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seca
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O fatídico fenômeno da seca traduz-se como falta de suprimento de água numa região, causada por má distribuição ou mesmo falta de chuvas (GUERRA, 1981). Em uma região em que grande parte dos habitantes se vale da pequena agricultura, a intermitência de precipitações suficientes para as pastagens e colheita abala e prejudica a organização econômica dessa sociedade.
É sob esse constante quadro que habita a população mais pobre do Nordeste e uma das mais pobres do Brasil. Há imensos desafios para se reduzir a pobreza e promover a adaptação e mitigação das mudanças climáticas à sua população. O esforço pela sustentabilidade no semiárido deve contemplar a integração e implementação de esforços da sociedade civil e do Estado para uma visão de desenvolvimento sustentável e de convivência com o semiárido, diferente das políticas públicas adotadas e da própria visão presente sobre a região como um todo.
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O que se aprende e se divulga sobre a região contém equívocos que podem comprometer as ações de promoção de desenvolvimento na área.
Isoladamente, o conhecimento de suas bases físicas e ecológicas não tem força para explicar as razões do grande drama dos grupos humanos que ali habitam. Ab’Sáber,1999: 7
A atual percepção do problema das secas e suas ações paliativas atendem mais a soluções cômodas de engenharia do que à características do meio ambiente. De forma geral, as estratégias de combate a seca que norteiam as ações do Estado no semiárido produz um ciclo vicioso em que os interesses das elites regionais mantém à margem os pequenos produtores familiares, direcionando os investimentos para o agronegócio.
Na verdade, a seca foi instrumentalizada pelas elites regionais como um negócio, como uma oportunidade para atrair recursos com juros subsidiados ou doados, bem como para organizar, com recursos federais, frentes de trabalho para realizar obras que beneficiavam suas fazendas. É isso que ficou conhecido como indústria da seca. Em vez de buscar um conhecimento mais profundo das condições ecológicas da região e lutar por políticas adequadas a um
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24 desenvolvimento favorável a todas as pessoas, a seca serviu como moeda de troca das elites com os detentores de responsabilidades governamentais. Com isso, os períodos de seca se transformaram em oportunidades de maior enriquecimento e domínio sobre a população. Poletto, 2001: 14
Embora a seca seja fator agravador da fome e miséria no semiárido nordestino, os problemas da região não podem ser entendidos dissociados de seus determinantes estruturais. A seca torna-se flagelo social quando as condicionantes econômicas, políticas e sociais assim o possibilitam. É importante que tais concepções distorcidas não se reflitam em um discurso legitimador da apropriação privada de recursos públicos e manutenção das desigualdades e concentração de renda e terras na região.
As respostas de enfrentamento deste problema durante muito tempo envolveram apenas essa abordagem de “combate à seca”, caracterizadas pelo cunho emergencial, fragmentado e descontínuo das políticas públicas, adotadas em caráter contingencial e paliativo, desvinculadas de cidadania e desarticuladas com os moradores. Nesse caso, predomina a lógica do mercado, em que moradores e recursos do ecossistema são encarados como capital social e possibilidades de crescimento econômico.
A congruência dessa elaboração imagética prejudica uma produção razoável sobre a realidade dessa região. Em A Invenção do Nordeste e outras artes, Albuquerque Júnior (2001) aborda a noção de nacionalismo surgida na década de 1920, em que São Paulo destaca-se como locus de modernidade e prosperidade, superior às demais regiões, enquanto os nordestinos são vistos como sub-raça e atrasados, as conformações e preconceitos sobre o Nordeste são replicadas nas artes e letras, representações essas que ainda hoje são replicadas em filmes e novelas e ajudam na divulgação da miséria da região.
A realidade do Semiárido brasileiro não deve esgotar-se em sua dimensão ambiental, caracterizada pela seca, mas deve-se compreendê-la também pela suas dimensões social, política, econômica e cultural, todas elas bastante diversificadas. O imaginário coletivo representa a região como local de miséria e chão rachado, onde o clima adverso e a natureza hostil e improdutiva condena o homem à miséria. Essa visão determinista perpetua o ciclo de degradação ambiental e pobreza.
Neste caso, é pertinente se trabalhar para desmistificar conceitos, lançar questões e problemáticas acerca da imagem do Semiárido e da pobreza historicamente construída. Nesse sentido, a existência de uma política educacional, voltada para a convivência com o Semiárido, poderia ser o melhor caminho para mudança de opiniões e práticas relacionadas ao sertão nordestino. Isso se daria com a construção de um projeto pedagógico direcionado para a convivência com a região.
A convivência é uma proposta cultural que visa contextualizar saberes e práticas apropriadas à semiaridez, considerando também as compreensões imaginárias da população local sobre esse espaço, suas problemáticas e potencialidades. Conviver é dotar de um sentido todas essas práticas e concepções inovadoras, ampliando a adesão dos sujeitos às mesmas.
SILVA, 2010: 68
Recentemente vem ganhando importância e espaço uma concepção diferente, que traz consigo uma nova alternativa de convivência e sustentabilidade com o Semiárido com base na qualidade de vida das famílias sertanejas e capacidade de gerar renda com culturas apropriadas. Essa nova visão de possibilidades, equilibrada e sustentável a partir de um modelo de convivência vem sendo estruturada por redes como a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), concentrando-se na valorização de práticas e conhecimentos locais e no aproveitamento dos recursos para uso coletivo das famílias de agricultores.
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26 2. Representação do NE na mídia nacional. Veja, 17/12/1969.
3. Representação do NE na mídia nacional. O Globo, 15/05/2005.
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28 4. Representação do NE na mídia nacional. Veja, 17/08/1983.

políticas públicas de combate à seca
Ao longo dos anos foi propagada a idéia de acabar com a seca no Nordeste. Por muito tempo essa foi a política oficial dos representantes da região e do poder público, na conhecida “indústria da seca”. Esse discurso martelado por anos ajudou a difundir a ideia que não havia soluções cabíveis para o enfrentamento desse fenômeno, recebendo generalizações por todo o Brasil e ajudando na construção de uma imagem de região miserável e atrasada.
Tais políticas públicas carecem da compreensão que a estiagem é um processo natural e ocorre todos os anos na região semiárida, geralmente de junho a dezembro, e que a seca é o despreparo frente à estiagem, causando seu prolongamento, provocando grandes prejuízos ambientais, sociais e econômicos.
Entretanto, o convívio com o semiárido é possível e é uma solução por vezes mais simples e barata do que as apresentadas nas políticas oficiais. A condição de miséria e falta de opções de trabalho decorrem mais de outros fatores que o clima por si só. O semiárido brasileiro é um dos mais chuvosos e populosos do planeta, em média, 750 bilhões de m3 de água precipitam na região por ano, mas a infraestrutura existente permite o armazenamento de apenas 36 bilhões, dos quais muitos ficam em açudes, expostos ao processo de evaporação. O problema, portanto, passa pelo aproveitamento inteligente dos recursos disponíveis.
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histórico
//1824 - Constituição de 1824 _ garantia de socorro à população em situação de emergência
//1834 - Ato Adicional _ descentralização do poder deliberativo em torno de questões emergenciais
//1905 - Decreto Federal No 1396 _ disposição sobre obras preventivas aos efeitos da estiagem
//1907 - Decreto Federal No 7619 _ criação do IOCS (Inspetoria de Obras Contra as Secas), futuro DNOCS
//1932 - Campos de Concentração no Ceará _ programa que confinava os retirantes a um local e os impedia de saírem //1934 - Constituição de 1934 _ define como competência da União a organização da defesa dos Estados do Norte dos Efeitos da Seca
//1946 - Constituição de 1946 _ estabelece um plano contra as secas do NE, com obras e serviços federais de assistência
//1959 - Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) _ criação da SUDENE para apoio à região
//1972 - Governo Federal - criação de programas para estimular o desenvolvimento da região (EMBRAPA, PROTERRA etc.)
//1988 - Constituição de 1988 _ criação do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste, visando contribuir para o desenvolvimento da região
//2015 - Lei No 13153 _ aprovada a Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas
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Constatamos que a estratégia de combate oficial investiu na mudança do ambiente considerado inóspito, com a construção de açudes, planos de irrigação, introdução de raças estrangeiras e sementes selecionadas, indicando a região como inadequada ao trabalho rural e para se viver, sendo necessária completa transformação. O GTDN trouxe uma visão desenvolvimentista, associando a pobreza à falta de integração com o mercado e alienação na ocupação e uso dos solos. O período militar contribuiu para a modernização excludente do Semiárido, em que o interesse do Estado se focava mais no econômico que no social, preocupado em fazer crescer a economia que em dar assistência ao homem do campo, amparado por uma histórica concentração fundiária na região. Já a concepção do sertanejo atribui a seca a fatores naturais e religiosos, um castigo e provação de Deus.
A política de convivência com o semiárido vai de encontro a visão oficial que norteia as políticas públicas na região. Essa proposta ganha força nos anos 1990 e hoje já se espalha pelos estados do semiárido com apoio de diversas entidades, entre as quais destacamos a ASA - Articulação Semiárido Brasileiro, uma rede formada por mais de três mil organizações da sociedade civil - ONG`s, associações de moradores, cooperativas e sindicatos rurais. Essa rede conecta e ajuda a divulgar tais idéias pelos 10 estados que compõem essa região (MA, PI, CE, RN, PB, AL, PE, BA, SE e MG).
Para se manter uma proposta cada vez mais completa, a lógica da convivência se constitui em orientações, práticas e valores de diversas temáticas distintas como Agropecuária, Comunicação Popular, Segurança Alimentar, Economia Popular e Educação Contextualizada.
A defesa pela convivência passa principalmente pela defesa do direito à água. Sabemos da situação de privação da região quanto a esse recurso essencial à vida, por isso os esforços são concentrados para solucionar esse problema. Através de metodologias simples, baratas, de comprovada eficácia e de domínio das famílias agricultoras vêm se instalando diversas práticas para o armazenamento e uso da água para consumo e produção.
As ações da ASA estão pautadas, principalmente, na cultura do estoque de água, alimentos, sementes, animais e to-
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dos os elementos necessários à vida na região. Daí que as tecnologias de captação e armazenamento de água para consumo humano ao lado de casas e de escolas rurais e para produção de alimentos têm uma grande importância dentro desta estratégia. Além do estoque de água, o estoque de sementes também se faz necessário para a população do Semiárido amplie ainda mais as condições práticas de conviver com a região.
ASA BRASIL, 2017
Tais experiências provam que é possível transformar os critérios estruturantes do modelo desenvolvimentista aplicado atualmente ao semiárido. Elas explicitam a alternativa de determinar novas relações entre o poder público e a sociedade civil, em que o Estado tem o papel de apoiar iniciativas autônomas e criativas das comunidades rurais. Apenas através da participação ativa e cidadã de uma comunidade ativa e atuante será possível solucionar a política clientelista e assistencialista da indústria da seca.
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5. Notícia sobre campos de concentração no Ceará. O Povo, 20/06/1932
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