Sexta Edição da Tribuna da Imprensa Digital

Page 1

Na semana que foi comemorado o Dia do Servidor, entidades do funcionalismo público, Centrais Sindicais e movimentos populares se uniram nas ruas, nas redes sociais e na pressão parlamentar contra a Reforma Administrativa (PEC 32) que visa intensificar o desmonte do Estado brasileiro, projeto do Governo Federal.

www.tribunadaimprensadigital.com.br

Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

Ano 1 | N0 6

A CALCULADORA DE ANDRÉ ESTEVES, O “FINÓRIO” DA FARIA LIMA, POR DILMA ROUSSEFF. Páginas 16 e 17 RACISMO

SERVIÇO PÚBLICO

STF equiparar injúria e racismo ainda vai demorar a fazer efeito Pág.2 NAZISMO

Número de células neonazistas no Brasil explode em dois anos Pág.3 CASA-GRANDE

MP pede punição por furto de comida vencida que ia para o lixo Pág.4 PREÇO JUSTO

Petroleiros distribuem 200 botijões de gás a 50 reais na Zona Oeste Pág.10 GREVE À VISTA

Caminhoneiros dizem que política de preços da Petrobrás é o vilão

Servidores se unem contra o desmonte do Estado

Pág.11

Págs. 8 e 9

McGREVE

COP26

Dossiê aponta retrocesso de 30 anos em 3 sob Bolsonaro Nos EUA, trabalhadores param contra casos de assédio sexual Pág.18 ARTIGO

DR. LUIZINHO

A guerra está chegando ao fim, mas a luta continua Pág.12

‘POP IT’ A nova ‘mamadeira de piroca’ MAURICIO DE SOUSA Quadrinista discute personagem gay com roteiristas

MAURICIO DE SOUZA Liberdade de expressão não pode ser usada para legitimar homofobia

Págs. 6 e 7

Poluição do ar é pior para o coração que colesterol ou sobrepeso Jean Jouzel defende criação de ‘Banco do Clima” Págs. 13, 14 e 15


2

DIREITOS HUMANOS

Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

STF equiparar injúria e racismo ainda vai demorar para fazer efeito, avaliam juristas

C

rimes de injúria racial não serão mais prescritos. O Supremo Tribunal Federal decidiu que delitos deste tipo passarão a se enquadrar como racismo, que de acordo com a Constituição Federal não tem prazo para deixar de valer. Dos nove ministros que julgaram a questão, apenas Nunes Marques votou contrário à mudança no crime racial.

Essa decisão se deu por conta de um caso ocorrido em 2013, envolvendo Luzia Maria da Silva e uma frentista de um posto de gasolina. Ao informar a cliente que o posto não estava aceitando pagamentos feitos em cheque, a funcionária foi xingada de “negrinha nojenta,ignorante e atrevida”. Pelas ofensas, Luzia foi enquadrada no artigo 140, parágrafo 3º, do código penal, que tipifica a conduta como crime de injúria qualificada pelo preconceito. A defesa da agressora recorreu ao Superior Tribunal de Justiça pedindo a extinção da pena e a prescrição do caso, já que a cliente tinha mais de 70 anos quando recebeu a sentença. O mesmo pedido foi

feito ao STF, que definiu,na quinta-feira (28/10) que crimes de injúrias não prescrevam. “Isso foi ou não uma manifestação ilícita, criminosa e preconceituosa em virtude da condição de negra de vítima? Logicamente,sim. Se foi,isso é a prática de um ato de racismo”,afirmou o ministro Alexandre de Morais em seu voto sobre a questão. A ação da Suprema Corte foi vista como positiva por alguns juristas, mas outros ativistas da causa racial veem novos problemas existentes, mesmo com a nova definição. Os argumentos vão desde a individualização de casos onde o preconceito foi cometido por instituições, até sobre quem são as pessoas que aplicam as puni-

ções em casos de crimes raciais e como elas interpretam essa nova norma. “É um reconhecimento sobre a gravidade que existe nos crimes raciais, mas não podemos ser ingênuos em acreditar que essa decisão por si só tenha sido um grande avanço na luta antirrascista.Ela é reflexo de um tensionamento que existe no país, diante de tantos caos que ocorrem, que de certa forma constrange o judiciário”, analisa Erin Fernandes, da Frente Distrital pelo Desencarceramento e um dos membros da Coluna Abolição da Ponte. Para Antônio Celestino, da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares e da Articulação Negra de Pernambuco, a

decisão do STF é um dos avanços mais importantes dentro das leis que combatem o racismo nos últimos tempos.“Acho que a gente começou a dar um passo para um outro grau de discussão. Acho que conseguimos tirar dessa decisão coisas muito positivas para a luta antirrascista no Brasil.” Dúvida sobre futuras decisões Se o texto da lei foi melhorado, ainda não é possível avaliar como serão os julgamentos dos crimes envolvendo questões raciais. O advogado criminalista Flávio Campos lembra que a maior parte da magistratura no país é formada por pessoas brancas e que ao longo do tempo vem atenuando questões graves de preconceitos

Diretor-Presidente: Ralph Lichotti

Supremo Tribunal Federal definiu que crimes de injúria racial não irão mais prescrever. Especialistas lembram que viés da polícia e juízes brancos são empecilhos para lei valer: “não podemos ser ingênuos”

como crimes de injúria, que prevê penas mais brandas. “É muito complicado juízes considerarem o ponto de vista de uma vítima que procura à Justiça após sofrer um ato racista. Eles não sabem o sentimento de humilhação que aquela pessoa passou por ser negra. Acho que a gente precisa avançar muito neste debate sobre as pessoas que julgam esses casos paralelamente a estes ajustes na legislação feito pelo STF.” Para além de quem determina o cumprimento da lei, Antônio Celestino reforça que todo o sistema de justiça precisa ampliar o seu entendimento sobre crimes raciais. De acordo com o advogado, existe precipitação na

Edição e design: Ricardo de Souza, Rochinha, Anabella Landim, Mel de Moraes

interpretação de delitos por conta da raça desde o começo dos inquéritos.“O pé de tudo isso está na Polícia Civil, da forma que ela imputa esse crime quando recebe uma queixa. A gente sabe bem como nossa polícia é formada e o viés racista que elas têm.” O Instituto de Segurança Pública do Governo do Rio de Janeiro fez um estudo que mostrou que no ano de 2019 duas pessoas por dia foram vítimas de racismo no estado. A maioria dos crimes foram contra mulheres com idade entre 40 e 59 anos.Em 42,9% dos casos, as vítimas não possuíam nenhuma relação com os autores. Individualização de casos Um ponto que

é sensível e gera debate é quando deve ser aplicado o crime de racismo ou o de injúria racial. No entendimento de alguns juristas, o racismo é aplicado quando a ofensa atinge a coletividade ou um grupo de pessoas, enquanto a injúria ocorre quando alguém é ferido na sua honra por ataques por conta da cor da sua pele. Flávio Campos defende que essa é uma forma simplista e equivocada do entendimento da lei.“Eu já atendi um caso de uma pessoa que foi expulsa de um restaurante apenas por conta da sua cor. Como um fato como esse não pode ser classificado como racismo? Mesmo antes da decisão do STF que prever que estes crimes não podem ser prescritos,há a

necessidade aplicação do crime de racismo em casos claros de descriminação.” A decisão de não deixar que crime de injúria caia no esquecimento dos tribunais, é um fator que pode fortalecer a lei dos crimes raciais, segundo Celestino.“A tendência é que a aplicação de penas como crime de racismo aumente e casos a questão de apenas por injúria caia em desuso com o passar do tempo”. “Muitas vezes a defesa de pessoas que cometeram crimes raciais utilizavam da estratégia de sempre recorrer e fazer de tudo para que os julgamentos fossem adiados e decisões não fossem definitivas”, relembra Erin Fernandes. (Da Ponte Jornalismo)

Tratamento de Imagens: Carlos Júnior https://www.tribunadaimprensadigital.com.br/


Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

DIREITOS HUMANOS

3

Nazismo à brasileira Número de células neonazistas no Brasil cresce cerca de 60% em dois anos. Pesquisadores alertam para o perigo da banalização do discurso de ódio no país e temem que a disseminação de desinformação impulsione ainda mais esse crescimento

E

m 22 de agosto,uma prece virtual organizada pela Associação Religiosa Israelita do Rio (ARI) em homenagem a Dora Fraifeld, ex-diretora da escola Eliezer que morrera uma semana antes,foi invadida por um grupo neonazista. Imagens de Hitler, de suásticas e de soldados alemães foram reproduzidas nas telas,além da defesa da morte de judeus.A violência,que foi repudiada pelo Observatório Judaico de Direitos Humanos no Brasil (OJDHB), não se trata de fato isolado. Pesquisadores e historiadores que acompanham a evolução do neonazismo no Brasil ouvidos pelo GLOBO alertam para o perigo da banalização do discurso de ódio no país e temem que a disseminação de desinformação nas redes sociais, ao lado da polarização política, que pode aumentar na campanha presidencial, impulsionem ainda mais o crescimento de grupos e células neonazistas. Espécie de caçadora de neonazistas brasileiros, a antropóloga Adriana Dias estima que atualmente existam 530 células (formadas por pessoas que estão no mesmo município).Em 2019,a especialista detectara 334,o que indica um aumento de 58%.Há duas décadas, quando a antropóloga começou a vas-

culhar sites e blogs e não se tinha ainda a dimensão que tomariam as redes sociais e a deep web (onde os neonazistas atuam com total impunidade), o número não passava de dez.A pesquisa feita na Unicamp é permanente, e no momento em que a entrevista foi feita, a acadêmica e sua equipe tinham em mãos 200 perfis de usuários neonazistas, que podem pertencer a novas células ou a alguma detectada anteriormente. “Em 2002, meus dados já me indicavam que em 2020 o Brasil teria um governo de extrema direita. À época, me chamavam de louca. A realidade foi confirmando minha pesquisa,e isso é assustador”, afirma Adriana. Diretor-presidente e fundador da SaferNet Brasil, ONG focada há uma década e meia no estudo do discurso de ódio no país,Thiago Tavares também tem números preocupantes. Em 2019, foram recebidas e processadas 1.071 denúncias anônimas de neonazismo, envolvendo 544 páginas (URLs), das quais 212 foram removidas. Em 2020, foram 9.004 denúncias anônimas e 3.884 páginas, das quais 1.659 foram removidas. “A radicalização do discurso político tem legitimado e empoderado células extremistas que atuam principalmente na região Sul do país e amplificado o

ódio,o preconceito e a intolerância contra quem pensa diferente”, diz. Tavares fez uma apresentação na última terça-feira no Tribunal Superior Eleitoral sobre o problema. Ele mostrou como estes grupos radicais vêm utilizando as redes sociais para disseminar desinformação, amealhar seguidores e diminuir a reação da sociedade civil aos crimes que propõem. Para especialistas, o problema não é apenas o aumento do número de casos, mas como eles vão se “normalizando”.Tavares lembra de um jovem no Recife andando no shopping com uma camisa com uma suástica,um outro em um bar em Belo Horizonte, a detecção de células nazistas em clubes de futebol, como o Grêmio...Os exemplos são cada vez mais comuns. O aumento vertiginoso de militantes que aderem ao pensamento, discurso e estética neonazista, somado a outros que se declaram fascistas, integralistas ou promovem algum tipo de regime autoritário,levou especialistas de várias universidades a criarem o Observatório da Extrema Direita no Brasil.Seu coordenador é Odilón Caldeirão, professor de História Contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora e autor do livro “O fascismo em camisas verdes”. Ele aponta que o neonazismo

brasileiro surgiu com força a partir da transição democrática e não tem uma única faceta.“Há diversas tendências e orientações. Nos últimos anos, tivemos muitos processos judiciais por apologia do nazismo e um aumento exponencial das investigações judiciais”, diz o historiador. Michel Gherman, coordenador do núcleo de Estudos Judaicos da UFRJ, define características presentes,segundo ele, em todo neonazista brasileiro. “O nazismo tem uma característica fundamental: o ressentimento. A ideia mobilizadora de que eu poderia ser melhor não fosse o outro, que pode ser o negro,o judeu,o gay,a mulher.São pessoas que atuam nas redes sociais e nelas se sentem fortalecidas. Com a consolidação de uma agenda antiracista após a redemocratização, a sociedade viu a redução de prédios com quarto de empregada ou elevador de serviço e a elaboração de políticas públicas para a entrada de mais negros nas universidades. Os neonazistas são uma reação a isso”, opina Gherman. Estes grupos atuam no submundo virtual, mas também em aplicativos de mensagens de largo alcance, como o Telegram e o WhatsApp. Adriana Dias e sua equipe apresentaram recentemente uma denúncia judicial na qual afirmam que grupos“propagam discursos de ódio que envolvem neonazismo, racismo e negacionismo”. A acusação lembra que a Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, dispõe sobre os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor, e declara que é crime “fabricar,comercializar,distribuir ou veicular símbolos,emblemas,ornamentos distintivos ou propagandas que utilizem a cruz suástica ou gamada para fins de divulgação do nazismo”. A denúncia enumerou mais de 20 grupos no Telegram que violam a lei. A historiadora Heloisa Starling,professora e pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mergulhou em pesquisas e teses acadêmicas para entender a raiz desse “nazismo à brasileira”. Um dos trabalhos que mais a impressionou foi o da historiadora Ana Maria Dietrich, da Universidade Federal do ABC, autora de “Nazismo Tropical”. O livro afirma que o Partido Nazista mais forte fora da Alemanha atuou justamente no Brasil, entre 1928 e 1937 (quando Getúlio Vargas suspendeu partidos políticos, no Estado Novo, o nazismo brasileiro passou a ser um movimento clandestino). A agremiação tinha sedes em 17 estados, contava com 3 mil integrantes,57 núcleos organizados e 40 pontos de apoio. Patrocinava eventos esportivos e erguia escolas. O país teve Juventude Nazista, Associação de Mulheres Nazistas e uma constelação de associações nazistas.Parecia ser um problema que tinha ficado enterrado no passado.

Michel Gherman: Bolsonaro tirou nazistas do armário

O historiador Michel Gherman, diretor acadêmico do Instituto Brasil-Israel e coordenador do Núcleo de Estudos Judaicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analisou, em entrevista à TV 247, as ligações entre o nazismo e o bolsonarismo. Para ele, o negacionismo de Jair Bolsonaro não é uma questão de mera opinião, e sim exibe um verdadeiro desejo por “matar”. “O nazismo desconstrói os laços de civilidade e permite, em algum sentido, o que as relações civilizadas impediam -- que eu exercite o meu ódio contra a pessoa que seja considerada meu inimigo”, explicou o pesquisador. Segundo Gherman,o nazismo, assim como o bolsonarismo, inverte valores e muda a “linguagem da política”. Bolsonaro é responsável por iniciar esse processo nos últimos anos: “Ser civilizado, na perspectiva do nazismo, é matar e dizer que odeia, o que cria uma nova gramática política. Foi isso que o Bolsonaro fez. Não sei se as pessoas estavam esperando que isso fosse possível, mas com as pessoas acionando a sua racionalidade irracional, a ideia de que eu posso odiar sem pensar se é bom ou ruim, elas saíram do armário”. Contudo, Gherman apontou para causas mais profundas do fenômeno. De acordo com ele, a ideia de que a “economia” deve ser priorizada coloca em segundo plano o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais. “O discurso do Eduardo Leite talvez nos aponte a resposta para essa pergunta. Ele continua mantendo a prioridade de uma suposta economia e dizendo que não sabia que isso seria possível”, ponderou ele. No debate das prévias do PSDB,o tucano disse que o caos bolsonarista era imprevisível.


4

DIREITOS HUMANOS

Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

MP pede condenação de homens por furto de alimentos vencidos que iriam para o lixo

Criminalização da pobreza O magistrado que absolveu os réus aponta que os produtos custavam, ao

todo,cerca de R$ 50.Os itens já haviam vencido e estavam no local onde seriam triturados e descartados pelo estabelecimento.Ele destaca ainda que os alimentos foram restituídos ao proprietário. Nas redes sociais, a ação do MP-RS foi criticada e chocou diversas personalidades do meio jurídico.O advogado Marcelo Feller defendeu que o promotor que busca criminalizar quem come comida vencida deveria ser internamente punido. “A lei de abuso de autoridade permite a punição daquele que instaura procedimento sem justa causa. Só é preciso vontade institucional. E adiantando: Não me convencerão que a criminalização do faminto que revira lixo está dentro da autonomia do membro”, disse, em sua conta do Twitter. A jornalista Cecília Oliveira apontou que o caso reflete no perfil da Justiça brasileira.“O que passa na cabeça de uma pessoa que ganha R$ 30 mil e pede a condenação de uma pessoa miserável que estava furtando comida vencida que ia pro lixo? Lembremos que isso não é caso isolado. É a estrutura do sistema de ‘justiça’ que decide sobre a vida de milhares todos os dias”, questionou. A deputada federal Fernanda Melchionna (Psol-RS) classificou o caso como“criminalização da pobreza”.“Não é tolerável que pessoas sejam condenadas por furto por terem recolhido comida do LIXO! Comida vencida e q seria descartada. Não é aceitável. É pura criminalização da pobreza e da fome”,afirmou,em seu perfil no Twitter. (Da RedeBrasilAtual)

ville Neto, a alta dos preços das carnes de primeira tem feito com que os consumidores optem por migrar para carnes de segunda ou para carne de frango e/ou ovos. Ele afirma que uma negociação entre varejistas e frigoríficos tenta reduzir o preço das carnes de segunda para os consumidores. Para Guilherme Moreira, coordenador do IPC da Fipe, os custos de produção subiram muito e são resultado de diversos fatores.“Questões climáticas, seca, crise energética que afeta o

preço da carne de frango que substitui a carne bovina, câmbio desvalorizado.Além disso, o gás de cozinha subiu muito. É um cenário desesperador”, diz ele. O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) André Braz cita ainda outro fator que pressiona os valores das proteínas no Brasil: a alta na inflação. Com base em dados do IPCA15, divulgado nesta terça-feira (26), o economista afirma que o preço da carne bovina subiu 22% nos últimos 12 meses.Ele destaca ainda que o ovo e a carne de porco também sofreram aumento de 17,9% e 8,1%, respectivamente. “Esse efeito da substituição é normal e perceptível.Sempre que vemos uma alta no preço de um produto, temos as pessoas procurando produtos parecidos e mais baratos para substituir, mesmo eles também tendo alta no preço”, disse. “No início, a carne começa a ser substituída por carnes de segunda. O valor aumenta ainda mais, as pessoas migram para o frango, suínos, ovo e por assim vai. Muitas famílias perderam acesso à carne, e estamos vendo agora pessoas pegando osso, gordura, o que conseguem pagar.Acho que o cenário deve melhorar apenas no terceiro trimestre do ano que vem”, completou.

Justiça absolveu os dois homens, em fevereiro, mas promotor recorreu. “Tristes tempos em que lixo (alimento vencido) tem valor econômico”, contestou o defensor público do caso

A

Defensoria Pública do Rio Grande do Sul tenta manter a absolvição de dois homens acusados pelo furto de alimentos vencidos após o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) recorrer da decisão de primeira instância e pedir novamente a condenação. O caso ocorreu em 2019 e foi remetido para a segunda instância em outubro deste ano. A dupla pegou os alimentos venci-

dos em uma área restrita de descarte de um supermercado de Uruguaiana, na Fronteira Oeste. Os produtos retirados foram fatias de queijo, calabresa e presunto e cinco unidades de bacon, que estavam separados para trituração e descarte. Os acusados foram absolvidos, no julgamento em primeiro grau,em fevereiro deste ano.A decisão do juiz André Atalla, da 1ª Vara Criminal, considerou não existir “justa causa” no processo e afirmou que há“inexistência de pericu-

losidade social do ato,reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da suposta lesão provocada”. O Ministério Público, por meio do promotor Luiz Antônio Barbará Dias, recorreu da decisão, pedindo a condenação dos homens e argumentaram que não punir o furto de alimentos vencidos seria um “combustível à impunidade”. Na última segunda-feira (25), o defensor público Marco Antonio Kaufmann apresentou as contrarrazões da

apelação feita pelo MP. “Tristes tempos em que lixo (alimento vencido) tem valor econômico. Nesse contexto, se a mera leitura da ocorrência policial não for suficiente para o improvimento do recurso, nada mais importa dizer”, criticou o defensor público, que pede a manutenção da absolvição dos acusados.

Alta no preço das carnes faz hábito alimentar dos brasileiros mudar O aumento do preço da carne bovina tem feito os consumidores brasileiros se adequarem à realidade financeira atual do país. No lugar das tradicionais carnes de primeira,muitos têm recorrido aos produtos considerados menos nobres: o frango,ovos,carne de porco e partes menos demandadas do boi, como acém, lagarto e músculo. De acordo com dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), a procura por carnes dianteiras, consideradas de segunda, superou a demanda por partes mais nobres do boi,em agosto deste ano,nos açougues e hipermercados do país. As carnes dianteiras foram procuradas por 34,6% dos brasileiros,enquanto as de primeira foram demandadas por 28,8% da população. Já no acumulado deste ano, as carnes de segunda foram duas vezes mais consumidas do que as carnes de pri-

meira pela população brasileira.Nos últimos 12 meses, dados da Abras mostram que a procura por frango congelado foi 38,1% maior do que as carnes bovinas. O mesmo acontece com a demanda por ovos.Segundo o levantamento, o consumo do produto, de janeiro a agosto deste ano, foi quase 20% superior às proteínas provenientes do boi, sejam de peças nobres ou de segunda. Proteínas mais consumidas pelos brasileiros em 2021: • Ovo – 19,1% da população • Frango – 14,6% da população • Carnes bovinas de segunda – 14,1% da população • Carnes nobres – 7% da população No entanto, até as carnes consideradas menos nobres, como o acém, a paleta e a costela sofreram os impactos econômicos e também ficaram

mais caras. Um levantamento da Scot Consultoria, empresa especializada em negócios agropecuários,aponta que o valor do peito bovino, por exemplo, teve um aumento de 36,25% na comparação entre outubro deste ano e o mesmo mês do ano passado. O preço do quilo desta parte do boi custa atualmente, em média, R$ 32,96, frente aos R$ 24,19 comercializados em outubro de 2020. Para o consultor da Scot, Hyber-


Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

8 dados que sintetizam 18 anos jogados fora

C

om um custo de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto),o Bolsa Família,criado em 2003 pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva,conseguiu em seus 18 anos de história reduzir a pobreza e a pobreza extrema,diminuir a mortalidade infantil, aumentar a participação escolar feminina, reduzir a desigualdade regional do país e melhorar indicadores de insegurança alimentar entre os mais pobres Enquanto todos esses benefícios eram colhidos,a fertilidade da população de baixa renda diminuiu - mostrando que uma das ideias difundidas inicialmente para atacar o programa, a de que ele seria um incentivo para que famílias buscassem ter mais filhos para receberem mais, não tinha fundamento. E a maior parte da primeira leva de beneficiários deixou o programa, encontrando uma “porta de saída”. Eles foram reconhecidos internacionalmente ao longo dos anos e constatados nos mais de 19 mil estudos sobre o

programa registrados da Plataforma Lattes do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). “Sabe quantos desses estudos foram usados para embasar a extinção do Bolsa família? ZERO”, lamentou em uma rede social a economista Tereza Campello, que foi ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome durante o governo Dilma Rousseff (PT).“São 18 anos de uma história de sucesso desperdiçados”, acrescentou Campello. O Bolsa Família foi revogado pela Medida Provisória que criou o Auxílio Brasil (MP 1.061/2021), publicada no Diário Oficial da União em 10 de agosto. A MP passou a valer imediatamente, mas ainda terá que ser votada pelo Congresso em até 120 dias para que o novo programa se torne definitivo. Enquanto o país aguarda uma solução para a assistência social aos mais vulneráveis, em meio ao avanço da fome e da inflação, relembre oito resultados do Bolsa Família, que chega ao fim após 18 anos.

1

3,4 MILHÕES DE PESSOAS FORA DA POBREZA EXTREMA O Bolsa Família foi criado em 2003, durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT),e tornou-se lei no ano seguinte. O programa tinha como público alvo todas as famílias com renda por pessoa de até R$ 89 por mês,consideradas em situação de extrema pobreza, ou com renda até R$ 178 mensais (em situação de pobreza) com crianças ou adolescentes até 17 anos. Com condicionantes como a permanência das crianças na escola, o acompanhamento de saúde das gestantes e a vacinação em dia,o programa teve como objetivo “quebrar o ciclo geracional da pobreza”,isto é,a tendência de os filhos das pessoas pobres acabarem vivendo na mesma pobreza em que seus pais. Estudo publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2019, constatou o resultado positivo do programa em tirar famílias da situação de pobreza e pobreza extrema. Segundo a pesquisa, em 2017, mais de 3,4 milhões de pessoas haviam deixado a pobreza extrema por causa do Bolsa Família, e 3,2 milhões passaram acima da linha de pobreza graças ao programa. Ainda assim,alertavam os pesquisadores, 64% dos beneficiários continuavam em situação de extrema pobreza, um resultado do baixo valor do benefício - que em 2017, era de em média R$ 180 e,atualmente,passados quatro anos e muita inflação,estava ainda em R$ 190.

2

REDUÇÃO DE 16% DA MORTALIDADE INFANTIL Um estudo publicado em setembro deste ano na revista científica PLOS Medicine, liderado pelas pesquisadoras Dandara Ramos e Nívea Bispo da Silva,analisou uma amostra de mais de 6 milhões de crianças com idades abaixo de 5 anos, entre 2006 e 2015. Comparando famílias beneficiárias do Bolsa Família com outras fora do programa, as pesquisadoras constataram que o programa de transferência

DIREITOS HUMANOS

para estudar”, avalia o grupo liderado pelo pesquisador Alan de Brauw,do Instituto de Pesquisa em Política Alimentar Internacional de Washington, nos Estados Unidos.

4

REDUÇÃO DA DESIGUALDADE REGIONAL O Bolsa Família foi responsável por 14,8% da redução da desigualdade regional no Brasil entre 1995 e 2006, constatou um outro estudo produzido pelo Ipea, publicado em 2013. O papel do programa na redução da desigualdade foi maior do que o do BPC (Benefício de Prestação Continuada,salário mínimo pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda), que contribuiu para a redução das diferenças regionais de renda em 8,9%. O importante papel do Bolsa Família na redução da desigualdade regional se deve ao maior número de beneficiários nas regiões Norte e Nordeste, as mais pobres do país. “Por exemplo,o valor recebido pelo Estado do Maranhão equivalia a 1,8 e 4,7 vezes os valores recebidos, respectivamente, pelo Distrito Federal e São Paulo. Em termos médios, o valor recebido pelos dez estados mais pobres é quase o dobro (1,9 vez) daquele recebido pelos dez estados mais ricos”,exemplificam os pesquisadores do Ipea. “Do ponto de vista das políticas de combate à desigualdade regional (...), é interessante notar que, embora não sejam diretamente políticas regionais e espaciais, as políticas sociais de transferências de renda trazem efeitos consideráveis sobre a distribuição regional de renda”, concluem Raul da Mota Silveira Neto e Carlos Roberto Azzon,autores do estudo.

5

de renda reduziu em 16% a mortalidade de crianças de 1 a 4 anos. O efeito foi ainda mais significativo para famílias com mães negras e nos municípios mais pobres,onde a redução chegou a 26% e 28%, respectivamente. “Os resultados reforçam a evidência de que programas como o Bolsa Família, de eficácia já comprovada para a redução da pobreza, também têm grande potencial para melhorar a saúde e a sobrevivência infantil”, destacaram as pesquisadoras, no estudo.

3

AUMENTO DA PARTICIPAÇÃO ESCOLAR FEMININA O Bolsa Família foi criado em 2003 com uma condicionante de frequência escolar para crianças entre 6 e 15 anos. Em 2008, um programa complementar foi criado (Benefício Variável Jovem) para contemplar jovens entre 16 e 17 anos. Pelas regras, a frequência escolar deveria ser de pelo menos 85% das aulas para crianças e adolescentes de 6 a 15

anos e de 75% para jovens de 16 e 17 anos.O cumprimento das condicionantes dava aos participantes do programa um valor adicional no benefício. Um estudo publicado em 2015 no periódico científico World Development constatou que o Bolsa Família teve resultados relevantes para o avanço da educação feminina. Analisando dados de mais de 11 mil domicílios entre 2005 e 2009, os pesquisadores constataram que o programa aumentou a participação escolar das meninas em 8 pontos percentuais e a progressão entre séries (quando o aluno passa de uma série escolar para a seguinte) em 10 pontos percentuais. Não foram encontrados resultados significativos para os meninos. Para os pesquisadores, esse resultado talvez seja explicado pela menor dependência das mães beneficiárias do Bolsa Família do trabalho doméstico de suas filhas. “É possível que a redução no tempo gasto pelas meninas com trabalho doméstico permita a elas mais tempo

MELHORA DOS INDICADORES DE INSEGURANÇA ALIMENTAR Em 2012, um estudo revisou outras dez pesquisas anteriores sobre a relação entre o recebimento do Bolsa Família e a alimentação das pessoas,constatando que em cinco deles a conclusão foi que o programa tem impacto positivo na segurança alimentar e nutricional. Um desses estudos foi realizado pelo Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), e ouviu 5 mil beneficiários, de 229 municípios brasileiros em 2007. No entanto, um outro efeito não tão positivo também foi encontrado:três dos estudos revelaram que as famílias gastaram mais com alimentos calóricos e de baixo valor nutricional,como biscoitos, alimentos industrializados e açucarados. “O Programa Bolsa Família pode auxiliar na promoção da segurança alimentar e nutricional das famílias beneficiárias,ao propiciar às populações em vulnerabilidade social maior capacidade de acesso aos alimentos”, observam os pesquisadores,ponderando,porém,que o programa poderia ter melhor efeito se combinado com ações de incentivo à alimentação saudável.

6

EFEITO MULTIPLICADOR NO PIB Cada R$ 1 gasto com o Bolsa Família gera um impacto de R$ 1,78 no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro,mostrou estudo realizado pelos pesquisadores Marcelo Neri, Fabio Monteiro Vaz e Pedro Herculano de Souza.

5

O efeito multiplicador de 1,78 é maior do que o de todas as demais formas de transferência de renda, constaram os pesquisadores,como BPC (1,19), seguro-desemprego (1,06) e abono salarial (1,06), por exemplo. “Os efeitos multiplicadores são maiores quanto mais focalizadas são as transferências nos mais pobres,porque estas famílias possuem maior propensão marginal a consumir”, explicam os pesquisadores. Quer dizer: as famílias pobres só não consomem mais porque não têm renda para isso.Assim, quando recebem mais dinheiro, tendem a consumir o valor recebido, movimentando a economia.

7

QUEDA DA FECUNDIDADE FEMININA Apesar do argumento persistente de que o Bolsa Família incentivaria as mulheres a terem mais filhos,a fecundidade das mulheres de baixa renda diminuiu de 5,5 filhos em 1991,para 4,6 filhos em 2000 e 3,3 filhos em 2010, segundo outro estudo publicado pelo Ipea, da autoria de José Eustáquio Diniz Alves e Suzana Cavenaghi. Assim,embora não se possa atribuir a queda diretamente aos efeitos do Bolsa Família, fica evidente que o programa não alterou a trajetória de declínio da taxa de fecundidade brasileira,iniciada na década de 1960. “As mulheres que fazem parte do maior contingente de renda coberto pelo Programa Bolsa Família apresentaram uma redução do número médio de filhos tanto na última década do século 20,quanto na primeira década do século 21”, observam os pesquisadores. “Ou seja, a fecundidade da população mais pobre do Brasil vinha caindo antes da implantação do Programa Bolsa Família e continuou a cair depois da ampliação da cobertura da transferência de renda.”

8

“PORTA DE SAÍDA” PARA 69% Na quinta-feira (28/10),o presidente Jair Bolsonaro disse, em entrevista ao apresentador Sikêra Jr.,da Rede TV ,que quem recebe Bolsa Família “não sabe fazer quase nada”. “Não tem como tirar o Bolsa Família do pessoal,como alguns querem.São 17 milhões de pessoas que não têm como ir mais para o mercado de trabalho.Com todo o respeito, não sabem fazer quase nada.O que a juventude aprendeu com quase 14 anos de PT, tendo o ministro [Fernando] Haddad lá na educação?”, disse Bolsonaro. No entanto,levantamento realizado pelo jornal O Estado de S.Paulo revelou que dos 1,15 milhão de contemplados na primeira leva do Bolsa Família, em outubro de 2003, 795 mil - ou 69% do total - conseguiram deixar o programa. A reportagem conta, por exemplo, o caso de Simara Martins,de 34 anos e filha de uma ex-beneficiária do Bolsa Família. Vanilda,a mãe de Simara,começou a vender pamonha com os R$ 110 recebidos pela família. Com a renda do negócio e a entrada das filhas no mercado de trabalho,conseguiu sair do programa, seis anos após ingressar nele. Simara hoje é dona de uma confecção de roupas de praia e emprega sete pessoas.Ela é um exemplo dos resultados positivos do Bolsa Família em interromper o ciclo de pobreza intergeracional.


6

DIREITOS HUMANOS

Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

Mauricio de Sousa se emociona ao falar de filho e diz que discute personagem gay com roteiristas Com 86 anos completados nesta quarta-feira (27/10), o mais famoso quadrinista brasileiro não para de mirar para o futuro. Mauricio de Sousa, o pai da Turma da Mônica, lança o livro Sou Um Rio, um verdadeiro manifesto em defesa do meio ambiente às vésperas da COP-26

E

m conversa, realizada na última sexta, ele se diz “fortemente decidido”a arregaçar as mangas e emprestar seu talento para cada vez mais se posicionar como uma voz ecologista. E garante estar preparado para as críticas, nesses tempos de polarização intensa em que defender a natureza costuma ser visto como uma postura de oposição a governantes como o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro. No novo livro, a famosa turminha de personagens que o consagrou não estará presente.Para ele,o assunto é sério demais para brincadeiras.“A decisão foi estratégica.A Turma da Mônica,entrando com aquele clima todo, brincadeiras, humor, iria desviar a atenção do leitor, principalmente o leitor criança,o jovenzinho. Iria desviar do foco que é cuidar do meio ambiente.Isso é uma coisa que eu queria deixar bem na cara do leitor, com ilustrações também não escandalosamente lindas,bonitas,coloridas,mas adequadas [ao tema]”, afirma. “Eu não podia botar a Turma da Mônica toda alegrinha, alegrinha, porque ela não pode deixar de ser alegrinha, num livro onde eu queria colocar uma proposta diferenciada”,argumenta. A obra foi distribuída antecipadamente a todos os confrades de Mauricio na Academia Paulista de Letras (APL), entidade da qual ele é membro desde 2011.“Fiquei muito orgulhoso porque o livro foi elogiado.Os acadêmicos,todos eles,escritores e literatos,pegaram o livrinho e disseram: ‘nossa, que caminho você tomou agora,que beleza,faça mais assim…’. Eu fiquei muito orgulhoso de mim mesmo”, diz o quadrinista. “O que está acontecendo com nosso planeta é um escândalo. Realmente, a gente está ficando assustado com esse negócio de o mar cheio de plástico, os incêndios,a Amazônia sendo devastada,

o Pantanal secando… Isso é o fim do mundo. O que que é isso? E o que está faltando para começar a acontecer um retorno nesse negócio todo?”,preocupa-se Mauricio. Para ele, a resposta está na melhoria da educação. Ele defende melhoria na estrutura das escolas, professores mais respeitados e melhor remunerados.“Conhecimento, realmente. E nós estamos com falta de conhecimento,de bons métodos de ensino… A conscientização do ser humano,do homem e da mulher, vem do comecinho da vida”, acrescenta. E que noções de preservação ambiental sejam ensinadas desde a tenra idade.“Quando faz dois anos já está precisando começar a ouvir coisas sobre o meio ambiente, o cuidado com a natureza,o cuidado com o mato, a mata,a água,com o próprio corpo.Está tudo meio esquecidão,a pessoa não está entendendo bem,principalmente numa pandemia como essa que desmoronou uma série de conceitos e tudo o mais.É assustador”, comenta. Sou Um Rio parte das reminiscências da infância de Mauricio de Sousa, um menino que nasceu em Santa Isabel e cresceu em Mogi das Cruzes, no interior paulista. Ele recorda do “meu Tietê limpo,onde nadava e ia pescar”.E compara com“nosso Tietê hoje,uma nojeira quando passa por São Paulo”. “Depois, lá adiante, depois que pega uns vegetais que comem a sujeira,comem a poluição,o rio fica mais limpo de novo. A maioria dos rios está contaminada. Pior ainda, os garimpos jogam produtos que envenenam os peixes, a invasão dos garimpos na Amazônia é mais uma facada na água que era limpa”,diz ainda. “Eu não estou doentiamente preocupado [em fazer coisas em prol do meio ambiente], eu estou fortemente decidido. É diferente.Vamos continuar

fazendo isso e usando nossas armas todas. Armas no bom sentido, que são os personagens,a retórica,a maneira de fazer livrinhos como este que vão pingando, pingando a informação para o pessoal, sensibilizando”, manifesta-se. No Brasil polarizado de hoje em dia, defender o meio ambiente é pedir para ser tachado de oposição ao governo de Jair Bolsonaro.Mauricio sabe onde está pisando. Mas, mantendo a postura que construiu ao longo de sua longa carreira — a de não se posicionar politicamente —,pisa com cuidado,como se fosse um Cascão procurando as pedras certas para atravessar um riacho sem se molhar. Contudo,falar de meio ambiente não é também se expressar politicamente? “Você pode entender dessa maneira. A política de guerra não me atrai.A política de conjugação,de alguma maneira,que deve ser positiva porque também informativa, ter seus objetivos humanitários, sociais,um monte de objetivos… A política não é uma coisa ruim”, explica ele. Mauricio promete,contudo,se manter firme na defesa de seu discurso mesmo se atrair hordas de haters nas redes sociais.Aí, para ele, a questão tem outro nome: democracia e liberdade de expressão.“Eu simplesmente vou ignorar [críticas pelo seu posicionamento em defesa do meio ambiente]”,enfatiza.“Eu tenho meus princípios aqui e as pessoas também têm seus princípios. Estamos em um momento em que a gente tem de respeitar muito a democracia,a liberdade de expressão, a liberdade de opinião, e tudo o mais. Eu vou usar minha liberdade para falar o que eu acho que é importante.” De olho nas discussões que devem ser travadas na Conferência da ONU sobre o Clima,a COP-26,ele acredita que lançar o livro agora é também somar sua voz nesse contexto. E diz que não quer parar de meter o bedelho na questão:

no futuro, a Mauricio de Sousa Produções deve publicar mais e mais obras a respeito do tema.“É uma coisa que eu tenho de fazer”, diz.“Quero ainda botar o Chico Bento no cinema falando nisso.” Minorias representadas Trazer questões ambientais para suas obras não é necessariamente uma novidade. Mensagens do tipo vem aparecendo cada vez mais nas historinhas para crianças. É perceptível também o esforço em se incluir representantes de grupos minoritários, seja nos enredos, seja como novos personagens. Mauricio diz que não existe um manual para que sua equipe trate dessas questões.Ativo em todo o processo, o manual é, de certa forma, ele mesmo. “Eu converso com o pessoal. Afinal de contas, estamos há 50 anos brincando de fazer histórias em quadrinhos e com bons resultados. Mais de meio século. Isso não existe no Brasil e no mundo. Por causa de uma linha filosófica que eu botei na nossa produção desde o início e que foi passando de desenhista para desenhista, de roteirista para roteirista, com o olho gordo do dono”,argumenta. Considerado seu alter ego, o personagem Horácio,cuja obra completa está sendo lançada em volumes especiais, resume bem esses princípios.“[Ele] espelha essas preocupações”, diz Mauricio. “[Em suas tirinhas] tem racismo, tem alguma coisa ligada ao meio ambiente, tem a filosofia de vida dele.Que é muito legalzinho,bacana,faz o bem para todo mundo e se arrebenta de vez em quando, é a vida real.” Segundo ele,essa inclusão de minorias é um processo consciente e feito com muito planejamento.“Não veio de qualquer maneira, não. Chegou um dia em que eu me dei conta que eu fazia histórias baseadas na minha infância,e na minha infância havia diversos garo-

tos,moleques que jogavam bola comigo e que tinham algum tipo de deficiência. A gente brincava e brigava do mesmo jeito. Estava faltando na minha história esse lado que eu vivi e que estava esquecendo”, comenta. “Comecei a estudar os tipos de deficiência que havia e fui criando personagens. Para isso, tive de estudar muito, convidar crianças e jovens para que me falassem sobre como eles resolviam seus problemas,como um cadeirante atravessava a rua, quais cuidados tinha de ter a menina cega… Me deparei com um grupo ativo, corajoso, bem-humorado, resolvendo problemas. E tudo isso eu pude passar com meus personagens”, relata.“Tudo para não botar nas minhas histórias preconceitos que, sem querer, a gente pega desde criança e arrasta na vida da gente. Pega desde criança e gruda maldosamente na gente.Foi uma coisa planejada.Tudo isso está na minha cabeça rolando.” Embora ele comece enfatizando os deficientes,não é o único grupo a ganhar destaque.Caso emblemático é da personagem Milena, uma criança negra que faz sucesso grande desde que foi lançada,em 2019.“Ela é a personagem que mais estourou no lançamento”,confirma Mauricio.“Agora em dezembro vamos lançar o segundo filme [live-action] da Turma da Mônica [‘Turma da Mônica: Lições’] e a Milena será uma das estrelas. Está todo mundo apaixonado pela Milena.E acho que no cinema vai acontecer o que já está acontecendo com as histórias em quadrinhos.” De acordo com o quadrinista,“não há limite”para criar personagens assim. “Depende de coragem, tempo, vontade e foco”, resume. Futuro personagem gay Não é de hoje que ele vem sendo provocado com a ideia de um personagem homossexual. Se no universo da Turma da Mônica os personagens infantis não são sexualizados, alguém com tal orientação poderia aparecer na Turma da Mônica Jovem, por exemplo. Ou, considerando a turminha original, tal grupo minoritário poderia ser representado pelos adultos — por exemplo, com um personagem sendo filho de um casal gay. Ideias do público não faltam mas sempre Mauricio procura tratar o tema com cautela. Desta vez, ele falou mais abertamente sobre o eventual projeto. “Vem vindo aí… Estou esperando um pouquinho que esteja cada vez mais aceita a posição do gay,principalmente. Eu tenho um filho, bem, que se assume [homossexual] e eu adoro meu filho [Mauro Sousa, diretor de espetáculos, parques e eventos da Mauricio de Sousa Produções].Ele cuida de uma parte tão importante [da empresa], que é a de shows e espetáculos.E dá um nó no pessoal que já tem mais idade e mais experiência”, comenta. “Estamos discutindo isso, sim. Estamos discutindo com os roteiristas,com o Mauro,com o pessoal próximo da gente aí para que haja um personagem positivo. Em todos os sentidos”, completa. E então,visivelmente emocionado,começa a falar do filho.“Afinal de contas,quando eu tomei café uma vez com o Mauro e o marido dele, abri a janela, né?”, lembra. O quadrinista postou uma foto tomando café com o casal, em maio de 2019, em sua conta no Instagram.“Porque aí as pessoas viram que eu estou junto com meu filho”, contextualiza. Com a voz um pouco embargada, Mauricio diz que quando Mauro revelou a ele a orientação sexual a notícia foi recebida de forma “natural”. “Em casa foi natural”,repete.“Eu acho que [para ele também], pelo que ele falou. Ele se abriu comigo também. E nos entendemos muito bem, sempre. Com meus filhos eu me entendo sempre muito bem. Esse caso foi meio diferente mas também foi uma experiência muito interessante e agradável, porque é a porta da vida e da felicidade. Realização também.” “Não pode haver obstáculos para sensações.É uma maneira,uma atitude, é uma palavra que me foge agora…”, hesita, como que medindo as palavras. “De comportamento… Também não é comportamento,me foge a palavra.Mas de qualquer maneira, acho que todos nós temos o direito de viver o que nos é agradável, necessário e nos faz bem. Mas, principalmente, se faz bem para mais de um, é melhor ainda. Acho que foi uma experiência muito boa para mim também.”


Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

DIREITOS HUMANOS

7

ARTIGO

Cancelamento e demissão de Maurício do vôlei servem mais à direita do que à causa LGBTQIA+ Leonardo Attuch* Qual é a pauta mais importante do Brasil nos dias atuais? Sem sombra de dúvida,a política de preços pornográfica da Petrobrás, que lucrou R$ 31 bilhões no último trimestre e decidiu antecipar dividendos no mesmo valor a seus acionistas, enquanto brasileiros pagam quase oito reais por litro de gasolina e 125 reais pelo botijão de gás.Esta política de preços, implantada após o golpe de 2016, que derrubou a presidente Dilma Rousseff para que a renda do petróleo fosse desviada do povo brasileiro para acionistas privados da Petrobrás, sobretudo internacionais, não tem ideologia de gênero. Ela atinge héteros, gays, lésbicas e transexuais, de forma indiscriminada. Aumenta a fome, a miséria e a inflação para todos os golpeados. No entanto, quando este assunto central para o futuro do Brasil, que é nossa soberania energética,deveria estar sendo discutido de manhã, de tarde e de noite e unindo brasileiros de todas as orientações sexuais, qual é o tema que bomba nas redes sociais? A polêmica que envolve o jogador Maurício, demi-

tido pelo equipe de vôlei do Minas Tênis Clube, e seu post no Instagram sobre o filho do superman, personagem da DC Comics, que é bissexual. O que disse Maurício? “Ah, é só um desenho, não é nada demais.Vai nessa que vai ver onde vamos parar…”, postou o atleta: Imediatamente,ele foi demitido pelo Minas Tênis Clube, a pedido de dois de seus patrocinadores: Fiat e Gerdau. Em seguida,a esquerda,que vem sendo massacrada pelos golpistas desde 2016,celebrou sua grande “vitória”.Ato contínuo, a base bolsonarista nas redes sociais mobilizou todas as suas forças e o atleta ganhou nada menos que 800 mil seguidores em menos de 24 horas. Sinal de que a“agenda da família tradicional”tem mais adeptos do que a cultura“woke”– que foi desenvolvida nos Estados Unidos exatamente por forças que pretendem estimular o liberalismo nos costumes para fazer avançar ainda mais a agenda neoliberal na economia. O tema Maurício e sua masculinidade supostamente ameaçada por um personagem de quadrinhos foi rapidamente utilizado pelos bolsonaristas para desviar o foco do que realmente interessa.Em vez de se explicarem sobre os

crimes apontados pela CPI da Covid,pela máquina de fake news comprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral nas eleições de 2018 (e que segue a todo vapor) ou sobre os planos de privatização da Petrobrás para dar o tiro de misericórdia na soberania brasileira, enterrando de vez a era Vargas, como sempre sonharam os nossos liberais, do que eles falam? De sua solidariedade ao atleta Maurício. Eis aí desenhado o cenário para a “mamadeira de piroca 2.0”.Agora,a família Bolsonaro virá salvar a tradicional família brasileira do superman bissexual, enquanto entrega as riquezas nacionais e sepulta de vez qualquer possibilidade de desenvolvimento nacional. No fim, eles estarão todos ricos,talvez milionários ou até bilionários,e exercendo suas sexualidades em total liberdade. O povo brasileiro,por sua vez,estará cada vez mais pobre e condenado ao subdesenvolvimento. E quando tudo tiver sido destruído,virá então a proposta do ecossocialismo. Triste ver um país que tinha projeto e futuro sendo destruído de forma tão escancarada. Leonardo Attuch é jornalista eeditor-responsável pelo 247.

A nova ‘mamadeira de piroca’

Sucesso entre crianças, ‘Pop it’ vira alvo de críticas de conservadores; psicóloga explica que as cores não influenciam em gênero e sexualidade

O

brinquedo Pop it se tornou uma febre entre as crianças e adolescentes ao longo deste ano. Este assunto, inclusive, já foi tema de um outro episódio do Segue o Fio (veja neste link). O brinquedo, que também é considerado antiestresse,passou a ser alvo de críticas em vídeos produzidos por conservadores.Segundo eles,o Pop it é colorido em referência à bandeira da comunidade LGBTQIA+. Renally Xavier de Melo,psicanalista especializada em crianças e adolescentes e professora de pós-graduação, e explica que a percepção de gênero das crianças é diferente da que é tida pelos adultos, porque elas ainda não assimilaram a construção social. Além disso, ela afirma que o universo infanto-juvenil é mais colorido que o dos adultos. “Tem algo das cores que é chamativo e que a criança se interessa.Quanto mais criativo, mais a criança se dire-

ciona para isso. E a cor é a cor, o que estão fazendo da cor é outra coisa. Rosa, vermelho, roxo… todas essas cores podem ser um arco-íris como também pode ser qualquer outra coisa que queiram nomear. Quem está interpretando essas cores?” Segundo ela, não existe uma relação direta entre a influência das cores e a sexualidade e gênero das crianças. “A gente não tem como dizer que isso vai dar isso, porque o ser humano é muito complexo pra gente fazer essa relação tão direta. Então, fiquem em paz, usem seus brinquedos, suas cores e suas formas.” A Renally também comenta que, independente da idade, é importante que as pessoas se permitam brincar. Seja com o Pop it ou qualquer outro brinquedo. “Eu acho que todo mundo tem que se permitir brincar. Se vai ser com esse brinquedo ou não [tanto faz], mas a gente precisa brincar. Senão, a vida

fica muito dura.Senão,fica um estresse absoluto. Feliz é o adulto que consegue se permitir brincar.” O pop it é considerado um item da categoria ‘fidget toys”, que traduzido do inglês significa brinquedo para inquietação. Ou seja, são usados para relaxar e acalmar. A experiência com o brinquedo deve ser exclusiva.A pessoa não deve estar fazendo outra atividade - como ver TV - enquanto estiver brincando para evitar uma “confusão sensorial”. “Nós temos uma confusão sensorial. Está entrando informação pelos olhos, pela audição e pelo tato. Não é muito adequado. O ideal é utilizar os pop its e não estar na TV ou tablet ou ouvindo música.Ao manipular o brinquedo, a criança entra num estado de concentração e vai promover o desenvolvimento cognitivo. O ideal é que o brinquedo seja usado quando ele for único na experiência”, disse Cristina Borsari.

Muleta para bolsonaristas, liberdade de expressão não pode ser usada no caso de Maurício Souza Tem sido comum que após declarações racistas, homofóbicas ou machistas, bolsonaristas clamem para que sejam protegidos pelo direito à liberdade de expressão. No entanto, especialistas escutados pelo Brasil de Fato refutam essa possibilidade e alertam que a extrema-direita tem dado o nome de“opinião”aos crimes que comete, como ocorreu com o jogador de vôlei Maurício Souza. “A liberdade de expressão está presente em todas as democracias, um valor imenso para os direitos humanos,onde está incluso,inclusive, a liberdade de imprensa.Mas ele precisa conviver com outros direitos e com outros valores éticos fundamentais.O que tem acontecido no Brasil contemporâneo é o uso da liberdade de expressão para ferir outros direitos que são consagrados”, explicou Tânia Maria Oliveira, da Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Vinícius Silva, coordenador do Núcleo de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria Pública de São Paulo (Nuddir) também criticou o que chamou de “interpretação equivocada da liberdade de expressão.” “Uma das limitações, que hoje tem se estabelecido em relação a esse direito, é quando, travestida de liberdade de expressão, algumas manifestações fomentam discurso de ódio e de intolerância, notadamente em desfavor de grupos sociais vulneráveis”, diz. Para o defensor público, o jogador Maurício Souza também tentou se proteger,após cometer o crime de homofobia,alegando que estava protegido pela lei. “O texto que ele publicou nas redes sociais reforça estereótipos negativos sobre gênero,sexualidade e diversidade sexual. Ele faz suposições de que a construção da sexualidade de crianças e adolescentes poderia ser afetada pela simples existência de um personagem de quadrinhos bissexual.” Leia Mais.: Criticado, demitido e expulso: O que aconteceu na vida de Maurício Souza após homofobia Tânia Oliveira não tem dúvida.“É crime de homofobia.Você não pode alegar liberdade de expressão para inferiorizar e discriminar qualquer pessoa,por sua orientação sexual.É discurso de ódio”,explicou a jurista. “É importante recordarmos que o Supremo Tribunal Federal (STF), através do ministro Alexandre de Moraes, tem investigado os bolsonaristas que incidem no discurso de ódio”, encerra. Em sua defesa,Souza foi às redes sociais alegar que tem direito a manifestar sua opinião. Silva alerta que o atleta bolsonarista falhou e cometeu um crime. “É uma fala equivocada,do ponto

de vista da própria ideia de sexualidade, considerando que a construção da sexualidade é multifatorial,é uma fala com caráter discriminatório. De uma certa forma, essa manifestação preconceituosa não pode ser acobertada pelo princípio da liberdade de expressão.” Entenda o caso Na tarde da última quarta-feira (27), o Minas Tênis Clube anunciou a demissão do central Maurício Souza. A rescisão ocorreu após as declarações homofóbicas do atleta. O clube aguardava que o esportista se retratasse e fizesse uma declaração pública imediata,o que ocorreu, mas com ironia. “Vim aqui para pedir desculpas a todos que se sentiram ofendidos com a minha opinião, por eu defender aquilo que eu acredito.Não foi a minha intenção.Assim como vocês defendem o que vocês acreditam,eu também tenho o direito de defender o que eu acredito”, afirmou o atleta. A direção do clube, pressionada por patrocinadores, torcedores e mídia esportiva, decidiu demitir Souza. Em suas redes sociais, no dia 12 de outubro, Souza criticou o anúncio, feito pela DC Comics, de que o novo Super-Homem, filho de Clark Kent, se descobrirá bissexual nas próximas edições da história em quadrinhos. “Ah é só um desenho,não é nada demais.Vai nessa que vai ver onde vamos parar”, publicou Souza, em suas contas nas redes sociais.A publicação foi repercutida por diversos bolsonaristas, entre eles, o filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Entre os jogadores de vôlei, a declaração foi mal recebida.O ponteiro da seleção brasileira, Douglas Souza,que faz parte da comunidade LGBTQIA+, repudiou a declaração. “Homofobia é crime, não é opinião Ainda nas redes sociais, atletas do vôlei apoiaram Douglas Souza e criticaram Maurício Souza, como Gabi Guimarães, Carol Gataz, Erika Coimbra, Fabi Alvim e Sheilla Castro. Ato contínuo, os patrocinadores do Minas Tênis Clube pressionaram a entidade a tomar atitudes contra o central. A Gerdau,uma das empresas que financia a equipe,exigiu a demissão de Souza.“Entendemos a necessidade de remoção dos conteúdos recentemente divulgados pelo atleta. A Gerdau aguarda o cumprimento dessas iniciativas.A empresa reforça seu compromisso com a diversidade e a inclusão, um valor inegociável para a companhia e,ainda,que repudia qualquer tipo de manifestação de cunho preconceituoso e homofóbico”,informou,em nota,a empresa. Ao vivo,na Rede Globo,o ex-jogador Walter Casagrande foi ainda mais contundente nas críticas à Maurício Souza. (Do Brasil de Fato)


8

SOBERANIA NACIONAL

Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

ARTIGO

O Servidor Público tem que acabar? ELIKA TAKIMOTO* Estou cansada de ouvir que servidor público tem que acabar. Trago então algumas perguntas que costumo fazer para quem vem com essa ladainha para o meu lado. Compartilho com vocês poucas das quais me lembro.Podem contribuir,se quiserem, nos comentários, ok? 1. Se acabar com a figura que mantém um contrato de trabalho com o Estado cujos vencimentos decorrem da arrecadação de impostos e é proveniente de concurso público, o que resta para servir a sociedade?

2. Como se constrói um país sem espaços,instituições,ideias e bens que não sejam ao mesmo tempo de cada pessoa e da coletividade? 3. Como haverá Estado sem servidor público? 4. Pessoas físicas que exercem uma determinada função de interesse público e ao bem comum existem em um país sem Estado? 5. O que significa eliminar o Estado? 6. Em que medida privatizar setores de interesse público se diferencia da ideia de destruir serviços essenciais à

dos à população baratos e bons?

imensa população que não tem condição alguma de pagar pela prestação de determinados serviços?

11. As filas de espera pela prestação de serviços é um problema somente do serviço público? O que dizer sobre as filas nos supermercados, bancos, e para atendimento médico mesmo com plano de saúde?

7. Há outra maneira de destruir o Estado sem se privar de recursos a área que se deseja privatizar?

12. Você está satisfeito com o quanto paga por mês para sua operadora de celular e pelo serviço prestado?

8. Alguém respira bem enquanto está sendo asfixiado?

13. Por que devo acreditar em que defende o “Estado mínimo” se são as mesmas pessoas que praticam vários tipos de monopólio e também cartéis?

9. A quem interessa criar e incentivar uma campanha de difamação pública contra o serviço público ou associar o servidor a uma série de coisas negativas,como à corrupção,à ineficiência, ao mau atendimento? 10. Há serviços privados direciona-

14. Por que falam sobre a necessidade de desmontar os serviços públicos, sendo que o Brasil continua destinando quase metade do orçamento federal para o pagamento de juros e o

rolamento da dívida pública federal? 15. Por que em um país cujo governo federal destina aos banqueiros e rentistas a soma de R$ 1,038 trilhão ou 38,27% de todo o orçamento público federal,promove uma campanha contra o servidor público? 16. Como seria o atendimento da população durante a pandemia da Covid-19 se não houvesse o Sistema Único de Saúde (SUS)? Deixo aqui essas questões no dia do Servidor Público. Em tempo, parabéns para todas as pessoas que estão por aqui e que, como eu, trabalham em serviços públicos. (*) É professora, escritora, mestre em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia e é doutora em Filosofia pela UERJ

Dia do Servidor Público: o que temos a comemorar? Temos pouco a comemorar, porém, é preciso valorizar a ampla unidade entre as entidades do funcionalismo público, as Centrais Sindicais e os movimentos populares, deixando nossas diferenças de lado, para atuar nas ruas, nas redes sociais e na pressão parlamentar contra a Reforma Administrativa (PEC 32) Por Thiago Duarte Gonçalves Diretor da Fenajufe (Federação dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do MPU), Servidor do TRT da 2ª Região e membro da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia)

D

esde o golpe jurídico-parlamentar de 2016, os ataques ao funcionalismo e aos trabalhadores não param. Destaca-se a EC 95 (teto dos gastos) em dezembro de 2016, que tem reflexos até hoje com menos recursos para a saúde, educação, sistema de justiça, segurança pública e sucateamento do serviço público com cada vez menos concursos,ou seja,menos atendimento à população. Após a “reforma” trabalhista, que retirou direitos dos trabalhadores e esvaziou parcialmente o papel histórico do Sistema de Justiça Trabalhista. Na sequência, o ataque à previdência,

que aumentou o valor de contribuição, o tempo necessário para se aposentar e diminuiu o valor das aposentadorias, além de outros ataques. Por último,o congelamento salarial (mesmo com a inflação galopante) e restrições na forma de se conseguir reajustes no funcionalismo com a PEC “Emergencial”. No atual momento, tentam aprovar a Reforma Administrativa (PEC 32). Esses retrocessos foram implementados com forte avanço ideológico do neoliberalismo, colocando as forças progressistas numa defensiva. Uma parte considerável dos trabalhadores perdeu essa condição para ser microempreenderes, ou “empregados de si

próprio”; os servidores públicos foram declarados inimigos da eficiência e do avanço da sociedade; as empresas estatais foram sucateadas em pouco tempo, algumas privatizadas, sendo muitas vendidas ou em processo de venda. Em 2021 não foi diferente. Além de lutar pela vida contra um Governo negacionista, o Governo Bolsonaro e sua tropa no Congresso Nacional quiseram aprovar a reforma administrativa, que na verdade trata-se de uma reforma de Estado. Houve resistência e muita luta, não tendo sido aprovada na Câmara até o momento. Três pontos principais merecem ser destacados deste projeto de desmonte do Estado:

1.

Fim dos concursos públicos e da estabilidade. A PEC 32 prevê o fim destes dois institutos, como regra, permitindo o aparelhamento de Estado por Bolsonaro e seus comparsas. Deixa-se de ter critérios objetivos para entrada e saída na administração pública, para ficarmos à mercê do governante de plantão. Um Golpe na CF de 1988 e no processo de redemocratização do país;

2.

Redução de jornada com redução de salários dos servidores públicos em até 25%. Prevista na PEC 186 e 188/2019, mas não aprovada, essa medida consta na PEC 32 e visa apenar a população com menos serviços públicos,e trabalhador@s públicos com menos salários, ao invés de taxar as grandes fortunas, lucros e dividendos, entre outras iniciativas para construir um serviço público de qualidade;

3.

Atuação subsidiária da administração pública.Apesar de a retirada do princípio na CCJ, no conteúdo, a PEC 32 prevê a atuação da administração pública apenas e tão somente quando a iniciativa privada não quiser atuar, prevendo, expressamente, a possibilidade de uso de mão de obra de servidores públicos pela iniciativa privada. Vale destacar o que a reforma administrativa não aborda: fim do nepotismo na administração pública; fim da apo-

sentadoria compulsória como “punição” para juízes e procuradores; regulamentação de teto da casta do funcionalismo público como juízes, procuradores, políticos (estes sim, castas), não tratando da possibilidade de redução de salário para essa elite; nenhuma mudança substancial para os militares. Não podemos nos esquecer do forte ataque que empresas públicas estão sofrendo.O caso dos Correios,empresa com 100 mil trabalhadores, é emblemático. Primeiro sucateia; para depois vende a preço de banana e demite milhares de empregados públicos. Assim, no dia do servidor público em 28 de outubro, temos pouco a comemorar. Porém, é preciso valorizar a ampla unidade entre as entidades do funcionalismo público, as Centrais Sindicais e os movimentos populares, deixando nossas diferenças de lado, para atuar nas ruas, nas redes sociais e na pressão parlamentar contra a Reforma Administrativa (PEC 32). Essa unidade precisa continuar para que lutemos por um Serviço Público de Qualidade, pela valorização dos servidores, pela volta dos concursos públicos, revogação da EC 95, além de outras pautas históricas de nós trabalhadores do setor público.Sempre aliando mobilização,pressão,com articulação e disputa de hegemonia nas redes sociais. Esta é a condição para Reconstruir o Brasil e fazer um bom combate ao projeto neoliberal que tem o serviço público (e seus servidores) como inimigos. (Da RBA Atual).


Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

SOBERANIA NACIONAL

9

ENTREVISTA ISRAEL BATISTA, PRESIDENTE DA FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DO SERVIÇO PÚBLICO O governo reacendeu recentemente a articulação política em torno da PEC 32. Qual grau de ameaça a frente parlamentar entende que a pauta representa neste momento, considerando que as energias da gestão Bolsonaro estão divididas por estarem voltadas também para outras pautas do Legislativo? Vê uma chance real de votação da reforma ainda este ano, antes do recesso parlamentar? Israel Batista - Eu vejo uma chance real de votação. Acho que os servidores não podem baixar a guarda neste momento. O governo está decidido a aprovar algumas reformas e a dedicar parte do orçamento público para negociações com os parlamentares.E,quando eu digo isso,digo particularmente sobre emendas não impositivas. O governo está focado em aprovar especialmente a PEC 23 e, nessas negociações sobre essa PEC, ele pode retomar as negociações sobre a PEC 32 [PEC dos Precatórios]. Então, nós fizemos uma estratégia correta de adiar a votação da PEC 32, de forçar um atraso. Tivemos sucesso nessa estratégia, jogamos ela para este final de terceiro ano do governo – o governo quis aprovar isso muito antes, mas nós impedimos. E nós conseguimos fazer com que o debate público se tornasse mais democrático e por isso grande parte da sociedade não se convenceu da narrativa do governo de demonizar o servidor público. Então, fomos para o debate público e disputamos uma parte da opinião pública. Isso foi essencial. E agora estamos naquele momento crucial, em que o governo, percebendo que não tem os 308 votos,segura a votação até que ele consiga negociar esses 308 votos.Então,estamos,sim,sob severa ameaça. Embora a PEC 32 tenha esfriado nas últimas semanas, no último fim de semana ela esquentou de novo,com essa reação do Arthur Lira e do ministro Paulo Guedes requentando teses que já estavam vencidas, como, por exemplo, a de que o servidor público é um privilegiado. Do ponto de vista da argumentação, o governo tem dito que a PEC faria o Estado economizar cerca de R$ 300 bilhões dos cofres públicos. Vocês da oposição acusaram a gestão de falta de embasamento para explicar esse montante. Que outras fragilidades o senhor destacaria como mais importantes no jogo político em torno da proposta? O governo se comporta de maneira pouco transparente sobre a PEC 32.Isso, para mim,é uma grande fragilidade.Primeiro,porque ela não entrega o que promete, ou seja, não ataca privilégios, não ataca desigualdades entre servidores públicos municipais, estaduais e federais, não ataca a falta de transparência no processo de tomada de decisões na administração pública e não trata da qualidade do serviço público prestado à população. E,na propaganda do governo,ele fala somente essas coisas.Ele fala de fim de privilégios, mas a PEC não trata dos privilegiados. Ele fala de melhoria na qualidade dos serviços públicos,mas a PEC fragiliza a relação entre os servidores e o Estado, ao possibilitar uma diminuição dos concursos públicos e permitir, por exemplo, a terceirização, os processos seletivos simplificados para contratações temporárias. E a gente sabe que onde tem servidores concursados você tem uma melhor prestação do serviço público. É justamente naqueles municípios onde não há estabilidade que prefeitos e vereadores indicam [funcionários] livremente e você tem o pior serviço público. Então, a gente percebe uma imensa fragilidade entre o texto proposto e a promessa feita pelo governo.Falta muita transparência. Outra fragilidade importante é que o governo não apresentou um diagnóstico sobre o serviço público brasileiro e,portanto,ele nem sabe o que precisa corrigir. Se você perguntar para o governo o que deve ser feito nos hospitais públicos para que os governos tenham melhor atendimento, você vai ter esse diagnóstico. Eles não sabem o que fazer, não sabem onde estão os gargalos. Então, é uma proposta mambembe, de gente que não tem capacidade técnica para fazer uma alteração tão profunda nas regras da administração pública brasileira.Falta capacidade técnica pro governo.O texto é ruim demais,

quecido,e enfraquecido em diversos episódios graças à atuação de servidores de carreira. Acho que a resistência já está acontecendo porque nós não permitimos o enfraquecimento da estabilidade no serviço público e por isso a própria massa do funcionalismo reagiu a esses ataques.Então,quando ele afronta os servidores da área ambiental,por exemplo, você tem servidores altivos o suficiente para denunciarem. A resistência a essa tentativa de interferência nas áreas técnicas deve prioritariamente ser feita através da recusa veemente à PEC 32.Esse é o principal ponto porque,apesar das investidas do governo contra diversas áreas – Polícia Federal (PF), órgãos de fiscalização ambiental, as universidades –,aquele servidores que afrontaram o poder constituído continuam ocupando seus cargos públicos, embora muitas vezes tenham perdido as funções de confiança. Então, você tem hoje os instrumentos constitucionais para que a burocracia do Estado resista a essa interferência política indevida. A PF tem resistido, os delegados têm respondido ao governo, inclusive com o delegado que indiciou um ministro de Estado,que é o ministro do Meio Ambiente. Você tem também os cientistas do Inpe [Instituo Nacional de Pesquisas Espaciais] apresentando seus relatórios mesmo a contragosto do governo, você tem os diplomatas brasileiros numa atividade extremamente profissional no exterior, tentando apagar os incêndios causados pelas declarações irresponsáveis da família presidencial. Então, a maior resistência que nós podemos impor ao governo é justamente enterrar a PEC 32 e garantir que os servidores prestem serviço ao Estado brasileiro, e não ao governo de plantão.

“Estamos sob severa ameaça” Atualmente mobilizado contra a reforma administrativa do governo Bolsonaro, que tramita na Câmara dos Deputados como Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32, o funcionalismo público enfrenta hoje um arsenal de medidas da gestão que afetam a vida da tropa do Estado e põem em xeque a qualidade e a eficiência da administração em todos os níveis federativos do país. Na condição de integrante do campo da oposição na Câmara, o parlamentar destacou o risco próximo de votação da PEC 32, que ele entende que pode ser submetida à aprovação do plenário até o final do ano, antes do recesso parlamentar. é de baixa qualidade. No atual contexto de desidratação da estrutura da máquina estatal e asfixia orçamentária, fala-se muito sobre os riscos de maior escassez na oferta de concursos públicos no futuro próximo do país, que hoje vive sob um rígido ajuste fiscal, o Teto dos Gastos, motivo de travamento de uma série de políticas públicas. O senhor vê alguma saída para esse cenário que não passe pela revogação do teto? Eu não vejo saída e acredito que o teto seja um empecilho ao desenvolvimento do país neste momento. O teto é uma medida econômica que aprofunda um ciclo de depressão e desaquecimento econômico do país e a gente

precisava revogar. Agora, existem outras coisas que podem ser feitas e eu diria que o mais fácil de se fazer agora,neste momento,é evitar declarações polêmicas,evitar confrontos entre os Poderes e agir com mais equilíbrio porque o Brasil vive,acima de tudo, uma profunda crise de credibilidade.Ela se dá a partir do momento em que você tem na cadeira presidencial alguém que não passa confiança, que está sempre metido nas piores confusões, falando os piores absurdos e dando para o mundo dos negócios a pior sinalização. As perseguições a servidores públicos estão entre as questões que se avantajaram durante a gestão Bolsonaro. É o caso dos episódios envolvendo profes-

sores de universidades que manifestam ideias de caráter progressista e garantista – muitos foram censurados – e também de funcionários públicos da área de proteção ambiental. Como enfrentar isso num cenário em que o governo de plantão chega a ponto de colocar interventores nas universidades para administrar as instituições e incentiva estigmas e ataques ao funcionalismo? É importante frisar que todos esses ataques ao funcionalismo são graves, mas eles têm um limite, o limite de que o servidor, sendo estável, pode resistir com maior eficiência a esses ataques.E a gente percebe que a reação dos servidores públicos tem colocado o governo nas cordas. O governo está profundamente enfra-

Quais as armas que o senhor entende que a oposição tem neste momento para tentar barrar a PEC 32? As armas que temos são poucas,mas, se bem utilizadas, são eficientes. A primeira arma que nós temos é a união. Não podemos permitir que o governo divida os servidores públicos,como vem tentando fazer desde o início. Primeiro,o governo tentou separar os da segurança pública dos demais servidores, mas nós, da Servir Brasil, trouxemos para o nosso conselho curador as entidades representativas do setor de segurança. Também apertamos a mão do presidente da Frente Parlamentar Mista de Segurança Pública – a famosa“bancada da bala” – e fechamos acordo com ele, dizendo “não abandone os servidores das outras carreiras porque eles precisam estar unidos neste momento em que o governo tenta fragilizá-los provocando uma divisão no serviço público”. Ao mesmo tempo, essa união foi importante quando nós evitamos uma ruptura entre os servidores que poderiam ser considerados como carreiras típicas de Estado e os demais servidores. Ou seja, ninguém solta a mão de ninguém. É assim que nós vamos resistir à PEC 32. Agora,existem também outras armas, como a disputa da opinião pública. Quando a reforma começou a ser discutida,o governo tentou vender a narrativa de que os servidores eram responsáveis pela crise fiscal,de que eles seriam os vilões do Brasil, e nós conseguimos ir para disputa, conseguimos conversar com os jornalistas e conseguimos mostrar o outro lado dessa história. Conseguimos mostrar que a média salarial dos servidores brasileiros é de quatro salários mínimos,que existe muita disparidade entre os servidores brasileiros,que mesmo aqueles que têm salários relativamente altos – apenas 3% dos servidores brasileiros recebem mais do que R$ 20 mil por mês, ou seja, é uma exceção que o governo usa como regra para escandalizar a opinião pública – têm um grau de formação elevado. Então, a segunda arma que temos é a capacidade de disputar a narrativa e apresentar para opinião pública a nossa versão dos fatos,que é a que realmente corresponde à verdade. Nós conseguimos mudar uma parte da percepção da sociedade brasileira sobre o serviço público e conseguimos ganhar o apoio não apenas dos servidores,mas também dos usuários dos serviços públicos. (Do Brasil de Fato)


SOBERANIA NACIONAL

Preço justo: FUP e Sindipetro-NF distribuem 200 botijões de gás a 50 reais na Zona Oeste do Rio Na manhã dessa quinta-feira (28), a comunidade beneficiada pela campanha “Combustíveis a preço justo” foi a de Vila Vintém, que comprou botijões por pelo menos metade do valor praticado hoje no mercado

ARTIGO

10

Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

Chega de abuso! Reestatizar já a Petrobras! Elvino Bohn Gass e Miguel Rossetto* Com os aumentos do último dia 26 de outubro, só em 2021 a gasolina subiu 74% e o diesel 65%,para entrega às distribuidoras e postos. Em Porto Alegre, a gasolina já passa de R$ 7 reais. O botijão de gás chegou a R$ 110 reais. Este é o resultado da“privatização”da gestão da Petrobrás. Estes aumentos são responsáveis por 40% da inflação do país; o governo responde com o aumento da taxa de juros-SELIC que provoca alta em todos os juros e diminuição do crescimento, um estrago gigantesco. Para quem acha que a solução é privatizar a empresa,um aviso: ela já foi privatizada na gestão Bolsonaro.E o resultado é desastroso e conhecido. Não só preços abusivos,mas,também, o anúncio inédito de que a empresa não vai garantir o abastecimento do país.O significado disto é que a Petrobras não tem mais nenhum compromisso com o Brasil. Hoje, os preços praticados pela empresa já não guardam nenhuma relação entre o custo de produção mais as margens aceitáveis de lucro. Dados recentes mostram que, ainda no mês de setembro, a produção de petróleo no pré-sal foi de 1,1 milhão de barris por dia, com um custo de extração de US$ 7 dólares, que hoje corresponde a 65% do petróleo consumido no Brasil.

A

Federação Única dos Petroleiros (FUP) e o Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF) promoveram na manhã dessa quinta-feira, 28, na Zona Oeste do Rio de Janeiro,a ação“Gás Preço Justo”,com a venda de 200 botijões de gás de 13 litros,a R$ 50 cada um. O valor corresponde a pelo menos a metade do preço praticado hoje no mercado. A campanha beneficiou moradores da comunidade deVilaVintém, localizada entre Padre Miguel e Realengo, e respeitou todos os protocolos de segurança exigidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por causa da Covid-19. Participaram da campanha representantes da FUP e do Sindipetro-NF.Um grande botijão inflável laranja,com cerca de cinco metros de altura e a frase “Tá Caro? Culpa do Bolsonaro!”,chamou a atenção da comunidade. Esse mesmo botijão foi usado nas manifestações de 2 de outubro, em protesto contra os reajustes abusivos nos preços dos combustíveis.

A própria Petrobras, em nota recente, informou que 94% do petróleo refinado no país tem origem nacional. No mercado internacional, o petróleo está a US$ 84 dólares, e este é o valor utilizado pela Petrobras por conta da política de preços escolhida – a paridade internacional de preços! A Petrobrás foi transformada pelo governo Bolsonaro em instrumento de extrair riqueza nacional,retirar dinheiro do povo e da economia para produzir lucros escandalosos aos acionistas privados, em grande parte estrangeiros. Além de prestar ajuda humanitária para cerca de 200 famílias, os dirigentes sindicais explicaram à população sobre os prejuízos da política de reajustes dos combustíveis baseada no preço de paridade de importação (PPI),adotada pela Petrobrás desde outubro de 2016, que considera o preço do petróleo no mercado internacional e a cotação do dólar. O impacto vai além do valor dos derivados de petróleo, como gás de cozinha, óleo diesel e gasolina: também afeta os preços dos alimentos, transportes e demais itens,num efeito cascata com forte impacto sobre a inflação. “Estamos subsidiando o gás para que a comunidade tenha acesso ao preço justo, pois o valor atual (mais ou menos 120 reais) é proibitivo e faz com que as pessoas busquem outras opções para cozinhar,colocando as suas vidas em risco.A ação Preço Justo é também um grito, é um protesto em relação ao preço exorbitante dos combustíveis. Vamos ajudar a reverter o que está sendo feito hoje com a Petrobrás, que é uma empresa brasi-

leira e que pertence a nós, brasileiros”, comentou Gerson Castellano,diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP). “Estamos aqui oferecendo o gás a 50 reais,mas eu gostaria de não estar fazendo isso,pois o Governo é que deveria rever a política de preços sem a gente precisar subsidiar o gás para a população”,lamentou a diretora do Sindipetro-NF, Bárbara Bezerra. Alessandro Trindade, diretor do Sindipetro-NF, contou que a ação preço justo do gás na Zona Oeste é mais uma forma de a comunidade petroleira ajudar os mais carentes em meio à pandemia, principalmente os que se encontram em extrema pobreza.“Enquanto o governo vem implementando uma sequência de reajustes e impedindo que as famílias levem para a sua cozinha o botijão de 13 quilos, nós, petroleiros, disponibilizamos em mais uma ação de solidariedade o gás a preço justo”,explicou o dirigente,ressaltando que a política implementada pela atual gestão da Petrobrás e pelo governo é equivocada.

Eletrobras: Atraso pode levar privatização para período eleitoral O processo de privatização da Eletrobras deve demorar mais que o previsto pelo governo de Jair Bolsonaro e cair bem no meio do período eleitoral. Segundo informações do jornalista Manoel Ventura, de O Globo, o governo esperava encerrar o processo de venda da estatal no primeiro trimestre de 2022,mas a análise do Tribunal de Contas da União (TCU) deve empurrar a privatização da Eletrobras para o meio do período eleitoral. O ministro Aroldo Cedraz, relator do processo no TCU, teria avisado a ministros de Bolsonaro que a análise do tribunal deve atrasar com o objetivo de levar a privatização para as eleições. Ministros do tribunal estariam reticentes com alguns pontos do contrato.

A notícia chega na mesma semana em que o Congresso Nacional decidiu fortalecer sua atuação no campo da energia. Foram criadas Frente Parlamentar de Recursos Naturais e Energia (FPRNE) e a Comissão do Apagão. As duas devem tratar sobre o processo de venda da Eletrobras e são comandadas pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN), líder da Minoria e ferrenho crítico da gestão energética de Bolsonaro. Durante a votação da MP da Eletrobras, aprovada no Senado e na Câmara, Jean Paul condenou o processo.“Lutamos para que a MP da Eletrobras fosse rejeitada integralmente e pedimos ao Governo pra bater o escanteio de novo, pra começar direito, com um projeto de lei que pudesse ser discutido nas Comissões e com a

presença de todos os envolvidos. Mas, o Senado preferiu aceitar esse abacaxi indigesto servido pelo governo e que prejudicará milhões de famílias com o aumento da conta de luz e prejuízos ao meio ambiente. A luta continua pela defesa de nossas estatais!”, afirmou o líder da Minoria na ocasião. Em julho, a oposição chegou a acionar o STF contra a privatização. Na ação, os partidos argumentam que a MP foi editada sem urgência, o que viola a Constituição e que a proposta foi aprovada com emendas que não têm relação com a matéria principal. No dia 19 de outubro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, se posicionou contra as duas ADIs (6929 e 6932) movidas pela oposição.

Junte-se a isso a privatização da BR distribuidora e da Liquigás, estimulando uma concentração privada ainda maior da distribuição dos combustíveis e do gás.Um desmonte do Estado, uma entrega veloz e sem qualquer controle no setor. Uma orgia contra o Brasil. Nenhum governo no mundo, com alguma responsabilidade,deixa de acompanhar, regular e assegurar oferta e preços em condições razoáveis de energia ao seu país.Afinal,gás, diesel, gasolina movimentam toda a economia e estão incorporados na condição de vida de toda a sociedade, direta ou indiretamente. Qual o limite desta insensatez? Até onde vai este dogma privatista? Quebram e desabastecem o país provocando o caos,e segue a paridade de preços internacional? Segue o compromisso com os acionistas e seus lucros obscenos. Dane-se o Brasil e o povo brasileiro. É preciso retomar já a gestão pública da Petrobrás,e que seu controlador,o governo federal, assuma suas responsabilidades legais e políticas para com a nação.É preciso interromper imediatamente este flautista de Hamellin e sua música, porque neste caso, não são ratos os que serão atraídos para a morte. Elvino Bohn Gass é líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados Miguel Rossetto é ex-ministro do Trabalho, da Previdência e do Desenvolvimento Agrário


Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

Edvan: “Congela-se o ICMS, e o PPI continua. É uma medida paliativa, não resolve

Caminheiros acordam, dizem que o problema é a política de preços da Petrobrás e mantêm greve

D

irigentes dos caminhoneiros afirmaram que a proposta do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) de congelar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos estados para reduzir o preço dos combustíveis “não vai resolver o problema” do valor abusivo dos combustíveis. Nesta sexta-feira,o órgão,que reúne secretários de Fazenda dos estados e do Distrito Federal,aprovou o congelamento do valor do ICMS cobrado nas vendas de combustíveis por 90 dias, informou o Ministério da Economia às vésperas da greve dos caminhoneiros. Segundo os caminhoneiros, o verdadeiro problema é a política de preços da Petrobras - o Preço de Paridade de Importação, que encarece o valor dos combustíveis como se eles fossem importados, apesar do Brasil consumir majoritariamente o que é produzido no país. Segundo o caminhoneiro Edvan Ferreira, a política do Confaz “é uma medida paliativa,não vai resolver o problema.Os estados também foram beneficiados - e muito - com esses aumentos dos combustíveis. Está na hora de rever a tributação. Mas se a Petrobras não mudar, não irá surtir efeito”, disse. “Congela-se o ICMS, e o PPI (Preço de Paridade de Importação) continua. Significa perda de arrecadação para os estados e lucros para os acionistas”, concluiu Ferreira. A greve dos caminhoneiros está programada para acontecer na próxima segunda-feira, 1.“Após o cancelamento da reunião com o Palácio do Planalto, os líderes do movimento cogitaram a hipótese de a presidência não acreditar na paralisação e passou a pressionar ainda mais a participação de outros caminhoneiros”, diz Sindicatos prestaram apoio à greve dos caminhoneiros. A CUT, por exemplo, que controla a Federação Única dos Petroleiros (FUP),emitiu um comunicado lembrando que o alto valor do diesel impossibilita o trabalho da categoria. Os petroleiros também pretendem organizar uma greve contra a privatização da Petrobras,defendida pelo governo Jair Bolsonaro. Mesmo diante da crise, o governo federal não pretende congelar o preço dos combustíveis,conforme disse o diretor de Comercialização e Logística da Petrobrás,Cláudio Mastella,nesta sexta. A declaração vem em meio a um novo reajuste,anunciado no dia 25 deste mês. Segundo ele, o congelamento do preço dos combustíveis geraria um descompasso em relação aos preços internacionais.“Não estamos cogitando congelar preços.Fazer isso significa descolar o combustível brasileiro do preço internacional,fazendo o preço do país ficar desconectado. Isso tornaria dois problemas: por um lado o mercado desabastecido ou a Petrobrás tendo que suprir 100% do mercado com um custo mais elevado.Ainda por cima isso vai contra a legislação e os movimentos de trazer mais competição e investimento para o mercado brasileiro”, disse Mastella.

Na tentativa de conter o protesto, os estados e o DF anunciaram nesta sexta-feira o congelamento do valor do ICMS sobre combustíveis Na quinta-feira, 28, o conselho da Petrobrás aprovou o pagamento de nova antecipação da remuneração aos acionistas relativa ao exercício de 2021, de R$ 31,8 bilhões. Somados aos R$ 31,6 bilhões anunciados em agosto, totalizam-se R$ 63,4 bilhões em antecipação aos acionistas relativos ao exercício de 2021. Em comunicado enviado ao mercado nesta quinta,a empresa informou que reportou lucro líquido de R$ 31,1 bilhões no 3º trimestre de 2021.O lucro vem dos preços abusivos impostos pelo governo Jair Bolsonaro e a política de paridade internacional dos preços,que faz o consumidor pagar os combustíveis como se eles tivessem sido importados. Em agosto,a Associação de Engenheiros da Petrobras (Aepet) denunciou que a política do Conselho Administrativo da estatal, pró-acionistas, estava levando a uma evasão bilionária das riquezas produzidas no País. (Do Brasil247)

SOBERANIA NACIONAL

11

Central sindical prevê que greve dos caminhoneiros vai parar o país A greve dos caminhoneiros prevista para o dia 1º de novembro já tem o apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) e de outras centrais sindicais. De acordo com o presidente da CSB, Antonio Neto, a paralisação irá acontecer – e em grandes proporções. Num vídeo postado nas suas redes sociais nesta sexta-feira (29/10), ele disse que se reuniu com lideranças de caminhoneiros e de sindicatos de transporte e logística para conversar sobre detalhes do protesto. Na ocasião,estavam presentes representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (Cnttl),a diretoria da Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado de São Paulo (Fttresp) e seus sindicatos filiados, o presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava),Wallace Landim,conhecido popularmente como Chorão, e o diretor executivo da Nova Central, Nailton Francisco de Souza. “A greve vai acontecer à 0h do dia 1º de novembro. O Brasil vai começar a parar.Estamos apoiando essa greve.Esses excessos de preços causam revolta em todos os trabalhadores brasileiros”,disse Neto,também presidente do PDT na capital de São Paulo. “Essa greve é de todo o povo brasileiro.É de quem está tendo que comprar gás e não consegue pagar,a energia está subindo… o povo brasileiro não aguenta mais pagar os lucros bilionários de meia dúzia de acionistas”, acrescentou. Na tentativa de conter o protesto, os governos estaduais anunciaram nesta manhã o congelamento do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado nas vendas de combustíveis por três meses. A decisão foi tomada no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) — órgão composto por secretários de Fazenda dos estados e do Distrito Federal. De acordo com o economista-chefe da Necton Investimentos,André Perfeito, o ICMS é apenas um dos componentes do custo dos combustíveis e,por isso,não deve ter o efeito esperado.“Não vai fazer cair o preço.Vai deixar de piorar.Se subir a gasolina por algum motivo,o ICMS não sobe junto”, explicou. A única ação que poderia frear a greve seria uma mudança na política de preços da Petrobras.Atualmente,a companhia acompanha os custos do mercado internacional.A categoria quer que seja estabelecido um padrão nacional. “O governo já decidiu que a política de preços da Petrobras vai continuar da forma que está.Então não tem o que fazer. Aparentemente o governo não quer fazer nada para mudar isso.No Brasil,é tudo 8 ou 80, ou se segura o preço, ou libera o preço o tempo todo,daria para construir soluções no meio do caminho”,sugeriu o economista.


PÓS-PANDEMIA

Brasil tem pior perspectiva de crescimento em 2022 entre países do G20 Presidente participa da Reunião de Cúpula do G20, grupo que reúne os 19 países mais ricos do mundo, é alvo de protestos de ativistas na Itália, país-sede do encontro e é visto como vilão global pelos participantes da COP26, em Glasgow

N

a pauta,estarão temas como a criação de um tributo global sobre empresas multinacionais, os preços do petróleo, a crise energética que afeta diversos países do mundo, e os gargalos logísticos e de fornecimento de insumos, que também têm prejudicado o desempenho da economia mundial. O grupo se reúne num momento em que o mundo enfrenta uma desaceleração do crescimento, diante do avanço das pressões inflacionárias, e da perda de ritmo da economia chinesa,em meio à crise do setor imobiliário e energética enfrentada pela superpotência asiática. Mesmo nesse cenário desfavorável generalizado, o Brasil se destaca negativamente. O país deve registrar o menor crescimento em 2022 entre os membros do G20, segundo estimativas do FMI (Fundo Monetário Internacional) divulgadas neste mês. Pelas projeções do órgão multilateral, o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro deve crescer 5,2% este ano, mas apenas 1,5% no ano que vem. O crescimento projetado para 2022 é menor do que o esperado para outros emergentes, como Rússia (2,9%),Argentina (2,5%) e África do Sul (2,2%). Nas estimativas da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), divulgadas ao fim de setembro,o quadro não é muito diferente. O “clube dos países ricos” espera que o PIB do G20 deve desacelerar de um crescimento de 6,1% em 2021, para 4,8% em 2022. Para o Brasil, a previsão é de uma perda de ritmo bem mais acentuada:de alta de 5,2% este ano,para 2,3% no ano que vem.Segundo a OCDE,o país só ficaria à frente do Japão (2,1%) e da Argentina (1,9%) em termos do crescimento esperado para 2022. Se o cenário já não parece muito bom na comparação internacional olhando esses dados, a tendência é a coisa piorar. Isso porque as projeções das entidades multilaterais como FMI e OCDE são atualizadas com menos frequência do que aquelas feitas pelos economistas de mercado,que trabalham em bancos,gestoras de recursos e consultorias,acompanhando a economia brasileira no seu dia a dia. Alguns desses economistas passaram a prever nesta semana que o PIB brasileiro pode entrar em recessão ou ficar estagnado em 2022,diante do desarranjo das contas públicas provocado pela quebra do teto de gastos — regra que limita o crescimento da despesa do governo à inflação. É o caso do Itaú,que revisou na segunda-feira (25/10) sua projeção para o PIB do país em 2022 para queda de 0,5%.O banco J.P.Morgan e a consultoria MB Associados cortaram suas estimativas de 0,9% e 0,4%, respectivamente, para 0%. E mesmo quem ainda espera algum crescimento para o Brasil em 2022, está baixando a bola de suas expectativas, caso da XP Investimentos,que cortou sua estimativa para o PIB do próximo ano de 1,3% para 0,8%.O Credit Suisse reduziu de 1,1% para 0,6%.E a ASA Investments, de 1,5% para 0,4%. “O crescimento global deve ser menor e a inflação maior devido à desaceleração na China e ao aumento dos preços de energia em todo o mundo”, resumiu o Itaú, em relatório recente. A economista Margarida Gutierrez, professora do Coppead/UFRJ (Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro), explica que o aumento da inflação em todo o mundo deve levar os bancos centrais de diversos países a encerrar o ciclo de estímulos em resposta à pandemia e normalizar suas políticas monetárias. A mudança de direção na ação dos bancos centrais deve funcionar como um freio para a atividade econômica em todo o mundo. “Com a inflação batendo na porta dos Estados Unidos e da Zona do Euro — economias que estavam com taxas de juros zero ou próximas de zero —, vai começar a ter uma normalização das políticas monetárias,então os juros

ARTIGO

12

Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

A guerra está chegando ao fim, mas a luta continua Dr. Luizinho* Vinte dias antes de surgir o primeiro caso confirmado de coronavírus no Brasil, no dia 26 de fevereiro de 2020, em pleno Carnaval, eu já presidia a Comissão Externa de Acompanhamento do Coronavírus da Câmara. Como médico, apaixonado por Saúde Pública e observador atento do que acontecia no mundo naqueles tempos – uma doença que havia começado na China,se propagava rapidamente na província de Wuhan e que já começava a fazer vítimas na Itália, sobretudo idosos – eu logo me dei conta que aquilo não era uma gripezinha qualquer. Lembro de ter pedido, no início de janeiro de 2020, que minha assessoria ficasse atenta a todas as notícias sobre aquela nova e estranha doença,e que me enviasse tudo o que fosse publicado, fosse no Brasil ou no exterior. Tão logo a Câmara voltou do recesso,em 2 de fevereiro de 2020,protocolei requerimento pedindo ao então presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia, a criação da Comissão Externa. Naquele momento, a única orientação que vinha por parte do Governo Federal era “lavem as mãos”. O então ministro Mandetta não entendeu nada quando,uma semana antes do Carnaval (que naquele ano foi comemorado entre 22 e 28 de fevereiro),escrevi ao Ministério solicitando que portos e aeroportos fizessem a verificação de temperatura de todos os passageiros vindos do exterior, sobretudo da Itália e da China, mantendo em quarentena aqueles que, porventura, apresentassem estado gripal. Lembro que, na ocasião, alegaram que não haveria termômetros digitais nem equipes de vigilância sanitária em número suficiente para medir, de forma rápida, a temperatura de tanta gente ao mesmo tempo.Disseram,ainda,que isso geraria um caos nos terminais de desembarque. Houve quem – não foi o meu caso – sugerisse a medida extrema de cancelar o Carnaval. Cidades como o Rio,Salvador e Olinda,que têm na festa uma importante fonte de receita, não quiserem nem saber do assunto.Não culpo seus gestores. Na ocasião, ainda não havia noção da Tsunami que estava por vir. Tanto que a OMS só viria a decretar a pandemia mundial em 11 de março. A primeira das mais de 600 mil vítimas no Brasil, para quem não se lembra, aconteceu um dia depois, no dia 12 de março. Desde então, foram centenas de audiências públicas com médicos, cientistas e gestores. Muitas visitas à Fiocruz, ao Instituto Butantan e outras tantas aos Ministérios para tentar apressar a chegada dos imunizantes. Sem falar no incontável número de lives, webnars e viagens de carro a Brasília, uma vez que, no auge da pandemia,os vôos diretos entre Rio e Brasilia foram suspensos, me obrigando a fazer os deslocamentos por terra. Em 2020, para quem não sabe, a Comissão Externa foi a única que continuou trabalhando na Câmara.

vão começar a subir”, diz Gutierrez. “O caso da economia americana é emblemático: pelo quinto mês consecutivo, os Estados Unidos têm apresentado uma inflação de 5,4% em 12 meses,o que sinaliza que não é uma inflação transitória,como inicialmente se supunha”, acrescenta a economista. “Nesse cenário, o FED [Federal Reserve System, o sistema de bancos centrais dos Estados Unidos] e o Banco Central Europeu já sinalizaram que vão reduzir seus programas de compras de ativos e,depois disso,vão começar a subir as taxas de juros, praticando o que chamamos de normalização monetária. Essa subida de juros já é um freio à atividade econômica por si só.” A inflação global tem sido puxada pela alta de preços das commodities, em meio ao aumento da demanda global com a reabertura das economias após o isolamento social provocado pelo coronavírus; e pela desorganização das cadeias produtivas,que tem provocado falta de insumos para a indústria — como o setor de automóveis,que tem sofrido com a escassez de semicondutores. Já o Brasil,segundo Claudio Considera,coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), não tem nenhum motor de crescimento no Brasil. “O desemprego está enorme,a inflação está

fazendo com que as famílias percam renda, isso diminui o consumo”, enumera.“O investimento também não tem nenhum estímulo,porque ninguém acredita que o Brasil vai crescer. Então a economia não tem qualquer impulso de crescimento.” Mas se o mundo inteiro está sofrendo com inflação,por que a alta de preços no Brasil é tão mais significativa do que nos demais países,exigindo essa dose cavalar de juros em resposta? “No Brasil,além de sofrer tudo que o mundo está sofrendo, nós temos uma taxa de câmbio super pressionada por causa das nossas incertezas, da nossa percepção de risco, que está subindo muito”, explica Margarida Gutierrez, da Coppead/UFRJ. “A nossa taxa de câmbio está absolutamente descolada do resto do mundo,e o câmbio mais desvalorizado gera pressões inflacionárias,isso contamina as expectativas de inflação e, por isso, nossa inflação é tão maior do que a de outros países”. O câmbio desvalorizado afeta,por exemplo, os custos industrias,já que boa parte dos insumos da nossa indústria são importados.Impacta também os preços dos combustíveis,já que o petróleo é cotado internacionalmente em dólares. E estimula as exportações, reduzindo a oferta de alimentos no mercado interno, o que também contribui para a alta de preços.

Eu até hoje não havia parado para contar essa história,mas ela me veio à mente no último dia 26, quando me reuni com o presidente da EMBRATUR, Carlos Brito e seu diretor de Marketing, Silvio Nascimento. Na pauta, o meu pedido, como membro titular da Comissão de Turismo da Câmara, de inclusão do Carnaval do Rio na apresentação das delegações do Brasil nas principais feiras internacionais de Turismo do mundo. As feiras recomeçaram.Começam a cair as máscaras, no bom sentido. É hora de divulgar o Brasil como destino turístico e o melhor Carnaval do mundo pertence ao Rio, evento que, além de ser uma genuína manifestação cultural, gera milhares empregos, renda, sustenta famílias e movimenta o turismo e o comércio como nenhuma outra festa faz. A vacina está conseguindo derrotar a Covid-19.Temos que agora concentrar o pelotão numa nova frente de batalha: na trincheira para a retomada dos empregos e da estabilidade econômica e social do meu país, do meu estado. A guerra está chegando ao fim,mas a luta continua. (*) é deputado federal. Preside a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara e é presidente do diretório estadual do PP no Rio de Janeiro


Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

MEIO AMBIENTE

13

Menos 30 anos em 3 é o tamanho do retrocesso ambiental ambiental promovido pelo governo Bolsonaro, diz dossiê Lançada pelo monitor Sinal de Fumaça às vésperas da COP26, linha do tempo traz dados e fatos que mostram a boiada prometida por Salles, como o desmonte de políticas voltadas à preservação do meio ambiente e a explosão do desmatamento

E

m três anos de governo Bolsonaro,o Brasil sofreu um retrocesso de 30 anos na área socioambiental. É o que mostra dossiê lançado nesta quinta-feira pelo Sinal de Fumaça, plataforma que sistematiza semanalmente dados e fatos sobre a crise socioambiental brasileira. Batizado de “Governo JB – Menos 30 anos em 3”, o dossiê traz uma linha do tempo detalhada com todos os desmontes de políticas voltadas à preservação do meio ambiente promovidas pelo atual governo, cortes de orçamento, dados sobre a explosão do desmatamento e queimadas, bem como o aumento da violência no campo, do garimpo, dos ataques contra indígenas, ativistas, servidores de órgãos ambientais e lideranças comunitárias, entre outras informações relevantes sobre o tema. O documento responsabiliza não só o governo Bolsonaro pelo retrocesso na área socioambiental, mas também a agenda de desmonte no Congresso Nacional sob as gestões de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente. Segundo o Sinal de Fumaça, os impactos “extrapolam em muito as reformas infralegais verbalizadas pelo ex-ministro Ricardo Salles em abril de 2020” – ocasião em que ele proferiu a fatídica declaração sobre “passar a boiada”. “Quando o deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco assumiram as presidências das casas, em fevereiro de 2021, projetos de lei relacionados ao uso da terra e ao licenciamento de grandes empreendimentos passaram a tramitar de forma acelerada com a benção do Palácio do Pla-

L I N H A D O T E M P O D O D O S S I Ê “ G OV E R N O J B – M E N O S 3 0 A N O S E M 3 ” 2019 Medida Provisória 870 abre as porteiras da boiada e paralisa demarcações de – Terras Indígenas

 Ministro Salles operacionaliza o

 Pantanal, Amazônia e Cerrado em

Chamas: fumaça de queimadas cobre o país

 Bolsonaro Mente Sobre

desmonte sob aplausos de Bolsonaro

Desmatamento e Ataca Povos Indígenas na ONU (Parte II)

 Inpe sob ataque por dizer a

 Emissões brasileiras aumentam

verdade

 Fundo Amazônia suspenso, confusão no G20 e Acordo UE-Mercosul na berlinda

 O Dia do Fogo no Pará e o dia

virando noite em diversos pontos do país

 Bolsonaro Mente Sobre

Desmatamento e Ataca Povos Indígenas na ONU (Parte I)

 Ativistas

presos por apagar queimadas no Pará e outras teorias da conspiração contra a sociedade civil

por conta do desmatamento e Governo inventa “pedalada climática”. 2021

 Com apoio de Bolsonaro,

ruralistas dominam Câmara, Senado e comissões-chave do Congresso Nacional

 A máfia da madeira ilegal e a queda de Ricardo Salles

 PL que desfigura Licenciamento Ambiental é aprovado na Câmara

 Escalada de Violência do Garimpo, PL 490 e Marco Temporal ameaçam Povos Indígenas

 Desmatamento e queimadas

 510 e 2633: PLs da Grilagem

 MP da Grilagem normaliza o roubo

 Bolsonaro Mente Sobre

batem recordes históricos no período de terras

2020

 Bolsonaro, Garimpo e Covid-19: a

avançam no Congresso

Desmatamento na ONU (Parte III l)

 Aumento de conflitos e mortes no

tripla ameaça aos povos indígenas l

campo refletem incentivo do governo Bolsonaro a crimes ambientais

 O desmonte acelera e a boiada é

 Tudo sendo desmatado conforme

 General Mourão e a Garantia

 Seca histórica e tempestades

nomeada em reunião interministerial da Lei e da Ordem (ou a Certeza de impunidade para desmatadores)

o planejado

de areia escancaram crise climática brasileira.

nalto.A boiada começou a ser tocada no legislativo, com a possibilidade de impactos mais profundos e duradouros”, diz um trecho do dossiê. COP26 Com versões em inglês e português, o relatório, produzido com dados sistematizados pelo Sinal de Fumaça desde 2018, vem às vésperas da COP26 (26ª Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas), que começa na próxima semana em Glasgow, na Escócia, e onde os principais líderes e chefes de Estado do mundo discutirão acordos e tratados relacionados à questão ambiental. “Na próxima semana, chefes de estado de centenas de países se reúnem na COP 26 para discutir como barrar a emergência climática. O Brasil vem aumentando sua participação no problema com o crescimento das emissões de poluentes derivadas do desmatamento e da carbonização da matriz energética em função da crise hídrica, por sua vez vinculada às perdas florestais”, afirma a jornalista e ativista Rebeca Lerer, coordenadora do Sinal de Fumaça. “A diplomacia e os mercados internacionais precisam exercer pressão política e comercial sobre o Brasil para responsabilizar Bolsonaro e permitir que o país cumpra suas metas de redução de emissões, minimizando o colapso climático em curso”, completa Rebeca. Segundo a ativista,“as políticas relacionadas ao uso da terra unem os setores mais atrasados da economia brasileira aos grupos mais conservadores da extrema-direita.Além de garantir a permanência de Bolsonaro no poder, essa aliança é determinante para o resultado das eleições de 2022”. (Da Revista Fórum)


14

MEIO AMBIENTE

Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

PARIS

Poluição do ar é mais nociva para o coração do que o colesterol ou o sobrepeso SÃO PAULO

Sociedade Espanhola de Cardiologia (SEC) assume essa constatação, no início de seu congresso anual, para acelerar a criação de uma nova subdisciplina nos hospitais: a “cardiologia ambiental”

A

poluição do ar é o quarto fator de risco para as doenças cardiovasculares, à frente do colesterol,do sobrepeso e do sedentarismo.Só causa mais mortalidade ter pressão alta, fumar ou se alimentar mal, segundo o estudo Taking a stand against air poluttion – The impact on cardiovascular disease,publicado em 2019. A Sociedade Espanhola de Cardiologia (SEC) assume essa constatação, no início de seu congresso anual, para acelerar a criação de uma nova subdisciplina nos hospitais: a“cardiologia ambiental”. Das mortes que podem ser atribuídas à poluição do ar em 2019, 50% ocorreram por motivos relacionados ao coração ou aos vasos sanguíneos, lembrou em uma coletiva de imprensa o presidente da SEC, Ángel Cequier, acompanhado por três especialistas. Uma delas,Ana Navas-Acien, epidemiologista e professora na Escola de Saúde Pública Mailman, da Universidade Columbia, chamou com “urgência” a uma “mudança de paradigma” para “incluir as exposições ambientais como fator de risco e desenvolver estratégias de saúde pública”. “Atualmente,o tratamento e a prevenção da doença cardiovascular basicamente se concentram no controle dos fatores de risco clássicos: a hipertensão, o colesterol alto, a diabetes, o sedenta-

rismo,o sobrepeso e o tabagismo”,explicou Navas-Acien. “Respirar ar poluído é como comer mal.E quanto a comer,comemos menos, mas respirar, é preciso respirar”, apontou o doutor Julián Pérez Villacastín,do Hospital Clínico San Carlos e presidente eleito da SEC, que também participou da coletiva de imprensa,antes do início do Congresso. A Organização Mundial da Saúde estima que 31% das doenças cardiovasculares poderiam ser evitadas, se os poluentes ambientais fossem eliminados.A Sociedade Espanhola de Cardiologia quer atuar para que os problemas de poluição sejam o objetivo das políticas de saúde pública, como até agora, mas que também sejam incorporados nas “esferas hospitalares”. Criar uma subespecialidade para abordar especificamente esse fator de risco é algo pioneiro no mundo, para além dos “pequenos grupos” que estão trabalhando nos Estados Unidos em “intervenções clínicas que podem enfrentar problemas ambientais”,como a quelação,uma terapia para eliminar os metais pesados do organismo. Um estudo realizado com 1.700 pacientes dos Estados Unidos e Canadá concluiu que tal tratamento reduziu em 18% as possibilidades de infarto e os benefícios aumentaram especialmente nos pacientes diabéticos, segundo a doutora Navas-Acien. Foram realizadas 55.222 infusões ao longo de 55 meses, entre placebos e remédios quelantes.A FDA solicitou, acrescentou a epidemiologista, uma segunda análise.


Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

MEIO AMBIENTE

15

ENTREVISTA JEAN JOUZEL, DO PAINEL INTERGOVERNAMENTAL SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS o que aumentaria ainda mais as emissões de gases de efeito estufa.Os países mais ricos devem começar a cumprir seus compromissos com os países em desenvolvimento (100 bilhões de euros foram prometidos para a luta contra as mudanças climáticas).Se for ajudado,o continente africano poderá se desenvolver em um modelo de baixo carbono, com possibilidades em energia eólica, solar,biomassa e hidrelétrica.E mesmo, em algumas energias, mais facilmente do que em outros continentes.

“Perspectiva atual resume-se a reconhecer que o aquecimento global é inevitável” Em 1987, a revista científica Nature publicou uma série de artigos que expunham a ligação entre a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera e as mudanças climáticas. Seus autores acabaram de marcar um ponto de inflexão na abordagem das questões ambientais. Ao lado dos glaciologistas Claude Lorius e Dominique Raynaud estava um discreto bretão: o climatologista Jean Jouzel. Um ano depois, seria criado, do qual Jean Jouzel foi o vice-presidente de 2002 a 2015, ajudando a garantir que os governos se apropriem integralmente dessas questões. De lá para cá, o conhecimento sobre as mudanças climáticas tem se desenvolvido continuamente. E os relatórios do IPCC se sucedem, expondo diagnósticos científicos alarmantes, como as últimas previsões publicadas este ano.

Quais são os principais pontos do relatório do IPCC 2021? O primeiro é que o aquecimento global é atribuído de maneira clara à atividade humana. O impacto disso é cada vez melhor documentado e de maneira completa. Mas não é apenas a temperatura.Essa mudança climática também se manifesta pela aceleração da elevação do nível do mar ou pela intensidade mais severa das ondas de calor. O clima atual é o que prevíamos há 30 anos. Este é um segundo ponto importante do relatório: a continuidade. Os vários relatórios do IPCC (seis no total) anteciparam corretamente o que está acontecendo hoje. Com o tempo, há muito mais detalhes nas projeções, o que se traduz de forma concreta na elaboração de um atlas on-line. Outro ponto importante: a observação mais precisa e detalhada dos fenômenos climáticos extremos e sua intensificação (enchentes, ciclones, secas e ondas de calor, por exemplo). É através desses

eventos que percebemos a realidade das mudanças climáticas. O Acordo de Paris, adotado em 2015, foi considerado um sucesso político. Seus objetivos ainda podem ser alcançados? Na forma inicial da convenção do clima,assim como foi pensada em 1992 na Cúpula da Terra do Rio, a ideia era estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa para estabilizar o clima, mas sem nenhuma meta quantificada. O Acordo de Paris, pelo contrário, mostrou bom senso ao definir uma temperatura média que não deve ser ultrapassada no longo prazo (limitar a +2°C, ou mesmo 1,5°C o aquecimento global).A perspectiva atual do legislador resume-se a reconhecer que esse aquecimento é inevitável e a perguntar:“como podemos garantir que os jovens de hoje possam se adaptar a ele, pelo menos no essencial?”Esta é uma decisão política, tomada pela convenção do clima. O papel do IPCC não é decidir, mas fazer

diagnósticos. Os governos anunciam uma meta de neutralidade de carbono em 2050, mas não estamos seguindo o caminho... Em termos globais, isso exigiria a redução das emissões em 7% ao ano. Ainda recentemente, ouvi um político dizer essencialmente o seguinte: “Nós encontraremos soluções neste momento”. Não! Ninguém vai impedir a elevação do nível do mar. A ideia de que seremos fortes o suficiente em 30 ou 40 anos para encontrar soluções está errada. Este não é um jogo e ninguém vai parar esta máquina.Devemos agora dar credibilidade à comunidade científica, o que não se fez há 30 anos. Na verdade, em 33 anos de existência, a influência do IPCC mudou? O objetivo do IPCC é fornecer aos governos elementos para a tomada de decisões.Por exemplo,o Acordo de Paris baseia-se efetivamente nas recomendações do 5º relatório do IPCC.O objetivo

é alcançado nos textos adotados ao final da COP21. O relatório especial do IPCC sobre as consequências do aquecimento global de 1,5°C (2018), encomendado pela Conferência de Paris, defendeu a neutralidade de carbono em 2050. 130 países finalmente anunciaram essa meta. Ao ver a continuidade entre seus diagnósticos e os textos adotados pelos governos, a comunidade científica pensa que não pregou no deserto. Mas o problema é que existe uma lacuna entre os textos e os compromissos reais. O Ocidente tem uma dívida moral e jurídica para com o mundo em termos ecológicos? Sim,acho que sim.Mas é uma dívida sem retorno, uma dívida que não pode ser paga.Por outro lado,devemos ajudar os países em desenvolvimento a desenvolver um modelo de baixo carbono. E não “deixar que, por sua vez, também poluam”,como alguns podem defender,

Especificamente, a demanda por “justiça climática” nas políticas executadas é cada vez mais forte. O que se quer dizer com isso? Que forma pode assumir? Alguns países são mais vulneráveis do que outros ao aquecimento global. Frequentemente,são países que pouco contribuíram para o aumento do efeito estufa.Em alguns deles,o clima atual não é propício ao desenvolvimento. Podemos considerar que os países desenvolvidos têm então o dever de ajudar. Mas a justiça climática também aborda a questão das desigualdades sociais, asseveradas pelas mudanças climáticas. Em parecer do Conselho Econômico, Social e Ambiental (CESE),a advogada Agnès Michelot e eu levantamos a ideia de que as camadas menos abastadas da população vão sofrer mais com as consequências do aquecimento global. É difícil passar por uma onda de calor em uma grande metrópole.No entanto, algumas pessoas não têm dinheiro para ir para outro lugar. A justiça climática trata de perguntar como garantir que os mais pobres não sejam atingidos em cheio pelo aquecimento global. Fizemos uma proposta para que todas as medidas governamentais sejam avaliadas com base em seu impacto sobre os 20% mais pobres.Existem várias possibilidades (como o isolamento térmico das casas), mas isso requer investimentos. As medidas políticas necessárias têm a mesma eficácia a nível europeu, nacional ou local? Todos os níveis são importantes.No nível nacional, o papel dos governos é promulgar leis e ter ambições internacionais. Existe a realidade do dia a dia, onde os territórios,as cidades e as comunidades podem atuar. Quando se trata da construção,do planejamento urbano ou da mobilidade, a política local tem ainda mais influência do que o Estado. Todos têm um papel a desempenhar.O mesmo acontece entre as empresas e as ONGs: não adianta ficar em níveis opostos, quando se trata de complementaridade. A educação também é crucial. Agora todos devem olhar na mesma direção.Ao nível das negociações para a Convenção do Clima, é a Europa que é o poder negociador.Ela define o ritmo. Não acredito que a Europa possa conduzir uma política climática sem ter uma política energética.Grosso modo,a energia,os alimentos e a agricultura são responsáveis por 90% a 95% das emissões de gases de efeito estufa. Você engrossou a campanha com o eurodeputado Pierre Larrouturou para a criação de um “banco do clima”. O que é isso? Se quisermos alcançar a neutralidade de carbono em 2050, cada investimento hoje deve ser avaliado em relação ao seu baixo carbono. Para isso, podemos concluir um “green deal” eficaz ou utilizar instrumentos, como um banco do clima. O qual vai existir, eu quase diria“por causa de nós”.Porque o Banco Europeu de Investimento (BEI) se apresenta praticamente como o banco europeu do clima.Mas de forma tendenciosa porque,por enquanto,parte significativa de seus investimentos não está marcada pelo selo do combate ao aquecimento global. É imperativo que esta ferramenta seja outra coisa que “green washing” [lavagem verde]! Você acha que os governos têm interesse em consultar os cidadãos sobre as questões ambientais? Claro! Vivenciei a Convenção do Clima do Cidadão por dentro, foi fascinante. As propostas dos cidadãos são realmente coerentes, ambiciosas e vão na direção certa.No entanto,não foram suficientemente consideradas: apenas 20% delas vão ser contempladas na lei. Os políticos têm interesse em consultar os cidadãos, mas também em ouvi-los..


16

POLÍTICA

Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

ENTREVISTA DILMA ROUSSEFF, EX-PRESIDENTA DO BRASIL

“Minha calculadora não inclui a fome, a miséria e o desemprego” “Finório”. É este adjetivo, da época da República Velha e que também significa ladino, espertalhão, malandro, que a ex-presidente Dilma Rousseff utiliza para se referir ao banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, que, num áudio vazado pela TV 247 no último domingo, revelou, com a mais absoluta naturalidade, como influi na Câmara dos Deputados, como “educa” ministros do Supremo Tribunal Federal e como recebe informações privilegiadas do Banco Central, na mais absoluta certeza da impunidade, diante de uma plateia de “futuros líderes empresariais”. Neste áudio, Esteves se referiu de forma jocosa à ex-presidente, dizendo que “Dilma perdeu a calculadora”. Em resposta, Dilma, que fez com que o Brasil alcançasse a menor taxa de desemprego da história recente do País, rebateu dizendo que sua calculadora não inclui os lucros de curto prazo de banqueiros como André Esteves, nem a fome e nem a miséria. De fato, desde o golpe de 2016, apoiado por empresários como o dono do BTG Pactual, o Brasil vem tendo suas riquezas saqueadas, num processo de rapinagem sem precedentes, e praticamente todos indicadores econômicos e sociais têm piorado, neste período em que o País vem sendo governado pelas calculadoras da Faria Lima. Confira a íntegra da entrevista de Dilma ao 247 e cedida gentilmente a esta Tribuna: POR LEONARDO ATTUCH –

Na semana passada, o Brasil 247 publicou um áudio que vazou de uma reunião feita por um empresário bastante influente no Brasil, um banqueiro chamado André Esteves. Ele faz quase que um striptease, com muita sinceridade, e compara 2016 com 1964. Este foi um elemento que chamou muito minha atenção, quase como uma confissão de que a sra sofreu um golpe de estado, financiado pela chamada Faria Lima. Queria pedir uma reflexão sobre isto. O que significa esta comparação entre 1964 e 2016? DILMA ROUSSEFF – Pelo que eu vi, ele faz a comparação dizendo que nos dois casos foi golpe. Esta é a primeira constatação. Mas o segundo passo no raciocínio é dizer que nos dois casos não houve grandes consequências.“As crianças foram para a escola no dia seguinte”, diz ele. É uma visão bastante restrita dos dois acontecimentos. No golpe de 64 houve uma ruptura das instituições.

Fecharam o Congresso Nacional,os militares cassaram, inclusive ministros do poder judiciário, houve invasão de residências...No desdobramento,houve tortura, exílios e mortes de opositores ao regime. Foram 21 anos desse regime de exceção. Para o golpe, a oligarquia brasileira se uniu aos Estados Unidos, que agiu por meio da Operação Brother Sam, para destituir um governo legitimamente eleito, o de João Goulart, que propunha algumas reformas fundamentais para que este país não fosse tão desigual. Este é o quadro geral do golpe de 64. Em 2016 houve um outro golpe. E este golpe também tem suas vítimas. Hoje, são 20 milhões de brasileiros passando fome no Brasil, um dos países com maior potencial na área de produção de alimentos e proteínas.Tínhamos saído em 2014 do mapa da fome da ONU, agora essa volta vergonhosa à fome e à miséria.Além disso, temos um

nível de desemprego nunca antes visto. E a prática deliberada de uma política de preços abusivos com o objetivo de criar um clima que levaria a privatizar a Petrobrás. O absurdo é atrelar o preço dos combustíveis nacionais ao mercado internacional,atrelar os preços internos às variações do especulativo mercado de ativos financeiros de petróleo. Está criada uma situação dramática para as pessoas, que na sua quase totalidade dependem do gás de cozinha para cozinhar no dia a dia.O gás de cozinha que já passou de R$ 110 o botijão, e aqui no Sul já chegou a R$ 120. Durante meu governo, a gasolina custava R$ 2,48 a R$ 2,50, algo assim. E houve protestos nos postos, dizendo que aquele preço era um absurdo. Hoje, a gasolina já passou de R$ 7,77 e está chegando a R$ 8 o litro.É um descalabro com as vítimas de sempre: a esmagadora maioria da população.As vítimas são os trabalhadores,os

pobres, os pretos, as mulheres, as crianças...Embora reconheça que 1964 e 2016 foram golpes, o representante da Faria Lima comete um equívoco absoluto: ele não fala das vítimas. Para ele, as vítimas não são importantes.A maioria do povo brasileiro não é importante. Nisto, mostra algo gravíssimo: a rigorosa falta de sensibilidade da elite. Uma visão de distribuir apenas as migalhas. Segundo eles,não precisa reduzir a desigualdade, basta dar um auxílio, de R$ 400, e isso está muito bom. Com isto eles acham que evitam a revolta e o clamor popular. É uma visão estereotipada. É a visão restrita do financista. Isto está claro em todos os momentos daquela fala a que você se refere. É a visão de que“a única coisa que importa é o lucro”. E quanto mais este lucro for obtido num horizonte de curto prazo,melhor.Esta visão mostra a apropriação do público pelo privado. Segundo ela, o estado tem de ser utilizado em benefício dessa elite insensível e ignorante. Este é um dos pontos mais importantes da fala, e toca numa questão central, que é a independência do Banco Central… o‘centrão’?Você esqueceu.São duas coisas que mostram a apropriação do público pelo privado. Exatamente. A gente destaca nesta fala a relação com o Arthur Lira, em que ele pretende de alguma maneira aconselhar o presidente da Câmara dos Deputados. Sugere que, de alguma forma, influi na agenda econômica do Congresso Nacional, e ao mesmo tempo revela que o presidente do Banco Central se aconselha com o financista sobre a taxa de juro. Qual é o significado destas duas revelações feitas pelo banqueiro? Em todos os lugares do mundo em que há independência do Banco Central, o Banco Central depende do setor financeiro privado,em maior ou menor grau. Aqui no Brasil, não apenas em ‘algum’ grau.Aqui no Brasil,a independência do Banco Central significa que ele abre mão do controle público e social e passa a ser controlado pelo mercado. Isto está claramente evidenciado,quando se descobre que um presidente do Banco Central do Brasil telefona para uma pessoa que vive da especulação e da aposta no lucro fácil e pergunta a ele qual deve ser a taxa mínima de juros.A informação é pedida a quem pode influir sobre esta decisão para auferir ganhos. É certamente uma distorção que alguém que tem interesse privado preste um conselho privado a um funcionário público que sabe que o informante privado pode e quer obter lucro com ela.E este diálogo foi restrito, fora da agenda, sem transparência e controle social. No escurinho. Se uma fala dessas vazasse nos Estados

Unidos, na Alemanha, no Reino Unido ou no Japão, ainda que sejam países com BC independente, qual você acha que seria a consequência para a autoridade que teve este tipo de conversa restrita,não transparente,com um operador de mercado interessado? Não é possível que um presidente do Banco Central telefone pra alguém privadamente e pergunte qual deve ser a taxa básica de juros. Como vamos saber se ele telefonou para alguém mais? Como vamos saber se essa conversa foi tão republicana a ponto de não ter exercido influência sobre o aumento da Selic? Está claro que o objetivo desta conversa,pelo desdobrar das afirmações feitas na palestra,é que queriam e querem aumentar a Selic. E quem sabe pra onde a Selic vai, pode fazer as devidas apostas escusas, porque tem informações privilegiadas. Não só a taxa de juros, mas a taxa de câmbio, vários ativos… Qualquer ativo. Mas tem outra coisa gravíssima, que é o envolvimento com o Supremo. É a história de “educar” o Supremo. A história de que “ninguém nasce sabendo”, exceto os banqueiros, na provável opinião do palestrante.“Educar” o Supremo é algo de uma pretensão absurda. Eu não acredito que qualquer país democrático aceite esse tipo de relação entre um representante do mercado e a Corte Suprema.E se ele alegou aos ministros que a independência do Banco Central se justifica porque na Venezuela e na Argentina o Banco Central é dependente,ele esqueceu de lembrar aos ministros um país em que o Banco Central também é dependente: a China. O Banco Central da China não é de maneira alguma independente do governo chinês. Quer dizer: a segunda economia do mundo, que virará a primeira economia do mundo, antes de 2030,como ele mesmo reconhece,e que construiu um desenvolvimento que lhe deu autonomia e independência e fortaleceu a sua soberania,saindo da condição de um país agrário para uma das maiores potências na área de ciência e tecnologia,controlando inteligência artificial, internet das coisas, rede 5G, este país não tem Banco Central independente. Não se pode reduzir esta questão, muito menos numa conversa com o STF. Se foi isso que convenceu algum dos oito votos a favor da independência do BC brasileiro,é lamentável.É algo tristíssimo. Ele quis se mostrar como um espertalhão. Na verdade, um finório, sinônimo antigo de espertalhão, que se usava no segundo Império e na República Velha, para definir um espertalhão banal, da elite escravista. Continua na página seguinte


Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

POLÍTICA

17

Continuação | ENTREVISTA DILMA ROUSSEFF, EX-PRESIDENTA DO BRASIL mos no passado,com Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro, Mário Covas.Diante disso,a interconexão entre os neoliberais e o neofascismo é responsável pelo que estamos passando.Quem dá substrato ao neofascismo é o neoliberalismo. E o setor financeiro não tem projeto nenhum para o Brasil. Nem projeto, nem futuro, nem esperança. Na fala deles só tem o “eu gosto de levar vantagem em tudo”. Esta frase é a síntese do que eles são.

E ele atuou como um agente interessado na captura do Banco Central. Não só interessado,mas operando de todas as formas para fazer esta captura. Estão privatizando o estado brasileiro. E ao falar disso,quero entrar na questão do ‘centrão’.Estão esquartejando a Petrobras, liquidando a Eletrobras, tentando privatizar os Correios. Isto é muito grave, mas eles querem ainda mais. Estão privatizando o orçamento público. Isto se percebe nas loas que o palestrante finório tece ao centrão.O fato é que o chamado centrão capturou o orçamento público. O orçamento público brasileiro não é mais gerido e controlado pelo poder público. O presidencialismo no Brasil está incapacitado,pois perdeu suas duas pernas, que estão relacionadas ao controle do dinheiro público. O centrão, a partir das emendas de relator, do orçamento secreto e de outros mecanismos disponibiliza bilhões de reais para controle de indivíduos.Deve ficar claro que o parlamentarismo não funciona ou opera assim.No parlamentarismo,não se transfere para deputados individualmente a gestão orçamentária. Há um gabinete que faz a gestão orçamentária. No parlamentarismo europeu também não é assim. Não são os deputados, individualmente, que fazem a gestão do Orçamento, de forma fisiológica, particularista e individualizada.Mas aqui no Brasil chegamos a uma forma de privatização do estado em que a característica principal é o velho clientelismo,a velha política fisiológica. O centrão está praticando a forma predatória da visão financeira de extração de vantagens, de ganhos e por isso é elogiado por financistas e especuladores que compartilham a mesma visão sobre o Estado. O público passou a ser privado no pior sentido da palavra. O centrão representaria uma espécie de mercantilização da política? Orçamento capturado,Banco Central capturado,e a receita é sempre a mesma: privatizar os recursos e as finanças públicas. Para tanto, maior presença do centrão.Fica claro porque o palestrante considera uma garantia a presença no BC, por 2 anos,do próximo mandato do presidente Lula e também de alguém do centrão na vice-presidência,para o caso de impeachment. Operam na mesma sintonia. A mercantilização da política pelo centrão, como você chamou, é a forma de interação com o BC.Se há corrupção no Brasil, esta é uma das maiores. É a corrupção aberta e autorizada. Um país em que o orçamento e a política econômica está nas mãos privadas, de indivíduos com interesses escusos e não republicanos, não tem futuro porque não tem governabilidade. Lula seria um presidente decorativo, quase. Eu não acredito que nenhum presidente, neste quadro, consiga governar efetivamente o país, por melhor que ele seja. O Lula é de fato um grande presidente,mas isto é uma situação inaceitável. Ele praticamente reconheceu o golpe de 2016. Como quem diz assim: era necessário, fomos lá, fizemos, as crianças foram para a escola… Isto foi um fugaz momento de lucidez. Nos dois casos há uma ruptura. Foram dois momentos de ruptura do desenvolvimentismo e da democracia. Tanto em 1964 quanto em 2016 romperam-se a democracia e o desenvolvimento do país. Rompeu-se a redução da desigualdade. Rompeu-se uma política externa independente. Rompeu-se a produção de ciência, tecnologia e inovação. E é aí que entra aquela história da calculadora, que ele diz que eu perdi. Não perdi.É que a minha calculadora e diferente. É óbvio que a minha calculadora não tem o foco no lucro de curto prazo que beneficie os banqueiros,mesmo os pequenos, como ele. Ele fala, em outras palavras que, como a Dilma perdeu a calculadora, tivemos que dar o golpe de estado. Na visão desse pessoal,eu perdi a calculadora quando ampliei o Bolsa Família, ampliei o Minha Casa Minha Vida, criei o Mais Médicos, investi em infraestrutura, tanto em aeroportos como portos, ferrovias e rodovias. Eu perdi a calculadora quando não vi razão para a taxa de juros exorbitante que era praticada no

Quando a sra fala em 4% na eleição está falando do PSDB. Ele, quando fala do Eduardo Leite e do Dória, sinaliza suposta preferência pelo PSDB, mas diz o seguinte: se o Bolsonaro ficar calado, ele ganha. E objetivamente, o Bolsonaro começou a se calar depois do 7 de setembro. Na sua opinião, o Bolsonaro é o Plano C ou o Plano B deste capital financeiro, que está disfarçando com este papinho de terceira via? Lula para mim é o plano A do Brasil. Acho que Bolsonaro ainda é o Plano B, e eles anseiam por um Plano C.Mas eles não tiram a sustentação do Plano B.Eles anseiam por uma terceira via, mas ninguém é ingênuo de achar que no Brasil, hoje, um cara com traço nas pesquisas vai virar segundo colocado. É muito pouco provável. Não acho que nem o Dória nem o Leite são páreos para o Bolsonaro, ainda. Porque a base do Bolsonaro,os seus 25%,tem que migrar para eles,e para migrar tem que querer migrar.

“O Brasil vem sendo desigual desde antes da escravidão. Eles são os herdeiros da escravidão. O povo ainda é visto como mercadoria, como coisa.” Brasil.É ali que começa o golpe,quando, como ele diz,‘endoideci’, porque o que fiz foi ousar perguntar porque a taxa de juros no Brasil tinha um patamar tão elevado. Era o momento em que o mundo, diante da crise, estava praticando taxas próximas de zero,até para poder facilitar a rolagem das dívidas que foram produzidas pela quebra do Lehman Brothers e a disrupção financeira que ocorreu.O que eles não gostavam na minha calculadora é o que não gostavam na calculadora do Lula: o compromisso social, o compromisso com 80% da população brasileira. Este compromisso não é aceitável para eles. Este número não pode entrar no cálculo. Nós somos 220 milhões, e eles querem que só 1% entre no cálculo. O resto, fora da calculadora! Queria avançar num ponto. Estes economistas que falam como porta-vozes da razão econômica, a calculadora deles têm gasolina a R$ 7, inflação no dobro da meta, dívida explodindo…

Você esqueceu o gás a R$ 120… Que calculadora é esta que é tão boa, só Bovespa? Lembremos dos 20 milhões de pessoas passando fome, 114 milhões com algum nível de insegurança alimentar, incluindo os 20 milhões que não têm nada para comer. Lembremos também da forma como a pandemia foi tratada. A pandemia só teve um nível contenção no país por causa do Sistema Único de Saúde, que eles queriam privatizar. O SUS estava sendo sucateado,porque nós temos um presidente negacionista.Poderíamos ter tido muito menos mortes. Os mais de 600 mil mortos são produto da calculadora deles.A visão de que a economia importa e a saúde não importa é a visão da calculadora deles. Qual é a responsabilidade do Bolsonaro e qual é a responsabilidade dos seus patrocinadores, como esse jovem banqueiro? O golpe de 2016 abre caminho para

um neoliberalismo dos mais radicais. O neoliberalismo começa lá no Temer. Não começa no Bolsonaro.Vamos lembrar: teto dos gastos,reforma trabalhista, todo esse projeto começa no Temer.Além disso,nos últimos anos estamos vivendo uma situação dramática também porque a direita – o que ele chama de centro na verdade é a direita – cometeu um equívoco,e a centro-direita também: eles deram um tiro no pé, se inviabilizaram politicamente e não tiveram condições de construir uma oposição democrática ao PT. Infelizmente, em 2018 o candidato deles teve 4% dos votos. Eu falo infelizmente porque era bom que a gente tivesse uma oposição mais qualificada. Mas como ela se bandeou pro neoliberalismo golpista,eles deixaram o campo aberto para a extrema direita.E aí surge o Bolsonaro, que é quem dá substrato de massas para a elite neoliberal. Por isso, o centro desapareceu. Desapareceu porque virou golpista. Deixou de existir um centro democrático,como tive-

A opção Lula, digamos assim, domesticado pelo centrão, é uma opção viável para esta elite, ou ela vai fazer de tudo para evitar Lula, imaginando que Lula não seja domesticável? Toda a estratégia pós-golpe de 2016 é construir as instituições e tomar medidas para que, se nós voltarmos, estaremos manietados.A primeira medida é o teto de gastos,a constitucionalização da austeridade fiscal no orçamento, que é um produto tupiniquim,e não me refiro aos índios, mas a uma elite branca que é herdeira da escravidão.É a constitucionalização do teto dos gastos que torna viável privatizar o orçamento. No outro lado,abre-se a brecha das emendas parlamentares e mecanismos congressuais que permitem fazer uso privado do dinheiro público. Não é possível achar que um parlamentar que recebe R$ 500 milhões do Governo aplique adequadamente.Ou o Estado tem suas instituições e elas são fortes a ponto de permitir que os governos governem,ou você tem uma captura do Estado.O teto dos gastos captura uma parte do estado,a independência do Banco Central captura outra parte. As emendas e o orçamento secreto capturam outra.O presidente fica,então,com as mãos amarradas.Isto significa que vai ser fundamental uma reforma institucional neste país. E pode começar pela reafirmação da constituição de 88, pois a barbárie é tanta que parece que até essa conquista de 23 anos atrás, se tornou revolucionaria. Uma última pergunta. O Brasil só piorou de cinco anos pra cá, vem afundando e a gente vai tendo gerações sem esperança. Se esses banqueiros da Faria Lima se depararem com a fome e com a miséria nas ruas, será que pode acontecer na vida deles um momento raro de consciência, um lampejo de sensibilidade… Me desculpa,mas isto não é novo.O Brasil vem sendo desigual desde antes da escravidão. Eles são os herdeiros da escravidão. O povo ainda é visto como mercadoria, como coisa. Que lampejo de sensibilidade seria este? A sensibilidade real e efetiva nós percebemos logo de cara no governo Lula e desenvolvemos sempre: são projetos para o Brasil de 211 milhões,não podem ser projetos-piloto característicos dos governos neoliberais, para 10 mil pessoas, para 15 mil pessoas e com migalhas. Reitero: o projeto de desenvolvimento econômico e social do Brasil é para 211 milhões. Não funciona com lampejo. Só funciona se tiver projeto de desenvolvimento para o País. Eu imaginei do ponto de vista individual, se esses banqueiros um dia vão botar a mão na consciência… A história do mundo não autoriza a gente a achar que isso é possível. Até hoje não foi assim que as coisas mudaram no mundo.


18

INTERNACIONAL

Rio de Janeiro, domingo, 31 de outubro, a quarta-feira, 4 de novembro de 2021

Pádua não quer a visita de Bolsonaro

Os frades de Santo Antônio trancam o acesso à basílica

A

Diocese de Pádua contra Jair Bolsonaro. Parece um confronto improvável,mas é tudo verdade. D. Claudio Cipolla, 134º sucessor de São Prosdócimo, não concordou com a concessão da cidadania honorária ao Presidente do Brasil pela Prefeitura de Anguillara Veneta, já objeto de furiosas polêmicas “leigas”. O estilo é contido, mas o conteúdo é inequívoco: a homenagem “criou forte constrangimento”, afirma o comunicado da Diocese, lembrando “os bispos do Brasil que, justamente nestes dias, estão denunciando em alto e bom tom a violência, os abu-

sos, a exploração da religião, devastações ambientais e ‘o agravamento de uma grave crise sanitária, econômica, ética, social e política, intensificada pela pandemia’”. Por isso, vade retro Bolsonaro. Que estará em Roma no próximo fim de semana para o G20 e depois planeja viajar para o Vêneto. Luis Roberto Lorenzato,deputado da Liga Norte pela cota dos italianos no exterior,brasileiro e muito amigo do presidente, relatou isso ao Mattino di Padova. Na próxima segunda-feira, Bolsonaro deveria comparecer em Anguillara, 4.000 habitantes,onde nasceu Vittorio Bolsonaro em 12 de abril de 1878, que emigrou para

o Brasil aos dez anos, um dos dezesseis trisavôs de Jair, treze dos quais são italianos, dois alemães e um brasileiro. “Bolsonaro certamente encontrará forte neblina na região”,disse um colega local. E também muitas polêmicas. A prefeita de Anguillara,Alessandra Buoso,sem partido,mas à frente de uma junta com presença da Liga Norte,conferiu-lhe cidadania honorária,violentamente contestada na cidade e na região. Ela se defende explicando que quer homenagear o Brasil e a epopeia dos emigrantes vênetos.Mas já estão sendo anunciadas manifestações e protestos. Bolsonaro gostaria de combinar a sua visita ao povoado dos seus ante-

passados com a da basílica de Santo Antônio, do qual se diz devoto. Mas mesmo em Pádua ele é persona não tão grata. A diocese assumiu oficialmente a posição divulgada; os frades da basílica dizem oficiosamente que não haverá nenhuma delegação para recebê-lo, enfim, Bolsonaro fará suas devoções como simples fiel. E o prefeito da cidade, Sergio Giordani, de centro-esquerda, informa que não está programando nenhum encontro e que sua agenda já está lotada para a segunda-feira. Em suma, mal vindo, Sr. Presidente. É claro que Bolsonaro, rebatizado de ‘Bolsonero’ por suas posições de

extrema direita,não escolheu o melhor momento para sua turnê italiana.Ainda ontem, uma comissão do Senado brasileiro aprovou um relatório de 1.200 páginas pedindo que ele fosse indiciado por nove crimes, incluindo crimes contra a humanidade. Na mira, está a sua gestão desarrazoada da pandemia, que no Brasil já matou 600 mil pessoas. Segundo o relator da comissão, senador Renan Calheiros, Bolsonaro é “um serial killer”. O Facebook e o YouTube já removeram um vídeo no qual o presidente fazia uma correlação desvairada entre Covid e AIDS. Algo que faria até Santo Antônio perder a paciência.

90% das crianças e jovens cubanos receberam duas doses de vacina contra covid

Trabalhadores da rede paralisaram atividades em 12 cidades do país; greve foi motivada após caso de assédio contra funcionária de 14 anos de idade

Terceira dose já foi administrada a cerca de 80 mil pessoas entre 2 e 18 anos com o imunizante cubano Soberana 2; uso emergencial da vacina Abdala também foi autorizado em crianças na quarta

McGreve: trabalhadores do McDonalds nos EUA param contra casos de assédio sexual Trabalhadores da rede de fast-food McDonalds entraram em greve em 12 cidades dos Estados Unidos para protestar contra o assédio sexual sofrido principalmente por funcionárias mulheres durante o expediente. Empregados de unidades do restaurante em regiões como Chicago,Detroit, Houston e Miami paralisaram as atividades e realizaram marchas em frente aos locais de trabalho neste terça-feira (26/10). “Eu estou em greve porque, apesar de anos de protestos, o McDonalds ainda se recusa a tomar a responsabilidade pelas inúmeras mulheres e adolescentes que enfrentam assédio no trabalho”, disse Jamelia Fairley, que traba-

lha em uma filial em Sanford,na Flórida. O movimento NC Raise Up,entidade sindical que convocou a paralisação, destacou que a decisão dos trabalhadores foi estimulada por uma denúncia feita por uma adolescente de 14 anos de idade que trabalhava em uma unidade do McDonalds em Pittsburgh e que disse ter sido assediada pelo próprio gerente da filial. De acordo com os trabalhadores,nenhuma medida foi tomada pela empresa após a denúncia. Essa é a quinta greve desde 2018 que os trabalhadores da rede organizam contra casos de assédio. Segundo os organizadores, mais de 50 processos já foram abertos contra a empresa desde o ano de 2016 e foram “ampla-

mente ignorados”. Em nota,o McDonalds afirmou que está comprometido a “investigar duramente” as alegações e disse esperar que as filiais também façam o mesmo. Uma pesquisa de 2020, citada pela BBC, indicou que das quase 800 funcionárias mulheres que trabalham em restaurantes da rede nos Estados Unidos, três quartos afirmou já ter sofrido assédio no local de trabalho. “O McDonalds se recusa a aceitar sua responsabilidade por seus trabalhadores e por aquela jovem trabalhadora. A empresa nos ignora completamente. Agora eles têm que ouvir seus trabalhadores”, afirmam os grevistas. (Do Ópera Mundi)

Mais de 1 milhão de crianças cubanas,o que equivale a 90% da população entre 2 e 18 anos, recebeu duas doses da vacina Soberana 2 contra a covid19 na ilha.A informação foi anunciada pela chefe do programa de vacinação do Ministério da Saúde Pública do país, Lena López,na última terça-feira (26/10). Além disso,mais de 95% das pessoas entre 2 e 18 anos já recebeu a primeira dose, enquanto a terceira foi administrada a cerca de 80 mil crianças e jovens. O esquema vacinal na ilha é composto por imunizantes produzidos e desenvolvidos em território cubano e que requerem de duas a três doses para completar a imunização.Para crianças e adolescentes, até a última terça-feira (26/10), eram administradas apenas doses da vacina Soberana 2. Mas na quarta (27/10), a agência sanitária de Cuba autorizou o uso emergencial do imunizante Abdala,também de produção nacional, em crianças a partir dos dois anos.

Cuba também avança na imunização em outras faixas etárias,sendo que mais de 8 milhões de pessoas aptas a se vacinarem já receberam duas doses da vacina. Esse número é equivalente a 90% de toda a população imunizável,segundo o plano nacional de combate à covid. Além disso, 100% dos aptos à imunização já receberam a primeira dose da vacina. E cerca de 60% de toda a população, o que equivale a 69% das pessoas que podem receber a vacina segundo o plano, já receberam a terceira dose. Desde o início da imunização contra a covid-19 em março de 2021, Cuba administrou um total de 25,4 milhões de doses. No final de setembro, o país se tornou o primeiro da América Latina a atingir 80% da população vacinada com ao menos uma dose de um dos três imunizantes cubanos,Soberana 02, Soberana Plus e a Abdala. (Do Ópera Mundi)


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.