13ª Edição da Tribuna da Imprensa Digital

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Em todos os quadrantes o país segue a erosão do seu tecido social. A opção pelo retrocesso civilizatório que naturaliza a violência como forma de resolução dos conflitos expõe, cada vez mais, a incapacidade das instituições de controlar a barbárie que se espraia com a crise econômica, política e moral.

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Rio de Janeiro, quinta-feira, 25, a domingo, 28 de novembro de 2021

Ano 1 | N0 13

Na cidade e na floresta, o inferno chamado Brasil

A necropolítica assola o Rio de Janeiro desde os nefastos dias do esquadrão da morte, uma organização criminosa fundada por um general do Exército brasileiro nos anos de ditadura militar. Hoje, chegamos ao ponto de um cabo PM, chefe da milícia, postar em suas redes sociais, de dentro da prisão, uma comemoração da chacina do Salgueiro.

No Rio Madeira, distante 113 quilômetros de Manaus, cerca de 300 balsas e dragas usadas por garimpeiros sem licença atracaram para aprofundar a destruição do meio ambiente com a mesma desfaçatez que grileiros invadem terras indígenas, fazendeiros espalham venenos dos seus aviões e pistoleiros cometem assassinatos impunemente.

Páginas 3, 4 e 6 DIREITOS HUMANOS

Brasil é o 4º país que mais se afastou da democracia em 2020 Página 5

POLÍTICAS PÚBLICAS

LUTA ANTIRRACISTA

Auxílio Brasil deixa fora pelo menos 558 mil famílias que vivem na miséria

Placa pela ‘Consciência Humana’ antes do Dia da Consciência Negra

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POLÍTICAS PÚBLICAS

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Tereza Campello fala no Senado sobre excluídos do Auxílio Brasil A ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza Campello participa nesta segunda-feira (22) de sessão temática no Senado que vai debater a PEC dos Precatórios, projeto que viabiliza o pagamento do programa Auxílio Brasil pelo governo Bolsonaro. A ex-ministra deverá mostrar que o programa, com o qual Bolsonaro substituiu o Bolsa Família e o auxílio emergencial, vai deixar 29 milhões de pessoas excluídas de benefícios sociais. O debate, que começa às 15h, faz parte do esforço dos senadores para chegar a uma solução de consenso que viabilize o pagamento do Auxílio Brasil sem que haja adiamento do pagamento de precatórios ou alteração do teto de gastos, como apontam os críticos do texto aprovado pela Câmara. Em 17 de novembro, Tereza Campello fez nas redes sociais uma crítica ao programa de Bolsonaro.“Pode chegar a 29 milhões de excluídos pelo programa Auxílio Brasil em Novembro. Começou hoje o pagamento do Programa Auxílio Brasil. Ao que informa o governo, 14, 6 milhões de beneficiários serão contemplados. O que esconde o governo: quem foi excluído!” Segundo informações do Ministério da Cidadania apresentadas pela ex-ministra, “existem 39,4 milhões de beneficiários do auxílio emergencial (AE), dos quais 10 milhões do Bolsa Família.Supomos que outras 4,5 milhões de famílias continuam recebendo Bolsa Família, por ter direito a valores acima do AE”. “Ou seja, eram 43,9 milhões os beneficiários. O Governo Bolsonaro anunciou 14,6 milhões no Auxílio Brasil em novembro. Bolsonaro criou 29,3 milhões de AUXÍLIO ZERO.Sem uma notificação ou orientação. Nem um tchau querida!” “A promessa é atender 17 milhões em dezembro e os os excluídos seriam 27 milhões. As famílias estão nas filas, desesperadas buscando se cadastrar. São os que caíram na pobreza durante o governo Bolsonaro e foram orientadas a entrar no APLICATIVO. O Aplicativo não vale mais …”, afirmou ainda.

Auxílio Brasil deixa fora pelo menos 558 mil famílias que vivem na miséria Número de famílias em extrema pobreza que não é atendido pode ser muito maior. O programa é destinado não só a miseráveis, mas também a pobres. O governo não divulga quantos de cada categoria são atendidos

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Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família) começou a ser pago na semana passada a 14,5 milhões de famílias. O total de benefícios não é suficiente para atender nem as famílias em extrema pobreza (renda individual de até R$ 89 por mês). Há 15,06 milhões de famílias nessa situação.Ou seja,558 mil famílias a mais do que os benefícios disponíveis.Até maio deste ano, o número de benefícios era maior que o de miseráveis. Com a crise e o crescimento da pobreza, isso se inverteu em junho e passou a piorar mês a mês. Mas o cEntão não é possível saber quantas das 15,06 milhões de famílias em extrema pobreza estão fora.Por isso o número pode ser bem maior. A partir de junho deste ano, ficou maior o número de famílias em

extrema pobreza em relação ao total de famílias atendidas. É uma redução inédita no programa social. Os números são do Cadastro Único (CadÚnico), do governo federal. Esse banco de informações é usado para definir quem tem e quem não tem direito ao benefício. São as próprias famílias que informam os dados. Os dados de outubro e novembro ainda não foram divulgados no CadÚnico, mas a follha de pagamento do Auxílio Brasil mostra que em novembro foram pagos 14,5 milhões de benefícios, o que dá a diferença de 558 mil em relação às famílias na miséria. Além do déficit crescente a partir de junho, o novo Auxílio Brasil começou a ser pago em novembro com uma redução de 148 mil beneficiários em relação ao último pagamento do extinto Bolsa Família, em outubro.

Diretor-Presidente: Ralph Lichotti

Além dessas famílias na miséria, outras 2,9 milhões de famílias estavam em situação de pobreza (com renda de R$ 89,01 a R$ 178).Todas elas são elegíveis e deveriam ter acesso ao benefício social.Com isso,a fila de espera hoje deve ter em torno de 3,5 milhões de famílias. A promessa do ministro João Roma (Republicanos) era de que o Auxílio Brasil ajudasse 17 milhões,segundo ele estimou em outubro.Agora, o governo diz que esse número só deverá ser alcançado em dezembro. Com isso, cerca de 2,5 milhões de famílias aguardam ingresso no programa em uma fila de espera. Desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu o poder, em janeiro de 2019,o número de famílias em extrema pobreza inscritas no Cadastro Único cresceu 2,3 milhões (eram 12,7 milhões em dezembro de 2018).

No primeiro mês de pagamento, o Auxílio Brasil teve um encolhimento de 148 mil famílias, ou 1% em relação ao último pagamento do Bolsa Família. A redução de beneficiários em novembro ocorreu em 26 das 27 unidades da federação. O Distrito Federal foi a única exceção, com ganho de 123 beneficiários em relação à folha de outubro. O estado que mais perdeu foi São Paulo,com 23,6 mil benefícios a menos. Em termos percentuais, a maior queda foi no Paraná: 2,2% no total. O Ministério da Cidadania disse que houve uma transferência automática dos beneficiados de um mês para o outro. “Em novembro foram migradas automaticamente as famílias do Bolsa Família que estavam na folha de pagamento de outubro, com exceção daquelas em que foi verificado, em qualquer momento do mês de outubro, o descumprimento das regras de gestão de benefícios do Programa Bolsa Família”, diz nota enviada à reportagem. Segundo o governo, o benefício médio pago às famílias aumentou 20% e passou de R$ 186,68 para R$ 224,41. Neste mês, os pagamentos somaram R$ 3,25 bilhões.

Edição e design: Ricardo de Souza, Rochinha, Anabella Landim, Mel de Moraes

Mudanças no projeto No debate de hoje no Senado, devem participar também representantes da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, do Ministério da Economia e das consultorias de Orçamento do Senado e da Câmara dos Deputados. Dificilmente a PEC será votada pelos senadores da forma como foi aprovada pela Câmara. Os parlamentares governistas, liderados pelo senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE),elaboraram uma emenda à PEC, para a retirada do teto de gastos previsto na Constituição, em caráter excepcional, de parte do pagamento de precatórios — dívidas que são fruto de sentenças transitadas em julgado contra União,estados ou municípios.Com isso, abre-se um “espaço fiscal” de R$ 89 bilhões, garantindo o pagamento do Auxílio Brasil. Com a mudança, segundo os autores da emenda substitutiva, garante-se um auxílio de R$ 400 mensais para 21 milhões de brasileiros sem que seja adiado o pagamento de qualquer precatório previsto para 2022.

Tratamento de Imagens: Carlos Júnior https://www.tribunadaimprensadigital.com.br/


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Líder das milícias do Rio, cabo da PM, celebra chacina do Salgueiro em rede social

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m líder das milícias do Rio de Janeiro, o cabo da PM Ronny Pessanha de Oliveira, que está preso desde 8 de dezembro de 2020, comemorou nas redes sociais a chacina do Complexo do Salgueiro e deu a entender que as milícias participaram do crime.“Fizemos uma baguncinha no Salgueiro”, publicou o cabo preso no Facebook, com a imagem de uma caveira,supostamente em alusão ao Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope). A sequência dos comentários dá a impressão de ser uma roda de conversa

da milícia. Entre os comentários, estão frases como“Essa baguncinha aí foi de verdade”,“Em breve,vai superar a Core no Jacarezinho”e“Os caras da Civil são melhores de mira”.Nesse último,o perfil atribuído a Pessanha respondeu:“Calma! O dia ainda não acabou”. A Polícia Militar abriu uma investigação para apurar as postagens do cabo Oliveira.A chacina do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, deixou até o momento um rastro de nove mortos com marcas de tortura nos corpos. As vítimas foram retiradas de um mangue por moradores do complexo.

Em outras publicações do cabo,pessoas também comentam:“Só acho que tinha que fazer uma faxina em Belford Roxo, os moradores da Vila Pauline iam amar” e “Só no aguardo de vocês baterem o recorde da Polícia Civil. O perfil atribuído a Pessanha respondeu:“Eu contei 23,mas podemos melhorar”.Em outra postagem,ele é chamado de“malvadão” por um internauta, segundo O Globo. De acordo com a reportagem, em nota, a Polícia Militar informou que o cabo Ronny Pessanha de Oliveira está preso por força de um mandado de prisão expedido pela Justiça comum.“A 4a Delegacia de Polícia Judiciária Militar

(DPJM) realizou revista em sua cela e nenhum aparelho celular foi encontrado. O fato foi submetido à Comissão Técnica de Classificação, procedimento próprio de unidades prisionais”, afirmou a PM. Saiba mais Moradores do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), que retiraram nesta segunda-feira (22) nove corpos de um manguezal no bairro das Palmeiras, acusam a Polícia Militar de promover uma chacina. Um morador do bairro afirmou ao jornal Extra que “tinham pais de família”entre as vítimas,

mas que supostos criminosos também estão entre os mortos. “Muitas pessoas estão desfiguradas. Se eles tivessem a intenção de prender, não teriam feito isso. Quem correu se salvou. Essas mortes aconteceram de ontem para hoje.(Os policiais militares) passaram de sábado para domingo e ontem durante o dia eles saíram e voltaram. Se fosse troca de tiros, os jovens não estariam assim. Eles fizeram uma chacina. Resgatamos os corpos e não achamos nenhuma arma. Morreu um PM em um dia e no outro eles fizeram uma chacina, afirmou o morador que não teve o nome identificado.

O sistema penal do país está criado para aniquilar corpos negros”, afirma. “O Estado, através do seu braço armado que são as polícias, não tem como função institucional fazer revide ou vingança.Isto é um traço vergonhoso da barbárie que ainda persiste em nossa sociedade”, diz Moreth. Estatísticas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que 72,6% das pessoas assassinadas no Brasil, em 2020,eram negras.Em 15 anos,a proporção de negros no sistema carcerário cresceu. Em 2019, de cada três presos, dois eram negros.O Levantamento Nacional

de Informações Penitenciárias (Infopen) aponta que o Brasil possui uma população prisional de 773.151 pessoas privadas de liberdade em todos os regimes. Esse tipo de ação policial seguida de mortes não é uma situação fácil de solucionar. Jonatas Moreth avalia que é necessário fazer uma profunda mudança de paradigmas nas três esferas do poder público. “No Judiciário,precisamos limitar,ou se possível, proibir essas operações. Já tem decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) neste sentido,mas que não me parece ter sido eficiente.E mais,é preciso

investigar, processar, e quando comprovado abusos e óbitos – o que me parece evidente -, punir. ”, sugere o advogado. Ele ainda reforça que o Legislativo e o Executivo precisam executar reformas, no sentido de também limitar as ações policiais, mas fundamentalmente rever a forma de organização das forças de segurança.“É preciso rever a organização, seleção, formação e capacitação de nossas forças de segurança. Ao me ver,o controle da segurança deveria ser exercido por civis democraticamente eleitos e não por uma polícia militarizada”, conclui. (Do Alma Preta)

“Não punimos os executores dessas chacinas”, diz advogado O Brasil é um dos países do mundo que mais pune criminalmente e, ainda assim, mortes coletivas, como as que aconteceram no último final de semana no Complexo do Salgueiro (RJ), continuam sendo comuns em suas periferias. Segundo o advogado criminalista Jonatas Moreth, temos uma das maiores populações carcerárias,“mas não punimos os organizadores e executores dessas chacinas”. Segundo o jurista, esse modus operandi é fruto de uma política de Estado. Dados da Universidade Federal Fluminense (UFF) mostram que,desde 2017 até agosto de 2021, ocorreram 264 chacinas no estado do Rio de Janeiro. No âmbito da pesquisa,se considera como chacina o assassinato de três pessoas ou mais. Outra aconteceu na manhã desta segunda-feira (23),quando nove corpos foram retirados, por suas próprias famílias e pessoas próximas,de um mangue, localizado na periferia do município de São Gonçalo, Zona Oeste da capital carioca. De acordo com os moradores, eles tinham marcas de torturas e estavam alvejados por balas. Diferente do que foi relatado por moradores, a Secretaria de Estado de Polícia Civil (SEPOL) informou que os resultados dos laudos de necropsia apontaram que os óbitos ocorridos no Complexo do Salgueiro foram provocadas por projéteis de arma de fogo (PAFs), sem indícios de facadas ou outro tipo de arma com ação cortante ou perfurocortante. As armas dos policiais militares que participaram da ação e a lista dos nomes dos agentes devem ser entregues ainda nesta quarta-feira (24/11),na Delegacia de Homicídios de Niterói,São Gonçalo,Maricá e Itaboraí (DHNSG),que investiga o caso.Segundo o órgão,projéteis retirados de três corpos passarão por exames.“Testemunhas estão sendo ouvidas e outras diligências estão sendo realizadas para esclarecer todos os fatos”, afimou a unidade. O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio da 2ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada do Núcleo Niterói e São Gonçalo, instaurou um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) próprio para investigar a operação realizada no Complexo do Salgueiro,em São Gonçalo. Em nota, o órgão declarou que o procurador-geral de Justiça,Luciano Mattos,noticiou à Promotoria de Justiça,que foi ao local para colher informações e ouvir moradores.“Um perito integrante do Grupo de Apoio Técnico Especiali-

zado (GATE/MPRJ) foi designado ao Instituto Médico Legal para acompanhar o exame dos corpos”, disse. De acorco com Jonatas Moreth, o Estado, quanto a questão da segurança pública, entende que se combate o crime com guerra.“Portanto, o inimigo precisa ser destruído, aniquilado. Fazemos isto, em especial quanto à política de drogas desde que o Brasil é Brasil”,adverte.As mortes aconteceram durante uma operação da Polícia Militar. No sábado (20), um policial militar morreu em uma troca de tiros na região. Devido a isso,o Batalhão de Operações Especiais Policias (BOPE) foi chamado. A população afirma que pelo menos 14 pessoas da comunidade morreram neste final de semana. Jonas Pacheco,pesquisador da Rede de Observatórios da Segurança, conta que o discurso oficial das polícias do governo é que a operação foi para possibilitar uma estabilização da região,mas o que se tem de extraoficial é que essa operação é decorrente de um vingança após a morte do sargento Leandro da Silva, na região. “Isso é muito comum aqui no Rio de Janeiro, após óbitos de policiais em uma favela, a polícia retorna para fazer um massacre. É uma carta branca que essa política de segurança tem dado às forças policiais”, diz. Em nota,a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro informou que foram oito óbitos ao todo, número ainda incerto. As investigações estão em andamento pela Delegacia de Homicídios de Niterói,São Gonçalo e Itaboraí (DHNSG).Os corpos foram encaminhados ao Instituto Médico Legal (IML) da região. “Sete dos oito mortos foram identificados, destes, cinco possuem antecedentes ou anotações criminais.Um dos mortos, que não possui antecedentes, também estava com roupa camuflada semelhante a do restante do grupo”, declarou a coorporação.A comunidade já foi vitima de outras chacinas como essa. Em 2017, após uma operação que envolveu o Exército, mais de sete pessoas foram mortas.O inquérito foi arquivado e nenhum responsável foi punido. O advogado e coordenador do Instituto de Defesa da População Negra (IDPN) Djeff Amadeus afirma que é comum as chacinas acontecerem nas comunidades que concentram o maior número de pessoas negras.“O Estado, sendo um ente dotado de racismo institucional e estrutural, é legitimado por instituições que preservam esse sistema.


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“Antes, eles recebiam dinheiro dos comerciantes para matar. Depois, passaram a cobrar dos comerciantes para que estes pudessem vender” Pesquisador ressalta papel de grupos parapoliciais no assassinato de Marielle Franco e expõe a conexão da extremadireita com forças milicianas

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cientista político e pesquisador Bruno Paes Manso foi entrevistado pelo site Ópera Mundi e discorreu sobre violência policial,a origem dos esquadrões da morte no Rio de Janeiro fundado por um general do exército e a “república das milícias”. Segundo ele, o presidente Jair Bolsonaro representaria esse modelo que legitimou o paramilitarismo através do voto,tanto do ponto de vista ideológico, pregando a violência como solução das divergências políticas,quanto do ponto de vista mais prático de se relacionar diretamente com milícias. “Existe uma relação direta da família Bolsonaro com as milícias no próprio gabinete de Flávio Bolsonaro. Ele contratou a mãe de um dos principais criminosos do Rio de Janeiro,o capitão Adriano, para trabalhar com ele. É uma conexão direta e provada, só que isso não escandaliza as pessoas”, lamentou. O pesquisador explicou que as milícias ganharam tanto poder que se criou uma elite formada a partir do “discurso do medo”,que foi ganhando poder político e assumindo cargos públicos. De modo que,hoje,a“fronteira entre milícia e Estado está obscura,é difícil saber quem aposta no modelo miliciano de gestão ou no modelo democrático de direito”. “A partir do momento que você tem alguém que diz que a Constituição ou as leis atrapalham a polícia e você quer criar um modelo baseado no uso da violência e da força, você tem um problema. Existe uma elite da guerra com um projeto de poder muito específico e que ganha dinheiro com isso,que extrai dinheiro do Estado a partir do discurso do medo.O próprio Bolsonaro desconstrói e desmoraliza as instituições com um discurso da guerra em nome de quem é amigo dele e que vai ganhar dinheiro com ele”, discorreu Manso. Para o cientista político,a parte mais grave de todo esse cenário é que,apesar da ideologia de que a violência possa ser uma solução política não ser nova, ela agora conseguiu apoio popular,tanto é que Bolsonaro foi eleito,e se enraizou no pensamento das pessoas. O pesquisador retomou a história das milícias para explicar como elas chegaram ao patamar atual. O termo “milícia” surgiu em 2005,por acaso,“para caber no espaço do título no jornal como sinônimo de paramilitar”, e se refere a um tipo de negócio criminal típico do Rio de Janeiro. Manso contou que, diferentemente de São Paulo, onde a venda varejista de drogas se dá fora do território,no Rio,ela está fortemente vinculada ao controle

territorial.Assim,com o tempo foram se estabelecendo facções que disputavam os territórios,“criando um trauma nas pessoas que testemunharam essa violência e gerando uma relação com a polícia que se beneficiava da situação”. A polícia cobrava arregos dos chefes dos territórios ou exigia que pagassem espólios para evitar repressões,“e foram percebendo que poderiam dominar os territórios”, vendendo à população um discurso de vacina contra o crime e as drogas. “Diziam que iam evitar que o tráfico se expandisse,uma ideia comprada inclusive pelas autoridades como uma coisa de autodefesa comunitária.A partir daí diversificaram os comércios, envolvendo-se com grilagem de terras,venda de cigarro pirata,de internet e luz até se associar com o próprio tráfico de drogas para organizar sua venda. Agora, o tráfico de drogas também aderiu a esse modelo. As facções vendem proteção em seus territórios”, contou. O poder político das milícias veio,no entanto, de sua relação com os esquadrões da morte,que serviam como solução para a violência na periferia:“Era uma mentalidade de limpeza,de usar a violência para mostrar que a lei existia”. Manso revelou que Amauri Kruel, homem de confiança de João Goulart, chefe do Gabinete Militar da Presidência, foi o responsável pela formação do primeiro esquadrão da morte do Rio de Janeiro, em 1958. “Naquela época não existia a Polícia Militar,o policiamento ostensivo territorial.Aí veio o golpe militar e mesmo

depois da transição democrática esses grupos de extermínio continuaram agindo. Só que, antes, eles recebiam dinheiro dos comerciantes, por exemplo, para matar. Depois, eles passaram a cobrar dos comerciantes para que estes pudessem vender. Então na verdade há uma linha de continuidade entre os esquadrões da morte e as milícias”, ponderou. Segundo ele, em São Paulo houve um esforço mais efetivo para acabar com os grupos de extermínio,o que não ocorreu no Rio, onde as milícias foram se profissionalizando,incluindo pessoas com treinamento profissional nos grupos e estabelecendo relações amistosas com a polícia,para evitar investigações. Entretanto, o cientista político alertou para o fato de que o processo está se espraiando,deixando de ser um fenômeno somente carioca.Em São Paulo,o sinal de que já existem milícias é a lavagem de dinheiro:“É a gente olhar a relação para empresas e grilagem de terras. Constroem condomínios ilegais,em terras protegidas,e depois deputados anistiam aquela construção.Então o dinheiro que era de traficantes está entrando na economia legal e elegendo pessoas que permitem sua circulação”. Para desmontar esse sistema,Manso afirmou que a eleição de 2022 é crucial, “e o Rio de Janeiro vai ser estratégico”. “Marcelo Freixo vem tentando uma aliança com partidos de centro e acho que isso vai ser importante porque sozinho ele não vai conseguir fazer nada, e ele é alguém que tem a força de mudança [vale ressaltar que Freixo pre-

sidiu a CPI das Milícias em 2008].Existe um alto grau de degradação das instituições, hoje quem manda é o crime, então quem chegar no poder vai ter que chegar com muita força para fazer uma reforma da polícia, antes de mais nada”, destacou Manso também falou sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco,em 2018, e foi taxativo:“Foi a milícia que mandou matar Marielle. Se sabe quem é um dos matadores dela e do motorista Anderson Gomes e que o miliciano é Cristiano Girão. Mas ainda não se sabe quem é o mandante”. Além disso, outras dúvidas permanecem,segundo o cientista político.Ele explicou que as milícias e o crime organizado tendem a recuar em momentos em que os holofotes estão sobre o Rio de Janeiro, por exemplo durante as Olimpíadas ou, no caso, quando estavam ocorrendo as intervenções resultado da CPI das Milícias. Mas Marielle foi assassinada um mês após as intervenções, o que faz o pesquisador pensar que sua morte tinha a intenção de dar um recado político, não era apenas um ato criminoso. Ele comemorou que pelo menos agora as investigações estão caminhando, ressaltando para o fato de que,pela relação da polícia com os matadores,o assassinato estava sendo acobertado. “Mas ainda existem muitas dificuldades,porque estão sendo investigadas pessoas dentro da polícia,que sabem como uma investigação funciona,sabem desviá-la, tentam ludibriá-la, então é muito mais lento o processo”, enfatizou.

“Vamos romper a conciliação com os opressores”, diz pré-candidato à presidência O partido político Unidade Popular (UP) decidiu concorrer com um candidato próprio para a eleição presidencial em 2022. O escolhido foi o mineiro Leonardo Péricles Vieira Roque,40 anos, conhecido como Leo Péricles. Fundada em junho de 2016 e com o registro oficializado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2019, a legenda Unidade Popular é um partido socialista. Entre outubro de 2016 e setembro de 2018, os militantes da UP conseguiram coletar 1,2 milhão de assinaturas de eleitores para a criação da legenda. O lançamento da pré-candidatura aconteceu no dia 14 de novembro, durante o 2º congresso nacional do partido, realizado em São Paulo com 200 delegados, que representavam 20 estados.“Somos de uma posição de esquerda que, consequentemente, não abre mão dos interesses da classe trabalhadora e do nosso povo pobre, negro e das periferias”, diz Péricles. Filho da dona de casa Lurdes Rosário e do pintor de carros Chico Preto,ele nasceu em Belo Horizonte (MG), mas cresceu na periferia de Contagem (MG).Péricles começou a militância no movimento estudantil,em 2000.A partir de 2012,passou a atuar nos movimentos populares de periferia e ocupação urbana e é coordenador do Movimento de Luta nos Bairros,Vilas e Favelas (MLB), além de presidente da UP. Entre as principais diretrizes de governo da UP,estão: a reforma agrária,a reforma urbana,a identificação dos torturadores desde a ditadura até os dias atuais,a retomada das estatais privatizadas,a auditoria da dívida pública,a promoção da educação antirracista e a revogação das reformas previdenciária e trabalhista. “Queremos cotas em todos os âmbitos do governo federal e combater o racismo nas estruturas institucionais,em especial no Poder Executivo,será uma tarefa central.As portas estarão permanentemente abertas para o povo negro e originário, vamos fazer a demarcação e a posse das terras quilombolas e indígenas”,promete Péricles,que pretende também apresentar um projeto de reversão do encarceramento em massa,a partir de um processo de transição de justiça no Brasil, desde os crimes cometidos na ditadura militar. “A impunidade dos crimes cometidos no passado leva à impunidade no presente. Hoje, a violência do Estado se dá contra a juventude pobre e negra”,afirma o pré-candidato, que em 2005, iniciou o curso de biblioteconomia, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mas não concluiu. Em 2019, Péricles compôs a chapa coligada com o PCB e PSOL para a prefeitura de Belo Horizonte e conseguiram 100 mil votos, ficando em 4º lugar. Ele concorreu como vice da Áurea Carolina (PSOL) contra outras 14 candidaturas. O pré-candidato da UP resume o programa do partido para a corrida eleitoral do ano que vem em três frentes: antirracista,antifascista e anticapitalista.A campanha será focada na mobilização popular, em sindicatos, nas lutas sociais, nas manifestações e ocupações, para divulgar as ideias de reformas estruturais. “Precisamos reverter a atual política econômica, que é neoliberal, e iniciar uma economia popular.Vamos taxar as grandes fortunas e gerar soluções para chagas sociais nas áreas da saúde e da educação.Queremos também a redução da jornada de trabalho sem redução de salários.Vamos romper com a conciliação com os opressores”,defende Péricles.


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Brasil é o 4º país que mais se afastou da democracia em 2020, diz relatório

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ublicado em março de 2021, o documento é um importante instrumento usado por investidores e pesquisadores do mundo todo e do Brasil para definir prioridades de ações globalmente. De acordo com o índice, no qual 0 representa um regime ditatorial completo e 1, a democracia plena, o Brasil hoje registra pontuação de 0,51, uma queda de 0,28 em relação à medição de 2010, que ficou em 0,79. A queda do país só não foi maior do que as de Polônia,Hungria e Turquia.Os dois últimos,um sob regime do direitista Viktor Orban e outro sob comando do conservador Recep Erdogan, se tornaram oficialmente autocracias, na classificação do V-Dem. “Quase todos os indicadores que usamos mostram uma drástica queda do Brasil a partir de 2015. O único ponto em que o país não perdeu de lá pra cá foi em liberdade de associação”, disse à BBC News Brasil o cientista político Staffan Lindberg, diretor do Instituto Variações da Democracia. O índice é formulado a partir da contribuição de 3,5 mil pesquisadores e analistas,85% deles vinculados a universidades ao redor do mundo. O resultado de cada país advém da agregação estatística dos dados para 450

O Brasil é o quarto país que mais se afastou da democracia em 2020 em um ranking de 202 países analisados. A conclusão é do relatório Variações da Democracia (V-Dem), do instituto de mesmo nome ligado à Universidade de Gotemburgo, na Suécia indicadores diferentes,que medem aspectos como o grau de liberdade do Judiciário e do Legislativo em relação ao Executivo,a liberdade de expressão da população,a disseminação de informações falsas por fontes oficiais,a repressão a manifestações da sociedade civil,a liberdade e independência de imprensa e a liberdade de oposição política. De acordo com o relatório,o mundo vive o que os pesquisadores consideram uma onda de expansão das autocracias iniciada em 1994.

Essa seria a terceira onda desde 1900 (as duas primeiras aconteceram entre os anos 1920-1940 e entre o começo dos anos 1960 e o final dos anos 1970). Se,em 2010,48% da população mundial vivia sob regimes considerados não democráticos, em 2020 esse percentual subiu para 68% e retornou ao patamar observado no início dos anos 1990. No grupo do G-20 - que agrega as maiores economias do mundo -, além de Brasil e Turquia,a Índia também apresentou uma queda nos parâmetros demo-

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cráticos tão significativa que deixou de ser considerada a maior democracia do mundo e passou a ser classificada como autocracia com eleições pelo V-Dem. Segundo os pesquisadores,os processos de Índia, Turquia e Brasil, apesar de estarem em estágios diferentes, seguem um mesmo roteiro.“Primeiro,um ataque à mídia e à sociedade civil,depois o incentivo à polarização da sociedade,desrespeitando os opositores e espalhando informações falsas, para então minar as instituições formais”, diz o relatório. “Estamos muito preocupados porque percebemos que Bolsonaro tem dado claros sinais que condizem com os padrões de comportamento de outros líderes autocráticos que vimos atuar antes, como Viktor Orban. São movimentos preocupantes para a sobrevivência da democracia brasileira”, afirma Lindberg. O índiceV-Dem de 2021 foi finalizado antes da recente crise do presidente brasileiro com as Forças Armadas. Em março, foi anunciada a saída do então ministro da Defesa,Fernando Azevedo e Silva, o que desencadeou também a troca dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica. Em sua carta de demissão,Azevedo e Silva afirmou que “neste período (à frente da pasta), preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”, o que provocou questionamentos sobre uma possível tentativa de politização do Exército Brasileiro por Bolsonaro, que tem usado corriqueiramente a expressão“meu Exército”para se referir às Forças Armadas do país. Antes disso,porém,o atual presidente brasileiro já atacou reiteradas vezes a imprensa, se mostrou elogioso à ditadura militar instaurada nos anos 1960 e endossou uma manifestação de apoiadores seus que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal. Pouco antes de ser empossado, Bolsonaro chegou a afirmar que mandaria seus opositores para a “ponta da praia”, uma aparente referência à base da Marinha na Restinga da Marambaia, no Rio, onde presos foram torturados e mortos

durante o regime ditatorial brasileiro. “Petralhada,vai tudo vocês pra ponta da praia.Vocês não terão mais vez em nossa pátria porque eu vou cortar todas as mordomias de vocês.Vocês não terão mais ONGs para saciar a fome de mortadela.Será uma limpeza nunca vista na história do Brasil”, disse o então presidente eleito em 2018. Esses aspectos contribuem para os atuais resultados do país. Outros índices também apontam para um retrocesso da democracia brasileira nos últimos anos, embora a queda seja mais branda. A ONG Freedom House avaliou que a democracia brasileira atingia 79 pontos, em uma escala de 0 a 100, em 2017.Atualmente, o índice recuou para 74. Para Lindberg,embora os dados sobre Brasil sejam preocupantes, o país ainda está longe de ser enquadrado como uma autocracia,como aconteceu com Turquia e Índia,e isso se deve à qualidade do sistema eleitoral brasileiro. “Embora ainda haja algumas irregularidades de votação,um pouco de intimidação eleitoral ou de compra de voto,as eleições no Brasil seguem sendo livres e justas, e é possível trocar o comando do país por meio delas”, diz Lindberg. Segundo ele, o sistema de voto eletrônico, como o usado no Brasil, tem se mostrado seguro e confiável. Bolsonaro, no entanto, tem feito uma campanha pelo voto impresso no Brasil e dito que o país pode repetir a história das últimas eleições americanas,quando Trump alegou fraude sem provas, se não mudar o sistema eleitoral. E se a guinada autocrática atinge grandes populações ao redor do mundo, de outro lado,os processos de democratização,embora aconteçam,se concentram em países menores, como o Sri Lanka, Tunísia e Armênia. Para os pesquisadores, isso se deve ao fato de que esses países estão relativamente mais distantes da influência de potências autocráticas, como Rússia e China,e parecem ter conseguido encaminhar suas dinâmicas políticas internas para um sistema mais livre.

nal para abrir espaço para personagens esdrúxulos e inexpressivos como, por exemplo, Wilson Witzel, no Rio.

cia, pela inconsistência das provas e por ter sido fundamentada exclusivamente na versão escabrosa do delator. Segundo a maioria dos ministros, o MPF nada provou além do que fora dito pelo notório Léo Pinheiro.

ARTIGO

STJ faz justiça com Eduardo Paes Ricardo Bruno Jornalista político, apresentador do programa Jogo do Poder (Rio) e ex-secretário de comunicação do Estado do Rio O restabelecimento do estado democrático de direito determinado pelo fim da malsinada operação Lava Jato vai aos poucos permitindo a recuperação da verdade em fatos aparentemente controversos da história recente do país. Os protagonistas desta caça às bruxas na política nacional têm sido desnudados em seu propósito de alterar a história artificialmente, forjando suposto combater à corrupção.

Utilizaram criminosamente a estrutura e a credibilidade de um poder, em tese isento, para fazer política, na pior acepção do termo.Tanto é verdade que as estrelas mais reluzentes dessa constelação de justiceiros que capturou parte do Judiciário renderam-se à realidade e resolveram trocar a toga pelo ativismo político-partidário. Moro e Dalagnol são exemplos rematados desses personagens nefastos que impregnaram a vida nacional. No Rio, tinham os seus representantes legais, operavam como uma espécie de franqueados do mal, dispostos a reproduzir por aqui toda

sorte de arbítrios, supressão de garantias individuais e quejandos. Políticos foram presos sem prova mínima, sequer haviam sido denunciados; outros tornaram-se alvo de busca e apreensão quase sempre às vésperas das eleições; advogados tiveram escritórios invadidos, numa violação das prerrogativas fundamentais da profissão; ações descabidas e inusitadas foram propostas aos borbotões com incomum espalhafato publicitário. Não havia limite no afã de criminalizar a política.

Meses antes das eleições de 2020, o MPF formulou e a Justiça Federal aceitou denúncia, sem qualquer fundamento em fatos palpáveis, de que estaria envolvido em fraude na licitação das obras do Complexo Esportivo de Deodoro para os Jogos Olímpicos de 2016. Pesou contra Eduardo Paes a palavra de um criminoso confesso, o empresário Léo Pinheiro, o mesmo que acusara o ex-presidente Lula de corrupção e recentemente, arrependido, se retratou em carta do próprio punho, numa demonstração repulsiva de seu caráter amoral.

O atual prefeito Eduardo Paes foi um dos alvos dessa tentativa de desestabilização da vida política nacio-

Nesta terça-feira, o STJ pôs fim a farsa lavajatista contra o atual prefeito. Arquivou a tal denún-

Paes foi exposto publicamente; teve enormes danos em sua imagem; além de incalculáveis prejuízos eleitorais. Como por sinal aconteceu em 2018 quando também foi vítima de ações espetaculosas de setores do MP com o nítido objetivo de fragilizá-lo diante de WW, o breve. A decisão do STJ corrige uma injustiça no plano pessoal e nos faz recuperar a crença de que nada será sólido, justo e perene fora do estado democrático de direito. Publicado originalmente no Portal Brasil247


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DIREITOS HUMANOS

Rio de Janeiro, quinta-feira, 25, a domingo, 28 de novembro de 2021

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Dragas atracam no Rio Madeira com 300 embarcações sem licença ambiental Extração de minério é proibida na região. Movimentação atípica chamou a atenção dos moradores

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alsas e dragas usadas por garimpeiros para extração de ouro atracaram no Rio Madeira, próximo à comunidade de Rosário,no município de Autazes,distante 113 quilômetros de Manaus. As embarcações começaram a chegar ao local há cerca de 15 dias, quando surgiu a informação de que havia ouro na região da comunidade. Danicley de Aguiar, porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil, disse que o que acontece hoje naquela cidade é uma“vergonha nacional”.“Enquanto o mundo inteiro busca maneiras de solucionar a crise climática, o Brasil investe no contrário.O que vimos no sobrevoo é o desenrolar de um crime

ocorrendo à luz do dia, sem o menor constrangimento.Isso tudo,óbvio,é referendado pelo presidente Bolsonaro,que dá licença política e moral para que os garimpeiros ajam dessa maneira.Ao fragilizar a fiscalização ambiental, Bolsonaro dá espaço para que esse tipo de coisa ocorra. Essa invasão de garimpeiros é mais uma amostra de que a Amazônia está entregue à sua própria sorte. Mas não podemos ficar calados,precisamos interromper o ciclo dessa economia da destruição”, afirmou o porta-voz. Em nota, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) confirmou a movimentação anormal de dragas e informou que será feito um diagnóstico apurando a real situação no

local. O texto informa, também, que atividades de exploração mineral naquela região não estão licenciadas, portanto, se existindo de fato, são irregulares. São dezenas de balsas, empurradores, barcos e todo o aparato para extração de ouro no rio. Os equipamentos formam uma vila flutuante em frente à comunidade. A chegada das dragas assustou os moradores da região. O trecho do Rio Madeira é usado por moradores de Nova Olinda do Norte, Borba e Novo Aripuanã para chegar a Manaus em lanchas. O trajeto é mais curto do que utilizando a estrada BR-319, que é conhecida por estar muito deteriorada. Além da mineração,o Ipaam destaca em nota que pode haver outras possí-

Há 125 anos, Canudos escancarou dificuldades do Brasil rural Foi um chacoalhão e tanto na República, ainda bastante jovem. Entre 1896 e 1897, entraram em conflito armado o Exército brasileiro e a comunidade liderada pelo líder messiânico Antônio Vicente Mendes Maciel (1830-1897),mais conhecido como Antônio Conselheiro, no sertão da Bahia. A Guerra de Canudos teve sua primeira batalha há exatos 125 anos, em 24 de novembro de 1896. “Canudos foi o primeiro grande movimento social de contestação da ordem republicana, que provocou derrotas humilhantes para as autoridades brasileiras”, define o historiador Paulo César Garcez Marins, pesquisador do Museu Paulista da Universidade de São Paulo (USP). “Foi uma demonstração de quanto a população sertaneja, distante das grandes cidades do litoral,poderia forjar uma experiência política e social de grande envergadura,capaz de afrontar o sistema político e também as redes de poder locais e regionais.” Em um contexto de seca,latifúndios improdutivos e muito desemprego,milhares de sertanejos não pestanejaram em

seguir Antônio Conselheiro,cujas pregações mesclavam religião e crítica social e se apoiavam na crença de uma salvação milagrosa. Logo, os rumores passaram a ser de que o grupo se preparava para atacar cidades vizinhas e teria um ousado plano de depor o governo republicano e reinstaurar a monarquia no Brasil.E o Exército brasileiro não conseguiu conter os revoltosos facilmente — ao contrário,amargou algumas derrotas. “Canudos é, e já era para seus contemporâneos, um espanto e uma evidência da força do povo sertanejo, que tentava construir uma outra experiência urbana,econômica,social e política,que escapasse dos quadros tradicionais do mandonismo político das elites regionais do que hoje chamamos Nordeste”, analisa Marins. “O fato de ter,inclusive,derrotado três vezes as tropas enviadas para sua subjugação, colocara a própria autoridade nacional,e o Exército brasileiro,em questão, o que sinalizava a fragilidade institucional do novo regime republicano e também sua brutalidade, dado o elevadíssimo número de mortes e execu-

ções no momento em que finalmente se venceu.” A guerra terminaria apenas em outubro de 1897,na quarta incursão dos militares em Canudos — no total, foram mobilizados 12 mil soldados. O saldo final foi o vilarejo incendiado e quase toda a população executada — estima-se que tenham sido 25 mil mortos.Conselheiro, o líder, havia morrido um mês antes, provavelmente em razão de ferimentos decorrentes da explosão de uma granada. Para o historiador Paulo Henrique Martinez,professor na Universidade Estadual Paulista (Unesp),“Canudos foi uma revelação”, e aí reside sua importância histórica. “De um lado revelava-se uma população, uma paisagem e as duras condições de vida e de trabalho, marcadas pela pobreza extrema, a opressão, a violência e a exploração intensiva da mão de obra pelos grandes proprietários rurais”, analisa. “De outro,o desconhecimento,a indiferença, o preconceito e a discriminação de autoridades civis e militares e da

veis ilegalidades que devem ser investigadas, tais como: mão de obra escrava, tráfico, contrabando e problemas com a capitania dos portos. O Ipaam ainda diz que está buscando informações,com intuito de planejar e realizar as devidas ações no âmbito de sua competência, integrado aos demais órgãos estaduais e federais,e informou que comunicaria o fato ao comando da Segurança Pública do Amazonas (SSP), além de pedir apoio federal para apurar a ocorrência. Em nota, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informa que teve ciência do caso e,nesta terça-feira (23), reuniu-se com o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) para

alinhar as informações, a fim de tomar as devidas providências e coordenar uma fiscalização de garimpo na região. Também em nota, a Polícia Federal informou que“se encontram em andamento,tratativas interinstitucionais sobre a notícia dos garimpeiros na calha do rio Madeira. Assim que reunidas informações e dados acerca de ações desta Superintendência Regional da Polícia Federal sobre o assunto em questão,encaminharemos para o conhecimento de todos”. A presença de garimpeiros com balsas atuando na extração de ouro ao longo do rio Madeira não é novidade. Em setembro, um grupo se instalou na região da cidade de Humaitá,a 700 km de Manaus.

elite cultural e econômica sobre a realidade social do Brasil em sua primeira década de regime republicano”,pontua. “A ausência e a manipulação de poderes e de serviços públicos colocou em evidência o caráter oligárquico e autoritário dos governos republicanos, em escala nacional, regional e local.” Na época, o discurso oficial era de que os revoltosos representavam um risco para o regime republicano e a própria ordem econômica e social da nação. À medida que o Exército sofria derrotas em Canudos e percebia-se uma dificuldade de extinguir o movimento, ressentimentos foram acumulados.O objetivo passou a ser um só:“a aniquilação material, social e política” do grupo — nas palavras de Martinez. Mestre em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor do Colégio Presbiteriano Mackenzie, o historiador Gabriel Leite Neres avalia que Canudos, embora tenha sido uma guerra relativamente curta,“representou as contradições e tensões de um Brasil em processo de construção”. “Foi a primeira convulsão social histórica que demonstrou os abismos do período”, acrescenta.“A crise de partes da sociedade devido às políticas realizadas pelo regime oligárquico apresentou não um Brasil,mas sim brasis divididos espacialmente.” Sedimentada pelo tempo, a guerra ganhou uma compreensão historiográfica contemporânea — passou a ser vista dentro de um contexto de insurreições rurais que ocorreram ao longo de toda a segunda metade do século 19. “É um fato sempre lembrado e muito referido pelo que trouxe ao Brasil e ao mundo naquele momento: a espolia-

ção das populações rurais, a privação que esta sempre enfrentaram na garantia de suas posses, roçados e criações, a exclusão de direitos básicos de cidadania,a começar pela assistência social, direitos trabalhistas e autonomia política”, diz Martinez. Para o historiador,atualmente“Canudos reaparece sempre como o retrato de uma situação que perdurou no tempo e no espaço, lembrando o quanto essa população rural sofreu e sofre nos dias de hoje com a violência social e estatal,as migrações forçadas,as más condições de vida e de trabalho,o desamparo governamental e a exploração de suas fragilidades e necessidades pela manipulação política,ideológica e eleitoral”. Nesse sentido, a revolta simboliza também uma maneira — ainda que originalmente caracterizada como uma seita — de conscientização social. E, conforme atenta o historiador, as privações e vulnerabilidades da população pobre rural não mudaram muito nesses 125 anos, a despeito da modernização da economia agroindustrial. “[Na verdade, esta] apenas reitera e aprofunda o cenário trágico de pobreza, de violação de direitos e de cidadania”, enumera Martinez. Para Marins, vale ressaltar que a “rápida mobilização” dos que atenderam ao chamado de Conselheiro proporcionaram um movimento de crescimento “rápido e eficaz, ainda hoje sem paralelo no país”. Traços do que motivou Canudos seguiram reverberando em episódios de lá para cá,como a marcha da Coluna Prestes,o cangaço,as Ligas Camponesas e,mais recentemente,o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).


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LUTA ANTIRRACISTA

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ARTIGO

Por que a consciência é negra e não humana?

Placa pela ‘Consciência Humana’ antes do Dia da Consciência Negra Cartaz com dizeres “Não precisamos de 1 dia de Consciência Negra e, sim, 365 dias de Consciência Humana” foi fixado na porta do CRAS Herivelton Maximo Pereira na antevéspera de feriado nacional; caso foi registrado na Polícia Civil

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aria* é mulher negra moradora de Pitangui, uma cidade de quase 30 mil habitantes distante a 125 km de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Em 18 de novembro, passando pela rua,ela se impressionou ao ver uma placa na porta do Centro de Referência de Assistência Social Herivelton Máximo Pereira com os dizeres “Não precisamos de 1 dia de Consciência Negra e, sim, 365 dias de Consciência Humana”. O cartaz ainda tinha “Consciência Negra” acima e “chega de…” com mãos pretas desenhadas acompanhadas de palavras escritas em fitas brancas como “intolerância”, “preconceito” e afins. Para ela, a placa da qual fotografou simbolizou desrespeito e apagamento da importância do Dia da Consciência Negra, data que foi pautada em 1971, mas instituída apenas em 2011 no país, corroborando para a falta de reconhecimento do racismo na sociedade.“Todo o momento que grupos pelos direitos da população negra se manifestam,sempre encontram barreiras, a hegemonia branca sempre precisa manter o seu status e a todo tempo tenta minimizar as pautas, as lutas, os posicionamentos, as dores e a gente tem alguém que endossa esse tipo de cartaz que é o presidente da Fundação Palmares, o Sergio Camargo, e exalta o branco como responsável por salvar a população negra que continua sendo explorada e oprimida como sempre foi”, afirma. Ela, que prefere não se identificar por medo de represálias, aponta que, por ser um município pequeno, ainda que tenha a presença de comunidades quilombolas, é muito difícil pautar e debater o racismo, ainda mais quando um órgão do poder público reverbera esse tipo de mensagem.“Um dia da Consciência Negra vai soar como desigual para eles

[brancos] porque eles já estão num patamar de hegemonia, então para quem está no topo, qualquer pleito vai soar como uma luta injusta, sendo que a nossa luta é justamente para que tenhamos igualdade,o que não existe”, explica.“A gente precisa de mais do que um cartaz que seja removido de um órgão da prefeitura, a gente precisa remover isso [racismo] da cabeça das pessoas”. Na rádio Band News FM, a jornalista Milena Teixeira, do podcast Pretoteca, também explicou por que a importância do Dia da Consciência Negra e não a criação de um Dia da Cons-

ciência Humana, em 20 de novembro. “Quando você vai em algum espaço de poder, não tem nenhum negro porque faltam negros nos lugares, porque negros estão morrendo nas favelas, porque negros são a maior parte da população que passa fome no Bra-

sil hoje”, explicou.“Existe essa reparação histórica que o Brasil precisa fazer, o Brasil foi feito por mão de obra escrava, a gente precisa reparar essas pessoas, essas pessoas foram prejudicadas no desenvolvimento de várias áreas (…), a gente ficou atrasado quando houve a abolição da escravatura no Brasil, não houve emprego e escolaridade para todo mundo, a gente está lá atrás ainda”. Maria* e o companheiro registraram na delegacia de Pitangui um boletim de ocorrência sobre o caso e vão procurar o Ministério Público Estadual.

Basília Rodrigues* A data pela Consciência Negra cria uma verdadeira revolução no jornalismo e na política. Veículos de comunicação falam de negros, leis anti-racistas são aprovadas, pesquisas sobre “como vive o negro no Brasil?” são publicadas,casos de racismo são lembrados, até que o mês acaba. É mais ou menos assim, fala-se de mães em maio; de papai noel em dezembro e da luta racial,o nosso racismo de todos os dias, em novembro. Amigos meus negros, referências em suas áreas, se indignam: por que são procurados somente em novembro? Somos negros 7 dias da semana, todo mês. A data marca resistência, em memória de Zumbi dos Palmares, e provoca reflexões que chegam a incomodar muitas pessoas: por que esse dia existe? Por que a consciência é negra? Antes de tentar responder isso,é preciso traçar a diferença entre “o que é” e “como deveria ser”. Ok? A consciência é humana – deveria ser mas não é. Todos são iguais – deveriam ser mas não são. Não precisa de data – poderia mas não dá. Por que não existe dia do branco? – 365 dias não são suficientes? Essas reflexões só são possíveis porque existe um dia da #ConscienciaNegra.Se não fosse essa data,não estaríamos tendo essa conversa. A consciência é negra por razões do passado,do presente e do futuro. A consciência é negra porque os negros e não os brancos foram escravizados por 300 anos neste país. Você lembra? Não. Pela nossa idade, a gente não viveu isso mas até hoje sentimos os efeitos dessa disparidade de direitos e oportunidades. A consciência é negra porque é do negro que se exige mais resistência para passar por situações como uma pandemia, dado o nível de vulnerabilidade social. A pretensa liberdade de 133 anos atrás, produto da lei áurea,nos jogou nas periferias, onde ninguém queria ir, à margem da sociedade. A consciência é negra porque a perfeita consciência humana nunca existiu e os negros precisam preparar as gerações futuras para que a trajetória de avanços, ainda que parcos,não seja estragada. A data é provocativa, didática e simbólica. É bom ver alguém incomodado com o 20 de novembro, sinal de que o fez pensar nos negros. Mantenha-se assim. Artigo publicado originalmente na CNNBrasil e gentilmente cedido para esta Tribuna


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INTERNACIONAL

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erá a primeira vez desde o retorno à democracia em 1990 que os partidos tradicionais de centro-esquerda e centro-direita não lideram as preferências eleitorais. “A única candidatura que vai recuperar a paz, que é a alternativa para enfrentar os criminosos e o narcotráfico e que acabará com o terrorismo é a nossa”,disse Kast em pronunciamento após liderar a votação no primeiro turno, com 27,9% dos votos válidos. O advogado e ex-parlamentar, de 55 anos, que prometeu cavar uma vala na fronteira para deter os migrantes, se opor ao aborto e cortar impostos,declarou que admira líderes como Augusto Pinochet, Ronald Reagan, Margareth Thatcher e Jair Bolsonaro. Seu rival, Gabriel Boric, um parlamentar de 35 anos e ex-líder estudantil que encarna as reivindicações da eclosão social do final de 2019, propõe aumentar o papel do Estado na economia, acabar com a previdência privada e expandir os direitos sociais da população. “Fomos incumbidos da disputa pela democracia, justiça, inclusão, respeito, pela dignidade de todos”, declarou o candidato — aliado ao Partido Comunista — após o resultado das eleições de domingo (21/11),em que alcançou 25,8% dos votos válidos. Os vencedores do primeiro turno terão agora o desafio de seduzir o restante dos eleitores em algumas semanas. Essa corrida vai decorrer em um contexto inédito marcado pela queda dos partidos tradicionais, o surpreendente apoio ao candidato “outsider”, Franco Parisi, bem como o triunfo da direita no norte do país e o seu avanço no Senado. Quem chegar ao palácio presidencial de La Moneda terá que governar um país profundamente fragmentado e com uma Assembleia Constituinte que está trabalhando na elaboração de uma proposta de nova Constituição que deverá ser endossada em votação popular no próximo ano. Confira algumas das propostas dos rivais mais antagônicos que o Chile teve em sua história recente. Economia e pensões O candidato da direita radical aposta na redução dos gastos fiscais, na desregulamentação dos mercados e na privatização de empresas. Um dos eixos centrais de seu programa é a redução de impostos de toda espécie,uma reforma tributária inédita que, segundo Kast, será acompanhada de menores gastos fiscais. Essa fórmula,de acordo com o programa do governo,aumentará os níveis de investimento privado e impulsionará o crescimento econômico “a taxas de 5% a 7% ao ano,dobrando nossa renda per capita em uma década”. Defensor de um Estado menor e mais austero,Kast planeja cortar impostos de empresas (desde 27% a 17%),

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BORIC VS. KAST:

as principais propostas dos rivais mais antagônicos que o Chile teve nas últimas décadas Em um dos cenários políticos mais polarizados da história recente, o candidato da extrema direita, José Antonio Kast, e da esquerda, Gabriel Boric, vão disputar o segundo turno das eleições presidenciais do Chile no dia 19 de dezembro. reduzir o Imposto sobre Valor Agregado (19% a 17%) e zerar os tributos pagos por pequenas e médias empresas. Kast garante que com “paz, segurança e ordem” os investimentos do setor privado no país vão aumentar. E no sistema previdenciário, o ex-deputado quer promover ajustes ao sistema vigente que incluem,entre outros, o aumento da idade de aposentadoria dos trabalhadores e do valor das contribuições. A perspectiva econômica do programa de Boric aponta exatamente para o contrário: fortalecer o Estado, aumentar o gasto fiscal e subir a carga tributária em mais ou menos oito pontos do Produto Interno Bruto (PIB) em um horizonte de seis a oito anos. Suas propostas visam estabelecer um Estado de bem-estar com um sistema de proteção social que garanta os direitos básicos universais. Para apoiar a recuperação econômica, Boric quer implementar políticas pró-emprego por meio de incentivos à contratação com foco na mulher. Em termos de tributação, o candidato da esquerda pretende criar um imposto sobre as grandes fortunas do país, cobrar das grandes mineradoras um royalty da mineração e introduzir novos tributos, medidas que juntas aumentariam a arrecadação para finan-

ciar sua agenda social. Boric quer que os fundos de pensão sejam administrados por um órgão público e autônomo — no lugar das tradicionais administradoras privadas. Seu programa alerta que essas mudanças serão graduais e não interferirão “na titularidade dos recursos economizados até o momento”. Saúde Kast propõe mudanças como a possibilidade de facilitar licitações na área da saúde pública — para que sejam contratados serviços de acordo com propostas mais competitivas e eficientes. O principal problema do sistema público de saúde,diz Kast,“não está nos recursos econômicos investidos”, mas no fato de “termos um sistema estatal profundamente ineficiente,burocrático e politicamente capturado”. O candidato propõe ampliar o uso da telemedicina e criar uma entidade dedicada a avaliar tecnicamente os tratamentos que serão cobertos pelo seguro saúde. Já para o representante de esquerda, é fundamental diminuir a distância entre os benefícios oferecidos pela saúde pública e a privada. Boric propõe a criação de um Fundo Universal de Saúde (FUS) encarregado

de administrar os recursos aportados pelos trabalhadores e os recursos do Estado,ao mesmo tempo em que reduz o tempo de espera para acesso a médicos especialistas e cirurgias. Se for eleito,ele promete acabar com os seguros privados de saúde obrigatórios,transformando-os em seguros complementares voluntários. Paralelamente,propõe um aumento progressivo dos gastos fiscais com saúde. “Propomos acabar com uma saúde dividida,como está agora,entre os doentes mais saudáveis e os mais doentes, ou com menos e maiores recursos”, declarou o candidato. Educação O representante da esquerda pretende ampliar o benefício do ensino superior gratuito e eliminar os bancos como fonte de financiamento do sistema. Ao mesmo tempo, Boric busca perdoar progressivamente as dívidas estudantis (contraídas por estudantes para pagar seus cursos universitários). Por outro lado, Kast quer cancelar a reforma educacional em curso, revogar a Lei de Inclusão e eliminar o conteúdo ministrado nas escolas que considera“propaganda a favor do aborto e das ideologias de gênero”. Além disso, aposta na educação

online a um custo menor e na redução da duração das carreiras universitárias. Migração Durante a campanha, Kast criou forte polêmica ao propor a instalação de uma vala na fronteira norte do país para impedir a passagem irregular de pessoas naquela área. “Se você fizer uma vala de três metros de profundidade e cercas para que ninguém caia,nem os animais,isso é viável e bastante econômico”, disse o advogado. Na contramão de seu adversário, Boric diz que existem outros mecanismos para resolver o problema.“Os migrantes devem ser tratados do ponto de vista dos direitos humanos”,disse ele. Conflito Mapuche e militarização O representante da extrema direita e defensor do regime militar de Augusto Pinochet disse que vai continuar a apoiar o envio das Forças Armadas na zona do conflito com indígenas mapuche no sul do país e apoiar o papel dos militares no controle do que ele chama de “narcoterrorismo”. Tanto no sul como no restante do território, Kast promove o “uso da violência legítima” como legítima defesa, propõe uma“coordenação internacional anti-radicais de esquerda” e é favorável à concessão de poderes especiais ao presidente para “interceptar, abrir ou registrar documentos e todo tipo de comunicação e prender pessoas em suas próprias casas ou em locais que não sejam prisões ou destinados à detenção”,caso seja decretado o estado de emergência. Já Boric diz não concordar com a militarização de La Araucanía (região ao sul onde há grande presença da comunidade mapuche), mas é a favor do combate ao crime.“Separo nitidamente aqueles que cometem crimes das justas demandas do povo da Nação Mapuche.” As ideias de Kast foram duramente criticadas pelo candidato de esquerda, que se opõe à criação de um “estado policial”. Aborto e casamento igualitário Kast defende a revogação da lei que permite o aborto e diz que fará tudo o que estiver ao seu alcance para“proteger e fortalecer a família”. O candidato lembra que, se chegar ao palácio de La Moneda, vai oferecer “incentivos econômicos aos casais” e vai garantir a todos os filhos o direito de “ter pai e mãe”. Boric, por outro lado, é um defensor do direito ao aborto, do reconhecimento da diversidade sexual e do casamento igualitário e do aprofundamento da paridade de gênero. “As injustiças não podem ser naturalizadas, a desigualdade não é certa e os direitos não podem ser um negócio”,disse o representante da esquerda.


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