Revista tec ed21

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Dados Editoriais Ano IX - Número 21 - 2.º Semestre de 2011

Coordenação de Projeto Gráfico

ISSN - 1678-3824

Nancy Claudiano Cavalcante

Publicação Semestral da Fucapi - Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica

Projeto Gráfico Anna Carolina Azulay Refkalefsky

Conselho Editorial

Emmanuelle Bezerra Cordeiro

Dimas José Lasmar

Osvaldo Relder Araújo da Silva

Evandro Luiz de Xerez Vieiralves Guajarino de Araújo Filho

Revisão

Isa Assef dos Santos

João Batista Gomes

Maurício Figueiredo

Edson Augusto Brazão

Narle Teixeira Niomar Lins Pimenta

Estagiário de Jornalismo Marcos Caminha

Jornalista Responsável As opiniões emitidas nos artigos publicados nesta

Renato Moraes

revista são de inteira responsabilidade dos autores.

Mtb 1.132 DRT/RN

E D I T O R I A L Quando refletimos sobre o passado, por vezes fica a impressão de que em alguns momentos algo poderia ter sido diferente, “se naquela época já tivesse a experiência de hoje”. Instituições também questionam comportamentos passados? Um aspecto a considerar é que a experiência delas está em grande parte embarcada nas pessoas. E pessoas vão e vêm. Mas, afinal, quanto tempo é necessário para se atingir a maturidade? Neste 2012, a Fucapi completa 30 anos. Mais de 4,5 mil profissionais ajudaram a construir sua trajetória. Significativa experiência foi acumulada em três décadas de dedicação à tecnologia e inovação. É um grande desafio para uma instituição privada, fincada no coração da Amazônia, sobreviver por tanto tempo em um país em que nem sempre esses temas receberam a atenção merecida. Também neste ano a Zona Franca de Manaus atinge uma marca: 45 anos. Teriam sido suficientes para a maturidade do modelo? Há do que se arrepender? Ora, se 30 anos são insuficientes para trazer maturidade a uma instituição, certamente já terão contribuído para a for-

mação de uma identidade; se 45 anos não consolidaram um projeto como a ZFM, terão forjado instituições, profissionais e, principalmente, estimulado relações capazes de qualificar o seu futuro. T&C Amazônia apresenta um punhado dessas experiências. Na reportagem de capa, a prorrogação dos incentivos fiscais da ZFM é analisada por importantes lideranças; em um conjunto de artigos, há relato de outras tantas, sejam técnicas, sejam reflexões. Se não é possível modificar o passado, o relato de um pouco dessas experiências – individuais e coletivas – faz-nos acreditar na construção de um futuro promissor. Devidamente compartilhadas, essas experiências levam pessoas, instituições e localidades a melhores resultados. Não perfeitos; apenas melhores. É com base nisso, poderemos optar pela renovação, frente ao caminho do envelhecimento passivo, pois escolhas precisam ser feitas, ainda que daqui a outros 30 ou 45 anos estejamos, com a mesma inquietude da natureza humana, questionando “ah, se em 2012 eu já soubesse de todas essas coisas!”.


S U M Á R I O Seções 02

Editorial Artigo

O árduo caminho para a consolidação do sistema de ciência e tecnologia amazônico Claudio Ruy Vasconcelos da Fonseca

Reportagem

Zona Franca prorrogada até 2073. E agora?

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Artigos

Programa ALI: um instrumento para a criação de uma cultura de inovação em Manaus Ewerton Larry Soares Ferreira e Israel Folgoza de Moura

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Misturas Areia-Asfalto com Fibra do Açaí e Resíduo da Construção Civil para Manaus Patricia de Magalhães Aragão Valença e Consuelo Alves da Frota

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Inovação educacional para o desenvolvimento cognitivo de ribeirinhos do Baixo Amazonas matriculados em disciplinas de álgebra e geometria Renan Albuquerque Rodrigues e Pedro Marinho Amoedo

18

Análise da Economia Ecológica e da Estrutura Agrária no Estado de Roraima Emerson Clayton Arantes e Luciana Silva de Souza

23

Estimativa do Benefício Financeiro nas Unidades Geradoras da Usina Termelétrica de Aparecida, Cidade de Manaus (AM), com a utilização do Gás Natural da Província de Urucu (Coari-AM): Um Estudo de Caso Willamy Moreira Frota, Camilla Jackelinne Medeiros Carneiro, Antonio Inaldo de Aquino Medeiros e Whylker Moreira Frota

31

Incentivos Fiscais à P&D: A Lei do Bem nos Estados do Amazonas e Pará Moisés Israel Belchior de Andrade Coelho

60

Ecoparques Industriais: Contribuição para a Convergência entre o Desenvolvimento Sustentável e o Industrial Salomão Franco Neves, Armando de Azevedo CaldeiraPires e João Nildo de Souza Vianna

66

A Atualidade das Políticas de Pneus Inservíveis: Aspectos Gerais e Locais Luiz Eduardo Oliveira de Araújo e Consuelo Alves da Frota O Georreferenciamento Territorial: Um instrumento de Sustentabilidade na Amazônia Brasileira Sandro Luis Bedin, Fabiane Duarte Alves e Hariany Melo Nunes

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AO S L E I T O R E S T&C Amazônia é uma publicação semestral criada com o intuito de discutir temas relevantes de interesse do País e, em especial, da Região Amazônica. Desde a 20.ª edição, T&C abriu espaço para contribuições relacionadas ao desenvolvimento regional em seus diferentes aspectos, desde que aderentes ao perfil da revista. Portanto serão bem-vindos estudos que contemplem ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação. O teor dos textos é de inteira responsabilidade dos autores. Os interessados em publicar seus trabalhos devem encaminhá-los para o e-mail tec_amazonia@fucapi.br, para que sejam submetidos à análise do Conselho Editorial. O envio de um artigo não garante a sua publicação. Os artigos publicados

não concedem direito de remuneração ao autor. O artigo deverá ser enviado exclusivamente por meio eletrônico, em arquivo texto, digitado em editor de texto Microsoft Word, formatado em papel Carta, com margens laterais de 3,0 cm, superior de 3,5 cm, inferior de 2,5 cm, fonte Arial tamanho 12 e espaçamento simples. Os textos devem ser inéditos. O artigo deve conter um resumo, breve currículo do autor e pode apresentar gráficos e figuras, desde que o tamanho do artigo permaneça entre 4 e 8 páginas. A publicação também deverá ser autorizada pelo(s) coautor(es) e encaminhada anexa ao artigo submetido a aprovação.


Artigo

O árduo caminho para a consolidação do sistema de ciência e tecnologia amazônico Claudio Ruy Vasconcelos da Fonseca

Resumo Ciência e tecnologia são avaliadas como grandes empreendimentos que, no caso brasileiro, ainda necessitam de investimentos para incremento do capital humano equiparado aos níveis internacionais, além da consolidação de uma infraestrutura para permitir que trabalhos científicos suscitem patentes e produtos, aumentando o nível da riqueza social. Introdução A formação de capital humano é o começo da conversa quando o assunto é pesquisa e desenvolvimento. No último quarto do século passado, já havia universidades estatais em todos os estados da Região Norte, além de centros privados de ensino universitário. Esse novo panorama educacional promoveu o incremento de capital humano, mas, ainda, não é suficiente para entrada nas universidades de jovens de todos os extratos sociais. Além disso, permanecem assimetrias relacionadas à densidade dos programas cursados quando comparados com os centros de maior densidade intelectual, o que determina lacunas na formação regional de capital humano para áreas estratégicas, a exemplo de engenharia e biologia. A academia Brasileira de Ciências (ABC), no fim de 2008, publicou um documento onde estão algumas prioridades que deveriam ser consentidas para a expansão amazônica no século XXI. Entre os tópicos relevantes estão: i)”[...]Seu potencial, pelo gigantismo, pelo surpreendente e inédito que comporta, pela variedade que absorve, somente será desvendado de forma segura com a interveniência de cientistas e tecnólogos;

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ii) [...] Tornou-se obrigatoriamente grande centro de interesse da Ciência e da Tecnologia. Dos cientistas especializados no setor, espera-se a orientação sensata para transformar a Amazônia em esteio do futuro brasileiro. Não é exagero dizer que será um fator medular da sustentação também do próprio planeta; iii) [...] A Amazônia é uma questão global, regional e, sobretudo, nacional. Como tal, o desafio de promover o seu desenvolvimento é uma questão de Estado a ser debatida pelo governo e por toda a sociedade do País. À Ciência, Tecnologia e Inovação, cabem contribuições cruciais no enfrentamento desse desafio”. No seio das recomendações do referido documento está a percepção de que a “Amazônia brasileira surge como um importante polo de atração política, de oportunidades econômicas e de integração com seus vizinhos. O Brasil dispõe de um complexo sistema de ciência e tecnologia, que gera crescentes oportunidades e múltiplas possibilidades de ações. Esforço político deve ser feito no sentido de se estreitarem laços com os países vizinhos, de forma a se explorarem vantagens competitivas regionais que permitam alavancar o processo de desenvolvimento”. Em muitos momentos, ações (nacionais e locais) foram executadas no sentido de prover a Região Amazônica de estruturas de planejamento para dotá-la de eficácia própria e governabilidade. Quase todas essas iniciativas foram descontinuadas, e muitas delas sequer tiveram a consolidação dos planejamentos que executaram. Tal situação tem sido recorrente no cenário regional, fato que tem impedido o desenvolvimento vigoroso das


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instituições, deixando fragilizada a governança local, bem como a continuidade de programas das quais somente o tempo pode acarretar a necessária maturação e as consequências refletidamente planejadas. Segundo a ABC (2008) persistem desafios estruturais que continuam clamando por atendimento: 1. Criação de novas universidades públicas, atendendo às mesorregiões que possuem densidades populacionais que justifiquem tal investimento. 2. Criação de institutos científico-tecnológicos associados ao ensino e pesquisa tecnológica, descentralizando a infraestrutura de C&T e permitindo a articulação de uma rede de grande capilaridade. 3. Ampliação e fortalecimento da PósGraduação, expandindo de forma expressiva a formação, a atração e a fixação de pessoal altamente qualificado em C,T&I. 4. Fortalecimento das redes de informação na região, dotando-a de uma rede com banda mínima de 2 Gbps. Os reptos acima são a evidente causa das assimetrias entre Norte e Sul no Brasil. Mas, antes de prosseguirmos, vejamos como vem ocorrendo o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) na América Latina. Panorama do investimento na América Latina A partir dos anos 1980 o investimento em ciência e tecnologia, na maioria dos países do mundo desenvolvido, se tornou ainda mais intenso, ou seja, um empreendimento planejado, estimulado e com resultados calculados. Na América Latina houve também forte interesse em financiar pesquisas, resultando no aumento do percentual do PIB investido em P&D, o chamado GERD (gross domestic expenditure on R&D), acima de 100% entre 1997 e 2007. O Brasil investiu 63,5% do GERD latino-americano, seguido pelo México, 15,3% e Argentina, 5,8% (UNESCO, 2010). No

caso brasileiro, o governo federal constituiu os chamados Fundos Setoriais, os quais se tornaram ferramenta capital para financiar pesquisas. Além disso, os governos estaduais estruturaram seus sistemas de P&D, estabelecendo as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAP), que capturam recursos do Estado dirigindo-os às suas prioridades científicas particulares. Tal arcabouço proporcionou melhora significativa na qualidade da pesquisa produzida, além de gerar acréscimo e fixação de capital humano de alta habilidade intelectual. O efeito desse esforço foi a ampliação do número de pesquisadores brasileiros, que passou de 64.002 em 2000 para 124.882 em 2007, correspondendo atualmente a 1,7% do total mundial (UNESCO, 2010). Todavia essa somatória de pesquisadores ainda está aquém das demandas e, quando comparada com países como os Estados Unidos (cerca de 1.500.000; 25% do total mundial) e a China (1.400.000, 19%), se mostra irrisória. O acréscimo nos investimentos no sistema de ciência e tecnologia (C&T) brasileiro é robusto: passamos de R$ 470 milhões em 1994 para R$ 1,3 bilhão em 2009 (UNESCO, 2010). Quando olhamos a América Latina, verificamos que os países empreenderam esforços para melhorar o equilíbrio com o mundo chamado desenvolvido. Malgrado os déficits educacional e social, tem-se atualmente a percepção de que a saída para melhorar os países emergentes passa pela estruturação de sistemas de C&T fortes, de modo a permitir a apropriação da riqueza mineral e biológica em seu território e sua transformação por meio de tecnologias autóctones. Esse desafio não prescinde de sistemas de universidades de nível mundial, e, do mesmo modo, será necessário um sistema de investimentos imunes às descontinuidades. A participação do setor privado no financiamento do sistema de P&D na América Latina ainda não é cultural. Os setores econômicos necessitam de políticas de incentivo ao investimento, sem o que não será admitida a incorporação de metas mais ambiciosas. O financiamento do sistema de P&D nos países latino-americanos ainda é muito

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dependente dos recursos governamentais (entre 40% e 60% no Brasil, México, Argentina e Chile), sendo essa uma das razões do baixo número de solicitação de patentes, porém outro pretexto é a insuficientíssima demanda por inovação por parte do setor produtivo, que prefere importar tecnologias. Formação de capital humano no Brasil O cenário da formação de recursos humanos para pesquisa tem sido construído com significativo esforço das esferas administrativas federal e estadual, de forma que em alguns estados, o investimento local chega a ser superior ao federal. Tal é o caso do Estado do Paraná, onde uma rede de universidades estaduais foi implantada nas chamadas mesorregiões, causando alterações estruturais e sociais de alta complexidade. Importante salientar que mesmo nas regiões brasileiras com menor índice de desenvolvimento, tem havido investimentos na instalação de universidades estatais. Recentemente, na Amazônia, foi implantada a primeira universidade federal fora do eixo das capitais, na cidade de Santarém, Pará, cuja concepção pedagógica deverá ser inovadora para os padrões locais e nacionais, trazendo esperança ao preenchimento de lacunas educacionais e científicas que, ao longo de décadas, têm fragilizado o sonho de desenvolvimento em áreas consideradas remotas. Porém outras iniciativas têm buscado amenizar o déficit e as assimetrias na aglutinação do capital humano nacional, tais como as redes de pesquisa, cujo objetivo é agrupar massa crítica em áreas estratégicas, possibilitando interação profissional, compartilhamento de equipamentos, formação de pesquisadores, discussão de programas de pesquisas, respaldo às políticas públicas, entre outras atividades. De acordo com o MCT, os quantitativos de pesquisadores envolvidos no sistema de C&T nacional até 2008 mostram 69.232 doutores e 85.910 mestres em tempo integral nas institui-

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ções públicas e privadas. As titulações em nível de doutoramento, em 2009, alcançaram o total de 11.368. O número de alunos graduados no sistema universitário nacional foi de 826.928, no mesmo ano; por meio de um algebrismo simples, observa-se que apenas 1,37% dos graduados buscam doutoramento. Esse percentual, aliado à ausência de política para fixação de doutores, em especial nas regiões de menor índice de desenvolvimento, representa uma forte barreira ao progresso, já que existe uma relação direta entre o PIB e o número de doutores. A sociedade parece não enxergar a pesquisa como ferramenta para geração de riqueza, havendo defasagem entre o discurso político nacional e a realidade. Estamos diante de um ciclo pernicioso que não consentirá, no caso amazônico, o atendimento das prioridades içadas pela ABC. A fixação de doutores ou profissionais de maior aptidão intelectual somente ocorrerá se houver algum diferencial para atração. São necessários adicionais aos salários ou recompensas, tais como possibilidades concretas de intercâmbio científico, melhores condições de comunicabilidade, facilidades na importação de insumos e material para pesquisa, entre outros. Investimento amazônico em P&D Não se poderia ponderar em dar oportunidade à Amazônia sem um olhar crítico ao sistema universitário regional. Há centros de excelência nas várias universidades federais amazônicas, mas os números da produção científica indicam restar um longo e árduo caminho para a consolidação dessas instituições como centros de análises e discussões das demandas desenvolvimentistas. Segundo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico -CNPq (Tabela 1), dos 68.748 autores nacionais que publicaram no período entre 2005 a 2008, apenas 2.613 (3,8%) estão na Região Norte do Brasil. Dos 229.368 artigos publicados por pesquisadores brasileiros em periódicos de circulação internacional no período entre 2005 a 2008, apenas 6.396 (2,7%) vieram da Região


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Tabela 01 - Número da produção científica brasileira, por região, no período 2005-2008

2005-2008 Região

Artigos publicados em periódicos científicos Total de autores

Circulação nacional

Circulação internacional

Centro-Oeste

5.069

19.590

13.040

Nordeste

10.840

37.966

27.386

Norte

2.613

7.502

6.396

Sudeste

36.022

134.745

139.278

Sul

14.204

59.636

43.268

Brasil

68.748

259.439

229.368

Fonte: CNPq (2011).

Norte, sendo a menor contribuição em termos regionais. É importante evidenciar que a Região Norte publicou 7.502 artigos em revistas de circulação nacional no mesmo período, todavia essa realidade não é alvissareira, pois evidencia que, possivelmente, os níveis de generalizações nas informações publicadas não atingem as exigências dos periódicos internacionais de alto fator de impacto, sendo, por isso, publicadas preferencialmente em periódicos de circulação regional. Há, porém, nesses resultados outras variáveis importantes. Os números relativos à Região Norte refletem também o grande esforço dos 2.863 doutores que estão formalmente nas instituições de pesquisa. A quase totalidade dos doutores publicou 4.632 artigos por ano, o que perfaz uma média de 1,6 artigo por pesquisador/ ano. Comparando com a produção científica da Região Sudeste, por exemplo (2,5 artigos/pesquisador/ano), a média não está tão díspare, ou seja, nas condições atuais, o esforço de publicação para o Norte do País está a satisfatório, não sendo de nenhum modo desprezível. Resta ainda uma questão: quanto do conhecimento produzido está sendo convertido em inovação? O Brasil, em 2009, obteve 148 concessões de patentes junto ao escritório ao escritório norte-americano de patentes (USPTO), enquanto a Coreia do Sul obteve 9.566 concessões. Os números indicam que o conhecimento produzido pelos pesquisadores nacionais parece ainda distante da demanda do setor produtivo, levando à indagação sobre o acerto dos investimentos em C&T.

Considerando que a ABC (2008) sugere como prioridade a “ampliação e fortalecimento da PósGraduação, expandindo de forma expressiva a formação, atração e fixação de pessoal altamente qualificado em C,T&I”, torna-se condição sine qua non que o sistema universitário regional assuma postura mais consentânea com o ambiente acadêmico de nível mundial. Universidades passam a fazer jus a esse título quando, necessariamente, estão lecionando sobre o conhecimento que produzem. O paradoxo regional é que a produção do conhecimento local não é capaz de comunicar alterações nas grades estruturais dos cursos acadêmicos e, nessas circunstâncias, as universidades operam como refletores do conhecimento gerado em outras partes do mundo, resultando em influência tangencial na realidade local. De outro lado, o setor produtivo amazônico demanda mais inovação nas engenharias, contrapondo-se ao cerne da produção científica regional voltado para biologia. Resta decifrarmos a contradição que nos oprime: a Amazônia é uma região considerada megadiversa, mas o setor produtivo regional não se desenvolve em torno da biodiversidade, ou seja, ratificamos a indagação se estaríamos aplicando corretamente os recursos disponíveis para P&D. Algumas variáveis insistem na manutenção do status quo regional: i) inadequada distribuição geográfica das competências regionais; ii) carência de infraestrutura de C&T nas instituições; iii) investimento amazônico inadequado em P&D.

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Esse cenário leva à baixa capilaridade de ação das Instituições de C&T na Região, resultando em baixa formação de pesquisadores e de capital humano para atuar em pesquisa, desenvolvimento e inovação. A consequência última dessa cadeia de fatos é a reduzida produção, difusão e utilização do conhecimento e de tecnologias que contribuam para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Apesar de continuarem as assimetrias regionais, na última década tem havido interesse por parte do governo federal em redefinir os percentuais destinados à atividade de P&D nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Há uma determinação para que 30% dos recursos de editais sejam destinados às referidas regiões, onde estão concentrados 25% da massa crítica nacional para pesquisa. Isso tem permitido ampliação na infraestrutura para grupos de pesquisa emergentes, abrindo janelas para a produção científica e para o adensamento da massa crítica. Por outro lado, os sistemas estaduais de C,T&I contam com fundamental apoio das FAPs, aumentando a possibilidade para o desdobramento científico nos estados. O total geral das receitas dos estados da Amazônia, segundo os números do Ministério da Fazenda para 2010, é em torno de R$ 14 trilhões. Se 1% desse total fosse investido no sistema de C,T&I desses mesmos estados, os recursos seriam da ordem de 145 bilhões de Reais, soma que da-

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ria para criar um fundo regional de investimentos e para financiar sucessivamente programas de pesquisas induzidos pela sociedade local. No caso específico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), foram investidos entre 2003 e 2009 R$ 39.309.375,00, montante que corresponde a 0,6% da arrecadação estadual em 2009 (FAPEAM, 2010). Ainda que as FAPs estejam ativas, os recursos para permitir metas mais ambiciosas ainda são limitados. No entanto, se bem entendido o papel estratégico das FAPs, poderá haver indução de pesquisas que esquadrinhem soluções aos gargalos locais, ampliando espaços para parcerias entre academias e o setor produtivo, um casamento que poderá trazer uma prolífica sucessão de resultados importantes. Bibliografia ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS .2008. Amazônia: desafio brasileiro do século XXI/Academia Brasileira de Ciências. São Paulo:Fundação Conrado Wessel, 32 p. FAPEAM. 2008. Realtório de atividades 2003-2008. www.fapeam.am.gov.br UNESCO .2010. UNESCO SCIENCE REPORT. UNESCO Publishing. www.unesco.org/publishing Claudio Ruy Vasconcelos da Fonseca Doutor em zoologia, Pesquisador Titular do INPA, Professor da Universidade do Estado do Amazonas.


Reportagem

Zona Franca Foto: Arquivo Suframa

prorrogada até 2073. E agora?

Criada em 28 de fevereiro de 1967, a Zona Franca de Manaus (ZFM) ostenta a condição de principal política de desenvolvimento regional implantada pelo governo federal no Norte do País. Foi estabelecida para ser uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância em que se encontram os centros consumidores de seus produtos.

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). A principal vertente do modelo é o Polo Industrial de Manaus (PIM), atualmente com cerca de 550 indústrias nacionais e multinacionais.

O modelo ZFM é administrado pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), cuja abrangência atinge os estados do Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima e os municípios de Macapá e Santana, no Amapá. A autarquia é vinculada ao Ministério do

Segundo dados da autarquia, em 2001, o parque fabril contabilizou uma média mensal de 54 mil postos de trabalho contra uma média mensal de 103 mil empregos gerados em 2010. A dinâmica econômica do PIM é influenciada por nove segmentos: eletroeletrônico (incluindo bens de

De acordo com a Suframa, impulsionado por um cenário econômico favorável e pelo aumento da confiança de investidores, o PIM passou por um processo de franca expansão nos últimos anos, obtendo um salto significativo em termos de faturamento, saindo de US$ 9,1 bilhões em 2001 para US$ 35 bilhões em 2010.

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Foto: Arquivo Suframa

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informática), duas rodas, químico, metalúrgico, termoplástico, mecânico, relojoeiro, descartáveis, papel e papelão. Tais subsetores são responsáveis por mais de 90% do faturamento total gerado pelas empresas incentivadas do polo. Ainda segundo a Suframa, no período de 2003 a 2010, foram investidos pelo órgão mais de R$ 300 milhões em projetos de apoio à produção, infraestrutura econômica, turismo, Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e qualificação de recursos humanos, compreendendo a implantação de cursos profissionalizantes, graduação, especialização, mestrado e doutorado em áreas consideradas estratégicas para o desenvolvimento. Os recursos utilizados com esse fim foram oriundos da Taxa de Serviços Administrativos (TSA) arrecadadas pela Suframa junto às indústrias do PIM. No fim de 2011, o governo federal anunciou a intenção de prorrogar por mais 50 anos o modelo Zona Franca de Manaus e a extensão de seus incentivos fiscais para a Região Metropolitana de Manaus (RMM). Ou seja: o

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instrumento legal a ser instituído pela União deve garantir o funcionamento especial do Polo Industrial até 2073. Diante de tal cenário, T&C Amazônia entrevistou personalidades da política, economia, educação e pesquisa com o objetivo de apontar os principais desafios enfrentados pela Zona Franca de Manaus e as perspectivas futuras do modelo. Confira a seguir: T&C Amazônia - Na sua opinião, quais os principais problemas enfrentados pelo modelo ao longo de sua implantação e consolidação? Alessandro Teixeira, Secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior: O modelo Zona Franca de Manaus (ZFM) vem crescendo e representa muito mais do que representava para o Brasil e para a Região. Hoje, mais de 25% da economia brasileira giram em torno do modelo, que é fortemente assentado em polos importantes. Contudo o maior problema que o modelo apresentou foi o desconhecimento, a falta de compreensão e a falta de clareza. Por isso,


Zona Franca prorrogada até 2073. E agora?

é responsabilidade do governo federal cada vez mais mostrar a importância do modelo, mostrar que a Zona Franca não prejudica outras regiões do País e que, na verdade, facilita o desenvolvimento, e nós precisamos criar cada vez mais elementos de competitividade e crescimento. Thomaz Nogueira, Superintendente da Suframa: Os principais obstáculos enfrentados pelo modelo Zona Franca de Manaus (ZFM) desde a sua criação se dão principalmente nas áreas de Logística e Infraestrutura. Existem também fatores limitantes nas áreas de Comunicação, Energia, Recursos Humanos, Ciência e Tecnologia (C&T), bem como merecem ser reavaliadas e fortalecidas as próprias questões institucionais e de governança do modelo. Omar Aziz, atual governador do Estado do Amazonas: O maior desafio ao longo dos anos tem sido manter a competitividade do modelo, em razão de medidas que retiram vantagens comparativas dos produtos do Polo Industrial de Manaus e geram incertezas junto aos investidores. Entre as medidas mais recentes estão a PEC da Música, que incentiva a produção de DVD em todo o Brasil, ameaçando pelo menos 7 mil empregos no PIM, e a Medida Provisória 534 (MP dos Tablets), que tira competitividade do produto produzido em Manaus ao reduzir impostos como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e isentar PIS/Cofins (Programa de Integração Social/Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) para a produção do equipamento em todo o País. Outro problema é a guerra fiscal com estados industrializados, principalmente São Paulo, e a invasão de produtos chineses. A crise nos mercados europeu e norte-americano está fazendo que os chineses voltem-se para o mercado brasileiro. Com isso, temos um concorrente muito forte, com alto poder competitivo, para o nosso produto, que é praticamente todo voltado ao mercado nacional. Por isso, é preciso definir mecanismos de proteção. A indústria nacional é quem corre perigo; não é só a Zona Franca. Portanto a proteção não seria só para o Amazonas. Temos

lutado contra tudo isso, indo de ministério em ministério, conversando com a presidenta Dilma Rousseff e permanecendo com a nossa bancada vigilante em Brasília. Mas é preciso mais. Temos que ter mais espaço nas discussões para não sermos surpreendidos lá na frente. Confúcio Moura, governador de Rondônia: O modelo Zona Franca de Manaus (ZFM) e sua abrangência na Amazônia Ocidental é de sucesso. O foco foi a segurança nacional. Acertou em política de preservação da floresta em pé, dizendo claramente que valeu a pena incentivar a Região com alta tecnologia. As dificuldades foram muitas. O modelo incentivador burocrático e centralizado. As mudanças de governos e suas prioridades diferentes. Outros que, claramente, são contrários aos incentivos fiscais. O contingenciamento de recursos da SUFRAMA pelo Tesouro Federal, tirando a sua capacidade de custeio e investimento na Região. Além de baixas aplicações em pesquisa científica na Região Norte.

Odenildo Sena, Secretário de Ciência e Tecnologia do Amazonas: Desde que a Zona Franca foi criada, vivemos momentos de instabilidade, de ameaças, de pressão. Isso é o que mais, a meu ver, atormenta o modelo desde a sua criação. Mas eu penso que isso se deve, sobretudo, a essa coisa com a qual se convive ainda no Brasil de um estado ou de uma região do País querer tragar as outras, não ter respeito pelo desenvolvimento da outra. Aqui, no nosso caso, é mais sério porque o outro Brasil - como eu chamo - não consegue enxergar a relevância e a importância estratégica dessa nossa região, por isso tratam como se fosse uma região qualquer, quando, na verdade, trata-se de uma região para onde os olhos do mundo estão voltados por todas as riquezas que nós temos e, a cada dia, nos damos conta de que toda essa riqueza se avoluma: a biodiversidade, a variedade de minerais, a potencialidade dos rios, da floresta; além disso, o equilíbrio do mundo está aqui. Mas o outro Brasil não percebe isso, então essas ameaças frequentes à Zona Franca ameaçam

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também o restante do País - e é isso que falta ser enxergado - porque, se não temos um modelo que nos dê condições de sobrevivência, de qualidade de vida, de avanço tecnológico e que nos permita sustentar essa região, o Brasil e o mundo vão sofrer com isso. Adalberto Val, diretor do INPA: A Zona Franca de Manaus é um dos modelos de desenvolvimento mais importantes adotados no País por proporcionar inclusão social em uma área que estava completamente afastada do processo de desenvolvimento regional e criar instrumentos para restringir a destruição ambiental. Esse projeto teve nesse primeiro momento um papel fundamental, mas precisaria ter avançado no sentido de criar instrumentos alternativos para uma produção exógena, que viabilizasse um processo de inclusão social por meio do conhecimento não só da sociedade local, do ambiente local, mas também fundamentalmente do engajamento educacional, do uso da estrutura local nos processos alternativos de produção. O modelo é fantástico, e ainda mais fantástico é o fato de termos conseguido a sua expansão em termos de tempo (por mais 50 anos) e do ponto de vista geográfico, contudo precisamos ir além e, para conseguir isso, temos dois desafios fundamentais. O primeiro é a questão da educação. Temos de investir fortemente na educação ampla, baseada no processo de conexão da nossa gente e do meio ambiente, tendo a clareza de que se trata de um processo a longo prazo, que precisa se renovar a partir de suas próprias descobertas, e, nesse contexto, a ciência tem um papel fundamental. Porém, para que isso ocorra, cabe a cada um de nós investir no futuro. Na Amazônia, o futuro são as nossas crianças, por isso a nossa floresta não pode ser desmatada, e a Zona Franca tem um papel extremamente importante, porque é esse modelo que vai permitir a produção dos meios para a exploração dos produtos e os processos que estão no coração da floresta com a finalidade da inclusão social e geração de renda. O outro desafio que temos é a socialização da informação. Não temos os instrumentos hoje, no País, eu diria robustos para fazer uma socialização da informação que seja inclusiva. Nós, mal e mal estamos conseguindo fazer a

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decodificação da informação. Precisamos, a partir dessa codificação, proporcionar os meios para a inclusão social por meio dessa decodificação da informação. José Ricardo Wendeling, deputado estadual: Alterações na legislação, como a que estendeu a área de abrangência da SUFRAMA para o Amapá, sem dar as condições adequadas para poder desenvolver projetos para toda essa região, foi um problema. Outra grande mudança foi a legislação referente ao processo de fabricação com a criação do Processo Produtivo Básico (PPB), que influenciou bastante. Hoje, esses PPBs, que deveriam ser discutidos, fechados e fixados em Manaus, são definidos em Brasília, nos ministérios de Ciência e Tecnologia (MCT) e Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Com isso, diminuiu o poder da SUFRAMA e tirou certa autonomia do modelo. Também é possível destacar o enfraquecimento estrutural do órgão principal condutor da Zona Franca, que é a SUFRAMA. Ao longo dos últimos anos, a autarquia não teve um fortalecimento de sua equipe técnica. Recentemente, realizaram concurso público, porém para uma quantidade limitada. O certo é que a instituição ficou muito vulnerável nesse aspecto. Além disso, houve um grande contingenciamento de recursos e, com isso, muito do que poderia ser realizado pela SUFRAMA não foi feito por conta de uma decisão política em nível nacional. Outro ponto, a meu ver, é que falta mais apoio político para a SUFRAMA e para o modelo, porque a Zona Franca acabou se tornando um projeto com uma ingerência muito forte do governo do Amazonas. Como os outros estados não participam do processo, a classe política acabou se desinteressando e, com isso, não ajudando junto ao governo federal no fortalecimento da instituição. Mas o que talvez seja o maior adversário da Zona Franca é a falta de investimento em pesquisa, desenvolvimento e tecnologia. Como a tecnologia muda muito rápido, temos dificuldades em conseguir ter competitividade em alguns produtos. Então a mudança tecnológica é um item junto com a convergência tecnológica –, que tem a ver com a questão digital - que


Foto: Arquivo Suframa

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faz com tenhamos dificuldades porque, se não tiver investimentos, nessa área, vamos ficar em desvantagem em relação a outros países. A última preocupação é a questão das importações chinesas. A ZFM foi criada para ser um modelo de substituição de importações visando a atender ao mercado brasileiro. A exportação nunca foi o forte, mas sempre houve as importações de componentes não existentes. Só que o agravante, agora, é que as importações são majoritariamente da China. Com isso, diminuíram as importações de componentes de outras regiões do Brasil para a Zona Franca e aumentaram drasticamente as importações da China. Então essa é uma ameaça que existe claramente, que afeta a Zona Franca de Manaus e afeta a indústria brasileira também. Valdemir Santana, Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas: A Zona Franca de Manaus (ZFM) foi criada como polo de importação de produtos e acabou se transformando em um polo industrial de substituição de produtos. O Polo Industrial de Manaus se transformou em um dos maiores parques industriais da América Latina, com geração de emprego na Região, porque não emprega só os manauaras, mas emprega no Brasil todo. Hoje, para cada

emprego gerado em Manaus, temos em torno de três empregos gerados no resto do País. O processo de fabricação de produtos também acabou evoluindo, então essa foi a grande vitória da Zona Franca de Manaus, da indústria do Estado Amazonas e do próprio Brasil. Mas, nos 45 anos de existência, a Zona Franca passou por algumas situações difíceis, como os ataques de outros estados por meio da guerra fiscal, que acaba tirando emprego da Zona Franca, como aconteceu com a criação da Lei de Informática, quando perdemos mais de 15 mil empregos. Então não adianta fazer guerra fiscal para desempregar brasileiros. E outra situação que nós temos é que nos especializamos em fazer moto, em fazer relógio, produtos eletroeletrônicos. Nós conseguimos nos especializar nisso aí. Tanto é que em nível mundial somos mais rápidos do que qualquer pessoa na fabricação de motos; os trabalhadores da Região Norte são muito mais eficientes. E aqui, na Zona Franca, temos amazonenses, paraenses, pessoas de todas as partes do País. Nós temos esta especialidade quase artesanal. Nós sabemos trabalhar com peças pequenas, nos habituamos a isso. Com isso, nós temos problemas de sequelas porque a parte produtiva é muito repetitiva, e isso causa muitas doenças. Nós temos os governos municipal, estadual, federal, então nós temos que verificar como podemos fazer um diagnóstico para nós evitarmos essas doenças ocupacionais no trabalho. Não adianta ter US$ 40 milhões de dólares de faturamento (valor total previsto de faturamento para o Polo Industrial de Manaus no ano de 2011) e no fim disso, ter três, quatro mil pessoas doentes, com sequelas. Tem de resolver também o problema da alimentação no Distrito. Se a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) for fiscalizar os refeitórios do Distrito (Industrial), não vai passar nenhum. Hoje, as fábricas do Distrito Industrial não pensam no refeitório. É como naquela época que fazia o prédio e tinha o quarto de empregada. Então temos que ver essa questão, por isso nós, do sindicato (dos Metalúrgicos do Amazonas), e da CUT (Central Única dos Trabalhadores) estamos questionando.

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Nós defendemos a Zona Franca e entendemos que, quando o governo dos militares trouxe a Zona Franca para Manaus, sem querer preservou o Estado do Amazonas na questão do desmatamento. Então isso para o Brasil é muito importante, por isso o Brasil tem de conhecer o Amazonas e a Zona Franca de Manaus. Em uma reunião que nós tivemos com representantes de zonas francas de outros países, ficamos sabendo que não fazem o que nós fazemos aqui. Nas outras zonas francas tudo é maquiado. Fazem a maquiagem dos produtos e mandam para o resto do mundo. T&C Amazônia - Que eventuais mudanças devem ser adotadas no gerenciamento e/ ou operacionalização do modelo a partir da prorrogação de seus incentivos? Alessandro Teixeira, Secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior: Precisa cada vez mais de planejamento estratégico, com priorização de áreas, com criação de ilhas de excelência para o desenvolvimento. Todos esses elementos para mim são centrais dentro do modelo. A Zona Franca não pode abarcar todos os segmentos industriais que existem. Na minha opinião, ela tem que se especializar, inclusive, em um processo amplo de especialização onde a gente qualifique recursos humanos, qualifique a produção, utilize o conhecimento da economia local, dos arranjos produtivos locais (APL) que existem como elemento dinamizador. Quando o governo toma a iniciativa e cumpre a promessa que foi feita pela presidenta da República (Dilma Rousseff) de expandir a Zona Franca por mais 50 anos, obviamente, nós iremos cumprir com o modelo. O governo federal não somente é favorável à Zona Franca como também quer fortalecê-la, quer fazer que esse modelo seja exemplo em vários lugares do mundo. Portanto a nossa ação do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) é garantir que isso se desenvolva, se fortaleça. É fundamental cada vez mais que o modelo Zona

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Franca tenha uma integração com a economia nacional e seja um dos modelos que o Brasil utilize. Nós não podemos construir política industrial como já se fez no passado de costas para a Zona Franca, que é um dos pilares da política industrial e tecnológica do país. Thomaz Nogueira, Superintendente da Suframa: Devemos, primeiramente ,fortalecer a inteligência organizacional da Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), buscando cada vez mais o diálogo com trabalhadores, líderes empresariais, lideranças políticas e a sociedade civil de um modo geral.Precisamos também nos prestar ao esforço do esclarecimento e mostrar ao País que a ZFM é um modelo de sucesso que faz parte da solução dos problemas nacionais, resgatando assim a visão geopolítica que originou a sua criação: a ocupação e integração do espaço amazônico. Também se faz necessário investir na superação das dificuldades de infraestrutura - questão absolutamente crítica para a evolução do modelo -, assegurar condições operacionais à autarquia, adequar o modelo ZFM às vocações naturais da região, sendo o fortalecimento do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) um dos pilares dessa proposta, e modernizar o Polo Industrial de Manaus (PIM), buscando cada vez mais a dominação de todas as fases dos processos produtivos e a criação de produtos. Essas são algumas iniciativas que podem ser efetivadas no sentido de fortalecer cada vez mais o modelo e alavancar seu desenvolvimento nos próximos anos. Omar Aziz, Governador do Amazonas: O ato da presidenta Dilma Rousseff de assinatura da proposta de prorrogação do modelo Zona Franca por mais 50 anos e de extensão dos benefícios fiscais para a Região Metropolitana de Manaus (RMM) representa um grande avanço para a economia do Amazonas, mas não deve ser visto como uma solução única e definitiva. A expansão dos incentivos fiscais para a Região Metropolitana será um indutor de desenvolvimento para os municípios, respeitando a vocação de cada um. Manacapuru, por exemplo, tem vocação para a fibra, Iranduba para a cerâmica fina, borracha, agroindústria, pescado e um polo


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naval. Em Rio Preto da Eva, temos a produção de cítricos e assim sucessivamente com os outros municípios que podem transformar-se em polos de desenvolvimento econômico alternativo à capital, gerando oportunidade de emprego e renda em toda a Região Metropolitana. Contudo a prorrogação de incentivos da Zona Franca de Manaus não é o suficiente para manter os empregos no Polo Industrial de Manaus. Outras medidas devem ser adotadas pelo governo federal para garantir a competitividade dos produtos e as vantagens comparativas asseguradas constitucionalmente ao modelo. Entre elas, a maior participação do Estado para dar maior celeridade ao processo na aprovação do Processo Produtivo Básico (PPB) de novos projetos voltados ao PIM, que estão sob a avaliação dos ministérios do Desenvolvimento Indústria e Comercio Exterior (MDIC) e Ciência e Tecnologia (MCT), uma vez que o número de PPBs discutidos e aprovados em 2011 foi bem menor que em 2010 e 2009, situação que dificulta a implantação de novas indústrias no PIM. Temos que discutir essa composição, pois o governo do Estado tem condições de ter ingerência maior no processo de aprovação de novos PPBs, que possam atrair novos empreendimentos e dar alternativas à indústria já instalada no Amazonas, precisamente a de eletroeletrônico e duas rodas. Além disso, as fábricas instaladas em Manaus já ultrapassaram os limites do Distrito Industrial ocupando áreas que não foram projetadas para essa finalidade. Então, cabe ao Estado criar as condições necessárias de logística, infraestrutura, saneamento e energia segura para garantir a atividade industrial, e isso já vem sendo feito, com a duplicação da AM-070 (Manaus-Manacapuru), a implantação em curso de Internet banda larga em Iranduba, dentre outras medidas. Confúcio Moura, Governador de Rondônia: A correção de rumo é necessária. Rever as distorções históricas citadas. Efetivar o modelo para as Áreas de Livre Comércio (ALCs) criadas e que não prosperaram. Implantar, de verdade, política de ciência e tecnologia (C&T) de massa na região. Dobrar os investimentos em Educação e acompanhar rigorosamente as metas de desempenho. Vale a pena incentivar porque po-

breza não preserva. O incentivo fiscal concedido aqui não é o de renúncia prejudicial e criminosa. É investimento compensatório para toda a humanidade. Odenildo Sena, Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia do Amazonas: Eu penso que, ao lado dessa questão da instabilidade internamente, falta um grande projeto para que seja possível se aproveitar da Zona Franca – hoje, sobretudo do enorme polo industrial que temos - para criarmos outras alternativas econômicas para a região. Se pararmos para pensar, concretamente, não vamos enxergar quase nada. Eu sou a favor do seguinte: temos de “brigar” até o último combate para manter a plenitude de funcionamento do Polo Industrial de Manaus, porém, ao lado dessa luta para manter, precisamos também tirar proveito desse polo industrial para criar alternativas econômicas outras para o Estado. Nesse sentido, eu acredito que os investimentos – e aí, trago para a área que mais afeta a minha função –em Ciência, Tecnologia e Inovação (C&T&I) com recursos do Polo Industrial tem sido muito poucos, são muito tímidos e, na esteira disso, o apelo também é para que as empresas que estão sediadas invistam mais em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) aqui na região. Elas investem muito, mas na matriz, então elas recebem tudo pronto, e o que fica de inovação tecnológica, com capital intelectual aqui do Amazonas? Praticamente, nada. Então, a minha expectativa é de que essa nova gestão da SUFRAMA, tendo à frente o Thomaz (Nogueira), encare a coisa nessa perspectiva: olha, vamos aproveitar. O Polo Industrial também – a despeito das ameaças - está palpitando de ações, empregos, porém precisamos tirar proveito disso, senão, a médio e longo prazos, vamos continuar sem criar alternativas efetivas para a região. A meu ver, é preciso criar uma legislação específica para que as empresas passem a deixar de fato, aqui no Amazonas, grande parte dos investimentos em P&D. Adalberto Val, diretor do INPA: Não vejo grandes questões relacionadas a esses aspectos. A meu ver, avançamos de forma significativa. Quando os nossos caminhos foram direcionados

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para trazer novas empresas, consolidar as que estavam e fortalecer os diversos segmentos industriais, acredito que fizemos isso tudo considerando a perspectiva de tempo à época assinalada, até 2013. Agora, com essa expansão passamos a ter outra perspectiva. Precisamos trabalhar no sentido de consolidar esse modelo. E qual é o futuro da Zona Franca de Manaus sob uma nova perspectiva? Eu posso dizer que não adianta querer descobrir uma forma diferente de criar algo menor que um celular, pois nós chegamos ao limite do conhecimento disponível para a produção desses artefatos. Precisamos, sim, partir para criar novas formas de interação do homem com o ambiente, do homem com ele mesmo, do homem com o seu futuro. Então essa perspectiva está cada vez mais baseada no conhecimento. Nesse sentido, não adianta mais levar para dentro da escola o desafio de produzir um carro melhor do que o atual. Não se trata disso. Trata-se de produzir uma forma revolucionária de transportar, e essa forma pode não ser o carro. Precisamos, na realidade, aproveitar esse desafio da zona franca futura que temos na mão, de avançar economicamente de maneira sustentável. Nenhum outro lugar do mundo tem essa perspectiva, porque produzir alguma coisa sustentável e duradoura para quem vive na realidade do tudo desmatado e destruído não é um desafio tão grande. Para nós é um desafio muito grande. E, para vencer esse desafio, é preciso educar, pesquisar, ter novas informações e é isso que a gente precisa fazer. Então acho que o novo superintendente da Zona Franca de Manaus (Thomaz Nogueira) tem um desafio imenso pela frente. Só o fato de manter o trabalho fantástico desenvolvido na última gestão já é um desafio muito grande, mas nós precisamos avançar significativamente no sentido da inclusão social e da geração de renda, que tem como vertente fundamental a educação inclusiva, ampla, social e irrestrita, além da questão fundamental da socialização da informação. Não se pode mais ver a floresta amazônica como um potencial para o futuro, mas como um processo de inclusão social, de geração de renda para a nossa sociedade já, neste momento.

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José Ricardo Wendeling, deputado estadual: Tem que equipar e modernizar os órgãos de desenvolvimento, como a SUFRAMA, para ter uma presença cada vez mais técnica no acompanhamento de projetos, na atração de investimentos nacionais e estrangeiros e na avaliação das potencialidades econômicas. Agora, é preciso estar voltado à utilização de incentivos fiscais, não somente para os segmentos tradicionais que temos na Zona Franca (Duas Rodas, Eletroeletrônico, Químico), mas também para outros que têm grande potencial, podem utilizar os incentivos, geram emprego e podem gerar muita renda também, como é o caso do pesqueiro, do polo naval, da cadeia de produtos feitos a partir de matérias-primas da própria região etc. Outro aspecto é a necessidade de investimento em pesquisas em todos os segmentos, entre eles o da biotecnologia, que tem um potencial muito grande e precisa de investimentos, mas é algo que depende muito do governo federal e da iniciativa privada. Então são segmentos produtivos que a médio e longo prazos podem ser grandes alternativas. Agora, talvez o que está mais relacionado ao desenvolvimento do Estado é a questão da infraestrutura. Alguns criticam dizendo que há energia insuficiente, portos, aeroportos... É verdade, acho que é insuficiente. Agora, tem o fato de que a economia brasileira cresceu de modo geral. A economia do Amazonas, consequentemente, também está crescendo, e o faturamento do próprio polo industrial continua crescente. Então, há um crescimento, e a demanda por essas estruturas também cresce. A demanda por energia, por exemplo, cresce ano a ano. Há investimentos, mas são meio lentos. Logo é preciso investir na qualidade da energia, pois ainda há muita oscilação. Aliás, acho que esse é o principal item para o crescimento econômico - o fornecimento da energia na capital e no interior. Aí, vem a logística em si. Não há dúvida de que precisamos de mais portos para tornar eficientes as operações, ampliar a capacidade do aeroporto, porque a maior parte das mercadorias da zona franca vai via aérea. Há a questão das comuni-


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Valdemir Santana, Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas: Não adianta prorrogar a Zona Franca e aprovar uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da Música para acabar com os empregos. A Constituição Brasileira diz que a Zona Franca de Manaus tem a prerrogativa de dar isenção tributária do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Só o Estado do Amazonas pode fazer isso. Só que todos os estados passaram a fazer guerra fiscal, e ninguém faz nada. O Amazonas tem também uma prerrogativa ambiental. Então quando o brasileiro precisa ter essa compreensão de que, a partir do momento que tem a Amazônia, terá canaviais, agricultura em São Paulo e no Paraná, justamente porque a chuva que cai lá é gerada por causa da floresta aqui. A grande questão é essa. Prorroga a Zona Franca de Manaus, aí há a PEC da Música, a PEC dos

Tablets, então não adianta. Isso é balela pra mim. Então nós daqui temos que ter coragem para fazer que sejam proibidos incentivos fiscais desse tipo em nível de Brasil. Acho que é uma questão política e de Justiça, porque tá se passando na Justiça, e a gente não resolve nada. Há uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no Tribunal que ainda não foi julgada. Então a Justiça tem que funcionar. Não é nem política; é Justiça porque pela nossa Carta Magna só quem pode conceder incentivos somos nós. Eu acredito que o governo vai tentar resolver. Mas a gente vê que alguns ministros parecem estar contra a Zona Franca, e a gente fica sempre correndo atrás. Mas não pode ser assim. Nós temos de dizer para o Brasil o que nós produzimos, que com os incentivos fiscais que a sociedade dá para o Amazonas gera um faturamento de US$ 40 bilhões de dólares, cerca de 100 mil empregos em Manaus e quase 700 mil empregos no Brasil. Se isso não é um projeto vitorioso, diga-me qual é? É um projeto de Brasil. Eu sempre digo que a Zona Franca é do Brasil, então a contrapartida dos amazonenses é de preservar essa floresta que está aí. Nós só queremos isso e mais nada.

Foto: Arquivo Suframa

cações, que é outro problema sério, sobretudo porque todos os serviços estão interligados ao sistema de comunicação. Independente disso, há Internet, a telefonia, que precisam ser fortalecidas. Então acho que esses ingredientes vão dar um fôlego novo à zona franca.

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Artigo

Inovação educacional para o desenvolvimento cognitivo de ribeirinhos do Baixo Amazonas matriculados em disciplinas de álgebra e geometria Renan Albuquerque Rodrigues e Pedro Marinho Amoedo Resumo O trabalho investigou em que medida estudantes de matemática do interior do Amazonas, orientados a aprender a disciplina por meio do uso de correlações com sua realidade, tenderam a ter maior efetividade na melhoria da ação em relação àqueles que não foram treinados nesse modelo didático. Foi utilizado teste T-Student para avaliar a hipótese de que haveria diferença significativa em favor do grupo experimental ante o grupo controle. Resultados indicaram rendimento no campo geométrico para o conjunto de alunos que passou pelo experimento ante o grupo controle. Entretanto não foi possível constatar evidências significativas no campo algébrico entre ambos os estudantes. Palavras-chave: Inovação educacional. Aprendizagem. Baixo Amazonas. Introdução A aprendizagem da matemática nas séries iniciais do ensino é para algumas pessoas motivo de lembranças ruins. O indivíduo, quando vivencia contato com a disciplina, apresenta sentimentos dicotômicos que vão desde a paixão até o ódio declarado. Isso pode concorrer fortemente para que aconteça a exclusão da pessoa dentro do processo educacional. Nesse âmbito, é necessária a criação de novas maneiras de trabalhar a matemática em sala de aula, inovando em conteúdos e possibilitando inserções e aprendizados mais profícuos dos alunos (Castro-Filho, Freire & Paschoal, 2003).

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A exclusão, no contexto do processo educacional, depende das interrelações e do desenvolvimento social a que é submetido o alunado, além do grau de comprometimento dos professores com o presente e o futuro dos estudantes. O termo exclusão tende a fazer referência à desigualdade social, miséria, pobreza ou privações. Mas, para Catão (2005) e Linda (1994), exclusão é a degradação da identidade individual e também dos grupos, o que fomenta, por fim, a desintegração e a desorganização das futuras relações sociais. A partir dessa visão, adotada neste estudo, tem-se que indivíduos e instituições sociais são elos que constituem por natureza qualquer sistema excludente. A proposta ora desenvolvida contribui para a compreensão de que o processo educacional tende ou não a ser agregador de identidades desde que proporcione ações de interação entre os estudantes, as quais tipificam justamente a base das representações de mundo dos discentes (Xiberras, 1993; Da Rocha Falcão, 1993). A exclusão em sala de aula remete a um sentido temporal e espacial, pois um ser ou comunidade é excluído segundo determinado espaço geográfico ou em relação à estrutura e conjuntura econômica e social do país ao qual pertence. No caso dos alunos das séries iniciais que têm a matemática como vilã de suas vidas acadêmicas, a exclusão pode ser observada enquanto uma desfiliação de mundo, representando uma ruptura de pertencimento e de vínculos societais (Castel, 1991).


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A exclusão educacional nas séries iniciais do ensino vem sendo pesquisada com enfoque principalmente nos grupos que são vitimados e nos próprios processos que concorrem para o surgimento e a manutenção de situações de exclusão. Vêm sendo desenhadas pesquisas que dão preferência à visão do excluído social sobre o mundo que o rodeia a partir de construções e reconstruções de significados, com análises que destoam do paradigma individualista, ainda utilizado. A partir desse caminho teórico foram traçados tópicos para o estudo apresentado. A ideia de exclusão social assinala um estado de carência ou privação material, de segregação, discriminação e vulnerabilidade em alguma esfera. À exclusão, associa-se um processo de desvinculação socioespacial. O excluído não escolhe a sua condição; ela se dá numa evolução temporal como resultado das mudanças na sociedade, como, por exemplo, as crises econômicas. (Feijó & Assis, 2005, p. 157). A ruptura do vínculo dos alunados com o social se dá ainda pela insuficiência de recursos materiais do professor, associada à fragilidade e instabilidade do modo como o conteúdo é transmitido. Todavia, na tentativa de romper com o desequilíbrio e melhorar a aprendizagem da matemática, é preciso fazer uso, no contato com a disciplina, de recursos didáticos que sirvam para que o professor explore, com criatividade e com inovação em suas práticas, diversos conteúdos em diferentes áreas da matemática. O estudante, por sua vez, deverá, a partir dessas ações, obter melhores condições de compreender o significado desses saberes em sua vida cotidiana. Conforme Fiorentini (1995), percebe-se, na falta de conhecimento sobre materiais didáticos enquanto recursos de ensino e possibilitadores de uma aprendizagem focada e altruísta, que o melhor uso de objetos de amplo espectro educativo em sala de aula pode promover um aprender significativo, por meio do qual o aluno pode ser

estimulado a raciocinar, incorporar soluções alternativas acerca dos conceitos envolvidos nas situações e, consequentemente, lograr êxito em seus saberes. O trabalho teve como objetivo estimular o pensamento independente, a criatividade e a capacidade de inovar em sala de aula, despertando no aluno interesse e prazer pela matemática, modificando o quadro de aversão à disciplina, que muitas vezes se inicia no Ensino Fundamental e prossegue não só pela vida acadêmica, como também durante a vida profissional. Método Local O trabalho foi desenvolvido pelo Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia (Icsez) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) junto a alunos da escola municipal Charles Garcia, localizada no município de Parintins, a 325 km de Manaus (AM), na região geográfica do Baixo Amazonas, a leste da capital amazonense, no extremo da Amazônia ocidental. O Icsez é um dos recentes institutos que a Ufam vem buscando concretizar no interior do Estado do Amazonas. Junto com os polos de Humaitá e Benjamin Constant, além de Itacoatiara, o instituto de Parintins vem dando sua contribuição para a educação daquele lugar. E não apenas a partir de aulas regulares, para graduação, no campus, mas também mediante projetos de pesquisa junto a estudantes de séries do Ensino Fundamental, fora do âmbito restrito da academia. Amostra Inicialmente, foram convidados a participarem do projeto quatro turmas de alunos, sendo duas do sexto ano e duas do sétimo ano. Em seguida, selecionaram-se, via processo de aleatorização (sorteio), duas turmas que participariam ativamente das atividades, sendo uma do sexto ano e outra do sétimo ano; as duas restantes ficaram como grupo controle.

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A amostra foi composta por 82 estudantes, sendo 49 do sexo feminino e 33 do sexo masculino, com média de idade de 12,7 anos, subdivididos similarmente em um grupo experimental e um grupo controle.

Utilizou-se teste T-Student para grupos independentes e pareados com significância de 5%, para verificar se houve ou não melhoria no rendimento dos escolares quanto à observação

Procedimentos de coleta e análise Todos os alunos foram submetidos, no primeiro dia de atividade, a um exame de conhecimento que versava acerca de tópicos de álgebra e geometria. A partir dessa avaliação, observou-se como variável resposta a nota obtida no exame naquele momento. Houve também, no início, um levantamento biodemográfico (survey) para que se pudesse delimitar a amostra e parear dados com regularidade.

Resultados e discussão As notas médias dos escolares em geometria diferiram significativamente, com valor de p=0,021 associado ao teste T-Student.

da variável nota, no comparativo.

Em álgebra, não foi possível encontrar evidências de diferença nas médias, valor de p=0,234, associado ao teste T-Student, quando comparadas as médias do grupo que participou efetivamente do projeto (experimental) e do grupo controle.

Foram abordados no decorrer do projeto tópicos Analisando somente o grupo que participou relacionados à álgebra e geometria. A abordagem efetivamente do projeto, constataram-se algébrica deu-se em duas frentes: i) definição evidências significativas tanto em álgebra quanto e construção das figuras com uso de material em geometria, valores de p=0,001 e p=0,0230, diverso, como canudo de refrigerante e barbante, respectivamente, e associados aos testes palitos e massas, papel e cartolina etc., de T-Student para dados pareados, tomada a média forma que o aluno foi orientado e estimulado a dos exames inicial e final do grupo experimental construir e identificar partes e propriedades que para comparação. constituem um polígono ou um objeto sólido geométrico; ii) para o desenvolvimento das ativiOs resultados médios dos exames encontram nas dades algébricas, desenvolveu-se uma gangorra tabelas 01 e 02. do tipo balança simétrica, composta com dez divisórias e dez pesos de diferentes medidas, com a qual foram apresentadas Tabela 01 - Nota média dos escolares do sétimo ano no exame de geometria aos alunos ideias e conceitos de Grupos Exame Inicial Exame Final Media geral frações, razões e proporções. No curso do estudo, teve-se o cuidado de observar, sempre ao fim de cada atividade proposta, se os alunos conseguiam completar a ação organizada ou o quanto faltava para o término da atividade após o tempo previsto decorrido.

Experimental

5,4ª

8,8b

7,1a

Controle

5,3

5,7

5,5b

Letras iguais não diferem a 5%

Tabela 02 - Nota média dos escolares do sétimo ano no exame de álgebra

Grupos

Exame Inicial

Exame Final

Média geral

Experimental

4,5a

6,7b

5,6a

Controle

5,3

5,7

5,5a

Letras iguais não diferem a 5%

No fim do projeto, foi realizado outro exame junto aos escolares, sobre tópicos de álgebra e geometria. O propósito desse exame foi quantificar, ou seja, responder à hipótese de que houve diferença significativa quanto à variável nota, medida em dois momentos, no início e no final do estudo.

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Em muitos casos, devido a revisões de conteúdo, geralmente professores atrasam suas programações para o ano letivo, deixando para trabalhar didáticas específicas do sexto ano ou algo diferente apenas no fim do primeiro semestre, o


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que faz que o estudo de geometria e álgebra seja relegado para o fim dos meses correntes (outubro e novembro). Acelerar esse processo, praticando atividades relevantes em álgebra e geometria durante todo o ano, auxilia na facilitação do aprendizado. Mesmo não sendo possível afirmar, com base exclusivamente nos resultados, ambos corroborados pela testagem, que o progresso dos alunados ribeirinhos parintinenses, principalmente em geometria, deu-se a partir de mérito específico e único deste trabalho, foi possível constatar, porém, que, a partir de professores comprometidos com inovações, ações criativas e mais efetivas de ensino da matemática alunos tendem a tornar-se mais dedicados em suas atividades regulares de sala de aula. O trabalho foi uma proposta para melhorar o desempenho de grande parte dos alunos do município de Parintins, que hoje possuem dificuldades enormes em realizar operações com mais de um dígito de subtração, adição, divisão e multiplicação, limitando-se a ler com dificuldade e a não interpretar corretamente textos meramente básicos. Com o incentivo, estima-se que níveis mais elevados de desempenho escolar serão alcançados no futuro, fomentando melhores oportunidades de emprego e renda aos ribeirinhos da localidade.

Figura 01 - (Foto: Pedro Amoedo) Ribeirinha mostra atividade prática com cartolina em sala de aula.

No que concerne à inovação, a maneira de se trabalhar a matemática em sala de aula, mesclando o uso de figuras e objetos para se exemplificarem conceitos, gerou mais compreensão por parte dos estudantes. Eles puderam aliar a teoria à realidade visual a que tinham acesso diariamente (Figuras 01 e 02). Considerações finais Após o desenvolvimento das dinâmicas propostas no trabalho, os alunos perceberam a importância das atividades no estudo da geometria e álgebra no que tange à construção, identificação e relação entre os lados das superfícies planas nos diversos polígonos trabalhados no sexto e sétimo anos do Ensino Fundamental. Por meio dessa concepção, foi meta contribuir com uma forma contextualizada e significativa de aprendizado, que levasse em conta a realidade sociocultural dos escolares. Dessa forma, o conhecimento tendeu a ser adquirido de maneira prazerosa, investigativa, curiosa e interessante, capaz de transformar a vida dos alunos de maneira objetiva. Mediante a pesquisa, conclui-se que a aprendizagem deve acontecer de forma correlacional com a realidade social e cotidiana, a partir, sobretudo, de uma ênfase ao interesse sensorial e ao prazer lúdico dos alunos. A perspectiva poderá ainda apresentar resultados indiretos voltados para a questão da sustentabilidade, uma vez que

Figura 02 - (Foto: Pedro Amoedo) Em sala de aula, alunos fazem ação prática em álgebra.

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Inovação educacional para o desenvolvimento cognitivo de ribeirinhos do Baixo Amazonas matriculados em disciplinas de álgebra e geometria

a educação é um dos critérios de base para o desenvolvimento da interação positiva entre sociedade e ambiente. A educação organizada em sala de aula a partir de critérios práticos, como ocorreu nesta pesquisa, fomenta a inclusão dos alunos no universo da pesquisa empírica. É premente refletir sobre essa realidade de que a inserção acadêmica facilita a inclusão dos alunos, futuramente, no universo dos trabalhos formal ou informal na sociedade. Com a percepção, cada vez mais cedo, de que o desenvolvimento pessoal e coletivo é oriundo das boas práticas educacionais, os estudantes terão melhores capacidades técnicas de conseguir se posicionar no mercado empregatício, de granjear recursos intelectuais para construir percepções de mundo, sedimentando crenças, atitudes, valores e ideologias, e ainda de fomentar pensamentos abrangentes em relação à maneira de ver a Amazônia, o que, no futuro, ajudará na manutenção de sólidas bases educacionais em espaços não urbanos. Bibliografia Castro-Filho, J. A. Freire, R. S. & Paschoal, I. V. A. (2003). Balança Interativa: um software para o ensino da Álgebra. Anais do XVI Encontro de Pesquisa Educacional do Norte Nordeste – EPENN, Aracaju. Castel, R. (1991). De l’indigence à l’exclusion, la désaffiliation: précarieté du travail et vulnerabilité relationnelle. In J. Donzelot (Org.), Face à l’exclusion — le modèle français (pp. 137-168). Paris: Esprit. In Feijó, M. C., Assis, S. G. de. (2004). O contexto de exclusão social e de vulnerabilidades de jovens infratores e de suas famílias. Estud. psicol. (Natal). Natal, v. 9, n.º 1. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2004000100017&lng=pt&nr m=iso>. Acesso em: 27 Fev 2011. doi: 10.1590/S1413-294X2004000100017. Catão, M. F. F. M. (2005). Exclusão /Inclusão Social e Direitos Humanos. In. Tosi,G Direitos Humanos: História,Teoria e Prática. João Pessoa, Editora Universitária/UFPB.

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Da Rocha Falcão, J. T. (1993). A álgebra como ferramenta de representação e resolução de problemas. Em Schillieman, A.D, Carraher, D.W., Spinillo, A.G., Meira, L.L, & Da Rocha Falcão, J.T. (orgs.). Estudos em Psicologia da Educação Matemática. Recife: Ed. Universitária da UFPE. Linda, J. (1994). Geometria: um caminho para o ensino da resolução de problemas do jardim de infância à nona série. In: Lindquist, Mary, Montgomery, Shulte, Albert P. (Orgs.). Aprendendo e ensinando Geometria. São Paulo: Atual, p. 1-19. Feijó, M. C., Assis, S. G. de. (2004). O contexto de exclusão social e de vulnerabilidades de jovens infratores e de suas famílias. Estud. psicol. (Natal)., Natal, v. 9, n.º 1. Disponível em: <http:// www. scielo.br/scielo.php? script=sci_a rttext&pid=S1413-294X2004000 100017& lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 29 Fev 2011. doi: 10.1590/S1413-294X20040 00100017. Fiorentini, D. (1995). Alguns modos de ver e conceber o ensino de matemática no Brasil. Zetetiké. Ano 3, n.° 4. Campinas, Unicamp. Vygotsky, L. S., Luria, A. R., Leontiev, A. N. (1992). Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone. Xiberras, M. (1993). As Teorias da Exclusão para uma Construção do Imaginário do Desvio. Lisboa: Instituto Piaget. Renan Albuquerque Rodrigues é graduado em jornalismo, mestre em psicologia social, doutorando em Sociedade e Cultura na Amazônia e professor assistente da Universidade Federal do Amazonas (campus Icsez/Parintins). Pedro Marinho Amoedo é graduado em estatística e professor auxiliar da Universidade Federal do Amazonas (campus Icsez/Parintins).


Artigo

Análise da Economia Ecológica e da Estrutura Agrária no Estado de Roraima Emerson Clayton Arantes e Luciana Silva de Souza

Resumo O presente artigo tem como objetivo fazer uma análise da economia ecológica e da situação da estrutura agrária do Estado de Roraima a partir da instalação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. A relação existente entre o desmatamento e os assentamentos agrícolas apresenta-se como estratégia para um desenvolvimento regional de determinada região, em detrimento dos recursos naturais. Por fim, será exposto o papel das principais instituições públicas ambientais do Estado de Roraima na gestão dos recursos naturais. Introdução A atividade fundiária do INCRA em Roraima teve início em 1972, com a instalação do Projeto Fundiário Boa Vista, onde se constituiu um departamento de terras vinculado ao Estado do Amazonas, cuja finalidade era estabelecer, mediante processo de discriminação de terras, um controle sobre as terras públicas do então Território de Roraima, que se tornou Estado com a Constituição de 1988. Com o advento do Plano Regional de Reforma Agrária - PRRA, em 1986, a reforma agrária assumiu maior importância em âmbito nacional; em Roraima, embora já houvesse iniciativa nesse sentido com a criação do Projeto de

Assentamento Dirigido Salustiano Vinagre – PAD¹, atualmente denominado PAD – ANAUÁ, se efetivou mais ainda esse processo. A história do processo de ocupação na Região Norte começou no início do século XIX, com o ciclo da borracha, nos Estados do Pará e Amazonas. Rondônia e Acre sofreram uma experiência colonizadora, por parte do INCRA, nos anos 70, bastante significativa. Ainda na década de 70, criaram-se o PIN – Projeto de Integração Nacional, o POLOAMAZÔNIA, o I e II Plano Nacional de Desenvolvimento – PND, a Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA e o PROTERRA, almejando o desenvolvimento regional. Em 1970, o governo federal criou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e ao mesmo tempo vários programas especiais de desenvolvimento regional. Dentre eles: PIN (1970); Programa de Redistribuição de Terras e de Estimulo à Agroindústria do Norte e Nordeste-Proterra (1971); Programa Especial para o Vale do São Francisco – PROVALE (1972); Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia – POLAMAZÔNIA (1974); Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste – POLONORDESTE (1974).

¹ Projeto de Assentamento Dirigido. É responsável pela organização e infraestrutura, bem como pela seleção e assentamento dos beneficiários que precisam possuir conhecimento agrícola e dispor de recursos financeiros

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Somente na década de 1980, com a forte pressão social que acompanhou a redemocratização do Brasil, o processo de intervenção via desapropriação foi intensificado, sem, contudo, produzir os efeitos pretendidos. A partir de 1993, com a edição da Lei n.ª 8.629, que regulamentou dispositivos da Constituição Federal de 1988 referentes à reforma agrária, o INCRA tomou novo impulso com a busca de transformação das terras obtidas em projeto de assentamentos. No governo de Fernando Collor, entre 1990 e 1992, foram assentadas 3.425 famílias. A continuação do governo, com Itamar Franco (1992-1994) tentou retomar os projetos de reforma agrária. Um programa emergencial para o assentamento de 80 mil famílias foi aprovado, mas só foram beneficiadas 21.763 famílias, conforme consta no Relatório de Atividades do INCRA – 2000. Em 2003, no governo de Lula, foi lançado o II Plano Nacional de Reforma Agrária, com o compromisso de assentar 480 mil famílias e, segundo dados do INCRA, em sete anos foram assentadas 574,6 mil famílias, numa área de 46,7 milhões de hectares. O total de imóveis cadastrados no Sistema Nacional de Cadastro Rural - SNCR (2005), para o Estado de Roraima, é de 4.261.067,69 de posses cadastradas; destas, são propriedades tituladas cerca de 1.156.766,00 hectares, totalizando 6.077 imóveis (2006), do total de 29.443 cadastros. Atualmente os assentamentos da Reforma Agrária (ARF), que totalizam 50, assentamentos, estão localizados em 12 municípios, com 14.329 famílias assentadas. A estrutura agrária no Estado de Roraima A questão agrária tem permeado a história do povoamento do Brasil e esteve presente em todos os seus momentos, vindo a constituir-se em um dos fatores determinantes dos rumos tomados pelo País. Segundo Schmink (1981), na Amazônia, o fenômeno de colonização espontâneo associado

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ao dirigido ganhou dimensões significativas a partir de meados da década de sessenta, após a implantação dos processos de industrialização e urbanização brasileira. Ao contrário das ocupações de espaços precedentes no País, a colonização da Amazônia contou com a do Estado por meio do estabelecimento de infraestrutura de transportes e comunicações; programas especiais de colonização; incentivo à ocupação produtiva; crédito agrícola subsidiado, além de subsídios fiscais. O sentido global das políticas era o de ocupação da região para sua integração à vida econômica do País, sem qualquer preocupação com suas características naturais e/ou culturais. Os programas especiais de colonização visavam colonizar, com projetos públicos e privados, a Amazônia. O PIN visava ocupar as margens da rodovia Transamazônica com aproximadamente 5.000 famílias. O PROTERRA, que visava assentar famílias oriundas do Nordeste, acabou atingindo menos de 1.000 famílias. Entre 1970 e 1994 a colonização oficial efetuada na Amazônia ocorreu em 49 assentamentos atendendo aproximadamente 85.000 famílias. Segundo vários estudos a maioria destes projetos, além de pouco eficientes (tiveram elevados índices de abandono), apresentava custos de implantação elevados. Silva (1973) descreve três formas básicas de colonização: a espontânea – que se caracteriza pelo estabelecimento de grupos sociais em uma determinada região, com seus próprios recursos e por “livre” iniciativa; a dirigida – que envolve um mínimo de orientação e estímulo quanto à escolha e/ou organização da área a ser colonizada; a planejada – que consiste na elaboração do planejamento global, desde a escolha da área geográfica, da seleção dos grupos que irão ocupá-la, até o aproveitamento dos recursos e da atividade econômica a ser realizada. Baiardi (1982) explica que: Entende-se por reforma agrária um amplo, participativo e democrático processo de redistribuição de renda e de terra


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que venha a se verificar na agricultura, o qual traga no seu bojo iniciativas superiores de organização dos pequenos produtores e assalariados que propiciem uma participação de suas associações na gestão do que hoje se convenciona denominar sistema complexo agroindustrial. Dados da Estrutura Agrária do Estado de Roraima O INCRA/RR vem desenvolvendo um processo de destinação de terras públicas com a colonização e assentamentos e também a regularização das

(ARF). Atualmente, a área total ocupada por Terras Indígenas, Unidades de Conservação e imóveis destinados à Defesa Nacional é de aproximadamente 59,59% do território do Estado. Economia ecológica versus desenvolvimento econômico A relação da economia ecológica com os recursos naturais está apoiada no princípio da escassez, que classifica como “bem econômico” o recurso que estiver em situação de escassez, desconsiderando o que for abundante. Além do princípio exposto, a noção de internalização das externalidades é outro pilar fundamental

Quadro 01: Demonstrativo da situação fundiária do Estado de Roraima.

DISCRIMINAÇÃO

ÁREA (HA)

%

22.298.980,00 16.553.681,19 1.570.540,22 2.329.857,00 10.398.390,00 559.339,00 1.156.766,00 767.287,99 5.236.998,00

100,00 73,80 7,04 10,45 46,63 2,51 5,19 3,44 23,49

4.140.326,89

18,57

Terras Dentro da Faixa de Fronteira de 150 km

2.340.326,89

10,50

Terras Fora da Faixa de Fronteira Terras Públicas Estaduais não Destinadas

1.800.000,00 2.241.180,00

8,07 10,05

SUPERFÍCIE TOTAL DO ESTADO TERRAS PÚBLICAS FEDERAIS DESTINADAS Áreas de projetos de assentamentos Unidades de Conservação Terras indígenas demarcadas, homologadas e em identificação. Área das Forças Armadas Áreas tituladas Situações Jurídicas Constituídas – CPCV Terras Arrecadadas pelo INCRA Terras Públicas Federais não Destinadas

Fonte: 1. IBGE; 2. MJ/FUNAI; 3. MDA/INCRA; 4. MMA/IBAMA; 5. MD/INCRA/SR (25)-RR, PLANO DE AÇÃO 2006 e INCRA/SIPRA (2008).

terras, para constituir uma estrutura agrária que atenda aos modelos da agricultura familiar e do desenvolvimento social do Estado de Roraima. É importante ressaltar que o governo estadual também dispõe do Instituto de Terras e Colonização de Roraima – ITERAIMA, órgão estadual gestor da política fundiária. Analisando a estrutura agrária até o ano de 2004, encontramos a seguinte situação: Conforme se observa no quadro acima, cerca de 73,80% das terras do Estado de Roraima estão destinadas, de forma que, desse percentual, 7,04% são Assentamentos da Reforma Agrária

da economia ecológica. Essa economia procura arranjar maneiras de mitigar os problemas de modo a maximizar o valor dos recursos, incluindo o desmatamento, as mudanças climáticas, a emissão de gases etc. As ações antrópicas causam impactos no ambiente provocando mudanças no ecossistema, muitas vezes irreversíveis, o que ocasiona limitações no desenvolvimento econômico. Por essa via, a Economia Ecológica orienta que a capacidade do meio ambiente de absorver impactos causados pela presença humana, é limitada e focaliza o sistema econômico como um “organismo vivo, que

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intercambia energia e matéria com seu meio externo e esse fluxo está na base do funcionamento da economia humana” (MUELLER, 2007, p. 13 e 30). Essa capacidade pode ser medida por meio do tamanho da população e o seu nível de produção, ou seja, quanto maior a capacidade de produção material por habitante e maior a sua concentração em termos de taxa de crescimento, em determinado espaço físico, maior será a degradação que o ambiente tende a sofrer. Mueller (2007) ainda relaciona o crescimento demográfico dos países em desenvolvimento como sendo ameaça ao meio ambiente ao considerar que, em países densamente povoados, o aumento na demanda por alimentos geralmente conduz à adoção de processos de ocupação, abertura e uso descontrolado de terras, com cultivos de zonas inadequadas, resultando, no limite, em desertificação. Segundo informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, as áreas de maior desmatamento em Roraima sobrepõem-se às dos assentamentos agrícolas, frutos de estratégia de ocupação com perspectivas de desenvolvimento regional, promovidos pelo órgão que regula essa prática, enquanto modelo adotado pelo País. Para Amazonas (2004), está na Economia Ecológica o entendimento de escalas em que as restrições ambientais podem se constituir em limites efetivos para as atividades econômicas. No Brasil, as medidas de gestão ambiental surgiram a partir de 1973, com a criação, em âmbito federal, da Secretaria Especial do Meio Ambiente, após a conferência das Nações Unidas sobre o tema, marcando o início do diálogo entre países industrializados e em desenvolvimento, vinculando as questões da poluição do ar, água e oceanos no crescimento econômico e no bem-estar da comunidade.

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Com a Constituição de 1988, o Estado brasileiro, em processo de democratização, estabeleceu a descentralização das políticas públicas, da esfera federal para as esferas estadual e municipal, sendo um acontecimento de suma importância para o desenvolvimento de políticas públicas, regionais. Para o entendimento da questão do desmatamento e suas implicações à luz da legislação vigente no País, é importante que alguns conceitos apresentados na Constituição Federal sejam comentados: Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico: o meio ambiente passou a ter o mesmo peso que o desenvolvimento econômico. A simples inscrição do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado não o colocou a salvo da tentativa de fazer-se prevalecer o interesse econômico imediato. (art. 170, VI CF); Propriedade e Meio Ambiente: a propriedade é garantida, mas deve ser de acordo com o interesse social (art. 5.°, XXII e XXIII e art.170, II e III CF). Não é mera riqueza literária o que se contém nesses dispositivos da Constituição Federal. Uma das funções sociais da propriedade é a de respeitar o ambiente do qual se faz parte. A agricultura e o meio ambiente: a atividade agrícola está intimamente ligada ao uso dos recursos naturais e não pode estar desvinculada do propósito de uma boa qualidade ambiental. Como parte integrante do ecossistema, a agricultura deve respeitar os limites naturais e atuar de forma a não esgotá-lo, mantendo sua sustentabilidade a longo prazo. Reserva Legal: as áreas de Reserva Legal são áreas de vegetação nativa que não podem ser desmatadas para o uso agrícola. Na região de savana na Amazônia Legal, essa área deve ser de 35% da propriedade. Em caso de propriedade situada na região florestal da Amazônia Legal,


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a área de Reserva Legal deve constituir 80% da propriedade. É permitido o uso da Reserva Legal apenas sob regime de manejo florestal sustentável, de acordo com critérios técnicos e científicos. Áreas de Preservação Permanente: as áreas de floresta ou vegetação nativa que margeiam os rios e córregos são de grande importância. Desempenham um papel de filtro natural contra sedimentos e impurezas e atuam na fixação do solo, evitando a erosão e o assoreamento dos rios. Licenciamento Ambiental: é uma autorização emitida pelo órgão estadual ambiental para os projetos agrícolas com área acima de 100 hectares. Nesses casos, é solicitado ao produtor um Plano de Controle Ambiental – PCA, documento no qual são apresentadas medidas de proteção ao meio ambiente. A Política Ambiental do Estado de Roraima A Constituição de 1988 realizou o grande feito de dividir entre as três esferas de governo (federal, estadual e municipal) a responsabilidade de proteger o meio ambiente e combater a poluição, em qualquer de suas formas, além de registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos, da pesquisa à exploração de recursos minerais, incluindo os recursos hídricos, em seus territórios. A legislação dispõe sobre a engrenagem administrativa necessária à implementação e execução da Política Nacional do Meio Ambiente, ou seja, cria para sua execução o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA. Em 1987, iniciou-se o Projeto de Zoneamento Agroecológico, interrompido, em face das mudanças de ordem administrativa no governo. Com a retomada do zoneamento, cujo objetivo básico é disciplinar a ocupação do Estado de Roraima, dez áreas foram selecionadas como prioritárias. A seleção dessas áreas obedeceu a critérios referentes à localização estratégica, às características sociais e, principalmente, aos potenciais agrícola, industrial, mineral, hidrelétrico e de

turismo ecológico, ficando assim definidas: Bacia do Rio Cotingo; Trecho Caracaraí (divisa com o Estado do Amazonas); Ligação Confiança – Gleba Novo Paraíso; Trecho leste da Perimetral Norte; Bacia do Médio e Baixo Mucajaí; Trecho Boa Vista – Caracaraí; Trecho Boa Vista – Pacaraima (BV-8) BR 174; Eixo BR 401 (Boa Vista - Bonfim); Bacia do Rio Amajari; e Área de influência direta do centro urbano de Boa Vista. A Missão das Instituições Públicas Ambientais do Estado de Roraima Gerência do IBAMA/ RR: à Gerência do IBAMA em Roraima compete fiscalizar a exploração da cobertura vegetal, a proteção da flora e da fauna. Instituto Chico Mendes: o Instituto Chico Mendes foi criado em 2006 com a função exclusiva de gerenciar as unidades de conservação, as quais são seis áreas de preservação do Estado, que ocupam 3.563.157 ha e estão assim definidas: Floresta Nacional de Roraima – Decreto Federal n.º 97.545, de 1.° de março de 1989, localizada nos municípios de Mucajaí e Alto Alegre; Estação Ecológica de Niquiá – Decreto n.º 91.306, de 3 de junho de 1985, localizada no município de Caracaraí; Parque Nacional de Monte Roraima – Decreto Federal n.º 97.887, de 28 de junho de 1989, localizado no município de Uiramutã. Este parque perdeu um pouco de sua área devido à homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol; Estação Ecológica de Maracá – Decreto Federal n.º 86.061, de 2 de junho de 1981, localizada no município de Amajarí; Estação Ecológica de Caracaraí – Decreto Federal n.º 87.222, de 31 de maio de 1982, localizada no município de Caracaraí; Parque Nacional do Viruá – decreto s/n, de 1998, localizado no município de Caracaraí; Floresta Nacional do Anauá – decreto s/n, de 18 de fevereiro de 2005, localizada no município de Rorainópolis. Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Roraima – FEMARH: no âmbito estadual, o órgão é responsável pela política de fiscalização, preservação, controle e monitoramento ambiental, vinculado à Secretaria de Estado do Planejamento e Desenvolvimento – SEPLAN/RR.

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Criada pela Lei n.° 815 de 7 de julho de 2011, tem por objetivo promover, elaborar, gerir, coordenar e executar a Política do Meio Ambiente e de recursos hídricos do Estado de Roraima, com a finalidade de garantir o controle, a preservação, a conservação e a recuperação ambiental, visando ao desenvolvimento socioeconômico sustentável e à melhoria da qualidade de vida da população. Em Roraima, o modelo de assentamento agrário favorece a concentração humana em algumas localidades, o que provoca, além do desmatamento acelerado e desordenado, outras ordens de problemas como a poluição da água, o destino inadequado dos resíduos sólidos, a proliferação de doenças, entre outros. Muitas são as dificuldades enfrentadas pelos agricultores e em particular aqueles provenientes dos programas de assentamento – registrando atualmente mais de 48 no Estado de Roraima. Segundo o Relatório de Gestão de 2006 do INCRA, estão concentrados em 12 municípios, promovidos por meio do modelo adotado pelo governo federal, os quais acabam por invadir e destruir as reservas legais e de proteção ambiental, intensificando ainda a caça e a pesca predatórias. Para os gestores do órgão ambiental do Estado de Roraima, as maiores dificuldades enfrentadas para o licenciamento ambiental estão atreladas à questão fundiária, uma vez que os proprietários não possuem documentos que compravam a posse da terra; os projetos de assentamento humano, ao serem projetados e instalados, não obtêm o licenciamento ambiental; não definem a reserva legal; e não se realizam estudos prévios sobre a capacidade do meio ambiente, ocasionando ainda o avanço do limite exigido na legislação para essa reserva legal, o que acelera o desmatamento. Considerações Finais O desenvolvimento sustentável é considerado um desafio, uma vez que a problemática ambiental assume importância frente às questões de ordem econômica em um panorama de expansão do

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capital, crescimento populacional e recursos naturais esgotáveis. É nesse contexto que o modelo de reforma agrária precisa ser radicalmente repensado: a distribuição de lotes para famílias sem-terra, muitas das quais sem experiência como pequenos agricultores e sequer como trabalhadores rurais, explorados individualmente ou em projetos coletivos, cuja coesão depende de estrito controle ideológico, implantados em áreas que, para suportar a manutenção das famílias assentadas, exigiriam investimentos e tecnologia muito superiores ao disponíveis e viáveis para um país como o Brasil, que possam garantir a sustentabilidade do ambiente agrário. A gestão territorial da estrutura agrária no Estado de Roraima necessita de políticas públicas orientadas sob o enfoque da Economia Ecológica, com uma gestão ambiental que promova as seguintes ações: eliminação das sobreposições intergovernamentais; regularização fundiária; segurança jurídica das propriedades; licenciamento dos assentamentos rurais; participação dos atores locais/regionais; e política de assistência técnica ao trabalho no campo. Sem essas medidas os mecanismos de controle são frágeis, a começar pela desatualização do cadastro de terras e pela falta de incentivos para preservar, sobretudo o mais fundamental, que é a regularização da propriedade da terra. É necessária a participação do Estado e da sociedade para viabilizar linhas de créditos para os produtores rurais e, principalmente, um trabalho diferenciado na assistência técnica para melhoria do processo produtivo, que garanta boas condições de vida para os trabalhadores rurais. Em concordância com Mourão (2005), concluímos que o modelo de ocupação e assentamento rural no Estado é falho, pois favorece a concentração fundiária e a especulação, deixando uma grande lacuna para o desenvolvimento


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sustentável e econômico de Roraima. Contudo as propriedades rurais e colônias agrícolas têm um baixo aproveitamento do solo agrícola e baixa produtividade, o que força muitas vezes os colonos a mudarem de região, necessitando de políticas públicas articuladas para dificultar a concentração e a especulação fundiária em projetos de assentamento e a necessária articulação entre o INCRA e outras instituições na gestão do patrimônio fundiário do Estado.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, artigo 225.

Em Roraima, há grande necessidade de que a destinação das terras seja bem planejada e acompanhada, com projetos bem adequados, para não afetar o ecossistema e a sustentabilidade necessária ao desenvolvimento da agricultura familiar do Estado.

LEI FEDERAL N.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. “Lei de Crimes Ambientais”.

A questão da reforma agrária no momento atual envolve permanente tensão, tanto pela questão das terras indígenas no Estado, fato agravado pela morosidade governamental na implementação de soluções que garantam a sustentabilidade dos assentamentos, quanto sobretudo pela falta de ações diretas aos novos e antigos assentados, necessitando de ações que gerem ganhos sustentáveis na elevação da renda da agricultura familiar e ao mesmo tempo sustentabilidade ambiental dessa região. Bibliografia AMAZONAS, Maurício de Carvalho. O que é Economia Ecológica? Disponível em http://www.nepam.unicamp.br. Acesso em 29 de outubro de 2010. BAIARDI, Amílcar. A penetração do Capitalismo na Agricultura e a Reforma Agrária. Boletim da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA, Campinas, v. 12, n.º 01, Jan/Fev1982. BRASIL. Estatuto da Terra. 17.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA. SIPRA Sistema de Informação dos Projetos de Reforma Agrária. Boa Vista: Incra, 2008. LEI FEDERAL N.º 4.771, de 15 de setembro de 1965. “Código Florestal”.

MOURÃO, G. M. N. Colonização Recente e Assentamentos Rurais no Sudeste de Roraima, Amazônia Brasileira: entre a política e a natureza. Universidade Federal de Roraima - UFRR. MUELLER, Charles C. Os economistas e as relações entre o sistema econômico e o meio ambiente. FINATEC, Ed UNB, Brasília, 2007. SCHMINK, Marianne. A Case Study of the closing Frontier in Brazil. Centro para Estudos Latino-Americano, Universidade da Flórida. 1981. XAUD, M.R. XAUD, H.A.M. Desmatamento no Estado de Roraima. Boa Vista: Embrapa Roraima, 2005. .18 p. (Embrapa Roraima. Documentos, 8). jun. 2005. Emerson Clayton Arantes: Mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor do Departamento de Administração da Universidade Federal de Roraima. E-mail: emersonclaytonarantes@gmail.com Luciana Silva de Souza: Consultora Independente. Mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: luabela11@gmail.com

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Artigo

A Atualidade das Políticas de Pneus Inservíveis: aspectos gerais e locais Luiz Eduardo Oliveira de Araújo e Consuelo Alves da Frota

Introdução A destinação de pneus inservíveis aos aterros legais e àqueles não autorizados se transformou num enorme problema ao meio ambiente das cidades do mundo. No caso brasileiro duas normas do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) vieram disciplinar essa destinação, quais sejam, a Resolução n.˚ 258/1999 e mais recentemente foi editada a Resolução n.˚ 416/2009. Esta revogou a norma anterior e impôs novas atribuições aos responsáveis pela geração de pneus inservíveis. Entretanto, com o aumento exponencial de veículos automotores de todos os tipos, o descarte desse resíduo acarreta um passivo ambiental preocupante, haja vista que sua deterioração natural leva gerações para ocorrer. A grande busca da ciência em nossos dias é não só

pelo descarte adequado, mas também pela reutilização dele em produtos que possam ainda ser úteis à sociedade. “Medidas voltadas à ampliação do ciclo de vida útil dos bens de consumo, por exemplo, configuram também uma estratégia para atenuar o impacto ao meio ambiente. Essas ações todas têm como meta reduzir a extração de recursos naturais e também maximizar a vida útil dos aterros sanitários”(Rodrigues, 2008). A cidade de Manaus possui um ponto de recolhimento de inservíveis no aterro sanitário, e algumas destinações para esses pneus estão em curso. Existe uma empresa certificada pela Associação Nacional das Indústrias de Pneumáticos (ANIP), que recolhe e separa vários componentes de um pneu em partes úteis para novas utilizações.

Figura 01 - Pneus descartados inadequadamente

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A primeira fase da política de descarte de pneus – Resolução Conama 258 A Resolução CONAMA 258, de 26 de agosto de 1999, dispunha em seu artigo 1.ª que “as empresas fabricantes e as importadoras de pneumáticos para uso em veículos automotores e bicicletas ficam obrigadas a coletar e dar destinação final, ambientalmente adequada, aos pneus inservíveis existentes no território nacional”. Ou seja, “os fabricantes e importadores de pneus devem coletar e dar destinação final para o pneu usado”(Lagarinhos e Tenório, 2008). Essa Resolução veio definir pela primeira vez critérios de proporcionalidade anualizados para que os responsáveis pela coleta dos pneus o façam conforme o exigido.

O Brasil, na época, contabilizava passivo ambiental de 100 milhões de pneus inservíveis abandonados no meio ambiente (ECHIMENCO, 2001, apud Motta 2008). A segunda fase da política de descarte de pneus – Resolução Conama 416 A Resolução CONAMA 416, de 30 de setembro de 2009, veio dispor sobre o mesmo tema de prevenção e degradação ambiental causada por pneus inservíveis e sua destinação ambientalmente adequada, mas, além disso, introduziu novas diretrizes para o seu descarte. Um passo importante dado por essa norma foi a manutenção da proibição de importação de pneus reformados, justificando que a liberdade

Tabela 01 - Prazos e metas impostos aos fabricantes e importadores para a destinação dos pneus inservíveis

Data dos efeitos da norma

1.˚ de janeiro de 2002

1.˚ de janeiro de 2003

Proporção pneu novo: pneu inservível destinado

4:1

Para cada quatro pneus novos fabricados no País ou pneus importados, novos ou reformados, inclusive aqueles que acompanham os veículos importados, 1 deve ser destinado adequadamente

2:1

Para cada dois pneus novos fabricados no País ou pneus importados, novos ou reformados, inclusive aqueles que acompanham os veículos importados, 1 deve ser destinado adequadamente

1:1

Para cada um pneu novo fabricado no País ou pneu novo importado, inclusive aquele que acompanha os veículos importados, outro deve ser destinado adequadamente

4:5

Para cada quatro pneus reformados importados, de qualquer tipo, 5 pneus devem ser destinados adequadamente

4:5

Para cada quatro pneus novos fabricados no País ou pneus novos importados, inclusive aqueles que acompanham os veículos importados, 5 devem ser destinados adequademente

3:4

Para cada três pneus reformados importados, de qualquer tipo. as empresas importadoras deverão dar destinação final a quatro pneus inservíveis, 4 devem ser destinados adequadamente

1.˚ de janeiro de 2004

1.˚ de janeiro de 2005

Fonte: Conama 258/99

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O que diz a Portaria 258


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do comércio internacional e de importação de matéria-prima não deve representar mecanismo de transferência de passivos ambientais de um país para outro. O maior problema foi enfrentado com a União Europeia, que, após a entrada em vigor de rígida legislação sobre a destinação de inservíveis naquele continente, tentava destinar pneus reformados para o Brasil desviando daquela comunidade de nações o problema com a melhor destinação de seu resíduo pneumático, considerando que os pneus reformados rapidamente se transformam em inservíveis. Assevera a Resolução 416/09 que os fabricantes e os importadores de pneus novos, com peso unitário superior a 2,0 kg (dois quilos), ficam obrigados a coletar e dar destinação adequada aos pneus inservíveis existentes no território nacional, na proporção de(?). Para cada pneu novo comercializado para o mercado de reposição, as empresas fabricantes ou importadoras deverão dar destinação adequada a um pneu inservível. Cabe ressaltar que, à luz desta moderna legislação, a reforma de pneu não é considerada fabricação ou destinação adequada. Conceitos importantes 1. Pneu ou pneumático: componente de um sistema de rodagem, constituído de elastômeros, produtos têxteis, aço e outros materiais que, quando montado em uma roda de veículo e contendo fluido(s) sobre pressão, transmite tração, dada a sua aderência ao solo, sustenta elasticamente a carga do veículo e resiste à pressão provocada pela reação do solo. 2. Pneu novo: pneu, de qualquer origem, que não sofreu qualquer uso, nem foi submetido a qualquer tipo de reforma e não apresenta sinais de envelhecimento nem deteriorações.

4. Pneu reformado: pneu usado que foi submetido a processo de reutilização da carcaça com o fim específico de aumentar sua vida útil, como: a) recapagem: processo pelo qual um pneu usado é reformado pela substituição de sua banda de rodagem; b) recauchutagem: processo pelo qual um pneu usado é reformado pela substituição de sua banda de rodagem e dos ombros; e c) remoldagem: processo pelo qual um pneu usado é reformado pela substituição de sua banda de rodagem, ombros e toda a superfície de seus flancos. 5. Pneu inservível: pneu usado que apresente danos irreparáveis em sua estrutura não se prestando mais à rodagem ou à reforma. Estrutura de um pneu Um pneu de veículo de passeio típico, com massa aproximada de 10kg, contém (Bertolo 2002, apud Bernucci 2008): • 2,50kg de diferentes tipos de borracha sintética; • 2,0kg de 8 diferentes tipos de borracha natural; • 2,5kg de 8 tipos de negro de fumo; • 0,75kg de aço para as cinturas; • 0,50kg de poliéster e náilon; • 0,25kg de arames de aço; • 1,5kg de diferentes tipos de produtos químicos, óleos, pigmentos etc. A cadeia de destinação dos pneus A cadeia de destinação dos pneus usados se inicia com a necessidade do consumidor de reposição dos pneus de veículos motorizados e bicicletas. A partir dessa necessidade, o pneu pode percorrer diversos caminhos até sua deposição final. (Motta, 2008).

3. Pneu usado: pneu que foi submetido a qualquer tipo de uso e/ou desgaste, englobando os pneus reformados e os inservíveis.

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Figura 02 - Cadeia de destinação do pneu usado. Elaboração dos autores.

Quando os consumidores deixam os pneus nos distribuidores/revendedores, após a troca, ou nos ecopontos ou ecobases após o término da vida útil, é realizada uma triagem, na qual os pneus podem ser classificados em servíveis ou inservíveis. Os pneus servíveis são aqueles que podem ser vendidos no comércio de pneus usados, como pneus meia-vida, ou podem ser reformados, por meio dos processos de recapagem, recauchutagem ou remoldagem. Os pneus inservíveis são enviados para o processo de pré-tratamento. Este processo consiste em várias operações, como a separação da borracha, a separação do aço e as fibras têxteis. O produto final, dependendo do destino, é o pó de borracha ou lascas de pneus. Os processos mais utilizados para a trituração de pneus inservíveis são: o processo de trituração à temperatura ambiente

e o processo criogênico. (Lagarinhos e Tenório, 2008). No Brasil existem oito fabricantes de pneus, entre empresas nacionais e estrangeiras, de modo que esses se reuniram em uma associação, a Associação Nacional das Indústrias de Pneu (ANIP), e criaram uma entidade, a RECICLANIP, que é a responsável pela coleta e pela destinação adequada de pneus. A Resolução 416/09 impôs aos fabricantes e importadores de pneus que, em municípios com mais de cem mil habitantes, esses deverão implantar, pelo menos, um ponto de coleta; é o chamado ecoponto. Atualmente existem cerca de 468 pontos de recolhimento no País, distribuídos conforme o gráfico abaixo:

Figura 03 - Pontos de coleta de pneus inservíveis no Brasil Fonte: RECICLANIP (2010)

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Principais Alternativas para a Destinação dos Pneus Inservíveis Há vários estudos e esforços para o uso desse material em produtos do tipo: asfalto modificado com borracha (AMB), combustível alternativo para as indústrias de cimento, solados de sapatos, borrachas de vedação, dutos pluviais, pisos para quadras poliesportivas, pisos industriais e até tapetes para automóveis. Asfalto borracha A borracha de pneu moída pode ser utilizada como material para pavimentação por meio da mistura com ligante asfáltico. A borracha de pneu moída é um polímero.

por T. Hancock em 1823. Já a primeira patente de uma mistura de material betuminoso com borracha natural para construção de estradas foi obtida por E.E. Castell em 1844 (ZANZOTTO e KENNEPOHL, 1996). O material betuminoso mais comumente empregado é o cimento asfáltico de petróleo (CAP). Existem dois métodos principais para a incorporação da borracha de pneu ao ligante asfáltico: (1) Via seca e (2) Via úmida, também chamado este de McDonaldProcess em referência à primeira patente da tecnologia em que se aplicou esse processo: é realizado pela pré-mistura e reação da borracha de pneu tritu-

Figura 04 - Destinação de pneus inservíveis no Brasil, em números relativos Fonte: RECICLANIP

A mistura de materiais betuminosos e polímeros, visando melhorar as características do ligante asfáltico, não é recente. A primeira patente da combinação de uma borracha natural com asfalto, a ser utilizada como impermeabilizante, foi obtida

rada em tamanho relativamente pequeno (cerca de 600 microns ou menos) no CAP, em temperatura elevada (150 a 200˚C), por certo período de tempo (20 a 120 minutos). (AsphaltInstitute, 2007).

Figura 05 - Representação da fabricação de asfalto modificado com borracha Fonte: Elaboração dos autores

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A Política de Sustentabilidade em Manaus Em Manaus temos uma empresa certificada pela Reciclanip para a coleta e destinação adequada de pneus inservíveis. Seus procedimentos abrangem, entre outros: • A coleta de pneus inservíveis nas distribuidoras e revendas. • Manter no aterro sanitário de Manaus um ecoponto para receber o descarte de pneus. • Segundo a empresa cerca de 35.000 unidades são coletadas por mês na cidade. • Esses pneus são cortados em tamanhos menores ou triturados. • Fábricas de cimento e argamassa utilizam esses produto. Outro fator importante a considerar é o número de borracharias ou distribuidores de pneus na cidade, que, em estudo realizado por Frota et al. (2008) são da ordem de 423 pontos, nas seis

Lagarinhos, Carlos A. F.; Tenório, Jorge A. S. Tecnologias utilizadas para a reutilização, reciclagem e valorização energética de pneus no Brasil. Polímeros: Ciência e tecnologia. Vol. 18, n.˚ 2. 2008. São Paulo. Rodrigues, Maria R. P. Tese de doutorado. Caracterização e utilização do resíduo da borracha de pneus inservíveis em compósitos aplicáveis na construção civil. 2008. EPUSP. São Carlos. Levantamento de pneus inservíveis, Manaus (AM). Frota, Consuelo A. CONINFRA – Congresso de Infraestrutura de Transporte. São Paulo. 2008. Pavimentação Asfáltica – Formação Básica para Engenheiros. Bernucci, LiedeBariani. ABEDA. Rio de Janeiro. 2008.

zonas geográficas da capital. Conclusão Podemos concluir que a atual Resolução 416/09 vem sendo cumprida em Manaus. A destinação dos resíduos dos pneus inservíveis está sendo usada em energia calorífica na fábrica de cimento e na composição de argamassa. Encontra-se em operação uma usina de asfalto que, segundo seus responsáveis, pode fabricar AMB. Pelos estudos realizados até o momento, os 35 mil pneus descartados mensalmente podem contribuir para a melhoria da pavimentação urbana da cidade, pelo menos em trechos de maior volume de tráfego. Bibliografia Motta, Flávia G. A Cadeia de Destinação de Penus Inservíveis – O papel da regulação e do desenvolvimento tecnológico. Ambiente e Sociedade. Campinas. V. XI, n.˚ 1. 2008.

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The Asphalt Handbook. Asphalt Institute. MS-4. 7th Edition. 2007. USA. Brasil. Resolução n.˚ 258 CONAMA. Ministério do Meio Ambiente. 1999. -------. Resolução n.˚ 416. CONAMA. Ministério do Meio Ambiente. 2009. Luiz Eduardo Oliveira de Araújo é engenheiro civil, mestrando em Engenharia de Recursos da Amazônia (UFAM). Membro da Sociedade Portuguesa de Geotecnia. luiz.araujo33@hotmail.com Consuelo Alves da Frota é engenheira civil e pós-doutora. Universidade do Tennesse, Estados Unidos. Departamento de Geotecnia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). cafrota@ufam.edu.br


Artigo

O Georreferenciamento Territorial: um instrumento de sustentabilidade da Floresta Amazônica brasileira Sandro Luis Bedin, Fabiane Duarte Alves e Hariany Melo Nunes

Resumo No fim da década de 1990, houve a intensificação no avanço da fronteira agrícola na Amazônia. Mas, se por um lado esse avanço gerou elevados níveis produtivos, por outro se elevou o processo de desmatamento, exclusão socioeconômica, conflitos fundiários, aumento de latifúndios, além da intimidação aos órgãos de controle ambiental e agrário. No entanto, com a pressão mundial quanto ao cumprimento de medidas de sustentabilidade, o INCRA editou uma portaria conjunta com o IBAMA que buscou reordenar a questão ambiental, territorial e a posse da terra por meio do georreferenciamento via Global Positioning System, GPS.¹ Essa técnica

geodésica consiste em demarcar os lotes de terra por meio do GPS, para delimitar seus limites circunvizinhos e registrá-los junto aos cartórios de registro de imóveis. Mas a aplicação do GPS foi transformada em um instrumento positivo de controle ambiental pelo INCRA, IBAMA e INPE, uma vez que esses órgãos passaram a se utilizar desses mesmos dados geodésicos para monitorar o desmatamento e a reserva legal na Amazônia. Como o GPS informa a latitude e a longitude das propriedades pelas informações do satélite brasileiro, pode-se realizar uma fiscalização e um acompanhamento on-line dos problemas ambientais e fundiários amazônicos e mapear em quais propriedades isso está acontecendo.

¹ Portaria de no 10, de 1.º de Dezembro de 2004.

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O Georreferenciamento Territorial: um instrumento de sustentabilidade da Floresta Amazônica brasileira

Um breve contexto sobre a Ruralidade Amazônica Apesar de a economia rural na Amazônia apresentar um período áureo com a produção gomífera, com o cacau e com as drogas do sertão, foi com o I Plano de Desenvolvimento da Amazônia, I PDAM, que houve muitas vantagens econômicas para integrar as economias do Norte brasileiro com as economias do Centro-Sul. Para Mahar (1978), visando ao crescimento econômico regional, foram elevados os investimentos destinados ao setor de transportes, produção de energia isolada ou interligada e promoção de um intenso projeto de colonização regional. Este último, sob a égide do PROTERRA, tinha como meta o assentamento de famílias no meio rural amazônico facilitando a aquisição de terras e melhorando as condições de trabalho rural, com o intuito de promover a agroindustrialização da Amazônia. Essa estratégia na Amazônia fez que o modelo agroexportador nacional, iniciado na Região Sul do Brasil, fosse reproduzido e consolidado pela política desenvolvimentista do governo militar, impulsionando, no período de 1970-1980, a migração populacional de colonos da Região Sul do Brasil, oriundos do Planalto gaúcho, Oeste de Santa Catarina, Sudoeste e Oeste do Paraná para os estados de Mato Grosso, Rondônia, e Pará. Esse processo se intensificou nos anos 90, com a migração desses colonos para Tocantins, Sul do Maranhão e do Piauí e Oeste da Bahia. No caso expansão na Amazônia, parte desses atores, que realizaram o processo de colonização no Sul do Brasil, passou a migrar para áreas do bioma amazônico (BECKER, 2000). Neste particular, Campos (1997) salienta que, conforme os colonos sulistas foram ocupando áreas para o plantio e se associaram com latifundiários existentes na região, os campone-

ses amazônidas, que somente utilizam a terra à subsistência e se utilizavam da geração de um pequeno excedente ao consumo, foram ficando marginalizados e excluídos do processo. Assim, a desestruturação das terras e a devastação da floresta incorreram em num processo doloroso de rompimento da estrutura familiar rural amazônica, refletindo em problemáticas tais como a elevação da temperatura global, erosão do solo, assoreamento de rios, matança de animais silvestres e baixo desenvolvimento do próprio homem. O monitoramento da Amazônia pelo Georreferenciamento via Global Positioning System, GPS. De acordo com Azanha (2001) a primeira legislação brasileira que tratou de regularizar as posses e propriedades das terras foi a Lei de Terras de 1850, pois até aquela data a posse respeitava as Capitanias Hederitárias e, posteriormente, a concessão das sesmarias. Com a instituição da Lei de Terras de 1850, foram estabelecidas regras à medição, venda de terras públicas e também critérios para demarcação de reservas indígenas, alocação de povoados, construção de estradas, reservas de marinha e de fronteira com países estrangeiros. Já no período da República, foi promulgado, no ano de 1964, o Estatuto da Terra que substituiu a Lei de Terras de 1850. Apesar de haver uma legislação histórica que tratasse da problemática fundiária no Brasil, houve sempre um hiato extenso entre o cumprimento desta legislação fundiária e sua fiscalização in loco, devido à ausência de tecnologia de controle em tempo real. É com a gênese do Sistema Geodésico Brasileiro, SGB, iniciado na década de 1940 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, que se criou um importante instrumento utilizado no contexto do controle fundiário (FREITAS et al, 2004)².

² Conforme o IBGE (2004), Assad (1998) e Blitzkow & Matos (2002), a partir do SGB, foi possível desenvolver metodologias de observação por fotos de satélite, utilizadas para a observação de fenômenos naturais, deslocamento das placas tectônicas, marés terrestres e oceânicas, movimentos da Terra, apoio ao mapeamento geodésico, demarcação de unidades político-administrativas, obras de engenharia, regulamentação fundiária, posicionamento de plataformas de prospecção de petróleo e delimitação de regiões de pesquisas geofísicas.

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O Georreferenciamento Territorial: um instrumento de sustentabilidade da Floresta Amazônica brasileira

Mas, foi a partir do ano de 2004, que o SGB se tornou essencial ao controle fundiário a ambiental, principalmente na Amazônia. Neste ano o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, INCRA, editou a Portaria Conjunta, a de n.o 10, de 1.º de dezembro de 2004, em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, IBAMA, resolvendo que as novas solicitações de inclusão ou alteração de imóveis rurais, independente de sua dimensão, somente seriam recepcionadas pelo INCRA se acompanhadas de documentação comprobatória, especialmente planta e memorial descritivo georreferenciado, elaborada de acordo com a norma técnica para georreferenciamento de imóveis rurais, editada pela Resolução INCRA/ CD n.o 10, de 17 de novembro de 2003, que permite verificar a sua superposição com terras públicas, por meio do GPS (D.O.U, 2 de dezembro de 2004). Para Roque (2006) et al, o GPS é na atualidade o instrumento mais eficiente na coleta de informações especializadas pontuais, lineares e poligonais da tarefa do georreferenciamento, tal como mostra a Figura 01.

Conforme a ilustração da Figura 01, o georreferenciamento é uma técnica de descrição dos imóveis rurais, que contribui para o controle tanto do cadastro dos imóveis rurais quanto dos direitos reais a eles relativos, tendo como objetivo a localização específica de um bem individualizado dentro do globo terrestre. O GPS é um sistema de rádionavegação baseado em satélites, permitindo que usuários em terra, mar e ar determinem suas posições de latitude, longitude, altitude, velocidade e hora. Com a utilização da tecnologia do satélite, após a medição feita pelo GPS nas extensões da propriedade rural, é possível observar em tempo real, por meio dos satélites do INPE, os pontos de latitude, longitude e os confrontantes da área, podendo-se também estimar a reserva legal exigida por lei e ainda monitorar a invasão de terras federais, reservas indígenas, agroextrativistas e as queimadas em reservas florestais. De acordo com a portaria 10 do INCRA, o georreferenciamento por GPS deve ser feito por proprietários que detêm o domínio direto e útil dos imóveis rurais, que desejarem realizar alterações cartoriais como desmembramento, parcelamento, remembramento, qualquer tipo de transferência ou em caso de utilização da propriedade para fins de financiamento e hipoteca.

Figura 01 - Georreferenciamento via GPS e Satélite Brasileiro CBERS-2. Fonte: Roque (2006) et al; Agência Espacial Brasileira, www.aeb.gov.br e formulação do autor.

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O Georreferenciamento Territorial: um instrumento de sustentabilidade da Floresta Amazônica brasileira

Com base na problemática levantada, o georreferenciamento nas terras da Amazônia é utilizado com o intuito de se verificar a estrutura fundiária regional, no que diz respeito, principalmente, ao gerenciamento das áreas de preservação permanente, reservas indígenas e reservas de mata legal, obrigatórias em todas as propriedades rurais da região e mapeadas pelo Zoneamento Econômico Ecológico, ZEE³, com instrumento auxiliar de controle ambiental. Isso decorre da necessidade de garantir a sustentabilidade da região enquanto floresta, fauna, flora, recursos hídricos e populações locais, que estão sendo pressionadas pelo avanço do agronegócio no arco da faixa de fronteira agrícola (Lui e Molina, 2009). Conclusões É bem verdade que uma grande parcela de contribuição o desenvolvimento industrial brasileiro se deu na esteira das políticas cíclicas à agricultura como o caso da cafeicultura, do setor canavieiro, da soja, do milho e do algodão. Porém, devido à heterogeneidade regional, os impactos dessa modernização foram sentidos de forma diferenciada, particularmente pela própria formação social e econômica das regiões federadas. Nesse contexto, está a Amazônia,

que depara com um modelo produtivo de larga escala, que provoca elevados níveis de desmatamento, conflitos agrários, mortes violentas de humanos e da biodiversidade que são noticiados diariamente. É então a legalidade e o controle fundiário na Amazônia tomam corpo, sob a égide do INCRA e do instrumental de georreferenciamento, como medida urgente de resguardar essa reserva natural. Com a mediação de terras feita com a tecnologia do GPS, o governo federal brasileiro pode monitorar em tempo real as demarcações de propriedades, as reservas legais e todo tipo de alteração florestal no território nacional e, em especial, na Amazônia. Assim, com os dados informados pelos topógrafos aos cartórios, é possível verificar se há sobreposição de propriedades em terras da União e em reservas florestais e indígenas, sendo uma prática utilizada para se beneficiar de financiamentos em bancos públicos. Além disso, com os dados de latitude e longitude se pode observar se houve desmatamentos ilegais, uma vez que se podem visualizar pelo satélite as imagens da propriedade e verificar se a reserva legal foi respeitada. Por fim, podem-se monitorar as queimadas e focos de incêndio na Amazônia em todos os biomas nacionais.

³ Para Ab’Saber (1989), o Zoneamento Econômico e Ecológico na Amazônia, ZEE, é um fruto do projeto pioneiro Radar da Amazônia, RADAM, iniciado nos idos de 1970. Sua importância primordial está no fato de promover a busca das vocações de cada célula espacial regional, conhecimento sobre os tipos de solos, visão sobre as tendências de uso econômico dos espaços rurais e urbanos, mensuração dos custos e benefícios gerados, identificação dos espaços à exploração econômica, apoio às atividades agrárias e identificação da infraestrutura. O ZEE implica, ainda, reconhecer e delimitar espaços, tais como parques nacionais, reservas indígenas, reservas biológicas, estações ecológicas, cabeceiras de drenagem, florestas beiradeiras e áreas de proteção.

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O Georreferenciamento Territorial: um instrumento de sustentabilidade da Floresta Amazônica brasileira

Nesse sentido, a inserção de tecnologias no combate à devastação da Floresta Amazônica e seus atores são responsáveis por estabelecer vantagens comparativas associadas a projetos como a SUFRAMA, Calha Norte e o SIPAM e instituições de pesquisa e inovação, tais como as universidades amazônicas, fundações de pesquisa e inovação, projetos de sustentabilidade, apoio governamental nacional e estrangeiro e demais parceiros desse processo. Bibliografia AB’SABER, Aziz. Zoneamento ecológico e econômico da Amazônia Questões de escala e método. In: Estudos Avançados, vol.3, n.º5, São Paulo, Janeiro-Abril, 1989. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ea/v3n5/ v3n5a02.pdf. Acesso em 10/10/2011 22:10:28. ASSAD, Eduardo Delgado. Sistemas de Informações Geográficas. Aplicações na Agricultura. 2.ª ed. rev. e ampl. Brasília: EMBRAPA/SPI/ CPAC, pp. 1-29, 1998. AZANHA, Gilberto. A Lei de Terras de 1850 e as Terras dos Índios. Centro de Trabalho Indigenista. Disponível em: http://www. trabalhoindigenista.org.br/Docs/terra.pdf. Acesso em 3/3/2005, 11:12:55. Julho, 2001, 9 p. BECKER, Berta K. Cenários de Curto Prazo para o Desenvolvimento da Amazônia. In: Cadernos IPPUR, n.º 1, ano XIV. Rio de Janeiro: UFRJ, pp. 53-85, 2000. BLITZKOW, Denizar & MATOS, Ana Cristina Cancorro. A Evolução dos Referenciais Usados em Geodésia: A Era Moderna. In: Boletim de Ciências Geodésicas, v. 8, n.º 1. Curitiba: UFPR, pp.3-16, 2002. CAMPOS, Índio. Fronteira e Campesinato no Trópico Úmido. In: XIMENES, Tereza (org). Perspectivas do Desenvolvimento Sustentável: Uma Contribuição para a Amazônia 21. Belém: Universidade

Federal do Pará/Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/Associação das Universidades Amazônicas, pp. 361-390, 1997. D.O.U. Portaria Conjunta n.o 10, de 1.º de dezembro de 2004. Ministério do Desenvolvimento Agrário, MDA. Brasília: DF, Imprensa Nacional, 12 p., 2004. FREITAS, Silvio Rogério Correia. Avaliação da Compatibilidade dos Sistemas Geodésicos de Referência No Brasil. Boletim de Ciências Geodésicas , v. 10, n.º 2. Curitiba: UFPR, p.225-239, jul-dez, 2004. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Informações Geodésicas. 2004. Disponível em <<http.www.ibge.gov. br>>. Acesso em 22/01/2005, 22:48:02. Lui, Gabriel Henrique & Molina, Silvia Maria Guerra. Ocupação humana e transformação das paisagens na Amazônia brasileira. In: Amazônica - Revista de Antropologia, Vol. 1, n. 1, 2009. MAHAR, Denis. Desenvolvimento Econômico da Amazônia. Rio de Janeiro, IPEA, 184 p., 1978. ROQUE, Cassiano Garcia et al.Georreferenciamento. In: Revista de Ciências Agro-Ambientais, v.4, n.º1, p.87-102. Mato Grosso: Alta Floresta, 2006. Sandro Luis Bedin - Mestre em Planejamento do Desenvolvimento e Docente do Departamento de Economia da Universidade Federal de Roraima, onde atualmente desenvolve estudos sobre cadeias produtivas, planejamento regional e Economia Solidária. Fabiane Duarte Alves - Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Roraima. Hariany Melo Nunes - Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Roraima.

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Artigo

Programa ALI: um instrumento para a criação de uma cultura de inovação em Manaus Ewerton Larry Soares Ferreira e Israel Folgoza de Moura Resumo Este artigo tem o intuito de analisar o Programa “Agentes Locais de Inovação – ALI”, concebido pelo Sebrae e executado no Amazonas em parceria com a Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica – Fucapi. No caso local, o Programa tem o objetivo de criar um ambiente inovador por meio do atendimento a 400 empresas dos setores de alimentos, confecções e construção civil. Iniciado em outubro de 2010, alcançou 241 empresas em seu portfólio em dezembro de 2011. O texto está organizado em quatro tópicos: o primeiro trata da contextualizaçãoda inovação e sua importância na economia moderna; o segundo descreve o Programa ALI e as especificidades de sua aplicação no Amazonas; tópico seguinte analisa sua dinâmica e os potenciais impactos caso o Programa seja bem-sucedido; o tópico final discorre sobre os principais desafios a serem superados para a consecução dos objetivos do Programa ALI. Ainda é cedo para conclusões mais contundentes, por exemplo, se o Programa ALI vai conquistar a plenitude de seus objetivos, mas é aceitável afirmar que a arquitetura do Programa e a mobilização atual em torno dele são positivas, no mínimo, por induzir o pequeno empresário a discutir e buscar soluções para ser inovador e por incluir profissionais (os agentes) nessa mesma discussão tendo passado por um processo de capacitação e pela prática de usar sua criatividade dentro das empresas. Se os empresários atendidos aprenderem a repetir a mesma linha de raciocínio, mesmo após a finalização do atendimento pelos agentes, e essa postura criar um efeito demonstrativo para aquelas empresas que não aderiram ao Programa, aí será o sucesso máximo do ALI.

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Contextualização Este artigo trata do Programa“Agentes Locais de Inovação – ALI”, analisando criticamente seu formato e operacionalização e avaliando o potencial impacto para o desenvolvimento da economia onde está sendo aplicado. O Programa tem o objetivo de induzir a criação de um ambiente inovador, massificando soluções inovadoras como forma de aumentar o desempenho de empresas de pequeno porte. Em favor de argumentar sobre a importância do programa ALI, é necessário refletir sobre aspectos como a dinâmica da economia contemporânea, o papel da inovação nesse contexto e o esforço de instituições, públicas ou não, no sentido de introduzir o espírito de um mundo globalizado nas empresas localizadas em seu território de influência. Os dois primeiros aspectos podem ser considerados num mesmo plano. Está bastante difundido o discurso sobre a dinâmica do mundo atual, em que a competição não é mais reduzida a empresas de um local específico, que as tecnologias de informação e comunicação (TICs) modificaram completamente os paradigmas de convívio e relacionamento da sociedade e que o conhecimento sistematizado e “não empírico” é um fator de grande importância na operação de empresas. Num artigo de mais de dez anos atrás, Lastres (2000) faz uma reflexão a respeito da afirmativa: “a importância estratégica da ciência e tecnologia aparentemente sofre os efeitos de um paradoxo muito comum: o reconhecimento geral de sua importância, por parecer óbvio, faz que ninguém se sinta motivado a discutir a questão”.Quer dizer, mesmo difundindo em demasia o discurso sobre


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a importância da inovação, o risco da obviedade é acreditar que, porque uma problemática é reconhecida, estará automaticamente encaminhada a sua solução. Alertas dessa natureza emanaram de diversos setores da sociedade brasileira e se coadunaram com o movimento criado na imensa maioria dos países em desenvolvimento, justamente por conceberem que a ciência e a tecnologia (C&T) são componentes fundamentais para o desenvolvimento de um país e que tal desenvolvimento tornara-se extremamente dependente do seu cenário econômico e, por conseguinte, do desempenho das empresas.

melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas” (Statistical Office of the EuropeanCommunities&Organisati on for Economic Co-operationand Development, 2005). Ainda na segunda edição do Manual de Oslo, a questão era tratada separadamente entre inovação tecnológica e não tecnológica, tendo sido apenas em 2005, portanto, incorporados os aspectos organizacionais e gerenciais à definição geral de inovação.

Em vinte anos, desde 1990, o conhecimento científico e tecnológico passou a ser reconhecido como fator importante no Brasil, tanto pelo mais simples cidadão quanto por políticos e empresários. Ainda na década de 1990, não somente a geração de conhecimentos científicos e tecnológicos era vista como crítica, mas também a aplicação destes em prol do benefício social e econômico da sociedade, tendo sido incorporado o termo inovação ao conjunto C&T e gerando um novo termo, denominado C,T&I (ciência, tecnologia e inovação). Isso não foi um processo meramente endógeno no Brasil, mas acompanhava a tendência mundial de enxergar a inovação como prioridade para o desenvolvimento, tanto que, naquela década, instituições como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)realizaram estudos com o objetivo de orientar e padronizar conceitos, metodologias e construção de estatísticas e indicadores de pesquisa sobre a C&T de países industrializados, como é o caso Manual de Oslo, documento cuja primeira versão foi proposta em 1994 para aquela finalidade.

Mesmo reconhecendo que as definições do Manual de Oslo vão evoluindo de acordo com a experimentação vista globalmente, pesquisadores e estudiosos oriundos de países em desenvolvimento contestam a aplicabilidade do Manual sem os cuidados devidos, haja vista a clara disparidade entre a realidade desses países e a dos países desenvolvidos, o que envolve tamanho e estrutura de mercados e das empresas, ambientes econômicos ainda instáveis, fortemente informais e de limitada capacidade de investimento, sistemas de inovação frágeis, dentre outros fatores. Dessa forma, a terceira edição do Manual de Oslo traz um anexo completo a respeito de pesquisas sobre inovação em países em desenvolvimento, que foi inspirado no documento denominado Manual de Bogotá, produzido pela RICYT¹. Dessa forma, é importante usar com cautela a definição de inovação do Manual de Oslo, no sentido de não deturpar o entendimento sobre as práticas que podem levar a inovações e, consequentemente, de banalizar o termo e seus impactos. Se assim for, há o risco de considerar como inovação qualquer inserção de modos e técnicas novas em empresas de territórios atrasados, e com isso, considerar que a missão de criação do ambiente inovador esteja cumprida. Uma pequena empresa da Dinamarca ou do Japão é diferente de uma pequena empresa mesmo do Sudeste do Brasil, ainda mais da Amazônia.

Cabe aqui ressaltar que é do Manual de Oslo,documento que já se encontra em sua terceira edição, a definição mais bem aceita sobre inovação. O Manual afirma que “uma inovação é a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente

¹ RICYT é a Rede Iberoamericana de Indicadores de Ciência e Tecnologia (RedIberoamericana de Indicadores de Ciencia y Tecnología), iniciativa latino-americana para estudos e pesquisas na área de C&T.

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Independente da abordagem utilizada, as políticas públicas para o desenvolvimento econômico e social se delinearam considerando o papel da C, T&I no fortalecimento e consolidação das economias sob sua responsabilidade, na expectativa de viabilizar o surgimento de empresas capazes de competir em qualquer ambiente, seja local, regional, seja global. Continua-se em busca de solucionar o problema da fragilidade competitiva de parte das empresas nacionais, mas é importante reconhecer que há casos bem-sucedidos no que concerne à inovação; ainda assim, vale ressaltar que esse não é um processo instantâneo, mas sim um processo longo de mudança cultural, que tem raízes históricas advindas do resquício de protecionismo de décadas passadas, bem como limitações e restrições devido ao arcabouço político-institucional brasileiro, mas que tem sido paulatinamente ajustado quando constatamos legislações como a Lei do Bem e a Lei da Inovação, que buscam incentivar a criação da nova cultura. Programa ALI O programa “Agentes Locais de Inovação – ALI” foi idealizado a partir de iniciativas similares realizadas na Índia, nas quais se dá suporte ao fortalecimento de pequenas empresas por meio do apoio de indivíduos capacitados para enxergar soluções que tornem as empresas mais criativas e competitivas. Há também programas similares na Espanha e na França que contribuíram para a conformação da iniciativa brasileira (SEBRAE PARANÁ, 2011). A partir de uma missão que visitou a Índia, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae estruturou um projeto piloto que foi aplicado em 2008 no Estado do Paraná e no Distrito Federal. Após absorver as primeiras impressões e fazer ajustes, o ALI foi transbordado nacionalmente e foi incorporado ao portfólio de ações do Sebrae em 25 estados brasileiros,

já tendo atendido mais de nove mil empresas com soluções de inovação (BEZERRA, ROTH E BLANDIN, 2011). Cada unidade estadual do Sebrae executa o programa de acordo com suas peculiaridades locais, o que é natural para uma instituição que tem essa capilaridade, tendo de se adequar a diversas condições para poder cumprir um papel de tamanha abrangência. No caso do Amazonas, a opção foi de compartilhar a execução do então projeto ALI² com uma organização que pudesse cooperar na consecução dos objetivos. A Fundação Centro Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica – Fucapi foi contratada para tal responsabilidade e tem disponibilizado sua estrutura e expertise para a condução do ALI. A operacionalização do Programa envolve a escolha de setores de atividade para serem atendidos por profissionais recém-graduados, que são capacitados para atuarem como agentes locais de inovação. Esses agentes são acompanhados por Consultor Sênior, indivíduo com mais experiência para orientá-los na jornada de induzir um ambiente inovador na empresa e viabilizar soluções criativas no intuito de catalisar um processo de inovação. Para o caso de Manaus, o Programa foi iniciado em outubro de 2010 e foi estabelecido o atendimento de 400 empresas no prazo de dois anos. Foram escolhidos como público alvo os setores de alimentação, confecções e construção civil, compreendendo empresas de micro e pequeno porte, estabelecidas nas zonas norte e leste da cidade, caracterizadas por uma população predominantemente de classes C, D e E, bem como por intensa atividade comercial. Desse modo, foram selecionados 20 profissionais com até três anos de graduação, que passaram por uma capacitação realizada pelo Sebrae. De acordo com o seu desempenho desde o processo

² Até meados do ano de 2011, o ALI era tratado como projeto, passando posteriormente ao status de programa, como forma de indicar a sua permanência no portfólio de produtos do Sebrae.

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de seleção até o final da capacitação, dez desses profissionais assumiram o papel de agente local de inovação, com os demais sendo mantidos em um cadastro de reserva para eventuais substituições. Além do aspecto quantitativo de atender a 400 empresas, conforme mencionado, o aspecto qualitativo do trabalho dos agentes também está sendo averiguado. Isso está sendo feito por meio do Radar de Inovação, que é um instrumento que se propõe a gerar um diagnóstico que possa apoiar um eventual esforço no sentido de aumentar o uso de novas tecnologias e de processos inovadores, com a finalidade objetiva de aumentar a competitividade e, muitas vezes, viabilizar a continuidade dos negócios (BACHMANN E DESTEFANI, 2008). O Radar de Inovação foi gerado a partir dos estudos de Sawhney, Wolcott e Arroniz (2006), que buscavam identificar

As atividadesas às quais o agente deve proceder ocorrem na seguinte sequência: 1. Sensibilização – na qual o projeto é apresentado à empresa, que ainda verificará seu interesse e disponibilidade em participar. 2. Adesão – que indica a formalização da participação da empresa, confirmando o entendimento das regras do projeto e o seu comprometimento. 3. Diagnóstico – são aplicados o diagnóstico empresarial e o radar de inovação; o primeiro trata de informações gerais da empresa, desde cadastrais até operacionais e de gestão; o segundo trata do diagnóstico voltado para a medição do grau de inovação da empresa, conforme descrito anteriormente.

Figura 01 – Radar de Inovação. Fonte: Bezerra, Roth e Blandin, 2011.

“quantas possíveis dimensões de inovação empresarial existem e como elas se relacionam entre si”. A partir de uma extensa pesquisa em empresas líderes em seus segmentos, os autores identificaram, validaram e testaram um esquema em que apresentam doze dimensões pelas quais qualquer empresa pode procurar oportunidades para inovar. Na adaptação feita por Bachman e Destefani (2008), foi acrescentada a Dimensão Ambiência Inovadora “por entender que um clima organizacional propício à inovação é pré-requisito importante para uma empresa inovadora”.

4. Elaboração de Plano de Trabalho – envolve a elaboração de uma proposta de atuação junto à empresa, baseando-se essencialmente no diagnóstico e na percepção das necessidades de melhoria, com vistas a reforçar os pontos fortes e mitigar os pontos fracos, buscando por esse meio o cumprimento dos objetivos do Programa ALI.

5. Devolutiva – é a apresentação da proposta de plano de trabalho para o empresário; há eventuais ajustes propostos pelo empresário e, enfim, o plano de trabalho definitivo.

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6. Viabilização das Ações – refere-se ao desdobramento do processo de criação do plano de trabalho, em que o agente tem de viabilizar as ações propostas no Plano, identificando provedores de solução, auxiliando os empresários a negociar com os provedores e acompanhando a execução das tarefas. A maioria das soluções está disponível no portfólio do Sebrae, mas também pode ser buscada soluções em outras fontes. Tais ações podem envolver a melhoria dos produtos e de processos operacionais e produtivos, bem como melhorias nas ações voltadas para marketing ou numa melhor estrutura organizacional, de modo que a empresa se torne mais competitiva, sendo essa a chave para a concretização dos objetivos do Programa ALI. 7. Fechamento – trata da finalização do Plano de Trabalho, que idealmente deve ocorrer com o fechamento de todas as ações previstas; eventualmente pode acontecer de uma ação ser desnecessária ou ser inviável, mas tudo é acordado entre o agente e o empresário, com a participação do consultor sênior. Também faz parte dessa etapa a inclusão da ação no Banco de Soluções do Sebrae, que visa manter o conhecimento disponível para outros momentos. É essa a forma como o Programa ALI tem sido conduzido no Estado do Amazonas, ea compreensão desses processos é importante porque permite entender a extensão da atividade do agente. Até dezembro de 2011, estavam em atendimento 241 empresas e em curso mais de 400 ações³ visando à solução de problemas e a melhoria de desempenho das empresas atendidas, sendo mais de 90% de cunho organizacional ou marke-

ting. As ações de cunho tecnológico referem-se a design e técnicas para segurança alimentar. Análise Crítica e Impactos Potenciais do ProgramaALI/AM Conforme dito anteriormente, cada estado realiza o programa ALI de acordo com suas peculiaridades, variando os setores de abrangência, a quantidade e perfil de agentes, dentre outros fatores. Alguns estados optaram por setores de caráter mais técnico, como o de Agronegócios no interior do Paraná e o de Tecnologias de Informação do Rio Grande do Sul; nesses casos, a opção foi também mais técnica para a formação acadêmica dos agentes, como engenharia de alimentos e agronomia no primeiro caso, e engenharia eletrônica e informática no segundo. Em uns casos, os setores escolhidos foram preponderantemente industriais, enquanto em outros prevaleceu o interesse em apoiar o comércio varejista, o que requer ‘abordagens bastante diferenciadas’ para realização do Programa. No caso do Amazonas, foram privilegiados os setores de Alimentos, Confecções e Construção Civil. Embora sejam usados tais termos de modo abrangente, por diversos fatores o foco dos agentes se concentrou em empresas com atividade comercial e de serviços, como restaurantes, lanchonetes, lojas de materiais de construção e vestuário; mas também há casos de atendimento às indústrias de panificação e confecção. De todo modo, mesmo nesses casos de atividade industrial, há um forte viés de comércio e serviço associados, haja vista as panificadoras terem se tornado um misto de pequenos mercados e fornecimento de café da manhã4, alcançando importância similar à tradicional fabricação de pães, bem como a maioria das confecções terem lojas próprias. A principal razão que motiva a

³ Cada empresa dispõe de um plano de trabalho com um mínimo de três ações planejadas, de sorte que raramente mais de duas ações são realizadas simultaneamente. Ademais, algumas ações estão aguardando a indicação de consultor, dificultando a quantificação exata. 4 Manaus tem uma característica bem peculiar no que concerne ao que é chamado de café da manhã regional, que inicialmente se referia à alimentação servida nas esquinas em carrinhos adaptados, mas que foi bem incorporado pelas panificadoras.

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predominância de comércio e serviços no ALI/AM é a ocorrência majoritária desse tipo de empresa nas zonas norte e leste de Manaus. Acredita-se que isso não traz prejuízo ao Programa, mas sim cria a necessidade de ter uma abordagem peculiar, com expectativas mais específicas quanto aos resultados a serem gerados. Isto é, pode acontecer de serem geradas inovações tecnológicas a partir das ações do Programa, mas é compreensível que a maioria dos planos de trabalho elaborados pelos agentes seja voltada para ações no âmbito nas inovações não tecnológicas, que estão no âmbito do marketing e de questões organizacionais. Como afirma Sahwney, Wolcott e Arroniz (2006), “Business Innovation é relacionado a novo valor, e não a novas coisas”, numa referência à perspectiva de que inovação é relevante somente quando cria valor para os clientes, e não necessariamente quando se introduz algum artefato no negócio. Isso reforça o apelo de que as inovações não tecnológicas são importantes. Dentro dessa realidade e dos setores escolhidos para o ALI/AM, empresas de pequeno porte estão usualmente envolvidas com o seu dia a dia, concentrando todos seus esforços na resolução de problemas dos mais triviais que uma pequena empresa está acostumada a enfrentar, como, por exemplo, legalização de suas operações junto a órgãos fiscalizadores, controle de estoques, controle financeiro, atendimento a clientes e melhoria de recursos humanos, dentre outros. Também é possível afirmar que a maioria dessas empresas não utiliza um processo dos mais sistemáticos e profissionais, sendo muitas vezes dirigido por pessoas sem capacitação adequada para assumir tais funções. Independentemente dessa circunstância, a cada dia novas empresas surgem esperando conquistar uma parcela de mercado que mantenha suas operações, e o único esforço habitual para captar novos clientes

é buscar a diminuição de custos, das maneiras mais tradicionais, seja por meio de fornecedores mais baratos, seja pela diminuição do custo de mão de obra, dentre outros. É nesse contexto que o projeto ALI surge como importante instrumento para uma nova dinâmica econômica. Até mais do que isso, a arquitetura do projeto ALI tenta criar condições para o desenvolvimento local em duas frentes principais. A primeira refere-se às próprias empresas atendidas, porque todo o processo de diagnóstico-planejamento-solução cria uma perspectiva diferente do cotidiano de empresas de micro e pequeno porte. Os agentes são estimulados a pensar de maneira criativa, buscando usar essa criatividade para buscar soluções inovadoras. E o acompanhamento do consultor sênior fornece a segurança necessária para disseminar e induzir um ambiente de inovação na empresa. Resulta, daí, a expectativa de criar esse ambiente inovador mesmo para as empresas que não fazem parte do programa, haja vista o efeito demonstrativo que se espera proporcionar na medida em que as empresas participantes do ALI se sobressaiam na sua região de atuação. A outra frente na qual o ALI foi idealizado para gerar um processo sistêmico que desencadeie o desenvolvimento regional refere-se à preparação dos profissionais que atuam como agentes locais de inovação, pois são indivíduos recém-graduados que, além de passar por uma capacitação formal prévia ao projeto, passam pela experiência de atuar junto às empresas, sendo apoiados e orientados por um profissional com mais experiência. Conformam-se, então, noutro vetor de disseminação da cultura da inovação. Desafios e Considerações Finais De forma a engendrar na economia de Manaus um processo de desenvolvimento pautado na inovação, é bastante plausível considerar que

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o Programa ALI se conforma num bom instrumento. Para tanto – e apesar de ainda não ter sido concluída a primeira rodada do Programa – faz-se fundamental aproveitar a experiência acumulada para identificar as dificuldades e ajustar sua operação para rodadas posteriores. Nesse contexto, são vistos como os maiores desafios sobre os quais os responsáveis precisam se dedicar: 1. No artigo de Bezerra, Roth e Blandin(2011)5, a primeira citação sobre os objetivos do Programa ALI remete à massificação das soluções de inovação e tecnologia nas MPEs. Adiante no texto, os autores falam de mudar a cultura do imediatismo para uma cultura inovadora, estimulando os empresários a adotarem uma postura proativa e a buscarem frequentemente a diferenciação perante a concorrência. Desse modo, o objetivo mais geral é a criação desse ambiente inovador, usando a massificação das soluções de inovação como estratégia para criar tal ambiente, ao mesmo tempo que soluciona problemas ou cria condições de aproveitar oportunidades. Num primeiro plano, o desafio a que essa questão remete é fazer que os agentes não se atenham a

5 Os

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soluções que não precisam ser dadas pelo Programa ALI, bem como tão simplesmente socorrer a empresa de falhas elementares na gestão empresarial, mas sim que se concentrem em auxiliar o empresário na busca de soluções criativas e diferenciadas para resolver seus problemas ou para aproveitar as oportunidades que lhe aparecem, ainda que seja compreensível que melhorias em gestão devam ser realizadas no âmbito do Programa. Um segundo aspecto para essa mesma questão, relacionada aos objetivos do projeto, se refere a fazer que, a partir da realização das ações planejadas, o empresário seja capaz de dar continuidade ao modus operandi inovador, sempre sendo capaz de buscar soluções criativas e diferenciadas. É isso o que vai criar uma nova cultura empresarial. 2. Para a viabilização das ações, é necessária a existência de instrumentos e de profissionais com competências e disponibilidades compatíveis com a demanda gerada pelas centenas de ações planejadas pelos agentes. Cada empresa atendida tem um plano de trabalho com média de cinco ações que vão da elaboração de identidade visual a melho-

autores do artigo são colaboradores do Sebrae/NA, sendo o primeiro autor o gestor nacional do ALI.


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rias no processo de fabricação e manuseio de alimentos, passando por consultorias em marketing, finanças, informatização etc. Ao final da adesão das 400 empresas, estima-se algo em torno de duas mil ações a serem realizadas por profissionais de diversas áreas. O Sebrae dispõe de programas como o Sebraetec, Sebrae Mais, Programa de Alimentos Saudáveis etc., bem como uma base de consultores que podem viabilizar tais ações. Contudo essas não podem ser consideradas as únicas alternativas, tanto pela provável indisponibilidade para atendimento exclusivo da demanda gerada pelo ALI/AM, quanto pela perspectiva mais ampla de fortalecer um sistema local de inovação em que possam ser integrados outros atores como as universidades e outras instituições capazes de contribuir para a criação de um ambiente inovador. Evidentemente, esses não são os únicos desafios que devem ser enfrentados, havendo outros mais pontuais e operacionais. Contudo não cabe o tratamento desses no presente artigo. Como em toda ação de política pública e mesmo considerando que o projeto piloto do ALI ocorreu entre 2008 e 2010, é possível notar que a maturidade do Programa e das pessoas que o coordenam continua evoluindo, de modo que o Programa ALI se consolide numa ação permanente do esforço brasileiro em formar empresas competitivas, de padrão global. No caso do Amazonas, espera-se que os resultados dessa rodada sejam suficientemente bons e que, sobretudo, seja possível aproveitar a experiência dessa primeira fase para incorporar melhorias nos procedimentos para as aplicações posteriores, no intuito de criar esse ambiente inovador e o desenvolvimento da economia local de que trata o Programa ALI. Bibliografia Bezerra, M.V., Roth, H., Blandin, J. ALI – Para disseminar inovação e tecnologia nas micro e pequenas empresas. In: Santos, C. A.Pequenos negócios : desafios e perspectivas : programas nacionais do Sebrae. Brasília: SEBRAE, 2011. 112 p.

Bachman, D.&Destefani, J. H. Metodologia para Estimar o Grau de Inovação nas MPE: Cultura do Empreendedorismo e Inovação. 2008. Acesso em 20/12/2011. Disponível em: http://www.bachmann.com.br/website/ documents/ArtigoGraudeInovacaonasMPE. pdf> Lastres, H. M. M. Ciência e Tecnologia na Era do Conhecimento: um óbvio papel estratégico? Revista Parcerias Estratégicas, CEE/ MCT, n.º 9, out/2000. 8 p. Sawhney, M. Walcott, R.&Arroniz,I. The 12 Different Ways for Companiesto Innovate. Sloan Management Review. p.75­81, spring2006. Sebrae Paraná. ALI: Uma metodologia de fomento à inovação em micro e pequenas empresas. Acesso em 20/12/2011. Disponível em:<http://www.sebraepr.com. br/gc/images/Ali.pdf> Statistical Office of the European Communities & Organisation for Economic Co-operation and Development. Oslo manual: guidelines for collecting and interpreting technological innovation data Organisation for Economic Co-operation and Development [and] Statistical Office of the European Communities, Paris, 2005. Ewerton Larry Soares Ferreira é pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Inovação – NEPI/FUCAPI e responsável pelas atividades do projeto ALI na Instituição. É Mestre em Engenharia de Produção pela UFSCar, com atividades de pesquisa voltadas para gestão da inovação, empreendedorismo e gestão de projetos. Israel Folgoza de Moura é Subgerente da Unidade de Acesso a Inovação e Tecnologia do Sebrae/AM e Gestor Estadual do Programa ALI. Formado em Administração de Empresas, com MBA em Gestão de Projetos pela Gama Filho.

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Artigo

Misturas Areia-Asfalto com fibra do açaí e resíduo da construção civil para a cidade de Manaus Patricia de Magalhães Aragão Valença e Consuelo Alves da Frota

Resumo O alto custo da pedra britada na Região Amazônica, principalmente em Manaus, ocasiona o uso inapropriado de revestimentos de areia-asfalto nas vias urbanas, revestimentos esses que não possuem o material pétreo, resultando na falência precoce dos nossos pavimentos. Diante de tal problema, o Grupo de Geotecnia (GEOTEC) da UFAM tem realizado pesquisas sistemáticas com materiais alternativos, visando à inovação tecnológica, à economia de custos e à preservação ambiental. Dentre esses estudos, destacam-se os desenvolvidos com resíduos da construção civil local e resíduos vegetais. Embora a Região Norte do Brasil apresente-se como a maior produtora do fruto do açaí (Euterpe Oleracea), 90% dessa produção são descartados (semente recoberta de fibra). Diante de tal contexto, estuda-se, neste trabalho, a utilização de areia oriunda da britagem de resíduos de construção e demolição (RCD) e da fibra do mesocarpo do açaí (passivo ambiental) em compósitos asfálticos, na qualidade de alternativas à ausência de brita e do seixo rolado nos pavimentos regionais, analisando-se esses compósitos segundo ensaios mecânicos de Resistência à Tração e Módulo de Resiliência. Introdução­ O município de Manaus apresenta dificuldades para a construção de pavimentos asfálticos, notadamente quanto à utilização de material pétreo. Seu perfil geológico caracteriza-se por espessa camada de solo residual (com predomi-

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nância de granulometria fina) sobre o substrato rochoso, o que inviabiliza economicamente a extração do citado material. As assinaladas características levam à construção dos revestimentos urbanos com areia-asfalto usinada a quente (AAUQ) sobre subcamadas argilosas. Contudo o histórico dessas estruturas indica falência estrutural precoce, em virtude da ausência do material granular, aliada às severas condições climáticas regionais. O trabalho em pauta objetiva contribuir como alternativa à falta de material granular, visando à inovação tecnológica, à economia de custos e à preservação ambiental, no tocante aos revestimentos asfálticos normalmente construídos na Região, por meio da utilização da fibra do fruto do açaí — rejeito da indústria de alimentos (passivo ambiental) e da areia proveniente da britagem de resíduos de construção e demolição (RCD). Relativamente ao primeiro material, a literatura apresenta trabalhos que abordam análises morfológicas e térmicas da fibra presente no mesocarpo do açaí, indicando aspectos favoráveis para sua aplicação em compósitos poliméricos (Aguiar e Mendonça, 2003; Fagury, 2005; Martins et al., 2009). No caso da utilização do material oriundo do RCD em misturas asfálticas, contribui-se com a preservação da matéria prima natural e finita


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(areia residual ou de rios), além de se evitar a sua inadequada deposição (Bertoldo et al. 2010 e Oliveira et al. 2010). Materiais e Métodos Na fração mineral, participaram, como componentes, a areia comercializada no município, denominada “areia Manaus”, a areia proveniente de britagem de resíduos sólidos de construção e demolição, bem assim a areia de RCD; e, como material de enchimento, o cimento portland (CPII-Z-32). Tais materiais possuem granulometrias indicadas na Figura 01. Quanto ao ligante asfáltico, utilizou-se o cimento asfáltico de petróleo (CAP) do tipo 50/70, fornecido pela Refinaria Isaac Sabbá — REMAN (Manaus/AM).

Coletaram-se amostras de resíduo do fruto açaí na fábrica de despolpamento “Açaí de Codajás”, localizada no bairro Petrópolis, em Manaus, originadas no município de Codajás, a 240km de Manaus. Ao chegarem ao Laboratório do Grupo de Geotecnia da UFAM, foram expostos ao ar, com vistas à perda da umidade, para que, na sequência, fossem extraídas as fibras (Figura 2a), por meio de peneiramento seletivo da fibra e caroço. Em análise física quanto ao comprimento médio da fibra do açaí, mostrado na Figura 02 (b), determinou-se 0,90 cm resultante da média das medições realizadas, e, no que respeita ao teor de absorção da citada fibra Fagury (2005), adotando-se metodologias infravermelhas, obteve-se o valor de 8,0 ± 2%, resultado comparativamente maior ao da fibra do coco (7,7 ± 1%) e menor ao da juta (9,5 ± 2%).

Figura 01 - Granulometria da Fração Mineral.

Figura 02 - (a) Fruto do Açaí parcialmente despolpado e (b) e medição das fibras.

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Tabela 01 - Dosagem das Misturas Asfálticas

Fibra do Açaí

Cimento Portland

AAUQ

-

5%

95%

-

10,08%

AAUQ com RCD

-

5%

65%

30%

9,84%

AAUQ com FIBRA

0,5%

5%

95%

-

11,63%

AAUQ com FIBRA e RCD

0,5%

5%

65%

30%

11,60%

Mistura

Em harmonia com a norma DNIT 032/2005-ES, dosaram-se as misturas do tipo areia-asfalto com fibra do açaí e areia de RCD, tendo em mira os intervalos de volume de vazios e relação betume/ vazios da citada norma, obtendo-se as composições expostas na Tabela 01. Esses compósitos do tipo AAUQ foram posteriormente submetidos aos ensaios de Resistência à Tração (RT) a 25°C e Módulo de Resiliência (MR) a 40°C, no equipamento UTM 14 (Universal Testing Machine), respectivamente, com auxílio do software UTS002 3.12 Stress Strain Test e UTS003 1.41 Indirect Tensile Modulus Test, alcançando-se os resultados por meio da utilização das equações 1 e 2. (1)

Onde: – Resistência à tração, em MPa F – Carga de ruptura, em N D – Diâmetro do corpo de prova, em cm h – Altura do corpo de prova, em cm

(2)

Onde: E – Módulo de resiliência, em MPa P – % da Força axial da resistência à tração, em N ∆ – Deslocamento medido, em mm h – Média da altura do corpo de prova, em mm – Coeficiente de Poisson adotado

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Areia Manaus Areia de RCD

CAP 50/70

Resultados De posse das composições e com esteio nos parâmetros da norma DNIT 032/2005-ES, executou-se a compactação dos corpos de prova, os quais, em seguida, foram envelhecidos por duas horas à temperatura de 170°C. Efetuou-se a simulação do período de usinagem, o transporte e a aplicação nas vias, assim como a avaliação da influência da fibra do Açaí e da Areia de RCD. Os dados constantes da Tabela 02 indicam os seguintes resultados: (a) Quanto à Resistência à tração, somente a mistura AAUQ com FIBRA apresentou valor inferior ao mínimo citado pela norma DNIT 031/2006-ES, a preconizar o valor mínimo da RT para o concreto asfáltico igual a 0,65MPa. Por outro lado, Bernucci et al. (2008) indicam valores típicos da RT para misturas asfálticas a quente recém-moldadas, ou, logo após a construção em pista, situam-se entre 0,5MPa a 2,0MPa, intervalos em que se apresentam as misturas estudadas nesta pesquisa científica. (b) Relativamente ao Módulo de Resiliência, a mistura AAUQ com RCD, por força das aplicações de 5%, 10% e 15% da resistência à tração, apresentou os maiores valores de MR, com resultados superiores aos determinados por De Grande et al. (2009) para uma mistura asfáltica do tipo concreto asfáltico densa, e os demais compósitos revelaram resultados similares ao MR de concreto asfáltico poroso com fibras de vidro e asfalto modificado por 4% de SBS (Homem, 2002).


Misturas Areia-Asfalto com fibra do açaí e resíduo da construção civil para a cidade de Manaus

Bibliografia AASHTO TP31-96 (2000). Standart Test Method for Determining the Resilient Modulus of Bituminous Mixtures by Indirect Tension. American Association of State Highway and Transportation Officials, Estados Unidos.

Desse modo, depreende-se: (a) a areia de RCD, composta por materiais provenientes de concreto de cimento portland, contribuiu para a maior Resistência à Tração e menores deformações indicadas pelo ensaio de MR; (b) apesar da inserção da fibra de açaí ter reduzido a Resistência à Tração e o Módulo de Resiliência (possivelmente pela sua característica morfológica de baixa espessura e por não apresentar comprimento adequado como elemento de reforço às solicitações), cumpriu a sua esperada função, isto é, colaborou para o entrosamento dos agregados com o CAP, a par de propiciar maior cobertura dos partícipes minerais e, em consequência, maior resistência

AGUIAR, Madalena Otaviano; MENDONÇA, Maria Sílvia de. Morfoanatomia da semente de Euterpe precatória Mart. (Palmae). Revista Brasileira de Sementes, Brasília, v.25, n.º1, p.37-42, 2003.

ao desgaste (Neves et al., 2004). Tabela 02 - Ensaios Mecânicos

Mistura

RT (MPa)

MR-5% RT (MPa)

MR-10% RT (MPa)

MR-15% RT (MPa)

AAUQ

0,687

508

494

502

AAUQ com RCD

0,935

1538

1424

1289

AAUQ com FIBRA

0,567

504

473

368

AAUQ com FIBRA e RCD

0,751

528

517

517

Conclusões À luz dos resultados físicos e mecânicos, infere-se: (a) os compósitos com as fibras do açaí mostraram maior teor do CAP 50/70, a proporcionar camada mais espessa sobre os agregados minerais, o que contribuiu para (1) a interação adicional do material mineral com o cimento asfáltico, (2) a redução da penetração da umidade e (3) o retardo do envelhecimento por oxidação da mistura (Neves et al., 2004); (b) faz-se necessário estudar processos de tratamento para as fibras do açaí, a fim de melhorar as respostas mecânicas das misturas asfálticas com a sua participação, uma vez que tal material encontra-se largamente descartado pela indústria (passivo ambiental); (c) os compósitos com areia de RCD e a fibra do açaí evidenciaram parâmetros mecânicos satisfatórios relativos aos limites e valores constantes na literatura; e (d) a inclusão do rejeito vegetal nos compósitos asfálticos armazena o dióxido de carbono e traz expressivos benefícios ao meio ambiente.

BERNUCCI et al. Pavimentação Asfáltica: Formação Básica para Engenheiros, Petrobras-Asfaltos, Rio de Janeiro, 2008. BERTOLDO et al. Estudo da influência do polímero SBS na resistência à tração de misturas asfálticas utilizando areia de resíduos sólidos de construção e demolição – RCD e areia tradicional para o município de ManausAM. In: Congresso de Infraestrutura de Transportes, 4, 2010, Anais… São Paulo: ANDIT, 2010. De GRANDE et al. Efeitos da cal hidratada e do ácido polifosfórico na suscetibilidade térmica de misturas asfálticas densas. In: Panorama Nacional da Pesquisa em Transportes, 2009, Anais do Panorama Nacional da Pesquisa em Transportes. v. 1, p. 1-12, Vitória, 2009.

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Misturas Areia-Asfalto com fibra do açaí e resíduo da construção civil para a cidade de Manaus

DNIT 136/2010-ME. Pavimentação asfáltica – Misturas asfálticas – Determinação da resistência à tração por compressão diametral. Rio de Janeiro, 2010. DNIT 031/2006-ES. Pavimentos flexíveis – Concreto asfáltico – especificação de serviço. Rio de Janeiro, 2006. DNIT 032/2005-ES. Pavimentos flexíveis – Areia asfalto a quente – especificação de serviço. Rio de Janeiro, 2005. FAGURY, Régia Vânia G. Avaliação de fibras naturais para a fabricação de compósitos: Açaí, coco e juta. 2005. Dissertação (Mestrado) - Programa de pós-graduação em engenharia mecânica, Universidade Federal do Pará, Belém, 2005. HOMEM, Tiago Rosa. Comportamento de misturas asfálticas porosas com ligantes modificados por polímeros e adição de fibras. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002. JUNIOR, Ubirajara Marques Lima. Fibras da semente do açaizeiro (Euterpe Oleracea Mart.): Avaliação quanto ao uso como reforço de compósitos fibrocimentícios. Dissertação (Mestrado) – Programa de PósGraduação em Engenharia e Tecnologia de Materiais, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. MARTINS et al. Comportamento térmico e caracterização morfológica das fibras de

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mesocarpo e caroço do açaí. Revista Brasileira de Fruticultura, Jaboticabal, v. 31, n. º4, p. 1150-1157, dez. 2009. NEVES et al. Avaliação de misturas asfálticas SMA produzidas com ligante asfalto-borracha quanto ao módulo de resiliência, à resistência à tração e fadiga. In: Encontro de Asfalto, 17, v. 1, p. 128-136, Rio de Janeiro, 2004. OLIVEIRA et al. Utilização de Resíduos de Construção (RCD) e Ligante Modificado com SBS em Misturas Asfálticas para a Cidade de Manaus-AM. In: Reunião Anual de Pavimentação, 40, 2010, Anais... Rio de Janeiro: ABPv, 2010. Patricia de Magalhães Aragão Valença, Engenheira Civil, atualmente cursando mestrado no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Recursos da Amazônia (PPG-ENGRAM), na linha de pesquisa Geotecnia, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e membro do Grupo de Geotecnia da Universidade Federal do Amazonas (GEOTEC/UFAM). E-mail: patriciamavalenca@hotmail.com. Consuelo Alves da Frota, Engenheira Civil pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Mestra e Doutora em Geotecnia pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) e Pós-Doutora pela Universidade do Tennessee (UT), Estados Unidos. Professora Associada da Faculdade de Tecnologia (FT) e Coordenadora do Grupo de Geotecnia da Universidade Federal do Amazonas (GEOTEC/ UFAM). E-mail: cafrota@ufam.edu.br.


Artigo

Estimativa do benefício financeiro nas unidades geradoras da usina termelétrica de Aparecida, cidade de Manaus (AM), com a utilização do gás natural da Província de Urucu – município de Coari (AM): Um estudo de caso Willamy Moreira Frota, Camilla Jackelinne Medeiros Carneiro, Antonio Inaldo de Aquino Medeiros e Whylker Moreira Frota Resumo O Estudo da Expansão do Sistema Elétrico de Manaus, no horizonte de 2008 a 2012, elaborado pela Eletrobras, por meio do Grupo Técnico Operacional da Região Norte–GTON, concluiu que a conversão do parque térmico da cidade de Manaus, de propriedade da empresa Eletrobras Amazonas Energia, para o consumo de gás natural seria necessária e economicamente vantajosa. Assim, o objetivo deste artigo foi identificar o ganho financeiro com a utilização do gás natural da Bacia Petrolífera do Solimões, município de Coari (AM), em substituição ao óleo combustível derivado de petróleo, nas Unidades Geradoras LM 6000 da Usina Térmelétrica de Aparecida (UTE – Aparecida), após a conversão da usina para possibilitar a utilização do energético gás natural. Dessa forma, o estudo permitiu identificar que o custo evitado, a valor presente, com a substituição dos energéticos para o parque térmico da UTE Aparecida, na cidade de Manaus, será da ordem de R$ 360 milhões por ano e que a análise desenvolvida pode ser replicada para as demais usinas térmicas do Sistema Manaus, bem como para casos similares de outros sistemas elétricos. Palavras-chave: Geração de energia elétrica. gás natural. ganho financeiro.

Introdução O gás natural está aumentando, continuamente, o seu espaço na matriz energética brasileira, com o devido incentivo do governo federal, que possibilitou a conclusão do projeto, e o início da exploração comercial do gás natural da província de Urucu, no município de Coari, Estado do Amazonas. Nesse cenário, foi celebrado, em 1/6/2006, um Contrato de Compra e Venda de Gás Natural OC n.º 1902/2006, entre a Companhia de Gás do Amazonas – CIGÁS (CIGÁS, 2006) e a empresa Manaus Energia, tendo como intervenientes-anuentes as empresas Petrobras, Eletrobras e Eletronorte. O objeto deste contrato é a venda, pela CIGÁS, e a compra, pela Manaus Energia (atual Eletrobras Amazonas Energia), de Gás Natural para fins de geração termelétrica. O contrato OC 1902/2006 possui condições pré-estabelecidas, duas dessas condições são as cláusulas “take-or-pay” e “ship-or-pay”. A primeira obriga o comprador, neste caso a Manaus Energia, a pagar por certa quantidade de gás contratada, parcela da commodity (80%), independente de retirá-la para uso, e a segunda cláusula refere-se ao fato de que deverá haver pagamento associado ao custo da construção da infraestrutura necessária ao transporte do gás, parcela do transporte (100%) até as usinas térmicas.

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Estimativa do benefício financeiro nas unidades geradoras da usina termelétrica de Aparecida, cidade de Manaus (AM), com a utilização do gás natural da Província de Urucu – município de Coari (AM): Um estudo de caso

O custo com a aquisição de combustível sempre foi considerado um ponto crítico para a geração de energia elétrica no Estado do Amazonas. Os gastos elevados para aquisição de óleos derivados de petróleo provocam impactos financeiros não somente no Estado do Amazonas, mas também em todos os Estados que custeiam a geração termelétrica na nossa região, por meio da Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis – CCC. Assim, a conversão para gás natural das unidades geradoras na matriz elétrica do Estado do Amazonas se fez necessária para o benefício financeiro da empresa e da sociedade brasileira. A empresa avalia a eficiência da UTE – Aparecida, usina responsável por aproximadamente 60% do parque térmico de propriedade da Eletrobras Amazonas Energia, que foi convertido para usar o gás natural, por meio do cálculo de consumo específico, ou seja, a quantidade mínima de óleo combustível necessária para gerar 1 kWh. Após a conversão, a empresa deve conhecer sua nova eficiência, por isso determinar o heat-rate (consumo específico) e a redução dos custos com a aquisição do novo combustível (gás natural) ajudará a empresa a estimar a melhoria da sua eficiência e os ganhos financeiros. Este trabalho, quanto aos fins, é um estudo de caso, pois é circunscrito a uma empresa e um modelo de máquina (LM 6000). Quanto aos meios de investigação, será basicamente explicativo, pois justifica, em parte, os motivos da conversão para gás natural das unidades geradoras; no entanto pode também ser definido como exploratório, pois há pouco conhecimento acumulado e sistematizado com relação à eficiência de LM6000 com gás natural.

Geração de Energia Elétrica na Região Norte Segundo D’Avignon et al. (2009) a Região Norte está entre as regiões brasileiras que têm o maior déficit em relação à disponibilidade de acesso de energia. Em parte, isso se deve à grande extensão da região e à consequente dispersão das comunidades que devem ser assistidas e da limitada capacidade de transporte dos derivados de petróleo. Existem áreas de carência acentuada de energia que contrastam com outras de grandes projetos de geração com frequentes conflitos de ordem socioeconômica e ambiental, o que ainda gera déficits operacionais para as empresas que controlam os parques energéticos dessa região. Na Tabela 01, observa-se um resumo das usinas geradoras próprias, pertencentes às empresas do grupo Eletrobras, instaladas nos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima, onde UHE representa as Usinas Hidrelétricas e UTE representa as Usinas Térmicas. Nota-se que do total de 9.787,0 MW, 85,52% estão localizados somente no Estado do Pará devido à grande capacidade de geração da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. No Estado do Amazonas, especificamente, para atender à cidade de Manaus, o sistema elétrico isolado é formado por um parque hidrotérmico, composto pela Usina Hidrelétrica de Balbina e pelas Usinas Termelétricas de Aparecida, Mauá e Electron, além de usinas pertencentes aos Produtos Independentes de Energia (PIEs) e das empresas de locação de grupos geradores. A UTE – Aparecida possui, no seu parque térmico, 6 (seis) unidades geradoras a gás, sendo 2 (duas) de fabricação Pratt & Whitney (UTI) modelo FT4C-3F, com potência nominal de 20 MW cada, 2 (duas)

Tabela 01 – Parque gerador próprio, do sistema Eletrobras, na Região Norte Potência Nominal Instalada (MW) Usina

Acre

Amapá

Pará

Rondônia

Amazonas

Roraima

Total

UHE

-

Coaracy Nunes - 78,0 MW

Tucuruí 8.370,0 MW Curuá Una 30,3 MW

Samuel 216,0 MW

Balbina 250 MW

-

8.944,3 MW

UTE

Rio Acre - 45,5 MW Rio Branco I - 18,6 MW Rio Branco II - 31,8 MW

Santana 178,1 MW

-

Rio Madeira -121,9 MW

Aparecida - 126,5 MW Electron - 121,0 MW Mauá - 137,2 MW

Floresta 62,0 MW

842,7 MW

Total

95,9 MW

256,1 MW

8.400,3 MW

337,9 MW

634,7 MW

62,0 MW

9.787,0 MW

Fonte: Eletronorte, 2010.

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Estimativa do benefício financeiro nas unidades geradoras da usina termelétrica de Aparecida, cidade de Manaus (AM), com a utilização do gás natural da Província de Urucu – município de Coari (AM): Um estudo de caso

de fabricação GE modelo LM 6000 PA, com potência nominal de 35 MW cada, no bloco 1, e 2 (duas) de fabricação GE, modelo LM 6000 PC, com potência nominal de 40 MW cada, no bloco 2, perfazendo um total de 190 MW de potência nominal instalada. As unidades geradoras LM 6000 da UTE - Aparecida As unidades geradoras LM 6000 são de fabricação da GENERAL ELECTRIC, uma empresa do ramo de fabricação de equipamentos de grande porte, em especial turbinas aeroderivadas, e utilizavam como energético, até o início do segundo semestre do ano de 2011, o Óleo Combustível para Turbinas Elétricas (OCTE), que passava por diversas etapas de tratamento (centrifugação, filtragem, dentre outros) antes do processo de combustão. Lora & Nascimento (2004) afirmam que o processo de combustão constitui o primeiro estágio na conversão da energia química do combustível em energia elétrica em uma termelétrica, incidindo grandemente na eficiência térmica. Para mensurar a quantidade de combustível utilizada na geração de energia, é calculado o heat-rate, que, conforme a Resolução Normativa N.º 350, DE 21 DE JANEIRO DE 2009, da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (ANEEL, 2009), é o consumo específico em termos energéticos, em que a quantidade do insumo será a soma energética dos combustíveis. De forma simples, pode-se afirmar que o heat-rate é a medida utilizada pela indústria de energia para calcular a eficiência de um gerador na geração de energia térmica. Ganhos financeiros com utilização do gás natural na UTE – Aparecida Para efeito de cálculos, foi adotado, para o ano de 2011, um consumo específico de 0,010474 MMBTU/ KWh, que representa 0,29 l/KWh. Para obter esse valor foi considerado o poder calorífico do óleo combustível OCTE de 10.100 Kcal/ Kg e a sua densidade de 0,8960 g/cm³, adotados na Usina de Aparecida. Assim os cálculos realizados foram os seguintes:

Equação 1 (óleo combustível): Heat-rate = Poder Calorífico x Densidade x Consumo Específico (C. E.) Heat- rate = 10.100 x 0,896 x Consumo Específico = 9.049,6 Kcal/l x C. E. Sabendo que 1 Kcal representa 3,96566 BTU e que o consumo específico (C. E.) da Usina de Aparecida é 0,29 l/ KWh, temos: Heat- rate = (3,96566 x 9.049,6) BTU/ l x 0,29 l/ KWh Heat-rate = 10.407,4 BTU/ KWh = 0,0104074 MMBTU/KWh Assim como o do óleo combustível, o heat-rate do gás natural também sofre alterações conforme condições de funcionamento, condições climáticas e potência gerada. O heat-rate deste trabalho será calculado utilizando os valores de poder calorífico de 9.400 Kcal/Nm³ e volume de gás fornecido diariamente de 1.000.000 m³ para as unidades LM 6000 de Aparecida, conforme estabelecido no contrato de fornecimento de gás natural (CIGÁS, 2006). Assim, transformando Kcal em BTUs, temos o seguinte valor: Poder Calorífico = 9.400 x 3,96566 Poder Calorífico = 37.277,26 BTU/ Nm³ Sabendo que a potência efetiva da Usina Termelétrica de Aparecida é de 150.000 kW, isso sinaliza que, em 24 horas de operação, haverá a geração de 600.000 kWh. Aplicando o conceito de heat-rate (consumo específico – C. E.) adotado na usina e considerando a quantidade de combustível estabelecida em contrato (1.000.000 m³ por dia), temos: Equação 2 (gás natural): Para converter o heat-rate de m³/kWh para BTU/ kWh, utiliza-se o poder calorífico, ou seja: Heat-rate = 37.277,26 BTU/Nm³ x 0,28 m³/kWh

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Estimativa do benefício financeiro nas unidades geradoras da usina termelétrica de Aparecida, cidade de Manaus (AM), com a utilização do gás natural da Província de Urucu – município de Coari (AM): Um estudo de caso

Heat-rate = 10.437,63 BTU/kWh = 0,010437 MMBTU/kWh Nesse cenário, para este estudo de caso, visando realizar uma estimativa do ganho financeiro com a substituição do energético, foi considerada, para o ano de 2011, a geração de energia com a utilização do gás natural e com óleo combustível

• O valor do óleo combustível OCTE pago pela Amazonas Energia à Petrobras foi considerado de R$ 2,4774 por litro, e o heat-rate do óleo OCTE, de 0,29 l/kWh. Com isso, considerando o valor do gás natural de R$ 25,42 por MMBTU, obtemos os valores estimados para os anos considerados, que são apresentados na Tabela 02.

Tabela 02 – Comparativo de custos dos combustíveis – Estimativa 2011 USINA APARECIDA (LM 6000) - Comparativo de Custos com Combustível - Período 2010-2011 Sem Conversão

Com Conversão

ANO

Geração Anual (kWh)

Consumo Anual-Óleo OCTE (MMBTU)

Custo Anual Óleo OCTE (R$)

Consumo Anual Gás Natural (MMBTU)

Custo Anual Gás Natural (R$)

2011

798.912.000

8.314.597

575.203.803

8.338.748

211.970.971

Total

798.912.000

8.314.597

575.203.803

8.338.748

211.970.971

Fonte: Eletrobras Amazonas Energia, 2010 (Adaptação dos autores).

nas unidades geradoras LM 6000 da UTE – Aparecida. No entanto foram adotados alguns parâmetros para a realização do comparativo, quais sejam: • A potência efetiva da planta de Aparecida (LM 6000 PA e PC) foi de 150 MW. • O despacho médio adotado para o ano de 2011 com óleo combustível foi de 60%, ou seja, porcentagem de tempo que as unidades geradoras LM 6000 estariam gerando energia, enquanto o com gás natural foi de 85%. • O heat-rate (consumo específico) considerado para as unidades geradoras LM 6000 utilizando óleo combustível OCTE foi de 0,0104074 MMBTU/kWh, para o ano de 2011;. • O heat-rate (consumo específico) estimado para as unidades geradoras LM 6000 utilizando gás natural foi de 0,010437 MMBTU/ kWh, para o ano de 2011.

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Considerando os dados da tabela 2, verifica-se uma estimativa de ganho financeiro (custo evitado) da ordem de R$ 360 milhões, no período estudado (ano de 2011), com a aquisição de combustível para a geração térmica da usina. Conclusão Neste estudo de caso, podemos concluir que a utilização do energético gás natural, em substituição ao óleo combustível derivado de petróleo, nas unidades geradoras LM 6000 que compõem a UTE – Aparecida, poderá resultar em uma economia financeira (custo evitado) média anual da ordem de R$ 360 milhões, e em torno de R$ 6,8 bilhões, a valor presente, do prazo que ainda falta para o encerramento do contrato de fornecimento de gás (período de janeiro de 2012 a dezembro de 2030). Essa vantagem econômica é muito importante para o negócio de energia elétrica do Estado do Amazonas e para o Sistema Elétrico Brasileiro, pois indica uma redução anual, a valor presente, da ordem de R$ 360 milhões nos subsídios da conta CCC, que é sustentada por todos os consumidores de energia elétrica do País; além de apresentar importantes vantagens


Estimativa do benefício financeiro nas unidades geradoras da usina termelétrica de Aparecida, cidade de Manaus (AM), com a utilização do gás natural da Província de Urucu – município de Coari (AM): Um estudo de caso

ambientais, tendo em vista que o gás natural apresenta menores níveis de emissões de dióxido de carbono (CO2) que os combustíveis derivados de petróleo.

D’AVIGNON, A. et al. Alternativas para o Uso do Gás Natural na Região Norte. 1.ª Ed., Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Tecnologia Divisão de Energia, 2009.

Nesse contexto, o estudo indica que haverá uma redução expressiva, de imediato, dos custos no processo de geração de energia elétrica na cidade Manaus, com a substituição de óleos combustíveis derivados de petróleo pelo energético gás natural oriundo da província petrolífera de Urucu, na bacia do Solimões – município de Coari (AM), comprovando o impacto econômico positivo da construção do gasoduto, cujo projeto âncora é a geração de energia elétrica.

ELETROBRAS AMAZONAS ENERGIA. Relatório da Administração 2010. Amazonas Energia, 2010.

Dessa forma, as análises desenvolvidas nesse estudo de caso poderão ser estendidas, em pesquisas complementares, para as outras usinas termelétricas que irão utilizar o gás natural para a geração de energia elétrica na cidade de Manaus, quais sejam: UTE Mauá (potência de 110 MW), de propriedade da Eletrobras Amazonas Energia, e as Usinas dos Produtores Independentes de Energia – PIEs (potência total de 305 MW), bem como para as usinas térmicas das sete sedes dos municípios que foram contempladas com o traçado principal do gasoduto Coari – Manaus; permitindo, assim, identificar a projeção total do custo evitado para a geração de energia térmica de todas as usinas que utilizarão o gás natural como energético para a geração de energia elétrica no Estado do Amazonas. Bibliografia ANEEL, Agência Nacional de Energia Elétrica. Resolução Normativa 350, de 31 de janeiro de 2009. Brasília, 2009. CIGÁS, Companhia de gás do Amazonas. Contrato do Suprimento de gás natural N.º OC1902/2006. Manaus, 2006.

ELETRONORTE, Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. Relatório da Administração 2010. Brasília, 2010. GTON, Grupo Técnico Operacional da Região Norte. Resolução SGTON n.º 006/06, de 14 de dezembro de 2006. Rio de Janeiro, 2006. LORA, E.; NASCIMENTO, M. Geração Termelétrica Planejamento, Projeto e Operação, Editora Interciência, volume 1, Rio de Janeiro 2004. Willamy Moreira Frota – Engenheiro Eletricista, Mestre em Planejamento de Sistemas Energéticos e Doutor em Engenharia Elétrica. Camilla Jackelinne Medeiros Carneiro – Engenheira de Produção; E-mail: millajackelinne@yahoo.com.br Antonio Inaldo de Aquino Medeiros – Engenheiro Mecatrônico; E-mail: inaldomedeiros@ig.com.br Whylker Moreira Frota – Mestrando/PPGENGRAM – Universidade Federal do Amazonas– UFAM; Av. Gal. Rodrigo Otávio Jordão Ramos, 3000, Coroado; Manaus (AM); Brasil; Tel. / Fax. +55 92 3305-4649/4521; E-mail: whylkermoreirafrota53@gmail.com

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Artigo

Incentivos fiscais à P&D: a lei do Bem nos Estados do Amazonas e Pará Moisés Israel Belchior de Andrade Coelho

Resumo O objetivo deste trabalho é apresentar os resultados relacionados às políticas de incentivos à P&D no Estado do Amazonas e do Pará, mais especificamente a Lei do Bem. Os resultados apontam para um aumento significativo do número de empresas que passaram a utilizar os incentivos fiscais para fomento à P&D no Brasil, no período analisado, de 2006 a 2009, incluindo-se os estados estudados, Amazonas e Pará. As considerações finais reforçam a urgência da necessidade de se repensar a aplicação dos incentivos fiscais na Região Norte, particularmente com relação à inovação no Polo Industrial de Manaus. Introdução A capacidade de inovação tecnológica e o avanço do conhecimento científico de uma nação são determinados pela estreita relação entre ciência e tecnologia, surgindo a relação direta entre capacidade de produção de riqueza e liderança em C&T. Países considerados líderes em C&T são potências econômicas, e países com forte crescimento econômico apresentam matrizes tecnológicas cada vez mais complexas (DE NEGRI & LEMOS, 2009). O desenvolvimento tecnológico está cada vez mais dependente de suas interações com o desenvolvimento científico, pois, para o desenvolvimento de tecnologias, exige-se cada vez mais pesquisa, publicação e estudos científicos. Não é mais possível, em nível de nação, ser líder em tecnologia sem ser líder na produção científica (DE NEGRI et al., 2010).

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Destarte, o objetivo deste trabalho será de apresentar os resultados relacionados às políticas de incentivos à P&D nos Estados do Amazonas e do Pará, mais especificamente, a Lei do Bem. Foram avaliados os resultados do período de 20062009. O artigo está estruturado em três partes: a primeira trata de uma breve revisão da literatura relacionada à Lei do Bem (seção 1); na segunda parte ocorre a descrição da metodologia (seção 2); e, por fim, na terceira parte, apresentam-se os resultados da pesquisa (seção 3), as considerações finais e as referências. A Lei do Bem Os incentivos fiscais à P&D são uma tendência internacional apresentando algumas vantagens que os tornam atraentes para os formuladores de políticas: (1) são baseados em alocações de mercado; (2) não discriminam setores; e (3) estão prontamente disponíveis às empresas, com baixo custo administrativo para o governo (ARAÚJO, 2010). Essa modalidade de incentivo foi introduzida no Brasil pela Lei n.° 8.661/93, que estabeleceu o Programa de Desenvolvimento Tecnológico da Indústria - PDTI e o Programa de Desenvolvimento Tecnológico da Agricultura PDTA (ARAÚJO, 2010). A criação da Lei de Inovação em 2004, complementada pelo capítulo III da Lei do Bem, criou no País um ambiente propício para as empresas investirem cada vez mais em P,D&I tornando-as mais eficientes e competitivas nas suas áreas de atuação (MCT, 2010).


Incentivos fiscais à P&D: a lei do Bem nos Estados do Amazonas e Pará

Metodologia Esta pesquisa, em relação à abordagem do problema, caracteriza-se como uma pesquisa quantitativa (SILVA & MENEZES, 2005), pois analisa os resultados dos quatro relatórios do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) relacionados à utilização de incentivos fiscais.

Os benefícios previstos na Lei do Bem destinados à P&D nas empresas podem ser elencados resumidamente da seguinte forma (MCT, 2010): 1. Exclusão no IRPJ do lucro líquido e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, do valor correspondente de até 60% da soma dos dispêndios, classificados como despesas operacionais pela legislação do IRPJ realizados com P&D no período.

As técnicas de pesquisa utilizadas no estudo foram: (1) a pesquisa documental e (2) a pesquisa bibliográfica. Os dados oriundos dos relatórios do MCT foram filtrados para apreensão das informações referentes aos Estados do Amazonas e Pará. O estudo limitou-se aos Estados do Amazonas e Pará, os únicos a possuírem empresas beneficiadas pela Lei do Bem na Região Norte.

2. Adição de até 20% no caso de aumento no número de pesquisadores dedicados exclusivamente à P&D contratados no ano de referência.

Resultados da Lei do Bem nos Estados do Amazonas e Pará Os investimentos realizados em P&D no Brasil por empresas beneficiárias da Lei do Bem (Tabela 01) apresentaram forte aumento entre os anos de 2006 e 2009. Em 2008 o volume de investimentos em P&D atingiu 8,8 bilhões de reais, o que representou 0,3% do PIB nacional. Observa-se um aumento de mais 300% no montante de investimentos em P&D no Brasil, no período.

3. Adição de até 20% no caso de patente concedida ou cultivar registrado. 4. Redução de 50% do IPI incidente sobre equipamentos, máquinas, aparelhos e instrumentos adquiridos para pesquisa e desenvolvimento tecnológico. 5. Depreciação integral de equipamentos e bens intangíveis e amortização acelerada exclusivamente para P&D.

Os Estados do Amazonas e Pará acompanharam o crescimento da Lei do Bem durante o período de 2006 a 2008 com baixa em 2009, tal como observado no apanhado geral. A participação dos estados em 2008 aproximou-se dos 2% de empresas beneficiárias dos incentivos fiscais (Tabela 02).

6. Redução a zero da alíquota do IR nas remessas efetuadas para o exterior destinadas ao registro e manutenção de marcas, patentes e cultivares.

Tabela 01

Tabela 02

INVESTIMENTOS REALIZADOS PELAS EMPRESAS EM P&D (BRASIL)

EMPRESAS HABILITADAS POR REGIÃO Ano base

Número de empresas Brasil

Número de empresas Amazonas e Pará

Participação

Ano base

Investimento PIB(bilhão

%

2006

2,19

2.433,00

0,09%

2007

5,13

2.558,80

0,20%

2006

130

1

0,77%

2008

8,80

2.889,70

0,30%

2007

300

3

1,00%

2009

8,33

3.143,00

0,27%

2008

460

9

1,96%

2009

542

6

1,11%

Fonte: MCT (2010).

Fonte: MCT (2010).

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Incentivos fiscais à P&D: a lei do Bem nos Estados do Amazonas e Pará

nico (Tabela 04). Essa empresa informou despesas de custeio em P&D de aproximadamente R$ 6, 3 milhões, que, somadas ao incentivo do desconto adicional de 60%, totalizaram R$ 10 milhões, deduzidos a CSLL e o IR. O ganho real (renúncia fiscal) para a empresa foi de cerca de R$ 1,2 milhão ou 12,7% do volume investido.

Em relação ao Amazonas e Pará, os investimentos em P&D entre 2007 e 2009 apresentaram aumentos consideráveis, mesmo que em 2009 observa-se uma queda no volume investido, e considerando apenas o PIB do Amazonas. Todavia as participações em relação ao PIB, tanto dos dois estados, quanto do Brasil, ainda são consideradas muito baixas quando comparadas, por exemplo, aos países da OECD, onde a média dos investimentos em relação ao PIB ultrapassa

Em 2007 houve três empresas beneficiárias (Tabela 05), localizadas em Manaus (2) e Belém (1), atuando nos setores de eletroeletrônicos (2) e na agroindústria (1). As empresas informaram despesas de custeio em P&D de aproximadamente R$ 14,4 milhões, que somadas ao incentivo do desconto adicional de 60%, totalizaram R$ 23,1

os 2%. Em 2006 apenas uma empresa, localizada no Estado do Amazonas, foi beneficiária dos incentivos fiscais atuando no setor eletroeletrô-

Tabela 03

INVESTIMENTOS REALIZADOS PELAS EMPRESAS EM P&D (Amazonas e Pará) Ano base

Investimento

PIB (Milhão)

%

2007(*)

14,70

91.530,0

0,02%

2008(*)

177,20

105.342,0

0,17%

2009(**)

90,20

50.700,0

0,18%

(*) Valores referentes ao PIB do Amazonas e Pará (**) Valor referente a apenas ao PIB do Amazonas Fonte: MCT (2010)

Tabela 04

EMPRESAS BENEFICIÁRIAS DOS INCENTIVOS FISCAIS - ANO BASE 2006 N.º de empresas

UF

Setor (es)

Dispêndios efetuados

Incentivo por dispêndio

1

AM

Eletroeletrônico

6.290,42

3.774,25

Incentivo por Total geral pesquisador 0,00

Total dos benefícios reais

10.064,67

x1000,00

1.283,01

(*) Valores referentes ao PIB do Amazonas e Pará (**) Valor referente a apenas ao PIB do Amazonas Fonte: MCT (2010) Tabela 05

EMPRESAS BENEFICIÁRIAS DOS INCENTIVOS FISCAIS - ANO BASE 2006 N.º de empresas

UF

Setores

Dispêndios efetuados

Incentivo por dispêndio

3

AM (2) PA (1)

Eletro-eletrônico (2) Agroindústria (1)

14.447,35

8.668,39

Fonte: MCT (2008)

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Incentivo por Total geral pesquisador

0,00

23.115,74

Total dos benefícios reais

2.947,26

x1000,00


Incentivos fiscais à P&D: a lei do Bem nos Estados do Amazonas e Pará

milhões (aumento de mais de 200% em relação a 2006) deduzida a CSLL e o IR. O ganho real (renúncia fiscal) para as empresas foi de cerca de R$ 2,9 milhões ou 12,5% do volume investido. Em 2007 as empresas utilizaram recursos da ordem de R$ 14 milhões em despesas gerais com P&D nos Estado do Amazonas e Pará, sendo R$ 249 mil com despesas de capitais e R$ 14,4 milhões com despesas de custeio. Os dois estados representaram 0,3% do total nacional (Tabela 06). Em 2008 o número de beneficiárias totalizou nove empresas (Tabela 07), localizadas em Manaus (8) e Belém (1), atuando nos setores eletroeletrônicos (5); alimentos; (1); teleco-

municação; (1), mecânica e transporte (1); e na agroindústria (1). As empresas informaram despesas de custeio em P&D de aproximadamente R$ 176,6 milhões, que, somadas ao incentivo do desconto adicional de 60%, totalizaram R$ 284,6 milhões (aumento de mais de 12 vezes em relação a 2007), deduzida a CSLL e o IR. O ganho real (renúncia fiscal) para as empresas foi de cerca de R$ 39,1 milhões ou 13,7% do volume investido. Em 2008 foram utilizados recursos da ordem de R$ 177 milhões em despesas gerais com P&D no Estado do Amazonas e Pará, sendo R$ 635 mil com despesas de capitais e R$ 176,6 milhões com despesas de custeio. Os dois estados representaram 3,64% do total nacional (Tabela 08).

Tabela 06

Investimentos realizados pelas empresas em P&D - Ano base 2007 Despesas capitais

Despesas de custeio

Norte

249,34

14.447,35

Brasil

527.735,89

4.337.525,33

0,05%

0,33%

Participação

x1000,00

Total 14.696,69

4.865.261,22 0,30%

Fonte: MCT (2008). Tabela 07

EMPRESAS BENEFICIÁRIAS DOS INCENTIVOS FISCAIS - ANO BASE 2008 N.º de empresas

UF

Setores

Eletroeletrônico (5) Alimentos (1) AM (8) Telecomunicação (1) PA (1) Agroindústria (1) Mecânica e transportes (1)

3

Dispêndios efetuados

Incentivo por dispêndio

176.601,13

94.209,98

Incentivo por Total geral pesquisador

13.798,98

Total dos benefícios reais

284.610,09

x1000,00

39.132,19

Fonte: MCT (2009) Tabela 08

Investimentos realizados pelas empresas em P&D - Ano base 2008 Despesas capitais

Despesas de custeio

Total

Norte

635,95

176.601,13

177.237,08

Brasil

527.735,89

4.337.525,33

0,12%

4,07%

Participação

x1000,00

4.865.261,22 3,64%

Fonte: MCT (2008).

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Incentivos fiscais à P&D: a lei do Bem nos Estados do Amazonas e Pará

Em 2009 o número de beneficiárias totalizou seis empresas (Tabela 9), localizadas em Manaus (5) e Belém (1), atuando nos setores eletroeletrônicos (2); alimentos; (1); telecomunicação; (1), mecânica e transporte (1); e na agroindústria (1). Os valores dos incentivos adicionais concedidos pela referida lei, relativos à redução adicional de até 60% (por exclusão), em conjunto ao adicional de até 20%, no caso de incremento do número de pesquisadores contratados em 2009, totalizaram R$ 59,7 milhões deduzida a CSLL e o IR. O ganho real (renúncia fiscal) para as empresas foi de cerca de R$ 20,3 milhões ou 13,5% do volume investido. Em 2009 foram utilizados recursos da ordem de R$ 90 milhões em despesas gerais com P&D no estado do Amazonas e Pará (Tabela 10), sendo sua totalidade com despesas de custeio. Os dois estados representaram 1,08% do total nacional. Considerações Finais Os resultados apontaram que em apenas quatro anos (2006-2009) os investimentos em P&D no Brasil aumentaram em mais de 300% com a Lei do Bem. O Amazonas e o Pará acompanharam o crescimento de empresas que utilizaram incenti-

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vos fiscais por meio da Lei do Bem, passando de apenas uma empresa em 2006 a nove empresas em 2008 e seis empresas em 2009. Entretanto, quando se comparam os investimentos em P&D em relação ao PIB dos dois estados, observa-se uma pequena participação resultante do pequeno número de empresas que utilizam a Lei do Bem nos dois estados. Esse resultado corrobora a discussão da pouca realização de pesquisa e desenvolvimento por parte das empresas instaladas, principalmente, no Polo Industrial de Manaus. No caso do Estado do Pará, importantes empresas atuando nos setores de mineração não realizam suas pesquisas. Os setores que mais utilizaram a Lei do Bem nos dois estados foram o eletroeletrônico e a agroindústria. O setor de mecânica e transportes, no qual se inclui o polo de duas rodas, apenas uma empresa utilizou os benefícios da lei, ou seja, o segundo setor que mais concentra mão de obra no Estado do Amazonas (polo de duas rodas) produz pouca pesquisa. Apenas em 2008 e 2009, observam-se empresas que utilizaram os benefícios para o incremento de pesquisadores contratados exclusivamente para P&D.


Incentivos fiscais à P&D: a lei do Bem nos Estados do Amazonas e Pará

Dessa forma, o estudo pretendeu apresentar os resultados da Lei do Bem nos Estados do Amazonas e Pará demonstrando a necessidade de uma discussão mais ampla dos caminhos a tomar, principalmente no Pólo Industrial de Manaus. Os resultados da PINTEC demonstram o foco exacerbado das indústrias em inovações em processos com pouca participação de patentes (COELHO, 2011) e, no caso dessa pesquisa, a baixa adesão das indústrias (médias e grandes empresas) localizadas em Manaus para utilização dos incentivos fiscais para o fomento à P&D. Torna-se necessário que os governos exijam por parte das empresas residentes nesses estados uma maior participação em políticas de C,T&I que fomentem a P&D, as patentes, a produção científica e outros mecanismos de inovação no âmbito local. O aumento no número de pesquisadores alocados exclusivamente em P&D é outra questão-chave nessa discussão, bem como a transferência dos centros de pesquisas dessas empresas para a Região Norte e uma maior interação entre as universidades e indústrias. A contrapartida dos incentivos fiscais que essas empresas recebem, especialmente no PIM, precisa ser convertida em benefícios para a sociedade local com o objetivo de fomentar o desenvolvimento econômico, tecnológico e social da região. Bibliografia ARAÚJO, Bruno C. Incentivos fiscais à pesquisa e desenvolvimento e custos de inovação no Brasil. In: INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA - IPEA. Radar - Tecnologia, Produção e Comércio Exterior n.° 9. Brasília: IPEA, 2010. COELHO, Moisés I. B. de A. Inovação tecnológica no Estado do Amazonas: um estudo baseado na PINTEC. T&C Amazônia, ano IX, n.º 20, 2011.

______ et al. Metodologia de avaliação dos resultados de conjuntos de projetos apoiados por fundos e ciência, tecnologia e inovação (C,T&I). In: Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia & Inovação, 4, 2010, Brasília. Disponível em: <http:// cncti4.cgee.org.br/index.php/banco-de-documentos/cat_view/60-4o-conferencia-nacional-de-ctai-2010/137-notas-tecnic as-dos-palestrantes?start=60>. Acessado em: dezembro de 2010. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA - MCT. Relatório anual da utilização dos incentivos fiscais: ano base 2006. Brasília: MCT, 2007. ______. Relatório anual da utilização dos incentivos fiscais: ano base 2007. Brasília: MCT, 2008. ______. Relatório anual da utilização dos incentivos fiscais: ano base 2008. Brasília: MCT, 2009. ______. Relatório anual da utilização dos incentivos fiscais: ano base 2009. Brasília: MCT, 2010. SILVA, E. L.; MENEZES, E. M. Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação. 4.ª ed. rev. atual. Florianópolis: UFSC, 2005. Moisés Israel Belchior de Andrade Coelho é bacharel em Administração pela Universidade do Estado do Amazonas ESO/UEA, mestrando em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - COPPE/UFRJ e membro do Núcleo de Engenharia de Produção e Desenvolvimento Local – EST/UEA. Atua pelo SEBRAE Amazonas.

DE NEGRI, João A.; LEMOS, Mauro B. Avaliação das políticas de incentivo à P&D e inovação tecnológica no Brasil. Nota Técnica. Brasília: IPEA, 2009.

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Artigo

Ecoparques Industriais: contribuição para a convergência entre o desenvolvimento sustentável e o industrial¹ Salomão Franco Neves, Armando de Azevedo Caldeira-Pires e João Nildo de Souza Vianna Resumo O objetivo deste artigo é proporcionar uma breve discussão acerca do conceito de ecoparques industriais, bem como a sua contribuição para o desenvolvimento industrial. No que diz respeito aos aspectos metodológicos, partiu-se de uma pesquisa bibliográfica relacionada ao assunto em questão. Quanto aos resultados, é verificado que a organização industrial passa a ser interpretada como um sistema vivo, que, por sua vez, realiza trocas simbióticas com o meio ambiente. Essa simbiose é refletida na prática por meio do surgimento dos ecoparques industriais. Palavras-Chave: Ecologia Industrial. Simbiose Industrial. Ecoparques Industriais. Introdução A aglomeração industrial, partindo do princípio de que esta é vital para o crescimento econômico, dos países, na medida em que proporciona o desenvolvimento econômico também causa degradação no meio ambiente (SHI et al, 2010). Paralelamente, as contribuições em torno da ecologia industrial ressaltam a relação, assim como a importância de convergência, entre as atividades humanas e as ambientais. Nesse sentido, torna-se cada vez mais clara a ideia de uma espécie de metabolismo entre essas variáveis, que ocorre da mesma forma como em um sistema vivo (AYRES et al, 1994). A analogia com esse conceito, normalmente observado no âmbito da

biologia, reflete um fluxo de materiais e energia realizados entre esses agentes, além de uma ideia de simbiose entre eles. A ecologia industrial (Industrial Ecology – IE) é um campo prático de pesquisas em torno do desenvolvimento sustentável, e seu conceito é emergente nas áreas de economia ecológica, política e gestão ambiental das empresas. Em termos conceituais, o termo ecologia industrial veicula os seus respectivos campos de estudo: é industrial porque se foca no design de produtos e no processo de manufatura e observa as firmas como agentes que podem promover melhorias ao meio ambiente via tecnologias de informação e processos; e é ecologia, pois as relações sistêmicas observadas na natureza servem de exemplo para a atividade industrial, além do fato de que as atividades econômicas passam a não serem vistas como isoladas das ambientais, mas sim como parte delas. No âmbito das firmas/empresas, a ecologia industrial opera com ferramentas voltadas a proporcionar maior produtividade dos fatores com o mínimo de desgastes/perdas ambientais em nível individual, a citar como exemplo o ecodesign, a prevenção da poluição e a ecoeficiência. Ao se ampliar o foco, ou seja, quando se passa a trabalhar a dinâmica do ponto de vista das relações entre as firmas/empresas, são priorizadas ferramentas com uma complexidade

¹ Os autores do artigo são colaboradores do Sebrae/NA, sendo o primeiro autor o gestor nacional do ALI.

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Ecoparques Industriais: contribuição para a convergência entre o desenvolvimento sustentável e o industrial

maior, priorizando a simbiose industrial, também chamada por Byproductexchage – BPX, que por sua vez é um pré-requisito para a implantação de um ecoparque industrial. Além disso, em nível de estudo entre firmas, pode-se trabalhar com técnicas com nível micro de mensuração como a análise de ciclo de vida – ACV. Já em nível regional/global, o foco está na análise do metabolismo das economias como um todo, assim como o relacionamento entre elas. Para tal, utilizam-se técnicas como a análise dos fluxos de materiais – MFA, desmaterialização e descarbonização. Assim, como uma forma prática de se aplicar a simbiose industrial, um Ecoparque Industrial (Eco-Industrial Park – EIP) é uma comunidade de empresas fornecedoras de bens e serviços em uma determinada propriedade (LOWE, 1998; LOWE 2001), tendo por objetivo melhorar o desempenho econômico das empresas participantes, enquanto se minimizam os impactos ambientais, colaborando para uma melhor gestão ambiental e de recursos, o que por sua vez implica princípios de produção limpa, prevenção da poluição e eficiência energética. A fim de que possa cumprir os seus objetivos, um EIP deve ter como suporte uma série de tecnologias, que vão desde as da informação até questões de logística, além das relacionadas à gestão ambiental. Tais tecnologias devem conter um nível significativo de inter e intrarrelações, o que é uma característica própria da complexidade que envolve o conceito em questão. Dessa forma, um EIP pode proporcionar um diferencial para os parques industriais tradicionais como o Polo Industrial de Manaus (PIM) no que diz respeito à competividade e à prática do desenvolvimento sustentável. Isso posto, o objetivo deste artigo é proporcionar uma breve discussão acerca do conceito de ecoparques industrias, bem como a sua contribuição para o desenvolvimento industrial.

Materiais e Método No sentido de viabilizar o objetivo proposto por esta pesquisa, parte-se de um método dedutivo com uma postura descritiva, pois a análise é realizada no sentido do geral para o particular e procura descrever os EIPs do ponto de vista de suas características, assim como seus fatores condicionantes. Para tal, procedeu-se à utilização de pesquisa bibliográfica relacionada ao assunto em questão. Resultados e discussão O sucesso da implantação de um EIP depende não apenas das empresas em si, mas também principalmente da cooperação entre as agências de governo, profissionais, projetistas e companhias localizadas no parque industrial. Dados os seus custos de implementação, projetos de EIP podem necessitar de financiamentos de longo prazo, dependendo do foco e das escolhas a serem feitas pela parte gestora, e o governo, dadas as suas características e atribuições econômicas, pode estar mais preparado para arcar com esses custos do que o setor privado, pois alguns parques industriais são compostos, em sua maioria, por empresas de pequeno porte. Para elas, gastos em performance ambiental tendem a ser relativamente caros, o que implica necessidade de mecanismos de financiamento (LOWE, 2001). Não obstante, a criação de um EIP envolve diversas ameaças. Dentre elas, uma que pode ser uma limitação em potencial é o uso/reaproveitamento compartilhado dos insumos, considerada uma de suas principais características: na medida em que ocorre o reaproveitamento de insumos entre as empresas, é instituído um adensamento da cadeia produtiva, que pode ser comprometido na proporção em que ocorrem a entrada e a saída de empresas da indústria, pois tal fato pode dificultar a substituição de insumos e, por sua vez, a produção de bens finais. Outra

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Ecoparques Industriais: contribuição para a convergência entre o desenvolvimento sustentável e o industrial

ameaça significativa é a incompatibilidade de regulamentação entre as agências reguladoras, que podem não permitir possíveis inovações no tocante à implementação/gerência do EIP. Além disso, algumas empresas não trabalham “em comunidade”. Isso é muito comum quando o EIP contém empresas de vários países. Considerando que o desenvolvimento de um EIP deve seguir as particularidades do local onde ele é instituído, diversos autores têm dado contribuições no tocante às suas estratégias de criação e experiências (LOWE, 2001; COTÉ et al, 1995; HEERES et al, 2004). Dentre elas, merece destaque as abaixo: • Integração com os recursos naturais: redução dos impactos ambientais integrando o EIP com os aspectos hidrológicos, geológicos e ecossistêmicos. • Sistemas energéticos: maximizar a eficiência energética por meio de design adequado das fábricas e utilização de fontes de energia renováveis. • Fluxo de materiais e gestão de desperdício: Ênfase à produção limpa e à prevenção da poluição; reuso máximo e reciclagem de materiais. • Recursos hídricos: design de fluxos para conservar recursos e reduzir a poluição. • Gestão efetiva do EIP: manter a rede de cooperação entre as empresas; estímulo à performance ambiental; sistemas de informação e feedback. • Construção/ Reabilitação: seguir as melhores tecnologias ambientais de seleção e construção. Ex: Reciclo, Reuso, ACV. • Integração com a comunidade: buscar benefícios econômicos e sociais via investimento em capital humano e planejamento urbano. Para que seja implementado um ecoparque, torna-se necessária uma equipe interdiscipli-

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nar, composta por profissionais das áreas de engenharia e arquitetura, assim como da área gerencial, a fim de que as ações planejadas por eles sejam concretizadas. Tais ações consistem em uma série de estratégias e princípios como, por exemplo, o fato de que o complexo em questão seja construído de forma a manter a maior quantidade possível das funções ecológicas do terreno, além da redução da utilização de materiais tóxicos e de matéria-prima não renovável (COTÉ et al, 1995). Um dos casos mais famosos de criação de ecoparques é o da espontânea, mas lenta, evolução da simbiose industrial ocorrida em Kalundborg, Dinamarca. (LOWE et al, 1997; JACOBSEN, 2006). Desde então, o aparente sucesso deste projeto tem acarretado o desenvolvimento de diversas experiências de EIPs ao redor do mundo. Nesse sentido, são verificadas evidências empíricas de EIPs nos EUA, Holanda (HEERES et al, 2004), China (SHI et al, 2010), Brasil – Rio de Janeiro (VEIGA et al 2009), dentre outros países. A maior diferença entre essas experiências em relação a Kalundborg é que este EIP teve uma evolução lenta e espontânea, ou seja, as trocas simbióticas de materiais entre as empresas surgiu pela cooperação voluntária e orgânica entre as companhias envolvidas, enquanto os demais projetos de EIP surgiram por meio de agências governamentais, a citar os casos observados nos Estados Unidos, onde o President’s Councilon Sustainable Development – PCSD formou uma força tarefa com a Environmental Protection Agency – EPA e o US Department of Energy, Rio de Janeiro, com a criação do Programa de Desenvolvimento Sustentável Ecoindustrial, mais conhecido como Ecopolo e China, com a criação das National Pilot EIP Program – NPEIPP e o National Pilot Circular Economy Zone Program – NPCEZP pela State Environmental Protection Administration – SEPA. O governo, por intermédio de suas agências ambientais, pode vir a ser um parceiro significativo na formação de EIPs, pois a necessidade de viabilização dos princípios de ecologia industrial para o desenvolvimento sustentável, bem como a otimização das atividades produtivas por parte


Ecoparques Industriais: contribuição para a convergência entre o desenvolvimento sustentável e o industrial

das firmas via redução de custos, ganhos de produtividade e responsabilidade socioambiental impõem uma estrutura de custos elevada, não estando necessariamente acessível e consequentemente atraente do ponto de vista econômico para empresas de pequeno e médio porte. Além disso, a participação da comunidade local e de ONGs foi significativa nos Estados Unidos, permitindo e estimulando o envolvimento da comunidade no desenvolvimento dos projetos por meio da apresentação de suas visões e ideias. Entretanto, em casos europeus, como os EIPs holandeses não foram verificados estímulos nesse sentido, como também foi observado em Tianjin, China e no Rio de Janeiro, com exceção do parque de Paracambi (HEERES et al, 2004; VEIGA et al, 2009; SHI et al, 2010). O conhecimento das informações relativas a essa temática proporciona, inclusive, a atração de empresas-âncora, ou seja, firmas que possam atuar na indústria como agente potencializador das relações simbióticas entre as empresas, bem como na atração de novas fábricas. No caso de Kalundborg, a existência da termelétrica de Asnael e da refinaria de petróleo Statoil permite sinergias entre as empresas no local, interligando-as em uma rede de trocas de materiais, água e energia (LOWE, 1997), enquanto que em EIPs como o de Tianjin, China, em decorrência de sua heterogeneidade, possui empresas-âncora como a Motorola, Sansung, Toyota-FAW Motors, Novo Nordisk e Tingyi International Food Company Ltd. O estabelecimento desses tipos de empresas depende não apenas da obtenção de melhor imagem, clientes e recursos financeiros, mas também de fatores espaciais e tecnológicos. Na medida em que regiões vizinhas oferecem um ambiente mais propício para o estabelecimento das firmas, mesmo que não estejam nos padrões de promoção da simbiose industrial, torna-se mais difícil a atração de empresas-âncora para o ecoparque. A escolha por parte das empresas depende, essencialmente, de incentivos que a região (e o EIP, em paralelo) pode oferecer, pois, dependendo dos incentivos oferecidos, as empre-

sas podem preferir se instalarem (ou permanecerem) em parques industriais tradicionais. Independente das convergências/divergências observadas, é de sua importância que sejam seguido os seguintes procedimentos para a a implantação de um EIP: 1. Criação de uma equipe multidisciplinar que trabalhe na gestão ambiental do polo. 2. Quantificação dos fluxos de massa e de energia em termos monetários e em termos de massa, para verificar o quanto o polo em si se aproxima ou se afasta de um modelo de EIP. 3. Obtenção, por parte do polo, da certificação ISO 14.000. 4. Criação de um ambiente propício às trocas simbióticas a partir da criação de incentivos e fomento por parte do governo. 5. Criação de firmas de suporte aos BPX entre as empresas por parte do governo ou da própria associação de empresas. Conclusão A aproximação e/ou o distanciamento entre os casos analisados deve ser o foco das discussões iniciais nos estudos de pré-viabilidade de projetos de ecoparques industriais, assim contribuindo para uma participação mais efetiva e eficiente dos agentes envolvidos. Nesse sentido, antes de qualquer discussão acerca desse assunto, deve-se ter em mente que projetos de ecoparques, independente de sua localidade, fatores geográficos, econômicos e espaciais, são de longo prazo e suas experiências ainda estão em estado inicial de desenvolvimento (COTÉ et al, 1995). Assim como ocorreu em Kalundborg, os fluxos de materiais, água e energia tendem a ocorrer em um ritmo lento e espontâneo. No caso do PIM, a obtenção da certificação ISO 14.000 por algumas empresas e as pesquisas sobre a gestão dos resíduos industriais podem ser um passo na direção de um EIP. O próximo deverá ser a quantificação dos fluxos mássicos e energéticos, essenciais para

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Ecoparques Industriais: contribuição para a convergência entre o desenvolvimento sustentável e o industrial

a mensuração do metabolismo desse sistema vivo (PIM), que está inserido em outro sistema vivo ainda maior: a Floresta Amazônica. Bibliografia AYRES, Robert U.; SIMONIS, Udo E. Industrial Metabolism Restructuring for Sustainable Development. United Nations University, 1994.

SHI, Han; CHERTOW, Marian; SONG, Yuyan. Developing country experience with ecoindustrial parks: a case study of the Tianjin Economic-Technological Development Area in China. In: Jounal of Cleaner Production. 18 (2010) 191-199.Elsevier, 2009.Disponível em www.elsevier.com/ locate/jclepro. VEIGA,

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T&C Amazônia Ano IX, Número 21, II Semestre de 2011

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Salomão Franco Neves - Economista, Mestre em Desenvolvimento Regional (UFAM) e Doutorando em Desenvolvimento Sustentável pelo CDS/UnB. Atualmente é professor do Departamento de Economia e Análise da Universidade Federal do Amazonas. Armando de Azevedo Caldeira-Pires Engenheiro Químico e Mestre em Engenharia Química pela UFRJ, tendo concluído o doutorado em Engenharia Mecânica pela Universidade Técnica de Lisboa em 1995. Atualmente é Professor Adjunto da Universidade de Brasília. João Nildo de Souza Vianna - Possui graduação em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Pará (1971), mestrado em Termociências pela Universidade Federal de Santa Catarina (1974), mestrado em Energetique (DEA) - Université Paris VI / ENSAM (1981) e doutorado pela Ecole National e Supérieured Arts et Métiers-ENSAM-Paris. Professor convidado da ENSAM-Paris. Atualmente é membro do Comité de Consultivo do CNPq e pesquisador associado adjunto da Universidade de Brasília.





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