonomia individual. Tal proposta foi de imediato acolhida pela SCML, resultando na assinatura de protocolo entre as partes, a 9 de setembro de 2015. O protocolo prevê que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa assuma a comparticipação financeira, mediante o pagamento das rendas das casas/repúblicas estabelecidas pelo Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios com os senhorios. Ao Centro Social compete a responsabilidade de alugar as repúblicas, a monitorização do projeto, todo o acompanhamento, sete dias por semana, 24 horas por dia, assegurar a alimentação através do fornecimento das refeições, a lavandaria e a limpeza do domicílio, bem como um acompanhamento individualizado de cada residente. As despesas fixas da casa (água, gás, luz, TV, comunicações, etc.) são divididas e suportadas pelos próprios beneficiários, assim como as de produtos de limpeza habitacional e de higiene pessoal. O objectivo é que seja uma resposta que permita que a pessoa se sinta na sua casa. Por isso, cada república não tem mais do que três utentes, para propiciar o espírito de solidariedade e de alguma familiaridade entre os residentes. Um modelo de gestão assente em valores fundamentais A organização interna da república cabe exclusivamente aos moradores, sendo estes que instituem as rotinas da casa, o regulamento e as decisões que dizem respeito à gestão e organização interna da habitação. Contudo, mensalmente é realizado um conselho de república, reunião magna, entre todos os repúblicos e um técnico do Centro Social, que efetua a respetiva monitorização do projeto. Não obstante a filosofia do primado de a manutenção da pessoa idosa no domicílio ser uma ideia


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de força atual, apresentando-se tendencialmente como um mainstream da política de cuidados sociais, constata-se que as respostas sociais para este segmento da população têm de se adequar, cada vez mais, à heterogeneidade dos processos de envelhecimento. Estas devem ser preparadas sobretudo para as situações de maior dependência, isolamento, solidão e ausência de suporte familiar, prestando cuidados sempre que estes sejam necessários, se se pretender objetivar um serviço de qualidade e que efetivamente vá ao encontro das necessidades holísticas dos cidadãos. A possibilidade de consecução deste projeto permitiu às pessoas idosas em situação de habitação precária e sem suporte familiar da freguesia de Arroios poderem manter o seu direito

inalienável à dignidade, respeitando a sua condição de ser humano. Efetivamente, para a pessoa idosa, viver na sua própria casa apresenta-se como uma dimensão de extrema importância, mantendo a independência, visando esta não só a salvaguarda do sentido da integridade pessoal, como a identificação com os seus bens simbólicos. Este projeto visa também retardar a institucionalização da pessoa idosa, dando-lhe o direito de escolha em permanecer no seu domicílio até assim o desejar. Assentes em três valores fundamentais, a dignidade, a liberdade e a autonomia da vontade, as repúblicas seniores são, assim, espaços geridos autonomamente pelo repúblicos, monitorizados pelo Centro Social e financiados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. 85


| habitação |

As primeiras três repúblicas de seniores É de anotar que na procura de apartamentos onde pudessem emergir posteriormente as respostas das repúblicas seniores, as entidades promotoras deste projeto depararam-se com o fenómeno do idadismo (estigma associado à idade) por parte dos arrendatários, não facultando o aluguer de tais apartamentos para essa finalidade. A 16 de dezembro de 2015, inaugurou-se a República de São Jorge, em homenagem ao santo que dá nome à freguesia lisboeta de Arroios. Nesta república vivem três residentes do sexo masculino com idades compreendidas entre os 75 e os 85 anos, que já se conheciam do Centro Paroquial de São Jorge de Arroios. Antes viviam em quartos subalugados, pagavam a renda e das reformas reduzidas sobrava muito pouco. Um dos residentes desta república não tinha noção do valor do dinheiro, deixando a gestão da sua reforma à responsabilidade do próprio “senhorio” do quarto, e outro vivia num quarto com ausência de água, luz e gás, estando a habitação em estado avançado de degradação. A 7 de janeiro de 2016 é inaugurada a República Rainha D. Leonor, com três residentes do sexo masculino cuja média de idades é de 68 anos. Os apartamentos ficam próximos do Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios, em Lisboa, e depois de arrendados pelo Centro foram sujeitos a obras de reabilitação. Cada apartamento tem três quartos com televisão, um para cada repúblico, onde pode manter os seus pertences e símbolos de vida, casas de banho e uma pequena cozinha equipada, usada sobretudo para aquecer o jantar que os residentes trazem do Centro, onde tomam as outras refeições do dia. De quartos velhos, sujos, estragados, passaram para quartos arranjados, limpos e confortáveis e esta é uma das principais diferenças salientadas pelas pessoas face à situação anterior em que viviam. Manuel (nome fictício) chegou à sua nova casa logo a seguir ao Natal. Antes vivia num quarto

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sem condições, numa casa onde chegou a ser vítima de violência. Deixa para trás uma carreira profissional desafogada, mas que não acautelou o futuro. Hoje, os dois companheiros de casa e as pessoas do Centro fazem as vezes da família. No apartamento partilhado, sente-se “em casa”. Bem perto da casa de Manuel, José e Miguel (nomes fictícios) partilham o segundo apartamento. José tem 66 anos e é invisual desde os 25. Viveu num quarto durante dois anos, pago com a sua magra reforma. Hoje tem um quarto muito melhor, que não paga, e que até fica mesmo ao lado do café e da mercearia onde gosta de passar umas horitas à conversa. No quarto ao lado, Miguel ainda está a habituar-se a dormir debaixo de um tecto. A sua história, como a de tantos outros, passa por desemprego, alcoolismo, ausência de laços familiares, que acabaram por o levar a viver na rua e a dormir na Estação do Oriente. Os anos sem regras ainda tornam difícil a aceitação das rotinas do dia-a-dia. A convivência com os companheiros nem sempre é fácil mas, para já, vai ficando. “Se não estivesse bem, já me tinha ido embora.” A 16 de março de 2016 é inaugurada a República Madre Teresa, com três residentes do sexo masculino, cuja média de idades é igualmente de 68 anos. Um dos residentes desta república tem também um historial de vida em rua durante vários anos e outro encontrava-se em situação de ordem de despejo iminente. Nesta república, a pedido dos próprios, existem equipamentos de ginástica, bicicletas e passadeira. Refira-se que em todas as repúblicas já em funcionamento, o equipamento, mobiliário e celebração de contratos de abastecimento (água, luz, TV), foram adquiridos e efetuados pelo Centro Social. Todos os seus residentes viviam em regime de subaluguer de quartos, estando desprovidos de acompanhamento.


| social |

Um modelo já em disseminação O Centro Social monitoriza diariamente os espaços destinados às repúblicas e periodicamente faz a avaliação com a SCML. A triagem dos moradores é feita entre os utentes do Centro Social, que tem a responsabilidade da gestão de processo de todos os repúblicos. A grande maioria são homens: estão sinalizados 22, mas também já foram sinalizadas duas mulheres. O feedback que o Centro Social tem recebido das três repúblicas em funcionamento é muito positivo. São os próprios repúblicos que constatam que o facto de estarem inseridos nesta resposta reverte num maior e melhor acompanhamento, quer ao nível de cuidados sociais e de saúde, proporcionando maior autonomia nas decisões de vida diária, dado que o espaço é autogerido. São os próprios residentes que verbalizam nunca terem residido numa habitação com as condições de que atualmente beneficiam. “Agora sinto que vivo numa casa.” (sic). Algo que pode parecer banal para quem ouve tem um outro alcance para quem conhece estas pessoas. Significa que a pessoa viveu anos numa casa, mas não no sentido amplo de casa, lar, morada de família. Os testemunhos dos residentes permitem-nos considerar que estamos perante uma ideia inovadora, um projeto bem-sucedido. A visibilidade dada pela comunicação social a esta resposta resultou no interesse por parte de

uma editora em publicar um livro sobre as repúblicas seniores e as histórias de vida dos seus moradores. As entidades promotoras do projeto têm sido contactadas por várias juntas de freguesia da cidade de Lisboa, por associações do Norte e da zona Sul do Tejo bem como por associações de voluntariado, que manifestaram interesse na resposta das repúblicas, com vista à sua disseminação e replicação em outras zonas da cidade e do país. Dado o sucesso da implementação deste projeto inovador no território, a Junta de Freguesia de Arroios apresenta uma proposta de protocolo ao Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios, semelhante ao celebrado com a SCML, mas dirigido a pessoa em situação de sem-abrigo, tendo sido inaugurada a primeira república para este público a 13 de abril de 2016. Decorridos seis meses da abertura da primeira república e efetuado o relatório de avaliação do impacte desta resposta inovadora, foi aprovada, a 1 de junho de 2016, a abertura de mais duas repúblicas: uma feminina — constituindo-se a primeira do género feminino, e uma para pessoa sem-abrigo, perfazendo assim um total de cinco repúblicas seniores na freguesia de Arroios, onde a SCML é o principal parceiro do Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios, numa ótica de cogovernação.

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| imagiologia |

A NOVA IMAGIOLOGIA do Hospital de Sant’Ana Qualidade e proximidade ao serviço dos doentes

 Realização de ecografia

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| saúde |

O Hospital de Sant’Ana passou a dispor das mais avançadas tecnologias e a oferecer aos doentes mais e melhores serviços no campo da imagiologia, desde finais de 2015, na sequência do empenho da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Texto de Clara Ribeiro [COORDENADORA DA IMAGIOLOGIA DO HOSPITAL DE SANT’ANA_SCML]

Q

uando o Centro de Imagiologia do Hospital de Sant’Ana reiniciou a sua atividade em novembro de 2010 sob a alçada da presente Administração (pois anteriormente estava concessionado a uma entidade privada e externa), constatou-se a desatualização dos seus meios e equipamentos. Era, portanto, imprescindível o seu reapetrechamento tecnológico, agora concretizado. Em 2010, o Hospital de Sant’Ana encontrava-se equipado com um Ecógrafo desatualizado (pois não permitia efetuar estudos de eco-doppler e ecografia das partes moles); um aparelho de TAC (de dois cortes, o que inviabilizava a execução de estudos de angio-TC, bem como reconstruções das imagens de aquisição nos três planos do espaço) e um aparelho de ressonância magnética (RM) que, embora aberto, era um “baixo campo”, o que tornava impossível a realização de estudos especiais, atualmente imprescindíveis. Apesar de tudo e, com o intuito de reabilitar o Departamento de Imagiologia, estes aparelhos foram levados à exaustão, tendo ficado irremediavelmente desatualizados face ao que, na atualidade, a imagem precisa de fornecer aos clínicos

(nos nossos dias, é imprescindível VER a patologia subjacente à clínica). Os médicos radiologistas e neurorradiologistas não são fotógrafos, são médicos que têm de saber clínica e patologia e, para além disso, saber ainda encontrá-la na imagem pelos “sinais sentinela” (semiologia da imagem). A imagem foi uma grande conquista da medicina, funcionando hoje como a lanterna que ilumina a terapêutica. Esta conquista é de tal maneira importante que frequentemente (e algumas vezes erroneamente...) substitui mesmo a semiologia médica. Era portanto imprescindível a modernização e reapetrechamento da Imagiologia do Hospital de Sant’Ana. Este facto veio a verificar-se nos finais de 2015, na sequência do empenho da Santa Casa em reequipar esta área. REAPETRECHAMENTO da IMAGIOLOGIA do Hospital de Sant’Ana Inovar um serviço significa melhorar os cuidados prestados aos doentes, quer aos internados quer aos do ambulatório, e não se limita à aquisição de equipamento topo de gama. Exige também a reestruturação total do funcionamento do serviço. 89


| imagiologia |

 O magneto da RM “vindo do céu” e a progressão do mesmo até à sua instalação

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Antes de 2015, já haviam sido adquiridos alguns equipamentos topo de gama, como o osteodensitómetro (que possibilita os estudos de osteodensitometria óssea) e um ecógrafo (que permite já efetivar estudos vasculares e ecografia das partes moles, para além dos estudos ecográficos habituais). Contudo, durante o ano de 2015 teve lugar a “aquisição de ouro” do serviço, o aparelho de RM de alto campo (1,5 Tesla), cuja instalação mobilizou esforços hercúleos de toda uma equipa para

o posicionar no seu lugar, podendo dizer-se que veio do céu, na verdadeira aceção da palavra, uma vez que a sua instalação só foi possível com a ajuda de uma grua, visto o edifício principal do Hospital de Sant’Ana (antigo sanatório de Sant’Anna) se encontrar classificado e integrado numa Zona Especial de Proteção (ZEP), que não permite a alteração da estrutura externa do edifício. Com esta aquisição tornou-se possível a realização de estudos RM especiais: funcionais, difusão, perfusão, angio-RM, veno-RM, no campo


| saúde |

da neurorradiologia (para o diagnóstico de tumores ósseos da coluna, intramedulares e intracranianos, processos infeciosos da coluna e do crânio, bem como no seguimento dos AVC e despiste de aneurismas intracranianos). Permite ainda, na competência da radiologia, estudos osteoarticulares, musculoesqueléticos muito específicos, patologia degenerativa e traumática. Também os exames que requerem a cooperação integrada das duas especialidades, como a esclerose lateral amiotrófica (ELA), passaram a ser possíveis. Bem mais fácil foi a instalação do novo aparelho de TAC (16 cortes), o qual nos traz mais-valias incomensuráveis no estudo do aparelho

esquelético, permitindo minimizar os artefactos determinados pelo material cirúrgico ortopédico e nos faculta o estudo do sistema arterial e venoso, por angio-TC, de todo o corpo: cerebral, troncos supra-aórticos, coração e outros órgãos, bem como das extremidades (membros superiores e inferiores). A angio-TC é o método de imagem que mais se aproxima da angiografia de subtração digital (ASD), o gold standard da imagem da circulação arterial e venosa. Este aparelho de TAC vem equipado com um dispositivo, incluindo ecrã e pedal (CT image-guided therapy), que fica dentro da sala, permitindo a realização de atos médicos de intervenção terapêutica, até aqui impossíveis de realizar na

 RM já instalada e sala da consola de trabalho

 Aparelho de TAC e consola de trabalho, com ecrã dentro de sala e pedal, que permite atos de intervenção osteoarticular e da coluna o mais próximo possível do real time

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| imagiologia |

Imagiologia do Hospital de Sant’Ana, mas agora já com competência técnica e médica para a concretização dos mesmos. Para além da aquisição dos novos equipamentos, é também importante todo um trabalho subjacente de atualização e formação dos técnicos de imagem, bem como a abertura de novas valências de imagem, designadas subespecializações, no que concerne ao corpo médico. A celeridade de resposta aos doentes depende não só da abertura de novos turnos de exames programados, como também da capacidade de resposta aos doentes internados (mais urgentes que os do ambulatório), na realização de relatórios por parte dos médicos e na resposta dos administrativos encarregues de os escrever, uma vez que o serviço, por enquanto, não se encontra equipado com sistema de reconhecimento de voz. A organização de um arquivo de suporte de imagem no sistema PACS, em consonância com os novos equipamentos, está a tomar forma e é imprescindível, tendo em vista o desenvolvimento da vertente científica, englobando trabalhos prospetivos e de investigação. FORMAÇÃO O Centro de Imagiologia do Hospital de Sant’Ana está a apostar fortemente na formação de uma equipa dinâmica e empreendedora, com ações de formação teórica e prática de índole diversa, procurando assim manter a sua equipa na vanguarda dos conhecimentos, em rápida expansão nesta área, e contribuir, de forma decisiva, para a sua motivação e enriquecimento profissional e pessoal. Tudo isto implica a aquisição de novos valores médicos e técnicos, no conceito de expansão, tendo como horizonte o nascimento de um novo hospital em 2017, o qual traz como objetivo prestar serviços em urgência, ambulatório e nas especialidades de neurocirurgia, neurologia, oftalmologia, otorrinolaringologia, ortopedia e fisiatria/ fisioterapia (estas duas últimas especialidades com uma larga história pregressa, tal como o antigo nome do hospital deixava antever). 92

um novo hospital em 2017, o qual traz como objetivo prestar serviços em urgência, ambulatório e nas especialidades de neurocirurgia, neurologia, oftalmologia, otorrinolaringologia, ortopedia e fisiatria/ fisioterapia”

EQUIPA E OBJETIVOS A equipa do Centro de Imagiologia do Hospital de Sant’Ana é constituída por médicos neurorradiologistas e radiologistas, técnicos de imagiologia, assistentes de imagiologia e administrativos (front office contact center). O Centro de Imagiologia é de decisiva importância dentro de um hospital, pois determina, na maioria das vezes, o diagnóstico final de uma doença, de forma precoce e precisa, direcionando a conduta no tratamento, auxiliando os clínicos a tomar decisões para o sucesso terapêutico. Um centro de imagiologia exige a melhor qualidade dos seus serviços com o menor risco possível para os seus doentes. É por conseguinte importante ter como meta a qualidade, desenvolvendo um sistema de gestão de excelência para minimizar erros, acidentes e até conflitos com os doentes. Baseamo-nos, para tanto, em critérios já determinados e estabelecidos, quer de rotinas quer de controlo e avaliação. Organizar e garantir um bom ambiente que facilite a circulação e o bem-estar dos pacientes e disponibilizar instalações limpas e com os adequados níveis de conforto são critérios primordiais, no controlo e avaliação do Centro de Imagiologia. Outros critérios decisivos neste campo


| saúde |

são a existência de todas as valências necessárias ao bom desempenho clínico, como por exemplo um acompanhamento eficaz que leve o paciente a sentir-se seguro. Por exemplo, nos frequentes casos de claustrofobia e atopias é fundamental que quem procura os nossos serviços saiba que pode contar com apoio anestésico, pois de outro modo recusar-se-á a realizar os procedimentos necessários. A capacidade de todos os colaboradores para desempenhar cabalmente as suas funções é, obviamente, uma condição necessária para o que acabámos de referir. Esta capacidade deve ser desenvolvida com ações de atualização e treino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O Centro de Imagiologia do Hospital de Sant’Ana tem hoje os meios tecnológicos necessários para se tornar um serviço de referência na imagiologia em Portugal. Porém, como dissemos anteriormente, inovar um serviço significa melhorar os cuidados prestados aos doentes (quer aos internados quer aos do ambulatório) e não se limita à aquisição de equipamento topo de gama. Exige também reestruturar e qualificar todo o funcionamento do serviço e respetiva equipa. Em suma, o profissionalismo, a paixão e a vontade férrea conduzem à excelência, único objetivo digno de uma permanente demanda.

 Dra. Clara Ribeiro — coordenadora da Imagiologia do Hospital de Sant’Ana

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| acessibilidades |

Terapia Ocupacional: um olhar sobre a acessibilidade e o design universal Um projeto concretizado

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esde 2007 tem sido prática consistente no curso de Terapia Ocupacional procurar que os estudantes tenham oportunidades práticas de observar, recolher e validar informações no “terreno”, de modo a fazer a ligação aos conteúdos teóricos ministrados. Por iniciativa da Escola Superior de Saúde do Alcoitão (ESSA), e por vezes por iniciativa das instituições locais, os desafios têm surgido e têm sido divulgados anualmente os estudos realizados. A temática da acessibilidade e do design universal cada vez se cruzam mais. Na formação dada aos terapeutas ocupacionais tem-se por base os conceitos, a legislação da acessibilidade e os pressupostos do design universal, de modo a potenciar a funcionalidade de cada pessoa, respeitando a diversidade humana. O conceito de design universal é uma forma de criar produtos e ambientes que sejam utilizados por todas as pessoas, independentemente da idade ou capacidade (WILLARD, 2011), permitindo ao terapeuta

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ocupacional elementos que o auxiliem na investigação, análise e interpretação. Estes princípios e pressupostos implementados colaboram de modo significativo para um melhor desempenho do indivíduo. A capacidade de desempenho pessoal e social pressupõe a autonomia e o exercício de direitos e igualdade para todas as pessoas (WFOT, 1993; TELES, 2006-2009; EMMEL & MARINS, 2011; STEINFELD & MAISEL, 2012; MACE, 2014). Atendendo ao facto de que ser terapeuta ocupacional é estar atento à pessoa, ao ambiente e à ocupação, temos as competências adequadas para avaliar e intervir nestas vertentes. O ambiente pode ser facilitador ou inibidor do envolvimento ocupacional do indivíduo, permitindo-lhe fazer escolhas e ter oportunidades. De acordo com estes pressupostos, os estudantes do terceiro ano do curso de Terapia Ocupacional são pioneiros, em conjunto com dois docentes, em avaliar diferentes equipamentos e, em termos académicos, em emitirem relatórios dessas mesmas avaliações.


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O curso de Terapia Ocupacional da Escola Superior de Saúde do Alcoitão realizou um estudo de acessibilidades no Centro Comercial CascaiShopping. Ao desenvolver estratégias de formação sólida para os estudantes está igualmente a dar relevantes contributos à sociedade. Texto de Élia Silva Pinto1 e Madalena Salavessa2 [1. docente, TERAPEUTA OCUPACIONAL; 2. docente, ERGONOMISTA, DEPARTAMENTO DE TERAPIA OCUPACIONAL, ESCOLA SUPERIOR DE SAÚDE DO ALCOITÃO_SCML]

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| acessibilidades |

A temática da acessibilidade e do design universal cada vez se cruzam mais. Na formação dada aos terapeutas ocupacionais tem-se por base os conceitos, a legislação da acessibilidade e os pressupostos do design universal” O conceito de acessibilidade e design universal não é “propriedade” da terapia ocupacional. Daí a importância de outros profissionais se juntarem ao projeto. Embora a responsabilidade seja destes docentes (terapeuta ocupacional e ergonomista), tivemos oportunidade de dialogar com arquitetos, gestores, engenheiros de diferentes áreas, assistentes sociais, médicos, entre outros profissionais que trouxeram uma mais-valia aos estudos (CHAVES, 2005). São habitualmente contemplados nos estudos não só os equipamentos mas os percursos até aos mesmos. Neste sentido, são exemplo de alguns estudos os acessos às praias de Carcavelos e Tamariz — desde a linha férrea, camionagem, parques automóveis e os diversos percursos até ao mar (2007; 2008), acessibilidade à Escola Secundária Afonso Lopes Vieira (2009), acessibilidade nas paragens e nos autocarros das carreiras 411, 413 e 472 da Scotturb (2010), acessibilidade e design universal nos Centros de Saúde do Concelho de Cascais (2011), nas Unidades de Saúde da SCML (2012), acessibilidade à ESSA e ao CMRA (2013), acessibilidade da Aldeia de Santa Isabel (2014), acessibilidade ao Parque dos Poetas (2015) e Centro Comercial CascaiShopping (2016). Como referido no Guia – Acessibilidade e Mobilidade para Todos (TELES, 2006-2009), “a promoção da acessibilidade constitui uma condição essencial para o pleno exercício de direitos de cidadania consagrados na Constituição Portugue96

sa, como o direito à Qualidade de Vida, à Liberdade de Expressão e Associação, à Informação, à Dignidade Social e à Capacidade Civil, bem como à Igualdade de Oportunidades no acesso à Educação, à Saúde, à Habitação, ao Lazer e Tempo Livre e ao Trabalho. Temos, no entanto, verificado que as sucessivas medidas levadas a cabo nesta área não têm produzido modificações significativas no quadro existente, subsistindo, no edificado nacional, uma larga percentagem de edifícios, espaços e instalações que não satisfazem as condições mínimas de acessibilidade e que colocam limitações aos cidadãos que deles pretendem, legitimamente, usufruir. Tornava-se, assim, imperioso atuar nesta matéria. Por isso, consideramos que é dado um passo de primordial importância com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de agosto, o qual procede à definição das condições de acessibilidade a satisfazer no projeto e na construção de espaços públicos, equipamentos coletivos e edifícios públicos, sublinhando-se que, pela primeira vez, estas normas se estendem ao edificado habitacional.

a promoção da acessibilidade constitui uma condição essencial para o pleno exercício de direitos de cidadania consagrados na Constituição Portuguesa” Com esta nova lei são introduzidas inovações substanciais no nosso ordenamento jurídico-administrativo, designadamente através das correções das insuficiências observadas no Decreto-Lei 123/97, de 2 de maio, e da melhoria dos mecanismos fiscalizadores, dotando-os de maior eficácia sancionatória, do aumento dos níveis de comunicação e de responsabilização dos diversos


| saúde |

agentes envolvidos nestes procedimentos, bem como da introdução de novas soluções, consentâneas com a evolução técnica, social e legislativa entretanto verificada. Este objetivo não se esgota, contudo, nas iniciativas legislativas. É da maior importância a criação de instrumentos que possam auxiliar e orientar todos aqueles que, pelas mais diversas razões, tenham de interpretar e aplicar a nova lei.” (pp. 5-6). Atendendo a estes pressupostos, tomámos como iniciativa colaborar com as instituições no sentido de demonstrar a nossa disponibilidade para avaliar e relatar os factos de forma sistemática, dando oportunidade à mudança. Em qualquer dos equipamentos avaliados o reconhecimento pelo trabalho efetuado e a disponibilidade para a mudança foi muito evidente. Sentimos uma gratidão por todas as “portas” que nos abriram e por aceitarem os nossos relatórios como uma mais-valia para a diferença. De acordo com o Plano Nacional de Promoção da Acessibilidade, sentimos como nossa responsabilidade formar cidadãos atentos a todas as irregularidades e a procurarem não só identificá-las mas propor soluções. É contemplado neste plano não só a acessibilidade ao meio físico edificado mas também a transportes, tecnologias e às atitudes face à inacessibilidade. A promoção da acessibilidade é uma questão-chave para atingir os quatro objetivos da estratégia do Conselho Europeu de Lisboa: aumentar a competitividade, alcançar o pleno emprego, reforçar a coesão social e promover o desenvolvimento sustentado. Tal como referido no relatório da Comissão Europeia a propósito do conceito europeu de acessibilidade (CHAVES, 2005), o meio físico edificado deve permitir que todos os indivíduos se desenvolvam como pessoas que são. Assim, o design tem de ter em conta a diversidade da população e a necessidade que todos têm de ser independentes. Portanto, o meio edificado, incluindo os respetivos elementos e componentes, deve ser concebido por forma a permitir que todos tenham

acesso às diferentes oportunidades existentes: isto é, à cultura, aos espaços, aos edifícios, às comunicações, aos serviços, à economia, à participação, entre outros. Assim, de acordo com Chaves (2005), “um meio físico acessível tem de ser: 1. Respeitador: deve respeitar a diversidade dos utilizadores. Ninguém deve sentir-se marginalizado, a todos deve ser facilitado o acesso. 2. Seguro: deve ser isento de riscos para todos os utilizadores. Assim, todos os elementos que integram um meio físico têm de ser dotados de segurança (evitar-se chão escorregadio, saliências, ter em mente as dimensões, entre outras). 3. Saudável: não deve constituir-se, em si, um risco para a saúde ou causar problemas aos que sofrem de algumas doenças ou alergias. Mais ainda, deve promover a utilização saudável dos espaços e produtos. 4. Funcional: deve ser desenhado e concebido de tal modo que funcione por forma a atingir os fins para que foi criado, sem problemas ou dificuldades. Por exemplo, seria absurdo criar um centro médico sem ter em conta a largura dos corredores que permitisse o cruzamento simultâneo de duas macas ou que as portas não dessem passagem a uma maca. 5. Compreensível: todos os utilizadores devem saber orientar-se sem dificuldade num dado espaço e, por conseguinte, é fundamental: a) Uma informação clara: utilização de símbolos comuns a vários países, evitando as palavras ou abreviaturas da língua local, que podem induzir em erro e conduzir a confusões; por exemplo, ao empregar-se a letra C nas torneiras, significa frio (cold) em inglês, mas quente (caliente) em espanhol (significado completamente oposto). b) Disposição dos espaços: deve ser coerente e funcional, evitando-se a desorientação e confusão. 97


| acessibilidades |

6. Estético: o resultado deve ser esteticamente agradável, o que provavelmente poderá agradar a um maior número de pessoas (tendo sempre presente e em mente os cinco pontos mencionados anteriormente).” (p. 20). Para todos os estudos realizados foram então desenhadas grelhas de avaliação contemplando a legislação em vigor para os diversos equipamentos existentes nas instituições avaliadas. Estudo de acessibilidades — Centro Comercial CascaiShopping Iremos dar particular destaque ao último estudo realizado no Centro Comercial CascaiShopping. Os estudantes do 3.º ano do ano lectivo 2015-2016, em conjunto com dois docentes, usaram como estratégias reuniões prévias para identificar os locais a avaliar, como e quando seriam avaliados. Os resultados encontrados deveriam ser partilhados com a Administração do Centro Comercial, assim como entregues também no Conselho de Gestão da ESSA. Pretendemos avaliar e registar as condições de acessibilidade existentes no Centro Comercial CascaiShopping (CCCS) e na envolvência. A compilação dos diferentes trabalhos de forma

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a resultar um único relatório foi da exclusiva responsabilidade dos docentes. Foram avaliados os seguintes equipamentos, para verificar se cumpriam o preconizado na legislação em vigor relativa às condições de acessibilidade, definidas no Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de agosto, e documentados com registo fotográfico para facilitar a análise dos resultados:

(1) Parques de estacionamento (2 Salas de cinema (3) Instalações sanitárias (4) Duas lojas (5) Acessibilidade interior: elevadores, escadas, portas, corredores, caixas multibanco, cabines telefónicas, balcões e guichés (6) Percursos pedonais exteriores: para quem chega de carro, a pé, de autocarro e táxi

O grupo dos estudantes foi dividido e distribuído pelos diferentes percursos e equipamentos, de modo a que todos os espaços tivessem pelo menos duas recolhas de dados. A avaliação dos diferentes equipamentos foi efetuada através da ajuda de uma lista de verificação elaborada de acordo com o definido nas Normas Técnicas para Melhoria da Acessibilidade das Pessoas com Mobilidade Condicionada (DL 163/2006, de 8 de agosto). Para além da observação e do registo fotográfico, os estudantes utilizaram uma fita métrica para a medição dos parâmetros mensuráveis. De modo a permitir uma melhor perceção e identificação das barreiras arquitetónicas, os estudantes utilizaram cadeiras de rodas na avaliação das condições de acessibilidade. Para finalizar, tecemos algumas considerações sobre a experiência prática vivenciada pelos estudantes. O Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social — Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de agosto — diz-nos que a promoção da acessibilidade constitui um elemento fundamental na


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qualidade de vida das pessoas, sendo um meio imprescindível para o exercício dos direitos que são conferidos a qualquer membro de uma sociedade democrática, contribuindo decisivamente para um maior reforço dos laços sociais, para uma maior participação cívica de todos aqueles que a integram e, consequentemente, para um crescente aprofundamento da solidariedade no Estado social de direito. Referimos que segundo o DL n.º 163/2006, de 8 de agosto, utilizado como referencial para esta avaliação, os edifícios e estabelecimentos devem ser dotados de pelo menos um percurso, designado de acessível, que proporcione o acesso seguro e confortável das pessoas com mobilidade condicionada entre a via pública, o local de entrada/ saída principal e todos os espaços interiores e exteriores que os constituem. Após a realização deste trabalho, foi possível concluir que, apesar de a maioria dos equipamentos existentes no CCCS ser acessível, existem outros que não o são totalmente, uma vez que foram encontrados diferentes tipos de barreiras arquitetónicas que podem limitar o envolvimento e a participação ocupacional dos utentes ao CCCS e não proporcionam uma fácil utilização, em condições de autonomia e segurança. Destes equipamentos destacam-se: Equipamentos de autoatendimento:  Acesso às caixas multibanco do piso 1: • dificuldade no acesso frontal, inexistência de espaço;  Cabines telefónicas: • altura da ranhura para as moedas superior a 1,30 m: 1,40 m; • Altura para marcação dos números superior a 1,00 m: 1,35 m.

Salas de cinema:  Os guichés de atendimento das salas de cinema, apesar de terem as medidas de acordo com as normas do decreto-lei, não são utilizáveis, pois do lado do vendedor o guiché está completamente inacessível. Estes guichés situam-se somente do lado da venda das pipocas, não havendo guichés para pessoas com mobilidade reduzida do lado da venda dos bilhetes;  Os lugares destinados a pessoas em cadeiras de rodas não estão distribuídos por vários pontos da sala, encontram-se todos juntos num dos cantos da sala e não permitem que um acompanhante se sente ao seu lado;  Os lugares destinados a pessoas em cadeiras de rodas tinham pouca visibilidade e não ofereciam muitas condições de conforto. A visibilidade está condicionada pelo facto de estes lugares serem os mais laterais da sala e por possuírem um “muro” de 90 cm de altura imediatamente à sua frente. Estes lugares encontram-se perto da porta de entrada e saída de pessoas da sala, o que compromete a sua acústica.

Parques de estacionamento:  Nem todos possuem a faixa de acesso lateral

com uma largura útil não inferior a 1 m;  Os lugares reservados não estão dispersos

e localizados perto de todos os locais de entrada/saída do estacionamento.

Instalações sanitárias:  As torneiras não são do tipo hospitalar e não são acionadas por alavanca, os controlos da torneira não oferecem uma resistência mínima, sendo necessária alguma força; 99


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 O controlo de escoamento não é do tipo de

alavanca, requer que se carregue para baixo;  Os terminais do equipamento de alarme não

são visíveis no escuro e quando acionados não parecem estar ligados a nenhuma central de segurança, uma vez que ninguém se deslocou quando foram acionados pelos alunos. Loja 1:  Entrada dos convidados e staff apresentava um corredor muito estreito, onde não era possível fazer nenhuma rotação com cadeira de rodas, tal como a lei preconiza;  Os balcões de pagamento não se localizam junto de um percurso acessível, apenas pequenos pontos de informação no interior da loja estão acessíveis em relação ao percurso;  Os balcões de pagamento não permitem a aproximação frontal e, para a aproximação lateral, a altura não era a desejada;  Não se verificou nenhum balcão ou guiché de atendimento cuja altura se encontrasse entre 0,75 m e 0,85 m, pelo menos, numa extensão de 0,80 m;  Foram observados pelo menos cinco corredores com larguras inferiores a 1,2 m, nomeadamente, 0,75 m, 0,80 m, 0,85 m e dois com 1 metro. Loja 2:  Existem 4 cabines de provas «acessíveis»,

cujo banco se encontrava acima do recomendado: 0,70 m em vez de 0,45 m;  O sistema de elevação do banco, encontrava-se deteriorado em duas cabines;

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 As cabines não se encontravam sinalizadas,

ou seja, não possuíam o símbolo internacional de acessibilidade. Acessibilidade do exterior:  O principal problema está ao nível da largura dos passeios, devido às obstruções que se encontram ao longo destes, nomeadamente as árvores, as placas de sinalização, as bocas-de-incêndio, as caleiras sobrelevadas, as caixas de eletricidade, ou outros elementos que bloqueiem ou prejudiquem a progressão das pessoas;  Quanto à inclinação dos passeios, quer no sentido transversal quer no sentido longitudinal, e mesmo apesar de não ser possível a sua medição rigorosa, foi fácil comprovar através da observação e experimentação que estes não referenciam as normas estabelecidas na Secção 4.7, ponto 4.7.5 do decreto-lei, apresentando uma percentagem de inclinação superior à indicada. Os estudantes verificaram ainda que a inclinação é distinta em diversos pontos do passeio, havendo um dos lados com uma inclinação bastante superior à do lado oposto;  O pavimento que compõe as vias de acesso dos percursos pedonais é constituído por calçada portuguesa, pedra solta, brita e um padrão não compacto de cimento. Desta forma, não se pode referir que estes pavimentos sejam compactos e estejam em bom estado de conservação. A aderência do piso também não é favorável, pelos motivos anteriormente referenciados, e destaca-se ainda a existência de lombas.


| saúde |

Em suma, não podemos deixar de referir alguns comentários/observações dos estudantes, que consideram este tipo de trabalho fundamental enquanto futuros terapeutas, pois ficaram dotados de capacidades e competências adquiridas para efetuar trabalhos futuros no que toca a esta temática:  “Este tema alargou a nossa perspetiva em

relação ao ambiente exterior no que diz respeito às barreiras arquitetónicas e de como estas podem eventualmente ser um fator inibidor ao envolvimento ocupacional das pessoas.”  “Os meios facultados, quer através da ESSA (disponibilidade para usarem cadeiras de rodas) quer na colaboração de todos os funcionários do CascaiShopping, permitiram fazer a ligação teoria e prática e verificar as verdadeiras dificuldades quando o ambiente não é acessível.” Com este trabalho, os estudantes concluíram que o CCCS respeita a maioria dos requisitos preconizados pela legislação em vigor, havendo outros que não são cumpridos na totalidade, nomeadamente os enumerados anteriormente. No entanto, está previsto um plano de ações conducentes à melhoria das condições de acessibilidade e à eliminação de todas as não conformidades. Expressam igualmente toda a disponibilidade para colaborarem em futuros estudos e para a divulgação destes resultados caso sejam solicitados e autorizados.

BIBLIOGRAFIA Center for Universal Design. (1997). The principles of universal design, Version 2.0. Consulta de http://www.ncsu.edu/ncsu/design/cud/about_ud/ udprinciplestext.htm CHAVES, S.P., 2005. Declaração conceito europeu de acessibilidade – INR. Cadernos SNR, n.º 18. Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência. Design for All Europe. (2008). Design for all. Consulta de http://www.designforalleurope.org/ Design-for-All/ MACE, R. (2014). What is universal design? Consulta de RL Mace Universal Design. Institute website: http://udinstitute.org/whatisud.php MARINS, S. & EMMEL, M. (2011). Formação do terapeuta ocupacional: acessibilidade e tecnologias. Cadernos de terapia ocupacional da UFSCar, São Carlos, jan/abr., Vol. 19, n.º 1. (pp. 37-52). RIBEIRO, M.A. Design Universal. In Cavalcanti, A. & Galvão, C. (2007). Terapia ocupacional: fundamentação e prática (pp. 417-419). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. STEINFELD, E., & MAISEL, J.L. (Eds.). (2012). Universal design: creating inclusive environments. Hoboken, NJ: Wiley & Sons, Inc WFOT. (1993). Recommended minimum standards for the education of occupational therapist. Council of the WFOT, 1958. Revised 1993. TELES, P. (2006-2009). Guia da acessibilidade para todos. Plano de acção para a integração da pessoa com deficiência ou incapacidade. Porto, Inova.

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| reabilitação |

Armeo a Tecnologia ao serviço da Reabilitação

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| saúde |

O AVC é a primeira causa de morbilidade e mortalidade do qual resulta uma diminuição na qualidade de vida do indivíduo e do seu prestador de cuidados. O Armeo aumenta a eficácia da reabilitação e pode melhorar a funcionalidade nos indivíduos com défices neurológicos e funcionais graves. Texto de Lúcia Norberto e Raquel Oliveira [TERAPEUTAS OCUPACIONAIS, UNIDADE DE TERAPIA OCUPACIONAL DE ADULTOS, CENTRO DE MEDICINA DE REABILITAÇÃO DE ALCOITÃO_SCML]

S

egundo a Direção-Geral da Saúde (2006), o acidente vascular cerebral (AVC) é a primeira causa de morbilidade e mortalidade em Portugal. De acordo com Carvalhido (2009), pode definir-se esta patologia como um conjunto de sintomas de deficiência neurológica que resultam de lesões cerebrais provocadas por alterações da irrigação sanguínea. Os efeitos causados por esta patologia são variados e dependem da extensão e localização da lesão no tecido nervoso. Assim, como sequelas desta patologia, podem nomear-se as alterações motoras, sensitivas, cognitivas e emocionais (PROTO et al., 2009). Deste modo, integrada em equipa multidisciplinar, a terapia ocupacional surge com o objetivo de minimizar as alterações acima referidas. Estas têm impacte na funcionalidade, impedindo o indivíduo de executar com autonomia as atividades da vida diária (AVD), tais como higiene

 imagem 1 Armeo – utente a realizar uma tarefa

pessoal, alimentação, vestir, locomoção e atividades da vida diária instrumentais (AVDI), como por exemplo, utilizar o telefone, realizar tarefas domésticas, lidar com o dinheiro, bem como as atividades produtivas e as atividades de lazer. Consequentemente, surge uma diminuição na qualidade de vida do indivíduo e do seu prestador de cuidados (BOWEN & LINCOLN, 2007; PIRES, 2013). Uma vez que o membro superior está envolvido no desempenho das atividades acima referidas, a incapacidade de o utilizar pode comprometer a participação em muitas destas tarefas. No que diz respeito ao compromisso sensório-motor podem-se nomear a diminuição da força muscular, a alteração do tónus muscular, a diminuição da destreza e as alterações sensoriais. Deste modo, podem surgir efeitos secundários como dor, contraturas, limitações articulares, 103


| reabilitação |

subluxação do ombro, contribuindo para uma diminuição da funcionalidade. Estudos recentes têm demonstrado que a reabilitação é eficaz e pode melhorar a funcionalidade nos indivíduos que ficaram com défices neurológicos e funcionais graves (DIZ, 2012). Vários estudos concluíram que existem benefícios significativos na recuperação do membro superior através da utilização de várias técnicas, tais como mobilização, técnica restritiva, estimulação elétrica e utilização de sistemas robóticos (COLOMER et al., 2012). Ao longo dos últimos anos têm surgido diversos equipamentos robóticos para reabilitação, nomeadamente o Armeo Spring. Este consiste num sistema de suspensão ajustável para o membro superior e um sensor de pressão para preensão manual, apresentando diferentes graus de dificuldade, de modo a graduar a atuação da gravidade nos diferentes segmentos (ALMHDAWI, 2011; GIJBELS et al., 2011). O sistema permite calibrar o espaço de trabalho com base nas capacidades motoras

 Utente a realizar tarefa mais complexa no Armeo

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O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a primeira causa de morbilidade e mortalidade em Portugal (DGS, 2006)” do indivíduo, proporcionando diferentes níveis de dificuldade em diversos parâmetros, como direção do movimento, velocidade, área de deslocamento, entre outros (COLOMER et al., 2013). São apresentados diferentes ambientes virtuais no ecrã do computador, com os quais o indivíduo interage, simulando atividades de caráter funcional, como limpar o fogão. O feedback visual e auditivo, facultado durante e após o treino, possibilita um maior envolvimento e motivação dos indivíduos durante a reabilitação. Estudos referem resultados positivos da utilização do Armeo em indivíduos que sofreram AVC (ALMHDAWI, 2011).


| saúde |

O Armeo tem como objetivos aumentar a força muscular, melhorar a coordenação motora, facilitar a aquisição de movimentos normais, melhorar seletividade de movimentos, melhorar funcionalidade do membro superior afetado, aumentar a tolerância ao esforço e estimular capacidades cognitivas. Destina-se a indivíduos que tenham sofrido AVC, lesão vertebromedular, traumatismo cranioencefálico, paralisia cerebral, esclerose múltipla, amputação, doença degenerativa, lesão plexobraquial, síndrome de Guillain-Barré, atrofia muscular e fraqueza muscular. Está contraindicado em situações de instabilidade óssea, contraturas pronunciadas, dor, espasticidade severa, ataxia/discinesia severa, instabilidade postural severa, epilepsia, défices cognitivos e/ou visuais severos e utentes com agitação psicomotora. Avaliação da eficácia do Armeo Spring Uma vez que, em Portugal, o Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA) foi o primeiro a adquirir o Armeo Spring, e sendo este um equipamento na vanguarda da reabilitação, suscitou interesse em contribuir para um maior conhecimento sobre a eficácia que este tem na intervenção/reabilitação do membro superior. Assim, o objetivo do estudo consiste em contribuir para um maior conhecimento sobre a eficácia da intervenção do Armeo Spring para a melhoria da qualidade de movimento no membro superior afetado, que irá traduzir-se num melhor desempenho ocupacional das AVD, produtivas e de lazer. A amostra deste estudo foi constituída por nove indivíduos que sofreram AVC. A amostra clínica foi selecionada no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA). Foram incluídos no estudo indivíduos internados no CMRA nos serviços 1 e 3 entre abril e agosto de 2014. Como critérios de exclusão consideraram-se alterações da compreensão, neglect severo, agitação psicomotora, força muscular inferior a grau 2 ao nível do ombro, tónus muscular superior a grau 1+ (segundo a Escala de Ashworth Modificada)

e outras patologias do foro neurológico que não sejam AVC. Na amostra selecionada, foram incluídos oito indivíduos com lesão no hemisfério esquerdo e um indivíduo com lesão no hemisfério direito. A média de idades foi de 60 anos, havendo quatro sujeitos do sexo masculino e cinco do sexo feminino. No que respeita ao tipo de AVC, cinco dos sujeitos sofreram AVC isquémico e quatro hemorrágicos. Em média, os participantes foram avaliados seis meses após a ocorrência da lesão. Os participantes foram selecionados através da avaliação realizada pelo respetivo terapeuta, respeitando os critérios formulados para o estudo.

O Armeo destina-se a indivíduos que tenham sofrido AVC, lesão vertebromedular, traumatismo cranioencefálico, paralisia cerebral, esclerose múltipla, amputação, doença degenerativa, lesão plexobraquial, síndrome de Guillain-Barré, atrofia muscular e fraqueza muscular” Com o intuito de se avaliar as capacidades motoras de cada indivíduo, recorreu-se à goniometria, Escala de Ashworth Modificada, teste muscular, dinamómetro, Action Research Arm Test (ARAT) e Escala de Alcance para Utentes após AVC (RPS). Todos os indivíduos foram avaliados no departamento de Terapia Ocupacional em sessões individuais. Numa primeira sessão realizou-se a avaliação das capacidades motoras do indivíduo, como acima descrito. Posteriormente, foram concretizadas 15 sessões diárias com Armeo, com 105


| reabilitação |

 Posicionamento do membro superior no Armeo

duração de trinta minutos, como complemento à terapia tradicional que todos os indivíduos mantiveram com os respetivos terapeutas. No final das 15 sessões, foram reavaliados segundo os mesmos parâmetros da avaliação inicial. Relativamente aos resultados do estudo, os nove indivíduos melhoraram a sua condição motora. No que diz respeito à goniometria, sete dos indivíduos apresentaram evolução ao nível do ombro e um ao nível do antebraço. Nos restantes segmentos, os indivíduos não apresentavam alterações das amplitudes articulares. Quanto ao tónus muscular verificou-se que em todos os indivíduos houve diminuição da hipertonia em todos os segmentos do membro superior, com maior incidência a nível proximal. Em relação à força muscular, sete indivíduos evoluíram ao nível do cotovelo e mão e seis ao nível do ombro e punho. No que respeita à preensão global, três dos cinco indivíduos que realizaram o teste tiveram evolução significativa. 106

Quanto à funcionalidade do membro superior avaliada pelo ARAT verificou-se que seis dos sete indivíduos melhoraram. No teste do RPS, que avalia a qualidade do movimento, relativamente à avaliação global observou-se evolução de sete indivíduos. É de realçar que houve uma maior evolução na fluidez de movimento no alvo próximo. O desempenho dos participantes ao nível das competências avaliadas, através de diversos testes, teve resultados positivos, demonstrando que o Armeo é eficaz na reabilitação do membro superior em indivíduos que sofreram AVC. Estes dados vão ao encontro do que, de uma forma geral, a literatura descreve, nomeadamente estudos que referem que a utilização do Armeo, como meio complementar terapêutico, em indivíduos com AVC é bem reconhecida, especificamente ao nível da força e da função motora (mais marcadas a nível proximal) do membro superior com melhor qualidade e seletividade dos movimentos


| saúde |

e um maior envolvimento nas atividades da vida diária em contexto real (GIJBELS et al., 2011; RUDHE et al., 2012; LEE et al., 2014). Ainda que o objetivo do estudo tenha sido alcançado, considerou-se como limitação o número de participantes. Apesar de serem acompanhados, na unidade de Terapia Ocupacional, um grande número de indivíduos com AVC, durante o tempo em que decorreu o estudo, apenas um número reduzido obedecia aos critérios de inclusão. Conclusão O AVC é uma patologia com uma grande incidência na população portuguesa e com um impacte muito negativo na qualidade de vida do indivíduo, pelas sequelas que deixa, e dos seus cuidadores, pela dependência dos primeiros. Esta situação exige dos profissionais de saúde uma abordagem a esta patologia cada vez mais dirigida para um aumento da funcionalidade do indivíduo. Para que tal aconteça e para que a intervenção seja da maior

Em Portugal, o Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão foi o primeiro local a adquirir o ARMEO SPRING, sendo este um equipamento na vanguarda da reabilitação” eficácia possível, pode-se concluir, com os resultados do estudo, que o Armeo como meio complementar terapêutico tem um papel importante no processo de reabilitação do indivíduo com AVC. Sugere-se a continuação do estudo, com uma amostra mais representativa, isto é, com um maior número de indivíduos, permitindo a formação de um grupo de controlo, e em que seja também incluída uma avaliação do desempenho em contexto real.

BIBLIOGRAFIA Almhdawi, K. (2011). Effects of occupational therapy task-oriented approach in upper extremity post-stroke rehabilitation. Dissertation submitted to the Faculty of the Graduate School of the University of Minnesota, in partial fulfillment of the requirements for the degree of doctor. BOWEN, A.; LINCOLN, N. B. (2007). Cognitive rehabilitation for spatial neglect following stroke (review). Cochrane Database of Systematic Reviews. CARVALHIDO, T.; PONTES, M. (2009). Reabilitação domiciliária em pessoas que sofreram um acidente vascular cerebral. Revista da Faculdade de Ciências da Saúde, 6, pp. 140-150. COLOMER, C.; BALDOVÍ, A.; TORROMÉ, S.; NAVARRO, M. D.; MOLINER, B.; FERRI, J. & NOÉ, E. (2013). Eficacia del sistema Armeo Spring en la fase crónica del ictus. Estudio en hemiparesias leves-moderadas. Neurología, 28 (5), pp. 261-267. Direção-Geral da Saúde [SGS] (2006). Programa Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças Cardiovasculares. Lisboa: DGS. DIZ, E. (2012). Avaliação da quantidade e qualidade do uso do membro superior parético em contexto domiciliar em indivíduos vítimas de AVC através da escala Motor Activity Log. Trabalho de projeto apresentado à Escola Superior de Saúde de Bragança, para obtenção do grau de mestre.

GIJBELS, D.; LAMERS, I.; KERKHOFS, L.; ALDERS, G.; KNIPPENBERG, E. & FEYS, P. (2011). The Armeo Spring as training tool to improve upper limb functionality in multiple sclerosis: a pilot study. Journal of NeuroEngineering and Rehabilitation, 8 (5). LEE, S.S.Y.; CHAN, C.W.; NG, T.W.; LAI, H.N. & LAI, C.W.K. (2014). Clinical trial of Armeo Spring in training neurological patients with upper limb impairment. Hospital Authority Convention 2014. PIRES, C., (2013). Impacto das alterações cognitivas na preparação de uma refeição simples após AVC: Comparação entre lesões direitas e esquerdas. Dissertação apresentada no departamento de Psicologia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Escola de Psicologia e Ciências da Vida, para obtenção de grau de mestre. PROTO, D.; PELLA, R.; HILL, B. & GOUVIER, D. (2009). Assessment and Rehabilition of acquired visuospatial and proprioceptive deficits associated with visuospatial neglect. Neurorehabilitation, 24, pp. 145-157. RUDHE, C.; ALBISSER, U.; STARKEY, M.; CURT, A. & BOLLIGER, M. (2012). Reliability of movement workspace measurements in a passive arm orthosis used in spinal cord injury rehabilitation. Journal of NeuroEngineering and Rehabilitation, 9 (37).

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| medicamentos e produtos de saúde |

Os Serviços Farmacêuticos do Hospital de Sant’ana Os Serviços Farmacêuticos do Hospital de Sant’Ana visam assegurar na área do medicamento e dos produtos de saúde, a satisfação das necessidades dos doentes internados no hospital, dos utentes das unidades de saúde e dos equipamentos sociais da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Texto de Maria Cândida Carrilho Maruta Barbosa [Hospital de Sant’Ana_SCML]

O

s Serviços Farmacêuticos Hospitalares (SFH) têm por objetivo um conjunto de atividades farmacêuticas que permitem garantir ao doente a satisfação das suas necessidades na área do medicamento, assegurar a sua eficácia, segurança e qualidade em todo o circuito do medicamento. Esta atividade é regulamentada por diploma governamental, o Decreto-Lei n.º 44204, de 2 de fevereiro de 1962, cabendo ao Infarmed a inspeção das atividades e a monitorização das boas práticas. Os SFH são departamentos com autonomia técnico-científica, sujeitos à orientação geral dos órgãos da administração, perante os quais respondem pelos resultados do seu exercício. Como órgão na estrutura do Hospital de Sant’Ana da Santa Casa da Misericórdia de Lis-

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boa, os Serviços Farmacêuticos abrangem duas áreas:  Farmácia hospitalar, cuja missão é prestar

cuidados farmacêuticos ao doente internado no Hospital de Sant’Ana garantindo os critérios de segurança, eficácia e qualidade, consignados pelas normas e legislação europeias, em relação à terapêutica prescrita.  Farmácia do atendimento externo, cuja missão é assegurar às unidades de saúde e equipamentos sociais da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa os medicamentos e produtos de saúde necessários ao seu funcionamento, garantindo assim os cuidados de saúde primários aos doentes, aos quais a SCML presta assistência.


| saúde |

Os Serviços Farmacêuticos do Hospital de Sant’Ana apostam em desenvolver e padronizar procedimentos de eficácia, segurança e qualidade, assegurando uma atualização permanente do Manual de Procedimentos e do Dossier de Fichas Técnicas e de Segurança dos Produtos de Saúde

 Equipa dos Serviços Farmacêuticos

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| medicamentos e produtos de saúde |

Os Serviços Farmacêuticos do Hospital de Sant’Ana apostam em desenvolver e padronizar procedimentos de eficácia, segurança e qualidade, assegurando uma atualização permanente do Manual de Procedimentos e do Dossier de Fichas Técnicas e de Segurança dos Produtos de Saúde, tendo como objetivo último a segurança do doente. A equipa dos Serviços Farmacêuticos do Hospital de Sant’Ana é constituída por 13 elementos: três farmacêuticos, cinco técnicos de farmácia, três auxiliares e dois assistentes administrativos. As atividades desenvolvidas pelos Serviços Farmacêuticos do Hospital de Sant’Ana assentam em três pilares: 1 – Gestão do medicamento, 2 – Cuidados farmacêuticos, 3 – Informação/ formação. Gestão do medicamento Sendo a função mais visível dos Serviços Farmacêuticos, tem como objetivo promover e potenciar as atividades que visam a utilização mais eficiente dos medicamentos no âmbito da SCML e ao mais baixo custo. O conceito de eficiência assenta basicamente no princípio de que o consumo de medicamentos corresponda à escolha da terapia mais racional, tendo em conta a informação existente na altura em que a decisão é tomada. A implementação da prescrição eletrónica no Hospital de Sant’Ana veio promover a racionalização do uso do medicamento, sendo uma ferramenta importante para a segurança do doente, assim como para a qualidade do serviço prestado. Contribuiu também para agilizar o circuito do medicamento no hospital, desde a prescrição à administração. Nesse sentido, os Serviços Farmacêuticos do Hospital de Sant’Ana em articulação direta com a Comissão de Farmácia e Terapêutica, na qual estão representados, com a Direção Clínica, propõem e elaboram instrumentos de apoio à prescrição, nomeadamente o formulário de medicamentos da SCML (Hospital de Sant’Ana + Saúde Proximidade), os protocolos farmacoterapêuticos 110

adequados aos contextos clínicos mais frequentes, sendo de realçar ainda a existência de um Guia de Equivalentes Terapêuticos. No âmbito da Farmácia de atendimento externo, os Serviços Farmacêuticos do Hospital de Sant’Ana abrangem todas as áreas de distribuição de medicamentos e produtos de saúde, cobrindo assim todas as valências dos cuidados de saúde primários e apoio domiciliário, quer nas Unidades de Saúde Santa Casa quer na Ação Social, onde se verifica um grande volume de saídas, nomeadamente na área de tratamento de feridas. Na cadeia do medicamento e dos produtos de saúde, os Serviços Farmacêuticos têm de cumprir requisitos com elevados níveis de exigência no que respeita à receção, armazenamento, distribuição e dispensa, existindo um conjunto de normas legais e regulamentares que os Serviços Farmacêuticos estão obrigados a cumprir e que se designam genericamente por boas práticas. Cuidados farmacêuticos Esta função de cuidados dos Serviços Farmacêuticos tem o objetivo de melhorar o processo de uso dos medicamentos e minimizar os resultados negativos associados aos mesmos: reações adversas, doses subterapêuticas, toxicidade, interações e outras. No Hospital de Sant’Ana, diariamente dois farmacêuticos fazem o seguimento farmacoterapêutico do doente internado, ou seja, antes de qualquer dispensa efetiva para as enfermarias e consequente administração ao doente, realizam uma avaliação completa do perfil de medicação do doente. Este procedimento, efetuado em estreita colaboração com os médicos e enfermeiros, traduz-se em diversas intervenções farmacêuticas, como a avaliação da adequação do medicamento ao doente, em acertos na posologia de acordo com as caraterísticas do medicamento e do doente, na utilização do medicamento nas indicações legalmente aprovadas, na identificação de problemas relacionados com o medicamento, na prevenção e resolução dos resultados negativos associados à medicação. Tudo isto com


| saúde |

 Distribuição em unidose

 Atendimento externo  Apoio administrativo

A implementação da prescrição eletrónica no Hospital de Sant’Ana veio promover a racionalização do uso do medicamento, sendo uma ferramenta importante para a segurança do doente 111


| medicamentos e produtos de saúde |

 Validação terapêutica

o objetivo de alcançar resultados concretos que melhorem a qualidade de vida do doente. Ainda no que concerne à segurança do medicamento fazemos a monitorização das Reações Adversas Medicamentosas (RAM). Esta tarefa é uma das etapas da farmacovigilância1 e é uma responsabilidade partilhada entre os vários profissionais de saúde. Assim, diariamente no âmbito da farmacovigilância, são analisados os alertas de qualidade e segurança sobre medicamentos emitidos pelo Infarmed, de forma a rastrear e a identificar potenciais medicamentos abrangidos pelos mesmos e que existam no stock do Hospital de Sant’Ana e em todo o universo SCML. A frequência das doenças crónicas em classes etárias mais envelhecidas é muito comum. Estas pessoas estão sujeitas a um maior risco de reações adversas e interações medicamentosas devido ao número elevado de medicamentos de várias classes farmacológicas que tomam. Paralelamente a esta situação verificam-se alterações fisiológicas/fisiopatológicas provocadas pelo en-

velhecimento humano. Todo este contexto clínico vai favorecer o aparecimento de interações medicamentosas (IM) e RAM, as quais podem originar efeitos graves na saúde do idoso. Ora, existindo no Hospital de Sant’Ana, uma Unidade de Ortopedia Geriátrica, os SF têm vindo a desenvolver trabalhos relacionados com os medicamentos mais susceptíveis de provocar RAM e IM, com o objetivo de dotar os profissionais de saúde do Hospital de Sant’Ana de informações farmacoterapêuticas (IF) úteis na prática clínica, de molde a prevenir e minimizar as referidas interações e reações adversas medicamentosas. Nesse sentido, foi elaborado e disponibilizado um “Guia de Incompatibilidades” dos medicamentos do formulário do Hospital de Sant’Ana. Este guia visa alertar para os fármacos injetáveis incompatíveis entre si. Foi também elaborado um estudo dos “medicamentos que são considerados Potencialmente Inapropriados a Idosos”, originando uma lista, em forma de marcador, para fácil consulta e, distribuída aos profissionais de saúde.

1. A farmacovigilância é uma atividade da saúde que tem como objetivo a identificação, quantificação, evolução e prevenção dos riscos derivados dos medicamentos.

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| saúde |

O Hospital de Sant’Ana elaborou um “Guia de Incompatibilidades” que visa alertar para os fármacos injetáveis incompatíveis entre si e realizou um estudo dos “medicamentos que são considerados potencialmente Inapropriados a Idosos”, originando uma lista, em forma de marcador, para fácil consulta Informação / formação Esta função dos Serviços Farmacêuticos permite o tratamento e a comunicação de dados sobre os vários aspetos relacionados com o medicamento, contribuindo para uma terapêutica mais segura, efetiva e racional. A intervenção farmacêutica2 pode ser ativa ou passiva. A intervenção ativa é realizada por iniciativa dos farmacêuticos, podendo ter origem durante a validação das prescrições: na identificação de problemas relacionados com a farmacoterapia do doente; podem ainda resultar dos alertas de segurança e de qualidade emitidos pelo Infarmed; sempre que o farmacêutico entenda ser necessário/fundamental a informação sobre a(s) caraterística(s) de determinado medicamento a outros profissionais de saúde. A intervenção passiva resulta de respostas a questões colocadas pelos profissionais de saúde aos Serviços Farmacêuticos. Estão maioritariamente relacionadas com o perfil de efetividade de medicamentos (regimes posológicos, duração terapêutica, farmacocinética); perfil de segurança

de medicamentos (reações adversas medicamentosas, interações medicamentosas ou medicamento-alimentos, contraindicações, precauções); indicações terapêuticas de medicamentos; pedido de alternativas farmacoterapêuticas, conforme o diagnóstico estipulado pelo clínico; comparações terapêuticas entre fármacos (do ponto de vista de efetividade e/ou segurança); estado regulamentar de determinados medicamentos em Portugal; caraterização de fármacos e dispositivos médicos (efetividade e/ou segurança); questões relacionadas com as vacinas do plano nacional de vacinação; questões relacionadas com a utilização de desinfetantes. No âmbito da Farmácia do Atendimento Externo, os SF também elaboram documentos/manuais de orientação às requisições, para grupos de medicamentos específicos, nomeadamente as benzodiazepinas e os gases medicinais. No que diz respeito à atividade da formação, de destacar a já longa e estreita colaboração com a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa nos estágios do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas.

2. Intervenção farmacêutica: ação do farmacêutico que visa melhorar o resultado clínico dos medicamentos, mediante a alteração da utilização dos mesmos e posterior avaliação de resultados.

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| cuidados paliativos |

LInQUE Cuidar em casa Porque em Cuidados Paliativos todo o tempo conta

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| economia social |

A prestação de cuidados paliativos ao domicílio constitui-se como uma resposta inovadora a uma necessidade social. O Programa de Apoio ao Empreendedorismo Social promovido pelo Banco de Inovação Social contribuiu para a capacitação da recém-criada cooperativa, a Coop LInQUE, que está já a fazer a diferença em muitas famílias. Texto de Elsa Mourão [PRESIDENTE DA DIREÇÃO DA COOP LinQUE – CUIDADOS PALIATIVOS EM CASA, DIRETORA CLÍNICA E MÉDICA DA UNIDADE DE CUIDADOS PALIATIVOS DA NATURIDADE-LAVEIRAS E MÉDICA DA EQUIPA DE UNIDADE DE CUIDADOS PALIATIVOS DA ASFE]

A

Coop LInQUE é uma cooperativa de solidariedade social cujo objetivo é responder a um problema crónico da sociedade atual — cuidar de pessoas em fase avançada de doenças incuráveis que queiram ficar na sua casa. Muitas dessas pessoas desejam permanecer no seu ambiente, rodeadas dos amigos e da família, mas poucos portugueses têm essa hipótese porque ainda existem muito poucas equipas de cuidados paliativos domiciliários. Foi o contacto com esta realidade que motivou a equipa LInQUE para a construção de uma alternativa que permitisse a prestação dos cuidados paliativos em casa. Os elementos da equipa, no decorrer da sua atividade profissional, foram e continuam a ser confrontados com a necessida-

de de resposta no domicílio para doentes na fase avançada duma doença incurável. Mas não só constataram esta necessidade a nível profissional. Amigos e conhecidos solicitam apoio para situações dolorosas e de difícil ou impossível solução. São doentes que pedem aos seus familiares para permanecerem em casa mas estes não têm quem os apoie nos aspetos técnicos do cuidar. A família sente medo e insegurança, vendo no internamento a única alternativa. Os cuidados paliativos no domicílio possibilitam um elevado grau de humanização ao cuidar do doente e da família no seu ambiente de conforto, rodeado pelas pessoas significativas e por objetos que contam histórias. Quando a cura não é possível, os alvos do cuidar são o controlo de

 Cuidados paliativos em casa

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| cuidados paliativos |

Quando a cura não é possível, os alvos do cuidar são o controlo de sintomas, os cuidados de conforto e a promoção da maior qualidade de vida possível”

 Seleção da LInQUE pelo PAES, julho 2014

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sintomas, os cuidados de conforto e a promoção da maior qualidade de vida possível. Nesta fase crítica é doloroso ver o abandono a que muitas destas pessoas são sujeitas. No início de 2014, dois paliativistas, que como médicos e como cidadãos lidavam diariamente com este tipo de sofrimento, sonharam um projeto a que outros sonhadores se foram juntando até dar corpo ao que é hoje a equipa de cuidados paliativos domiciliária da LInQUE. A ideia inicial foi a criação de uma organização de voluntariado para a prestação de cuidados paliativos em casa. Este tema foi motivo de conversa ao longo de vários meses, com amigos e colegas que acalentavam o mesmo desejo. Com o tempo ficou claro que era necessária uma estrutura profissional organizada que não dependesse apenas do voluntariado e tornasse o projeto sustentável. Os recursos existentes na comunidade são escassos e não se interligam de forma adequada. Frequentemente as pessoas ficam perdidas, pois à medida que a doença e a dependência aumentam começam a ouvir dizer “não temos mais nada para lhe oferecer”. Por isso, inicialmente, a LInQUE foi pensada como uma forma de unir, articular e promover a colaboração entre instituições, estabelecimentos de saúde e técnicos. Daí resultou o nome de LInQUE como acrónimo de “Ligamos Instituições Que Unem Esforços” e esse é o lema: Fomentar a articulação entre a vertente técnica de saúde e a social, entre o setor público e o privado e entre a criação de postos de trabalho e o voluntariado. Rapidamente foi entendido que era necessário ir mais longe, não bastava unir, articular e promover

a colaboração entre instituições. Foi feito o levantamento de necessidades e auscultado o parecer dos técnicos na área dos cuidados paliativos: a criação de mais equipas para a prestação de cuidados paliativos na comunidade era indispensável. Foi o Programa de Apoio ao Empreendedorismo Social (PAES) promovido pelo Banco de Inovação Social (BIS) que, através do seu plano de capacitação, tornou possível avançar com este projeto. Ao longo de quatro meses foi feita a formação nas áreas de:  Desenvolvimento pessoal  Formação em empreendedorismo  Capacitação em desenvolvimento de projetos  Design thinking  Elaboração de plano de negócios  Aspetos jurídicos  Comunicação  Imagem e marketing, contabilidade e fiscalidade

Com o apoio dos nossos Tutores BIS (o António Afonso e a Eduarda Correia) e dos Parceiros BIS (particularmente a CASES – Cooperativa António Sérgio para a Economia Social) o sonho foi ganhando contornos e a realidade foi ficando mais próxima. Como não existe ainda a figura jurídica de empresa social em Portugal, foi necessário encontrar uma alternativa. Após várias reuniões com diferentes parceiros foi decidido que o mais adequado seria o modelo cooperativo. Por isso foi


| economia social |

criada a “Coop LInQUE – Cuidados Paliativos em Casa” como cooperativa de solidariedade social. O plano de negócios elaborado concebeu um piloto que pressupunha o apoio de mecenas para comparticipar os primeiros nove meses da fase de arranque. Apesar de inúmeras tentativas, nomeadamente dentro dos principais parceiros do BIS, tal apoio não ocorreu, mas não impediu a concretização do sonho. Em junho de 2015 realizou-se uma campanha de crowdfunding que foi um sucesso, tendo ultrapassado o objetivo definido e contribuído para a aquisição do equipamento inicial. Foi possível obter também apoios pontuais de organizações como a Vieira de Almeida & Associados – Sociedade de Advogados, Fundação AXA Corações em Ação, Fundação Grunenthal, Grupo Alves Ribeiro e Brisa, que foram fundamentais, pois ajudaram a construir uma, ainda pequena, reserva para o Fundo Social LInQUE. Atualmente a equipa é composta por mais de vinte profissionais nas áreas de Medicina, Enfermagem, Psicologia, Serviço social, Assistência espiritual, Fisioterapia, Terapias complementares, Ciências farmacêuticas e Gestão. A LInQUE é uma cooperativa sem fins lucrativos, pelo que a totalidade dos rendimentos gerados internamente são reinvestidos na constituição do Fundo Social LInQUE. Através de uma gestão criteriosa, é hoje possível o acesso a quem pode pagar o valor total do serviço prestado e também a quem não tem recursos económicos para suportar a totalidade do pagamento recorrendo ao Fundo Social LInQUE, para o qual são necessários agora novos incrementos. Foram já estabelecidos protocolos com a Associação Amara, com o Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios, com a Associação de Socorros da Freguesia da Encarnação (ASFE), com a Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica (APELA) e está atualmente a ser preparado o protocolo com a Câmara Municipal da Amadora e outros parceiros da rede social da Amadora. Para a continuidade da sua missão, o estabelecimento de parcerias é crucial. A LInQUE tem o seu nicho de atividades bem definido, com os

seus profissionais alocados a tarefas específicas. No entanto, existem serviços que são solicitados pelos clientes que não estão no âmbito da cooperativa, pelo que é importante o estabelecimento de parcerias com entidades ou empresas que possam colmatar estas necessidades, como por exemplo os serviços de apoio domiciliário. Tem vindo a ser efetuado o levantamento destas entidades, com recolha de elementos diferenciadores no que diz respeito à prestação do serviço, disponibilidade, preço e outros parâmetros indicadores de qualidade, que permitam propor a sua contratação aos nossos clientes.

A capacitação de quem cuida direta e diariamente de doentes é uma peça fundamental na sua manutenção no domicílio” A Equipa de Cuidados Paliativos domiciliários da LInQUE foi iniciada na zona da Grande Lisboa em 15 de agosto de 2015 e no primeiro ano foram apoiados sessenta doentes e respetivas famílias. Tem sido um percurso muito gratificante, no qual foi feita a diferença na vida de muitas pessoas e comprovado que a família, se ensinada e apoiada, tem capacidade de cuidar. A Equipa Interdisciplinar é o garante da qualidade do serviço prestado, pois permite o olhar global sobre a pessoa doente e a família nas vertentes não só física mas também psicológica, emocional, espiritual e social. Também a capacitação dos cuidadores informais é uma área de intervenção da LInQUE. O cuidador informal é um familiar, amigo ou vizinho que cuida de um doente não autónomo nas suas atividades de vida diária, prestando cuidados contínuos e constantes no domicílio, de forma geralmente não remunerada. A capacitação de quem cuida direta e diariamente de doentes é uma peça fundamental na 117


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sua manutenção no domicílio. Esta formação, que incide sobre os aspetos práticos do cuidar no domicílio, é personalizada e ajustada de acordo com as necessidades do doente e dos cuidadores. É feita por profissionais de enfermagem, medicina e fisioterapia, sem gastos adicionais para as famílias apoiadas pela LInQUE. É também dada formação para que o cuidador informal consiga fazer a avaliação do doente e transmitir a informação à equipa por via telefónica ou por e-mail. O plano de capacitação pode ainda incluir o manuseio de fármacos para o controlo de sintomas, de acordo com um esquema terapêutico previamente definido, explicado e monitorizado. O apoio telefónico disponível 24 horas por dia é fundamental para o apoio às famílias e tem sido referido por todas elas como fator decisivo na possibilidade de manter a pessoa doente em casa mesmo nas fases mais desafiantes da doença.

modo termos tido a sua alegre companhia até ao seu último suspiro e que foi para nós muito importante.”

Testemunhos A qualidade do apoio e a certeza do cumprimento dos objetivos expressam-se na gratidão das famílias através dos testemunhos registados no “Questionário de Satisfação” que faz a avaliação de todos os serviços prestados pela equipa LInQUE:

“Prestou-nos um serviço muito humanizado. Os seus profissionais são de uma dedicação que supera as expectativas e que continuamente nos surpreendeu pela positiva. São profissionais competentes e muito preocupados com o doente e a família. Olhando para trás, foi claramente uma boa solução optar pelo apoio da equipa LInQUE, pois nunca nos sentimos sozinhos.”

“Desde o primeiro instante sentimos uma empatia enorme entre a mãe e a equipa LInQUE. Foi muito importante para nós a confiança que a mãe teve em cada um dos membros da equipa”, “...a enorme sensibilidade de toda a equipa relativamente às vontades da mãe”, “...a componente humana e também espiritual foi da maior importância para nós, filhas”. “Profundo agradecimento a toda a equipa. Apareceram na altura certa. Sem vocês jamais teria sido possível levar a minha mãe para casa. Obrigada pelo apoio neste momento tão difícil das nossas vidas.”

“Agradecemos à LInQUE por terem sido os anjos que nos ajudaram a ter a nossa rainha (mãe, esposa, avó) no seu lar, podendo desse 118

“Agradecemos todo o carinho e profissionalismo com que ele foi tratado. A toda a equipa o nosso muito obrigado.” “Os serviços LInQUE preenchem uma lacuna nos cuidados paliativos em geral. Permitem acima de tudo serviços disponíveis com um apoio exemplar e incomparável ao doente e famílias. Bem haja a todos da equipa LInQUE.” “Para além da competência técnica, foi muito relevante a humanidade no trato. Sem a ajuda dos vossos profissionais dificilmente lhe teríamos proporcionado o conforto que teve nos últimos dias de vida.”

“A LInQUE foi-me dada a conhecer através duma enfermeira do serviço hospitalar onde a minha mãe estava internada. Tínhamos de a trazer para casa a pedido dela e nosso, mas a situação piorou...”, “foi muito bom ter-vos conhecido e assim poder cumprir o sonho no final da vida da minha mãe”. “Partiu sem sofrimento e em paz na casa que ela tanto amava.” “Estou agradecida à Dr.ª M. que me ajudou na noite, via telefone, até a minha querida e doce mãe partir.” “Simplesmente não teria sido possível a minha família atender o pedido (tão importante!) da minha mãe: o de partir deste mundo na sua casinha. Também não teria sido possível estar agora em paz com o facto de termos feito tudo


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o que estava ao nosso alcance para diminuirmos o sofrimento da minha mãe na evolução da sua dolorosa doença.” “A LinQUE assiste o doente e dá um suporte seguro à família numa fase em que estamos angustiados, frágeis e, inevitavelmente, em crise. Obrigada à LinQUE por ter sabido atender os nossos pedidos particulares (para lá do plano que havíamos desenhado). Essa flexibilidade e disponibilidade só pode partir de profissionais que, acima de tudo, são pessoas sensíveis, empáticas e com uma inesgotável capacidade de escuta para a dor das famílias.” Esse apreço está também expresso na seguinte publicação do Banco de Inovação Social no dia 25/10 às 22h08: “Equipe fantástica, melhor não podia ser.
Os meus mais sinceros agradecimentos em especial ao Dr. A.F., pela amizade, profissionalismo, atenção e dedicação prestada ao meu pai e a todos nós (mãe e irmãos) que o acompanhámos nas últimas semanas, infelizmente por pouco tempo, com um fim anunciado mas com muita dignidade, conforto e amor. Naqueles meus piores dias de vida por que passei, além do apoio entre família, encontrámos estes seres com um sentido tão grande de humanidade junto ao profissionalismo técnico/ médico, que nunca pensei encontrar. Num mundo frio e impessoal onde vivemos, encontrar pessoas com uma entrega destas é sem dúvida uma dádiva, e penso o quanto devem ser felizes estes seres humanos que, embora acompanhem de profissão a despedida das pessoas que partem, fazem tudo ao seu alcance como missão, para que façam essa viagem com menos dor, menos sofrimento, menos sozinhas e com mais dignidade — o apoio dado aos que ficam é tão caloroso e atencioso, que não tem explicação. Mais uma vez muito obrigado, bem-haja, e o desejo de muito sucesso neste grandioso projeto tão novo.
Recomendo, para quem precise e possa prestar uma despedida no conforto do lar, perto da família.”

Agradecemos à LInQUE por terem sido os anjos que nos ajudaram a ter a nossa rainha (mãe, esposa, avó) no seu lar, podendo desse modo termos tido a sua alegre companhia até ao seu último suspiro e que foi para nós muito importante” A equipa existe, a diferença está a ser feita, mas neste momento é fundamental o apoio para a divulgação da LInQUE, pois só assim será possível chegar a quem necessita deste serviço. A maioria das pessoas apoiadas foram referenciadas por técnicos de saúde. Algumas chegaram à LInQUE através da divulgação de antigos clientes e pelos parceiros, mas há muitas que necessitam deste tipo de cuidados e que o desejam, mas que não sabem da sua existência. É também necessário aumentar o número de mecenas, patrocinadores e “Amigos LInQUE” para manter o Fundo Social LInQUE, através do qual será possível apoiar os doentes e famílias com poucos recursos económicos.  O contato com a LInQUE pode ser feito

pelo e-mail: geral@linque.pt ou pelo telefone 916 768 700.  No site www.linque.pt poderão ser obtidas mais informações sobre o funcionamento da equipa e como apoiar.  Presentes 365 dias por ano  Linha telefónica disponível 24h/dia

LInQUE: Ligamos Instituições Que Unem Esforços Porque, em Cuidados Paliativos, todo o tempo conta! 119


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Determinantes da saĂşde e empreendedorismo social 120


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A partir do reconhecimento da existência de fatores que determinam, condicionam ou influenciam os ganhos e perdas em saúde, a importância do papel do Estado e da comunidade tem ganho relevância ao longo da história, sendo disso o exemplo mais recente o da criação do Sistema Nacional de Saúde e o papel empreendedor de novas instituições. Texto de António Correia de Campos [ex-ministro da Saúde]

É

hoje do conhecimento comum a influência de fatores sociais, económicos, culturais, ambientais e comportamentais na saúde dos homens e das mulheres. A relação entre estas condições determinantes e os ganhos ou perdas em saúde é cada dia comprovada, transversal e verticalmente. De forma transversal, quando se comparam entre si países com desiguais níveis de desenvolvimento naqueles fatores: a associação entre o bem-estar material identificável por aquelas variáveis e os níveis de saúde torna-se visível, mas não é imediata, nem isenta de exceções. Há países com níveis de saúde muito abaixo do seu nível de desenvolvimento e países de modesta riqueza que usufruem, muitas vezes por esforços bem planeados e bem desenvolvidos, de níveis de saúde acima do esperado. Quanto à comprovação longitudinal, ao longo do tempo, ela é mais fácil de evidenciar: a história demonstra quanto se ganhou em saúde com o desenvolvimento económico e social e quanto esse ganho tem sido acelerado com o avanço das condições materiais, sociais e culturais da vida dos homens. Temos de ir um pouco mais fundo: as condições sociais são determinantes, sobretudo as que marcam desigualdades. Nada é mais prejudicial à saúde do que os desníveis marcados entre classes e

grupos dentro da mesma sociedade. Todos sabemos que os ricos vivem mais tempo e melhor do que os pobres, mas sempre com exceções. Todos sabemos que há doenças como as transmissíveis, as respiratórias e as ocupacionais que afligem mais os trabalhadores braçais, os pobres, incapazes de dominar o ambiente em que vivem, ou simplesmente insuscetíveis de o reconhecerem e tentarem modificar. Sabemos que há doenças associadas à abundância, como desde tempos imemoriais, a gota e mais próximo dos nossos dias o tabagismo, algumas doenças do metabolismo, como a diabetes, as doenças associadas à falta de exercício e à alimentação desregulada, como a obesidade, as cardiovasculares e o cancro. Todos sabemos que os mais influentes, mas sobretudo

A luta contra a doença e a promoção da saúde fez-se quase sempre por dois caminhos paralelos, duas vias sociais de intervenção: a do Estado e a da comunidade” 121


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os mais bem informados, têm mais fácil acesso aos cuidados de saúde, por conhecerem melhor a sua influência sobre a doença, por poderem comunicar melhor com os seus cuidadores e por terem mais próximos os locais e serviços onde sejam tratados. Todos conhecemos a influência do ambiente e as causas materiais que o condicionam. Habitação insalubre, escassez de água potável, saneamento básico, precário ou inexistente, transportes agressivos, tecido urbano onde seja difícil viver, alimentação pouco saudável, poluição não controlada, ambiente social stressante, tudo são fatores que determinam, condicionam ou influenciam os ganhos e perdas em saúde. A saúde transporta ironias: doenças que antes só afligiam os ricos, como a diabetes, a obesidade e o tabagismo e suas consequências, são hoje igualmente comuns nos pobres; as doenças sexualmente transmissíveis, para além da sífilis, que afligiu as populações do final do século XIX e início do século XX, são hoje comuns em todas as classes. Se a sífilis foi controlada, não o foram as infeções bacterianas de transmissão sexual. Tal como o cancro de causas não ocupacionais, nem ambientais, nem comportamentais que é hoje comum a todas as classes sociais. Tal como uma das causas maiores de morte hospitalar e prolongamento indevido do internamento, a infeção associada aos cuidados de saúde, a qual atinge indistintamente todos os que frequentam serviços de saúde, sejam ricos ou pobres, instruídos e ignorantes, velhos e novos, homens e mulheres. Não faltará quem argumente que a história da saúde pode ser escrita a partir dos seus determinantes: a classe social, o desenvolvimento económico, o controlo do meio ambiente, a difusão da cultura e informação, o local onde se vive, o clima de que se usufrui, afinal a história dos povos e de quem os governa. Sem o querer deliberadamente, parece até que a evolução da humanidade se fez sempre pelo controlo dos determinantes da saúde. Se é assim, então poderíamos facilmente substituir a história dos factos pela história dos determinantes. E todavia tal não é possível. Por duas ordens de razões: 122

a) Não é possível entregarmo-nos ao determinismo: cruzar os braços e pensar que, não podendo agir sobre os determinantes, se não pode agir sobre a saúde. Não é verdade: países pobres podem ter melhor saúde do que países mais ricos. Portugal, por exemplo, tendo um PIB muito inferior aos EUA e a muitos países da Europa, tem níveis de saúde superiores ao da grande nação americana e de muitos dos europeus. b) Segunda ideia errada: agindo sobre os determinantes, tudo se resolveria sem mais esforço, como por milagre. Uma sociedade igualitária será necessariamente mais saudável. Ora, a queda ainda recente do antigo império soviético veio demonstrar o contrário. Admitamos que a sociedade comunista era igualitária, o que muitos contestam. (Na verdade, tirando a classe dirigente, que fruía de privilégios vedados aos outros, o comunismo soviético era relativamente igualitário.) Mas o igualitarismo não impediu as populações de terem má saúde e sobretudo de ela estar a ser cada vez pior até à queda do muro de Berlim. Sabe-se hoje que a esperança de vida vinha a baixar dramaticamente nesses países. Certamente piorou ainda mais nos anos que se seguiram ao desmantelamento da ex-União Soviética; de nada serviu o igualitarismo quando toda a restante Europa progredia a olhos vistos e melhorava indicadores de saúde, enquanto estagnavam, ou pouco cresciam, os do Leste Europeu, devido aos encargos financeiros brutais com a guerra fria. Voltemos à história breve da saúde para colhermos algumas das suas lições. A luta contra a doença e a promoção da saúde fez-se quase sempre por dois caminhos paralelos, duas vias sociais de intervenção: a do Estado e a da comunidade. Sabendo que a alimentação equilibrada, habitação salubre e hábitos de vida saudável influenciam a saúde dos povos, os Estados foram aos poucos assumindo a responsabilidade direta de prestação de cuidados a grupos prioritários. Antes de mais aos militares, sem exército forte não


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Nas comunidades locais, as Misericórdias e nas grandes cidades as Irmandades, movidas pelo desejo de fazer o bem ao próximo, conduziram ao aparecimento de instituições ricas num vasto tecido social que se espraiou além-mar” era possível defender o território, muito menos ampliá-lo; depois aos clérigos, que habitavam conventos onde partilhavam hábitos de vida que os defendiam de ambientes mais desfavoráveis; aos marinheiros, que passavam longos meses em caravelas e naus com pouca água, dieta monótona, sujeitos a avitaminoses e a doenças facilmente transmissíveis pela sobrelotação dos barcos. Finalmente, aos colonos transplantados para regiões inóspitas, sujeitos a vetores e a infeções desconhecidas, agravadas pelo cruzamento de povos. Não é de estranhar que, durante os Descobrimentos, se tenham notabilizado as figuras de João Rodrigues de Castelo-Branco, o Amato Lusitano, um notável clínico de formação europeia, de Tomé Pires, boticário, feitor das Drogas da Índia, e de Garcia de Orta, o autor dos “Colóquios das Drogas e dos Simples”, todos com longa passagem nos territórios orientais da expansão portuguesa. Já no Iluminismo, o livro de Ribeiro Sanches “Tratado da conservação da saúde dos povos” contém preciosas indicações sobre saúde pública e sobre as medidas preventivas a adotar nos universos concentracionários de então, casernas, navios e conventos. Mas os Estados não limitaram a estes grupos a sua atividade. Aos poucos foram estendendo as regras de higiene e saúde pública a toda a população. Tanto Pombal como

D. João VI foram inovadores nesta matéria, criando ou reestruturando órgãos de governo especialmente votados à defesa da saúde de todos. Os riscos aumentaram com a urbanização crescente e até depois da Idade Média a única defesa contra a peste era a evacuação das cidades. A corte saltava de terra em terra a fugir a estas epidemias de doenças altamente transmissíveis de que se desconhecia a etiologia e a forma de tratamento, outra que não a segregação ou a quarentena. As primeiras medidas de saúde pública foram, em todos os lugares, uma combinação de medidas de política sanitária com o desejo e o dever público de solidariamente ajudar o próximo. O segundo caminho paralelo e até precursor do primeiro foi o das organizações autónomas criadas na comunidade. Em Portugal este esforço foi concentrado em entidades mistas, as Misericórdias. Constituídas pelos homens bons do concelho, sob a tutela vigilante do Estado central e a bênção não apenas simbólica da Igreja, estas organizações surgem quase no final do século XV, sendo sua grande impulsionadora a rainha, depois viúva de D. João II, Dona Leonor. A saúde preocupava as famílias e a transmissibilidade das doenças exigia medidas de higiene e de segregação dos pestíferos e dos leprosos. Os primeiros hospitais eram locais onde os pobres eram acolhidos ou gafarias onde os infetados viviam segregados. Nas comunidades locais, as Misericórdias e nas grandes cidades as Irmandades, movidas pelo desejo de fazer o bem ao próximo, conduziram ao aparecimento de instituições ricas num vasto tecido social que se espraiou além-mar. Supriram o Estado durante séculos na tarefa de cuidar diretamente dos doentes, através de um tecido social forte que prevaleceu até aos nossos dias. Muitas vezes cobrindo as suas lacunas. Se em Lisboa e Coimbra os dois grandes hospitais, o de Todos-os-Santos e os da Universidade local, desde cedo foram propriedade e responsabilidade do Estado, no Porto, terra de fortes raízes associativas e de alguma rebeldia face ao poder central, o maior hospital da cidade foi durante séculos o de Santo António, pertencente à sua rica Misericórdia. 123


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No século das luzes, com a industrialização e a urbanização crescentes, juntou-se a necessidade com a ciência nascente. A sobrepopulação dos bairros citadinos sem higiene pública levou o Estado a criar órgãos de comando, hospitais especializados e dispensários para atendimento indiscriminado de todos, maioritariamente os pobres, já que os ricos se podiam tratar em casa. É no virar do século XIX para o século XX que entre nós surge o movimento público para ataque aos flagelos sociais, da peste, da tuberculose, da lepra, das sezões (malária) e de outras doenças transmissíveis. Mesmo assim, foi necessário o patrocínio de figuras da realeza para que o Estado sentisse a responsabilidade direta pela saúde dos cidadãos. O papel da rainha Dona Amélia foi importante na criação da Assistência Nacional aos Tuberculosos.

Apesar das muitas insuficiências e persistentes ineficiências, o SNS impôs-se como a mais robusta criação da democracia, capaz de apoiar o cidadão e a sua família, do nascimento até à morte” O Estado tinha então um papel limitado: mantinha dois grandes hospitais em Lisboa e Coimbra, criou manicómios para doentes mentais, alargou a rede de assistência aos tuberculosos a todo o continente e ilhas e criou hospitais para doenças transmissíveis, em contexto chocado com a morte pela peste de toda uma geração de infantes reais, filhos de Dona Maria II, um deles já rei, D. Pedro V, morto em consequência da visitação regular aos enfermos pestíferos. Ao combate contra as doenças transmissíveis, simultâneo das grandes descobertas bacteriológicas 124

de Koch, Pasteur, Hansen, seguiu-se o apoio à maternidade e à infância, sendo as duas grandes maternidades, a de Alfredo da Costa em Lisboa e a de Júlio Diniz no Porto, construídas no primeiro quartel do século XX com forte subscrição pública. Só depois o Estado se interessou pela luta contra o cancro e mais tarde pelas doenças reumatológicas, pela diabetes e pelas cardiovasculares e cerebrovasculares. Até ao início da década de setenta do século XX, ou seja, até à legislação de 1971 que reconheceu o direito à saúde e à revolução de 1974 que criou em 1978 o Serviço Nacional de Saúde (SNS), a malha sanitária era dispersa e polimórfica, sendo financiada por múltiplas pequenas fontes, entre elas o bolso do cidadão. Havia médicos municipais nas freguesias mais importantes, hospitais concelhios e distritais pertencentes a Misericórdias, hospitais especializados de criação e financiamento inteiramente públicos, e hospitais centrais gerais, escolares ou não, estes a cargo do Estado. Com a criação do SNS quatro anos após o 25 de Abril, a rede passou a universal e pública, cobrindo todas as especialidades e tornou-se quase gratuita. O registo dos sucessos do SNS é conhecido. O modelo vingou e os temores iniciais de “socialização da medicina”, sentidos por alguns profissionais deram lugar à securização do emprego público e progressivamente ao orgulho de se trabalhar numa malha moderna e organizada de serviços de qualidade, com recursos humanos bem preparados e progressiva modernização de instalações e equipamentos. Apesar das muitas insuficiências e persistentes ineficiências, o SNS impôs-se como a mais robusta criação da democracia, capaz de apoiar o cidadão e a sua família, do nascimento até à morte. Onde estamos agora, no diálogo entre determinantes e determinados, entre fatores de doença ou de má saúde e os seus resultados medidos em perdas e ganhos? Como todos os sistemas evolutivos, tudo se tornou crescentemente complexo. Os determinantes continuam a influenciar profundamente a saúde. Mudaram os padrões de saúde e de doença, os padrões epidemiológicos.


| economia social |

Mudaram as caraterísticas das doenças, a sua vulnerabilidade ou resistência a tratamentos, surgiram novas figuras nosológicas, por força de novos riscos. A malha de serviços públicos ou publicamente financiados, sem tocar nas determinantes, ganhou operacionalidade e eficácia de grande relevo. Conquistou sucessivamente prestadores e utilizadores, atraiu indústrias e serviços, fez florescer a ciência, a investigação e a inovação. O SNS não resolve todos os problemas nem chega a todos por igual. Novas necessidades ganharam corpo: as doenças associadas à idade, às situações terminais, à saúde oral, à saúde reprodutiva, aos acontecimentos neurodegenerativos, ao grande e ao pequeno trauma, à toxicodependência e à depressão. Surgiram novos problemas para cuja solução o arsenal dos serviços organizados se revelou insuficiente. E novas formas organizativas de raiz comunitária: associações de famílias, de doentes, fundações de vocação especializada, novas generosidades, umas recatadas outras mais exuberantes, orientadas para problemas nacionais, locais, setoriais, sempre especiais. Reconhece-se que muitos dos ganhos em saúde só podem ser alcançados com mudança comportamental, como as doenças do metabolismo, a obesidade, a sida, as toxicodependências, as depressões, as cardiovasculares e até algumas doenças oncológicas. A flexibilidade destas modernas organizações sociais permite-lhes chegar até onde o SNS não alcança, onde a rede oficial não chega, ir mais longe na panóplia de meios e recorrer à imaginação criadora para alvejar problemas atípicos. O empreendedorismo social é uma destas manifestações inovadoras. Não se trata tanto de aplacar a consciência das boas almas, praticando

O empreendedorismo social é uma destas manifestações inovadoras. Não se trata tanto de aplacar a consciência das boas almas, praticando o bem, mas sobretudo de associar interessados diretos com motivação específica, familiar, ocupacional, local ou qualquer outra que seja legítima” o bem, mas sobretudo de associar interessados diretos com motivação específica, familiar, ocupacional, local ou qualquer outra que seja legítima. As novas instituições são mais leves do que as tradicionais, usam a forma de associações, IPSS e até pequenas empresas que flexibilizam e estendem o braço do apoio social. São movimentos novos, nascidos na sociedade civil, sabendo utilizar prosélita mas inteligentemente os media e as redes sociais, colocando a criatividade dos seus mentores ao lado do protagonismo social. Criam novos e mais ricos matizes no tecido comunitário. Ao poder público cumpre certamente a obrigação de os enquadrar e regular e o dever de os cultivar, fazer florir, mondar e ajudar a criar fruto. Resguardando canteiros, fertilizando ideias inovadoras. Com eles aprendendo, para também modernizar o seu próprio modelo público de ação social e de saúde.

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| arquitetura |

A Casa da MisericĂłrdia Para um novo paradigma interpretativo da arquitetura promovida pelas confrarias da MisericĂłrdia no sĂŠculo XVI

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Casa da Misericórdia designa os edifícios promovidos pelas confrarias da Misericórdia no contexto da sua atividade caritativa e consubstancia a arquitetura construída com finalidade assistencial mais relevante durante a Idade Moderna em Portugal. Texto de Joana Balsa de Pinho [HISTORIADORA DA ARTE, INVESTIGADORA; CLEPUL – CENTRO DE LITERATURAS E CULTURAS LUSÓFONAS E EUROPEIAS/ARTIS – INSTITUTO DE HISTÓRIA DA ARTE, FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA; CIDH – CÁTEDRA INFANTE DOM HENRIQUE PARA OS ESTUDOS INSULARES ATLÂNTICOS E A GLOBALIZAÇÃO, UNIVERSIDADE ABERTA]

E

ste artigo tem por base a investigação realizada para elaboração da tese de doutoramento que apresentámos à Universidade de Lisboa, em setembro de 2013, com o tema “As confrarias da Misericórdia e a arquitetura portuguesa quinhentista”. Esta investigação, que se prolongou por cinco anos (2008-2012), para além das consultas bibliográficas e documentais, implicou um exaustivo levantamento arquitetónico in situ, de cerca de duzentos edifícios. Ambas as pesquisas constituíram uma base sólida a partir da qual podemos realizar uma reflexão global (ou geograficamente localizada) relativa às grandes problemáticas inerentes ao fenómeno arquitetónico no contexto das confrarias da Misericórdia portuguesas, nomeadamente a caraterização e contextualização histórico-artística dos edifícios promovidos por estas confrarias para servir como base edificada da sua atividade primordial, a assistência. Misericórdias e a encomenda de obras de arte As confrarias da Misericórdia, Santas Casas da Misericórdia, ou, simplesmente, Misericórdias, são confrarias de leigos que se organizaram sob

 Mapa com a geografia das confrarias da Misericórdia quinhentistas

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| arquitetura |

As confrarias da Misericórdia, Santas Casas da Misericórdia, ou, simplesmente, Misericórdias, são confrarias de leigos que se organizaram sob a invocação de Nossa Senhora da Misericórdia e prosseguiam objetivos assistenciais”

 Capela do Senhor dos Passos na igreja da Casa da Misericórdia de Buarcos

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a invocação de Nossa Senhora da Misericórdia e prosseguiam objetivos assistenciais. Estas confrarias, cuja primeira fundação ocorreu em 1498 em Lisboa, tornaram-se as mais importantes confrarias portuguesas da Idade Moderna devido à sua rápida difusão por todo o país e espaço do além-mar, beneficiando do apoio da coroa. Estas confrarias constituíram-se, no domínio da sua atividade, como importantes promotoras de diferentes manifestações patrimoniais, com caraterísticas próprias que se relacionam diretamente com a sua natureza assistencial. Estas obras de arte encomendadas pelas Santas Casas abarcavam diferentes naturezas — arquitetura, pintura, escultura, talha, azulejaria, entre outras, e foram objeto de encargo durante toda a sua história, desde o século XV até à atualidade. Percorrendo variadíssimos espólios artísticos das Misericórdias, e tentando uma síntese global, podemos considerar que, vistos no seu conjunto, possuem uma identidade própria e refletem as propostas assistenciais e devocionais das confrarias promotoras. No caso das Misericórdias, consideramos que esta especificidade na promoção artística confirma a necessidade de construção, individualização e afirmação de uma identidade institucional, que se queria diferente das outras instituições religiosas e seculares.

As obras de arte, com as suas caraterísticas materiais, evangelizadoras e simbólicas, exibidas ou utilizadas em locais e atos públicos, possibilitavam o acesso generalizado ao conteúdo do programa caritativo e devocional das Misericórdias; eram a expressão material desse mesmo programa, objetos de exibição de ideologia e símbolos, deixando transparecer uma forte função propagandística. No contexto das Misericórdias, as caraterísticas individualizadoras da arte, face às encomendas de outros patronos, abrangem: manifestações artísticas, temáticas/iconografias representadas e morfologias de algumas manifestações e podem-se relacionar diretamente com as particularidades devocionais e espirituais das confrarias da Misericórdia, com o seu próprio quotidiano e ação caritativa. Relativamente às manifestações artísticas, destacamos alguns casos de objetos sempre presentes nos espólios das Misericórdias, não apenas por uma questão funcional mas também


| história e cultura |

simbólica: bandeira real e bandeiras dos Passos da Paixão; esquifes e tumbas; mesa do despacho; tribuna ou banco dos oficiais; varas dos oficiais; esculturas relacionadas com as temáticas da Paixão (“Senhor Morto”, “Senhor dos Passos”, “Ecce homo”, “Cristo atado à coluna”...); “Verónica” e sudário. Quanto à iconografia preferencial, muitas das obras de arte promovidas pelas Misericórdias, sejam ou não manifestações específicas, privilegiam determinadas temáticas intimamente relacionadas com a ação e devoção propostas por estas confrarias. Ambas revelam-se nos temas iconográficos mais representados: “N.ª S.ª Misericórdia”, “Visitação”, “Obras de Misericórdia” e “Ciclo da Paixão de Cristo”. Também ao nível das morfologias das manifestações artísticas, distintas ou comuns à restante encomenda de arte, encontramos algumas particularidades no contexto das Misericórdias, pois eram concebidas tendo em conta a sua funcionalidade e simbólica; destacamos a morfologia da bandeira real, da mesa e bancos do despacho e da tribuna dos oficiais. De modo semelhante, também a arquitetura encomendada pelas Misericórdias é reflexo da função para que foram instituídas e deve ser entendida no contexto mais alargado da produção/ encomenda artística destas confrarias, em que outras manifestações, temas e morfologias são também particulares.

As Misericórdias e a arquitetura Antes de concetualizarmos e caraterizarmos a arquitetura promovida pelas Misericórdias, convém clarificar a relação que estas confrarias estabeleceram com a arquitetura. As Misericórdias, instituídas para cumprir as 14 Obras de Misericórdia, ou seja, com uma vocação eminentemente prática, de cariz assistencial, necessitavam de um espaço construído que servisse de suporte à sua atividade, quer fosse uma capela ou igreja, uma casa para o acolhimento de

As Misericórdias, instituídas para cumprir as 14 Obras de Misericórdia, ou seja, com uma vocação eminentemente prática, de cariz assistencial, necessitavam de um espaço construído que servisse de suporte à sua atividade” pobres e doentes, um espaço para reunião dos irmãos, locais para guardar objetos e bens necessários às diferentes atividades e até um espaço onde enterrar os mortos. Este facto favoreceu uma relação muito própria entre as Misericórdias e a arquitetura. Logo após a fundação, as confrarias da Misericórdia tiveram a preocupação de disporem de um espaço construído que lhes garantisse a implementação da sua proposta caritativa e devocional. Esta, que foi uma das suas primeiras preocupações, era visível no Compromisso, mas também em outra documentação coeva e num movimento de ocupação de edifícios preexistentes, que ocorreu em todo o país, após a instituição de cada uma das Misericórdias. Raramente a instituição de uma Misericórdia coincidia com a construção de um edifício. Na

 Interior da igreja da Casa da Misericórdia de Évora de Alcobaça, antiga Capela do Espírito Santo

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maior parte dos casos que identificámos para o século XVI, e tendo em conta que em muitas situações os dados sobre esta problemática são escassos, das cerca de 260 confrarias da Misericórdia fundadas neste período, cerca de 26%, ou seja, 66, ocuparam inicialmente um edifício preexistente e que não foi construído para acolher a confraria. Só mais tarde promoveram uma construção de raiz com essa finalidade ou procederam a obras profundas de remodelação dos edifícios ocupados. No período correspondente à sua fundação e à consolidação da sua atividade, as confrarias da Misericórdia instalaram-se inicialmente quer em espaços preexistentes, quer em frações de edifícios mais complexos, como catedrais, conventos, colegiadas e igrejas matrizes, quer no edifício na sua totalidade, geralmente com dimensões mais reduzidas; estes últimos podiam ser pequenas igrejas, capelas, ermidas, hospitais ou casas. As tutelas destes espaços eram muito diversificadas: dioceses, ordens religiosas, paróquias, ordens militares, hospitais, confrarias, municípios e particulares. Esta realidade, que revela uma diversidade de situações, está seguramente relacionada com a celeridade com que as confrarias queriam iniciar a sua atividade, conjugada com a falta de meios financeiros e do tempo necessário para que uma construção de raiz pudesse acontecer. E realça a importância do espaço construído para o desempenho dessa mesma atividade e para a gestão da confraria e a forte mobilização local, institucional e particular, religiosa e civil, em torno da confraria; este facto foi um dos fatores decisivos da rápida difusão e implantação das Misericórdias. Todavia, a existência de um espaço de culto e sede próprios garantiam às Misericórdias, instituição essencialmente laica, a autonomia face aos poderes religiosos e temporais e alguma visibilidade urbanística com repercussões sociais. A Casa da Misericórdia E é neste contexto que queremos destacar, a “Casa da Misericórdia”: a arquitetura construída com uma finalidade assistencial, mais relevante durante a Idade Moderna em Portugal. 130

A arquitetura promovida pelas confrarias da Misericórdia, com as suas particularidades, apenas pode ser analisada e compreendida quando integrada neste contexto mais vasto das caraterísticas individualizadoras de toda a arte promovida pelas Misericórdias, que procurava difundir a individualidade e autonomia da instituição. Ou seja, as caraterísticas específicas dos edifícios construídos para servir de sede às Misericórdias não são um aspeto isolado, são apenas um dos aspetos de um contexto mais vasto onde as Misericórdias se inserem como encomendadoras de obras de arte. Dada a função para que foram instituídas, as confrarias da Misericórdia tinham necessidade de um edifício que associasse vários espaços. Um espaço onde assistir os doentes e peregrinos — hospital ou enfermaria; um outro de cariz religioso onde realizar as celebrações litúrgicas inerentes ao quotidiano das confrarias e as missas de obrigação — igreja; um local onde os oficiais que governavam a confraria pudessem reunir — casa do despacho. E ainda outros locais que foram surgindo na medida em que a atividade da confraria foi crescendo e se consolidando: local para guardar a documentação produzida e recebida pela confraria — cartório; espaço onde armazenar as tumbas utilizadas nas cerimónias fúnebres — casa das tumbas; local onde enterrar os pobres que faleciam — cemitério, entre outros. Ou seja, um espaço onde se pudessem desenvolver todas estas atividades, uma arquitetura adaptada a uma utilização específica, com múltiplas dimensões; por isso, um edifício composto por diferentes espaços, geralmente interligados entre si, criando uma planimetria, espacialidade e volumetria próprias. Casa da Misericórdia, expressão coeva e generalizada na documentação de inúmeras Misericórdias espalhadas pelo país, é a terminologia que melhor define a realidade arquitetónica promovida por estas confrarias, adaptando-se perfeitamente ao conjunto coerente de vestígios que podemos atualmente visualizar e analisar; é também a única que respeita a sua identidade patrimonial. A Casa da Misericórdia é um edifício


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 Planta da Casa da Misericórdia de Tentúgal. Fonte: www.monumentos.pt  Planta da Casa da Misericórdia de Viana do Castelo. Fonte: www.monumentos.pt

composto por diferentes espaços onde se desenrolava o quotidiano confraternal; embora podendo não corresponder a um projeto unitário e a uma mesma cronologia. Convém esclarecer que as Casas da Misericórdia podiam ser mais ou menos complexas, dependendo de vários fatores relacionados com a forma como cada confraria, localmente, solucionou o problema da necessidade de um espaço edificado. Além disso, não existindo uma hierarquia funcional nem espacial concreta, os espaços organizavam-se em função das suas caraterísticas simbólicas. Da Casa da Misericórdia mais elaborada, integrando igreja, sacristia, hospital (enfermarias, botica, casa do hospitaleiro, cozinha…), casa do despacho, cemitério e outras instalações (cartório, casa das tumbas, celeiro…) à mais modesta integrando apenas a igreja, sacristia, casa do despacho e outras dependências. Será também importante lembrar a questão da escala, na maioria das Misericórdias todos estes espaços no interior dos edifícios eram de pequena escala, incluindo as enfermarias. Deste modo, os edifícios, apesar de compostos por vários espaços, não são construções monumentais. Assim, em termos puramente funcionais, a Casa da Misericórdia diferencia-se de outros edifícios por congregar essa multiplicidade de usos

e por servir de cenário às mais importantes e diversificadas celebrações assistenciais, cultuais e simbólicas protagonizadas por estas confrarias, por onde passava toda a dinâmica e vida das mesmas, evidenciando alguns elementos caraterísticos dessa vivência confraternal. Como cada espaço era considerado elemento de um mesmo conjunto, não é legítima a utilização das designações: “igreja da Misericórdia”,

 Casa da Misericórdia de Benavente

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| arquitetura |

 Casa da Misericórdia de Melo

 Pátio da Casa da Misericórdia de Vila do Conde

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“igreja e hospital”, “igreja e consistório”, “igreja e anexos”, expressões com uso generalizado em monografias, roteiros turísticos, inventários patrimoniais e até trabalhos académicos, incluindo os mais especializados. Vários são os motivos por que esta nomenclatura se consolidou e permanece em uso. O primeiro a destacar é o modo como a investigação tem sido feita até ao momento. Os estudos mais aprofundados são quase sempre monográficos, relativos a uma confraria concreta, e os estudos regionais são demasiado específicos, não permitindo uma visão de conjunto e uma generalização dos conceitos. Outro aspeto fundamental remete para as intervenções que os edifícios sofreram, de alterações arquitetónicas a acrescentos e demolições, que lhes atribuíram uma configuração diferente e que reforçaram uma visão individualizadora e não globalizante. Perdendo-se a memória da função assistencial e administrativa, o que sobressai, e se mantém, é a função religiosa, pelo sagrado da sua natureza


| história e cultura |

e pelo estatuto alcançado por este tipo de edifícios; assim, permanece e consolida-se a designação — igreja. No nosso entender, este tipo de referências, que olha para os edifícios das confrarias da Misericórdia e individualiza cada um dos espaços que os compõem, não corresponde à realidade arquitetónica das Misericórdias, quer ao nível do modo como os edifícios são concebidos e organizados, como da consciência que existia sobre estes espaços e que está expressa na documentação coeva. Funcionalmente não existe uma hierarquia dos espaços, embora se possa considerar a existência de uma hierarquia simbólica, onde se destaca a igreja, com óbvias repercussões arquitetónicas. Um exemplo que nos pode ajudar a compreender melhor o conceito da Casa da Misericórdia são os conventos ou mosteiros. Apesar de integrarem uma igreja, elemento essencial na sua dinâmica e quase sempre arquitetonicamente muito expressivo, esta tipologia arquitetónica é composta por muitos ou-

tros espaços como claustro, dormitórios, sala do capítulo, refeitório, capelas, entre outros. No entendimento destes edifícios não os consideramos igrejas e anexos; cada espaço do complexo conventual tem a sua função e por isso a designação do conjunto tem em conta esta realidade e complexidade e expressa-se pelos termos “convento” ou “mosteiro”; consideramos, ao nível concetual, a situação da Casa da Misericórdia muito semelhante. Esta noção de conjunto, e não de espaços individuais no contexto das Misericórdias, é reforçada por elementos arquitetónicos: ligações funcionais entre os vários espaços existentes no interior dos edifícios, mesmo quando alguns elementos não pertencem ao plano original ou foram remodelados em diferentes épocas; e pela conceção volumétrica das construções quinhentistas que integram os vários espaços num bloco único e com grande homogeneidade. A estes dois elementos — noção de conjunto e volumetria homogénea — queremos acrescentar

 Casa da Misericórdia do Louriçal

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| arquitetura |

A Casa da Misericórdia pode ser definida concetualmente como um conjunto arquitetónico, composto por vários espaços essenciais ao desenvolvimento da atividade assistencial promovida pelas confrarias da Misericórdia e à sua própria gestão e quotidiano”  Casa da Misericórdia de Torre de Moncorvo

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um outro que remete para o caráter da Casa da Misericórdia: a ausência de elementos que identifiquem o edifício num âmbito tipológico concreto, nomeadamente como edifício religioso, e uma lógica de arquitetura civil na organização das volumetrias e fachadas exteriores que inclusivamente contraria esta classificação. Habitualmente, e porque se opta pela visão individualizadora, consideramos a arquitetura produzida pelas Misericórdias como arquitetura religiosa; efetivamente em muitos casos o que resta ou se destaca do conjunto é a igreja. No entanto, o pensamento deve ser outro, e não apenas devido à habitual ausência de elementos arquitetónicos exteriores com conotação religiosa, mas porque a existência de uma igreja no contexto dos edifícios das Misericórdias deve ser encarada no âmbito assistencial. Ou seja, as ações religiosas e cultuais promovidas por estas confrarias, e que tinham como cenário a sua igreja, integravam-se no foro do cumprimento das obras de Misericórdia, nomeadamente “enterrar os mortos” e “rogar a Deus pelos vivos e pelos mortos”. Outras ações que se realizavam no mesmo local, como a eleição dos oficiais ou a celebração de missas antes das reuniões dos irmãos, constituem-se como formas de legitimação e sacralização de ações de âmbito temporal.

Concretizando, a classificação tipológica que melhor se adapta à Casa da Misericórdia é a de arquitetura assistencial. Daremos um exemplo que pensamos poder ser transposto para o caso das Misericórdias e que reflete bem o que queremos transmitir: um palácio, onde existe a parte residencial, as dependências de serviço e uma capela, mesmo que esta seja exteriormente visível e destacada, é sempre considerado arquitetura civil. Ou seja, um edifício por integrar uma capela não passa a ser considerado arquitetura religiosa; o mesmo entendimento deve ser transposto para a Casa da Misericórdia. Considerações finais A leitura da documentação quinhentista referente às Misericórdias, a visita a mais de duas centenas de edifícios pertencentes a estas confrarias e a análise e cotejo de plantas, da organização espacial e dos elementos arquitetónicos existentes possibilitaram-nos um entendimento da arquitetura das Misericórdias diferente do exposto até ao momento pelos autores que abordaram esta temática. E por isso formulamos o conceito Casa da Misericórdia. A Casa da Misericórdia pode ser definida concetualmente como um conjunto arquitetónico,


| história e cultura |

composto por vários espaços essenciais ao desenvolvimento da atividade assistencial promovida pelas confrarias da Misericórdia e à sua própria gestão e quotidiano. Neste contexto é muito relevante a caraterização funcional de cada um destes espaços; é a função assumida pelos espaços que vai determinar algumas das suas caraterísticas arquitetónicas. Embora esta caraterização funcional seja tripartida — assistência, culto e administração —, nem sempre esta corresponde a uma tripartição dos edifícios, como já foi referido por alguns autores. Esta abordagem é demasiado simplista e não corresponde à realidade da arquitetura promovida

pelas Misericórdias: igreja, hospital/enfermaria e casa do despacho, apesar de serem os espaços mais comuns e a que se dá mais relevo, eram complementados por outros como cartório, casa das tumbas, celeiro, cemitério, quintal, entre outros. O conhecimento, divulgação e valorização do património arquitetónico e dos espólios artísticos das confrarias da Misericórdia, incluindo o respeito e a promoção da sua especificidade artística, merecem uma atenção redobrada; não apenas pela sua relevância enquanto expressão de uma identidade institucional própria mas também como fenómenos artísticos integráveis num contexto mais vasto que é o da produção artística nacional.

BIBLIOGRAFIA AFONSO, José Ferrão – “Regressando a Alberti. As igrejas das Misericórdias de Entre Douro e Minho, de Vila do Conde a Penafiel: arquitectura e paisagem urbana”. In II Jornadas de estudos sobre as Misericórdias. As Misericórdias quinhentistas. Penafiel: Câmara Municipal de Penafiel, 2009, pp. 123-151. AFONSO, José Ferrão – A igreja velha da Misericórdia de Barcelos e cinco igrejas de Misericórdias do Entre Douro e Minho: arquitectura e paisagem urbana (c. 1534 - 1635). [s. l.]: Santa Casa da Misericórdia de Barcelos, 2012. CARDOSO, João José – Santas e Casas: as Misericórdias do Baixo-Mondego e as suas Igrejas nos séculos XVI e XVII. Coimbra: Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra. 1995. Tese de mestrado em História da Arte do Renascimento e do Maneirismo. CORREIA, Fernando Silva – Origens e formação das Misericórdias Portuguesas. Lisboa: Livros Horizonte, 1999. GREGÓRIO, Paulo Renato Ermitão – A Igreja da Misericórdia de Torres Novas: estudo monográfico (1572 - 1700). Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas, 2005. (col. Temas Torrejanos). LOPES, Maria Antónia – “Musealizar Misericórdias conhecendo a sua história”. In I Jornadas de Museologia nas Misericórdias. Penafiel: Misericórdia de Penafiel, 2015, pp. 49-62. MOREIRA, Rafael – “As Misericórdias: um património artístico da humanidade”. In 500 Anos das Misericórdias Portuguesas: solidariedade de geração em geração. Lisboa: Comissão para as Comemorações dos 500 anos das Misericórdias, 2000.

NOÉ, Paula – Património Arquitectónico: Igrejas de Misericórdia (versão 1.0). (Kits património – Kit 06). Lisboa: Instituto de Reabilitação Urbana, Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, 2010. Disponível na internet http://www.monumentos.pt. Oceanos – Misericórdias Cinco Séculos. Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. 35, jul-set (1998) PAIVA, José Pedro (coord.) – Portugaliae Monumenta Misericordiarum. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, União das Misericórdias Portuguesas, 2002-2012, vols. 1-10. PINHO, Joana Balsa de – A Casa da Misericórdia: as confrarias da Misericórdia e a arquitectura portuguesa quinhentista. Lisboa: Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, 2012. Tese de doutoramento. PINTO, Maria Helena Mendes, PINTO, Victor Roberto Mendes – As Misericórdias do Algarve. Lisboa: Direcção-Geral da Assistência, 1968. SÁ, Isabel Guimarães – As Misericórdias portuguesas de D. Manuel I a Pombal. Lisboa: Livros Horizonte, 2001. SILVA, Nuno Vassallo (coord.) – Mater Misericordia, Simbolismo e Representação da Virgem da Misericórdia. [s. l.]: Museu de São Roque, Livros Horizonte, 1995. SOUSA, Ivo Carneiro – V Centenário das Misericórdias Portuguesas. [s. l.]: CTT - Correios de Portugal, 1998.

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| jogos |

î ‡ FIGURA 1 Passatempo Arithmetico (Biblioteca da Ajuda/ DGPC/ADF)

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| história e cultura |

Passatempo Arithmetico A divulgação de novos conhecimentos através do livro no século XVIII, de forma lúdica e apelativa, teve o contributo de um apaixonado botânico, o franciscano Frei Veloso. Este artigo trata de uma dessas publicações: o Passatempo Arithmetico, um jogo educativo, pensado para ensinar as quatro operações e algumas tabelas de conversão. Texto de Jorge Nuno Silva [PROFESSOR NA UNIVERSIDADE DE LISBOA, PRESIDENTE dA LUDUS]

A

Typographia Chalcographica, Typoplastica, e Litteraria do Arco do Cego foi uma casa editora de existência fugaz e produção surpreendente. Foi criada em 1799, por iniciativa de D. Rodrigo de Sousa Coutinho (1755-1812), na altura secretário dos Negócios da Marinha e do Ultramar. Para a dinamizar foi escolhido José Mariano da Conceição Veloso (1742-1811), franciscano nascido no Brasil, que se interessava apaixonadamente pela botânica, tendo publicado a monumental Florae Fluminensis, uma descrição da flora da província do Rio de Janeiro. Frei Veloso pretendia erguer uma oficina capaz de produzir trabalhos que tornassem acessíveis

a todos as mais recentes descobertas. Para além de traduções dos mais importantes trabalhos do exterior, havia a preocupação de publicar autores portugueses. O público brasileiro era um alvo natural, havia que levar ao trabalhador, principalmente ao agricultor, as novas técnicas e os novos processos de produção. Os princípios iluministas marcaram o caráter eclético das publicações — em História Natural, Agricultura, Desenho, Pintura, Medicina, Poesia, Náutica, Ciências, História — mas também a sua vertente de divulgação. Optou-se por instruir de forma agradável, tornando os conteúdos apelativos, nomeadamente com recurso sistemático a imagens. Foi formada uma equipa de profissio137


| jogos |

nais de valor, incluindo gravadores, para dar vida a este projeto. O papel que Veloso reconhecia a esta atividade não podia ser mais enfatizado do que pelas suas próprias palavras: “Sem livros não há instrução.” A Casa do Arco do Cego foi extinta em 1801, dando origem à Imprensa Régia. Nos seus 28 meses de existência publicou, pelo menos, 83 obras. Um feito que sempre nos impressionará. É de uma dessas publicações que este texto trata, o Passatempo Arithmetico, destinado para aprender os rudimentos da Arithmetica em fórma de divertimento. Trata-se de um jogo educativo, pensado para ensinar as quatro operações e algumas tabelas de conversão (por exemplo, capacidades, comprimentos, monetárias). O exemplar ilustrado pertence à Biblioteca da Ajuda e foi dado à estampa em 1800. Para além das tabuadas nos cantos, temos um percurso espiralado que vai de uma casa ilustrada com um homem preso na escuridão, a que corresponde o número 1, até à luminosa coroa de louros da centésima casa. O percurso mostra algumas imagens e instruções. Talvez o nosso Jogo da Glória nos ocorra ao pensamento nesta altura… Se bem que os jogos de percurso tenham uma história longa, com raízes no Antigo Egito, a família do nosso Passatempo tem genealogia mais breve a que, curiosamente, Portugal está acidentalmente ligado. Francisco de Médicis, grão-duque da Toscana (1574-87), enviou um presente a Filipe II (1527-1598) de Espanha (Filipe I de Portugal). Essa prenda era um jogo, especialmente concebido para a ocasião. Possivelmente baseado em versões tradicionais mais antigas, o Giocodelloca (Jeu de l’Oie, Game of Goose, Jogo da Glória) foi criado como oferenda entre homens poderosos e sofisticados. Trata-se de um jogo de dados em que os jogadores tentam ganhar uma corrida até à casa final, a 63.ª. Dos acidentes que marcam algumas casas, os gansos são os mais típicos. Quem chegar a uma casa marcada com um desses animais deve deslocar de novo a sua peça, o mesmo 138

número de passos (quem chegou a um ganso andando três casas deve andar mais três, por exemplo). Há gansos distribuídos por duas sequências, de 9 em 9, a começar nas casas 5 e 9. Aos outros acidentes correspondem os números 6, 19, 31, 42, 52 e 58. O Jogo da Glória tornou-se popular e nunca deixou de o ser, nomeadamente no Ocidente. As regras mantiveram-se quase inalteradas, embora a roupagem do jogo se tenha diversificado. Jogado na corte e nas tavernas, em família e entre estranhos, sobreviveu até nós e é ainda um sucesso de vendas. Muitos jogos têm nascido e desaparecido ao longo da história. Este é um sobrevivente. Dado que os jogadores se limitam a lançar os dados e proceder de acordo com o resultado obtido, a sua intervenção no desfecho é mínima. Apostar e seguir o desenrolar das partidas com emoção é tudo o que os participantes podem aqui realizar. A que se deve a sobrevivência e pujança do Jogo da Glória? A resposta a esta pergunta ainda ninguém conhece totalmente. A seleção natural que decide sobre a sobrevivência das atividades lúdicas parece reger-se por princípios que ainda não compreendemos bem. Para terminar o jogo vale a regra do ricochete, um jogador deve atingir a casa 63 com pontuação exata: a pontuação que sobrar deve ser usada para retroceder (por exemplo, se uma peça se encontra na casa 61 e os dados marcam 10, o jogador deve usar dois pontos para atingir a casa 63 e os restantes 8 para recuar até à 55). Esta regra, típica do Giocodelloca, torna o jogo vivo, com vencedor imprevisível. Dizem as regras que, quem cair na casa 58 deve voltar ao princípio. Suponhamos, por um momento, que um jogador podia ocupar a casa 58 e que, lançando os dados, obtinha 9 pontos. Segundo a regra do ricochete, seria conduzido à casa 59, que contém um ganso. Em conformidade, seria transportado até fora do percurso, saltitando nos gansos das casas 59, 50, 41, 32, 23, 14 e 5. A escolha do acidente da casa 58 faz, assim, todo o sentido. Aliás, a qualidade lúdica do Jogo da Glória é um facto conhecido:


| história e cultura |

 FIGURA 2 Exemplar italiano do século xix do Giocodelloca (©Trustees of the British Museum)

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| jogos |

este jogo é divertido. As escolhas dos acidentes e respetiva distribuição foram bem pensadas! Surpreendentemente, os números das casas notáveis não foram escolhidos somente por razões internas ao jogo, ou ao acaso. Seguem os preceitos da cabala judaica medieval. O número 63, por exemplo, é o grande climatérico, contém os nove períodos de sete anos que tipificam a vida do homem. Francisco de Médicis recorreu, como teria sido natural, a algum erudito em filosofia natural do seu tempo. A cabala fazia parte dos conhecimentos avançados da época, daí estar refletida no Giocodelloca. Ao longo dos séculos foram surgindo variantes do Jogo da Glória, principalmente no que respeita ao aspeto e contexto. Os exemplares podiam ser simples folhas com o tabuleiro e as regras toscamente gravados. Isso bastaria para uma taverna ou uma casa de gente simples. Outros eram luxuosos e destinados a pessoas de consequência. Em Portugal foi a Majora que popularizou algumas variantes deste jogo.

 FIGURA 3 Jogo da Glória comercializado pela Majora (coleção do autor)

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Um ramo desta família, que se desenvolveu principalmente em França a partir do século xvi, foi o dos jogos educacionais. Todos os temas eram apropriados para o tabuleiro: história, geografia, heráldica, genealogia, etc. A Portugal chegaram, durante o século xviii, alguns desses jogos, traduções de originais franceses. O Novo Jogo da Marinha (1719) é uma tradução de um jogo de 1713 e foi impresso em Paris, como o Novo Jogo Militar (1791), que promove o conhecimento de termos do mundo militar, sendo o original de 1727 e o Jogo da Esfera do Universo (1719), que pretende ensinar cosmografia segundo os ensinamentos do astrónomo Tycho Brahe (1546-1601), cujo original foi publicado em 1661. O jogo, dedicado ao príncipe D. João, pretende familiarizar o jogador com os termos da marinha de guerra. Alguns acidentes são claramente adaptados do Giocodelloca, como o da casa 6, a Ponte, que dá origem a uma Ponta e os benfazejos gansos, que surgem como Vento em Popa.


| história e cultura |

 FIGURA 4 Jogo da Marinha, Paris 1719 (coleção do autor)

 FIGURA 5 Ponte transformou-se em Ponta  FIGURA 6 Vento em Popa no lugar dos Gansos

O nosso Passatempo Arithmetico insere-se nesta tradição de jogos educativos. O objetivo primeiro reside na prática das operações aritméticas — somar, diminuir, multiplicar e repartir. Assim, em vez de dados usam-se duas carapetas, cada uma com dez faces, numeradas 0, 1, …, 9. Para treinar a soma, os jogadores usam somente uma e cada marcador anda o número de casas

correspondente ao respetivo lançamento. As outras operações praticam-se fazendo uso das duas carapetas. Na subtração, o jogador subtrai o menor do maior dos dois valores obtidos para determinar o número de casas a avançar. Para a multiplicação, calcula o produto dos dois valores e para a divisão soma o quociente com o resto, após dividir o maior pelo menor (as instruções 141


| jogos |

não referem o caso, absurdo, de obter divisão por zero…). Os quatro cantos do tabuleiro contêm as quatro tabuadas necessárias às operações. O Passatempo apresenta-se em duas metades ligadas por uma lombada, como um livro de grande dimensão. Uma é composta pelo tabuleiro (Figura 1), a outra contém instruções, tabelas de conversão de certas medidas (comprimento, dinheiro inglês, capacidade, tempo, etc.) e alguns pequenos textos correspondentes a certas casas do jogo (Figura 7). Em algumas casas, como a 3, pode ler-se a sorte que nos calhou ao nela pousar: “Repete-se a taboa da numeração ou passa-se uma vez.” São as casas deste tipo que se encarregam de levar o jogador a aprender as tabelas. As casas ilustradas estão descodificadas no texto auxiliar. Por exemplo, à casa 5, onde se pode ver uma flor, corresponde o texto seguinte:

 FIGURA 7 Os textos de apoio ao Passatempo Arithmetico (Biblioteca da Ajuda/ DGPC/ADF)

Regálla-nos vêr hum botão abrindo-se, E promettendo huma flor amavel; Assim o prazer a vossos pais inunda, Os quaes attentão em vós a todo o instante. Esperão elles que lhe recompenseis tal amor, Eu vos concedo pois que avanceis o dobro do lance.

Em termos práticos, trata-se de acidente idêntico a um Ganso no Giocodelloca, mas a roupagem poética enriquece esta atividade lúdica e serve de conduto a conteúdos vindos de outras áreas, como a moral, a história e a geografia. Instruções há que são difíceis de implementar na ausência de um adulto vigilante. Por exemplo, quem cair na casa 81 deve passar a vez três vezes se tiver dito uma mentira no dia do jogo, caso contrário deve prosseguir normalmente. Os versos correspondentes: Em quanto o Sol brilha, a sombra do quadrante Mostra a hora verdadeira, sem mentir jámais; A verdade vos ressalte de cada palavra Pura como o Sol, e sereis sabios. Se hoje por acaso vos affastasteis della Parai trez vezes; aliás segui vosso caminho. Talvez este jogo fosse praticado em escolas, não somente em lugares de lazer. Uma análise cuidada das tabelas de medidas leva-nos, por um lado, à conclusão de que o Passatempo nos chega das Ilhas Britânicas (há uma tabela de libras, xelins e penes) e, por outro, que a transliteração se revelou problemática (surgem dois comprimentos para o palmo, 3 e 9 polegadas). O Passatempo Arithmetico parece ter sido adaptado de um jogo publicado em Inglaterra em 1798 por John Wallis (An Arithmetical Pastime: Intended to infuse the rudiments of Arithmetic, under the idea of amusement). O nosso parece ser uma tradução bastante literal do jogo inglês. Por exemplo, os versos correspondentes à casa 5 na versão de Wallis são: We joy to see the op’ning bud, It promises a lovely flow’r; Joy swells thy parent like flood, While thee he watches every hour. In hopes you will reward his love, I grant you now a doubled move.

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| história e cultura |

Enquanto o poema da 81 reza assim: When the sun shines, the dial’s shade Shews the true time, nor ever lies. Let truth your every word prevade, Clear as the sun, and you’ll be wise. If from the truth you’ve erred to-day, Stop thrice – if not, you need not stay. Em ambos os casos a estrutura das rimas (ABABCC) perde-se na adaptação à nossa língua. É notável que a Casa do Arco do Cego tenha publicado um jogo deste género, assumindo claramente o seu propósito de educar divertindo. Não sabemos quão popular o nosso Passatempo se tornou no início do século xix, mas registamos que, desta vez, Portugal não se atrasou relativamente aos ventos da modernidade que sopravam na Europa. O jogo de John Wallis que serviu de modelo ao nosso Passatempo Arithmetico foi inspirado num outro, de 1791, que também foi adotado pelos alemães, tendo a respetiva versão, Die Anfangsgründe der Rechenkunst, ein Spiel für die Jugend, sido publicada em 1795 em Nuremberga. O ensino da matemática, mesmo o da aritmética elementar, sempre foi reconhecidamente difícil. Os primeiros registos de tentativas de o tornar mais agradável chegam-nos da Babilónia e do Antigo Egito. Este esforço pedagógico tem, portanto, vários milénios. Trata-se de tarefa nunca acabada. Esperemos que o belo Passatempo Arithmetico nos sirva de inspiração para continuarmos a tentar instruir divertindo. Nos tempos que correm, com os recursos tecnológicos disponíveis, temos obrigação redobrada de o fazer.

 FIGURA 8 Die Anfangsgründe der Rechenkunst (©Trustees of the British Museum)

BIBLIOGRAFIA CAMPOS, F. et al. (org.), A Casa Literária do Arco do Cego (1799-1801), INCM 2000. PARLETT, D., The Oxford History of Board Games, Oxford University Press 1999. SEVILLE, A., The Sociable Game of the Goose, Proceedings of the Board Game Studies Colloquium XI, pp. 3-17, Ludus 2009. MASCHERONI, S. & TINTI, B., Il gioco dell’Oca, Bompiani 1981.

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| imigração |

Saúde dos Migrantes Uma expressão também da Misericórdia

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| solidariedade |

Uma rede de Misericórdias solidárias integradas num Sistema Nacional de Saúde procura responder às necessidades das pessoas imigrantes e refugiadas na área da saúde. Os desafios passam pela formação de cada cidadão no exercício dos seus direitos e deveres pela proteção e melhoria da sua saúde. Texto de Rui de Portugal [MÉDICO DE SAÚDE PÚBLICA, DIRETOR EXECUTIVO DO PLANO NACIONAL DE SAÚDE E IRMÃO E SECRETÁRIO DA MESA DA ASSEMBLEIA GERAL DA IRMANDADE DA MISERICÓRDIA E DE SÃO ROQUE DE LISBOA]

N

o Ano Santo da Misericórdia e escrevendo sob convite da Irmandade da Misericórdia e de São Roque, o tema das migrações parece mais do que apropriado. São Roque, um migrante1 de Montpellier, encontra-se doente na sua peregrinação e é curado, como todos os que têm proteção da misericórdia e a desejam se necessitados. Portugal em 20072 durante a Presidência da União Europeia lançou o debate sobre a Saúde

dos Migrantes, em termos europeus, que logo em 20113 se estendeu à agenda da Organização Mundial da Saúde. Temos como país particulares responsabilidades neste tema e temos grande orgulho de ter dado voz a uma população com uma reduzida capacidade de expressão em termos políticos nos diferentes países e nas sociedades internacionais. Somos um povo acolhedor e as nossas Santas Casas de Misericórdia são uma expressão mate-

1. São Roque é peregrino e, como peregrino viajante, representa muito das necessidades de saúde dos migrantes. 2. A saúde e as migrações na União Europeia – http://www2.portaldasaude.pt/portal/conteudos/a+saude+em+ portugal/presidencia+ue/default.htm?wbc_purpose=basic&WBCMODE=PresentationUnpublished%3fwbc_ purpose%3dbasic 3. Resolution WHA_64.10 (2011) – http://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/EB128/B128_R10-en.pdf?ua=1&ua=1

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| imigração |

Somos um povo acolhedor e as nossas Santas Casas de Misericórdia são uma expressão material de como em mais de quinhentos anos nos organizámos para acolher os que mais necessitam

rial de como em mais de quinhentos anos nos organizámos para acolher os que mais necessitam. Os migrantes não têm sido exceção. Um pouco por todo o país as Misericórdias têm sido motor ou cooperantes no processo de instalação desta nova vaga de refugiados e mesmo antes um poiso de acolhimento de imigrantes. Qual será o impacte na empregabilidade de imigrantes no nosso país por parte das Misericórdias? E, nos tempos que correm, e para o (possível) maior problema do nosso país, qual seria a natalidade deste nosso país sem esta população imigrante que acolhemos? O nosso futuro seria certamente bem mais problemático que expectável. Por mim, são muito bem-vindos. Este nosso espaço sem fronteiras tem um domínio comum na Criação e por isso um espaço que é para todos e de todos. Mas, vamos a um outro assunto. Como é a saúde dos migrantes? Hoje sabemos bastante sobre este assunto. Os imigrantes são quase sempre mais saudáveis do que as populações nativas. É natural pensar que as pessoas ou famílias que têm capacidade de migrar apresentem uma condição física e psicológica que lhes permite o esforço de migração. Nota-se bem nos relatos que temos sobre as populações que percorrem centenas de quilómetros a caminhar, por exemplo. Isso não será possível a pessoas com debilidade, certamente. Um grupo de pessoas imigrantes comparado com um grupo de pessoas portuguesas do mesmo grupo etário 146

é mais saudável. É o que se designa por paradoxo de saúde na migração. Sabemos ainda que os imigrantes ajustam o seu estado de saúde ao das populações que os recebem. É natural que as pessoas e as famílias ao integrarem-se em novas sociedades adotem comportamentos e hábitos das famílias e populações que as recebem. Ao adotarem estes comportamentos os riscos de doença ficam equivalentes. Isto, para não falar da exposição de riscos de meio ambiente que são comuns a toda a população. Já o risco em termos de exercício profissional pode ser diferente, dependendo do tipo de profissão que o imigrante ou o nativo têm e por isso um risco de caraterização social e não apenas de ambiente físico. Sabemos também que, com exceção de algumas comunidades e locais de origem, as populações migrantes não são reservatórios de transmissão de doenças contagiosas. O risco é equivalente às populações nativas. A questão em relação às doenças transmissíveis é a outro nível, nomeadamente à dispersão de vetores de doenças como por exemplo do dengue ou do zika. O Sistema de Saúde em Portugal, no qual se inclui para além do Serviço Nacional de Saúde todos os outros prestadores, nomeadamente a rede de prestadores das Misericórdias, tem o dever de garantir uma acessibilidade adequada às populações migrantes como componente de integração das pessoas e famílias com as populações nativas (por exemplo, vacinação ou saúde materna),


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O Sistema de Saúde em Portugal, no qual se inclui para além do Serviço Nacional de Saúde todos os outros prestadores, nomeadamente a rede de prestadores das Misericórdias, tem o dever de garantir uma acessibilidade adequada às populações migrantes 147


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como deve ser também realizado para a área da educação. Portugal tem um plano de ação para migrantes muito completo, incluindo já estes diferentes níveis. As desigualdades em termos de estado de saúde são encontradas não tanto pelo estatuto de migrante mas sim em relação à condição social, nomeadamente na pobreza. A integração das populações migrantes é pois um fator, se bem-sucedido, de melhor condição de saúde. Uma melhor condição de saúde permite ter populações mais produtivas e felizes, para além de promover a sustentabilidade do sistema de saúde. Claro que o nível de integração não é apenas relativo a questões de ordem social, económica, de educação e de trabalho. A saúde também tem um papel a desempenhar na promoção de melhores níveis de literacia para que cada um e as famílias possam ser mais responsáveis pelo melhor nível de saúde que possam atingir, bem como pela responsável e parcimoniosa utilização dos recursos de saúde disponíveis. Muitos dos nacionais e por maioria de razão ainda mais dos migrantes têm dificuldades em “navegar” no sistema de saúde e no nosso Serviço Nacional de Saúde. A navegação pelos níveis de burocracia na área de saúde — por exemplo, direito ao acesso aos serviços e pagamentos (coparticipação) — não é fácil. Instrumentos e processos de facilitação e de melhoria de competências individuais e familiares para correta utilização dos serviços são necessários com uma participação ativa das 148

instituições da sociedade civil e em particular da rede de Misericórdias do país. Para que possamos ter um papel facilitador na integração dos migrantes na sociedade e no sistema, muitas das atividades de rastreio em saúde promovidas pelas diferentes entidades públicas, privadas e sociais e muitas vezes de iniciativa individual devem incidir na adequada utilização dos serviços de saúde, como por exemplo as formas de acesso aos serviços, a realização do testamento vital, a informação sobre direitos e deveres, a utilização dos meios informáticos ao dispor para cada cidadão utilizar os serviços — registo do PDS —, bem como em informação para uma cidadania responsável em autocuidados de saúde. Cada cidadão é o primeiro responsável pelo seu estado de saúde. Tem o dever de promover o seu melhor nível de saúde, de manter o seu melhor nível de saúde e de minimizar as situações de doença. As famílias e a sociedade em geral devem apoiar este processo de responsabilidade individual. Os serviços de saúde deverão facilitar a adoção de comportamentos promotores de saúde, bem como saber prevenir, tratar e reabilitar estados de doença. Isto é, nas feiras de saúde ou em outro tipo de eventos, parece-me que será substancialmente melhor e mais eficiente substituir os típicos rastreios de HTA, diabetes, colesterolemia e outras por ações de capacitação de cidadania para a saúde promovendo a capacidade de decisão informada em relação à saúde. Não será mais útil


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saber marcar uma consulta ou escolher o hospital mais adequado para um tratamento do que, com grande probabilidade, repetir a análise que se fez no último rastreio de rua ou no serviço de saúde? Diria que se inclui esta proposta na obra de misericórdia — dar bons conselhos. Claro que a capacitação de cada cidadão, das famílias e das populações não retira a responsabilidade de nos serviços de saúde saberem orientar-se para melhor utilização dos recursos e melhores resultados em saúde. Misericórdia em saúde é o reconhecimento do direito de saúde também para as populações migrantes. Misericórdia é um ato da Criação e de dignidade humana e, por isso, um direito inapelável. Muito em Portugal se tem feito nesse sentido e espera-se que o resultado menos bom de avaliação da integração dos migrantes, em relação à saúde, no nosso país, avaliado pelo MIPEX4, relativo a novembro de 2014, seja apenas esporádico. Na próxima avaliação internacional teremos de apresentar uma avaliação que nos honre e que nos possamos orgulhar como país e povo de bom acolhimento. A nossa rede de Misericórdias, solidárias e de raiz popular, sabe bem responder a estas necessidades para o bem comum.

informação complementar Alto-Comissariado para as Migrações – http://www. acm.gov.pt/acm Plano Estratégico para as Migrações 2015-2020 – http://www.acm.gov.pt/-/plano-estrategico-paraas-migracoes-pem Direcção-Geral da Saúde – Promoção de Saúde dos Migrantes – http://www.dgs.pt OMS _ EUROPA – Migration and Health – http:// www.euro.who.int/en/health-topics/healthdeterminants/migration-and-health Revista Migrações – Imigração e Saúde (2007) – http://www.ceg.ulisboa.pt/migrare/publ/ migracoes1_completo.pdf#page=143 EuroHealth (2010) – Migration and Health – http:// www.gla.ac.uk/media/media_177502_en.pdf

4. MIPEX_2015 – www.mipex.eu

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Religião e medicina: controvérsias à parte Nas múltiplas dimensões do ser humano, a relação da dimensão espiritual com a saúde tem vindo a ganhar cada vez mais adeptos e reconhecimento dentro da comunidade científica. Mas nem sempre foi assim, em particular no mundo ocidental. Texto de Fernando Sampaio [COORDENADOR DIOCESANO DOS CAPELÃES HOSPITALARES E CAPELÃO DO HOSPITAL DE SANTA MARIA. COORDENADOR NACIONAL DAS CAPELANIAS HOSPITALARES E COLABORADOR DA IRMANDADE DA MISERICÓRDIA E DE SÃO ROQUE DE LISBOA]

A

religião e a medicina têm relações estreitas e milenares, à exceção dos dois últimos séculos com a medicina ocidental biomecanicista. Para isso muito contribuiu a conflitualidade crescente entre a ciência e a religião e a separação progressiva entre as duas, a partir do século xvi; as filosofias da morte de Deus e ideologias antirreligiosas; o paradigma científico centrado no observável e na experimentação como único acesso ao conhecimento; o otimismo científico que, numa visão evolucionista, apontou a ciência como última eta-

pa da evolução da humanidade; e a psicanálise com o seu reducionismo explicativo dos fenómenos psíquicos e subjetivos da alma humana. Segundo Freud1, a ideia de Deus e as crenças não passavam de fenómenos neuróticos. A sua promoção e propagação era prejudicial à saúde e ao bem da humanidade, mas estava em seu ocaso com a aurora da etapa científica. Também a psiquiatria francesa do século xix e princípio do século xx classificou a religião como patologia delirante, nomeadamente Janet e outros2. A religião foi parar às classificações psiquiátricas.

 Miniatura de uma crónica francesa que descreve administração de medicamentos a um rei doente. Datada do século XIV

1. Cf. obras de S. Freud sobre a religião, nomeadamente: O futuro de uma ilusão, Mal-estar na civilização e Totem e tabu. 2. Cf A. Ávila, Para conocer la psicología de la religión. Navarra: Editorial Verbo Divino, 2003; David, M. WULFF, Psychology of Religion: Classic and Contemporary. John Wiley & Sons, inc., 1997 (2.ª ed.).

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Da importância da religião e da espiritualidade na saúde dão testemunho muitos profissionais de saúde e a solicitude das igrejas pelos seus doentes, bem como o testemunho da diversas religiões. Essa relevância está consensualizada no Decreto-Lei n.º 253/2009, que regula a assistência espiritual e religiosa nos hospitais públicos” Foi retirada recentemente, ironia do destino, pela mão da ciência. Muitos estudos científicos têm evidenciado os benefícios que a religião aporta à saúde física e mental. Contrariando a ideia de Freud sobre a religião, Francis e colegas (2005)3 verificaram, numa investigação confirmada por estudos internacionais e transculturais, que não há correlação entre religião e neuroticidade e por isso a prática religiosa não depende da neuroticidade do sujeito. Os mesmos autores também testaram as hipóteses da psiquiatria francesa e chegaram à conclusão de que existe uma correlação negativa entre psicoticismo e prática religiosa cristã, isto é, quanto maior é o psicoticismo, menor é a disposição para uma vivência e prática religiosa coerente e estruturada e vice-versa. Parece, portanto, não haver bases científicas para as afirmações de Freud e da psiquiatria francesa, posições que tan-

ta influência têm tido no discurso antirreligioso do século xx e início do século xxi. Os psiquiatras franceses não estudaram a experiência religiosa em si mesma, como fizeram William James e outros psicólogos ou sociólogos, como R. Otto. Janet, por exemplo, partiu dos delírios místicos de doentes psicóticos para estudar a religiosidade de Santa Teresa, São João da Cruz e outros místicos. Ribot, seu colega, identificava o misticismo com algumas formas de patologia, nomeadamente com estados de depressão e melancolia ou mania4. Como se verifica, eles partiram da patologia e de uma perspetiva enviesada da religião. A conclusão não poderia ser outra senão uma generalização abusiva que a experiência religiosa é uma patologia. Freud, na psicanálise, fez o mesmo. Não se descarta, no entanto, o facto de algumas manifestações de religiosidade poderem ser perturbadas e fomentarem comportamentos patológicos, individuais ou coletivos, mas revela-se ideológica e abusiva uma patologização da religião. Contra essas posições negativas, Jung defendia ainda no tempo de Freud os benefícios da religião na estruturação e individuação do sujeito. Depois da Grande Guerra, diversos autores das correntes da fenomenologia existencial e humanista interessaram-se também pela religião. Alguns tiveram-na em conta em suas teorias e práticas terapêuticas, sendo V. Frankl, com a logoterapia, o mais expressivo. Nos nossos dias, Benson, professor da Faculdade de Medicina de Harvard, vai ainda mais longe. Sustenta que as crenças têm repercussões físicas e possuem um papel importante na prevenção e tratamento de enfermidades. Para este autor a tendência dos seres humanos para a religião e a experiência espiritual está inscrita nos genes. O homem foi desenhado para crer5 e por isso a apetência religiosa parece ser

3. Cf. Francis et al., Faith and Psychology: Personality, Religion and the Individual, Darton: Longman and Todd Ltd, 2005. 4. Cf A. Ávila, Para conocer la psicología de la religión. Navarra: Editorial Verbo Divino, 2003; David M. WULFF, Psychology of Religion: Classic and Contemporary. John Wiley & Sons, inc., 1997 (2.ª ed.). 5. Cf. J. Ferrer, Medicina y Espiritualidad: redescubriendo una antigua alianza. In Bioética: um diálogo plural (Homenaje a Javier Gafo Fernández). Madrid: Ed. Univ. Pontificia Camillas, 2002:891-917. Herbert BENSON, M.D., Timeless Healing: The Power and Biology of Belief. New York: Simon & Schuster, 1997.

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Pintura do êxtase de Santa Teresa de Ávila, Museu de São Roque, SCML

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 Basilica di Santa Caterina, Galatina, Puglia. Fresco no claustro, por Fr. Giuseppe de Gravina de Puglia em 1696.

instintual: todo o homem é religioso por natureza. No entanto, o autor defende que afirmar Deus ou negá-lo, ser crente ou ateu, são posições religiosas bem diferentes. Contrariando as posições negativas expostas, estão os benefícios da religião na saúde física e mental, abundantemente descritos na literatura. H.P. Guimarães e A. Avezum (2007)6, numa revisão bibliográfica na MEDLINE, verificaram a existência de 35 828 artigos associados ao binómio Religion and Health e 4434 relacionados com spirituality and health entre 1982 e 2007.

A qualidade de vida, o bem-estar, sentido para a vida, para não falar da socialização e do suporte social, são benefícios inerentes à prática religiosa. O psicólogo e estudioso da espiritualidade e da religião, Harold Koenig (2008), diz que investigações empíricas sistemáticas feitas em vários países têm demonstrado que “as pessoas (…) com fé religiosa profunda pareciam lidar melhor com stresses da vida, recuperar mais rapidamente da depressão e apresentar menos ansiedade e outras emoções negativas que as pessoas menos religiosas” (…) e que (…) “as crenças e práticas

6. Cf. H. Guimarães e A. Avezum. O impacte da espiritualidade na saúde física. In Revista de Psiquiatria Clínica, 2007, 34, supl 1; 88-94, 2007.

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religiosas estão associadas a um maior bem-estar e a melhor saúde mental”7. Por sua vez J.T. Chibnall et al. (2002), bem como R. McCoubrie et al. (2003), citados por A. Payás et al. (2008)8, afirmam que o sofrimento espiritual está associado a mal-estar generalizado, desânimo, revolta, provocando um aumento de tensão, estados confusionais, ansiedade e depressão, ausência de sentido, desesperança, desejo de morte, comportamentos suicidas. Por último, D. Oman & C.E. Thoresen (2005)9 defendem a existência de cinco fatores genuinamente religiosos que promovem a saúde. Para eles, a religião: a) desafia o crente a adotar comportamentos saudáveis, através das suas propostas ético-morais e dos valores, e censura os comportamentos de risco, nomeadamente sexuais, abuso de substâncias, etc.; b) promove estados psicológicos emocionais positivos — alegria, esperança, compaixão, amor, admiração, agradecimento, empatia — e censura os negativos — tristeza, ódio, vingança, inveja; c) apresenta estratégias de coping específicas para enfrentar eventos negativos da vida; d) constitui um importante fator de socialização e suporte social e afetivo de apoio; e) permite o desenvolvimento de mecanismos semelhantes a mecanismos psicológicos que promovem o empowerment da pessoa — oração, meditação, perdão/reconciliação, virtudes, oração de terceiros. Estes fatores merecem ser valorizados e estudados pelos agentes pasto-

rais para deles tirar todo o proveito e potencializar de uma forma mais consciente e convincente a experiência de fé pessoal e comunitária. Em conclusão, a relevância da religião para a saúde apontada pela investigação científica é inegável e evidente. Verifica-se, com efeito, um retorno do espiritual e do religioso pela via científica. Da importância da religião e da espiritualidade na saúde dão testemunho muitos profissionais de saúde e a solicitude das igrejas pelos seus doentes, bem como o testemunho de diversas religiões. Essa relevância está consensualizada no Decreto-Lei n.º 253/2009, que regula a assistência espiritual e religiosa nos hospitais públicos. É tempo de abandonar trincheiras ideológicas e impedimentos práticos em muitas instituições de saúde porque o que está em causa é o bem do doente, particularmente do doente crente; é tempo de valorizar e respeitar a pessoa em todas as suas dimensões, nomeadamente a dimensão espiritual. Desvalorizar, impedir ou negar aos doentes a satisfação das suas necessidades espirituais é ser intolerante e antidemocrático, insensível e violento, insensato e desumano. Mas é tempo também de a Igreja valorizar a assistência espiritual e religiosa nos hospitais, empenhando-se em não deixar vagas as capelanias, em nomear capelães competentes e que ocupem efetivamente o seu lugar, em formar e profissionalizar os seus agentes.

7. Harold Koenig. Religião, espiritualidade e psiquiatria: uma nova era na atenção à saúde espiritual. In Revista de Psiquiatria Clínica, 2008, http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol34/s1/5.html; Saturday, 29 de September @ 13:48:44 CDT. 8. Cf. Payás, A., Barbero, J., Bayés, R.Benito, et al. Cómo perciben los profesionales de paliativos las necesidades espirituales del paciente al final de la vida?. In Medicina Paliativa, 2008, 15, 4: 225-237. 9. Cf. D. Oman & C.E. Thoresen, Do religion and spirituality influence health?. In Handbook of the Psycholoy of Religion and Spirituality. Ed. By Paloutzian, Raymond F. & Park, Crystal L. NY/London: The Guilford Press;2005, pp. 435-459.

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Inovação e integração de cuidados de saúde Focada na inovação e na integração dos cuidados de saúde num modelo participativo de cidadãos, profissionais e autarquias, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo apresenta diversos projetos, enquanto boas práticas demonstrativas das diversas formas que a integração de cuidados de saúde pode apresentar e dos resultados que permite alcançar. Texto de Rosa Valente de Matos1 e Carlos Caeiro Carapeto2 [1. PRESIDENTE DO CONSELHO DIRETIVO DA ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DE LISBOA E VALE DO TEJO, IP; 2. GESTOR DE ÁREA PARA A INTEGRAÇÃO DE CUIDADOS NA ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DE LISBOA E VALE DO TEJO, IP]

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Sinopse

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om o envelhecimento da população, cada vez mais pessoas terão necessidade de cuidados de saúde, mas haverá menos pessoas a financiar essa procura. O aumento da capacidade de inovação dos serviços de saúde é uma das soluções para encontrar novas formas de prestar mais e melhores cuidados de saúde com menos recursos. Uma das principais inovações organizacionais promovidas nos últimos anos nos sistemas de saúde mais desenvolvidos é a integração de cuidados. Na região de Lisboa e Vale do Tejo está em curso uma estratégia que visa promover formas de assistência integrada aos cidadãos envolvendo os cuidados de saúde primários, os cuidados hospitalares, as autarquias locais e o setor não-governamental. Um dos motores dessa estratégia é a inovação prática, testada e desenvolvida nos serviços de saúde, desenhada a partir das necessidades reais dos cidadãos, com a participação dos mesmos e concretizada por equipas multidisciplinares de profissionais de saúde. Inovar é uma atitude Os desafios da prestação de cuidados de saúde aos cidadãos exigem das instituições e dos profissionais soluções inovadoras. A inovação não é um fim. É uma forma de transformar as novas ideias em valor. Esse valor traduzir-se-á em cuidados de saúde mais acessíveis, inclusivos e de melhor qualidade. No entanto, a criatividade e a inovação não podem ser vistas como acontecimentos festivos ou casuais. Para ser sustentável, a inovação deve possuir um enquadramento estratégico claro, orientação para resultados mensuráveis e ser desencadeada a partir das necessidades reais das pessoas. Não basta inovar a pensar nas pessoas. É preciso que essas mesmas pessoas, no caso concreto, os cidadãos que utilizam os serviços de saúde, participem na construção das soluções inovadoras. Uma cultura assim nos serviços de saúde só é alcançável se a capacidade de inovar for uma capacidade omnipresente nesses mes-

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mos serviços. Para isso, o caminho mais eficaz é o da concretização de projetos concretos, da aprendizagem através dos resultados alcançados, da partilha de conhecimento e da integração de saberes, perspetivas e ideias oriundas de dentro e fora das instituições, de peritos e dos simples utilizadores dos serviços, das tecnologias e das dimensões humanas nas organizações. Para isso, é claro, as lideranças devem saber proporcionar o enquadramento mais favorável ao surgimento de ideias novas, ao trabalho colaborativo, a uma escuta ativa das pessoas e ao surgimento do reconhecimento dos profissionais que, de forma empenhada e apaixonada, abraçam esses desafios. Inovar exige ideias novas, espaço para testar a sua exequibilidade, liberdade para trabalhar através das fronteiras organizacionais dentro e fora dos serviços de saúde. Não se trata de uma simples técnica, é uma atitude cultural. INTEGRAÇÃO DE CUIDADOS Na generalidade dos países, os sistemas de saúde enfrentam desafios comuns decorrentes do envelhecimento da população e do crescente impacte das doenças crónicas. É uma realidade que exige abordagens integradas, focadas nas pessoas, onde a multidisciplinaridade e a capacidade de coordenação no seio das redes são dois ingredientes essenciais. Em 19 de maio de 2016, a Portuguese Association for Integrated Care (PAFIC), a International Foundation for Integrated Care (IFIC) e a Fundação Calouste Gulbenkian organizaram um encontro com o objetivo de promover a discussão e a disseminação da integração de cuidados em Portugal. Nesse encontro, foi apresentado o resultado da discussão do European Framework for Action on Integrated Health Services Delivery da Organização Mundial da Saúde (OMS), iniciativa que pretende suportar os Estados membros da OMS na implementação da integração de cuidados. Foi igualmente apresentada uma versão compacta da Integrated Care Academy© desenvolvida pela IFIC, cujo objetivo é a clarificação de conceitos e o aprofundamento de capacidades práticas. Foram também


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apresentados os resultados de um estudo desenvolvido em parceria entre a Fundação Calouste Gulbenkian e a Escola Nacional de Saúde Pública sobre o impacte da criação das unidades locais de saúde (ULS) em Portugal, que analisou os aspetos das experiências portuguesas de integração vertical de cuidados.

cedimentos ao nível dos serviços, dos gestores e dos profissionais de saúde. Entre as instituições do Serviço Nacional de Saúde (SNS) existe uma tradição de colaboração e um conjunto disseminado de experiências e projetos de articulação, mas quase sempre centrados nos processos administrativos e menos no cidadão.

O momento atual exige que reequacionemos o modo de intervenção dos serviços de saúde para evitar os disfuncionamentos destes serviços e as descontinuidades na prestação de cuidados aos cidadãos O momento atual exige que reequacionemos o modo de intervenção dos serviços de saúde para evitar os disfuncionamentos destes serviços e as descontinuidades na prestação de cuidados aos cidadãos, das quais resulta a fragmentação da assistência prestada às pessoas e uma eficiência reduzida. Esta necessidade resulta, entre outros aspetos, da evolução demográfica e tecnológica, das abordagens terapêuticas, mas também do perfil estratificado dos serviços de saúde. A doença e os processos terapêuticos não devem ser vistos como uma linha de intervenção única e linear, mas como a gestão de circuitos complexos, minuciosos e interdependentes, que é necessário coordenar e ajustar. A articulação de cuidados, que está no cerne da integração, não é mais do que pôr pessoas, neste caso os profissionais dos serviços de saúde, a resolver os problemas de outras pessoas, ou seja, os utentes destes mesmos serviços. Trata-se, por isso, de implementar mecanismos de colaboração entre profissionais e serviços de saúde em função da situação real do doente e não de abstrações tipificadas, de forma a derivar do doente no interior do sistema administrativo burocrático. Parece simples mas exige um grande esforço de coordenação e alinhamento de objetivos e pro-

Do ponto de vista das opções de política do sistema e de desenho do modelo de articulação, o legislador tem mostrado uma preferência por modelos de integração vertical em que se unificam numa só entidade as unidades prestadoras de determinada área geográfica. Assim, desde que o Decreto-Lei n.º 207/99, de 9 de junho, criou a primeira ULS e definiu que este era o melhor modelo, “criando as condições de integração dos cuidados, coletivizando os problemas que hoje cada nível de cuidados enfrenta sozinho, partilhando responsabilidade e recursos”, existem já oito ULS. Um estudo recente mostra que 17 anos após a criação das ULS (que abrangem 11% da população e 12% do envelope financeiro) os objetivos e a efetivação da integração ainda não foram interiorizados pelos profissionais. É difícil concluir se estes resultados são mais preocupantes se cingirmos a questão à integração vertical e ao relativo insucesso desta ou porque se trata de um problema mais vasto que é a incapacidade de mobilizar e alinhar a organização relativamente a determinados objetivos ou políticas, sejam eles quais forem, que não é mais do que um sintoma do desconhecimento dos colaboradores relativamente ao ciclo de planeamento estratégico e operacional das suas unidades. O mesmo estudo concluiu que o 159


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madas em soluções sem rigor, disciplina e aprendizagem. A inovação na prática é aquilo que os projetos já apresentados publicamente e os que estão agendados para as próximas sessões têm sido capazes de mostrar.

nível de integração normativa é mais elevado do que o da vertente clínica e de informação. A mudança da arquitetura legal não é suficiente para, só por si, alterar comportamentos e transformar as instituições. É preciso também, pelo menos, alterar as relações de força e de poder dentro e entre as organizações e adequar os incentivos à mudança de comportamentos. CICLO DE PROJETOS INOVADORES A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP criou uma iniciativa com o objetivo de reconhecer os projectos inovadores e proporcionar um espaço de partilha de conhecimento. O Ciclo de Projetos Inovadores, que teve a sua primeira sessão realizada no mês de maio deste ano, não está associado a nenhum prémio. É apenas um espaço onde os serviços de saúde promotores de projetos inovadores e os profissionais que os levaram à prática podem partilhar as suas ideias, as suas realizações e os resultados que alcançaram com outros serviços e profissionais de saúde. Pelo meio, são igualmente partilhados os obstáculos encontrados e a forma como foram transpostos. Não há projetos inovadores sem ideias novas, mas não há ideias novas transfor160

CAMAS PARA TODOS Uma das imagens mais impressivas na organização de um hospital é a departamentalização clássica, criada a partir das especialidades e subespecialidades. Essa divisão, transversal ao sistema de gestão do hospital, é também a forma como os próprios cidadãos percebem o hospital quando falamos de internamento. Tradicionalmente, a gestão do internamento, designadamente a gestão das admissões e das altas dos doentes, está subordinada a uma visão fragmentada e particular dos gestores de cada serviço. Esta situação impede uma visão global das camas disponíveis de um hospital, dificulta o programa das admissões e das altas, o planeamento atempado das altas e, como consequência, traduz uma utilização pouco eficiente das camas disponíveis no hospital, dificulta o acesso dos cidadãos a cuidados diferenciados e promove a existência de visões parcelares do próprio hospital. Uma pequena equipa constituída por um médico, duas enfermeiras e uma assistência técnica gere um sistema de previsão de altas, monitorização e acompanhamento do internamento no Hospital Garcia de Orta, EPE que tem sido capaz de operar uma pequena revolução na rigidez tradicional da departamentalização que carateriza a organização interna de um hospital. Com o apoio de uma plataforma eletrónica e muita comunicação presencial e direta foi possível ultrapassar o principal obstáculo neste processo: a resistência à mudança dos próprios profissionais de saúde ligados a cada serviço. O hospital foi para casa E se o doente não fosse para o hospital? Se fosse o hospital a ir para casa do doente? Pode parecer uma inversão de pressupostos fácil de compreender, mas exigente do ponto de vista da sua


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A mudança da arquitetura legal não é suficiente para, só por si, alterar comportamentos e transformar as instituições. É preciso também, pelo menos, alterar as relações de força e de poder dentro e entre as organizações e adequar os incentivos à mudança de comportamentos execução e sustentabilidade. No Hospital Garcia de Orta, EPE, uma equipa constituída por seis médicos, nove enfermeiros, uma assistente social, uma farmacêutica, uma dietista, uma administradora hospitalar e uma assistente técnica, assegura a Unidade de Hospitalização Domiciliária (UHD). Na prática, trata-se de um modelo de assistência hospitalar do doente agudo com prestação de cuidados de saúde no seu próprio domicílio. Os destinatários são doentes agudos com patologia de complexidade elevada mas com possibilidade de internamento hospitalar no domicílio. Esta unidade nasceu em articulação com o Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) de Almada-Seixal com o objetivo de humanizar os cuidados, oferecendo tratamento diferenciado de nível hospitalar no conforto da residência dos doentes, reduzir a taxa de complicações relacionadas com o internamento hospitalar, aproximar o hospital da comunidade, desenvolvendo uma medicina de ambulatório e uma atividade de educação para a saúde, na família, no indivíduo e na comunidade, promover a recuperação funcional e a autonomia do doente no seio da sua família e estimular a participação ativa da família na prestação de cuidados, prevenindo a rejeição e o abandono. A integração desta iniciativa não se resume aos cuidados de saúde. São parceiros deste projeto as forças de segurança local, os lares de idosos, a Rede Nacional de Cuidados, as autarquias (câmaras municipais e juntas de freguesia de Almada e Seixal).

Nos quatro meses e meio de funcionamento, entre 16 de novembro de 2015 e 30 de abril de 2016, a UHD avaliou 229 doentes, dos quais 123 saíram deste regime para os cuidados de saúde primários, 12 para outro serviço do Hospital Garcia de Orta, EPE, tendo sido registado apenas 1 óbito. Na prática, foram 1047 dias de internamento, com 8,1 dias de demora média, 0% de taxa de reinternamento, 1578 visitas domiciliárias, 2940 horas de enfermagem e um custo de 431,03 euros por cada doente (por oposição a 2285 euros por Grupo de Diagnóstico Homogéneo do Hospital). Cuidados paliativos no domicílio No Centro Hospitalar Barreiro-Montijo, EPE, uma equipa de quatro médicos, três enfermeiros, uma psicóloga, uma assistente social, uma administradora hospitalar (a gestora do projeto) e uma assistente técnica asseguram uma equipa comunitária de suporte em cuidados paliativos, sediada no CHBM (Hospital Nossa Senhora do Rosário), financiado pelo Programa Gulbenkian Inovar em Saúde, da Fundação Calouste Gulbenkian. Do ponto de vista organizacional, é também um projeto integrador do agrupamento de centros de saúde (ACES) do Arco Ribeirinho do e das autarquias locais. A Unidade Domiciliária de Cuidados Paliativos Barreiro-Montijo (UDCP-BM) tem por missão assegurar cuidados paliativos de qualidade no domicílio, aos doentes e às suas famílias em situação de sofrimento decorrente de doença avançada e progressiva desde a admissão até 161


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ao período do luto, prestar aconselhamento diferenciado e assegurar formação em cuidados paliativos às equipas das entidades parceiras. Esta assistência assenta na integração de diferentes tipos de cuidados de saúde e não só (médicos gerais, médicos especializados, designadamente no âmbito da psiquiatria, de enfermagem, de psicologia e de assistência social). As famílias dos doentes são integradas neste processo em função das suas capacidades e condições específicas. Tendo em vista objetivar e quantificar os ganhos obtidos para o hospital, foi efetuada uma estimativa do tempo de internamento e de idas à urgência evitadas com a prestação de cuidados paliativos no domicílio. No período em análise, foi evitada pelo menos uma ida à urgência ou de internamento em todos os doentes, não só pelo controlo de sintomas, mas pela segurança dada ao doente e família pela equipa. A equipa da UDC-BM estimou uma poupança mínima de 2268 euros em episódios de urgência e de 36442 euros em dias de internamento. Desburocratizar os pedidos de altas e transferências No Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE (CHLC) uma parceria interna entre a Área da Gestão dos Sistemas e Tecnologias de Informação e a Área da Urgência e Cuidados Intensivos conduziu ao desenvolvimento de uma ferramenta informática que automatiza os pedidos de transferências, altas, óbitos, etiquetas, admissões urgentes e programadas e pré-registo da cirurgia segura, à urgência, no seu período de cobertura administrativa ao CHLC e que agiliza as transferências para o internamento, pela possibilidade de visualização online das vagas existentes, por polo, serviço, quarto e género. É designada por ARPAT (acrónimo de Aplicação do Registo de Pedidos de Altas Transferências) ou “Aplicação do Lápis”, que começou a ser utilizada no início do ano de 2014. Neste período, esta iniciativa contribuiu para a agilização na concretização dos pedidos, a diminuição dos erros de registos, a informação ao enfermeiro da hora de concretização 162

do pedido, uma maior eficiência nas transferências intra-hospitalares e dos transportes, a menor dependência do telefone para concretização dos pedidos, o menor dispêndio de tempo do enfermeiro em tarefas administrativas, a desnecessidade de deslocação de assistente operacional para levantar etiquetas, libertação do administrativo para o melhor atendimento, a gestão das tarefas por prioridade, o rigor e transparência na gestão de vagas e visualização em tempo real de camas disponíveis, por serviço, quarto e tipologia, acesso por parte do Bloco ao registo eletrónico da checklist da “cirurgia segura”, a monitorização dos tempos de resposta e mais fácil intervenção nos casos de desvios, a responsabilização dos intervenientes, a diminuição dos conflitos comunicacionais no processo, o pleno conhecimento do pedido, do estado do mesmo e de todos os detalhes relacionados, bem como a possibilidade de se efetuarem estudos relacionados. As evidências recolhidas pela equipa do projeto em 27 meses de utilização (de janeiro de 2014 ao primeiro trimestre de 2016) demonstram uma maior utilização do ARPAT com a sua “aculturação”: passou de uma média diária de 37 pedidos para 84 em 2016. Capacitar para uma vida ativa Uma visão centrada no cidadão e não apenas nos processos e nas técnicas da medicina promove uma abordagem construída a partir da experiência real do doente que começa antes do seu internamento, prolonga-se depois do momento da alta e estende-se ao próprio contexto familiar e às particularidades da sua vida quotidiana. Para uma equipa do hospital de Vila Franca de Xira, o problema retratado através de uma visão como esta tinha os seguintes contornos: elevado tempo médio de internamento, envelhecimento da população, condicionamento do doente na realização das atividades da vida diária (AVD) no pós-operatório, tornando-o dependente de apoio de terceiros, cuidadores familiares idosos e como um elevado grau de desconhecimento da rede de suporte social e dificuldades na articulação entre o


| investigação e desenvolvimento |

hospital e o ACES no momento da alta. A solução encontrada para fazer face a este problema teve como objetivo garantir uma transição segura para a comunidade do doente sujeito a uma intervenção programada na especialidade de ortopedia, promovendo o envolvimento precoce do próprio e dos familiares (na etapa pré-operatória), investindo na formação e capacitação da família ou do cuidador no processo de recuperação, em articulação com o ACES, onde será dada continuidade aos cuidados ao doente na fase posterior à alta. O projeto desenrola-se em três fases: a primeira fase, que ocorre num momento pré-operatório, onde tem lugar a Consulta Vida Ativa, a fase do internamento e, por último, a fase da alta clínica. A integração de cuidados inicia-se logo na primeira fase, com uma abordagem multidisciplinar, com objetivos do foro clínico e objetivos focados no seu doente cuidador. Na segunda fase, o internamento, ocorrem também mais atividades do que aquelas que dizem respeito à atividade cirúrgica: são programadas ações educativas com base nas necessidades do familiar cuidador no que respeita às AVD, nomeadamente a gestão do regime terapêutico, a prevenção de quedas, as tarefas de vestir e despir, as transferências, a marcha, a utilização de dispositivos auxiliares, a utilização do sanitário e as mobilizações ativas. É nesta fase que são realizadas sessões de ensino e treino do doente e de capacitação do cuidador. Na terceira fase, a da alta clínica, realizam-se visitas domiciliárias por equipas de enfermeiros do ACES para monitorizar as necessidades identificadas anteriormente, até ao momento da alta definitiva dos doentes e dos cuidadores. Como áreas de intervenção, o hospital considerou prioritárias a Consulta de Vida Ativa da artroplastia da anca e do joelho e outras áreas da cirurgia ortopédica programada, designadamente a ligamentoplastia do joelho, a artroplastia do ombro, a discectomia e a artrodese da coluna. O projeto foi iniciado em julho de 2015 e teve como principal impacte a redução da demora média interna de internamento e a redução dos custos daí resultantes. A equipa é constituída por uma enfermeira-chefe do inter-

namento de especialidades cirúrgicas, uma enfermeira especialista do internamento de especialidades cirúrgicas, uma enfermeira especialista da unidade de cuidados na comunidade do ACES do Estuário do Tejo, o diretor do serviço de ortopedia, um médico ortopedista, por equipa de fisioterapeutas e por uma assistente social. Conclusões O cidadão é o centro da integração de cuidados de saúde. Sem essa centralidade estaremos mais uma vez a falar de processos colaborativos desenhados a partir dos processos burocráticos e de uma cultura marcada pelas fronteiras organizacionais dos serviços de saúde. A construção de soluções integradas orientadas para a satisfação das necessidades reais dos cidadãos, por oposição à entrega de soluções fragmentadas, exige capacidade de inovação. Também aqui, é necessário inovar a partir das pessoas, com o envolvimento dos utentes dos serviços, dos profissionais de saúde e dos parceiros oriundos do sistema de saúde e fora dele. Esta fórmula exigente é a chave do sucesso. Não se trata de algo que aconteça como uma consequência natural da expressão de boas intenções. É necessário trabalhar todos os dias com essa finalidade, identificar disfunções, ouvir as pessoas, tecer ligações, negociar alinhamentos e parcerias com efeito prático. A promoção da integração de cuidados é uma função que exige a dedicação exclusiva de profissionais experientes e livres da departamentalização tradicional das estruturas de saúde. Com essa ambição, a ARSLVT, I.P. institucionalizou a gestão de integração de cuidados de saúde, conjugando-a com a perspetiva da divisão administrativa da governação, designadamente dos municípios e das entidades supramunicipais (as comunidades intermunicipais e a Área Metropolitana de Lisboa), porque as autarquias, pela sua proximidade com a população, são atores-chave neste desígnio. Os projetos descritos nos pontos anteriores são demonstrativos das diversas formas que a integração de cuidados de saúde pode tomar e dos resultados que permite alcançar. 163


| resíduos hospitalares |

Gestão Integrada de Resíduos Hospitalares A minimização dos riscos associados aos resíduos hospitalares requer o estabelecimento de práticas eficazes de gestão. No presente artigo podemos ver como a estratégia de sustentabilidade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa desenvolve as suas práticas em conformidade com o Regime Geral de Gestão de Resíduos. Texto de Marisa Cristino [UNIDADE DE SUSTENTABILIDADE E INOVAÇÃO, DEPARTAMENTO Da QUALIDADE E INOVAÇÃO_SCML]

164


| investigação e desenvolvimento |

V

ivemos num ecossistema onde os recursos são limitados, sendo por isso mesmo incompatível com o atual modelo de desenvolvimento tecnológico, que favorece uma postura consumista e descartável, caraterística das sociedades modernas. A exploração continuada e irracional dos recursos naturais e a produção de uma diversidade de substâncias e materiais que não existiam na natureza têm conduzido a um aumento exponencial dos resíduos gerados, alguns dos quais considerados perigosos e com impactes irreversíveis no ambiente. De entre estes resíduos, encontram-se os produzidos durante a prestação de cuidados de saúde, os quais ocupam uma posição de extrema importância pela capacidade que têm de contaminar o meio ambiente e de prejudicar a saúde pública, uma vez que compreendem materiais potencialmente infetantes (vírus, bactérias, protozoários e fungos), objetos cortantes e perfurantes, resíduos químicos e ainda farmacológicos. Devido ao seu potencial infecioso e poluente, estes resíduos exigem uma atenção especial ao longo de todo o processo de gestão, sendo necessário garantir a observância rigorosa de procedimentos específicos, desde a etapa de produção até ao momento de eliminação final. O cumprimento destes procedimentos contribui para a diminuição dos riscos para a saúde e mostra-se extremamente necessário para garantir a segurança dos profissionais de saúde e dos utentes em geral. Com a definição da primeira estratégia de sustentabilidade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (2012-2015), um dos eixos identificados como carecendo de intervenção prioritária, no pilar ambiental, foi desde logo a área da gestão de resíduos. Isto porque, não só devido à extensão da sua atividade, como à diversidade das respostas so-

ciais e de saúde que presta, a Santa Casa produz uma quantidade muito assinalável e diversificada de resíduos, entre os quais se encontra uma percentagem bastante significativa de resíduos considerados perigosos, nomeadamente os resíduos hospitalares. Em Portugal, o Regime Geral de Gestão de Resíduos encontra-se consagrado no Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, que altera e republica o Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro. Neste diploma, os resíduos definem-se como “quaisquer substâncias ou objetos de que o detentor se desfaz ou tem intenção ou obrigação de se desfazer (…)”1. De acordo com esta definição, é possível assumir que a sua produção tem um caráter involuntário e/ou inevitável (enquanto subproduto de um processo de transformação), como pode também ser uma consequência do tipo de consumo realizado na esfera pública ou privada. Já relativamente aos resíduos hospitalares, estes são definidos no mesmo diploma legal como: Resíduo resultante de atividades de prestação de cuidados de saúde a seres humanos ou animais, nas áreas da prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação ou investigação e ensino, bem como de outras atividades envolvendo procedimentos invasivos, tais como acupunctura, piercings e tatuagens. Encontram-se assim incluídos nesta definição todos os resíduos resultantes da prestação de cuidados de saúde, quer seja em unidades de saúde, hospitais, lares de idosos ou até mesmo ao nível dos cuidados domiciliários. Apesar da publicação do regime anterior, a classificação destes resíduos em diferentes grupos, bem como a definição dos princípios a que devem presidir a sua organização e gestão global, é feita com base no Despacho do Ministério da Saúde n.º 242/96, de 13 de agosto.

1. Definição segundo a alínea u), do art.º 3, do Decreto-Lei nº 73/2011, de 17 de junho, que altera e republica o Decreto-Lei nº 178/2006.

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| resíduos hospitalares |

É este diploma que classifica os resíduos hospitalares em quatro grupos, de acordo com a sua tipologia, perigosidade, local de produção e tipo de tratamento, conforme evidenciado na Tabela 1. tabela 1 Classificação dos resíduos hospitalares de acordo com a sua perigosidade Grupo I

Resíduos equiparados a urbanos (resíduos que não apresentam exigências especiais no seu tratamento, sendo em tudo idênticos aos resíduos produzidos em contexto doméstico)

Grupo II

Resíduos não perigosos (resíduos de natureza hospitalar, não sujeitos a tratamentos específicos, podendo ser equiparados a urbanos)

Grupo III Resíduos hospitalares de risco biológico (resíduos de natureza hospitalar contaminados ou suspeitos de contaminação, suscetíveis de incineração ou de outro pré-tratamento eficaz) Grupo IV Resíduos hospitalares específicos (resíduos de natureza hospitalar de incineração obrigatória)

 figura 1 Etapas da gestão integrada de resíduos

produção

166

Como é possível constatar pela tabela anterior, durante a prática clínica são produzidos um conjunto de resíduos, em alguns casos em tudo idênticos aos produzidos em contexto doméstico, sendo, por isso, passíveis de integração no circuito de eliminação “normal”. Contudo, são também produzidos uma diversidade de outros resíduos que, devido às suas caraterísticas tóxicas, corrosivas, inflamáveis, explosivas e cancerígenas, acarretam um importante impacte ambiental (por exemplo,

triagem

acondicionamento

recolha e transporte interno

desequilíbrios na fauna e na flora) e constituem um perigo para a saúde pública (como a persistência no meio ambiente ou a possível transmissão de infeções), pelo que importa garantir o seu encaminhamento para destino final adequado. Deste modo, a minimização dos riscos associados aos resíduos hospitalares requer o estabelecimento de práticas eficazes de gestão, que deverão constituir parte integrante do seu ciclo de vida, contemplando a totalidade das operações, desde o momento de produção até à recolha por entidades externas especializadas. Produção O objetivo prioritário da atual política de gestão de resíduos consiste em evitar e reduzir a sua produção, bem como o caráter nocivo dos mesmos. Neste propósito encontra-se implícito o princípio dos 3 R’s — Reduzir, Reutilizar e Reciclar —, pelo que o processo de gestão deverá iniciar-se com a redução da quantidade de resíduos produzidos, privilegiando-se, para tal, uma correta gestão de stocks, especialmente no que se refere, por exemplo, aos produtos químicos e farmacêuticos, através da introdução de critérios ambientais, sempre que tal seja aplicável e possível, relacionados com os materiais utilizados nos produtos e no seu embalamento, do levantamento adequado das necessidades de produtos a consumir, da verificação das datas de validade, da utilização primaz dos produtos mais antigos, da devolução de produtos ao armazém quando se encontrem próximo do termo da validade, entre outros aspetos a ter em consideração.

armazenagem

recolha e transporte EXterno

destino final


| investigação e desenvolvimento |

Triagem Uma das fases mais importantes para a gestão integrada dos resíduos hospitalares é a triagem no local de produção (Tabela 2). O processo de triagem é entendido como “o ato de separação de resíduos mediante processos manuais ou mecânicos, sem alteração das suas caraterísticas, com vista à sua valorização ou outras operações de gestão”2. Caso o processo de separação seletiva seja mal executado, todos os processos a jusante ficarão inevitavelmente comprometidos (acondicionamento, armazenamento, recolha, transporte, tratamento final e, posteriormente, a sua deposição), além de que aumentará a perigosidade inerente ao risco biológico contido no grupo III — Resíduos hospitalares de risco biológico — e ao risco físico associado ao grupo IV — Resíduos hospitalares específicos —, bem como haverá uma maior probabilidade de ocorrência de acidentes de trabalho (como, por exemplo, infeção proporcionada pelo contacto com objetos cortantes ou perfurantes colocados indevidamente num saco ou contentor não destinado a esse fim).

tabela 2 Tipos de resíduos pertencentes aos diferentes grupos de resíduos hospitalares e respetivos locais de produção GRUPO DESIGNAÇÂO

I

LOCAIS DE PRODUÇÃO

· Papel/cartão, plástico/metal, vidro e outros de natureza idêntica; · Desperdícios alimentares provenientes da confeção de refeições; · Madeira, metal, equipamento elétrico ou eletrónico e outros.

II

· Invólucros comuns (ex. papel, plástico, mangas mistas e outros) · Material ortopédico (talas, gessos) não contaminado · Fraldas e resguardos descartáveis não contaminados

III

· Material de penso usado; · Sistemas de administração de soros e medicamentos; · Sacos coletores e fluidos orgânicos; · Seringas; · Resíduos contaminados ou com vestígios de sangue (ex. fraldas, material ortopédico, equipamentos de proteção individual).

IV

· Serviços administrativos

· Serviços de hotelaria/ restauração

· Serviços de apoio/ manutenção

· Salas de tratamento/ diagnóstico

· Quartos de doentes não infeciosos

· Salas de tratamento/ diagnóstico

· Enfermarias · Quartos de doentes infeciosos

· Centrais de esterilização

· Blocos operatórios · Laboratórios

· Cortantes e perfurantes (agulhas, cateteres, etc.);

Acondicionamento Após a correta triagem dos resíduos, é necessário garantir o seu acondicionamento e armazenamento no interior do saco/recipiente correspondente, permitindo assim a identificação clara da sua origem, do seu grupo e do seu destino (Tabela 3). À semelhança da etapa anterior, também esta fase do processo deve merecer especial atenção, pois quando incorretamente triado ou depositado, um resíduo não poderá ser daí retirado para ser recolocado no saco/recipiente correto. Desta forma, é crucial que cada local de produção (sala de tratamentos, sala de vacinação, gabinete médico ou outro local onde se pratiquem cuidados de saúde) esteja equipado com recipientes diferenciados, em função das caraterísticas dos tipos de resíduos aí produzidos e da sua perigosidade.

· Produtos químicos e fármacos; · Peças anatómicas identificáveis; · Citostáticos e todo o material utilizado na sua manipulação e administração

tabela 3 Código de cores aplicável à separação dos resíduos hospitalares GRUPO

I e II II

acondicionamento

Não valorizável Saco Preto Valorizável

Saco amarelo, azul, verde (de acordo com o código de cores da separação seletiva) ou outro contentor específico

III

Saco branco com indicação de risco biológico

IV

Saco vermelho ou contentor de cortantes e perfurantes

2. Definição segundo a alínea pp), do art.º 3, do Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, que altera e republica o Decreto-Lei n.º 178/2006.

167


| resíduos hospitalares |

Os meios de contentorização existentes nos gabinetes de consulta, salas de tratamento e outros espaços similares deverão ser providos de tampa e pedal, ou, em alternativa, ser colocados em suporte próprio, garantindo que os resíduos se encontram fechados e permanecem tapados entre deposições. Como medida de segurança, cada saco deverá ser cheio apenas até 2/3 da sua capacidade, para permitir o seu fecho eficaz por intermédio de braçadeiras plásticas específicas e impedir a proliferação de cheiros desagradáveis. Recolha e Transporte Interno Garantida a correta triagem e acondicionamento dos resíduos, é importante assegurar seguidamente uma gestão logística eficaz ao nível da recolha e transporte intra (quando produzidos dentro do próprio estabelecimento de saúde) e interserviços (quando provenientes de extensões dos estabelecimentos ou dos domicílios de utentes no âmbito de visitas de apoio domiciliário), para minimizar o impacte destes resíduos nos utentes e nos profissionais de saúde. Entende-se, assim, por recolha, a atividade de remoção dos sacos/recipientes acondicionadores dos resíduos dos locais de produção e o seu transporte até ao local de armazenamento de resíduos hospitalares. A frequência e o horário de recolha devem, por norma, ser previamente definidos de acordo com as caraterísticas de cada local de produção, tendo em atenção o volume de resíduos produzidos, os horários de limpeza e a afluência de utentes.

 figura 2 Representação gráfica de um circuito de recolha de resíduos

Sala de reuniões/ Sala Pessoal

Arrumos Mat. Consumo Clínico

Copa

168

Arrumos Fraldas

Arquivo

Secretaria

Recomenda-se uma periodicidade mínima de recolha de uma vez por dia, no final de cada turno, mas devem ser realizadas sempre que necessário. Desde o local de produção até ao local de armazenamento, é ainda necessário definir o circuito que os resíduos devem seguir no interior do estabelecimento de saúde, tendo em conta as caraterísticas dos locais a percorrer (áreas críticas, semicríticas ou não críticas), o impacte de um eventual derrame acidental, o horário em que se pretende realizar o transporte, a comodidade e viabilidade do trajeto e, ainda, o princípio da menor distância. Desta forma, deve ser garantida a operacionalidade dos circuitos internos e, sempre que possível, assegurado o fluxo unidirecional dos resíduos, com horários desfasados do maior afluxo de utentes, e da distribuição de alimentos, medicamentos e roupas (quando aplicável). Durante o manuseamento dos meios de contentorização é imprescindível que todos os trabalhadores estejam munidos de equipamentos de proteção individual adequados (avental de plástico, luvas e máscara) e utilizem equipamentos complementares na movimentação de cargas, como o carro de transporte, evitando a má prática de arrastamento dos recipientes pelo chão. No que se refere aos resíduos hospitalares dos grupos III e IV produzidos durante a prestação de cuidados domiciliários, estes não devem ser deixados em casa dos doentes, para posteriormente serem depositados em contentores de recolha municipal.

Arrumos Res. Hospitalares

Sala Tratamentos

Gab. Consulta Adulto/Idoso

Gab. Consulta Saúde Infantil

Sala Enfermagem


| investigação e desenvolvimento |

Sempre que possível, a prestação deste serviço deve ser realizada com viatura devidamente adaptada, a qual deve possuir um compartimento individualizado para colocação de contentor estanque e hermético para recolha dos resíduos.

Armazenagem De acordo com o Despacho n.º 242/96 do Ministério da Saúde já referido, cada unidade de saúde deve possuir um local de armazenamento próprio para os resíduos dos grupos III e IV (de risco biológico e específico), separado dos resíduos dos grupos I e II (equiparados a urbanos e não perigosos). Este espaço deve ser dimensionado em função da periodicidade de recolha pelo operador de gestão de resíduos, devendo, no mínimo, garantir o armazenamento de resíduos hospitalares correspondentes a três dias de produção. Os compartimentos projetados para acondicionarem resíduos hospitalares por mais de três dias, e até um máximo de sete dias, têm de ser dotados de equipamentos de refrigeração. A sua localização deve garantir o necessário afastamento de áreas de armazenamento de alimentos e de preparação de refeições e estar claramente separado de áreas de armazenamento de material de consumo clínico, medicamentos e roupa, no sentido de evitar infeções cruzadas. Este compartimento deve ainda ser de acesso restrito a pessoal autorizado e manter-se fechado sempre que não esteja a ser utilizado. As condições estruturais e funcionais do compartimento destinado à armazenagem desta tipologia de resíduos deverão cumprir os seguintes requisitos:  Situar-se dentro da unidade produtora,

afastado dos locais de produção e em zona de fácil acesso ao exterior, para permitir a adequada recolha pelo operador de gestão de resíduos;  Possuir teto, paredes e pavimento de material impermeável, liso, facilmente lavável e desinfetável;

 Dispor de iluminação natural ou artificial;  Dispor de ventilação natural ou forçada,

isto é, de entrada de ar fresco na parte de baixo do compartimento e de saída de ar viciado na parte de cima do compartimento;  Dispor de áreas fisicamente separadas para contentores cheios e contentores vazios;  Dispor de sistema de pesagem calibrado periodicamente, de acordo com a legislação em vigor;  Dispor de sistemas que impeçam a entrada de animais e previnam infestações;  Dispor de lavatório com torneira de comando não manual;  Dispor de pontos de água e de ralos no pavimento com ligação à rede de drenagem de águas residuais para assegurar a higienização, em área específica, dos contentores de deposição e dos carrinhos de transporte interno de resíduos;  Dispor de instalações sanitárias com duche para os trabalhadores, sempre que se justifique;  Encontrar-se devidamente sinalizado.  figura 3 Sinalização de perigo de risco biológico a afixar no armazém de resíduos hospitalares

Recolha e Transporte Externo A etapa de recolha e transporte externo compreende as operações de remoção dos resíduos hospitalares do local de armazenagem e o seu encaminhamento para tratamento e destino final adequado. Em Portugal, o transporte de resíduos é regulamentado pela Portaria n.º 335/97, de 16 de maio. No seu ponto 2, determina que esta atividade apenas pode ser realizada pelas entidades responsáveis pela gestão de resíduos, não obstante possa também ser realizada pelo próprio produtor ou por empresa licenciada para o transporte de mercadorias por conta de outrem. No caso dos resíduos hospitalares dos grupos III e IV, o transporte rodoviário encontra-se ain169


| resíduos hospitalares |

 figura 4 Guia de Acompanhamento de Resíduos modelo B, instruções de preenchimento

Transportador

guia de acompanhamento de resíduos · modelo b

preenche os campos 1 e 3

Arquivo da Guia pelo

produtor

Transportador

preenche o campo 2

por um período de 5 anos

da abrangido pelos critérios de classificação de mercadorias perigosas, devendo assim obedecer à respetiva regulamentação nacional de transporte (Decreto-Lei n.º 206-A/2012, de 31 de agosto, que altera o Decreto-Lei n.º 41A/2010, de 29 de abril). Este transporte é efetuado por uma entidade contratada, devendo fazer-se acompanhar de uma “Guia de Acompanhamento de Resíduos” – modelo B (modelo n.º 1429). Relativamente aos resíduos dos grupos I e II, equiparados a resíduos urbanos e não perigosos, como sejam o papel/cartão, plástico/metal, vidro, orgânicos, indiferenciados, entre outros, a responsabilidade da sua recolha e transporte recai sobre as autarquias, entrando assim no circuito de recolha municipal. Já no caso de resíduos como lâmpadas fluorescentes, tinteiros e toners, madeiras, metais, material ortopédico, entre outros, a sua recolha e transporte devem ser assegurados por operador licenciado e fazerem-se acompanhar por “Guias de Acompanhamento de Resíduos”, modelo A (modelo n.º 1428). Tratamento e Destino Final O tratamento de resíduos é entendido por “o processo manual, mecânico, físico, químico ou biológico que altere as caraterísticas de resíduos de forma a reduzir o seu volume ou perigosidade, bem

destinatário

preenche o campo 4

como a facilitar a sua movimentação, valorização ou eliminação após as operações de recolha”3, consistindo a eliminação na operação final e definitiva do resíduo “inativado”. tabela 4 Classificação dos resíduos hospitalares segundo a Lista Europeia de Resíduos e respetivas operações de tratamento GRUPO

I e II

código ler4 (exemplos)

tipo de tratamento

Não 20 03 01 Mistura de resíduos valorizáveis

Valorização energética

Valorizáveis 15 01 01 Embalagens de papel/ cartão 15 01 02 Embalagens de plásticos 15 01 04 Embalagens de metal 15 01 07 Embalagens de vidro 20 01 08 Biodegradáveis 20 01 21 Lâmpadas fluorescentes 20 01 38 Madeira

Reciclagem, compostagem ou outro processo de valorização

III

18 01 03* Resíduos sujeitos a requisitos específicos tendo em vista a prevenção de infeções

Desinfeção física ou química

IV

18 01 01 Objetos cortantes/

Incineração

perfurantes 18 01 02 Partes anatómicas e órgãos 18 01 06* Produtos químicos perigosos 18 01 08* Medicamentos citotóxicos 18 01 09 Medicamentos

3. Definição segundo a alínea ff), do art.º 3, do Decreto-Lei nº 73/2011, de 17 de junho, que altera e republica o Decreto-Lei n.º 178/2006. 4. Considerando a necessidade de harmonização e uniformização da classificação dos resíduos, e tendo como objetivo uma maior facilitação da classificação dos resíduos hospitalares de acordo com a Lista Europeia de Resíduos – LER (Portaria n.º 209/2004, de 3 de março) e do preenchimento do Mapa Integrado de Registo de Resíduos (Despacho n.º 242/96 do Ministério da Saúde, de 13 de agosto).

170


| investigação e desenvolvimento |

Os resíduos químicos e farmacêuticos rejeitados no sistema de esgotos têm efeitos adversos nas operações de tratamento que ocorrem nas estações de tratamento de águas residuais, uma vez que destroem a flora biológica, afetando assim o seu funcionamento, e provocam efeitos tóxicos nos ecossistemas dos cursos de água que os recebem. Registo de produção e da gestão dos resíduos hospitalares O Sistema Eletrónico de Registo Integrado de Resíduos (SIRER), criado no âmbito do Regime Geral de Gestão de Resíduos, tem como objetivo agregar toda a informação relativa aos resíduos produzidos no território nacional, bem como as entidades que operam no setor, determinando a obrigatoriedade de registo de todos os produtores de resíduos perigosos, nos quais os resíduos hospitalares dos grupos III e IV estão inseridos. Este sistema permite o cruzamento dos dados inseridos pelas várias instituições, nomeadamente entre produtores de resíduos e os operadores dos respetivos resíduos, assegurando a correção da informação comunicada e uma eficaz monitorização dos resíduos produzidos no nosso país, bem como do encaminhamento que lhes foi dado.

A gestão de resíduos hospitalares na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa: alguns indicadores: Conforme referido anteriormente, a produção de resíduos hospitalares na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é praticamente transversal a toda a sua atividade na área social e da saúde, registando-se a produção desta tipologia de resíduos nos hospitais, unidades de saúde, lares de idosos, lares de crianças e, ainda, em habitações particulares de utentes, no âmbito da prestação de serviços de apoio domiciliário. No que respeita à evolução da produção de resíduos hospitalares na instituição, constata-se que, após um decréscimo em 2013 e 2014, em 2015 a produção de resíduos do grupo III sofreu uma inversão na tendência, crescendo cerca de 44%. Contribuiu para este aumento um acréscimo da quantidade de resíduos do grupo III produzidos na quase totalidade dos estabelecimentos, que foi particularmente notório no Hospital Ortopédico de Sant’Ana. Nesta unidade hospitalar registou-se, em 2015, um maior número de gráfico 1 Produção de Resíduos Hospitalares na SCML (2012-2015)

116.41 101.79

Quantidade de resíduos (ton)

Enquanto os resíduos dos grupos I e II são equiparados a urbanos e são direcionados para reciclagem, valorização orgânica (compostagem) ou energética, ou depositados em aterros sanitários, os resíduos dos grupos III e IV são considerados perigosos para o ambiente e para a saúde pública, pelo que carecem de tratamento diferenciado. No caso dos resíduos hospitalares de risco biológico (grupo III), aplicam-se processos de descontaminação prévia, tais como a desinfeção física e a desinfeção química, sendo posteriormente tratados como resíduos urbanos, ao passo que no caso dos resíduos do grupo IV o único tratamento aplicável é o da incineração.

85.20

80.70 Grupo IV Grupo III

2.96

2012

2.62

2013

2.67

3.09

2014

2015

Nota: Os dados referentes às quantidades de resíduos produzidos têm por base a informação disponibilizada pelos operadores de gestão de resíduos para efeitos de comunicação à Agência Portuguesa do Ambiente.

171


| resíduos hospitalares |

gráfico 2 Distribuição da produção de resíduos hospitalares dos grupos III e IV nos estabelecimentos da SCML

GRUPO III

GRUPO IV

7% 18%

11%

5% 10%

43%

61% 15%

11%

19%

Hospital Ortopédico de Sant’Ana Unidade de Saúde Maria José Nogueira Pinto Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão Unidades de Saúde SCML* Equipamentos de Ação Social**

* Compreende os dados relativos às 8 Unidades de Saúde Locais, 3 Extensões e 2 Unidades Móveis. ** Compreende os dados relativos a 13 Lares de idosos, 3 Lares residenciais e 1 Centro de atividades ocupacionais de apoio a pessoas com deficiência, 2 Unidades de acompanhamento terapêutico, 1 Centro de acolhimento temporário.

cirurgias (+ 98 cirurgias) e de consultas médicas realizadas (+ 247 consultas) face ao ano transato, o que justifica em grande parte o acréscimo dos resíduos produzidos. Já a produção dos resíduos do grupo IV tem-se mantido constante, não se registando alterações significativas. No último ano, a produção de resíduos hospitalares na Santa Casa ascendeu, assim, a cerca de 119 toneladas, o que representa cerca de 99,8% 172

do total de resíduos perigosos produzidos pela instituição e cujo destino final foi a eliminação. No que se refere à distribuição da produção de resíduos hospitalares na Santa Casa pelos diferentes serviços, a liderança é assumida pelo Hospital Ortopédico de Sant’Ana, seguido pela Unidade de Saúde Maria José Nogueira Pinto e pelo Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, correspondendo estes locais às infraestruturas de maiores dimensões de prestação de cuidados de saúde.


| investigação e desenvolvimento |

Estratégia de Sustentabilidade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa 2012-2015: o trabalho desenvolvido em matéria de resíduos hospitalares Como ponto de partida do trabalho desenvolvido em matéria de gestão de resíduos hospitalares, foram realizadas auditorias técnicas a todos os equipamentos afetos à atividade da Santa Casa onde se verificasse a produção desta tipologia de resíduos. O objetivo foi conhecer o estado da arte na Instituição em matéria de gestão de resíduos, nomeadamente no que se refere às práticas de gestão implementadas e às condições de armazenamento dos resíduos hospitalares, por forma a identificar eventuais situações anómalas e definir um plano de operacionalização. Um dos maiores constrangimentos identificados em sede de auditoria foi o relativo às condições de armazenamento dos resíduos, uma vez que na maioria dos edifícios estes compartimentos não foram previstos no momento da sua construção ou adaptação às funções atuais, tratando-se de espaços adaptados para o efeito, que em muitos casos não respondem a todos os pressupostos devidos. Outra das constatações foi a da necessidade de se proceder à elaboração dos Planos de Gestão de Resíduos Hospitalares, como forma de cumprir o requisito legal estabelecido no Despacho n.º 242/96, de 5 de julho, de que “(…) cada unidade de prestação de cuidados de saúde deve ter um plano de gestão dos resíduos hospitalares adequado à sua dimensão, estrutura e à quantidade de resíduos produzidos, tendo em conta critérios de operacionalidade e de menor risco para os doentes, trabalhadores e público em geral”. Uma vez que a criação de compartimentos específicos, destinados exclusivamente ao armazenamento de resíduos hospitalares, não é passível de resolução imediata (por exemplo, por constrangimentos dos próprios edifícios, tratando-se em alguns casos de edifícios classificados), procurou-se minimizar o risco associado a esta inconformidade através da elaboração

de Planos de Gestão de Resíduos Hospitalares, adaptados à dimensão, produção e estrutura de cada unidade produtora, que garantissem a definição de normas e regras complementares relacionadas com a triagem, circuitos de sujos, armazenamento e outros aspetos da gestão e, bem assim, criassem uma uniformização de procedimentos mais seguros. Além da elaboração dos vários planos, e como complemento destes, foram realizadas ações de informação e de formação dos profissionais envolvidos na gestão de resíduos hospitalares, sensibilizando-os para os riscos associados ao tipo de resíduos produzidos no local de trabalho e para a necessidade de utilização de equipamentos de proteção individual, de modo a prevenir possíveis acidentes de trabalho. De forma periódica, são asseguradas segundas auditorias aos equipamentos, com o intuito de avaliar o cumprimento dos pressupostos definidos nos Planos de Gestão de cada Serviço e de identificar a necessidade de introdução de alterações nos mesmos, em função de modificações nas valências dos serviços prestados ou da equipa técnica. Trimestralmente é ainda avaliado o cumprimento dos dias de recolha dos grupos III e IV, previamente definidos em caderno de encargos no âmbito do contrato celebrado entre a Santa Casa e um operador de gestão de resíduos hospitalares. Ao nível dos resíduos dos grupos I e II, além dos equiparados a urbanos passíveis de separação seletiva (papel/cartão, plástico/metal, vidro, orgânicos e indiferenciados), cuja recolha é assegurada pelos municípios, foi também identificada a produção de uma grande variedade de resíduos valorizáveis, relativamente aos quais importava garantir o seu encaminhamento para operadores de gestão licenciados. Na tabela 5 apresenta-se um breve resumo das tipologias de resíduos consideradas no âmbito desse trabalho de identificação, com a indicação do respetivo código LER, designação correspondente e com alguns exemplos dos resíduos que podem ser englobados em cada código. 173


| resíduos hospitalares |

tabela 5 Identificação das tipologias de resíduos dos Grupos I e II produzidos pelos serviços de apoio e respetivos Códigos LER

174

código LER

DESIGNAÇÂO do resíduo

EXEMPLOS DE RESÍDUOS PRODUZIDOS PELO SERVIÇO

15 01 10*

Embalagens contendo ou contaminadas por substâncias perigosas

Embalagens vazias de tintas, diluentes, vernizes, colas, lubrificantes e outros

15 01 11*

Embalagens de metal, incluindo recipientes vazios sob pressão

“Sprays vazios”

15 02 02*

Absorventes, materiais filtrantes, panos contaminados

Trapos contaminados

16 02 16

Componentes retirados de equipamento fora de uso

Tinteiros e toners

16 05 04*

Gases em recipientes sob pressão contendo substâncias perigosas.

Botijas com gases de soldadura

17 02 02

Vidro

Vidro de janelas

17 09 04

Mistura de resíduos de construção e demolição

Misturas de betão, tijolos, madeira, ferro

20 01 11

Têxteis

Desperdícios de tecidos

20 01 21*

Lâmpadas fluorescentes e outros resíduos contendo mercúrio

Lâmpadas fluorescentes

20 01 25

Óleos e gorduras alimentares

Óleos provenientes de frituras

20 01 33*

Pilhas e acumuladores

Pilhas e baterias

20 01 36

Equipamento elétrico e eletrónico fora de uso

Balastros, cabos e outros componentes

20 01 38

Madeira não abrangida em 20 01 37

Aparas de madeira e serradura

20 01 39

Plástico

Tubos de canalização

20 01 40

Metais

Chapa metálica, limalhas


| investigação e desenvolvimento |

Neste âmbito, a Instituição tem vindo a desenvolver um trabalho contínuo de melhoria, no sentido de garantir uma gestão mais eficiente de todos os resíduos produzidos nas suas instalações, procurando assegurar, logo na origem, a correta separação das fileiras de resíduos identificadas. Tal permite a separação dos resíduos reutilizáveis, valorizáveis ou que, pela inexistência de alternativa, o único tratamento atualmente previsto seja a eliminação, mas que devem ser segregados do sistema de recolha municipal. Tendo em consideração a pluralidade de resíduos produzidos diariamente, foram celebradas parcerias com operadores de gestão de resíduos licenciados com o intuito de garantir o correto encaminhamento destes resíduos para destino final adequado, privilegiando, sempre que aplicável, a sua valorização. Importância de uma Gestão Integrada O conceito de gestão integrada de resíduos hospitalares pressupõe uma sequência encadeada de procedimentos, onde a ocorrência de uma falha num deles compromete irremediavelmente todos os subsequentes, podendo, no limite, acarretar consequências graves para o ambiente e para a saúde pública. A adoção de um modelo de gestão integrada de resíduos deverá ser consubstanciada nos fun-

damentos que regem a gestão de resíduos, com especial relevância para a hierarquização das operações de gestão, segundo a qual deverá prevalecer o princípio da prevenção, procurando garantir uma redução da quantidade produzida na fonte, seguido da correta triagem, usando para tal meios de contentorização adequados e devidamente identificados, e do encaminhamento para destino adequado. A questão da recolha e transporte interno assume também particular relevância, nomeadamente pela importância que deverá ser dedicada à definição dos horários e frequência das recolhas, garantindo que esta etapa ocorre em período desfasado do de maior afluxo de utentes, distribuição de alimentos, medicamentos e roupas, e que o circuito utilizado privilegia os percursos com menor movimento ou mais afastados das áreas anteriormente enunciadas, minimizando assim o risco de potenciais contaminações cruzadas. Para a implementação deste modelo terá de existir um compromisso claro da gestão de topo e o envolvimento de todos os profissionais que desempenhem um papel ao longo de toda a cadeia de gestão de resíduos, assegurando que estes têm a formação e o treino adequados para efetivarem a necessária e correta separação dos resíduos hospitalares.

175


| segurança |

Cultura de Segurança em Proteção Civil

176


| investigação e desenvolvimento |

Na Lei de Bases de Proteção Civil afirma-se que esta será desenvolvida pelos cidadãos, em igualdade de peso e responsabilidade com o Estado. Consciente de que é fundamental criar uma cultura de segurança na instituição, a Misericórdia de Lisboa procurou aferir sobre o estado de sensibilização e conhecimento sobre o tema junto dos seus colaboradores. Texto de Lídio Lopes1 e António Duarte Amaro2 [1. DIRETOR DO GABINETE DE GESTÃO DE SEGURANÇA; 2. DIRETOR DA ALDEIA DE SANTA ISABEL_SCML]

Na catástrofe, a resposta inicial não é dada pelos órgãos de socorro, mas sim pelos sobreviventes do desastre. (Lourenço, Luciano, 2003:91)

A

s sociedades modernas procuram proporcionar aos seus cidadãos níveis crescentes de prosperidade e bem-estar. Paralelamente, esse considerado desenvolvimento conduz a riscos acrescidos, resultantes quer do aumento da dependência da alta tecnologia, dos recursos energéticos e da capacidade industrial, quer da incontrolável concentração urbana e da ocupação desordenada de espaços em zonas de elevado risco. Por outro lado, ao longo da última década, em todos os anos e em todo o mundo, assistiu-se a uma sucessão crescente de graves ocorrências de ordem catastrófica (sismos, tsunamis, furacões, incêndios florestais, inundações e tantas outras) que originaram um elevadíssimo número de mor-

tos, de milhares de feridos, de evacuações em massa com inúmeros desalojados e de perturbações graves do quotidiano das comunidades, registando, todos eles, valores muito avultados de prejuízos. Portugal também tem enfrentado um conjunto de adversidades que, no dia-a-dia, vão testando as capacidades operacionais e técnicas do sistema de proteção civil e, em especial, da pluralidade dos agentes que o integram. A Proteção Civil é uma atividade pluridisciplinar e plurissetorial, transversal à sociedade e ainda recente, tendo sucedido à Defesa Civil do Território. Só em 1991 é que viu publicada a sua 1.ª Lei de Bases (Lei n.º 113, de 29 de agosto), que expressou logo no seu artigo primeiro que a Proteção Civil é “a atividade desenvolvida

 Simulacro na Misericórdia de Lisboa

177


| segurança |

pelo Estado e pelos cidadãos com a finalidade de prevenir riscos coletivos inerentes a situações de acidente grave, catástrofe ou calamidade, de origem natural ou tecnológica e de atenuar os seus efeitos e socorrer as pessoas em perigo, quando aquelas situações ocorram”. Neste diploma e na Lei de Bases que lhe sucedeu, Lei n.º 27/2006 de 3 de julho, e bem assim em todas as alterações posteriores que lhe foram introduzidas (a última este ano) o legislador determinou, concretizando em afirmação, sem reserva, que a proteção civil é desenvolvida pelos cidadãos, em igualdade de peso e responsabilidade com o Estado. Por outro lado, assinala-se que os cidadãos têm “direito à informação sobre os riscos graves, naturais e tecnológicos”, em certas áreas do território, e refere que a “informação pública visa esclarecer as populações sobre a natureza e os fins da proteção civil”. Explica que tal tem como objetivo “consciencializá-las das responsabilidades que recaem sobre cada indivíduo e sensibilizá-las em matéria de autoproteção”.

capacidade apura-se no âmbito do Ciclo da catástrofe, que se considera dividido nas seguintes áreas: Prevenção (antes); Preparação da resposta (antes); Resposta à emergência (durante situações de acidente grave ou catástrofe) e Recuperação ou Reposição da normalidade (depois)” 178

a proteção civil é desenvolvida pelos cidadãos, em igualdade de peso e responsabilidade com o Estado” Cultura de segurança Num qualquer acidente, a qualquer hora ou em qualquer lugar, cada um de nós está sozinho. Não tem ao pé de si um bombeiro, um polícia, um médico ou qualquer dos agentes de proteção civil que integram o sistema atual, espelhado na lei de bases em vigor. A verdade é que essa pessoa vai estar tanto mais tempo sozinha, quanto maior for o acidente em que se vê envolvida, tomando aí a consciência de que ela é o verdadeiro e primeiro agente de protecção civil e o mais interessado na sua segurança, da sua família e da comunidade de proximidade em que se insere. Neste quadro, a vida humana é demasiado importante para depender do acaso e, se as pessoas não forem sensibilizadas e treinadas para agir em situação de emergência a ter calma e a dominar os procedimentos mínimos que devem adotar, a verdade é que podemos assistir a comportamentos inadequados. Desta perspetiva, resulta a necessidade de vincar o conceito da cultura de segurança, no sentido de que os cidadãos são, neste mundo novo e no do futuro, ao mesmo tempo, os protagonistas e os primeiros agentes ativos e proativos de proteção civil, quer no direito à informação sobre os riscos a que estão sujeitos no seu dia-a-dia, quer no fundamental e inalienável dever de adoção de medidas preventivas e de comportamentos de autoproteção adequados, que muito vão contribuir para uma melhoria da “gestão comportamental” na ocorrência de um acidente. Esse conhecimento prévio pode, de igual forma, contribuir para uma melhor colaboração ativa com as autoridades e agentes de proteção civil, desde logo na qualidade da


| investigação e desenvolvimento |

informação transmitida no alerta e nos atos praticados antes da chegada dos meios de socorro, bem como no apoio conhecedor que lhes pode ser prestado. Pode afirmar-se que uma sociedade consciente é metade do trabalho numa operação de socorro em qualquer acidente grave ou catástrofe. E essa capacidade apura-se no âmbito do Ciclo da catástrofe, que se considera dividido nas seguintes áreas: Prevenção (antes); Preparação da resposta (antes); Resposta à emergência (durante situações de acidente grave ou catástrofe) e Recuperação ou Reposição da normalidade (depois). Considera, assim, que o ciclo da catástrofe se afirma em dois tempos fundamentais de atuação: o tempo de quietação, durante o qual devem ser atendidos os aspetos relativos à prevenção e à preparação e o tempo da ação efetiva, onde as etapas de resposta e de recuperação devem ser programadas, em antevisão, no documento plano de emergência, qualquer que ele seja. É, assim, fundamental o planeamento, num envolvimento efetivo da comunidade, delineando um horizonte de permanente ajuste e adaptação às novas realidades e desafios que nos esperam no futuro na área da proteção civil e, em especial, nos conceitos de prevenção e de cultura de segurança. O termo “cultura de segurança”, enquanto conceito, surge em 1988, aquando do primeiro relatório técnico realizado pelo International Nuclear Safety Advisory Group (INSAG)1, publicado em 1992, tendo sido definida como “o conjunto de caraterísticas e atitudes das organizações e dos indivíduos, que garante que a segurança de uma planta nuclear, pela sua importância, terá a maior prioridade” e sublinha, na sua página 212, que “safety culture must be instilled in organizations through proper attitudes and practices of management” (cultura de segurança deve ser incutida nas organizações por meio de adequadas atitudes e práticas de gestão).

O êxito na gestão dos riscos em qualquer nível, local, regional ou nacional, ocorre onde, em simultâneo, se cumpram duas condições: por um lado, ter ao seu dispor um conjunto de entidades bem apetrechadas e competentes, que respondam com eficácia e elevado grau de prontidão às necessidades dos cidadãos; por outro e não menos importante, poder contar com cidadãos interessados, participativos e mobilizados em torno da causa da segurança, da qual são os primeiros interessados. Metodologia O trabalho de investigação realizou-se através de um inquérito com uma amostra não probabilística de 750 indivíduos de ambos os sexos, dos 20 aos 69 anos, com endereço de e-mail de serviço, através de um questionário constituído por 14 perguntas online, anónimo e autopreenchido, do qual resultaram 429 respostas válidas recebidas. O inquérito foi direcionado para obter respostas acerca da perceção do cidadão/trabalhador da SCML, relativamente aos riscos naturais e aos incêndios urbanos, quer no ambiente de trabalho quer na sua vida em casa, determinando, com isso, o seu grau de consciência relativamente às questões da segurança e da cultura de segurança. As respostas foram recolhidas através de software adequado, o “Lime Survey”, e tratadas estatisticamente em “SPSS”. Apresentação e análise de resultados Quanto ao inquérito e tendo obtido um conjunto de 429 respostas, ele integra uma maioria esmagadora de pessoas do sexo feminino, 74% da amostra, sendo somente 26% do sexo masculino, o que reflete o conjunto dos colaboradores da SCML. A maioria dos inquiridos no intervalo 30-69 anos, com 88% do total, sendo 50% casados, 12% em união de facto, sendo 23% solteiros

1. Agência Internacional de Energia Atómica, 1992. “The Chernobyl Accident: updating of INSAG 1 / INSAG 7”. Safety Series n.º 75. Áustria. Obtido a 8 de setembro de 2015, em: http://www-pub.iaea.org/MTCD/publications/ PDF/Pub913e_web.pdf 2. Ibid.

179


| segurança |

e 14% divorciados. Registaram-se, de igual forma, 29% de colaboradores que exercem cargos de chefia e 71% que são não dirigentes. A partir de um conjunto de perguntas fechadas sobre regras básicas de segurança em casa, obtiveram-se as respostas que se evidenciam na figura 1. Relativamente ao conhecimento das regras básicas de segurança, na própria residência, comuns a homens e mulheres e com notoriedade superior a 90%, temos: “Sei onde é o quadro da luz” (H/M 100%); “Número Nacional de Emergência” (H 90%; M 92%); “Terem, todos, as vacinas em dia” (H 97%; M 94%); “Saberem onde se desliga a água” (H 97%; M 97%); “Saberem onde se desliga o gás” (H 97%; M 96%). Quando

questionados sobre a visibilidade do n.º de polícia, da casa onde residem, quando se está na estrada, aproximadamente 56% dos inquiridos responde de forma afirmativa, ou seja, que o n.º de polícia é visível da estrada. Contudo, curiosamente, só menos de metade dos solteiros que responderam (44%) diz ter os números de polícia visíveis. Por outro lado, são as pessoas casadas (70%) que mais “sobrecarregam as tomadas com aparelhos elétricos” e, apesar de uma base muito reduzida não nos permitir tirar conclusões, importa assinalar que, das 15 pessoas que disseram “utilizar elevadores em situação de acidente no prédio, 60% delas são pessoas com idades entre os 40-49 anos, o que é, apesar da amostra, significativamente preocupante. Relativamente ao uso do

figura 1 Regras básicas de segurança em casa

100.0%

100%

97.2% 96.0% 95.1% 91.8% Homens 91% Mulheres 65%

80%

79.6% 76.6% 71.7%

Solteiros 44% 60.7%

60%

58.1%

55.5% 52.2%

40%

35.8% 35.1% 29.5%

27.9%

Casados 70%

23.0%

20% 12.6%

10.8% 3.5%

0%

r s s s s s a a e a ia ia ia ia ia io luz água dia uro gá dia à cas lidad dia nc nc nc lho préd erv tinto corro gênc strad gênc da gê a x seg ra 3 o o s em ergê ra 3 e res idê pare a r r r e o o e o r s g v o r e e e s i t a a l e no a a a o a a n r s d d m m m m g n p p ad eslig des r e i d u o l e e e E u e s j t a u r m l c s a s a e to ei íve s de va m gu o q de d nde tro entro it de rea d as co ciden iu nto ld en vis rim ra um se k on eá Se ro o d n , as iona eé me cam aá ad m ea a ep ei em úme os nto rva d e Enc ntor c ali i nd Sei o p d S b e d a d o e o u minh s tom ão d o o o i i e é n j e N m t d d t h d s o , u a x ç m e n a o a t Se o e s c a s a r e a e d t v r s d e o o a e r r T u n a e o d a o c t d e r a m t m m o a Po eg m si nh Te os res su Lis nto nh so gu ia da Nú s p carr Te e eo no sd Te l c co i o enho onju bo olí pia sab o me ris bre ores Se C T p ó o e a s i c l s d d l e o í e o a d o r t o P v ir am Fo ro be Nã s ele he af Sa me din da oo nú m To O Us u g l a o nh Te

(base: 427 respostas) Fonte: Elaboração própria, 2014.

180


| investigação e desenvolvimento |

extintor, 91% dos homens diz que o sabe utilizar enquanto do total de mulheres apenas 65% assume que o sabe fazer, sendo curiosa a relação entre as respostas de “ter e saber” usar um extintor, sendo que quem sabe usar terá a prévia noção da importância desse meio de primeira intervenção, encontramos, na amostra total, 62% das pessoas que não têm extintor em casa e 72% que respondem saber usá-lo. Quanto aos contactos de emergência da sua área de residência, 48% dos inquiridos afirmam não dispor, sendo que destes, 77% são do sexo feminino e 23% do sexo masculino. Na distribuição por idades pode constatar-se que, no conjunto dos que não dispõem desses contatos, a maioria situa-se entre os 30-49 anos. Finalmente, na análise à questão colocada sobre se têm os contactos de emergência da sua área de residência, encontram-se 43% de solteiros/divorciados e 57% de casados/união de facto que afirmaram não dispor. Tal situação aponta-nos para uma maior atenção sobre a importância desta questão por parte das pessoas que vivem sozinhas. Sobre o Número Nacional de Emergência, foram registados 8% dos inquiridos que afirmam desconhecê-lo. A maciça campanha pública de divulgação deste número, leva-nos a considerar, até, ser estranho existirem, ainda, pessoas adultas que possam afirmar o seu desconhecimento. No entanto, registamos que, das 35 respostas negativas, 69% são mulheres e 31% são homens, sendo que 69% não são dirigentes e 31% afirmam sê-lo. Na distribuição por idades, observa-se que, no conjunto, apesar do equilíbrio existente nos resultados entre os três escalões dos 30 aos 59 anos, é na faixa dos 30 aos 39 que se regista um valor maior, com 37% dos inquiridos a afirmar desconhecer o número 112. Relativamente ao estado civil, encontram-se 29% de solteiros/divorciados e 71% de casados/ união de facto que afirmaram não conhecer o 112. Mais uma vez, esta situação é preocupante por parte das pessoas que vivem sozinhas, registando, aqui, apesar de tudo, um número inferior ao encontrado no que se refere ao conhecimento dos contactos da área de residência. Relativa-

39% afirmam não dispor de um estojo de primeiros socorros em casa; 23% não têm uma reserva de medicamentos, dos considerados indispensáveis para a sua família, e 65% não dispõem de uma reserva de água para três dias” mente a ter um kit de emergência em casa, do total de inquiridos, 77% afirma não o ter e destes, 73% são do sexo feminino e 27% do sexo masculino, sendo que 72% são não dirigentes e 28% são dirigentes. Analisando a questão pelo estado civil, encontram-se 36% de solteiros/divorciados e 64% de casados/união de facto que afirmam não possuir um kit de emergência em casa. Continua a ser dada importância a esta questão por parte das pessoas que vivem sozinhas. Já quanto aos riscos na área da residência, 53% dos inquiridos afirmam estar pouco ou nada informados, sendo que, do total de inquiridos, 72% são do sexo feminino e 28% do sexo masculino, sendo que 68% são não dirigentes e 32% afirmam sê-lo. Analisando a questão pelo estado civil dos inquiridos, encontram-se 43% de solteiros/divorciados e 57% de casados/união de facto que afirmam estar pouco ou nada informados sobre os riscos na área da sua residência. Mais uma vez, importa continuar a ser dada uma importância maior às questões da segurança por parte das pessoas que vivem sozinhas. Ficaram alguns registos mais, que se consideram preocupantes, nomeadamente: 39% afirmam não dispor de um estojo de primeiros socorros em casa; 23% não têm uma reserva de medicamentos, dos considerados indispensáveis para a sua família, e 65% não dispõem de uma reserva de água para três dias. Por outro lado, em média, as pessoas sentem-se mais bem informadas sobre os perigos e 181


| segurança |

 Risco sísmico: ações de sensibilização da SCML dirigidas à população mais jovem, para os três gestos que salvam: baixar, proteger e aguardar.

182

desastres naturais que podem afetar o seu local de trabalho do que sobre os perigos que podem afetar o seu local de residência. Sobre estes, 11% referiram não estar nada informados e 43% confessaram estar pouco informados, o que significa um número preocupante de 53% de pessoas que desconhecem, verdadeiramente, os riscos a que estão sujeitos. Já relativamente ao seu local de trabalho, 7,7% referiram não estar nada informados e 28,2% confessaram estar pouco informados. O que significa um número ainda preocupante, mas muito mais favorável nesta relação de 35,9% de pessoas que desconhecem os riscos no local de trabalho, para as 53% de pessoas que os

desconhecem na sua área de residência. Isto poderá dever-se às ações de formação continuadas, alargadas ao universo de colaboradores de todos os equipamentos e aos simulacros de evacuação com formação associada, que a SCML tem vindo a efetuar com regularidade nos últimos dois anos. Ainda relativamente ao local de trabalho e respondendo a uma outra questão, encontramos 8,9% de pessoas totalmente preocupadas com os desastres naturais e incêndios urbanos, sendo que 26,1% afirmam-se estar muito preocupadas e 48,7% preocupadas. Sobram 15,4% de pessoas que se preocupam pouco e 0,9% que não se preocupam nada. Cruzando este resultado


| investigação e desenvolvimento |

figura 2 Preocupação (receio) em relação a cada um dos perigos/desastres

100%

23.8%

16.1%

9.3%

9.8%

8.6%

7.7%

7.9%

11.7%

15.6%

4.7%

7.9%

7.2%

7.7%

22.1%

18.2%

11.2%

10.0%

19.8%

20.0%

8.4%

90%

24.7%

17.2%

16.1%

20.5%

19.8% 29.4% 24.9%

16.1%

80% 31.2%

47.6%

70% 60%

30.8%

46.9%

36.1%

45.0%

47.6%

33.8%

3.66

29.1%

Preocupo-me totalmente

46.4%

3.63 33.3%

32.9% 3.36 3.21

50%

3.05

3.13

3.01

36.6%

2.86 44.8%

2.37

24.9% 23.5%

23.1%

20% 16.8%

23.3%

16.8%

15.9%

Preocupo-me pouco Não me preocupo totalmente

38.5% 27.5%

30%

Preocupo-me muito Preocupo-me

3.04

2.99

34.7%

40%

3.30

35.2%

Média

2.35

2.34

28.9%

28.9%

22.6%

12.1%

10%

7.7%

10.3%

9.1%

2.6%

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(base: 427 respostas) Fonte: Elaboração própria, 2014.

com o anterior, ao existirem 35,9% de pessoas que afirmam estar pouco ou nada informadas, de facto confirma-se que destas, pelo menos 19,6% revelam preocupação, mas aceitam, com passividade, o desconhecimento real do que lhe causa essa mesma preocupação. Dos inquiridos, 99% afirmam já ter ouvido falar sobre riscos naturais. Nestes, importa registar uma resposta positiva em 100% do sexo masculino e que 2% dos inquiridos do sexo feminino nunca ouviu falar sobre riscos naturais. Relativamente à questão sobre se já esteve envolvido em situações de acidente grave ou catástrofe, 22% responde que sim e, neste conjunto, temos um contributo de 32% no valor total do sexo masculino e 68% no valor total do sexo feminino, sendo 67% casados/ união de facto e 33% de solteiros/divorciados. O inquérito fornece-nos, ainda, dados relevantes quanto a outras situações de riscos naturais, em que 30% assinala que esteve envolvido em

situações de chuva intensa, 26% em cheias/ inundações, 25% em incêndios florestais, 25% já sentiram um sismo, 17% uma tempestade e 16% já testemunharam o efeito das ondas de calor. Sobre qual o maior receio em relação a um conjunto de riscos, regista-se haver uma significativa resposta positiva entre a preocupação e a preocupação total, de 90% relativamente aos sismos e de 89% relativamente aos incêndios urbanos (Fig. 2). Por outro lado, 94% dos inquiridos pensa que a probabilidade de ocorrer um incêndio urbano no seu local de trabalho é possível, havendo mesmo 39% que entendem que ele pode ocorrer a qualquer momento. Relativamente aos sismos, 93% dos inquiridos pensam que a probabilidade de ele ocorrer na área de Lisboa é possível, havendo mesmo 34% que entendem que pode ocorrer a qualquer momento. Destes, 74% são mulheres e 26% são homens, sendo 63% destes inquiridos 183


| segurança |

figura 3 Qual a probabilidade de o local de trabalho poder ser atingido, nos próximos cinco anos, em relação a cada risco 100% 35.9%

23.8%

9.3%

20.7%

90%

9.8%

30.3%

24.7%

80%

20.0%

8.6% 16.1%

20.5%

21.4%

25.6%

31.2%

70%

30.8%

47.6% 24.9%

47.6%

46.4%

19.8%

60%

22.1%

38.9%

23.5% 45.7% 45.2%

50% 36.8%

40%

34.7%

36.6%

40.3% 31.2%

30% 23.5%

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mais preocupantes a 5 anos

Preocupo-me totalmente

Preocupo-me muito

Preocupo-me

Preocupo-me pouco

Não me preocupo totalmente

probabilidade de ocorrerem hoje

Pode acontecer a qualquer momento

É muito possível

É possível

É pouco possível

É impossível

(base: 427 respostas) Fonte: Elaboração própria, 2014.

casados/união de facto e 37% solteiros/divorciados. Na análise dos cinco riscos mais preocupantes, relacionando-os com a maior probabilidade de ocorrerem nos próximos cinco anos, observa-se serem os sismos e os incêndios urbanos os dois riscos com maior número de respostas (Fig. 3). No entanto, há uma certeza em todos os que responderam ao inquérito: quase 100% consideram importante a sensibilização/formação das pessoas na área da proteção civil e no sentido da cultura de segurança. Aliás, 47% dos inquiridos consideram isso fundamental. 184

Conclusão Compreendemos, assim, a perceção dos trabalhadores da SCML acerca dos riscos naturais e dos incêndios urbanos, ficando demonstrado que muitos se mostram preocupados com os perigos, desastres naturais e incêndios urbanos, registando mesmo, como sendo a sua maior preocupação, os sismos, com uma esmagadora maioria das pessoas a considerar que existe uma grande probabilidade de que um terremoto possa ocorrer, a qualquer momento, na área de Lisboa. De seguida, como segunda grande preocupação, vêm


| investigação e desenvolvimento |

os incêndios urbanos mas, em relação a estes, a maior parte não tem um extintor em casa e a esmagadora maioria responde que, apesar disso, sabe usá-lo. Ou seja, sabem usar por formação no local de trabalho, mas não o têm em sua casa para poderem usar no caso de necessidade, desconsiderando a sua importância como meio de 1.ª intervenção. As pessoas, em média, sentem-se mais bem informadas sobre os perigos e desastres naturais que podem afetar o seu local de trabalho do que sobre os perigos que podem afetar o seu local de residência. São os homens e as pessoas que vivem sozinhas quem dá mais importância às questões da segurança, quer por saberem quais os contactos de emergência na área da residência quer por disporem de um kit de emergência em casa ou por se preocuparem mais em saber quais os riscos a que está sujeita a sua área de residência. Ao invés, são as mulheres que, curiosamente, afirmam, em maior número, já terem estado envolvidas em situações de acidente grave ou catástrofe. No final, todos afirmaram ser importante, mesmo fundamental, a sensibilização/formação das pessoas na área da proteção civil, no sentido da cultura de segurança. Afirma-se, hoje, que um cidadão consciente dos riscos e do contributo que pode dar para os evitar ou para atenuar as suas consequências é,

um cidadão consciente dos riscos e do contributo que pode dar para os evitar ou para atenuar as suas consequências é, por princípio, um agente ativo de proteção civil e que, por isso, pode e deve desempenhar um papel fundamental no sistema” por princípio, um agente ativo de proteção civil e que, por isso, pode e deve desempenhar um papel fundamental no sistema. Apesar de se terem dado alguns avanços no sentido de consciencializar os cidadãos sobre o seu papel em situação de emergência, é ainda notoriamente deficitário o seu conhecimento sobre os comportamentos preventivos e as medidas de autoproteção para lidar com os fatores de risco. Todos somos Protecção Civil, porque a todos nos importa e a todos nós diz respeito.

BIBLIOGRAFIA Livros, artigos e outros trabalhos científicos

AMARO, António Duarte, 2012. Segurança e socorro: Novo paradigma, Revista Territorium n.º 19, Coimbra, Ed. Riscos, pp. 15-21. CALVO GARCÍA-TORNEL, Francisco, 2001. Sociedades y territorios en riesgo. Barcelona: Ediciones del Serbal. LOURENÇO, Luciano, 2004. Riscos naturais e proteção do ambiente, Colecção Estudos 44, Colectâneas Cindínicas I, Edição conjunta: NICIF e FLUC, Coimbra. NOVEMBER, Valerie, 2004. Being close to risk. From proximity to connexity, International Journal of Sustainable Development, Vol. 7, n.º 3, p. 274. OLIVEIRA, J. VIDAL, 2012. Marketing Research, Vol. 1, Investigação em Marketing, Edições Sílabo.

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LIVROS | NOSSA SUGESTÃO |

The Health Gap

O Espírito da Igualdade

Autor: Michael Marmot Edição: Bloomsbury, 2016 ISBN: 978-1-4088-5797-7 Preço: ¤13,06

Autores: Richard Wilkinson, Kate Pickett Edição: Editorial Presença, 2010 ISBN: 978-972-23-4341-1 Preço: ¤17,50

“Porquê tratar as pessoas e depois devolvê-las às mesmas condições que as levaram a ficar doentes?”, começa por perguntar o autor, que se debruça há décadas sobre a questão das desigualdades na saúde das populações. Resultado do estudo inovador do impacte de fatores sociais no estado da saúde e dos cuidados médicos em vários países, obriga a repensar a relação entre bem-estar financeiro, saúde e a importância das condicionantes da sociedade na hora de fazer escolhas saudáveis, afastando a ideia de que estas dependem apenas da responsabilidade de cada um.

A par de progressos materiais e técnicos nunca antes imaginados, porque existem hoje, também, níveis tão altos de ansiedade, depressão ou obesidade? Os autores afirmam que o paradoxo se deve ao mito do crescimento económico como garante de bem-estar, procurando demonstrar, pelo contrário, que são os países mais igualitários, e não os mais ricos, que apresentam melhores índices de saúde física e mental, de educação e justiça, entre outros.

Social Determinants of Health

Trazer o Ouro ao Peito

Autores: Michael Marmot, Richard Wilkinson (ed.) Edição: Oxford University Press, 2006 ISBN: 978-0-19-856589-5 Preço: ¤52,26

Autor: Inês Henriques Edição: Objectiva, 2016 ISBN: 978-989-665-111-4 Preço: ¤14,90

Reunindo textos de três dezenas de investigadores, esta obra tornou-se leitura essencial para quem pretenda estudar os determinantes sociais da saúde. Focando-os separadamente, os capítulos abordam a influência na saúde de fatores socioeconómicos tão diversos como as caraterísticas psicossociais, o desemprego e a precariedade laboral, a rede de transportes, as redes de apoio social, a habitação ou os comportamentos individuais, disponibilizando os dados recolhidos sobre cada um.

Entre 1984 e 2012, os atletas portugueses colecionaram 25 medalhas de ouro, 30 de prata e 33 de bronze nos Jogos Paralímpicos. E não se ficam pelos Jogos, conquistando centenas de medalhas noutras competições mundiais e europeias. A autora dá a conhecer alguns destes heróis que, superando as limitações físicas ou intelectuais mas também a escassez de apoios, fizeram e continuam a fazer história no desporto adaptado, em Portugal e no mundo.

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Promover a Saúde Autores: Isabel Loureiro, Natércia Miranda Edição: Almedina, 2010 ISBN: 978-972-40-4399-9 Preço: ¤22,00 Assumindo a saúde como “base da produtividade no trabalho, da capacidade de aprender na escola e do bem-estar intelectual, físico e emocional”, as autoras analisam de que forma aquela é um pilar essencial de qualquer sociedade equilibrada. Estudo rigoroso sobre o papel desempenhado por Estado, escolas, municípios e cidadãos na promoção da saúde, põe em evidência os efeitos das desigualdades, da educação e das decisões políticas nesse setor.

Saúde e Sociedade Uma visão sociológica Autor: Fátima Alves (coord.) Edição: Pactor, 2013 ISBN: 978-989-693-024-0 Preço: ¤22,20 Coleção de textos de investigadores portugueses e brasileiros, lança um olhar sobre vários aspetos da saúde e da medicina a partir do campo da sociologia. Focando os casos de Portugal e Brasil, abordam-se temas como a construção social da saúde, os seus determinantes sociais, as redes sociais e itinerários terapêuticos na saúde mental, as reformas dos sistemas de saúde ou as políticas dos governos neste setor.

Healthier Societies Autores: Jody Heymann, Clyde Hertzman, Morris L. Barer, Robert G. Evans (ed.) Edição: Oxford University Press, 2006 ISBN: 978-0-19-517920-0 Preço: ¤50,79 Esta obra resulta de década e meia de pesquisa sobre a natureza e a importância dos determinantes da saúde, de perspetivas que vão desde a medicina e a epidemiologia à geografia ou à economia. Questionando a relação entre o nível socioeconómico dos indivíduos e das comunidades e a sua saúde, os estudos aqui recolhidos vão desde a concetualização do problema à proposta de aplicação das descobertas em políticas concretas.

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Legislação DESPACHO 10909/2016, de 08-09 IN: Diário da República, série II, n.º 173/2016, de 08-09, p. 27814-27815 Resumo: Determina o financiamento dos produtos de apoio a pessoas com deficiência.

PORTARIA 227/2016, de 25-08 IN: Diário da República, série I, n.º 163/2016, de 25-08, p. 2896-2900 Resumo: Portaria que aprova o regulamento do «Totosorteio».

DESPACHO 10805/2016, de 02-09 IN: Diário da República, série I, n.º 169/2016, de 02-09, p. 27493-27494 Resumo: Celebração de Acordos de Colaboração com Municípios para a requalificação e modernização de infraestruturas educativas e formativas com 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e ensino secundário.

RESOLUÇÃO 48/2016, de 01-09 IN: Diário da República, série I, n.º 168/2016, de 01-09, p. 3110-3111 Resumo: Determina a criação do Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado.

DECRETO-LEI 58/2016, de 29-08 IN: Diário da República, série I, n.º 165/2016, de 29-08, p. 3014-3016 Resumo: Institui a obrigatoriedade de prestar atendimento prioritário às pessoas com deficiência ou incapacidade, pessoas idosas, grávidas e pessoas acompanhadas de crianças de colo, para todas as entidades públicas e privadas que prestem atendimento presencial ao público.

PORTARIA 232/2016, de 29-08 IN: Diário da República, série I, n.º 165/2016, de 29-08, p. 3006-3014 Resumo: Portaria que procede à regulação da criação e do regime de organização e funcionamento dos Centros Qualifica.

PORTARIA 228/2016, de 25-08 IN: Diário da República, série I, n.º 163/2016, de 25-08, p. 2900-2923 Resumo: Portaria que procede à atualização da Portaria n.º 1267/2004, de 1 de outubro, que regulamenta o jogo do EUROMILHÕES.

188

LEI 34/2016, de 24-08 IN: Diário da República, série I, n.º 162/2016, de 24-08, p. 2876-2878 Resumo: Elimina a obrigatoriedade de apresentação quinzenal dos desempregados (oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, que estabelece o regime jurídico de proteção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem). LEI 32/2016, de 24-08 IN: Diário da República, série I, n.º 162/2016, de 24-08, p. 2860-2874 Resumo: Primeira alteração à Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, que «estabelece o novo regime do arrendamento apoiado para habitação e revoga a Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, e os Decretos-Leis n.os 608/73, de 14 de novembro, e 166/93, de 7 de maio».

DECRETO REGULAMENTAR 3/2016, de 23-08 IN: Diário da República, série I, n.º 161/2016, de 23-08, p. 2845-2848 Resumo: Estabelece o regime do subsídio por frequência de estabelecimentos de educação especial, revogando os Decretos Regulamentares n.os 14/81, de 7 de abril, e 19/98, de 14 de agosto.

LEI 25/2016, de 22-08 IN: Diário da República, série I, n.º 160/2016, de 22-08, p. 2775-2777 Resumo: Regula o acesso à gestação de substituição, procedendo à terceira alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho (procriação medicamente assistida).

DECRETO-LEI 43/2016, de 16-08 IN: Diário da República, série I, n.º 156/2016, de 16-08, p. 2732-2734 Resumo: Cria o regime jurídico da organização e exploração do «Totosorteio» e procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 210/2004, de 20 de agosto.

PORTARIA 218/2016, de 09-08 IN: Diário da República, série I, n.º 152/2016, de 09-08, p. 2608-2708 Resumo: Regime Simplificado do Sistema de Normalização Contabilística para as Administrações Públicas.

RESOLUÇÃO 179/2016, de 04-08 IN: Diário da República, série I, n.º 149/2016, de 04-08, p. 2614 Resumo: Propõe medidas de combate à pobreza infantil.

RESOLUÇÃO 156/2016, de 02-08 IN: Diário da República, série I, n.º 147/2016, de 02-08, p. 2585 Resumo: Campanha pública de divulgação do complemento solidário para idosos.

RESOLUÇÃO 38/2016, de 29-07 IN: Diário da República, série I, n.º 145/2016, de 29-07, p. 2484-2491 Resumo: Aprova a Estratégia Nacional para as Compras Públicas Ecológicas 2020.

LEI 26/2016, de 22-08 IN: Diário da República, série I, n.º 160/2016, de 22-08, p. 2777-2788 Resumo: Aprova o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos, transpondo a Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro, e a Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro.

PORTARIA 203/2016, de 25-07 IN: Diário da República, série I, n.º 141/2016, de 25-07, p. 2416 Resumo: Cria a Rede Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (RNAIM), da competência do Alto Comissariado para as Migrações, I. P. (ACM, I. P.).


DESPACHO 9414/2016, de 22-07 IN: Diário da República, série II, n.º 140/2016, de 22-07, p. 22804 Resumo: Determina os Centros de Referência para as áreas de Oncologia de Adultos — Cancro do Reto, Cancro Hepatobilio/Pancreático e Cancro do Esófago, das doenças Hereditárias do Metabolismo, do Transplante de Rim – Adultos e de Coração – Adultos, reconhecidos oficialmente pelo Ministério da Saúde.

DESPACHO 9251/2016, de 20-07 IN: Diário da República, série II, n.º 138/2016, de 20-07, p. 22258-22270 Resumo: Alteração das medidas específicas com o objetivo de promover a inserção profissional das pessoas com deficiência e incapacidade, designadamente Apoio à Qualificação e Apoios à Integração, Manutenção e Reintegração no Mercado de Trabalho.

PORTARIA 193/2016, de 18-07 IN: Diário da República, série I, n.º 136/2016, de 18-07, p. 2296 Resumo: Altera o artigo 2.º da Portaria n.º 37/2016, de 4 de março, que fixa as normas regulamentares necessárias à repartição dos resultados líquidos de exploração dos jogos sociais, atribuídos ao Ministério da Saúde.

DECRETO-LEI 35-A/2016, de 30-06 IN: Diário da República, série I, n.º 124, 1.º supl./2016, de 30-06, p. 2032-(4)-2032-(6) Resumo: Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 18/2016, de 13 de abril, que estabelece as normas de execução do Orçamento do Estado para 2016. DESPACHO 8264/2016, de 24-06 IN: Diário da República, série II, n.º 120/2016, de 24-06, p. 19694 Resumo: Determina que a vacinação contra a tuberculose com a vacina BCG passa a estar recomendada a crianças com idade inferior a 6 anos (5 anos e 364 dias) e pertencentes a grupos de risco, a definir através de Norma a emitir pela Direção-Geral da Saúde.

RESOLUÇÃO 113/2016, de 22-06 IN: Diário da República, série I, n.º 118/2016, de 22-06, p. 1929 Resumo: Reformulação da atribuição do subsídio de educação especial.

RESOLUÇÃO 111/2016, de 22-06 IN: Diário da República, série I, n.º 118/2016, de 22-06, p. 1928 Resumo: Adoção de medidas integradas de incentivo à natalidade e de proteção da parentalidade.

LEI 18/2016, de 20-06 IN: Diário da República, série I, n.º 116/2016, de 20-06, p. 1904-1905 Resumo: Estabelece as 35 horas como período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, procedendo à segunda alteração à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.

PORTARIA 156-A/2016, de 02-06 IN: Diário da República, série I, n.º 106, 1.º supl. /2016, de 02-06, p. 1728-(2) Resumo: Alteração à Portaria n.º 407/2015, de 24 de novembro, que define as condições de acesso e as regras gerais de cofinanciamento comunitário aos projetos apresentados ao abrigo do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (FAMI).

RESOLUÇÃO 98/2016, de 02-06 IN: Diário da República, série I, n.º 106/2016, de 02-06, p. 1723-1725 Resumo: Por um Serviço Nacional de Saúde sustentável, com cuidados de saúde de qualidade e equidade no acesso. RESOLUÇÃO 97/2016, de 02-06 IN: Diário da República, série I, n.º 106/2016, de 02-06, p. 1723 Resumo: Reforço das medidas de prevenção e combate à diabetes.

PORTARIA 165/2016, de 14-06 IN: Diário da República, série I, n.º 112/2016, de 14-06, p. 1821-1825 Resumo: Altera a Portaria n.º 340/2015, de 8 de outubro, que regula, no âmbito da Rede Nacional de Cuidados Paliativos, a caraterização dos serviços e a admissão nas equipas locais, bem como as condições e requisitos de construção e segurança das instalações de cuidados paliativos.

PORTARIA 161/2016, de 09-06 IN: Diário da República, série I, n.º 111/2016, de 09-06, p. 1774-1775

Resumo: Atualiza os montantes do abono de família para crianças e jovens e do abono de família pré-natal, correspondentes aos 2.º e 3.º escalões e respetivas majorações.

DESPACHO 7617/2016, de 08-06 IN: Diário da República, série II, n.º 110/2016, de 08-06, p. 18231 Resumo: Criação de um grupo de trabalho com o objetivo de apresentar um relatório com propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, alterado pela Lei n.º 21/2008, de 12 de maio, e respetivo enquadramento regulamentador, incluindo os mecanismos de financiamento e de apoio, com vista à implementação de medidas que promovam maior inclusão escolar dos alunos com necessidades educativas especiais.

PORTARIA 158/2016, de 08-06 IN: Diário da República, série I, n.º 110/2016, de 08-06, p. 1764 Resumo: Portaria que fixa as normas regulamentares necessárias à repartição dos resultados líquidos de exploração dos jogos sociais atribuídos ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

RESOLUÇÃO 105/2016, de 08-06 IN: Diário da República, série I, n.º 110/2016, de 08-06, p. 1764 Resumo: Recomenda ao Governo o reforço de camas públicas na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e na Rede Nacional de Cuidados Paliativos.

RESOLUÇÃO 93/2016, de 30-05 IN: Diário da República, série I, n.º 103/2016, de 30-05, p. 1710 Resumo: Reforço das respostas públicas na área da diabetes.

DESPACHO 6173/2016, de 10-05 IN: Diário da República, série II, n.º 90/2016, de 10-05, p. 14676 Resumo: Cria o Grupo de Trabalho de Educação para a Cidadania, que tem a missão de conceber uma Estratégia de Educação para a Cidadania, a implementar nas escolas do ensino público, com o objetivo de incluir nas saídas curriculares, em todos os graus de ensino, um conjunto de competências e conhecimentos em matéria de cidadania.

189


agenda janeiro a maio de 2017

Futuros globais para a Juventude: Perspetivas e prospetivas Data: 15 a 18 de janeiro Local: Ericeira Organização: Associação Internacional de Sociologia, Associação Europeia de Sociologia e Centro de Investigação e Estudos de Sociologia /ISCTE http://www.europeansociology.org/research-networks/ rn30-youth-and-generation/46-research-networks/ rn30-youth-and-generation/

7.º Congresso Nacional de Biomecânica Data: 10 e 11 de fevereiro Local: Guimarães, Campus de Azurém, Universidade do Minho Nas últimas décadas, em Portugal, a Biomecânica tem contribuído decisivamente para o alargamento das fronteiras do saber, fruto de uma investigação de excelência que tem conduzido ao desenvolvimento de importantes aplicações com relevância nos domínios da medicina, da bioengenharia, da biologia, do desporto, da ergonomia, da reabilitação, da acessibilidade, da terapia ocupacional, entre outros. http://www.spbiomecanica.com/ congresso/7/?pag=index

V 1.º Congresso Internacional da Criança e Adolescente Data: 26 e 28 de janeiro Local: Porto, Centro de Congressos da Alfândega do Porto Organização: Secção de Pediatria Social da Sociedade Portuguesa de Pediatria O ICCA 2017 tem como objetivo principal oferecer um contributo importante para que as carências conhecidas ao nível do estudo das questões sociais da infância sejam reconhecidas e respondidas através de uma abordagem multidisciplinar composta por contributos das diversas áreas técnicas e científicas que, através de perspetivas diferentes, visam promover uma infância mais saudável e feliz. https://icca2017.eventqualia.net/pt/pt/

11.º Congresso Português do AVC Data: 2 a 4 de fevereiro Local: Porto, Hotel Sheraton Organização: Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral http://www.spavc.org/actividades/11-congresso-3

Congresso Nacional de Saúde Pública Data: 16 e 17 de fevereiro Local: Porto https://www.dgs.pt/em-destaque/v-congresso-nacional-desaude-publica.aspx

II Congresso Ibérico de Psicologia Clínica e da Saúde: O tempo de todas as incertezas Data: 23 a 25 de Março Local: Lisboa, ISPA Organização: ISPA e Universidade de Sevilha http://cipcs2017.com/

Congresso Europeu da Obesidade 2017 Data: 17 a 20 de maio Local: Porto, Centro de Congressos da Alfândega do Porto Organização: Associação Europeia para o Estudo da Obesidade http://eco2017.easo.org/

IV Congresso Internacional de Riscos: Riscos e Educação Data: 23 a 26 de maio Local: Coimbra, Universidade de Coimbra http://www.uc.pt/fluc/nicif/riscos/Congresso/IVCIR

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S O G O S J A D Á O H RA T S. PA IDADE nheiro AS ogos a daiiores j s o para m. são18 anos de

Proibido jogar a menores de 18 anos

Linha Direta Jogos 808 203 377 (das 8h às 24h)


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