Revista tec ed20

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Dados Editoriais

Ano IX - Número 20 - 1º Semestre de 2011

Estagiário de Jornalismo

ISSN - 1678-3824

Marcos Caminha

Publicação Semestral da Fucapi - Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica

Coordenação de Projeto Gráfico Nancy Cavalcante Silva

Conselho Editorial Dimas José Lasmar

Projeto Gráfico

Evandro Luiz de Xerez Vieiralves

Anna Carolina Azulay Refkalefsky

Guajarino de Araújo Filho

Emmanuelle Bezerra Cordeiro

Isa Assef dos Santos

Osvaldo Relder Araújo da Silva

Maurício Figueiredo Narle Teixeira Niomar Lins Pimenta

As opiniões emitidas nos artigos publicados nesta revista são de inteira responsabilidade dos autores.

Jornalista Responsável Cristina Monte Mtb 39.238 DRT/SP

E D I T O R I A L O compromisso de sempre, embarcado em um novo design! A partir deste número, a edição impressa de T&C Amazônia oferece um novo design, moderno e dinâmico, de leitura ainda mais agradável. Resulta da contribuição de diversos profissionais (jornalistas, designers, profissionais de TI), incorporando sugestões de leitores e internautas (sim, porque o site da revista também acompanha essa mudança). Mas a proposta gráfica é apenas parte da novidade. Ao deixar de tratar um tema específico a cada número, como o foi até então, T&C amplia oportunidades para os que a entendem como um meio apropriado ao compartilhamento de suas reflexões. Entende-se que essa mudança, discutida e amadurecida pelo Conselho Editorial, oferece vantagem no potencial aumento de artigos submetidos e no universo de leitores interessados. Desvinculada de tema único, a submissão poderá ser feita a qualquer instante, em ciclo contínuo. Mantida a conexão

com a Amazônia e seu desenvolvimento - abordada a partir de questões relacionadas à ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação -, todos os artigos terão análise de mérito realizadas pelos revisores de T&C Amazônia. Como o leitor perceberá, as repercussões já se fazem sentir neste número, cuja diversidade alcança temas como políticas e ações em ciência e tecnologia, alternativa energética para comunidades isoladas, expansão do ensino superior em municípios do interior do estado do Amazonas, gestão da inovação em micro e pequenas empresas, modelo para balizar programas e instrumentos que analisam variáveis com impacto no desenvolvimento regional. Em todas essas intervenções, porém, está preservada a preocupação com o interesse da Região, como aponta a trajetória da revista. Assim, cumpre-se a surpresa prometida ao fim da última edição de T&C. Desejamos que o novo ciclo que se inicia continue merecendo a confiança já conquistada.


S U M Á R I O Seções 02

Editorial Entrevista

Inovação e desconcentração na agenda do MCT Aloizio Mercadante de Oliva

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Reportagem

Lixo tecnológico: problema e solução Cristina Monte

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Artigos

Crescimento, efeitos em cadeia e concentração da indústria petroquímica amazonense Fábio Heleno Mourão da Costa

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Riscos e oportunidades nos processos de inovação nas micro e pequenas empresas Tirso w. Sáenz Sanchez e Tirso Sáenz Coopat

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Uma década de interiorização do ensino superior no Estado do Amazonas: relato de caso da Universidade do Estado do Amazonas Marly Guimarães Fernandes Costa e José Aldemir de Oliveira Programa Mobilizador como instrumento para apoiar a inovação Niomar Lins Pimenta

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Entrevista

FAPEAM: projetos, programas e ideias Maria Olívia de Albuquerque Ribeiro Simão

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Artigos

Aplicação da Análise SWOT como ferramenta de análise dos avanços do manejo florestal no Estado do Acre

Adriana da Silva Santos, Renato Cesar Gonçalves Robert, Karine Ramos da Rosa Bellon e João Carlos Garzel Leodoro da Silva

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Correlação entre setores-chave do desenvolvimento do Estado de Roraima: uma análise tipo insumo-produto Sandro Luis Bedin

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Inovação tecnológica no Estado do Amazonas: um estudo baseado na PINTEC Moisés Israel Belchior de Andrade Coelho

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Elementos de um modelo de desenvolvimento endógeno aplicáveis ao aproveitamento de potencialidades locais para as comunidades isoladas da Região Amazônica André Frazão Teixeira, Salomão Franco Neves e Anderson Litaiff Feitosa da Costa

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Uma proposta de geração de energia elétrica, com a utilização do gás natural, para o Município de Coari – Estado do Amazonas willamy Moreira Frota, Arianne Araújo Gomes, Arnilson Damasceno e Danyell Barros

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Contextualização do desenvolvimento regional e suas possibilidades econômicas na Amazônia André Vilhena de Oliveira e Nidianne Cavalcante Nascimento

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Perspectivas sobre a utilização sustentável das fibras da castanha-de-cutia como material de reforço Tayana Mara Freitas da Cunha e Consuelo Alves da Frota

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AO S L E I T O R E S T&C Amazônia é uma publicação semestral criada com o intuito de discutir temas relevantes de interesse do país e, em especial, da Região Amazônica. A partir da 20ª edição, T&C abre espaço para receber contribuições relacionadas ao desenvolvimento regional em seus diferentes aspectos, desde que aderentes ao perfil da revista. Portanto, serão bem-vindos estudos que contemplem ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação. O teor dos textos é de inteira responsabilidade dos autores. Os interessados em publicar seus trabalhos devem encaminhá-los para o endereço eletrônico tec_amazonia@fucapi.br, para que sejam submetidos à análise do Conselho Editorial. O envio de um artigo não garante a sua publicação. Os artigos

publicados não concedem direito de remuneração ao autor. Os interessados em divulgar seus artigos na próxima edição da T&C Amazônia devem encaminhá-los até o mês de outubro de 2011 para o endereço eletrônico mencionado. O artigo deverá ser enviado exclusivamente por meio eletrônico, em arquivo texto, digitado em editor de texto Microsoft Word 4.0 ou superior, formatado em papel Carta, com margens laterais de 3,0 cm, margem superior de 3,5 cm, margem inferior de 2,5 cm, fonte Arial tamanho 12 e espaçamento simples. O artigo deve conter um resumo, breve currículo do autor e pode apresentar gráficos e figuras, desde que o tamanho do artigo permaneça entre 4 e 6 páginas.


Entrevista

Inovação

e desconcentração na agenda do MCT

o

atual ministro do Estado da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante de Oliva, possui um currículo extenso na área política. Mercadante, como é conhecido, já foi deputado federal por dois mandatos (1991/1995 e 1999/2003) e senador da República por São Paulo (2003/2011). No Senado Federal exerceu as funções de líder do Governo, presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, líder da Bancada do PT e do Bloco de Apoio ao Governo. Além disso, foi presidente do Parlamento do Mercosul (2010). Economista, mestre em Ciência e doutor em Teoria Econômica, o ministro é professor licenciado de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Unicamp.

Nesta entrevista exclusiva, Mercadante fala da importância da C,T&I para o desenvolvimento do país, do baixo investimento das empresas no que diz respeito à P&D e, em relação à Amazônia, o ministro afirma que é fundamental que se reduza as assimetrias do país, para que se possa definir políticas de desenvolvimento regional. Acompanhe a entrevista na íntegra. T&C Amazônia - Há certo consenso que o atual estágio de desenvolvimento no país exige uma maior participação do setor produtivo fortalecendo a prática da inovação. De que forma é possível o MCT contribuir para que essa dinâmica seja alcançada e qual o papel reservado às Entidades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (EPDis)?

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Aloizio Mercadante de Oliva

Aloizio Mercadante - O nosso maior desafio é transformar a ciência, tecnologia e inovação em eixo estruturante do desenvolvimento. Não podemos nos acomodar na condição de exportadores de matérias-primas e semimanufaturados. O MCT está dedicando grande parte de seus esforços a essa tarefa, ativando ferramentas que coloquem definitivamente a inovação na agenda pública e mobilize o setor privado a investir em pesquisa e desenvolvimento. T&C Amazônia - Apesar dos méritos associados á Lei da Inovação, os resultados práticos alcançados são entendidos como modestos, em muito creditados à insegurança jurídica. Considerando a anunciada prioridade para a inovação, em sua administração que ações o MCT pretende empreender em relação à questão? Aloizio Mercadante - A Lei da Inovação e Lei do Bem criaram ambiente favorável para que as Instituições de Ciência e Tecnologia - ICT/ Universidades e empresas fossem estimuladas a investir em P,D&I. O Ministério da Ciência e Tecnologia tem divulgado de forma muito ampla esses instrumentos. Levamos aos interessados as informações sobre os procedimentos corretos para que possam usufruir de forma integral dos benefícios da legislação. E estamos trabalhando para aperfeiçoar a atual legislação, como fizemos recentemente com os tablets, que foram incluídos nos benefícios fiscais. T&C Amazônia - Embora não seja uma característica exclusiva do Brasil, ainda há um significativo afastamento entre academia e setor produtivo. Que mecanismos podem mudar essa realidade? E qual a importância


Foto:Arquivo MCT

Aloizio Mercadante de Oliva

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Inovação e desconcentração na agenda do MCT

da articulação com outros ministérios - especialmente MEC e MDIC - nesse processo? Aloizio Mercadante - A pesquisa científica brasileira ainda é fortemente concentrada em universidades e instituições públicas. A pesquisa aplicada, a que gera inovação produtiva, ainda é pequena. As empresas brasileiras, incluindo a Petrobras que faz muito nesta área, ainda investem pouco, cerca de 0,54% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, contra países como Japão e China que investem respectivamente 2,68% e 1,10% do seu PIB em pesquisa e desenvolvimento. O Brasil já demonstrou que, quando quer, pode desenvolver tecnologia própria, como fizeram a Embrapa com a agricultura e o ITA-DCTA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial), com a Embraer. O papel do MCT é coordenar a política, mas o conjunto dos ministérios está envolvido na formulação e implementação das ações de ciência, tecnologia e inovação. T&C Amazônia - O que pode esperar a comunidade de C&T quanto aos investimentos do governo federal na área, considerando a perspectiva das recentes restrições orçamentárias anunciadas pela área econômica? Aloizio Mercadante - As restrições são temporárias. No momento, o esforço do governo é reduzir gastos de custeio para evitar cortar nas atividades-fim. A economia brasileira continua crescendo, os investimentos estrangeiros crescem aceleradamente, grandes indústrias de tecnologia estão instalando centros de pesquisa no Brasil, como é o caso da GE, ZTE, Huawei, Foxconn e IBM. O MCT está trabalhando na perspectiva de ampliar os recursos para o setor. A transformação da FINEP em um banco, por exemplo, vai permitir dinamizar e otimizar a capacidade de investimento do MCT nas áreas estratégicas para o desenvolvimento. E mesmo com os ajustes orçamentários, conseguimos R$1,9 bilhão a mais para crédito em inovação na FINEP.

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T&C Amazônia - As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm um percentual assegurado na distribuição de recursos dos Fundos Setoriais, mas muitas vezes os requisitos estabelecidos para a submissão de propostas confrontam-se com a realidade da massa crítica ainda insuficiente, o que impede a materialização da intenção. Qual sua visão sobre essa questão? O senhor é favorável a esse tratamento diferenciado? Aloizio Mercadante - Os esforços são no sentido não só de aumentar o volume de pesquisa, mas também aprofundar o processo de desconcentração regional e melhorar sua qualidade. A pesquisa e inovação associada aos nossos biomas, especialmente à Amazônia, são vitais. O bioma amazônico é prioridade estratégica não só no conhecimento científico, mas na geração de valor agregado, a partir da utilização dos recursos da floresta. É fundamental reduzir as assimetrias do país e definirmos políticas de desenvolvimento regional. T&C Amazônia - Recentemente divulgou-se que a USP possui mais doutores que toda a Amazônia. Como acelerar o fortalecimento de recursos humanos para atividades de pesquisa e desenvolvimento na Região, na proporção em que recomendam seus desafios e importância estratégica? Aloizio Mercadante - Temos de fortalecer os novos polos do sistema de pós-graduação no Nordeste, Norte e Centro Oeste do país. Isso é essencial para a redução das assimetrias regionais e integração territorial. O caminho já foi aberto, os investimentos em bolsas e fomento do CNPq/ MCT no Norte passaram de R$ 9 milhões e 800 mil em 1996 para R$ 72 milhões no ano passado, elevando de 2% em 1996 para 4,7% em 2010 a participação da Região no volume total de recursos aplicados pelo CNPq, que está diretamente vinculado ao nosso Ministério. Temos fortalecido o INPA, Museu Paraense Emílio Goeldi e Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, que são institutos do MCT. Queremos mais pesquisas que possam gerar valor agregado à biodiversidade da Amazônia.


Reportagem

Lixo tecnológico: problema e solução Cristina Monte

Ao longo da história, as descobertas científicas e tecnológicas proporcionaram o aparecimento de produtos e serviços que trouxeram e trazem conforto e segurança à sociedade. No dia a dia é difícil imaginar meia dúzia de coisas sem que, ao menos, uma delas não seja oriunda da ciência ou da tecnologia. No entanto, o aumento exponencial da produção industrial e o consumo constatado nas décadas recentes têm reverberado em sério problema: o acúmulo do lixo tecnológico ou e-lixo, como também é conhecido. No caso brasileiro, não se intenciona criar barreiras para o desenvolvimento socioeconômico atual, que surge após anos de inflação alta e de recessão econômica, entretanto, é preciso que as pessoas - dos variados níveis sociais - tenham consciência do subproduto gerado pelo consumismo exacerbado quando adquirem aparelhos eletroeletrônicos que depois se transformam em e-lixo. As indústrias que não maximizam seu processo de produção e/ou cobram caro do consumidor por peças que precisam ser repostas, e estimulam o consumo; o sistema bancário que financia a economia e ganha muito com isso; e o governo que recebe os impostos oriundos da produção e comercialização desses bens, ou seja, direta ou indiretamente todos contribuem para o aumento do lixo eletrônico. Para se ter ideia do tamanho do e-lixo, segundo estimativas do Greenpeace, todos os anos cerca de 20 a 50 bilhões de toneladas de lixo eletrônico são descartadas no mundo. Imagine que todos os dias centenas de teclados, cabos, mouses,

celulares, torradeiras, televisões, geladeiras “saem de circulação” e viram sucata. Muitas vezes esses produtos são descartados de maneira incorreta no meio ambiente, colocando em risco a saúde do planeta e de seus habitantes. Fatores sociais, econômicos e até culturais podem ser algumas das origens para o atual estágio do crescimento da industrialização brasileira, do consumo e, consequentemente, do descarte. E se não cabe aqui refletir os motivos que geram tanto e-lixo, pode-se apontar alguns caminhos que diminuam seus efeitos. Como? Algumas ações dão pistas de que é possível - sim - tirar proveito desta situação. Com “e-criatividade” o problema global pode até não deixar de existir, mas abre um leque de possibilidades bonitas, diferentes, ambiental e socialmente importantes, além de economicamente viáveis, é claro! Cresce a economia, cresce o lixo! Atualmente, o lixo é um dos problemas mais sérios que os municípios enfrentam, ou pelo menos, deveriam enfrentar. Para se ter noção da quantidade de resíduos sólidos, pense que, conforme dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB/IBGE) de 2000, coletados no estudo Iniciativa Latino-americana e Caribenha para o Desenvolvimento Sustentável - ILAC, da UNESCO, PNUMA e Ministério do Meio Ambiente, no país - naquele momento - foram produzidos 157.003 toneladas de lixo por dia!! Considerando-se o aumento populacional,

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o crescimento da economia e a ampliação do crédito, por exemplo, imagina-se que esse número venha aumentando ao longo do tempo. No mesmo trabalho, quando o assunto é a reciclagem ou reaproveitamento, verificava-se que naquela época apenas 8% dos municípios brasileiros participavam de programas de reciclagem. No entanto, a pressão de organizações não-governamentais ligadas à questão ambiental, o engajamento de representantes de diferentes segmentos sociais e a divulgação massiva da mídia, exemplificando, são alguns fatores que contribuíram para que esse número tenha crescido na última década. Já no que se refere à Região Norte, os dados da pesquisa mostravam que Manaus (capital do Amazonas) e Belém (capital do Pará), estavam entre as seis cidades com maior quantidade per capita de resíduos sólidos coletados, ficando em melhor colocação do que capitais como o Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre e Curitiba. Ainda em Manaus, conforme o subsecretário da Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos (Semulsp), Túlio Kniphoff, diariamente são coletadas uma média de 3 mil toneladas de resíduos sólidos. Ao longo dos últimos anos, a coleta anual passou de 792.148,76 toneladas em 2005 para 1.098.023,69 toneladas em 2010. Em relação à coleta de lixo eletrônico, Túlio informa que tal atividade não compete à Semulsp. Para o subsecretário, o aumento na produção de lixo em Manaus se deve ao crescimento populacional e à expansão dos serviços de coleta domiciliar e seletiva em Manaus. “O aquecimento da economia também gera maior consumo e, consequentemente, maior descarte”, lembra Túlio. Metais e contaminação alimentar Em relação ao e-lixo, pior que a geração é o descarte inapropriado, conforme apontado no estudo mencionado, o que pode causar muitas doenças em virtude dos metais pesados encontrados nos aparelhos eletroeletrônicos.

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De acordo com a médica Nália Almeida, os danos causados por consumo inapropriado de alimento ou água contaminada por metais podem trazer sérias consequências à saúde. “Vivemos em um planeta cujo solo e água se encontram - em boa parte - contaminados por metais tóxicos. O meio ambiente não é respeitado e isso tem trazido efeitos deletérios para a nossa saúde. Em Manaus é muito frequente a intoxicação crônica por Mercúrio, devido ao alto consumo de peixes que se contaminam por material tóxico despejado diretamente nas águas ou que chegam até elas, através do lençol freático. Quando encontramos uma criança que apresenta hiperatividade, além de pesquisarmos alergias, temos também que lembrar que altos níveis de Chumbo no organismo podem levar a esse quadro, com ou sem déficit de atenção. Para pesquisarmos metais tóxicos no organismo, o ideal é fazermos o Mineralograma do fio de cabelo e o tratamento, quando há intoxicação, é a retirada desses metais do corpo, pois a permanência dos mesmos pode acarretar alguns danos irreversíveis à saúde humana”, explica a especialista em Medicina Anti-Aging e Acupuntura. PIM e estudo sobre resíduos industriais Você sabe quantas toneladas de lixo eletrônico são produzidas por dia no Polo Industrial de Manaus (PIM)? Para responder a pergunta é importante dizer que o levantamento que apontou o dado é resultado do acordo entre a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e a Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA), tendo demais parceiros e que originou na elaboração do projeto intitulado “Estudo para o Desenvolvimento de uma Solução Integrada relativa à Gestão de Resíduos Industriais no Polo Industrial de Manaus”. Após o levantamento, que teve os objetivos de compilar os resultados em forma de relatório; formular um Plano Diretor, que apresente soluções para o aproveitamento e destinação de resíduos a serem implantadas nos próximos anos; estabelecer procedimentos que visem ao descarte


Lixo tecnológico:problema e solução

adequado dos resíduos industriais, com base no princípio dos 3Rs (Reduzir, Reutilizar e Reciclar); e reduzir o descarte inadequado de resíduos industriais minimizando o impacto ambiental, chegou-se à conclusão de que são descartadas 600 toneladas diárias oriundas das indústrias do PIM. De acordo com o coordenador de Análise de Projetos de Engenharia e Arquitetura da Suframa, Luiz Flávio Brandão Simões, o estudo foi finalizado e está em fase de implantação. “O projeto em questão (o estudo) pode ser considerado como concluído, visto que seu objetivo era a formulação do Plano Diretor com propostas de ações para a melhoria da gestão de resíduos industriais do PIM. Atualmente, vem ocorrendo a implantação do projeto pela Suframa e o IPAAM (poder público), em parceria com geradoras e gestoras de resíduos (iniciativa privada). A Suframa vem realizando a ação que visa a entender e consolidar os dados do tratamento e do descarte atuais dos resíduos gerados no PIM, de forma a assegurar que todas as fábricas instaladas e em operação entreguem seus inventários de resíduos sólidos industriais de forma padronizada e tempestivamente, ou seja, todos os anos. Para tanto, a Suframa tem realizado a disseminação do software para Banco de Dados do Inventário de Resíduos, o qual deverá ser oficializado pelo órgão ambiental estadual a partir de 2012”, informa o coordenador da Suframa. É importante destacar que durante o estudo foram identificadas 17 empresas que atuam no PIM na área de reciclagem. Provavelmente após a implantação do estudo, haja espaço (mercado) para outras empresas recicladoras. Isso significa abertura ou instalação de novas empresas, geração de emprego e renda e aumento da economia local. O ranking da produção verde Desde 2006 o Greenpeace edita o Guia de Produtos Verdes (Figura 01), no qual consta a classificação das empresas que se destacaram - positiva ou negativamente - em virtude do seu processo produtivo que considera requisitos como produtos limpos e duráveis, de fácil substi-

tuição, que possam ser reciclados e descartados sem comprometimento ambiental e à saúde humana. É uma iniciativa importante que busca incentivar a produção verde, pressionando a indústria de eletrônicos a repensar e mudar seu processo produtivo quando necessário. Na 16ª edição, o objetivo do Guia é mostrar publicamente as empresas que são, realmente, comprometidas com a vida no planeta e as que não são! Na atual versão, divulgada no final de 2010, listam 17 empresas fabricantes de celulares, computadores, tevês e consoles de jogos eletrônicos, que foram avaliadas em diversas categorias como energia e lixo, substâncias tóxicas e reciclagem, por exemplo. O melhor posicionamento ficou para a Nokia e o pior para a Nintendo. Provavelmente, pesquisas como essa, norteiem o consumidor na próxima vez que ele for às compras a correlacionar a marca do produto e seu modo de produção e sua relação com a sociedade e o meio ambiente.

Figura 01 - Guia de Produtos Verdes. Fonte: http://www.greenpeace.org/international/Global/international/publications/toxics/2010/version16/Ranking%20tables%20Oct%202010-All%20 companies.pdf.

O luxo do e-lixo “O que era algo estragado e sem valor virou uma nova fonte de inspiração”. Com essa visão, há nove anos, num dia difícil, a artista plástica e artesã Naná Hayne descobriu que o lixo eletrônico era muito mais do que lixo. “Minha impressora e PC travavam a todo o momento e eu precisava imprimir um currículo. Lá pela enézima vez que eu desplugava tudo e replugava, na tentativa de

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fazê-los funcionar, tive um acesso de fúria, dei um puxão no cabo da impressora, ele se rompeu e vi pela primeira vez o que tinha dentro – ‘fios coloridos’. Então abri o PC, vi a placa-mãe e pensei ‘gente, parece Brasília’ e ali aconteceu a ‘paixão’. Fiquei um bom tempo admirando tantos componentes e com as mais variadas formas, achando tudo lindo. Aquela visão me acalmou e me lembrei do cabo rompido e então, delicadamente, com um estilete, desencapei o cabo da impressora totalmente e o plug me pareceu um aparelho dental, peguei uma tela e com massa modelei uma boca, afixei o plug e comecei a pintar, assim teve início meu trabalho com o lixo eletrônico”, conta Naná. Desde então, a artista ganha a vida vendendo suas tecnojoias (Quadro 01) produzidas a partir do lixo eletrônico. São peças de design moderno, únicas e bonitas, que atraem o público da Praça Benedito Calixto, em Pinheiros (São Paulo), todos os sábados quando Naná expõe suas peças.

Mas a artesã entende que sua arte deve ser compartilhada e viaja o Brasil apresentando a oficina “Reutilizando com arte: tecnojoias”. Outro projeto interessante da Naná diz respeito à rede pública de ensino, já que gostaria de transformar professores em agentes multiplicadores, de modo que os alunos possam aprender a reutilizar o e-lixo. Surgiria daí uma nova opção de trabalho, cidadãos conscientes, e a possibilidade de incrementar a renda econômica. Lixo eletrônico na universidade e comunidade Outra importante iniciativa sobre o assunto teve início quando da comemoração do Dia do Meio Ambiente, em 2008, na ocasião foram coletadas cinco toneladas de lixo eletrônico em um só dia. O problema surgiu quando a assessora de Projetos Especiais CTI-USP e engenheira eletrônica, Tereza Cristina Carvalho, tentou “doar” o lixo tecnológico recolhido. Conforme a engenheira, as empresas recicladoras visitadas atuam com segmentos diferenciados, o que inviabiliza o recebimento do material “in natura”. Elas queriam o e-lixo processado, conforme o seu ramo de negócio. Foi então que Tereza Cristina decidiu que deveria ser criada uma estrutura que pudesse tratar da questão do lixo eletrônico no que diz respeito ao recebimento, triagem, desmontagem e destinação correta. Assim, após reuniões internas com as equipes de trabalho envolvidas, em 2009, foi criado o Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (CEDIR), que em primeiro momento, recebia apenas os equipamentos obsoletos da própria USP.

Quadro 01 - Tecnojoias produzidas a partir do e-lixo. Fonte: Naná Hayne.

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Já em abril de 2010, a universidade abriu suas portas para receber o lixo eletrônico da comunidade. “As unidades da USP e pessoas físicas trazem o lixo eletrônico ao CEDIR, mediante agendamento. E as empresas de reciclagem e projetos sociais retiram material para reciclagem ou computador consertado (‘refurbished’)”, explica Tereza Cristina. Conforme a assessora, o CEDIR (Figura 02) foi concebido para receber cinco toneladas/mês,


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mas, atualmente, recebe por volta de 10 a 12 toneladas/mês, contudo, segundo Tereza, há uma demanda reprimida de 20 toneladas/mês.

comunidades carentes e ribeirinhas. Atualmente são 13 Centros que contam com a participação da comunidade local.

Os números comprovam o sucesso do projeto, que conta com a importante participação da população. “Atualmente, 25% do lixo eletrônico recebido pela USP é de pessoas físicas. Tipicamente são computadores, impressoras e sistemas em bom estado de conservação que podem ser reaproveitados para projetos sociais”, diz Tereza Cristina.

Após anos atuando no CDI, o empresário observando o acúmulo do lixo tecnológico e buscando a sustentabilidade da entidade, criou em janeiro de 2010, o Centro Digital Descarte Correto, com o objetivo de reutilizar o que para alguns poderia ser considerado lixo, mas que para outros, poderia se tornar um instrumento de inclusão social e digital, além de contribuir ambientalmente, minimizando os efeitos do e-lixo no planeta. “O objetivo central do projeto é trabalhar sustentabilidade, educação e social, sendo que os pilares são a promoção do conceito ‘descarte certo’ como Educação Ambiental; trabalhar a logística reversa com os usuários finais; implantar o Centro de Inclusão Digital

Por isso, ela entende que outra importante contribuição no processo de conscientização é a imprensa. “O papel da imprensa é importantíssimo. Conscientizar as pessoas é o primeiro passo para termos êxito junto às empresas e governo”, diz Tereza.

Figura 02 - CEDIR. Fonte: CCE/USP.

Capacitação e inclusão O empresário e contador Alessandro Dinelli mostra bons números quando o assunto é inclusão digital. Fundador e atual presidente do Comitê de Democratização da Informática (CDI), Alessandro explica que já foram capacitadas na instituição mais de 15 mil pessoas, oriundas de classes menos favorecidas. A capacitação ocorre por intermédio de Centros de Inclusão Digital em

e cursos profissionalizantes; e proporcionar às pessoas mais carentes e entidades sociais o seu primeiro computador”, diz Alessandro. O empresário explica como funciona o processo do recolhimento do e-lixo e fala da importância das parcerias. “Implantamos ‘pontos de coleta’ (Figura 03) para recolhimento do lixo tecnológico nos Centros de Inclusão Digital nas comunidades,

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incluindo dessa forma a temática junto ao aprendizado de informática e cursos profissionalizantes, também em parceria com entidades e principalmente com empresas, como é a nossa parceria com a Amazon Print, Digital Center e Senac/AM. Durante o ano de 2010 e agora em 2011, já recebemos diversas doações de empresas e indústrias do Polo Industrial de Manaus, destaco: Philips, Recofarma, Instituto Nokia, Samsung, Laghi Engenharia, MultiCom, Prince Bike, TAM Linhas Aéreas, Grupo Magi Clean e diversas outras, além das doações de pessoas físicas”, conta o empresário. Na visão do contador, todos se beneficiam com a reutilização, recuperação ou descarte ambientalmente correto do e-lixo. “Estamos deixando de poluir o solo, água, ar, eliminando a existência desses em aterros sanitários e principalmente, diminuindo a extração de matéria-prima virgem para ser utilizada no processo de fabricação de novos produtos”. Uma das pessoas capacitadas no projeto Descarte Correto é o técnico em Informática Wendel Ribeiro, que ampliou o conhecimento a respeito do lixo eletrônico após conhecer o projeto. “No início não tinha muita noção da importância desse projeto, pois,como muitos, não sabia o quanto o lixo tecnológico influenciava em nossas vidas. Quando conheci o projeto a fundo, através, principalmente de palestras educativas, vi o quanto ele era importante e percebi que poderia ajudar a divulgá-lo de alguma forma. Comecei a fazer pesquisas no próprio site do CDI Amazonas e então percebemos que as pessoas estavam muito desinformadas sobre o assunto”, explica Wendel.

Figura 03 - Divulgação de ponto de coleta. Fonte: Descarte Correto.

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Lixo e lucro Atuando desde 2001 com a atividade de reciclagem, o consultor Fúlvio Stelli conhece bem a questão do lixo eletrônico. Ele começou na atividade em virtude de pesquisa na área de arrecadação de recicláveis que eram vendidos às recicladoras e que, portanto, geravam lucros à instituição na qual ele atuava. Fúlvio vê boas possibilidades de negócios em relação ao e-lixo. “A necessidade de matéria-prima recuperada é dinâmica, pois necessita de atividades adequadas às diversas finalidades da demanda de consumo, como adequação ambiental, pois vivemos em um mundo finito, de recuperação de valor e prestação de serviços diferenciados. A prática mostrou ser a reciclagem um segmento para análise dos sistemas sob a ótica dos processos a serem desenvolvidos e novas formas de serem realizadas, a educação e exercício do que é consumo responsável, destinação ambientalmente correta, pesquisa e legislação. Portanto muito ainda tem a evoluir. Para consolidar este olhar, finalmente foi homologada a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos que dá início a melhoria do trato com o ‘lixo’ como um todo, determinando novos procedimentos e responsabilidades com o que é descartado. Abre-se aqui uma nova gama de processos produtivos e lucrativos”, explica o consultor. Em relação à coleta de e-lixo, no que diz respeito às associações e cooperativas, a atividade tem muito a crescer, pois, de acordo com a representante da Cooperativa Aliança, Elisa Müller, a entidade recebe lixo eletrônico, mas o lucro ainda é pequeno. “Recebemos alguns tipos de resíduos eletrônicos e eletrodomésticos, provenientes da coleta seletiva das residências. Estes são, em geral, geladeiras, fogões, computadores e demais”, explica Elisa que conta com o apoio da Semulsp que disponibiliza um caminhão às quintas-feiras à associação. Em se tratando do e-lixo, no que se refere ao catador, Fúlvio destaca a importância desse trabalhador como uma figura importante no processo de educação e conscientização ambiental. “Outro negócio ainda embrião é o


Lixo tecnológico:problema e solução

aproveitamento da farta mão de obra dos ‘catadores’ que, a meu ver, são muito mais que isso, eles podem desempenhar um trabalho invisível como uma grande força educadora. Para mim são agentes de preservação ambiental urbana”, diz o entrevistado. Pensando na figura do catador, o consultor que é autor do “Manual Básico de Manufatura Reversa”, onde relata experiências com e-lixo, desenvolveu um projeto no qual, por meio da distribuição de uma revista educativa, chamada Ecocidade, conforme a Figura 04, o catador possa estabelecer uma relação diferenciada com a sociedade, contribuindo para elevar o conhecimento sobre o meio ambiente e aumentando a sua renda. “O intuito da revista é fazer com que o indivíduo que vende a revista preste um serviço de conscientização ambiental, ética e humanitária à sociedade e a si mesmo, pois o coloca em outro patamar social, um agente efetivo no incentivo à correta destinação de materiais recicláveis, aumentando o quantitativo e sua

qualidade para reciclagem. Através do trabalho, esses coletores-vendedores são ajudados emocional e psicologicamente”, conclui Fúlvio. Participação coletiva A gestão dos resíduos tecnológicos é um dos grandes desafios que se tem à frente. Um passo já foi dado com a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, e sua implantação pode representar a solução de parte do problema, por alinhar segmentos, poder proporcionar trabalho aos catadores e manter o meio ambiente saudável. Mas, o segundo passo pode ser mais difícil do que o primeiro, já que será essencial a participação de todos, pois apenas esforços isolados, como os mostrados ao longo da reportagem, não garantem resultados permanentes. Se um aparelho eletroeletrônico precisa de uma série de componentes para seu funcionamento, a mesma analogia cabe à coletividade em relação à solução do lixo tecnológico: só com a conscientização e participação efetiva poderemos habitar em um planeta ambientalmente mais saudável e limpo!

Figura 04 - Catadores participam da reunião da revista Ecocidade. Fonte: Fúlvio Stelli.

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Artigo

Crescimento, efeitos em cadeia e concentração da indústria petroquímica amazonense¹ Fábio Heleno Mourão da Costa

Resumo A indústria petroquímica ocupa uma posição singular na estrutura produtiva brasileira, em face de sua importância para o crescimento e desenvolvimento econômico do país, bem como das regiões onde se instala. Assim, este artigo identifica e analisa os determinantes da concentração da indústria petroquímica situada no Amazonas, no período entre 1995 e 2009. Para tanto, foi adotado o índice de concentração normalizado. Para análise empírica do índice foi utilizada a base de microdados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), ou seja, o emprego formal gerado, em nível de microrregiões. Os resultados mostram aglomeração da indústria petroquímica no período analisado em Manaus, com especialização em 2009; apresenta dinamismo e potencial de crescimento do setor.

Introdução A indústria petroquímica é parte integrante da indústria química, sem possuir uma base conceitual bem definida devido à dificuldade em classificar alguns de seus produtos. Pode-se atribuir a essa dificuldade a semelhança no processo produtivo dessas indústrias. Os produtos gerados nas diversas etapas da cadeia produtiva petroquímica são classificados em: primeira geração, segunda geração e terceira geração. Na origem da cadeia produtiva petroquímica é utilizado o gás natural (etano) e o petróleo (nafta) como matéria-prima. Logo, a disponibilidade de gás natural, com a construção do gasoduto Coari-Manaus, pode incentivar a implantação e/ou expansão de plantas petroquímicas no Polo Industrial de Manaus – PIM.

¹ Este estudo foi desenvolvido no âmbito da dissertação de mestrado do autor no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional – PRODERE/UFAM, cuja pesquisa foi financiada pela FAPEAM.

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Crescimento, efeitos em cadeia e concentração da indústria petroquímica amazonense

Os produtos de terceira geração são utilizados como insumos na produção de calçados, tecidos, plásticos, pneus, tintas, alimentos, embalagens, eletroeletrônicos, entre outros. Por conta da multiplicidade de uso, o PIM é um grande consumidor de insumos petroquímicos devido à extensão da sua indústria de termoplásticos. Nesta perspectiva, a indústria petroquímica vindo a se expandir no Amazonas, certamente, gozaria de uma posição considerável, pois os custos de transporte seriam minimizados por efeito da proximidade. Segundo Furtado (2003), o dinamismo da indústria petroquímica está intrinsecamente ligado ao processo de crescimento econômico, seja através da produção ou pela comercialização (importação). Neste cenário, o presente estudo procura identificar e analisar os fatores determinantes do nível de concentração da indústria petroquímica situada no PIM, procurando enfatizar sua evolução, dinamismo e importância no contexto nacional. Além desta introdução e das considerações finais, o artigo possui outras três seções: na segunda é feita um discussão

acerca das principais características da indústria petroquímica, bem como dos efeitos em cadeia; na terceira é apresentado o método de análise regional; enquanto que na quarta, é feita a análise dos resultados alcançados. Indústria petroquímica e os efeitos em cadeia O aporte técnico da indústria petroquímica está assentado na engenharia química, cuja característica essencial é o significativo emprego de tecnologia sofisticada, originária de investimento em P&D. Por isso, poucas atividades econômicas possuem produtos com duplo emprego produtivo, ou seja, encontra emprego na produção de bens intermediários e finais (FURTADO, 2003). A Figura 01 resume o processo produtivo da indústria petroquímica. A julgar pelas interligações entre um elo e outro, observa-se uma elevada complexidade da passagem das matérias-primas básicas para os produtos finais ao longo da cadeia. Diversos segmentos da indústria nacional, bem como da indústria situada em Manaus, utilizam os produtos petroquímicos de terceira geração na condição de insumos, que por sua vez os transformam em outros bens.

Figura 01 - Cadeia produtiva da indústria petroquímica. Fonte: GOMES et al. (2005).

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Crescimento, efeitos em cadeia e concentração da indústria petroquímica amazonense

Para Guerra (1993), a indústria petroquímica se caracteriza pela existência de ociosidade planejada, ou seja, os investimentos realizados na ampliação da capacidade produtiva crescem mais do que a demanda. Dessa forma, cria-se uma barreira à entrada de novos players, causando um comportamento cíclico nos negócios da própria indústria e aumento do grau de interdependência entre seus segmentos. No cenário mundial, a indústria petroquímica está estruturada em clusters, polos, complexos ou arranjos produtivos com atuação ampla de grandes corporações às atividades da indústria internacional. Na observação de Furtado (2003), enquanto alguns grupos estão centrados em atividades de petroquímicos básicos, outros se destacam em atividades de produtos de maior densidade tecnológica. No Brasil, existem quatro polos petroquímicos: o de Camaçari-BA, ABC-SP, Triunfo-RS e Duque de Caxias-RJ. Segundo Furtado (2003), esta indústria foi criada na década de sessenta a partir da difusão de tecnologias do setor pelos escritórios de engenharia especializados que acarretou na extroversão de grandes empresas.

Levando-se em conta que o desenvolvimento da indústria petroquímica no PIM mostra-se promissora, antes mesmo da entrada em operação do gás natural de Urucu, esta merece ser estudada numa perspectiva econômica, principalmente, diante da retomada do crescimento da economia do país nos últimos anos. Além disso, importa lembrar os ensinamentos de Hirschman (1976), o qual adverte que a memória do desenvolvimento é essencialmente o registro de como uma “coisa leva à outra”, e conclama que os efeitos em cadeia têm como referência central o próprio registro do encadeamento das atividades envolvidas. Este quadro é um traço característico especial das atividades industriais quando se encontra em estágio denso de desenvolvimento. Assim, as atividades em andamento, por causa dessas características, impulsionam ou, mais modestamente, “convidam” alguns entrantes a enveredarem por novas atividades. Quando isso acontece, estamos na presença de um efeito em cadeia que parte da atividade em andamento para uma nova atividade.

A indústria petroquímica brasileira se desenvolveu e acumulou capacidades industriais amplas sob regime de proteção e forte participação do Estado, embora com capacitação tecnológica limitada. Com a privatização iniciada na década de 1980 e consolidada ao longo da década seguinte, permitiu-se o surgimento de grupos nacionais no comando das centrais petroquímicas e de várias outras unidades industriais relevantes.

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Crescimento, efeitos em cadeia e concentração da indústria petroquímica amazonense

Neste sentido, justifica estudar a petroquímica, posto que os traços de produção de algumas atividades econômicas do PIM podem impulsionar alguns operadores a enveredarem por novas, ou seja, proporcionar efeito em cadeia que parte das atividades em andamento (eletrônicos, termoplásticos, entre outros) para outras ao longo da cadeia petroquímica. Método de análise O índice de concentração normalizado - ICn é utilizado para o desenvolvimento do objetivo deste artigo. O estoque de emprego extraída da base de microdados da RAIS foi a variável selecionada para subsidiar o índice, bem como dá uma resposta ao objeto deste estudo. Neste artigo, a indústria petroquímica é compreendida a partir das seguintes atividades econômicas, segundo a CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas): Fabricação de produtos petroquímicos básicos; Fabricação de intermediários para resinas e fibras; Fabricação de resinas termoplásticas; Fabricação de resinas termofixas; e Fabricação de elastômeros. Para Crocco et al. (2006), o ICn tem como objetivos captar a especificidade de um setor ou atividade econômica dentro de uma região, o seu peso em relação à estrutura industrial dessa região, a importância do setor no país e a escala absoluta da estrutura industrial local. O índice possui três componentes, matematicamente sintetizados da seguinte forma: (1)

(2) Onde: = Emprego do setor i na região j; = Emprego total na região j; = Emprego do setor i no Brasil; = Emprego total no Brasil. No sentido de superar possíveis distorções que o QL pode causar², Crocco et al. (2006) incluiu um segundo indicador, o Hirschman-Herfindahl modificado (HHm), para captar o real significado do peso da atividade ou setor econômico na estrutura produtiva local. O HHm é definido da seguinte forma: (3) Por sua vez, o índice de participação relativa (PR) permite captar a importância da atividade ou setor econômico da região no âmbito nacional, ou seja, a participação relativa da atividade ou setor i no emprego total do setor no país como um todo (CROCCO et al. 2006). O PR é definido da seguinte forma: (4) Os ’s no ICn representam os pesos de cada um dos indicadores para cada atividade específica. Para tanto, procedeu-se análise multivariada de componentes principais³. Caso o ICn > 0, existe aglomeração ou concentração espacial de atividades ou setores econômicos especializados e dinâmicos em nível nacional, caso contrário, a região possui atividades de baixa concentração ou fraca aglomeração sem a possibilidade de permitir o desenvolvimento local.

O quociente locacional (QL) da atividade ou do setor econômico analisado permite analisar se uma região possui especialização em uma determinada atividade comparando duas estruturas setoriais-espaciais (CROCCO et al., 2006). O QL é obtido da seguinte forma:

² Para Suzigan et al. (2005), regiões com apenas uma unidade produtiva ou com estruturas industriais bastante diversificadas, podem gerar viés no indicador. ³ Para outros detalhes sobre análise multivariada, ver Crocco et al. (2006).

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Crescimento, efeitos em cadeia e concentração da indústria petroquímica amazonense

Resultados A indústria petroquímica amazonense está concentrada na capital Manaus. No Gráfico 01, o seu crescimento pôde ser observado através da variação percentual da mão de obra formal no período de 1995 a 2009. Nota-se que até 2002, a indústria petroquímica (IP) cresceu mais que a indústria de transformação (IT menos a IP), convergindo com esta a partir de 2003. Os saltos de crescimento percentual da indústria petroquímica nesse período coincidem sempre com as da retomada do crescimento da economia brasileira. Logo, podemos constatar que a indústria petroquímica amazonense possui uma correspondência com o crescimento e dinamismo da economia brasileira.

Na Tabela 01 pode-se observar o impacto do crescimento da mão de obra da indústria petroquímica amazonense. A participação relativa do setor em Manaus no total do país representou em 2009 pouco mais de 1%. Por conta disso, a indústria obteve um QL maior que a unidade e HHm positivo, o que a classifica respectivamente, como especializada nesse segmento industrial e com significativa importância para o PIM. O nível de concentração da indústria petroquímica em Manaus aumentou consideravelmente no período compreendido de análise, mostrando-se dinâmica quando comparado às de outras regiões do país. No ano base, existiam no país 69 microrregiões com potencialidade de

Gráfico 01- Crescimento da mão de obra da IP e IT-IP em Manaus. Fonte: Elaboração própria a partir dos microdados da RAIS.

Tabela 01 - Resumo dos índices de concentração da indústria petroquímica brasileira Microrregião São Jerônimo - RS

1995 ICn

PR

QL

HHm

40,8642

0,1162

159,2884

0,1154

Microrregião São Jerônimo - RS

2009 ICn

PR

QL

HHm

36,4995

0,1164

183,8692

0,1158

Suape - PE

3,9113

0,0150

15,2350

0,0140

Suape - PE

2,8772

0,0203

14,4494

0,0189

Salvador - BA

2,7678

0,2478

10,0947

0,2232

Rio Claro - SP

2,5630

0,0225

12,8539

0,0207

Valença do Piauí - PI

2,0545

0,0007

8,0231

0,0007

Guarulhos - SP

2,2374

0,0869

10,9497

0,0790

Rio Claro - SP

2,0472

0,0120

7,9622

0,0105

Salvador - BA

1,4475

0,1622

6,6596

0,1378

Bom Despacho - MG

1,1444

0,0039

4,4590

0,0030

Jundiaí - SP

1,2456

0,0311

6,1661

0,0260

Moji das Cruzes - SP

1,1432

0,0232

4,3989

0,0179

Moji das Cruzes - SP

1,2068

0,0332

5,9617

0,0277

Moji-Mirim - SP

0,9582

0,0085

3,7184

0,0062

Xanxerê - SC

1,0258

0,0042

5,1640

0,0034

Erechin - RS

0,8166

0,0038

3,1790

0,0026

Santos - SP

0,6150

0,0236

3,0124

0,0158

Guarulhos - SP

0,8055

0,0237

3,0787

0,0160

Bauru - SP

0,5463

0,0098

2,7204

0,0062

Manaus - AM

0,0191

0,0737

-0,0087

0,0191

Manaus - AM

0,2439

0,0128

1,1828

0,0020

Fonte: Elaboração própria a partir dos microdados da RAIS. Nota: Foram selecionadas as dez microrregiões com maiores níveis de concentração e Manaus.

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Crescimento, efeitos em cadeia e concentração da indústria petroquímica amazonense

desenvolvimento da petroquímica, sendo que a capital amazonense ocupava a 56ª posição, segundo o nível de concentração. Em 2009, o número de microrregiões com potencialidade neste segmento industrial aumentou para 81 e a indústria petroquímica do PIM passou a ser a 24ª mais dinâmica do país, segundo o ICn. Considerações finais Os resultados obtidos indicam, no período analisado, o surgimento no PIM de uma indústria situada em um elo da cadeia petroquímica com alta concentração. O crescimento de nível no indicador (ICn) dá a entender que se trata de uma indústria dinâmica. A principal justificativa para tal desempenho se deve ao efeito em cadeia para trás da indústria de termoplásticos. Este setor sobressai como um grande consumidor de produtos de essência petroquímica, de modo que as expectativas dos empresários dessa indústria são animadoras com a perspectiva da entrada do gás natural na matriz energética de Manaus. Isto vindo a ocorrer, sem dúvida, poderá impulsionar o desenvolvimento da indústria petroquímica em formação, no PIM. Os resultados dão, também, uma indicação de que a indústria petroquímica situada no PIM requer atenção de políticas de desenvolvimento, pois é uma indústria com grande capacidade de agregar valor. Por fim, Manaus apresenta efeitos locacionais positivos para o desenvolvimento do setor petroquímico, devido à proximidade do mercado consumidor (PIM), disponibilidade de matéria-prima (gás natural) e efeitos institucionais promovidos pelo Estado. Bibliografia CROCCO, Marco A. et al. Metodologia de identificação de aglomerações produtivas locais. Revista Nova Economia, Belo Horizonte, v. 16, nº 2, p. 211-241, 2006.

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FURTADO, João. Estudo da competitividade de cadeias integradas no Brasil: impactos das zonas de livre comércio. Nota Técnica Final, Campinas, SP, 85p, 2003. GOMES, Gabriel et al. Indústria petroquímica brasileira: situação atual e perspectivas. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, RJ, p. 75104, mar. 2005. GUERRA, O. F. Competitividade da indústria petroquímica: estudo setorial do complexo químico. Nota Técnica Final, Campinas: IE/ Unicamp – IEI/UFRJ – FDC – Funcex, 1993. HIRSCHMAN, Albert O. Desenvolvimento por efeitos em cadeia: uma abordagem generalizada. Estudos CEBRAP, nº 18, out./dez 1976, 39 p. RAIS. Relação Anual de Informações Sociais. Disponível em: http://www.rais.gov.br. Acesso em 05 Jan. 2011. Referência: 2009. SUZIGAN, Wilson et al. Sistemas Locais de Produção/Inovação: Metodologia para identificação, estudos de casos e sugestões de políticas. In: DINIZ, Clélio C.; LEMOS, Mauro B. (Org.). Economia e Território. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005. p. 287320. Fábio Heleno Mourão da Costa é economista e mestre em Desenvolvimento Regional. Atualmente, é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Economia – PIMES/UFPE, onde desenvolve pesquisa na área de Economia Regional e Urbana. (mouraodacosta@yahoo.com); (fabio.mourao@ufpe.br).


Artigo

Riscos e oportunidades nos processos de inovação nas micro e pequenas empresas¹ Tirso w. Sáenz Sanchez e Tirso Sáenz Coopat Introdução É uma verdade bem conhecida que um empresário bem-sucedido é um empresário inovador; no entanto, não é tão verdadeira a expressão de que um empresário inovador é um empresário bem-sucedido. Isso não é um jogo de palavras. O tratamento integral e detalhado do processo de inovação é muito complexo e multifacetado, portanto a inovação é um processo criativo, mas com resultados incertos. Toda inovação é, inevitavelmente, um processo de muitos e variados riscos. Consequentemente, para que uma inovação tenha probabilidades de êxito, todos os riscos presentes nesse processo deveriam ser reduzidos ao máximo possível. Este artigo está dirigido a dirigentes, técnicos e funcionários de micro e pequenas empresas de menor desenvolvimento relativo. A intenção dos autores é apresentar, de forma resumida, alguns dos elementos básicos mais importantes que devem ser tomados em consideração para reduzir os riscos presentes nos processos de inovação e contribuir para resultados exitosos dos respectivos empreendimentos.

Inovação A inovação é um processo pelo qual as instituições dominam e implementam o desenho, a produção e comercialização de bens e serviços que são novos para elas, independentemente de que não sejam novos para seus concorrentes, nacionais ou estrangeiros. Ou seja, é a introdução na sociedade de um novo ou significativamente melhorado produto ou processo, ou um novo método organizacional, ou gerencial ou de marketing (Ganiatsos & Mytelka, 1994). Os processos de inovação, independente da sua magnitude e complexidade, são sistêmicos, como se apresenta de forma sintética na Figura 01. Os diferentes elementos que integram o processo se entrelaçam, desde a concepção, a ideia inicial, passando pelos trabalhos de P&D, engenharia, instalação do processo produtivo, relacionamento com os fornecedores, comercialização, etc. Cada ponto de entrada ou de saída de cada um dos elementos do processo de inovação requer uma avaliação para decidir se o processo deve ser continuado, modificado ou interrompido. Ou seja, a toda inovação corresponde um processo de tomada de decisões e de ações consequentes. O enfoque sistêmico é, portanto, um elemento essencial nos processos de inovação.

¹ Este artigo é uma versão da palestra proferida por um dos autores no Seminário Mostratec II, celebrado em Manaus/ AM, nos dias 17 e 18 de novembro de 2010, e está dirigido a micro e pequenos empresários, razão pela qual não está redigido em um estilo acadêmico, usando-se um mínimo de notas e referências.

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Riscos e oportunidades nos processos de inovação nas micro e pequenas empresas

Figura 01 - Esquema sistêmico de uma inovação tecnológica. Fonte: Sáenz e Capote (2002).

Alguns componentes essenciais dos processos de inovação • A estratégia A estratégia traduz a visão do papel perspectivo ao qual uma empresa ou instituição deseja chegar dentro do contexto econômico–financeiro da sua esfera de ação e da sociedade em geral. Compreende fundamentalmente: a identificação de prioridades; a posição que seus produtos/ serviços devem alcançar no mercado; a estrutura, métodos gerenciais e as ferramentas competitivas que utilizará; os meios pelos quais entrará em novos mercados; a forma em que utilizará e distribuirá seus recursos; o aproveitamento das fortalezas próprias e das oportunidades externas. As estratégias podem ser proativas, defensivas, imitativas ou tradicionais. Em geral, as micro e pequenas empresas com limitados recursos, adotam os dois últimos tipos. Toda empresa deve ter uma estratégia e consequentes planos de desenvolvimento e de inovação. Isso deve incluir as mudanças a serem realizadas, em que momento e que recursos, de todo tipo, serão necessários. A estratégia deve ser orientadora para evitar improvisações,

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geralmente caras, muitas vezes desnecessárias e sem resultados. Além disso, a estratégia deve ser flexível o suficiente para enfrentar conjunturas desfavoráveis ou mesmo oportunidades inesperadas. A estratégia deve ser elaborada tomando em consideração as possibilidades reais da empresa quanto aos seus recursos e potencialidades humanas, técnicas, financeiras, gerenciais e de mercado para realizar as inovações previstas. A falta de uma estratégia realista representa um grande risco para qualquer empresa. • O conhecimento das necessidades do mercado ou da sociedade Uma empresa precisa conhecer antecipadamente se uma nova tecnologia atenderia às expectativas do mercado potencial ou a uma necessidade da sociedade. Evidentemente isto requer um conhecimento das características do segmento de mercado que se pretende atingir com aquela inovação (nacional, regional, local, consumidores de alta, média ou baixa renda, etc.), as dimensões da demanda, as oportunidades presentes e futuras; é ainda necessário conhecer a concorrência, suas potencialidades, fortalezas e fragilidades. Regulamentações governamentais, culturas


Riscos e oportunidades nos processos de inovação nas micro e pequenas empresas

e costumes dos consumidores são aspectos igualmente importantes que devem ser tomadas em consideração no estudo de mercado. Ao menor ou maior conhecimento que tenha a empresa sobre as características do segmento de mercado que se quer/pode atingir, corresponderão aos riscos e chances para alcançar sucesso com a inovação prevista. • Os recursos humanos A adequada qualificação e experiência dos recursos humanos (pessoal gerencial, técnico, operários e administrativos), o aporte dos seus conhecimentos tácitos, assim como a sua participação ativa no funcionamento eficiente, desenvolvimento e aperfeiçoamento dos processos produtivos e da comercialização são essenciais para alcançar resultados positivos no processo de inovação. O conhecimento é cada vez mais um fator de produção e de inovação. As experiências positivas alcançadas neste sentido por grandes empresas devem ser aproveitadas pelas micro e pequenas empresas. Infelizmente, muitas empresas de recursos limitados em áreas geográficas de baixo desenvolvimento mostram níveis educacionais e culturais insuficientes. A única opção para essas empresas é buscar sobreviver com produções de baixa qualidade e resultados econômicos quase nulos. • A geração, transferência/aquisição ou a adaptação de tecnologias Uma nova tecnologia para uma empresa pode ser gerada mediante P&D, recebida por meio de transferência, ou adquirida de algum fornecedor. As micro e pequenas empresas geralmente não possuem laboratórios de pesquisa; no caso de precisarem de trabalhos de pesquisa aplicada, eles podem ser solicitados a centros de pesquisa ou universidades; as empresas de escassos recursos financeiros, geralmente, não tratam de gerar tecnologias mediante pesquisas científicas e escolhem tecnologias que não requerem a realização de pesquisas.

Em muitos casos essas empresas podem gerar tecnologias próprias mediante trabalhos de desenvolvimento experimental: protótipos, ensaios produtivos em pequena escala, etc. A transferência ou compra de tecnologias é uma prática muito usada por todo tipo de empresas, mas quase sempre é necessário realizar trabalhos de desenvolvimento para adaptar a tecnologia transferida às condições técnicas e organizativas próprias da empresa, além de preparar pessoal para o processo adaptativo e para o uso da tecnologia. A transferência passiva, ou seja, que não realiza esses ajustes prévios indispensáveis resulta em alto risco para a empresa. Exceto nos casos de tecnologias muito simples, passar da etapa de desenvolvimento ou de produção experimental para a produção comercial, novas tecnologias de produto ou de processo exigem projetos detalhados de engenharia. Essa etapa deve ser muito bem atendida. O sucesso ou fracasso de uma tecnologia promissora depende, em boa medida, da qualidade dos projetos de engenharia. Esta é possivelmente a etapa mais cara do processo de inovação. Por isso, em muitos casos, a empresa não está em condições econômicas e/ou financeiras de arcar com tais gastos e limita-se a produzir com instalações experimentais para um mercado restrito. Além disso, quase sempre, as inovações de produto ou processo requerem mudanças organizativas e gerenciais na empresa. A determinação da qualidade da nova tecnologia, particularmente no caso de um produto novo ou melhorado, deve buscar atender aos requisitos técnicos e normativos, bem como aos desejos e necessidades dos consumidores potenciais desse produto. Essa adequação deve ser verificada e promovida em diferentes momentos do processo de inovação. Por exemplo, para um produto comestível, digamos, um novo suco de frutas, seria necessário, entre outras, fazer comprovações sobre níveis de concentração da polpa e teor de açúcar, entre outros fatores. Para isso, a realização de testes organolépticos com consumidores potenciais é altamente recomendável. Igualmente é recomendável examinar com consumidores o desenho da embalagem. Se estas

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Riscos e oportunidades nos processos de inovação nas micro e pequenas empresas

determinações, por razões práticas ou econômicas, ficam exclusivamente no critério de usuários não representativos, como o dono da empresa, sua família, colegas e amigos, os riscos de baixa aceitação no mercado se ampliam. Durante todo esse processo é essencial realizar estimativas quanto à viabilidade técnica, econômica, comercial, social e ambiental do projeto de inovação desde a etapa inicial, para avaliar se o projeto, ainda com dados ou estimativas preliminares é promissor, se vale a pena implementá-lo, se é mais indicado gerar ou adaptar a nova tecnologia mediante trabalhos de P&D ou adquirir a tecnologia de fornecedores externos. Isso ajuda a definir parcerias que sejam necessárias ou convenientes. Outro estudo de viabilidade deve ser realizado após a conclusão da fase experimental, já com informações mais objetivas, para decidir sobre a realização dos projetos de engenharia e a construção da instalação em escala comercial. Note-se a importância do conhecimento da demanda real e potencial e, consequentemente, os volumes de produção, custos e características da nova tecnologia. Os trabalhos de viabilidade têm que estar baseados em estudos e estimativas de mercado que permitam estimar qual seria o tipo e qualidade do produto ou de processo a ser comercializado, o volume de venda e consequentemente de produção, o sistema de distribuição, etc. Muitas vezes, micro e pequenas empresas não têm recursos financeiros para realizar todos esses estudos e tomam decisões baseadas na intuição ou na experiência prévia da instituição. Esses fatores não devem ser minimizados - em grandes empresas com amplos recursos, esses fatores têm um papel determinante na tomada de decisões -, mas deve-se considerar que se forem as únicas bases do processo os riscos da inovação crescem significativamente.

• A propriedade intelectual A empresa deve dominar determinados aspectos relativos à Propriedade Intelectual, entre os quais: o possível registro de patentes próprias ou o tratamento adequado nas negociações para compra de licenças e transferência de tecnologias de forma a evitar que outras partes obtenham vantagens ilegítimas neste processo. Também se deve ter um conhecimento adequado sobre o registro de marcas, modelos e desenhos industriais para proteger a imagem comercial do novo produto. Não prestar a devida atenção a este aspecto pode ocasionar sérios transtornos econômicos à empresa. • Obtenção e gerência dos recursos financeiros As empresas, principalmente as micro e pequenas empresas, precisam de fontes externas de financiamento para realizar os processos completos de inovação, desde as etapas iniciais até os investimentos requeridos para projetar e construir a nova instalação produtiva ou adaptar instalações anteriores. Assim, elas devem conhecer as fontes disponíveis. Para isso as empresas devem saber elaborar e negociar adequadamente projetos que respondam aos requerimentos dos diferentes editais. É conhecido que muitas empresas não estão preparadas para esta tarefa, e ideias promissoras se perdem devido a projetos mal elaborados. Resolver esta situação requer capacitação em elaboração de projetos de inovação e de realização de estudos de viabilidade econômico-financeira. Finalmente, as empresas devem fazer uma administração e utilização correta dos recursos. A adoção de esquemas financeiros apropriados² deve garantir a rentabilidade e sustentabilidade financeira das micro e pequenas empresas. A utilização de sistemas de alavancagem adequados e a capitalização dos lucros são aspectos

² Isto se refere a mecanismos que garantam à empresa fluxos de capital positivos, liquidez e solvência nos médio e longo prazos e que para programá-los a empresa conta com os recursos humanos e meios técnicos necessários, ou que a sua contratação a terceiros resulte viável a esses fins. Esses mecanismos devem ser compreensíveis para a empresa e financeiramente confiáveis.

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Riscos e oportunidades nos processos de inovação nas micro e pequenas empresas

imprescindíveis que devem ser considerados. Em alguns casos, micro e pequenos empresários querem instrumentar o seu negócio de uma vez, quando provavelmente o melhor seria começar por uma parte da ideia e, com os lucros gerados pela nova tecnologia, reinvesti-las mediante créditos ou através da capitalização dos lucros de períodos anteriores. Um antigo ditado na administração de negócios expressa que temos que aprender a trabalhar com o dinheiro alheio. Infelizmente, às vezes, os pequenos empreendedores procuram evitar empréstimos por não se sentirem financeiramente capazes; outras vezes não poupam as utilidades para reinvesti-las no processo produtivo. • Produção, distribuição e comercialização A nova tecnologia, seja de produção ou de processo, requer o estabelecimento de normas ou procedimentos bem definidos e estáveis para garantir a qualidade e eficiência técnica e econômica da produção. Isto é válido também para as normas de armazenamento, transporte, distribuição e comercialização do produto. Igualmente devem se definir e estabelecer as formas e métodos gerenciais e organizativos para levar a nova tecnologia ao mercado. Elemento importante é a seleção e contratação de fornecedores adequados e estáveis para as matérias-primas, os materiais, e os diferentes elementos necessários para a produção da nova tecnologia. A empresa também deve considerar, de acordo com o segmento de mercado-alvo, que formas de comercialização e tipo de propaganda se realizarão para apoiar a introdução no mercado da nova tecnologia.

Consideração final Tudo que foi apresentado aqui, de forma muito resumida, indica a necessidade de uma imprescindível formação e capacitação dos micro e pequenos empresários para enfrentar os geralmente complexos e sistêmicos processos de inovação com maiores possibilidades de êxito. Políticas públicas dirigidas à capacitação e consultoria para esses empreendedores seriam altamente positivas, ações que podem ser instrumentadas pelo recentemente criado Ministério para as Micro e Pequena Empresas. Bibliografia GANIATSOS, Ernst D., T. & MYTELKA, Lynn (eds.) (1994): Technological Capabilities and Export Success: Cases from Asia. [UNCTAD, Geneva.] SÁENZ, T. W. & CAPOTE, E. García (2002): Ciência, inovação e Gestão Tecnológica. IEL/SENAI, ABIPTI, Brasília, p.89. Tirso W. Sáenz Sanchez é engenheiro químico formado no Rensselaer Polytechnic Institute, Troy, NY; doutor em Ciências no Ministério de Ensino Superior de Cuba e pesquisador associado do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da UnB. Tirso Sáenz Coopat é economista formado na Universidade Estatal de Moscou Mijail V. Lomonosov, e MSc na mesma universidade; pesquisador do Instituto de Derivados da Cana de Açúcar, Havana; e especialista em Administração de Empresas na Universidade Autônoma de México (UNAM).

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Artigo

Uma década de interiorização do ensino superior no Estado do Amazonas: relato de caso da Universidade do Estado do Amazonas Marly Guimarães Fernandes Costa e José Aldemir de Oliveira

Resumo O presente artigo trata do relato de como a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) enfrentou os desafios de interiorizar o ensino superior em um estado que se constitui a nona subdivisão mundial e é maior que a região nordeste do Brasil. Inicialmente são apresentadas as soluções desenvolvidas para o enfrentamento desse desafio, as quais foram fundamentadas na qualificação docente, na identificação das demandas dos diversos municípios e no uso inovador de tecnologias de informação e comunicação. Por fim, os resultados da experiência de uma década são relatados. Introdução Criada com a missão de internalizar o conhecimento nos 61 municípios do interior do Estado e assim promover a melhoria da capacitação do homem da Amazônia, de tal forma que esses tenham condições de propor soluções para que a sua região possa se desenvolver de forma sustentável e que a qualidade de vida daqueles que ali habitam tenha uma melhora significativa, a Universidade do Estado do Amazonas está completando uma década em 2011. Na busca do cumprimento de sua missão, os desafios enfrentados ao longo desta década foram de toda sorte, da escassez de recursos humanos qualificados para prover ensino superior de qualidade em cada município até aquelas decorrentes da própria extensão e características geográficas do território: - o estado do Amazonas é maior que o conjunto dos 9 estados que constituem a região nordeste do Brasil; - o principal meio

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de transporte (às vezes o único) é o fluvial; poucas são as cidades que possuem aeroporto e se encontram em rota comercial da aviação; - exíguos quilômetros de estrada ligam umas poucas cidades; - e, por fim, a infraestrutura de comunicação, uma década depois, ainda é extremamente precária. Este artigo visa apresentar os vários tipos de sistemas de ensino desenvolvidos e empregados pela UEA e como tais sistemas contribuíram para a interiorização do ensino superior no Estado. As modalidades de ensino Os cursos de ensino de graduação da UEA foram idealizados com o compromisso de atender a complexa realidade do Estado. Se de um lado tínhamos a carência generalizada de formar profissionais para as áreas tradicionais do saber, tais como engenharia, medicina, direito e as licenciaturas, por outro lado tínhamos a necessidade de prover uma capacitação específica e necessária para alicerçar o desenvolvimento econômico de um município em particular ou de um conjunto deles. Os cursos criados para atendimento de demanda, em geral, não são de oferta regular. Oferta-se o número de turmas necessário ao atendimento da demanda de capacitação. A diversidade dessas demandas e as peculiaridades de cada região ou município demandante evidenciam a dinâmica requerida da UEA, com respeito à constituição dos núcleos docentes necessários ao atendimento da demanda e a forma (ou modalidade) de provimento do ensino. Dessa forma foram estabelecidas três


Uma década de interiorização do ensino superior no Estado do Amazonas: relato de caso da Universidade do Estado do Amazonas

modalidades de ensino, quais sejam: sistema de ensino presencial tradicional; o sistema de ensino presencial modular; e o sistema de ensino presencial mediado por tecnologia. Os cursos de graduação na modalidade de ensino presencial tradicional são ofertados nos Centros de Estudos Superiores localizados nos municípios de Itacoatiara, Parintins, Tabatinga e Tefé. Os centros dispõem de infraestrutura física e de recursos humanos necessários ao provimento do ensino de cursos tais como: Engenharia Florestal, Pedagogia, Normal Superior e Licenciaturas em Letras, Matemática, Geografia, Historia, Física e Química. O provimento de cursos presenciais em município em que a UEA não possui corpo docente próprio se dá nos Núcleos de Ensino Superior através do sistema presencial modular. Nessa modalidade os professores se deslocam para os municípios e permanecem lá pelo período necessário para o cumprimento da carga horária da disciplina. A UEA não esperou reunir todas as condições de infraestrutura física e de pessoal para atingir os 61 municípios do interior do estado. Ainda no primeiro ano de sua existência, desenvolveu a inovadora modalidade de ensino que foi denominada de sistema de ensino presencial mediado por tecnologia (SPM). Não se trata de ensino a distância, pois os alunos têm data, hora e local para assistirem às suas aulas. O SPM foi concebido com uso massivo de infraestrutura de

informação e comunicação. Aulas são transmitidas via satélite a cada sala de aula onde o curso é realizado. Os estúdios de TV passam a ser o ambiente de sala de aula do professor (denominado de professor titular). O professor titular é o responsável pela elaboração dos textos básicos das disciplinas (livro texto e planos de aula), pela condução da roteirização dos mesmos para a linguagem da TV, pela realização das aulas a partir do estúdio em Manaus, bem como pela avaliação dos alunos. Em cada sala de aula há um professor assistente responsável pelo acompanhamento local do aluno e atendimento extraclasse. Por trás do corpo docente há uma equipe multidisciplinar (produtores de TV, artistas gráficos e designers) e um aparato tecnológico que permite a transmissão simultânea, via satélite, bem como a interação em tempo real entre aluno e professor titular (via IP-TV), Figura 01. Um ponto relevante desse processo inovador é a utilização da TV como ambiente da aula, Figura 02, com todos os benefícios da sala de aula tradicional tal como o de interação aluno professor, bem como dos benefícios dos recursos tecnológicos do processo de produção de programas de TV, tal como o uso de animações para facilitar o entendimento de determinado tópico (vide Figura 03). Adicionalmente tal modalidade de ensino garante a uniformidade de conteúdo ministrado e o cumprimento da carga horária e do conteúdo programado. Dependendo do curso e do público-alvo, o SPM é ofertado semestralmente ou nos períodos de recesso (janeiro, fevereiro e julho).

Figura 01 - Ilustração do Sistema de Transmissão de aulas via satélite do Estúdio de TV para cada uma das salas de aulas espalhadas pelo interior do Estado. Fonte: Próprios autores.

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Figura 02 - Estúdio de TV como ambiente de sala de aula. Fonte: Coordenação da 1ª turma do curso de licenciatura em matemática UEA.

Figura 03 - Exemplo de ilustração utilizada para facilitar o conceito de projeção ortogonal. Fonte: Coordenação da 1ª turma do curso de licenciatura em matemática UEA.

Oferta de cursos e a Política de Quotas A UEA privilegia 80% das vagas disponibilizadas a estudantes do Estado do Amazonas. Desse percentual, 60% são destinadas aos egressos de ensino público e 40% aos egressos do ensino privado. Além da política de quotas referida, a UEA reserva um percentual de vagas, por curso, no mínimo igual ao percentual da população indígena na composição da população amazonense, para serem preenchidas exclusivamente por candidatos pertencentes às etnias indígenas localizadas no Amazonas.

A seguir apresentam-se algumas premissas utilizadas na definição de novos cursos, dos locais de oferta, do número de vagas e da modalidade de ensino. Os cursos de Tecnologia (gestão ambiental, turismo ecológico, saneamento ambiental, alimentos, produção pesqueira, construção naval, agroecologia, gestão de turismo) ofertados na modalidade presencial modular estão vinculados ao Programa de Formação Científico-Tecnológica das Populações dos Municípios das áreas protegidas do Estado do Amazonas. A definição dos cursos ofertados levou em conta a potencialidade socioeconômica e a demanda liberada pelo ensino médio de cada um dos municípios. Os cursos de Licenciaturas ofertados nos municípios de Borba, Humaitá, Manacapuru, São Paulo de Olivença, Parintins, Tefé e Itacoatiara estão vinculados ao convênio PARFOR visando à formação inicial dos professores da educação básica no âmbito da Política Nacional de Formação do Magistério. Resultados A partir das modalidades de ensino apresentadas, a UEA está presente em todos os municípios do interior do Estado, conforme Figura 04.

Figura 04 - Exemplo de ilustração utilizada para facilitar o conceito de projeção ortogonal. Fonte: Coordenação da 1ª turma do curso de licenciatura em matemática UEA.

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Nos locais onde não há Unidade Acadêmica da UEA há, pelo menos, infraestrutura necessária para a realização de ensino mediado por tecnologia. Na Figura 04, esses municípios sem


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unidade da UEA estão indicados pela presença de uma antena parabólica. Os resultados do processo de interiorização do ensino superior no estado do Amazonas através da UEA são apresentados a seguir. A Tabela 01 apresenta o número de vagas ofertadas nos cursos de graduação da UEA no interior do Estado.

Figura 05 - Distribuição de vagas disponibilizadas pela UEA, no período de 2001 a 2010, entre capital e interior do Estado do Amazonas. Fonte: SECRETARIA ACADÊMICA GERAL-UEA.

Tabela 01 – Vagas ofertadas nos cursos de ensino de graduação no interior do Estado MODALIDADE DE ENSINO ANO

PRESENCIAL

PRESENCIAL MODULAR

PRESENCIAL MEDIADO

TOTAL

2001

800

0

7.695

8.495

2002

1.000

40

960

2.000

2003

800

200

0

1.000

2004

950

820

0

1.770

2005

980

0

8.705

9.685

2006

1.876

251

384

2.511

2007

940

364

832

2.136

2008

1.304

1.281

0

2.585

2009

940

470

3.535

4.945

2010

1.450

822

0

2.272

TOTAL

11.040

4.248

22.111

37.399

Nesse total de vagas disponibilizado estão incluídas 1.077 vagas destinadas aos candidatos de etnias indígenas localizadas no interior do Estado. No interstício 2005-2010 foram diplomados 23.991 concluintes, sendo 18.002 no interior do Estado, conforme detalhado na Tabela 02,

Fonte: PROPLAN-UEA.

Como pode ser observado na Tabela 01, no período de 2001 a 2010, através do SPM, foram ofertadas 22.111 vagas. Essas vagas foram distribuídas entre os cursos: Normal Superior, Ciências Políticas, Licenciaturas em Matemática e em Educação Física, Tecnologia em Análise e desenvolvimento de Sistemas, Ciências Econômicas, Pedagogia e Licenciatura Intercultural indígena. O gráfico da Figura 05 mostra que o número total de vagas para o interior corresponde 69,79% das vagas disponibilizadas nos diversos vestibulares da UEA ao longo de uma década. Se considerarmos que 50% das vagas dos cursos da área de Ciências de Saúde (Enfermagem, Medicina e Odontologia) realizados na capital são destinadas a candidatos que residem no interior, esse percentual é maior ainda.

Tabela 02 – Alunos concluintes no Interior do Estado ANO

No. DE ALUNOS CONCLUINTES

2005

7.488

2006

544

2007

1.014

2008

6.737

2009

1.139

2010

1.080

TOTAL

18.002

Fonte: PROPLAN-UEA.

O percentual de diplomados no interior do estado é de 75%. As diversas modalidades de ensino implementadas também foram utilizadas para a interiorização da pós-graduação lato sensu. Até 2010

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foram ofertados 10 cursos de especialização com 1.479 alunos matriculados e 782 concluintes. A interiorização do ensino de pós-graduação stricto sensu teve início no último ano. Estão em andamento turmas dos cursos de mestrado em Biotecnologia e Recursos Naturais e de Educação em Ciências na Amazônia, ambos em Parintins. Discussão e Conclusões O primeiro curso ofertado no sistema presencial mediado foi o curso Normal Superior. Esse curso se inseria no âmbito do Programa de formação de professores para o Ensino Fundamental (PROFORMAR), cuja finalidade foi a de formar os professores leigos ou de formação incompleta tal como exigido pela Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O PROFORMAR, presente nos 61 municípios do interior do estado e na capital, teve duas edições. Na primeira, diplomou 7.112 professores no interior e 1.579 na capital. Na segunda, foram diplomados 6.186 no interior e 459 na capital. Além da formação dos professores, essa ação da UEA se refletiu na melhoria do índice de desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) nas séries iniciais. O IDEB no Amazonas passou de 3,3 em 2005 para 4,5 em 2009, ficando próximo da média nacional (4,9). Nesse contexto de intervir e promover a melhoria do ensino nas séries finais do ensino fundamental e em todas as séries do ensino médio, o curso de Licenciatura em Matemática, ofertado através do SPM, já diplomou cerca de 538 alunos e está com a sua segunda turma em andamento em outros 20 municípios. Em uma leitura final dos números, tem-se que, dos 18.002 diplomados no interior, 16.467 (91,5%) estudaram em cursos ofertados pelo

SPM. Esse dado mostra, de forma inequívoca, que, não fosse a UEA lançar mão de todo o aparato tecnológico e de técnicas educacionais inovadoras, a sua experiência na interiorização do ensino superior no estado não seria exitosa. Como bem observou um aluno do SPM, a UEA transformou o Estado do Amazonas em uma grande sala de aula. O desafio para a próxima década é o de intensificar a interiorização da pesquisa e da pós-graduação. Isso passa pela meta de formar a maioria do corpo docente em nível de doutorado. Processo já iniciado através das várias turmas de doutorado interinstitucional em andamento. Bibliografia Universidade do Estado do Amazonas. Plano de Desenvolvimento Institucional. Manaus: 2007/2011. _______.________ . Relatório de Gestão UEA. Manaus: 2010. _______.________. Relatório de Auto-Avaliação Institucional UEA. Manaus: 2011. Marly Guimarães Fernandes Costa é doutora em engenharia elétrica pela UNICAMP, professora associada da UFAM, participou da implantação da UEA e é vice-reitora da UEA desde julho de 2010 (marly.costa@uea.edu.br). José Aldemir de Oliveira é doutor em geografia pela USP, pesquisador do CNPq, professor titular da UFAM e reitor da UEA desde julho de 2010 (reitor@uea.edu.br)

Imagem: SXC

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Artigo

Programa Mobilizador como instrumento para apoiar a inovação Niomar Lins Pimenta

Introdução Em ambientes onde o processo de inovação é dinâmico, governos (G), academia (A) e empresas (E) buscam a cooperação visando o desenvolvimento e a difusão tecnológica, construindo o que se denomina Sistema de Inovação. Políticas públicas estabelecidas por governos de regiões onde esses ambientes são ativos influenciam no sentido de apoiar o adequado funcionamento deste sistema. Em locais onde a inovação tecnológica ainda é incipiente, caso típico dos países em desenvolvimento, a interferência pública necessária para fomentar processos inovativos deve ser ainda mais intensiva. Nessas regiões, é comum o relacionamento entre institutos de ensino e centros de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, muitas vezes mediado pelos governos, configurando mobilizações interinstitucionais voltadas para a produção do conhecimento e da pesquisa. A cooperação entre a academia e as empresas no sentido da inovação, no entanto, ainda é tênue. Identificar, analisar e compreender as interações estabelecidas entre os atores da hélice tríplice (G-A-E) é um processo complexo e controverso quanto à abordagem mais adequada para o entendimento dessas relações. Transformar interações em processos inovativos requer procedimentos que exigem capacidade técnica das instituições de pesquisa e das empresas,

infraestrutura e financiamento adequados e um ambiente propício ao desenvolvimento tecnológico e ao empreendedorismo. Este artigo apresenta o resultado da pesquisa realizada com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas - Fapeam, no âmbito do Programa Integrado de Pesquisa Científica e Tecnológica - Pipti, cujo objetivo é propor e validar um conceito para Programa Mobilizador - PM, que possibilite sua utilização como instrumento de políticas públicas, no sentido de acelerar o processo de desenvolvimento tecnológico e a ampliação das ações de inovação nas empresas, a partir do aprofundamento dos intercâmbios interinstitucionais e da cooperação entre os diversos atores da hélice tríplice (Pimenta, 2010). O conceito de “programa” permite contemplar diferentes iniciativas, possibilitando a abrangência de projetos que envolvam atores das três hélices, ou de parte delas, concentrando-se na organização da cooperação e na coordenação (governança¹) voltadas à aproximação dos atores. O processo de governança, por sua vez, permite estabelecer prioridades para as ações a serem implementadas, otimizando a utilização dos recursos finitos a partir de negociações realizadas pela sociedade. Evidentemente, a ampliação do número de participantes torna mais difícil a convergência de interesses e aumenta o esforço para a governança (Araújo Filho et al, 2008).

1 Governança se refere às diversas formas pelas quais indivíduos e organizações (públicas e privadas) gerenciam seus problemas comuns, acomodando interesses conflitantes ou diferenciados e realizando ações cooperativas (LASTRES & CASSIOLATO, 2003, p.14). Diz respeito não só a instituições e regimes formais de coordenação e autoridade, mas também a sistemas informais (Araújo Filho et al, 2008).

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Programa Mobilizador como instrumento para apoiar a inovação

Alguns conceitos de Programas Mobilizadores encontrados na literatura Programa Mobilizador é um termo de uso recorrente, especialmente por órgãos de governo, que visa traduzir um esforço conjunto em direção a um desafio amplo e bem definido. No Brasil, Programa Mobilizador é um conceito que pode ser encontrado, por exemplo, nos trabalhos desenvolvidos por Waldimir Pirró e Longo, conferindo certo grau de formalismo ao seu significado. O conceito defendido por Longo pode ser apresentado a seguir: “Programa Mobilizador é um programa capaz de arregimentar, aglutinar, organizar e pôr em movimento, ou criar, o potencial nacional necessário para uma ação política que vise o desenvolvimento social, econômico e/ou militar, através do domínio, uso, aperfeiçoamento ou geração de conhecimentos empíricos, intuitivos, científicos, tecnológicos ou inovações, que resultem em produtos, processos, sistemas ou serviços novos ou substancialmente melhorados. Ele é, em geral, composto por um

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conjunto articulado de projetos de pesquisa básica, pesquisa aplicada, de desenvolvimento experimental, de engenharia não rotineira e de comercialização pioneira, conduzido, cooperativamente, por empresas, órgãos governamentais, universidades, centros e institutos de pesquisa, e outros atores das áreas científica e tecnológica” (Longo, 2005). Os Programas Mobilizadores representam, portanto, o reflexo de um interesse coletivo e tem como componente de sustentação a criação de competências que advém dos processos associados a um desenvolvimento tecnológico, viabilizando a utilização do conhecimento acumulado nas instituições de ensino e pesquisa, em aplicações práticas, desenvolvidas pelas empresas, nas formas de produtos e serviços. Pode-se dizer que um de seus fatores críticos de sucesso é a capacidade de mobilizar e organizar os diversos atores, exercitando o processo de governança de uma determinada sociedade.


Programa Mobilizador como instrumento para apoiar a inovação

A título de exemplo, são apresentados alguns Programas Mobilizadores mencionados por Longo, durante os anos 2000, fomentados e financiados pelo governo federal: (i) Programa Nuclear da Marinha do Brasil; (ii) Programa Nacional de Atividades Espaciais-PNAE, envolvendo o desenvolvimento de satélites CBERS pelo Instituto Nacional de Atividades Espaciais - INPE em parceria com a China, e do Veículo Lançador de Satélites-VLS pelo Centro Técnico Aeroespacial - CTA (Longo, 2005). Além desses, outros programas que mobilizaram de alguma forma a sociedade, por meio de diversos participantes (empresas de engenharia e a academia – principalmente a COPPE, o ITA e o CTA, por exemplo), podem ser considerados exitosos. A PETROBRAS realizou, com muito sucesso, o programa para a Produção de Petróleo em Águas Profundas, a TELEBRÁS desenvolveu, nos anos 1970 e 1980, o Sistema Trópico para telefonia, e a EMBRAER, também com resultados bastante positivos, planejou e executou o Programa Aeronáutico brasileiro, dentre outros (PACTI, 2009). Em seu site, o Ministério de Ciência e Tecnologia - MCT considera Programa Mobilizador como “um conjunto articulado de projetos de pesquisa aplicada e/ou de engenharia, com objetivo de desenvolver um novo produto ou processo de produção. Para o desenvolvimento dos projetos são mobilizados os recursos humanos e materiais da empresa líder do programa e de outras instituições, tais como empresas de engenharia, institutos tecnológicos, universidades e outras empresas, através de vínculos contratuais” (MCT, 2009).

Esse conceito também é empregado em diversos programas que tratam da área de energia no Brasil (CT-Energia Elétrica; Programa de Estímulo à Interação Universidade Empresa para apoio à Inovação; Diretrizes Estratégicas para o Fundo Setorial de Energia) (CT Energia, 2009). Concluindo, para a SBC - Sociedade Brasileira da Computação, a Rede Nacional de Pesquisa RNP e o SOFTEX² são considerados Programas Mobilizadores de Base Tecnológica (PMBT), pois propiciam ou catalisam desenvolvimento tecnológico. Programas Mobilizadores como instrumentos para a construção de ambientes inovadores Dentre as premissas que o conceito de Programas Mobilizadores, proposto neste trabalho, busca atender, algumas estão apresentadas a seguir: • Atuar como instrumento de políticas públicas e como agente dinamizador para a inovação, por meio do desenvolvimento tecnológico; • Promover, a partir de ações governamentais, iniciativas voltadas para o fomento às ações de desenvolvimento tecnológico e ao fortalecimento das empresas regionais; • Potencializar as relações de intercâmbio para a produção, a disseminação e o uso do conhecimento, reforçando as atividades de cooperação técnica; • Estabelecer mecanismos que possibilitem uma relação formal entre os atores que constituem as redes e o formalismo necessário para a garantia de um ambiente estável à realização das interações, sendo identificadas, configuradas e mensuradas;

² O SOFTEX 2000 é um Programa criado pelo MCT, em fevereiro de 1993. Seu objetivo: colocar o País entre os 5 maiores produtores de software do mundo, em um horizonte de 10 a 30 anos, a contar de 1993. Foi gerido pelo CNPq de 1993 até 1996 e, atualmente, é administrado pela Sociedade SOFTEX.

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Programa Mobilizador como instrumento para apoiar a inovação

• Buscar novos conhecimentos como o principal propulsor para a consecução das ações previstas; • Envolver articulação e interesse coletivo; • Produzir um ambiente de relacionamento entre os diversos atores; • Envolver empresas, fomentando o empreendedorismo e fortalecendo as incubadoras; • Preferencialmente, buscar auferir resultados econômicos. O conceito utilizado foi proposto pelos autores do artigo A emergência de um sistema de inovação no Estado do Amazonas: fortalecimento pela governança, publicado na revista Parcerias Estratégicas nº. 26, publicada em junho de 2008, e possui a seguinte formulação (Araújo Filho et al, 2008): “Programa Mobilizador é um programa capaz de mobilizar e organizar a cooperação entre governo, academia e/ou setor produtivo, por meio de um conjunto de ações ou iniciativas coordenadas, que faça uso de recursos humanos e bens materiais com a expectativa de contribuir de modo significativo para o desenvolvimento

tecnológico de um determinado local ou região”. O conceito proposto é, portanto, flexível, ao admitir vincular a importância da contribuição ao nível de desenvolvimento alcançado pela localidade, ou seja, o salto tecnológico depende das condições da localidade e, portanto, o programa mobilizador pode ser arquitetado a partir de diferentes níveis. É evidente que, em contraposição, apresenta algum grau de subjetividade (Araújo Filho et al, 2008). A Figura 01 apresenta o processo de cooperação estabelecido. A governança sistêmica propicia a ação de um programa mobilizador que deverá induzir projetos de desenvolvimento tecnológico, implementados por uma rede de atores. Essa rede, por sua vez, necessita de uma governança administrativa. O esforço coletivo estabelecido tem por objetivo a busca da aceleração dos resultados propostos pelo programa. Metodologia proposta para a utilização de um PM A seguir é proposta uma metodologia que consiste em desdobrar o conceito de Programa Mobilizador, proposto neste trabalho, em duas dimensões - a Cooperação e o Desenvolvimento Tecnológico -, e essas em requisitos.

Figura 01 – Programas Mobilizadores produzindo cooperação por meio de projetos e pela construção de redes. Fonte: Próprio autor.

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Programa Mobilizador como instrumento para apoiar a inovação

A cooperação deverá ser realizada entre os atores das três hélices, com o objetivo de propiciar o desenvolvimento tecnológico do local ou da região em estudo. As dimensões apresentadas são desdobradas em requisitos que, por sua vez, serão utilizados pelos gestores públicos, responsáveis pela formulação das políticas, no intuito de estabelecer as ações necessárias para que o Programa Mobilizador atinja os objetivos propostos. A dimensão Cooperação é desdobrada em 8 (oito) requisitos, descritos a seguir: 1. Esferas Institucionais: esse requisito estabelece as esferas participantes do PM (G-A-E). Os programas devem buscar envolver, evidentemente, o maior número de hélices possível e mencionar os atores participantes. 2. Número de Atores: uma maior quantidade de atores envolvida no programa, preferencialmente de esferas diferentes, possibilita um maior número de interações e, consequentemente, de articulações que possibilitem a criação de redes voltadas para o escopo que deve propiciar o desenvolvimento tecnológico. 3. Promotor do Programa: requisito que define o promotor do programa mobilizador. 4. Instrumentos de Governança: define os mecanismos pelos quais o programa será implementado, estabelecendo os vínculos formais pelos quais as relações e compromissos entre os atores serão estabelecidas. Devem ser utilizados, por exemplo, convênios, contratos, editais ou outro instrumento que estabeleça as responsabilidades dos participantes, o escopo, os objetivos, as metas e os meios pelos quais o programa será implementado.

5. Apropriação de Resultados: estabelece os mecanismos desejados para que um PM atinja os resultados almejados. Exemplos: criação de empresa(s) de tecnologia, geração de spin-offs, montagem de novos laboratórios, geração de um produto ou serviço tecnológico ou geração de conhecimentos específicos que propiciarão capacitações voltadas ao desenvolvimento tecnológico, registro de patentes e a transferência de tecnologia. 6. Mobilidade de Profissionais entre as Instituições: define o intercâmbio de profissionais entre as instituições participantes do PM. Serão considerados os relacionamentos formais, mas as relações informais, tanto quanto possível, deverão ser estimuladas porque é nesse tipo de relação informal que as interações mais intensas de trocas de conhecimento ocorrem. 7. Liderança: requisito que estabelece o papel a ser exercido pela liderança de um ator de uma das hélices participantes. A escolha dependerá do programa mobilizador específico que esteja sendo tratado, mas o ator-líder deve ser definido no PM. 8. Tempo de Duração do Programa: define o tempo de duração do PM, considerando-se, para isso, suas peculiaridades. A dimensão Desenvolvimento Tecnológico é desdobrada em 6 (seis) requisitos, descritos a seguir: 1. Escopo: utiliza critérios importantes para sua configuração, inserindo, por exemplo, alguns desses aspectos: atividades que envolvam desenvolvimento de tecnologia que podem chegar a protótipos, projetos de melhorias técnicas de produtos, pesquisa científica voltada para o desenvolvimento tecnológico, capacitação de pessoas ou a prestação de serviços especializados.

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Programa Mobilizador como instrumento para apoiar a inovação

2. Desenvolvimento de Competências Tecnológicas: deve definir, quando necessário, a criação de novos cursos stricto sensu, ou a capacitação stricto sensu, ou a capacitação em tecnologia específica, de interesse do PM estabelecido. 3. Desenvolvimento de Tecnologia em área nova para a região: deve induzir a criação de uma nova área de pesquisa que suscite o desenvolvimento tecnológico e possibilite uma perspectiva econômica para a região, produzir um produto ou um processo inovador, melhorar um produto ou um processo já existente. 4. Projetos Conjuntos de P&D: deve induzir projetos conjuntos entre as empresas e a academia, entre as próprias empresas ou entre a academia, viabilizando ações que permitam a cooperação interinstitucional, tendo como objetivo o desenvolvimento tecnológico dentro do programa mobilizador em construção. 5. Âmbito da Rede: determina o alcance da rede estabelecida entre os atores participantes: internacional, nacional, regional ou local. 6. Investimentos: determina os recursos disponíveis para a realização do programa, considerando investimentos em recursos humanos diretos e indiretos, equipamentos, livros e infraestrutura que possam ser agregados às instituições participantes. O gestor público pode, também, induzir o investimento a partir do uso de recursos privados como venture capital, por exemplo, principalmente quando houver casos de incubação, e/ou a criação de empresas, e/ou spinoffs. O modelo proposto deve ser suficientemente flexível para que o gestor público tenha a liberdade de construir o PM levando em consideração (i) as características da área a ser desenvolvida, (ii) o cenário local envolvendo instituições, empresas e recursos humanos necessários e (iii) recursos disponíveis. Embora as dimensões cooperação

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e desenvolvimento tecnológico devam ser compulsórias, os requisitos podem ser utilizados em sua totalidade, ou não, no documento que construirá o PM. A metodologia proposta possibilita autonomia ao gestor público para a escolha dos requisitos necessários à construção de um Programa Mobilizador. A Aplicação ex post do Conceito Programa Mobilizador A metodologia para a elaboração de um PM, apresentada neste trabalho, é proposta como uma ferramenta de planejamento para ser utilizada por instituições governamentais, como instrumento de política pública capaz de mobilizar e organizar os atores das três hélices, visando a cooperação e contribuindo para a inovação e o desenvolvimento tecnológico. Considerandose que o estudo apresentado se trata de uma proposta, a validação da metodologia foi feita a partir de sua aplicação em alguns programas já existentes. Evidentemente que os resultados encontrados, apresentados a seguir, devem ser entendidos como um exercício de aplicação do modelo, tendo em vista que os programas utilizados no estudo não foram construídos à luz da metodologia proposta (Pimenta, 2010). Neste trabalho será apresentado o trabalho realizado no Programa Prioritário AmazonSoft, que tem por finalidade “apoiar o desenvolvimento empresarial do AmazonSoft, sob a ótica de um processo de incubação eficaz e com capacidade de transformar as empresas de base tecnológica de software nas desenvolvedoras de sistemas voltadas para a tecnologia da informação. O AmazonSoft tem como objetivo atuar como um agente catalisador de um cluster de software na Região Amazônica” (CAPDA A, 2004). Foram utilizados na análise, documentos que estruturaram o programa. A seguir é apresentado o resumo da aplicação da metodologia no PM AmazonSoft. O Quadro 01, apresenta a consolidação e os comentários referentes à aplicação dos critérios para a dimensão Cooperação. O Quadro 02, apresenta a consolidação e os comentários referentes à aplicação dos critérios para a dimensão Desenvolvimento Tecnológico.


Programa Mobilizador como instrumento para apoiar a inovação

Quadro 01 – Consolidação e Comentários Referentes à Aplicação dos Critérios para a Dimensão Cooperação - PM AmazonSoft Dimensão Cooperação Consolidação e Comentários

PROGRAMA MOBILIZADOR AMAZONSOFT - Critérios Esferas Institucionais

Número de Atores

O que deve ser buscado pelo elaborador de um PM

Participação das 3 (três) esferas – governo, empresas e academia.

Participação de um número expressivo de atores das diferentes esferas.

Avaliação Realizada no Programa Analisado

Participação inicial dos atores governo e academia. Empresas a serem incubadas deverão participar em um segundo momento.

São citados dois atores: a SUFRAMA e o CT-PIM. Não há um número exato de atores, considerandose a existência de empresas a serem incubadas.

Promotor do Programa

Instrumentos de Governança

Apropriação de Resultados

Pelo menos um promotor relevante do Programa, de pelo menos uma das três hélices.

Documentos formais: convênios, contratos ou outro instrumento que permita a governança do programa.

Criação de empresa(s) de tecnologia, montagem de novos laboratórios, geração de um produto ou serviço tecnológico ou geração de conhecimento específico.

SUFRAMA

Não há descrição específica dos instrumentos de governança,; há um item que estabelece mecanismos de indicadores de desempenho.

Geração de conhecimentos específicos e a criação de empresa(s) de tecnologia.

Mobilidade de Profissionais Entre as Instituições

Liderança

Tempo de Duração do Programa

Entre empresas e academia, entre empresas ou entre a academia.

A ser exercida por um dos atores participante do programa.

Maior tempo previsto, considerandose os recursos disponíveis, possibilita mais chance do programa atingir seus objetivos e se consolidar.

Não estão previstas ações específicas referentes à mobilidade entre os atores.

A liderança é do Governo Federal por meio da SUFRAMA. Gestão do programa delegada ao CT-PIM.

Permanente.

Fonte: Próprio autor.

Quadro 02 – Consolidação e Comentários Referentes à Aplicação dos Critérios para a Dimensão Desenvolvimento Tecnológico - PM Amazonsoft Dimensão Desenvolvimento Tecnológico – Consolidação e Comentários

O Que Deve Ser Buscado Pelo Elaborador de um PM

Avaliação Realizada no Programa Analisado

PROGRAMA MOBILIZADOR AMAZONSOFT - Critérios Desenvolvimento de Competências Tecnológicas

Desenvolvimento de tecnologia em área nova para a região

Inovação de Produto ou Processo, Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Prestação de Serviços Especializados ou Consultoria/ Assessoria.

Criação de novos cursos stricto sensu, ou a capacitação stricto sensu ou a capacitação em tecnologias específicas.

Criação de uma nova área de pesquisa que suscite o desenvolvimento. Produção de produto ou processo inovador. Melhora de produto ou processo já existente.

Atuar como um agente catalisador de um cluster de software na região amazônica.

Não há ação especifica, embora seja mencionado o desenvolvimento de conhecimento em gestão de negócios e a melhoria da qualidade e produtividade de software.

Escopo

Não é mencionado.

Projetos Conjuntos de P&D

Âmbito da Rede

Investimentos

Induzir projetos conjuntos entre as empresas e a academia, entre as próprias empresas ou entre a academia.

Envolver atores nos âmbitos internacional, nacional, regional ou local.

Recursos humanos diretos e indiretos, equipamentos e infraestrutura. Venture capital para apoiar a criação de empresas e spinoffs.

Articulação com outras entidades, empresas e universidades. Não são previstas ações específicas.

Embora de forma não explícita, o programa propõe o envolvimento dos atores governo, academia e empresas instaladas no AmazonSoft.

Não há menção a investimentos no programa.

Fonte: Próprio autor.

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Programa Mobilizador como instrumento para apoiar a inovação

Conclusão O conceito de Programas Mobilizadores, proposto neste trabalho juntamente com uma metodologia para sua implantação, pode ser um instrumento adequado para auxiliar o gestor público nas ações que busquem o desenvolvimento, pela via da cooperação entre os atores da hélice tríplice, sustentado pelo desenvolvimento tecnológico e pela inovação. A proposta, evidentemente, pode e deve ser avaliada e melhorada. Como exemplo de aplicação da metodologia proposta, um PM que tenha como foco transformar o Amazonas em exportador de peixe para o mercado internacional, seria de grande importância para o desenvolvimento socioeconômico do estado do Amazonas. Esse programa teria como escopo o desenvolvimento de uma indústria da pesca na região, que teria como um dos principais objetivos ser competitiva internacionalmente. Pela metodologia proposta, um programa dessa envergadura deverá envolver atores de todas as esferas, exigindo mobilização e liderança para sua consecução. Bibliografia ARAÚJO FILHO, G. de, PIMENTA, N. L., LASMAR, D. J. A emergência de um sistema de inovação no Estado do Amazonas: fortalecimento pela governança. Parcerias Estratégicas. Junho de 2008. CAPDA A. Documento CAPDA: Subgrupo de Trabalho 2 do CAPDA - Comitê das Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento na Amazônia. Programa Prioritário AmazonSoft - O Pólo de Software do Amazonas. 2004.

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CT Energia Elétrica. Disponível em <http://.mct. gov.br/publi/pacti.htm>. Acesso realizado em outubro de 2009. LASTRES & CASSIOLATO, 2003, p.14 LASTRES, Helena. M. M.; CASSIOLATO, José E. (Coord.). Glossário de arranjos e sistemas produtivos e inovativos locais. 2003. Disponível em: <http://www.redeaplmineral.org.br/biblioteca/glossario-de PROGRAMA arranjos-e-sistemasprodutivos-e-inovativos>. Acesso realizado em 04 de março de 2008. LONGO, Waldimir P. Programas mobilizadores. Ciência da Informação, v. 6, n. 2, 2005. Disponível em <http://www.dgz.org.br/ abr05/F_I_art.htm>. Acesso realizado em 12 fevereiro de 2008. MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia. Informação disponível em <www.mct.gov. br>. Acesso realizado em setembro de 2009. PACTI - Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria. Disponível em http://www.mdic.gov.br/pdp/index.php/ sitio/noticia/index/. Acesso realizado em outubro de 2009. PIMENTA, N. Programa Mobilizador: O Desenvolvimento de um Conceito para Apoiar C,T&I. Fevereiro de 2010. Niomar Lins Pimenta é diretor do Departamento de Educação da FUCAPI, professor adjunto da Universidade Federal do Amazonas e realizou curso stricto sensu na Coppe, na área de Redes de Conhecimento.


Entrevista

FAPEAM:

projetos, programas e ideias Maria Olívia de Albuquerque Ribeiro Simão

D

outora em Biologia de Água Doce e Pesca Interior, Maria Olívia de Albuquerque Ribeiro Simão, atua como diretora-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). Professora do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Maria Olívia Simão, como é conhecida, possui um currículo extenso, que registra a ocupação de vários cargos na FAPEAM e, inclusive, o de secretária-executiva adjunta de Ciência e Tecnologia do Estado do Amazonas, na Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia (SECT). Nesta entrevista exclusiva, Maria Olívia irá falar sobre investimentos, estrutura e atuação da FAPEAM. Acompanhe. T&C Amazônia - A FAPEAM tem se notabilizado pela contínua comunicação à sociedade da importância de C,T&I para o desenvolvimento. Qual a eficácia dessa iniciativa? Que resultados podem ser apontados? Maria Olívia - Sem dúvida, houve um acentuado esforço institucional da FAPEAM no sentido de levar ao conhecimento da sociedade, e estamos falando sociedade em seu sentido mais amplo, a importância da ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento do Estado e do País. É importante destacar que o financiamento de C,T&I é algo relativamente novo no país e sua divulgação é ainda mais recente. Neste contexto, a FAPEAM aposta nas ações de divulgação científica como essenciais para conseguirmos o que chamamos de cumplicidade.

À medida que a sociedade se vê informada sobre os benefícios que ela usufrui ou pode vir a usufruir por intermédio da ciência, tecnologia e inovação, ela se acumplicia com quem está financiando e/ou desenvolvendo C,T&I e, assim, cria-se uma espécie de pacto social contra qualquer tentativa de descontinuidade nas ações neste setor. Nestes oito anos de existência, a FAPEAM implementou ações exitosas neste sentido. Criamos um programa exclusivo que incentiva, com a concessão de bolsas, jornalistas e estudantes de jornalismo a desenvolverem diariamente produtos jornalísticos relacionados à divulgação de C,T&I desenvolvida no Amazonas. O resultado dessa ação é que temos hoje um site que é referência nacional em termos de divulgação científica e uma revista (Amazonas Faz Ciência) que já está chegando à sua 20ª edição e é distribuída gratuitamente. Com esses instrumentos conseguimos inserir esta temática na pauta dos principais veículos de comunicação e no cotidiano de pessoas que antes tinham pouco ou nenhuma familiaridade com C,T&I. Temos ainda o Prêmio FAPEAM de Jornalismo Científico, em sua 2ª edição, que oferece prêmio a profissionais e estudantes de Comunicação Social, em diversas categorias (rádio, televisão, internet, revista e fotografia), que tenham elaborado produtos jornalísticos que divulgaram C,T&I desenvolvida no Amazonas. É importante destacar que nesta caminhada não estivemos e não estamos sozinhos. Vários parceiros estão aplicando significativos esforços e estratégias para divulgar, difundir e popularizar a ciência,

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Foto: Arquivo FAPEAM

Maria Olívia de Albuquerque Ribeiro Simão

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como a Rede Amazônica e o AmazonSat, a Fucapi, a Fiocruz Amazônia, a Fundação Amazônica de Defesa da Biosfera- FDB, dentre outros. Outra importante ação que merece relevo é a parceria da FAPEAM com a Fiocruz local para a criação do primeiro curso de pós-graduação lato sensu em Jornalismo Científico da Região Norte. O curso, que é gratuito e está em andamento, está capacitando 40 jornalistas ligados a diversas instituições e veículos de comunicação de massa que, com certeza, serão agentes multiplicadores e abrirão ainda mais espaço para a divulgação de C,T&I na mídia local, além, é claro, de facilitarem a comunicação entre jornalistas e os cientistas, o que nem sempre é fácil. T&C Amazônia - Como se dá a articulação entre FAPEAM e Sect-AM para a formulação e implementação de programas e projetos em C,T&I no Estado do Amazonas? Maria Olívia - As duas instituições nasceram juntas em 2003 e, junto com o Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (CETAM), também instituído naquele ano, com a agregação da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), compõem o atual desenho do que chamamos de Sistema Público Estadual de Ciência e Tecnologia. A origem comum e a vinculação inicial em torno do Sistema, por si só, já traz uma relação de vínculo muito forte entre a FAPEAM e a Sect. Operacionalmente, a Secretaria capitaneia esse sistema, no sentido de formular e gerir a política estadual de C,T&I, articulando esforços e arregimentando atores das mais variadas matizes que se encontram nas inúmeras instituições estaduais, federais e privadas, a fim de que o conhecimento, produtos e processos produzidos no Estado (nas universidades, centros de pesquisa e empresas) sejam revertidos em alternativas eficazes para a promoção do desenvolvimento sustentável, humano e solidário. A FAPEAM é, neste contexto, a agência que fomenta e torna concretas as ações desta política, que se revertem inevitavelmente em incremento da pesquisa científica, tecnológica e de inovação no

Estado, na formação de recursos humanos de alto nível (do Ensino Fundamental ao Pós-Doutorado), na oferta de fomento à pesquisa e à infraestrutura para tal disponibilizada a todas as instituições (estaduais, federais e privadas) deste segmento no Estado, como também para o desenvolvimento e inovação tecnológica em empresas. A verdade é que este desenho instituído pelo Governo do Amazonas vem sendo aperfeiçoado e, com a instituição de fóruns importantes como o Fórum Estadual de inovação e a instituição do Conselho Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, teremos a oportunidade de rever a política de C,T&I, discutir e implementar estratégias que acelerem o desenvolvimento de um sistema cada vez mais eficiente criando concretamente oportunidades de uso da ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento sustentável e a solução dos problemas que afetam a sociedade. T&C Amazônia - A criação da FAPEAM tem sido reconhecida como um ponto de mudança na trajetória da ciência e tecnologia no Estado. O volume de recursos já aplicados impressiona, quando comparado ao de outras FAPs. De que forma são avaliados os resultados e a eficiência associados à aplicação desses recursos? Maria Olívia - De fato, o volume dos investimentos do Estado, via FAPEAM, para este segmento são impressionantes. De 2003 a 2010, foram investidos mais de R$ 238 milhões, sendo mais de R$ 40 milhões apenas em 2010. Isto fez com que a FAPEAM se tornasse, em curto tempo, a 4ª maior Fundação de Amparo à Pesquisa do Brasil em volume de investimentos (precedida pela FAPESP, FAPERJ e FAPEMIG). Desde o início de sua atuação, a avaliação processual faz parte dos mecanismos de acompanhamento e avaliação de resultados de investimentos. Esses eventos se dão sempre com a colaboração de comissões e grupos de trabalhos formados por membros das câmaras de assessoramento científico da FAPEAM, cientistas e técnicos das comunidades científicas local e nacional. São montadas estratégias de acordo com o perfil de ação de cada programa. Em alguns temas mais estratégicos são

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encomendados estudos específicos de grupos renomados, a fim de termos instrumentos que permitam a correção de rumos e a adoção de medidas que otimizem o resultado esperado. O resultado dessas avaliações tem permitido o aperfeiçoamento dos programas a cada edição. Quanto aos resultados dos investimentos, muitos se materializam, por exemplo, no financiamento de mais de 1.200 bolsas de Mestrado e 500 de Doutorado (com as quais, até o momento, mais de 1.000 mestres e quase 200 doutores já foram titulados), na inclusão pela ciência de quase 5 mil jovens de Ensino Fundamental e Médio de escolas públicas municipais e estaduais e na iniciação científica de quase 7 mil estudantes de graduação. Já registramos também resultados relevantes oriundos dos investimentos voltados ao setor produtivo: mais de R$ 8 milhões investidos e 54 microempresas e empresas beneficiadas desenvolvendo produtos e processos inovadores. São 54 produtos ou processos inovadores que foram implementados por micro e pequenas empresas locais que na sua grande maioria nunca haviam se imaginado em um contexto de inovação e pesquisa. Ressaltamos, em particular, as instituições públicas estaduais de saúde, que antes limitavam sua atuação a prestação de serviços. Com o apoio da FAPEAM, hoje, além da Fundação de Medicina Tropical (FMT/AM) - que já desenvolvia pesquisas, mas hoje o faz numa dimensão incomparavelmente mais impactante - temos que destacar a presença no cenário da pesquisa de instituições como a Fundação Alfredo da Matta (FUAM/AM) e Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas (FHEMOAM), entre outras, que incorporaram a pesquisa como prioridade em seus planos de ação. Isso se revela como um resultado extremamente positivo na melhoria da oferta de serviços e na busca de avanços para o tratamento de doenças que são peculiares à região e afetam grande proporção da população da Amazônia. De forma indireta, podemos afirmar que, além de ofertar fomento, a FAPEAM contribuiu com a criação de um cenário de motivação para a produção de ciência no Estado. Mas temos que reconhecer que há muito a ser feito ainda, sobretudo, no sen-

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tido de maximizar o fomento de ações direcionadas à formação de recursos humanos e ao desenvolvimento de inovação no setor produtivo que aumente os níveis de competitividade da indústria local, principalmente das micro e pequenas empresas e empresas de pequeno porte. Este é um desejo e uma necessidade que não é só do Amazonas, mas do Brasil como um todo. Pretendemos atuar fortemente nesta direção. T&C Amazônia - Há um nítido esforço de diversos agentes para ampliar a capacidade de inovação no País. Qual o panorama da inovação no Estado do Amazonas e de que forma a FAPEAM participa deste esforço nacional? Maria Olívia - De fato, há um esforço nacional no sentido de ampliar a capacidade de inovação no País, com grande protagonismo do Governo Federal, por meio do Ministério de Ciência e Tecnologia. Esta tônica foi fortemente percebida na 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada no ano passado em Brasília, onde a inovação, sobretudo, foi sublinhada como elemento imprescindível para o desenvolvimento sustentável do País nos próximos dez anos. Em âmbito local, não se espera nada diferente. Muito embora a FAPEAM já venha participando de significativas ações de fomento à inovação no Estado, sobretudo no apoio às microempresas e empresas de pequeno porte em parceria com a FINEP (juntas investiram mais de R$ 8 milhões até 2010), nestes próximos anos iremos intensificar ações neste sentido. Acabamos de lançar, mais uma vez em parceria com a FINEP, o Programa de Apoio à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Microempresas e Empresas de Pequeno Porte na Modalidade Subvenção Econômica (PAPPE INTEGRAÇÃO), numa ousada ação que vai colocar R$ 6 milhões à disposição de microempresários e empresários de pequeno porte que desejem desenvolver produtos e processos inovadores.


FAPEAM: projetos, programas e ideias

Temos o compromisso, ao lado da Secretaria do Estado de Ciência e Tecnologia (SECT/AM), de aproximar ainda mais a pesquisa do setor produtivo. Um dos maiores desafios deste quadriênio será firmar parcerias com as empresas que compõem o Polo Industrial de Manaus (PIM). Demos o primeiro passo ano passado quando firmamos parceria com a WHIRLPOOL S.A., que prevê investimentos de até R$ 10 milhões, para financiar pesquisas que versem sobre tecnologias relacionadas a fornos de micro-ondas e condicionadores de ar. Neste contexto é fundamental envidar esforços em ações de base, principalmente na formação de capital humano voltado para a inovação e empreendedorismo. Hoje a maioria das instituições do Amazonas tem tradição e excelência na pesquisa acadêmica e estão se esforçando para ampliar seu foco de atuação com vistas à pesquisa e ao desenvolvimento no setor produtivo. Mas para tornar o Amazonas um Estado estratégico para o País em termos de inovação, que é o que todos desejamos, é necessário um trabalho articulado dos entes que atuam no campo de C,T&I local. A FAPEAM é um desses agentes, mas não é o único. Pretendemos participar de ações, não necessariamente engendradas pela Fundação, em parceria com Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs), Instituições Privadas de Inovação Tecnológica (IPITs) e Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs), instituições de articulação e representação do setor produtivo locais e/ou federais, dentre outros atores. Temos convicção de que isso contribuirá significativamente para alavancar a inovação no Estado. T&C Amazônia - Em geral, conselhos e comitês de entidades de fomento contam com participação predominante de instituições públicas, o que lhes confere um maior foco em ciência, quando comparado com tecnologia e inovação. No caso da FAPEAM, como tem sido tratada essa composição? A representação da diversidade de instituições existentes tem sido tratada de que forma?

Maria Olívia - É verdade que há um histórico que demonstra que a participação das instituições públicas é predominante. Entretanto, a FAPEAM, em seus comitês e câmaras de assessoramento e mesmo na composição de seu Conselho Superior, tem buscado equilibrar essa composição. No âmbito do Conselho Superior, que é naturalmente a maior instância deliberativa da FAPEAM, sempre tivemos, em suas três composições, conselheiros ligados à entidades ou à organizações privadas. Temos na atual composição, por exemplo, o Sr. Denis Minev e o Sr. Ulisses Tapajós que são do setor empresarial. Sabemos que temos que continuar apoiando a produção de ciência, mas temos o compromisso de fomentar a tecnologia e inovação em empresas, nos institutos de pesquisa tecnológica, nos núcleos de inovação tecnológica, nas incubadoras, e por aí adiante. Isso se consegue, temos claro isso, também com a participação destes atores nas mesas e rodadas consultivas e deliberativas, como já vem acontecendo, por exemplo, com os comitês de importantes programas da Fundação como o Programa de Desenvolvimento Científico Regional e o Programa Amazonas de Apoio à Pesquisa em Micro e Pequenas Empresas. T&C Amazônia - Sabemos que a economia do Amazonas é bastante atrelada à atividade do Polo Industrial de Manaus, notadamente composto por empresas de outras regiões e países. O que fazer para estimular o surgimento de empresários e a criação de mais e melhores empresas associadas à chamada vocação regional? Maria Olívia - Vemos aí duas ações distintas. Por um lado, é preciso aproveitar o potencial de alto investimento que as empresas do PIM apresentam, firmando, para tanto, parcerias que oportunizem o desenvolvimento tecnológico e a formação de recursos humanos local, para que o Estado se beneficie de forma mais abrangente destas oportunidades, mudando, assim, o nosso perfil de fornecedor de insumo e mão de obra. Por outro lado, temos que trabalhar aplicadamente no sentido de incentivar o desenvolvimento, cada vez maior, da

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pesquisa e da inovação nas empresas locais, aproveitando, dessa forma, a vocação que elas têm para o desenvolvimento de produtos e processos ligados ao nosso potencial em termos de biodiversidade e atividades que respeitem nossa realidade local. Para tanto, precisa-se difundir a cultura da inovação nas microempresas e empresas de pequeno porte, aliada ao esforço de melhorar o modelo de gestão empresarial que já vem sendo trabalhado há mais tempo por instituições que atuam no Estado. É preciso sensibilizar o micro e pequeno empresário a se envolver com inovação e a subvenção econômica é uma grande aliada no processo de atração inicial. Temos que ofertar serviços tecnológicos a essas empresas, contribuir para resolver gargalos enfrentados por elas, e para isso as instituições devem se aproximar do setor produtivo, entender suas demandas e formar recursos humanos voltados para a realidade de mercado. As agências de desenvolvimento, por sua vez, devem atrair grandes empresas que se encaixem em setores-chave da economia relacionadas às vocações regionais, de forma que estas empresas possam estimular, através da demanda de compra de insumos, a melhoria de processos e produtos de micro e pequenas empresas que se encontram associadas a esta cadeia produtiva. Como falamos anteriormente, este é um trabalho de muitos atores, cujo enredo deve ser pautado pela Política de C,T&I coordenada pela SECT. Vamos trabalhar muito nos próximos anos para contribuir de forma positiva para alcançarmos esses objetivos.

T&C Amazônia - Como a FAPEAM vem se preparando, em termos de infraestrutura física e de pessoal, para enfrentar a ampliação de suas atividades? Quais as ações planejadas? Maria Olívia - Em termos de infraestrutura física, demos um salto fantástico no fim da gestão do nosso antecessor, Dr. Odenildo Sena, quando conseguimos inaugurar nossa sede definitiva, cuja área permite ampliação modular inicialmente planejada para se concretizar de forma gradativa ao longo dos próximos anos. Quanto ao suporte de pessoal técnico, ainda temos o desafio de formar e consolidar o quadro técnico da FAPEAM. Hoje nosso quadro é formado por funcionários cedidos de outros órgãos, suplementado por um contingente mínimo de cargos comissionados e servidores terceirizados. Os estagiários são um contingente significativo que também contribuem com as tarefas cotidianas da Fundação. Implementar o Plano de Cargos, Carreira e Salário da FAPEAM é uma das metas deste quadriênio. É preciso criar quadros e cargos que atendam à especificidade de atuação da instituição (por exemplo, analistas e gestores de C,T&I, entre outros). Já possuímos estudos baseados nas carreiras de agências federais e estaduais análogas à FAPEAM e estamos delineando ações para concretizar este projeto, que, sabemos, passa pelo componente político com a criação pelo Estado de cargos públicos de carreira em C&T. Uma ação que já estamos implementando é a desburocratização e automação dos procedimentos e processos internos em diferentes níveis de forma a otimizar os recursos humanos existentes em nossa equipe, que qualificamos como aguerrida, pois estamos falando de cerca de 90 colaboradores que executam as ações que envolvem um volume financeiro como o apresentado no início desta entrevista. Por ora, temos um corpo funcional reduzido, porém altamente comprometido com as responsabilidades que a FAPEAM tem para o futuro do Amazonas.

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Artigo

Aplicação da Análise SWOT como ferramenta de análise dos avanços do manejo florestal no Estado do Acre Adriana da Silva Santos, Renato Cesar Gonçalves Robert, Karine Ramos da Rosa Bellon e João Carlos Garzel Leodoro da Silva

Introdução O Estado do Acre vem sendo apontado como exemplo nas ações relacionadas ao manejo florestal sustentável (MFS) e ao desenvolvimento sustentável no Brasil, assumindo assim, um expressivo volume de investimentos e estudos sobre estes temas, nos últimos anos. A aplicação de técnicas de desempenho estratégico sobre o setor florestal do Estado do Acre apresenta-se como uma fonte de informação importante e abrangente que desenha de forma simples o negócio florestal no Estado. O uso da análise SWOT será testado neste trabalho com o objetivo de apresentar, através de uma visão holística, a posição do Acre no cenário de mercado de produtos florestais, baseando-se no ponto de vista de atores importantes da estrutura social, ambiental e econômica do Estado. Objetivo O objetivo deste trabalho é avaliar a aplicação da análise SWOT na determinação de informações e dados referentes à conjuntura do estado da arte do manejo florestal sustentável (MFS) no Estado do Acre. Análise SWOT O planejamento estratégico e a análise SWOT podem ter suas mútuas origens em trabalhos acadêmicos sobre política de negócios na Harvard Business School e outras escolas de

negócios norte-americanas a partir do ano de 1960 (MINTZBERG et al, 2000; HILL; WESTBROOK, 1997). O termo SWOT significa: S de Strenghts (Forças), W de Weaknesses (Fraquezas), O de Opportunities (Oportunidades) e T de Treaths (Ameaças). Esta ferramenta de planejamento também é conhecida como matriz FOFA. A ideia da técnica de avaliação do desempenho estratégico utilizando a análise SWOT, além de apresentar as situações de uma corporação e neste caso de um Estado, também caracteriza os fatores externos (oportunidades e ameaças) e os fatores internos (forças e fraquezas). O trabalho de Andrews (1971) foi especialmente influente para a popularização da ideia de que a boa estratégia significa a segurança no ajuste entre a situação externa que uma organização enfrenta e suas próprias qualidades internas ou características. De modo geral a análise SWOT é comumente aplicada nas grandes e médias corporações com o objetivo de apresentar os principais fatores de influência no negócio da empresa, sejam os fatores externos ou internos e/ou negativos ou positivos. Basicamente, o fato de não existirem muitas publicações sobre a Análise SWOT, está relacionado ao fato de que dificilmente as corporações têm o interesse em apresentar dados cruciais de

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Aplicação da Análise Swot como ferramenta de análise dos avanços do manejo florestal no Estado do Acre

seus negócios que são levantados e caracterizados pela SWOT. Entretanto, Hill e Westbrook (1997) em seu estudo chegaram a conclusões de que a aplicação da análise SWOT foi inefetiva no sentido de uma análise ou como parte de uma revisão estratégica corporativa, mas efetiva em ser um meio para descrever as características do negócio. Deste modo sua aplicação neste trabalho pode proporcionar resultados importantes, visto a abrangência do mesmo e a característica do tema em ser composto por muitos fatores variáveis, gerando assim um meio de distinguir temas importantes e de influência na competitividade do negócio florestal do Acre. Muhana (2003) apresenta como vantagem da SWOT a adequação entre as capacidades internas e as possibilidades externas e como desvantagem o grau de certeza de força e fraqueza da organização que não é pré-avaliada. Na análise SWOT parte-se do pressuposto que os atores influentes na tomada de decisão da organização possuem um entendimento abrangente no que se refere à visão holística da organização. No mesmo trabalho de Hill e Westbrook (1997), muitos questionamentos são feitos quanto à eficiência e aplicação da SWOT nas corporações. É possível evidenciar que em muitos casos fatores considerados como forças, podem assumir outras caracterizações, sendo apontados também como fraquezas, oportunidades e ameaças, de acordo com variações ao longo do período de tempo ou de pontos de vista. Variações deste gênero podem ocorrer com a mudança de estruturas, diretrizes e políticas da organização. Um exemplo está na identificação de mão de obra desqualificada, que dependendo do ponto de vista pode ser considerada como um ponto fraco em uma avaliação, pois com mão de obra desqualificada a cadeia produtiva torna-se ineficiente, obsoleta e sem competitividade. Mas por outro lado, a mão de obra desqualificada também pode ser considerada um ponto forte, pois diminui os custos de produção, diminuindo assim o preço do produto final, aumentando a competitividade.

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Material e Métodos Foram realizadas entrevistas do tipo survey, semi-estruturadas, seguindo os passos necessários para a aplicação da análise SWOT. O levantamento de dados foi realizado durante os meses de julho de 2009 e julho de 2010 no Estado do Acre. As entrevistas visaram obter informações sobre a situação atual do MFS realizado no Estado e, para isso, foram entrevistados diferentes atores envolvidos com esta atividade, sendo estes representantes de empresas de laminação e madeireiras; órgãos governamentais estaduais, envolvidos na questão florestal; instituições de pesquisa e ensino; e organizações não-governamentais. Antecedendo às entrevistas foi explicado aos entrevistados o objetivo do trabalho, bem como o que significa a análise SWOT, sua importância e principalmente os ambientes aos quais se referem: forças, fraquezas, oportunidades e ameaças. A partir desse ponto, cada entrevistado colocou-se à disposição em contribuir com o trabalho, apontando no máximo seis caracterizações em cada tópico positivo e negativo de fatores externos e internos. Em um primeiro momento foi realizada somente uma entrevista, que apresentou o propósito de balizar o início do estudo. Para sua realização, buscou-se um entrevistado que possuía um amplo conhecimento do cenário florestal acreano, possibilitando que fossem apontados os principais fatores para o detalhamento da análise SWOT do estudo. O entrevistado foi determinado por possuir mais de 15 anos de serviços prestados na área de manejo florestal, possuindo grande articulação com órgãos estaduais, federais, ONG’s e com a iniciativa privada. Outro ponto considerado foi a receptividade e o interesse do entrevistado quanto ao estudo, garantindo o comprometimento de uma opinião de respeito e a seriedade necessária a esta primeira etapa do trabalho.


Aplicação da Análise Swot como ferramenta de análise dos avanços do manejo florestal no Estado do Acre

Um ano após a determinação da SWOT, deu-se início a segunda fase do estudo, onde foram realizadas entrevistas com tomadores de decisão, entre eles: presidentes de instituições, empresários, secretários de estado, pesquisadores e atores importantes no setor florestal do Acre (Tabela 01), onde esses ranquearam, por meio de graus de importância, os pontos fracos e fortes, ameaças e oportunidades da Análise SWOT, gerando assim um ranking dentro dos elementos apontados. A cada entrevistado foi apresentada a análise SWOT, e os mesmos foram instruídos a atribuir a cada ponto o grau de importância em que estes assumiriam, segundo o ponto de vista do entrevistado. Para os primeiros lugares com relação à importância nos fatores internos e externos da SWOT, cada entrevistado foi instruído a colocar o número 1, seguindo o mesmo princípio para os outros pontos, ou seja, 2 para o segundo e assim por diante. Durante a tabulação dos dados, os valores de importância e a porcentagem de repetição em que os mesmos foram citados para a primeira e segunda posições, foram inseridos entre parênteses no Quadro 01. Foram considerados para a discussão dos temas apresentados, somente os pontos que obtiveram porcentagem igual ou superior a 50% de repetição, sendo esta porcentagem o somatório das repetições para o primeiro e segundo lugares em grau de impor-

tância. Deste modo foi possível definir a inclusão, ou não, dos pontos a serem discutidos neste trabalho como, por exemplo: Falta de prestadoras de serviço qualificadas na exploração florestal (2º, 64,3%). Estes valores indicam que o ponto foi 28,6% citado pelos entrevistados para assumir a segunda posição no ranking, sendo que para a primeira posição, este ponto obteve 35,7%, gerando um total de 64,7% sendo, portanto discutido neste trabalho. Resultados e Discussão O Quadro 01 apresenta a análise SWOT, no qual o tema abordado foi a situação atual do MFS no Estado do Acre. Os resultados mostraram que dentre o espectro de porcentagem relacionada ao ranking dos itens da SWOT, os valores ficaram entre 100% e 0%. Forças Dentre as Forças apresentadas no Quadro 01, dois pontos puderam ser considerados relevantes após um ano, confirmado por meio de outros interlocutores. Os pontos A existência de floresta no Estado com capacidade de exploração (estoque de floresta com madeira possível de ser manejada) privada e pública e Política do Governo do Estado voltada ao apoio ao MF foram os que atingiram as maiores porcentagens, mostrando a importância da implantação de políticas públicas voltadas ao manejo florestal no Estado e ao ecossistema amazônico.

Tabela 01 - Relação das instituições e do número de entrevistados que participaram da segunda fase do estudo

Número de atores entrevistados por Instituição ONG´s

2

Secretaria de Florestas

2

Instituto de Meio Ambiente

1

Setor empresarial

3

Embrapa

2

Universidade Federal do Acre

1

Fundação de Tecnologia do Acre

1

Secretaria de Meio Ambiente

1

Instituto de Terras

1

Fonte: Próprios autores.

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Quadro 01 - Análise SWOT

Strenghts (Forças)

Weaknesses (Fraquezas)

• A existência de floresta no Estado com capacidade de exploração (estoque de floresta com madeira possível de ser manejada) privada e pública (1º, 100%) • Política do Governo do Estado voltada ao apoio ao MF (2º, 78,6%) • A existência de mão de obra de engenharia florestal disponível no mercado (3º, 14,2%) • Instituições de pesquisa no Estado que dão suporte científico para as ações de MFS (4º, 7,1%)

• Falta de consolidação da base fundiária das propriedades do Estado (dificulta o licenciamento ambiental e crédito junto às instituições financeiras) (1º, 64,3%) • Falta de prestadoras de serviço qualificadas na exploração florestal (2º, 64,3%) • Falta de mão de obra qualificada no apoio das atividades do MF (identificador botânico, técnico Florestal, operador de Skidder etc.) (3º, 35,7%) • Infraestrutura de estradas e logística de transporte deficitária (4º, 21,4%) • Existência de moradores na floresta (seringueiros) que gera conflito pela posse da terra (posses antigas advindas de velhos seringais) (5º, 14,2%) • Desconhecimento tecnológico sobre a diversidade das florestas acreanas (6º, 0%)

Opportunities (Oportunidades)

Treaths (Ameaças)

• Diversificação da exploração dos recursos florestais no MF (1º, 64,3%) • Existência de campo de trabalho para realização de pesquisas científicas de aprimoramento do manejo florestal e da identificação de espécies florestais alternativas (2º, 57,1%) • Abertura de mercado para os produtos florestais acreanos (3º, 42,9%) • Aumento do número de espécies a serem manejadas (4º, 35,7%)

• Falta de estruturação de recursos humanos com contratação efetiva (eliminação de contratação temporária) (1º, 71,5%) • Insegurança em futuras trocas de governo (estadual e nacional) que não contemplem e tenham como foco o uso sustentável dos recursos naturais (2º, 71,4%) • Possível mudança no código florestal e nas demais legislações ambientais (3º, 57,1%)

Fonte: Próprios autores.

Aproximadamente 88% dos 164.220 km² do território acreano possuem sua cobertura florestal original (INPE, 2007, apud ACRE, 2008). Isto favorece o desenvolvimento de políticas setoriais que estimulam a produção sustentável em áreas privadas, públicas e comunitárias. Consequentemente garante o estoque de madeira passível de ser manejado. De acordo com Araújo (2003), o Acre, em particular, o governo do Estado, sob o lema “governo da floresta” (período de 1999 a 2006), deu exemplo ao País quanto à disseminação da importância e das vantagens do uso da floresta como fonte sustentável de recursos econômicos. Atualmente a estrutura do atual governo estadual e a legislação do estado, no que se refere ao manejo florestal, garante um bom desenvolvimento aos empreendimentos de base florestal.

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O Estado do Acre possui dois cursos superiores de engenharia florestal da Universidade Federal do Acre, um na Capital Rio Branco e outro no município de Cruzeiro do Sul, que formam cerca de 20 engenheiros por semestre, além de possuir a Escola da Floresta, instituição pública estadual que forma técnicos agroflorestais e florestais. É considerável o número de instituições voltadas à pesquisa do MFS no estado, podendo ser citadas a Fundação de Tecnologia do Acre - FUNTAC, a Universidade Federal do Acre - UFAC, o Centro de Pesquisa Agroflorestal do Acre - Embrapa Acre e ONG´s. Tais instituições possuem projetos e pesquisas que visam à melhoria do MFS.


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Fraquezas Dentre os seis pontos das fraquezas na SWOT, dois foram ressaltados por mais da metade dos entrevistados na segunda etapa do estudo. Ambos os itens assumiram o mesmo número de repetições para assumirem os dois primeiros lugares nas Fraquezas da SWOT, ambos com 64,3%. O primeiro lugar ficou com o ponto Falta de consolidação da base fundiária das propriedades do Estado (dificulta o licenciamento ambiental e crédito junto às instituições financeiras) que obteve 50% de citações para ser o primeiro lugar e 14,3% para a segunda posição. A falta de regularização fundiária das propriedades rurais não somente do Acre, mas de toda a Amazônia, torna muito dificultoso e demorado o processo de licenciamento de operações como as de MFS nas propriedades. Além disso, esta falta de regularização impossibilita créditos para o financiamento das atividades. Um dos motivos que dificulta a regularização das propriedades rurais é a existência de “posseiros” em grande parte das áreas. Com este impasse a relação proprietário-posseiro deve ser solucionada dentro de meios legais para que o processo de licenciamento avance e finalmente possa ser concluído. O Estado do Acre caracteriza-se como um estado que possui um número pequeno de prestadores de serviço de qualidade para as operações florestais. Nas operações de arraste de toras, por exemplo, ainda usam-se Skidders com o tempo de vida útil ultrapassado. Para uma boa performance destas operações e consequentemente um melhor rendimento, verifica-se a necessidade de maior competitividade entre os prestadores de serviços, para que a qualidade dos serviços prestados pelos mesmos seja melhor. Junto a estes fatores, pode-se acrescentar a falta de identificadores botânicos bem capacitados e que possuam um padrão de classificação de espécies florestais, o que impediria a divergência comum que ocorre entre o uso de nomes vulgares durante as etapas de inventário florestal.

Oportunidades Com 64,3% a Diversificação da exploração dos recursos florestais no MF ficou com a maior porcentagem entre os entrevistados dentre as oportunidades. A maior diversidade aos produtos originários de manejo florestal, tanto no uso como em espécies com propriedades distintas e a possibilidade do uso de espécies alternativas nos planos de manejo. Segundo propõe Silva (2002) em seu trabalho, a utilização de espécies alternativas nas obras de governo (Federal, Estadual e Municipal), deve ser considerada como uma estratégia para introdução definitiva destas espécies no mercado. A existência de campo de trabalho para realização de pesquisas científicas de aprimoramento do manejo florestal e da identificação de espécies florestais alternativas foi citada por cerca de 57% dos entrevistados para assumir os dois primeiros lugares dentre as oportunidades. Entretanto, ao considerar a imensa diversidade de ecossistemas e habitats, pode-se afirmar que os esforços empreendidos na busca do conhecimento da biodiversidade no Acre são pouco representativos. Tal fato decorre principalmente da falta de incentivos para a fixação de pesquisadores e para a pesquisa sobre biodiversidade na região amazônica (SOUZA et al, 2003). Além disso, a aplicação e o uso de determinadas espécies catalogadas não são amplamente estudados, causando um gap entre o conhecimento botânico e o conhecimento tecnológico das mesmas. Silva (2002) cita que a exploração intensiva de algumas espécies madeireiras pode ameaçar a utilização sustentável dos recursos florestais madeireiros, uma vez que coloca em risco a população natural dessas espécies, pois estas normalmente possuem estoques naturais baixos e atualmente são mais pressionadas pelo mercado, tais como o Cedro, Cedrela odorata L.; Cerejeira Toresea acreana Ducke; Cumarú ferro Dipteryx odorata (Aubl) Willd; Jatobá Humenaea courbaril L. e o Mogno Swietenia macrophylla L.), de maneira ilegal.

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As florestas do Acre são atualmente um grande laboratório florestal, devido às diferentes tipologias encontradas. Aliada ao número de situações de manejo de florestas e intervenções na floresta encontradas no Estado, esta característica pode se tornar uma grande ferramenta de dados e informações para aumentar e delinear a melhoria do manejo florestal em florestas tropicais, garantindo assim um maior destaque para o Acre em termos nacionais e internacionais. Ameaças Dentre as ameaças apresentadas na SWOT realizadas em 2009, todas obtiveram mais da metade das indicações para assumirem os primeiros lugares. Os principais sistemas de contrato de mão de obra no Acre não garantem a continuidade dos mesmos profissionais nas etapas seguintes do manejo florestal empresarial e comunitário. As variações ocorrem com a equipe que realiza o inventário e não é aproveitada na exploração, não sendo consequentemente reaproveitada no próximo inventário. Isto devido à rotatividade, pois muitos trabalhadores saem do Estado atrás de outras oportunidades de trabalho. Basicamente contrata-se uma equipe por “verão”, sempre na época de seca. No início do então conhecido “governo da floresta” a proposta de uso sustentável dos recursos naturais do Acre e temas como desenvolvimento sustentável tornaram-se comuns para a população acreana. Esta política de governo ainda é bastante presente e possui destaque nacional, visto os resultados apresentados até hoje na gestão dos recursos naturais. A mudança da proposta de governo que vem sendo adotada há quase doze anos, pode ser uma ameaça para o manejo florestal acreano em função de uma visão política diferenciada do próximo governante.

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As discussões na mudança do código florestal e possíveis alterações na legislação ambiental federal, estadual e municipais, podem incorrer no desvio de propostas e possibilidades do uso do solo, incentivando atividades agropecuárias, o que pode vir a gerar uma competição pelo espaço territorial e seu uso, desvalorizando ainda mais áreas com a predominação de formações florestais. Considerações finais Os resultados indicam que a análise SWOT mostrou-se uma importante ferramenta para a descrição e análise de vantagens do MFS no estado, a partir da ótica dos principais atores do setor florestal acreano. A análise SWOT permitiu ainda a verificação da dinâmica de evolução dos conceitos que caracterizam o estado da arte do manejo florestal do estado do Acre em um horizonte de um ano, proporcionando um melhor entendimento da atual conjuntura do cenário florestal estadual. Assim, este estudo poderá balizar análises futuras relacionadas ao setor florestal acreano, de forma a observar possíveis variações nos próximos anos decorrentes da dinâmica inerente à atividade e até mesmo da própria conjuntura política e econômica do estado.


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Bibliografia ACRE – Governo do Estado do Acre. Política de Valorização do Ativo Florestal. Manual Operativo. Rio Branco, 2008. ANDREWS, K. R. The Concept of Corporate Strategy. Irwin, Homewood, IL: Dow JonesIrwin ,1971. ARAÚJO, H.J.B. Manejo florestal: o embate entre as tendências e as barreiras. CPFAC. EMBRAPA. 12/03/2003. Disponível em: http://www.cpafac.embrapa.br/chefias/ cna/artigos/manejoherinq.htm. Acesso em: 07/02/2010 HILL, T.; WESTBROOK, R. SWOT Analysis: It´s Time for a Product Recall. Long Range Planning, Vol. 30, No. 1, pp. 46 to 52,1997. Elsevier Ltd. MINTZBERG, H; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de Estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico. Porto Alegre: Bookman, 2000. MUHANA, A.C.M. Um método para identificação e priorização de oportunidades/ameaças e pontos fortes/fracos no planejamento estratégico, utilizando uma metodologia MCDA-Construtiva. Florianópolis, 2003. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, UFSC, 2003. SILVA, R. F. Diagnóstico das espécies mais utilizadas e alternativas para utilização nas serrarias localizadas na regional do baixo Acre. Dissertação (Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais) –

Universidade Federal do Acre, Rio Branco, 2002. 108p. SOUZA, M.B.; SILVEIRA, S.; LOPES, M.R.M.; VIEIRA, L.J.S.; GUILHERME, E.; CALOURO, A.M.; MORATO, E.F. A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectivas. Revista T&C Amazônia, Ano 1, nº3, Dez. de 2003. Adriana da Silva Santos é engenheira florestal formada na UFRRJ (1999), especialista em Gestão da Indústria Madeireira pela UFPR (2010) e mestranda em Agroecossistemas pela UFSC. (anadris@gmail.com) Renato Cesar Gonçalves Robert é professor do Departamento de Engenharia e Tecnologia Florestal da Universidade Federal do Paraná. Engenheiro florestal graduado pela UFPR (2000). Mestre em Sustentabilidade Florestal e Gerenciamento do Uso do Solo pela Albert Ludwigs Universität- Freiburg, Alemanha (2004). Doutorando pela UFPR na área de Logística. (renatorobert@ufpr.br) Karine Ramos da Rosa Bellon é engenheira Florestal formada na UFPR (2011) e é mestranda em Engenharia Florestal pela UFPR. E-Mail: (kabellon@gmail.com) João Carlos Garzel Leodoro da Silva é professor associado I do Departamento de Economia Rural e Extensão - Universidade Federal do Paraná. Graduado em Engenharia Florestal na Universidade Federal do Paraná (1983), mestre em Economia e Política Florestal na Universidade Federal do Paraná (1986) e doutor em Economia Aplicada na Universidade de São Paulo (1996). (garzel@ufpr.br)

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Correlação entre setores-chave do desenvolvimento do Estado de Roraima: uma análise tipo Insumo-Produto Sandro Luis Bedin Introdução Historicamente, observou-se que a economia amazônica apresenta elevada dependência dos insumos fornecidos pelo Centro-Sul brasileiro, o que não induz à condições de competitividade de custos e causa dependência produtiva. O Estado de Roraima é um clássico exemplo desta problemática, pois apresenta um setor industrial de baixo dinamismo e um setor comercial baseado em ilhas de competitividade, desabastecimento, limitada variedade de produtos e preços extremamente elevados por causa de seu isolamento geográfico. Esse quadro econômico leva a crescentes importações de insumos e produtos, destinando montantes de renda estadual a outros estados e países. Dada esta complexidade, este artigo procurou verificar este cenário econômico pelo método do insumo-produto, buscando apontar os setores mais dinâmicos da economia e demonstrar se há correlação entre o efeito vazamento de renda e os indicadores de crescimento econômico estadual. A Metodologia da Matriz de Insumo-Produto: uma breve revisão teórica A Matriz de Insumo-Produto é um instrumento macroeconômico que sintetiza as principais informações da estrutura econômica de um espaço, baseado na metodologia da inter-relação entre os setores produtivos. A Matriz de Insumo-Produto começou a ser formulada pelos Fisiocratas, na figura do economista François Quesnay, através da publicação do Tableau Économique em 1758. Posteriormente, autores como Karl Marx, Léon Walras e John M. Keynes construíram elementos necessários à formulação do esquema analítico

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do insumo-produto (QUESNAY, 1996:212; SOUZA, 1999:131 E SOUZA, 1997:47-51). Todavia, as aplicações empíricas e operacionalizadas de Insumo-Produto vieram de Wassily W. Leontief nos idos de 1930 ao sintetizar a estrutura econômica dos Estados Unidos, buscando encontrar quais foram os setores econômicos mais afetados pela Crise de 1929. Leontief descreveu sinteticamente que cada produto de uma empresa é insumo de outra, caracterizando o sistema de encadeamento prospectivo e retrospectivo (RICHARDSON, 1978:17-19; LEONTIEF, 1986:16). Nesse sentido, a economia do insumo-produto é um sistema quantitativo que envolve variáveis e agrupamentos de transações em setores de produção, distribuição e consumo, organizadas em filas horizontais e em colunas verticais. A tabela de insumo-produto desempenha, ainda, duas funções separadas: a primeira se destina a descrever a relação entre indústrias e setores e entre insumos e produtos; a segunda, como um instrumento analítico de medição de impactos de perturbações autônomas sobre a produção, emprego e a renda de uma economia (LEONTIEF, 1973:155; 1966:151; RICHARDSON, 1978:23). Ciclos e conjuntura econômica do Estado de Roraima A economia de Roraima apresentou fases econômicas distintas, mas que auxiliaram na formação deste espaço, as quais se podem citar: 1ª fase: produção local pecuária; 2ª fase: atividades mineradoras e de garimpo; 3ª fase: composição do


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setor público e consolidação do Estado Federado pela Constituição Federal de 1988; 4ª fase: entrada do agronegócio de arroz e soja; 5ª fase: elevação da participação do setor terciário e das importações e 6ª fase: estreitamento das relações com a Zona Franca de Manaus, com a Venezuela e a Guiana e demarcação de terras indígenas. Observa-se que, apesar de haver fases distintas na economia estadual, todas estas atividades e, principalmente a mão visível do Estado ainda permanecem como instrumento importante de crescimento da economia. Pela análise setorial e ao mapear os setores produtivos de Roraima,

procurou-se utilizar o ferramental do insumo-produto para se identificar os setores mais dinâmicos e organizar a análise com a classificação do IBGE aos setores produtivos estaduais de acordo com a metodologia do Sistema de Contas Regionais. Conforme os dados do Gráfico 01, os elos diretos mais fortes da economia de Roraima estão concentrados em setores da administração pública, setor comercial, atividades imobiliárias e agricultura e extrativismo. Em termos de rendimento direto, a administração pública é a responsável por 48,4% da renda estadual, ao distribuir salários a servidores efetivos e

Gráfico 01 - Estado de Roraima - Participação setorial. Fonte - IBGE: Sistema de Contas Regionais.

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comissionados, recolher tributos e taxas ao setor público e promover investimentos em obras de infraestrutura econômica e social em Roraima. Mas, a que se pese a tese inicial de dependência elevada do setor público, ao observar o Gráfico 01, verifica-se que do total do PIB estadual, 51,6% estão sendo gerados pelo setor privado. Contudo, o setor público de Roraima é o principal garantidor do fluxo monetário no Estado e propagador da movimentação dos recursos monetários. Ainda conforme indicam os dados do Gráfico 01, o baixo dinamismo do setor industrial, representado pela indústria de transformação, com 1,8% de participação no PIB estadual, faz com que o abastecimento seja feito pelas importações de produtos de toda ordem, com 1,5% de participação. Contudo, já se observam iniciativas no setor primário de produção, com 5,3% de participação, indicando que já está se organizando uma cadeia agroindustrial, ainda que incipiente, cujas principais culturas são o arroz, a soja e o milho.

Apuração dos multiplicadores de produção, emprego e rendimento Ao destacar os aspectos primários da economia de Roraima, não se pode negligenciar que apesar de se ter setores produtivos com baixo dinamismo, há uma geração secundária de efeitos multiplicadores. Isso ocorre porque, de alguma forma, todos os setores estão interligados entre si por insumos e produtos, fazendo com que haja uma conexão cotidiana dos setores primário, secundário e terciário. Nesse sentido, buscou-se ampliar a análise utilizando a estrutura dos multiplicadores indiretos de produção, rendimento e empregos gerados. O multiplicador de produção é aquele que indica em quantas vezes a produção cresceu em Roraima nos setores observados e qual foi o setor que gerou os efeitos mais “fortes” na produção, sendo um bom setor para investimento. Conforme o Gráfico 02 pode-se observar quais são os setores mais fortes indiretamente da economia de Roraima. De acordo com o Gráfico 02, os efeitos mais fortes gerados pela movimentação econômica do Estado de Roraima, foram verificados no setor

Gráfico 02 - Estado de Roraima – multiplicadores de produção, emprego e rendimento: 2007. Fonte - IBGE: Sistema de Contas Regionais.

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primário e no setor importador. Isso significa que a elevada geração de recursos na administração pública induziu a produção do setor agropecuário e o provimento de importações de toda ordem, para distribuição no comércio local do Estado de Roraima. No caso das exportações, confirma-se a tese de que Roraima exporta insumos básicos do ramo da madeira, da pecuária, da agricultura. Contudo, há uma pequena participação de setores de microempresas produtoras de alimentícios, bebidas e produtos à base de carne bovina. Esse quadro indica que há um forte desequilíbrio na relação produção-processamento de insumos básicos e semi-elaborados para serem comercializados no mercado interno. Dessa forma, as poucas empresas processadoras locais dependem de importações cada vez maiores de insumos se quiserem elevar seu quantum de valor adicionado bruto. Por essa análise preliminar do Gráfico 02, já se pode constatar que não há espaço para o crescimento sustentado de empresas de pequeno e médio portes, pois estão estreitamente vinculadas com as importações dos setores prioritários e seus produtos processados não apresentarão competitividade em outros mercados. Essa dependência cria, ainda, a possibilidade da formação de um monopólio ou oligopólio de algumas empresas em alguns ramos, atraindo empresas produtoras e representações comerciais de outros estados com preços mais atrativos ou muito semelhantes aos praticados internamente, elevando a lucratividade destas últimas e esvaziando a preferência do consumidor local. Ao se apurar o multiplicador de renda, sabe-se que este é o multiplicador econômico que indica em quantas vezes a renda cresceu em Roraima, nos setores observados e qual foi o setor que gerou os efeitos mais “fortes” na renda, sendo um bom setor para investimento. Conforme as ilustrações do Gráfico 02, somente dois setores se demonstraram fortes na indução à geração de renda, que são as importações e o setor extrativo mineral.

Como se pode verificar pelos dados do Gráfico 02, além do setor importador, ocorreu um movimento de formação de renda no setor extrativo mineral, impulsionado especificamente pelo setor da construção civil que fôra observado anteriormente como 3º no ranking da participação no produto interno bruto estadual. Esse indicador elevado de participação na renda estadual comprova o raciocínio de que aqueles setores que, mesmo de pequeno e médio portes, adicionam valor à produção, podendo elevar a renda no conjunto da economia. A justificativa de que este aumento de renda no setor extrativo se dá pela indução do setor de construção civil ocorre porque o auge do ciclo de extração de minerais em Roraima já se arrefeceu, somente restando algumas poucas iniciativas de garimpagem e de comércio de ouro e pedras preciosas. Por fim, ao se verificar o multiplicador de empregos, coloca-se que este é o multiplicador econômico que indica em quantas vezes o emprego cresceu em Roraima nos setores observados e qual foi o setor que gerou os efeitos mais “fortes” de emprego, sendo um bom setor para investimento. O Gráfico 2 explicita estes dados e coloca o setor importador como aquele que se comporta acima dos resultados sociais dos demais. Conforme o Gráfico 02, novamente o setor importador está presente como um dos mais importantes na economia de Roraima, agora figurando como aquele que gerou efeitos indutores sociais em termos de emprego. Isso ocorre porque todos os insumos e a maior parcela de produtos presentes no comércio e na indústria de Roraima são importados, regionalmente ou nacionalmente. Se há uma elevação substancial no produto interno bruto estadual, o setor importador ao contribuir com o fornecimento de insumos e produtos, eleva o produto per capita

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estadual, o consumo e os investimentos públicos e privados, move o mercado de trabalho de forma efetiva e friccional. Conclusões Ao observar o mapeamento econômico e os indicadores de encadeamento, encontraram-se controvérsias econômicas ao manter uma economia baseada no setor importador, pois ao mesmo tempo em que não há a valorização da indústria ou comércio local, o sistema capitalista demonstra seu efeito substituição, seja por motivo elasticidade da renda dos consumidores ou preço da oferta dos produtores. No campo social, a geração indireta e propagadora de empregos, aponta novamente o setor importador como aquele mais dinâmico da economia estadual, o que indica que há um efeito vazamento de renda e de empregos para as representações comerciais e para setores produtores em outros estados. Dessa forma, a renda estadual roraimense induz a propagação de efeitos econômicos mais consistentes de emprego e renda no restante do Brasil e não cria condições de modificação da cadeia produtiva interna. Assim, na medida em que há um ciclo de crescimento econômico em Roraima, são os demais estados federados que se apropriam de forma efetiva de elevada parcela dos recursos gerados. Esse quadro econômico tornar-se-ia menos dependente com um processo substituição de insumos fabricados localmente, particularmente do setor primário. Além disso, incentivos e parcerias entre os principais atores, públicos, privados e instituições levariam a um quadro de integração à criação de arranjos produtivos locais e iniciativas de desenvolvimento endógeno.

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Bibliografia INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sistema de Contas Regionais do Brasil. IBGE: Departamento de Contas Nacionais, 2007. Disponível em www. ibge.gov.br/contasregionais. Acesso em 06/04/2011 23:46:15. LEONTIEF, Wassily W. A Economia do Insumo Produto. Tradução de Maurício Dias David. São Paulo: Abril Cultural, 1986, 226 p. QUESNAY, François. O Quadro Econômico dos Fisiocratas. In: Os Economistas. Tradução de João Guilherme Vargas Netto. São Paulo: Abril Cultural, 1996, 203-312 pp. RICHARDSON, Harry. Insumo-Produto e a Economia Regional. Tradução de Sérgio Góes de Paula. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978, 267 p. SOUZA, Nali de Jesus. Introdução à Economia. São Paulo: Atlas, 1997, 509 p. _____ Desenvolvimento Econômico. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 1999, 415 p. Sandro Luis Bedin é economista, mestre em Planejamento do Desenvolvimento pelo NAEA/ UFPA e docente do Departamento de Economia da Universidade Federal de Roraima.


Artigo

Inovação tecnológica no Estado do Amazonas: um estudo baseado na PINTEC Moisés Israel Belchior de Andrade Coelho Resumo Este trabalho possui como objetivo caracterizar a inovação tecnológica nas indústrias do Estado do Amazonas por intermédio dos resultados obtidos na Pesquisa de Inovação Industrial (PINTEC). Em termos metodológicos esta pesquisa caracteriza-se como quantitativa-descritiva com universo composto pelas empresas participantes da PINTEC no estado do Amazonas. As métricas utilizadas na pesquisa objetivaram identificar o comportamento das empresas industriais amazonenses em relação à inovação tecnológica. Nos resultados são apresentadas as tabelas relacionadas às métricas utilizadas para a avaliação da inovação no estado do Amazonas. Nas considerações são apresentadas a síntese das características relacionadas ao comportamento das indústrias amazonenses segundo a PINTEC. Introdução Atualmente, os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apresentam políticas públicas crescentemente focadas em P&D em áreas estratégicas inovadoras, dando ênfase ao desenvolvimento, difusão e utilização eficiente de novas tecnologias na economia baseada no conhecimento, com foco principal em informação e conhecimento (CASSIOLATO & LASTRES, 2000). O governo brasileiro vem implantado políticas voltadas para inovação cada vez mais complexas com o intuito de estimular os setores privados a aumentar seu nível e qualidade de investimentos

em inovação (CASSIOLATO, 2010). No caso do Amazonas em 2006 foi sancionada a Lei de Inovação do Amazonas (Lei n° 3.095 de 17 de novembro de 2006) com o intuito de estabelecer medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo. Sendo assim, o objetivo deste trabalho será de caracterizar a inovação tecnológica nas indústrias do estado do Amazonas tendo como base os indicadores da Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC-IBGE). Serão avaliados os resultados do período de 1998-2008. O artigo está estruturado em três partes: a primeira trata de uma breve revisão da literatura relacionada à inovação (seção 1); na segunda parte ocorre a descrição da metodologia (seção 2); e por fim, na terceira parte apresentam-se os resultados da pesquisa (seção 3), as considerações finais e as referências. Inovação e Competitividade O processo de inovação é fundamental para o aumento de produtividade e da competitividade organizacional, o sucesso das empresas está ligado às maneiras de desenvolver o produto e de gerenciá-lo por meio das informações relacionadas ao ciclo de desenvolvimento do produto. A inovação pode melhorar as condições da empresa e favorecer o seu crescimento tornando-se a base da competitividade nas economias mais avançadas em conjunto com as vantagens tecnológicas (FERREIRA, et al. 2010).

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Inovação tecnológica no Estado do Amazonas: um estudo baseado na PINTEC

No caso das economias em desenvolvimento, onde a inovação se restringe a absorção e ao aperfeiçoamento de produtos já existentes, ocorre o condicionamento de suas posições estratégicas devido, principalmente, aos seus mercados já estarem ocupados por concorrentes, resultando assim, em taxas de crescimento dos mercados inferiores às do início do lançamento dos produtos e, também, observa-se uma redução das margens de lucros ocasionados pelo aumento da produção e pela entrada de imitadores (REZENDE & TAFNER, 2005). Assim, os imitadores não obtêm as margens de lucro extraordinárias dos inovadores, logo não conseguem financiar a continuidade da inovação e do esforço tecnológico. Seus lucros são reduzidos devido à produtividade ser mais baixa, ocorre a predominância de produtos maduros e menos dinâmicos em sua pauta de produção reduzindo suas potencialidades de crescimento e desenvolvimento econômico e social. (REZENDE & TAFNER, 2005). No tocante às patentes, estrategicamente elas surgem como uma vantagem competitiva às organizações que as adotam geradas pelo desenvolvimento tecnológico, eliminação da concorrência em suas áreas de atuação e aumento do poder de barganha de seu detentor em relação aos consumidores, assim, a patente torna-se

um catalisador para uma posição competitiva superior em longo prazo (FERREIRA, GUIMARÃES & CONTADOR, 2009). Metodologia Esta pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa quantitativa e descritiva (MARCONI, 1991; GIL, 2002; SILVA & MENEZES, 2005) por buscar analisar setorialmente a inovação tecnológica no estado do Amazonas. Para isto, utiliza-se de dados secundários quantitativos baseados na Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC) avaliando os resultados no período de 1998-2008. O universo deste estudo foi composto por todas as empresas participantes da PINTEC no estado do Amazonas. A delimitação do universo englobou as empresas consideradas inovadoras no estudo do IBGE ao longo do período mencionado. No tratamento estatístico dos dados optou-se por uma análise que permitisse uma visualização mais rica por meio das tabelas, esta abordagem se assemelha à realizada por Pavitt (1984). As métricas estudadas nesta pesquisa relacionam-se com o estudo apresentado em Cunha (2009) que avaliou as características de inovação nas pequenas empresas. As métricas avaliadas encontram-se na Tabela 01:

Tabela 01 - Métricas utilizadas no estudo

Comportamento das empresas industriais brasileiras em relação à inovação tecnológica

2003

2005

2008

CONSOLIDAÇÃO DO AUTOR

Empresas que implementaram inovação

Tabela 1

Tabela 2.2

Tabela 2.2

Tabela 2.2

Tabela 1

Tipo de inovação implementada pelas empresas que inovaram

Tabela 1

Tabela 2.2

Tabela 2.2

Tabela 2.2

Tabela 2

Novidade da inovação implementada

Tabela 1

Tabela 2.2

Tabela 2.2

Tabela 2.2

Tabela 3

Participação dos produtos novos, ou substancialmente aprimorados no total das vendas

Tabela 16

Tabela 2.21

Tabela 2.21

Tabela 2.21

Tabela 4

Empresas que não implementaram inovação e sem projetos e seus motivos

Tabela 11

Tabela 2.14

Tabela 2.14

Tabela 2.14

Tabela 5

Utilização da patente como método de proteção das inovações

Tabela 3

Tabela 2.6

Tabela 2.6

Tabela 2.6

Tabela 6

MÉTRICA

Fonte: Adaptado de Cunha (2009).

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TABELAS DA PINTEC 2000

CONSTRUCTO


Inovação tecnológica no Estado do Amazonas: um estudo baseado na PINTEC

Resultados De acordo com a PINTEC na sua primeira edição (2000) 53% do total de empresas amazonenses implementaram inovações, este percentual aumentou em quase 70% na última edição (2006-2008). A porcentagem de empresas inovadoras chegou a 90% do total do Estado (Tabela 02).

Das empresas amazonenses que inovam em produtos, o impacto nas vendas desses produtos lançados nas edições de 2003 e 2008, representaram mais de 40% sobre o total das vendas, em detrimento das edições de 2000 e 2005 onde o impacto sobre as vendas ficou entre 10% e 40% das vendas totais (Tabela 05).

A inovação em processo é uma predominância nas quatro edições da PINTEC referente ao estado do Amazonas, isso pode ser um reflexo da aquisição de máquinas e equipamentos como principal atividade inovativa da indústria local (Tabela 03). Em relação ao grau da inovação implementada (Tabela 04) observa-se que a inovação ocorre com predominância para a própria empresa, tanto em relação a produtos, quanto em relação a processos. O desenvolvimento de produtos e processos novos para o mercado acaba ocupando uma porcentagem muito baixa na indústria amazonense. É interessante salientar que a inovação em processo novo para o mercado ocupa uma porcentagem ainda menor.

Tabela 02 - Empresas que implementaram inovações

PINTEC

No que tange às empresas que não implementaram nenhum tipo de inovação, a PINTEC revelou que na primeira edição (2000) 46% das empresas amazonenses não inovavam, estes percentuais caíram para 38% de empresas que não inovaram no estado na edição de 2008. O principal motivo apontado por estas empresas para não se inovarem foram as condições de mercado seguido por inovações prévias, conforme a Tabela 06. Quanto aos métodos de proteção (Tabela 07) utilizados pelas empresas amazonenses a porcentagem de empresas que utilizam patente nos últimos dez anos não cresceu significativamente, esta situação é um reflexo das inovações no estado do Amazonas se concentrarem em processos. Outro aspecto que pode ser considerado a respeito das patentes diz respeito ao seu processo ser complexo e dispendioso em relação a tempo e custos.

Tabela 03 - Tipo de inovação implementada pelas empresas que inovaram

AMAZONAS Total

Inovadoras

PINTEC

Inovação em produto

Inovação em processo

Inovação em produto

2000

428

225

53%

2000

160

149

84

2003

530

322

61%

2003

144

175

115

2005

191

275

170

2008

280

414

246

2005

530

349

66%

2008

737

662

90%

Fonte: Adaptado de Cunha (2009) e IBGE.

Fonte: Adaptado de Cunha (2009) e IBGE.

Tabela 04 - Novidade da inovação implementada PINTEC

Inovação em produto

Inovação em processo

Novo para a empresa

Novo para o mercado nacional

Novo para a empresa

Novo para o mercado nacional

2000

134

35

109

47

2003

121

34

152

32

2005

150

47

248

32

2008

252

36

404

19

Fonte: Adaptado de Cunha (2009) e IBGE.

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Inovação tecnológica no Estado do Amazonas: um estudo baseado na PINTEC

Tabela 05 - Participação dos produtos novos, ou substanciamente aprimorados no total das vendas PINTEC

Menos de 10%

De 10 a 40%

Mais de 40%

2000

6,25%

68,75%

25,00%

2003

14,48%

37,24%

48,28%

2005

19,90%

41,36%

38,74%

2008

15,71%

17,50%

66,79%

Fonte: Adaptado de Cunha (2009) e IBGE.

Tabela 06 - Empresas que não implementaram inovação e sem projetos e seus motivos Total de empresas que não inovaram

PINTEC

Principais motivos Inovações prévias

Condições de mercado

Outros fatores impeditivos

2000

196

8

162

26

2003

313

72

180

61

2005

275

28

142

104

2008

281

60

177

44

Fonte: Adaptado de Cunha (2009) e IBGE.

Tabela 07 - Utilização da patente como método de proteção das inovações

PINTEC

Total de empresas que inovaram

2000

225

12

5,33%

23

2003

203

14

6,90%

16

7,88%

2005

296

16

5,41%

35

11,82%

2008

449

32

7,13%

Que implantaram inovação com depósito de patente

com patente em vigor 10,22%

0,00%

Fonte: Adaptado de Cunha (2009) e IBGE.

Considerações Finais A indústria amazonense pode ser caracterizada como inovadora (90% das empresas implementaram inovações), com predominância das inovações em processo. O predomínio de inovações em processos pode ser um reflexo do crescimento econômico dos últimos anos que demandou uma quantidade considerável na aquisição de máquinas e equipamentos. Todavia, as inovações em processo possuem um menor valor agregado, sem mencionar que nem todas as aquisições de máquinas e equipamentos são consideradas inovações.

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A inovação em produtos ainda não faz parte da estratégia principal de inovação das empresas amazonenses, porém, o impacto nas vendas das empresas que inovaram em produtos somente vem a reforçar a importância na busca por estas inovações como forma de aumento de receita organizacional. Outra característica da indústria amazonense diz respeito às patentes, importante indicador de inovação, que apesar de sua evolução ao longo do período da pesquisa (1998-2008) continua não sendo uma prática das empresas amazonenses resultante, também, das baixas taxas de


Inovação tecnológica no Estado do Amazonas: um estudo baseado na PINTEC

inovações em produtos e de sua complexidade. É importante que as políticas públicas incentivem, crescentemente, a inovação em produto para que o Polo Industrial de Manaus não se torne mero imitador das economias mais desenvolvidas conforme apresentado na revisão bibliográfica. Em síntese o comportamento da indústria amazonense resultante da análise da PINTEC e, principalmente, relacionadas às métricas adotadas nesta pesquisa assume o papel de uma indústria inovadora, com foco nas inovações em processo e na qual as patentes não são utilizadas pela maioria das empresas que inovam em produto. Bibliografia AMAZONAS. Lei n° 3.095 de 17 de novembro de 2006. Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo no âmbito do Estado do Amazonas, e dá outras providências. Disponível em: http://www.aleam.gov.br/ legislacao.asp. Acesso em: Mar. 2011. CASSIOLATO, J. E.; LASTRES, H. Sistemas de inovação: políticas e perspectivas. Parcerias estratégicas, n. 8, p. 237-255, 2000. _______. Mecanismos de apoio à inovação no Brasil: uma breve nota crítica. In: Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia & Inovação, 4, 2010, Brasília. Disponível em: http://cncti4.cgee.org.br/index.php/ banco-de-documentos/cat_view/60-4oconferencia-nacional-de-ctai-2010/137notas-tecnicas-dos-palestrantes?start=60. Acesso em: Março de 2011. CUNHA, R. M. O comportamento das pequenas empresas industriais inovadoras: uma análise da pesquisa de inovação tecnológica brasileira. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. Dissertação (Mestrado em engenharia de produção) COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009.

FERREIRA, C. V.; ET. AL. Projeto do produto. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. FERREIRA, A. A.; GUIMARÃES, E. R.; CONTADOR, J. C. Patente como instrumento competitivo e como fonte de informação tecnológica. Gestão & Produção, v. 16, n. 2, jun. 2009. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Pesquisa de inovação tecnológica – PINTEC – 2008. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. Disponível em: http://www. pintec.ibge.gov.br/. Acesso em: abril de 2011. MARCONI, M. A. Técnicas de pesquisa: planejamento, e execução de pesquisas (...). 2.ed. São Paulo: Atlas, 1991. PAVITT, K. Padrões setoriais de mudança tecnológica: rumo a uma taxonomia e uma teoria. Research policy, v. 13, n. 6, p. 343-373, 1984. SILVA, E. L.; MENEZES, E. M. Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação. 4. ed. rev. atual. Florianópolis: UFSC, 2005. REZENDE, F.; TAFNER, P. (eds.). Brasil: o estado de uma nação. Rio de Janeiro: Ipea, 2005. Moisés Israel Belchior de Andrade Coelho é bacharel em Administração pela Universidade do Estado do Amazonas, mestrando em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atua no SEBRAE Amazonas.

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Artigo

Elementos de um modelo de desenvolvimento endógeno aplicáveis ao aproveitamento de potencialidades locais para as comunidades isoladas da Região Amazônica¹ André Frazão Teixeira, Salomão Franco Neves e Anderson Litaiff Feitosa da Costa

Resumo O presente artigo analisa elementos de um modelo de desenvolvimento endógeno aplicáveis para políticas públicas para aproveitamento de potencialidades locais de comunidades isoladas da região amazônica. Inicialmente são apresentados elementos gerais do modelo, sendo estes estruturantes e condicionantes. A seguir mostra-se uma adequação dos elementos pertinentes

às comunidades isoladas, concluindo que são necessários investimentos para se montar uma infraestrutura e fomentar a formação de redes entre os atores envolvidos, para que se possa efetivamente aproveitar o potencial local destas comunidades. Finalmente conclui-se que é preciso investimentos em cadeia, e não pontuais, como é visto atualmente nos programas de cunho governamental.

¹ A pesquisa que baseou este artigo tem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM.

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Elementos de um modelo de desenvolvimento endógeno aplicáveis ao aproveitamento de potencialidades locais para as comunidades isoladas da Região Amazônica

Palavras-chave: desenvolvimento endógeno, comunidades isoladas, Amazônia. Introdução O desenvolvimento endógeno baseia-se na execução de políticas de fortalecimento e qualificação de estruturas internas, visando à consolidação de um desenvolvimento originalmente local, a partir da criação de condições sociais e econômicas para a geração e atração de novas atividades produtivas, estimulando-se as potencialidades endógenas ou fatores internos (Vazquéz Barquero, 2002; Amaral, 1997). O modelo se fundamenta em fatores importantes dos quais se mencionam: • a localidade, já que a utilização do território deve ser entendida como uma variável em um processo amplo, devendo-se fornecer visando ao aproveitamento da vantagem comparativa que tal localidade possui; • o capital humano, considerado como um dos principais fatores internos à organização social, importante para que, em conjunto com a cultura local, se possa condicionar os processos de mudança estrutural, respondendo às condições necessárias ao início do processo de desenvolvimento (BOISIER, 1989); • a infraestrutura, neste caso, para a realidade brasileira, segundo Moura (1998), a participação do governo torna-se imprescindível para o início do processo de desenvolvimento, cabendo principalmente a ele a responsabilidade pelo provimento dos serviços básicos e adequados de saneamento, água, energia elétrica, transportes, etc., ainda que não sejam fornecidos com máxima excelência. Todos esses serviços de infraestrutura básica são fundamentais para gerar economias de escala e um potencial local capaz de atrair investimentos públicos ou privados (PIORE & SABEL, 1984). Além disso, Vazquéz Barquero (2001) considera que os investimentos em infraestrutura

básica deveriam ser realizados de forma conjunta. Aliado a estes fatores, apresentam-se ainda características condicionantes ao processo, como: • o aproveitamento do potencial energético e produtivo local prioritariamente unindo o conhecimento técnico ao científico. Para tanto, é necessário, em alguns casos, o uso ou a difusão de novas tecnologias, tanto no setor produtivo quanto no setor energético ou na parte organizacional geral, o que mostra a importância da pesquisa e desenvolvimento (P&D) (Vazquéz Barquero, 2001); e • a formação de redes referindo-se à formação de sistemas de empresas locais e a interligação entre estas e os demais atores envolvidos no processo. Esse sistema de relações, cujo conteúdo está relacionado a bens materiais, informação ou tecnologia, é, segundo Malecki e Tootle, (1996), uma boa definição de rede. Adequação de elementos do modelo de desenvolvimento endógeno para as comunidades isoladas Analisando todas essas características sob o ponto de vista das comunidades isoladas, fica evidente que elas não são lá encontradas. Mesmo em localidades com potencial para o crescimento endógeno, características próprias, como por exemplo, a geografia local, a falta de infraestrutura básica e mesmo de qualificação do capital humano, etc. são fatores importantes que precisam ser atendidos nessas comunidades. Por isso, defende-se a possibilidade do aproveitamento de elementos do modelo de desenvolvimento endógeno para a promoção do desenvolvimento em comunidades isoladas, desde que estes sejam devidamente adequados à realidade dessas comunidades. Neste contexto, Teixeira (2006) considera que, na alternativa de promover o desenvolvimento

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Elementos de um modelo de desenvolvimento endógeno aplicáveis ao aproveitamento de potencialidades locais para as comunidades isoladas da Região Amazônica

endógeno em comunidades isoladas, são necessários fatores estruturantes e fatores condicionantes. Os fatores estruturantes incluem a geração de energia elétrica; a construção ou modernização de hospitais, postos de saúde e escolas; a construção de uma estrutura portuária nas sedes dos municípios para servir como ponto de escoamento de produtos e pessoas nas comunidades isoladas; criação da rede de distribuição de água ou poços artesianos e da rede de saneamento, etc. Já os fatores condicionantes referem-se à melhoria das instituições públicas de acesso ao conhecimento tanto na capital quanto nas sedes dos municípios e nas comunidades isoladas, acesso à informação e investimentos em capital humano e em pesquisa e desenvolvimento e etc. Para garantir que esses fatores sejam atendidos, Teixeira e Cavaliero (2006) sugerem a atuação em conjunto de três atores específicos: a própria comunidade, o poder público e as instituições de ensino e pesquisa. A comunidade tem papel fundamental no processo de desenvolvimento. É trabalho dos comunitários organizarem-se em associações, mostrando unidade nas decisões que a estas couberem (TEIXEIRA, 2006). A ausência de tal organização não necessariamente inviabiliza o projeto, porém pode deixá-lo lento e oneroso, já que as decisões não serão representativas e as próprias reivindicações não serão levadas em conjunto à tona. Assim, a formalização é um passo que deve ser tomado o mais rápido possível, já que a criação de cooperativas ou demais formas de organização produtiva depende de uma figura jurídica. O segundo ator é o poder público através das esferas municipal, estadual e federal e seus respectivos órgãos pertinentes. Sua atuação pode ser exemplificada através da criação de linhas de financiamento especificamente destinadas ao fomento da agricultura sustentável, da pesquisa e desenvolvimento de tecnologia e da promoção de programas de desenvolvimento, ou, ainda, através de liberação de recursos por meio de agências de fomento específicas, como as fundações de amparo à pesquisa estaduais, a exemplo

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da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM); e a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). A criação ou ampliação de linhas de financiamento através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é também alternativa viável para a incubação de empresas ou para o desenvolvimento de tecnologias. E o terceiro ator são as instituições acadêmicas e de pesquisa. Nos estudos e projetos desenvolvidos em comunidades isoladas elas têm sido responsáveis pelo levantamento socioeconômico, energético e ambiental das localidades; pela indicação das potencialidades locais passíveis de aproveitamento; pelo desenvolvimento ou a adequação de tecnologias para a região; e pela implantação e avaliação técnica dos sistemas de geração de eletricidade instalados. É importante mencionar que o levantamento de potencialidades energéticas e econômicas deve ser feito com o objetivo de fornecer um leque de opções, de forma a auxiliar na tomada de decisão junto à comunidade. Esse fato reforça a importância da organização comunitária para viabilizar o processo. Teixeira e Cavaliero (2006) consideraram que, além de definir o papel de cada ator no processo, é fundamental também determinar o arranjo institucional pertinente. Na Figura 01, encontra-se o diagrama representando a relação entre esses três atores.

Figura 01 - Diagrama adequado das relações entre os atores envolvidos em um processo de desenvolvimento endógeno. Fonte: Teixeira e Cavaliero, 2006.


Elementos de um modelo de desenvolvimento endógeno aplicáveis ao aproveitamento de potencialidades locais para as comunidades isoladas da Região Amazônica

Onde: 1. indica as esferas governamentais 2. as comunidades isoladas 3. as instituições de pesquisa Como se pode verificar, esse arranjo implica num grande poder decisório para as comunidades isoladas, colocando ainda as esferas governamentais com o mesmo poder que as instituições acadêmicas e de pesquisa responsáveis pelas tecnologias necessárias. Porém, é preciso um pensamento realístico. Grande parte de suas lideranças comunitárias não possui experiência política nem instrução necessária. E ainda, há de se ressaltar o grande abismo que é a chegada da opinião de uma comunidade isolada ao Governo Federal e vice-versa (TEIXEIRA, 2006). É importante que o processo se realize com trocas e diálogos constantes, com uma liderança clara. Outro ponto importante no arranjo apresentado é a necessidade de definir redes de participação para a implantação do projeto. Por isso, a análise da cadeia produtiva a ser utilizada durante o processo deve ser pré-requisito, a fim de especificar detalhadamente a participação de cada agente. O objetivo é definir metas e garantir a participação efetiva dos atores nas fases a que lhes couberem, seja na fase de estudos preliminares ou nas fases de implantação do processo, já que o princípio da estrutura das redes é que a ação seja conjunta.

disponibilidade de cada produto a ser aproveitado, a demanda no mercado e etc. podem levar ao aproveitamento de potencialidades diferentes. Somente dessa forma, e não padronizando, é que será possível obter um melhor aproveitamento das cadeias. Análise e Conclusões Os problemas ligados à infraestrutura nas comunidades isoladas da região amazônica vão desde a geração de energia elétrica até uma rede de saneamento básico e distribuição de água, ou no mínimo a construção de um poço artesiano. No entanto, a forma atual de investimentos em infraestrutura geralmente privilegia apenas um fator em detrimento dos outros, como ocorre, por exemplo, no caso da geração de energia elétrica a partir do programa Luz para Todos, e na geração de renda do programa Territórios da Cidadania. Assim, não se verifica, por exemplo, o elo entre a energia e outros fatores estruturantes necessários para desenvolver a comunidade isolada a partir de produtos locais. Os investimentos em cadeia para amenizar os gargalos das cadeias produtivas potencialmente utilizáveis é uma medida importante para viabilizar a comercialização dos produtos regionais e contribuir para o desenvolvimento das comunidades isoladas utilizando seus próprios potenciais para tanto. Nesse sentido acredita-se

Com relação, ainda, às cadeias produtivas, é fundamental também que um estudo individualizado seja realizado em cada comunidade, uma vez que as especificidades de cada uma, tais como a

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que amenizar um ou outro gargalo não traga resultados tão satisfatórios. O ideal seria que os investimentos fossem aplicados em o máximo de fatores possíveis, de forma a atender aos pontos fracos em conjunto e aproveitar as potencialidades disponíveis localmente. O objetivo é que, ao final do processo, se forneça uma infraestrutura mínima para que a comunidade possa ter condições de promover seu desenvolvimento, ou seja, no médio e longo prazos encaminhar o projeto de forma independente. Bibliografia AMARAL FILHO, J. do. Desenvolvimento Regional Endógeno em um Ambiente Federalista. Planejamento e Políticas Públicas. Número 14. , 1997. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/pub/ppp/ppp14/ amaralfilho.pdf>. Acessado dia 12/10/2009; BOISIER, S. Política Econômica, Organização Social e Desenvolvimento Regional. In HADDAD, P. R. (Org.). Economia Regional: Teorias e Métodos de Análise. Fortaleza. BNB/ETENE, 1989. MALECKI, E. J., TOOTLE, D. (1996). The Role of Networks in Small Firms Competitiveness. International Journal of Technology Management, v.11, 1996. MOURA, S. A Gestão do Desenvolvimento Local: Estratégias e Possibilidades de Financiamento. Anais... 22º Encontro da ANPAD. Foz do Iguaçu: ANPAD, 1998. Disponível no site:<http://nutep.adm. ufrgs.br/pesquisas/DesenANPAD.html>. Acessado dia 10/01/2010. PIORE, M. J.; SABEL, C. F. The Second Industrial Divide. Basic, Nova York, 1984.

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TEXEIRA, A. F. Geração de Energia Elétrica em um Modelo de Desenvolvimento Endógeno para as Comunidades Isoladas do Interior do Estado do Amazonas. 2006. 107p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Engenharia Mecânica. Universidade Estadual de Campinas, Campinas. TEIXEIRA, A. F.; CAVALIERO, C. K. N. A. Uma Revisão sobre a CCC como Política de Incentivo às Fontes Renováveis de Geração de Energia Elétrica para os Sistemas Isolados da Região Amazônica. In: Congresso Brasileiro de Regulação, 4, 2005, Manaus/AM. Anais... Manaus: Associação Brasileira de Agências de Regulação, 2005. 1 CD. VÁZQUEZ BARQUERO, A. Desenvolvimento Endógeno em Tempos de Globalização. Porto Alegre: UFRGS/FEE, 2001. André Frazão Teixeira é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Amazonas (2003), possui mestrado em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP (2006) e doutorado em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP (2010). Salomão Franco Neves é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Amazonas, possui mestrado em Desenvolvimento Regional pela mesma universidade e atualmente é doutorando em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília – UNB. Anderson Litaiff Feitosa da Costa é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Amazonas e possui mestrado em Desenvolvimento Regional pela mesma universidade.


Artigo

Uma proposta de geração de energia elétrica, com a utilização do gás natural, para o Município de Coari – Estado do Amazonas willamy Moreira Frota, Arianne Araújo Gomes, Arnilson Damasceno e Danyell Barros

Resumo No Estado do Amazonas, devido às suas especificidades, a geração de energia elétrica é caracterizada por Sistemas Elétricos Isolados, com mais de uma centena de pequenas usinas termelétricas que utilizam o óleo diesel como combustível para geração de energia elétrica. Nesse contexto, o município de Coari (AM), que possui o 2º PIB do Estado (IBGE, 2008) e é uma das cidades mais ricas da região Norte, ainda é dependente da geração de energia que utiliza o óleo diesel como energético, mesmo possuindo um grande potencial de exploração de petróleo e gás natural na bacia do Rio Solimões. Desta forma, esse artigo apresenta uma proposta de geração de energia elétrica utilizando o gás natural para geração de energia elétrica em substituição ao óleo diesel no município de Coari (AM). Palavras-chave: Coari, gás natural, óleo diesel, geração de energia elétrica. Introdução Pequenas usinas termelétricas estão instaladas em todos os municípios do interior do Estado do Amazonas e compõem o maior Sistema Elétrico Isolado do Setor Elétrico Brasileiro. Esse sistema “se caracteriza por possuir um grande número de pequenas unidades geradoras atendendo a mercados dispersos e de pequeno porte, onde há uma predominância do consumo residencial, e

as indústrias são incipientes, representando uma pequena fatia deste mercado” (Eletrobras, 2008). Nos sistemas isolados dispersos no interior do Amazonas a geração de energia se dá com a utilização do óleo diesel como fonte primária para geração de energia elétrica. Contudo, com a exploração do gás natural, será possível o aproveitamento desta fonte de energia nos municípios por onde o gasoduto Coari-Manaus for instalado, dentre eles, o município de Coari, localizado no Rio Solimões a uma distância de 363 Km em linha reta da Capital Manaus. Até o final da década de 80, Coari se destacava como um dos maiores produtores de banana do estado com uma economia exclusivamente voltada para o setor primário; hoje, tem uma economia que gira em torno da produção de petróleo e gás natural da bacia petrolífera do Urucu, e do repasse dos royalties dessa produção aos cofres públicos, o que elevou o município para a segunda maior arrecadação do Estado do Amazonas. A inserção do gás natural no Estado do Amazonas Em 1988, no Estado do Amazonas, foi descoberto um grande campo de petróleo e gás natural associado na bacia do Urucu, município de Coari, no meio da Amazônia brasileira (BONFIM, 2008). A partir de então a bacia do Urucu tornou-se

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Uma proposta de geração de energia elétrica, com a utilização do gás natural, para o Município de Coari – Estado do Amazonas

uma das maiores reservas de gás natural em terra firme no país (ANP, 2008). Com relação ao fornecimento desse gás natural para geração de energia elétrica, o contrato n° OC1902/2006, que trata da compra e venda de Gás Natural da Bacia do Urucu, firmado em 01 de junho de 2006 entre a Petrobras, a Companhia de Gás do Amazonas - CIGÁS e Eletrobras Amazonas Energia, prevê inicialmente um fornecimento de 5,5 milhões de m³/dia de gás natural, que será entregue nas Estações de Medição e Regulagem de Pressão (EMRP), localizadas em usinas termelétricas de Manaus e nas EMRP a serem implantadas no interior do estado do Amazonas, nos municípios de Coari, Codajás, Anamã, Anori, Caapiranga, Manacapuru e Iranduba. Na Tabela 01 são apresentados os municípios que serão beneficiados pelo gasoduto Coari - Manaus e a vazão diária destinada aos mesmos (Petrobras, 2007). Para o município de Coari está previsto o fornecimento de 47.000 m3/dia de gás natural destinado à geração de energia elétrica.

Parque de geração de energia elétrica do Município de Coari O parque de geração de energia elétrica no município de Coari pertence à concessionária Eletrobras Amazonas Energia. Atualmente, a usina é composta por máquinas próprias da concessionária e máquinas locadas, o que tem possibilitado o atendimento da carga naquele município. No anuário estatístico de 2010 da Secretaria de Planejamento do Estado do Amazonas (SEPLAN, 2010), verifica-se que a ponta de carga em Coari foi de 12.158 kW, em dezembro de 2010. Conforme dados da Eletrobras (Tabela 02), o preço do óleo diesel utilizado na geração de energia em Coari foi de R$ 2,52/L, em dezembro de 2010. Como o consumo de óleo, em dezembro de 2010, foi de 1.680.885 litros, o valor gasto com óleo na geração de energia elétrica nesse mês foi de R$ 4.235.830,00. Assim, dividindo-se o custo total com combustível (R$ 4.235.830) e a energia elétrica gerada naquele mês (5.088.120 kWh), tem-se um custo de energia de R$ 0,832/ kWh apenas com o combustível.

Tabela 01 - Vazão diária de GN destinada aos Municípios Beneficiados Ramal

Vazão (m³/dia)

Coari

47.000

Codajás

29.000

Anori

12.000

Anamã

4.000

Caapiranga

6.000

Manacapuru

106.000

Iranduba

29.000

Fonte: Petrobras, 2007.

Tabela 02 - Mapa Operacional da UTE de Coari – Dez/2010 Ponta de Carga (kW)

12.158

Consumo de Óleo Diesel (L/mês)

1.680.885

Consumo específico de Óleo Diesel (L/kWh)

0,3303

Geração Bruta de Energia (kWh/mês)

5.088.120

Preço por Litro de Diesel para Coari (R$)

2,52

Fonte: Eletrobras/Amazonas Energia, 2010 (Adaptação dos autores).

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Uma proposta de geração de energia elétrica, com a utilização do gás natural, para o Município de Coari – Estado do Amazonas

Proposta de geração de energia com gás natural em Coari Segundo Lora (2004) e Burmeister (2009), para plantas de geração de energia com potências na faixa de até 50 MW, os motores de combustão interna a gás atingem eficiências maiores que os ciclos a turbina a gás na mesma faixa de potência. Observa-se que a opção mais acertada para o aproveitamento do gás natural no município de Coari dar-se-á pela aquisição de grupos geradores (motores de combustão interna), devido à pequena demanda local (12kW). Para a elaboração de uma proposta de geração com utilização do gás natural foi considerado, como estudo, um grupo gerador a gás natural do fabricante GUASCOR POWER, modelo SFGM 560/55 com potência nominal de 914 kW e consumo de gás 5.832 m³/dia. Como serão

disponibilizados 47.000 m³/dia de gás natural, serão necessários 08 (oito) grupos geradores, possibilitando 7.312 kW de potência gerada exclusivamente com gás natural, o que representa 60% da demanda atual da cidade. Como a ponta de carga em dezembro de 2010 foi de 12.158 kW, a parcela da carga (ponta de carga) não atendida com geração a gás (4.846 kW) deverá ser prevista com geração a diesel. A Tabela 03 apresenta a proposta inicial de parque gerador misto de energia elétrica com o aproveitamento do gás natural e complementação com geração a diesel para atender a ponta de carga de 12.158 kW. Este estudo considerou o valor estimado de R$ 1,65/m3 para o gás natural, pois este era o valor comercializado em Manaus, em dezembro de 2010. A Tabela 04 apresenta os custos simulados de geração a gás natural e a óleo diesel.

Tabela 03 - Proposta de um Parque Gerador Misto para o Município de Coari Unidades a Gás Natural Quantidade 08

Potência por Unidade (kW) 914

Potência Total a Gás Natural (kW) 7.312

Quantidade

Potência por Unidade (kW)

Potência Total a Diesel (kW)

05

1.000

5.000

Unidades a Óleo Diesel

Potência Total Disponível 12.312 Fonte: Elaboração dos autores.

Tabela 04 - Custo da Geração com Base no Combustível Utilizado Geração a gás natural Custo unitário do gás natural

R$ 1,65/m³

Consumo mensal de gás natural

1.399.680 m³

Custo mensal com gás natural

R$ 2.309.472

Geração de energia mensal

3.052.872 kWh

Custo da geração

0,756 R$/kWh Geração a óleo diesel

Custo unitário do óleo diesel

R$ 2,52/litro

Consumo mensal de óleo diesel

672.354 litros

Custo total com óleo diesel Geração de energia mensal

R$ 1.694.332 2.035.248 kWh

Custo da geração

0,832 R$/kWh

Fonte: Elaboração dos autores.

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Uma proposta de geração de energia elétrica, com a utilização do gás natural, para o Município de Coari – Estado do Amazonas

Resultados De acordo com estudos realizados pela Eletrobras (2010) e análise da série histórica do município de Coari, a taxa de crescimento do consumo total de energia para o horizonte dos próximos 20 anos (2011-2030) sinaliza um crescimento da ordem de 5,4%, com previsão de consumo de energia, no ano de 2030, de 141.381 MWh; e de carga de demanda em torno de 30.815 kW.

A Tabela 05 sintetiza uma proposta para a geração de energia elétrica para o município de Coari. Foi considerado, no estudo, um horizonte de 20 anos devido ao contrato de disponibilidade de gás natural prevista para a localidade. Ao final dos 20 anos, o custo de geração a diesel será da ordem de R$ 1.223.258.056,00 e a gás natural da ordem de R$ 554.273.280,00, com um custo total de R$ 1.777.531.336,00.

Tabela 05 - Proposta de Geração de Energia Elétrica para o Município de Coari

Ano

Carga de demanda (kW)

Participação de geração a Diesel (%)

Participação de geração a Gás Natural (%)

Custos da energia elétrica gerada a Diesel (R$)

Custos da energia elétrica gerada a Gás Natural (R$)

Custo total da geração de energia elétrica (R$)

2011

12.939

43

57

23.608.765

27.713.664

51.322.429

2012 2013 2014 2015 2016 2017

13.600 14.701 15.891 16.889 17.909 18.709

46 50 54 57 59 61

54 50 46 43 41 39

26.382.071 31.001.451 35.994.241 40.181.471 44.461.006 47.817.503

27.713.664 27.713.664 27.713.664 27.713.664 27.713.664 27.713.664

54.095.735 58.715.115 63.707.905 67.895.135 72.174.670 75.531.167

2018

19.508

63

37

51.169.805

27.713.664

78.883.469

2019

20.311

64

36

54.538.890

27.713.664

82.252.554

2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030

21.429 22.367 23.306 24.245 25.183 26.122 27.060 27.999 28.937 29.876 30.815

66 67 69 70 71 72 73 74 75 76 76

34 33 31 30 29 28 27 26 25 24 24

59.228.578 63.166.551 67.104.523 71.042.496 74.980.469 78.918.441 82.856.414 86.794.386 90.732.359 94.670.332 98.608.304

27.713.664 27.713.664 27.713.664 27.713.664 27.713.664 27.713.664 27.713.664 27.713.664 27.713.664 27.713.664 27.713.664

86.942.242 90.880.215 94.818.187 98.756.160 102.694.133 106.632.105 110.570.078 114.508.050 118.446.023 122.383.996 126.321.968

1.223.258.056

554.273.280

1.777.531.336

Total Fonte: Elaboração dos autores.

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Uma proposta de geração de energia elétrica, com a utilização do gás natural, para o Município de Coari – Estado do Amazonas

A Tabela 06 apresenta uma comparação entre a proposta de geração apresentada neste artigo e a geração de energia elétrica com utilização exclusiva do diesel. Pelos dados apresentados, observa-se que com a introdução do gás natural na matriz elétrica do município de Coari (AM) e sua utilização, no período de 20 anos, conforme prevê o contrato de fornecimento n° OC1902/2006, será possível uma economia da ordem de R$ 366.099.041,00 devido à utilização do gás natural e a consequente redução da utilização do óleo diesel. Conclusão O gás natural disponível, inicialmente, para a geração de energia elétrica no município de Coari (AM) não é suficiente para suprir a demanda total de energia elétrica estimada para o horizonte de 20 anos, considerado neste estudo, o que sinaliza

a necessidade de complementação de geração com grupos geradores a óleo diesel. Assim, com a utilização de uma planta mista (gás e óleo) de geração de energia, a concessionária teria uma economia estimada em R$ 366.099.041,00, ao longo dos 20 anos de vigência do contrato de fornecimento de gás natural; porém, a participação do óleo diesel, como combustível, aumenta ao longo dos anos devido ao crescimento da demanda de energia nesse período. Assim, entendemos ser interessante que novos estudos sejam realizados visando atender toda a demanda de energia elétrica, para o município de Coari, com a utilização exclusiva do energético gás natural, que além das grandes vantagens financeiras, também teríamos maiores benefícios ambientais, considerando que o gás natural, apresenta um índice de emissão de CO2 muito

Tabela 06 - Comparação entre os Custos de Geração Mista e Somente à Diesel

Custos de geração Ano

Mista/Gás e Diesel (R$)

Diesel (R$)

2011

51.322.429

56.107.853

2012 2013 2014 2015

54.095.735 58.715.115 63.707.905 67.895.135

61.240.717 66.538.689 71.963.839 77.477.121

2016 2017 2018

72.174.670 75.531.167 78.883.469

83.032.796 88.580.661 94.067.169

2019

82.252.554

99.437.655

2020 2021

86.942.242 90.880.215

104.533.873 109.903.169

2022

94.818.187

115.272.465

2023

98.756.160

120.641.761

2024 2025

102.694.133 106.632.105

126.011.056 131.380.352

2026

110.570.078

136.749.648

2027

114.508.050

142.118.944

2028

118.446.023

147.488.240

2029

122.383.996

152.857.536

2030

126.321.968

158.226.832

Total

1.777.531.336

2.143.630.377

Economia

366.099.041

Fonte: Elaboração dos autores.

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Uma proposta de geração de energia elétrica, com a utilização do gás natural, para o Município de Coari – Estado do Amazonas

menor que os combustíveis líquidos derivados de petróleo. Bibliografia ANP - Agência Nacional do Petróleo, Gás natural e Biocombustíveis. Anuário estatístico brasileiro de petróleo, gás natural e biocombustíveis 2008. Disponível em: www.anp.gov. br/doc/anuario2008/T2.6.xls. BONFIM, M. dos S. Considerações sobre a utilização do Gás Natural na geração de energia elétrica em municípios da região amazônica. Dissertação de Mestrado em Energia. Instituto de Eletrotécnica e Energia - Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008. BURMEISTER , W. S. C. Central elétrica com motor a gás. Dinamarca, 2009. Acesso em: 04 de dezembro de 2009. Disponível em: www. bwsc.dk/pt/products/gas-engine-power-plant. CIGÁS, Companhia de Gás do Amazonas. Contrato do Suprimento de gás natural N OC1902/2006. Eletrobras - Centrais Elétricas Brasileiras. Sistemas Elétricos Isolados, Análise do Mercado de Energia Elétrica. Rio de Janeiro, 2008. Eletrobras/Amazonas Energia. Relatório da Situação Operacional das Usinas Termelétricas do interior do Amazonas. Amazonas Energia, 2010.

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GUASCOR POWER. Especificação técnica Grupo gerador SFGM560/55, Gás Natural. Espanha, 2010. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produto Interno Bruto dos Municípios – PIB 2008. LORA, E. E. S. et. al. Geração Termelétrica – Planejamento, Projeto e Operação. Rio de Janeiro: Interciência, 2004. Petrobras – Petróleo Brasileiro S/A. Relatório de impactos ambientais - Gasoduto CoariManaus. Manaus, 2004. Petrobras – Petróleo Brasileiro S/A. Relatório sobre o Projeto Gasoduto Urucu - Manaus. Rio de Janeiro, 2007. SEPLAN. Anuário Estatístico do Amazonas. 2010. Willamy Moreira Frota é engenheiro eletricista, mestre em Planejamento Energético e doutor em Engenharia Elétrica. Arianne Araújo Gomes é mestranda pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). (ari_nani@hotmail.com) Arnilson Damasceno é mestrando pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). (arnilsondamasceno@hotmail.com) Danyell Barros é mestrando pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). (danyellbarros@yahoo.com.br)


Artigo

Contextualização do desenvolvimento regional e suas possibilidades econômicas na Amazônia André Vilhena de Oliveira e Nidianne Cavalcante Nascimento

Introdução O arcabouço histórico da Amazônia exibe diversas facetas com relação a sua organização, produção e integração econômica com o capital nacional e internacional (FREITAS, 2004, P. 146). O que chama atenção ao estudar tais processos, é o fato de eles estarem sempre em perfeita articulação com os interesses de grandes e hegemônicos capitais privados e com os do poder central do Brasil. Disso se deduz que o processo de formação econômica e social da Amazônia foi, recorrentemente, construído a partir de interesses alheios à região. Isto pode ser melhor visualizado quando se analisa a fundo os grandes projetos de migração em massa, os de extração de bens para indústria mineral, os de criação de novas matrizes energéticas, de extração de produtos vegetais, e finalmente, em que pese as controvérsias mas nem por isso plenamente descartados, os que concebem a região como uma fronteira móvel a serviço do capital. A lógica dominante na atualidade é que o processo de melhoria na qualidade de vida dos indivíduos está calcada na ideia de que inicialmente deve haver algum dinamismo econômico que desencadeie etapas seguintes. É esse pensamento que justifica a busca de alternativas econômicas que sirvam de precursores ao processo de consolidação do desenvolvimento econômico da Amazônia. Um dos pilares para o sustento destas alternativas é a de criação de um sistema de infraestrutura,

notadamente, um sistema de transporte, que as subsidiem. Entretanto, é conveniente inquirir se a integração física da Amazônia a outras regiões incorpora as condições requeridas pelo conceito de sustentabilidade. A noção de um processo de alavancagem econômica acompanhada da manutenção do equilíbrio dos ecossistemas tem sido uma constante preocupação mundial. Admite-se a possibilidade de harmonização entre crescimento econômico e preservação ambiental, mas sua efetivação real ainda possui muitas lacunas. E é em torno desta temática que este trabalho se propõe a lançar alguma luz. A origem do processo de inversão em infraestrutura na Região Amazônica Segundo CAMPOLINA (1995, p. 30), do ponto de vista regional, o sistema de transportes se destaca pela sua capacidade de ampliar o espaço econômico, ao viabilizar a incorporação da fronteira e ao condicionar o sentido dos fluxos e do desenvolvimento regional. GIANSANTI (1998, p. 79) destaca que a grande herança das políticas de integração nacional foi a criação de grandes eixos transversais como a Transamazônica e a Perimetral Norte, e as intra-regionais como Cuiabá – Santarém e Porto Velho – Manaus, além das rodovias Belém – Brasília e Brasília – Acre. Os projetos de colonização estatal e privada para a produção agrícola e pecuária deveriam situar-se às margens das rodovias federais, por isso, eram chamadas de

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Contextualização do desenvolvimento regional e suas possibilidades econômicas na Amazônia

eixos de desenvolvimento. Estes investimentos tinham como pano de fundo o abrandamento de tensões sociais em grandes centros urbanos, a consolidação do processo de ocupação do território amazônico e a produção de alimentos para abastecer os mercados interno e externo. Como consequência destas iniciativas, o autor coloca o avanço do desmatamento e o acentuado deslocamento de populações indígenas. A base das ações integradoras executadas na Amazônia estava em interesses geopolíticos que buscavam fundamento em alternativas econômicas transitórias, decorrente de uma preocupação em integrar o território amazônico ao resto do País, sendo oportuno que se ressalte que todos os projetos de integração nacional para a Amazônia, acarretaram passivos em termos ambientais e sociais (BECKER, 2005, p.03). A autora informa que as ações de caráter infraestruturante para a região amazônica começaram com a implantação do “Estado Novo” no governo Vargas, em que pese o caráter mais discursivo que ativo dessas ações. Mais adiante, a necessidade de unificar o mercado nacional, em resposta ao avanço da industrialização, desencadeou a abertura da região no governo de Juscelino Kubischek. A política desenvolvimentista implantada no país durante a segunda metade do século 20, onde foram realizados vultosos investimentos¹ em infraestrutura, objetivava estimular o crescimento econômico das regiões atrasadas ou vazias e de integrá-las à economia nacional.

É pertinente que se avalie o impacto do legado deixado por esse período, que representou um verdadeiro momento de devassamento da região, para que se possa ponderar sobre o que o processo de integração física torna à Amazônia em termos mais que meramente econômicos. É necessário que se considerem os fatores sociais e ambientais que foram envolvidos. E é analisando com base nestes dois enfoques que BECKER (2005, p.08) aponta como pontos negativos² no desenvolvimento da infraestrutura, a intensificação da migração e a mobilidade da força de trabalho, o desflorestamento e o desrespeito às diferenças sociais e ecológicas. Propostas atuais de modernização da infraestrutura e o paradigma da sustentabilidade Na atualidade, o gigantismo amazônico aliado a sua densidade florestal podem ser percebidos como obstáculos a serem vencidos com vistas a dinamizar o fluxo comercial na região, instigando investimentos privados e investimentos públicos na região com vistas à concepção de eixos de desenvolvimento e integração por meio da priorização de investimentos em infraestrutura, procurando precisamente integrar os mercados e criar as vias de integração competitiva do Brasil. Desalinhado com as questões levantadas pela abordagem da sustentabilidade, SCHUBART (1988, p.103) coloca que as ações governamentais como a consubstanciada no programa

¹ Campolina (2005, p. 30) afirma que durante esse período a capacidade de geração de energia elétrica subiu de 11 para 37 milhões de kw entre 1970 e 1980 e para aproximadamente 60 milhões em 1990, sendo a quase totalidade de propriedade de empresas estatais. A malha rodoviária pavimentada, estadual e federal, subiu de dois mil km em 1955 para 50 mil km em 1970 e 130 mil km em 1990. O sistema de telecomunicações, até então privado, operava em condições precárias até o final da década de 50, foi estatizado, ampliado e modernizado, o que permitiu integrar praticamente todas as cidades brasileiras, inclusive da região amazônica. O número de terminais instalados subiu de 1,42 milhão em 1972 para 5,09 milhões em 1980 e 9,31 milhões em 1990. ² É totalmente perceptível quando a autora aventa como ponto negativo o desflorestamento e o desrespeito às diferenças sociais e ecológicas. Entretanto, nos parece razoável levantar que a mobilidade da força de trabalho pode ter um caráter ambíguo, pois à luz da teoria econômica do modelo neoclássico, a mobilidade dos fatores de produção tem o condão de nivelar regiões díspares no que se refere ao nível de desenvolvimento econômico.

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Contextualização do desenvolvimento regional e suas possibilidades econômicas na Amazônia

Avança Brasil³ propuseram um conjunto articulado de projetos de logística para todo o país, especialmente na área de transportes, a serem financiados pelo governo e pelo setor privado. Para a Amazônia, o programa reservava a implantação dos Eixos4 Nacionais de Integração e Desenvolvimento, e para isso previa a abertura ou consolidação de rodovias e hidrovias, que objetivavam racionalizar o escoamento da produção agrícola do país, além de estimular o desenvolvimento socioeconômico nas áreas de sua influência. Planejados sob a lógica econômica, esses eixos procuravam atingir a eficiência em termos de custos e benefícios monetários, não se preocupando prioritariamente com a conservação da biodiversidade. No atual governo, o Plano de Aceleração do Crescimento – PAC, possui grandes projetos de infraestrutura para a Amazônia no que se refere aos transportes, tendo como objetivos5: superar limites estruturais e ampliar a cobertura geográfica da infraestrutura de transportes; aumentar a eficiência produtiva em áreas consolidadas; induzir o desenvolvimento em áreas de expansão de fronteira agrícola e mineral; reduzir as desigualdades regionais em áreas deprimidas e integrar a região Sul-Americana6. Num contexto mais amplo que o nacional, mas seguindo este mesmo fito é que se apresenta a Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana – IIRSA, cuja proposta central é, entre outras, solucionar os problemas que inibem o comércio intrarregional e

encontrar as alternativas para melhorar o fluxo de mercadorias através de ações de melhorias em relação à situação da infraestrutura e o pôr termo aos principais entraves ao andamento do comércio inter-regional, ou seja, as barreiras naturais da América do Sul, conforme observação da Figura 01. Os objetivos a serem alcançados por este projeto, conforme o Seminário Sub-regional organizado pelo Comitê de Coordenação Técnica do IIRSA, em setembro de 2003, em Lima apud Paim (2003, p. 05), são: • Apoiar a integração de mercados para melhorar o comércio intrarregional, aproveitando primeiramente as oportunidades de integração física mais evidentes; • Apoiar a consolidação de cadeias produtivas para alcançar a competitividade nos grandes mercados mundiais; • Reduzir o custo sul-americano através da criação de uma plataforma logística vertebrada e inserida na economia global. PAIM (2003, p. 05) argumenta que a ideia de desenvolvimento regional defendida pela Iniciativa de Integração está em último plano, pois existem muitos interesses de grandes conglomerados empresariais. Essa concepção de desenvolvimento regional defendida pelo modelo de integração percebido no IIRSA destoa da argumentação de BOISIER (1989), que concebe o desenvolvimento

³ Um conjunto de 50 programas e projetos estratégicos concebido no governo FHC foi selecionado para dar foco à ação de governo nos próximos dois anos e garantir a continuidade das transformações sociais e econômicas de que o país necessita, fortalecendo o processo de retomada do desenvolvimento econômico em “bases sustentáveis”. 4 Eixos de integração são as faixas geográficas abrangendo vários países que concentram ou que possuem potencial para desenvolver bons fluxos comerciais, visando formar cadeias produtivas e assim estimular o desenvolvimento regional. 5 Disponível em: http://www.transportes.gov.br/PAC/PAC22jan2007.pdf 6 Coy e Gerd K. (2005, p.56) acrescentam ainda que, no PPA 2004-2007, para a Amazônia, consta a implantação da hidrovia do Madeira, que se conjuga em um projeto energético – as duas hidrelétricas do rio Madeira - com um projeto de transporte e principalmente de fomento a expansão agrícola, que é a hidrovia do alto do Madeira. Esse projeto tem características e abrangências internacionais, sendo concebidas a partir do IIRSA.

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Figura 01 – Mapa da Conexão IIRSA. Fonte: http://planettrailsfoundation.org.

regional como dependente em grande medida da capacidade social da população local em criar um quadro de elementos políticos, institucionais e sociais, capazes de direcionar o crescimento provocado por forças exógenas, para obter o desenvolvimento. Essa força é completamente interna e está associada ao aumento da autonomia de decisão da região, ao aumento da capacidade regional para reter e reinjetar o excedente gerado pelo processo de crescimento, a uma permanente e crescente melhora social (qualidade de vida), à preservação do meio ambiente e defesa de interesses locais, não visualizados por agentes da dinâmica externa. PAIM (2003, p.33) destaca ainda, que o modelo de desenvolvimento do IIRSA se apresenta como solução para os diversos problemas socioeconômicos que os países da América do Sul enfrentam há muitos anos. Assim sendo, se espera que a implementação desse modelo alcance tais resultados sem deteriorar recursos naturais.

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Quando se observam os princípios cultivados pelo IIRSA, consta que um deles se refere à sustentabilidade em pelo menos 04 vieses: econômico, social, ambiental e político-institucional. De fato, a ideia de sustentabilidade defendida pela iniciativa abarca o que SACHS (2002, p.85-88) desenvolve a respeito do tema. Contudo, não há garantias que um posicionamento expresso se converta em algo concreto. Por isso, a simples afirmação de que o projeto é compatível com o conceito de desenvolvimento sustentável não o torna isento de qualquer crítica neste sentido. SACHS (2002, p.32) coloca que a conservação e o aproveitamento racional da natureza podem e devem se coadunar seja qual for o modo pelo qual se equacionará a questão. O uso produtivo não necessariamente precisa prejudicar o meio ambiente ou destruir a diversidade, se houver a consciência de que todas as nossas atividades econômicas estão baseadas em recursos naturais.


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Considerações Finais Parece razoável defender a ideia de que a Amazônia, em maior ou menor grau, se manteve em certa medida preservada em razão da reduzida conectividade com outras regiões. Por isso, é perfeitamente compreensível que uma proposta que vise intensificar os fluxos de transportes em seu território cause o temor do agravamento da degradação ambiental e social. As decisões econômicas e políticas, no que diz respeito à expansão e à modernização do sistema de infraestrutura de transportes, sempre tiveram um papel decisivo em termos regionais no Brasil. Parece coerente a argumentação de que as regiões dotadas de um sistema de infraestrutura mais robusto, apresentam um melhor desempenho econômico no cenário nacional. Então, analisando a proposta do IIRSA precipuamente pelo prisma econômico, cabe considerar relevante os argumentos de SANT’ANNA (1995), quando enxerga vantagens na localização estratégica da região amazônica, situada exatamente em ambos os lados da linha equatorial, que a corta de leste a oeste, sendo a ponte de ligação entre o Atlântico Sul e o Atlântico Norte, pois este é, conforme o autor, uma das áreas do mundo mais densas em intercâmbio comercial. Desse modo, o desenvolvimento de uma rede de transportes na Amazônia pode, em médio prazo, oferecer uma porta para o Atlântico a várias nações que, no momento, têm no Oceano Pacífico sua única saída para o mar. Esse intercâmbio contribuirá significativamente para ampliar o mercado regional, proporcionando ao polo de Manaus excelentes oportunidades para consolidar-se como centro industrial e principal fornecedor de produtos manufaturados, não apenas para o mercado brasileiro, mas também para os países limítrofes. As instituições devem ser repensadas neste momento, os investimentos redirecionados, para então voltarmos a falar em crescimento econômico que é um termo relacionado ao aumento da renda per capita de uma economia, é um aumento puramente quantitativo, enquanto o desenvolvimento econômico é um conjunto de mudanças qualitativas na utilização dos recursos

econômicos, mudanças estas que aumentam os indicadores de bem-estar econômico e social. Assim como em qualquer tipo de investimento, não basta ter um grande montante de recursos e aplicá-los em qualquer negócio, sem antes fazer um longo estudo para avaliar as possibilidades de crescimento e rendimento do investimento. Da mesma forma, os governos devem avaliar onde e principalmente como está sendo aplicado o dinheiro público para evitar fraudes, desperdício em sistemas improdutivos ou pouco eficientes dentre outros problemas, a fim de promover um real crescimento econômico dentro de um menor prazo e com os mínimos recursos possíveis. No entanto, será necessário que o reforço do intercâmbio com as demais regiões do país e com o mercado mundial, seja conduzido por interesses próprios e peculiares à região, e não apenas em um regime puramente reflexo e dependente de economias mais desenvolvidas. Por fim, um modo prático de tornar a dinâmica econômica da região mais justaposta à noção de desenvolvimento sustentável seria, conforme defende COY E GERD K. (2005, p.61), por meio da internalização dos custos ambientais de modo a enquadrá-los na composição dos custos totais a fim de que tomem parte no financiamento do desenvolvimento sustentável.

Fonte: Google Images

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Bibliografia BECKER, Bertha K. - Amazônia: Nova Geografia, Nova Política Regional e Nova Escala de Ação. In: COY, Martin, KOHLHEPP, Gerd. Amazônia Sustentável: Desenvolvimento Sustentável Entre Políticas Públicas, Estratégias Inovadoras e Experiências Locais. Rio de Janeiro: Ed. Garamond/ Tübinger Geographische Studien, 2005a, p. 23-44. BOISIER, S. Política Econômica, Organização Social e Desenvolvimento Regional. In: HADDAD, P.R. (org) Economia regional: Teorias e Métodos de Análise. BNB, Fortaleza, 1989. CAMPOLINA, Clélio. A dinâmica regional recente da economia brasileira e suas perspectivas. Ipea, jun. 1995 (Texto para Discussão, 375). CAMPOLINA, Clélio/LEMOS, Mauro Borges (orgs). Economia e território. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. FREITAS, F. A. Análise sobre a linha de pobreza pela ótica da renda dos municípios do Estado do Amazonas. Manaus: SEPLAM-AM. 2004. GIANSANTI, Roberto. O desafio do desenvolvimento sustentável. São Paulo: Atual, 1998. p. 78. PAIM, Elisangela Soldatelli. IIRSA é esta a integração que nós queremos? Núcleo Amigos da Terra / Brasil. Dezembro 2003.

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SCHUBART, Herbert O.R. “Política e Meio Ambiente para a Amazônia”. In Amazônia Brasileira em Foco, n.17. 1988. (I Congresso Nacional de Defesa e Pelo Desenvolvimento da Amazônia), (pp.103-111). SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. p 85. SANT’ANNA, S.J.S.; Dutra, L.V. SAR texture discrimination using AR-2D models for Amazonian land use classification. In: Simposio de Especialistas Latinoamericanos en Percepción Remota (SELPER), 7, México, nov. 1995. Latinoamérica evaluada desde el espacio. México, s.e., 1995, p. 516-523. André Vilhena de Oliveira é doutorando em Engenharia Civil na COPPE/UFRJ, mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho e engenheiro Florestal pela Universidade do Estado do Amazonas, e filósofo pela UFAM. Nidianne Cavalcante Nascimento é mestranda em Engenharia de Produção na COPPE/UFRJ, especialista em Planejamento e Gerenciamento de Águas pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), engenheira de Segurança do Trabalho e engenheira de Produção pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA).


Artigo

Perspectivas sobre a utilização sustentável das fibras da castanha-de-cutia como material de reforço Tayana Mara Freitas da Cunha e Consuelo Alves da Frota

Resumo A exploração sustentável da floresta amazônica oferece uma possibilidade extremamente interessante e versátil na obtenção de novos materiais que exibam propriedades semelhantes aos polímeros naturais. Dentre os disponíveis, a fibra da castanha-de-cutia (Couepia edulis (Prance) vem estimulando a busca de novas potencialidades desta espécie vegetal no que tange às propriedades mecânicas, pois podem apresentar melhor estabilidade térmica e maior resistência. A castanha-de-cutia é um fruto fibroso encontrado na Amazônia Ocidental, cuja inserção no mercado ainda é sutil pela falta de beneficiamento e tecnologia e, dessa forma, neste trabalho são sumarizados os dados obtidos sobre a utilização desta fibra, oriunda da casca do fruto, com a finalidade de contribuir para o uso agroindustrial desta espécie, até então pouco explorada na região. Para tanto, o trabalho em pauta caracterizou a fibra por meio de

revisão bibliográfica, bem como na realização de análise térmica (Termogravimetria). Os resultados obtidos demonstraram viabilidade de uso desta fibra, evidenciados pela resistência à temperatura e elevado teor de lignina, sendo possível atuar como excelente agente de reforço. Palavras-chave: fibra natural, castanha-decutia, termogravimetria. Introdução O uso de recursos naturais como matérias-primas provenientes das terras, águas e florestas na Amazônia brasileira constituem uma realidade na produção e reprodução do modo de vida dos grupos sociais tradicionais locais e, portanto, o incentivo do uso sustentado dos recursos naturais da Região Amazônica, proporcionando o desenvolvimento de práticas economicamente sustentáveis, socialmente justas e ambientalmente corretas.

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Desta forma, existe uma grande variedade de plantas que produzem sementes oleaginosas e crescem espontaneamente no imenso território que forma a bacia do Rio Amazonas, como é o caso da Couepia edulis (Prance), conhecida popularmente como castanha-de-cutia, conforme o Quadro 01. Pertencente à família Chrysobalanaceae, estudos realizados por Prance (1975) conferem a esta árvore endêmica da região, com altura média de 25 m, localizada em ecossistemas de várzea, as etapas de floração e frutificação, que ocorrem geralmente entre os meses de fevereiro e março. Segundo Leandro (2006), os frutos da castanha-de-cutia apresentam casca densa, lisa e muito rígida, cuja castanha apresenta-se como uma amêndoa de cor branca. As sementes dessas espécies vêm sendo, discretamente, utilizadas na produção de óleos vegetais, entretanto ainda não há o reaproveitamento dos resíduos da extração desse processo, o que ocasiona geração de resí-

Extrativista do Médio Juruá (AM), que atua na exploração econômica de óleos vegetais nativos a partir da criação de uma infraestrutura, financiada pelo PNUD/MME, capaz de extrair óleos, de uma forma mecanizada e racional, conciliando o desenvolvimento autossustentável, social e econômico resultando na preservação da floresta, além da inserção de novos produtos oriundos de fontes naturais (CASTRO, 2006). A obtenção das fibras da Couepia edulis (Prance) consistiu da separação da amêndoa e casca por prensagem, seguida de trituração, em moinho de facas, das cascas do fruto, conforme o Quadro 01. A análise termogravimétrica (TG) das amostras foi realizada em um termoanalisador TG/DTA simultâneo SHIMADZU, modelo DTG-60H. Aproximadamente 10 mg de amostra foram aquecidos continuamente, com taxa de aquecimento 10oC min-1, faixa de temperatura de 25 a 800oC, sob fluxo de nitrogênio - N2.

Quadro 01 - (a) Fruto Couepia edulis Prance (castanha-de-cutia), (b) Corte transversal do fruto, (c) Cascas do fruto e (d) Casca do fruto triturada (fibra). Fonte: Pesquisa de campo, 2010.

duos que possuem potencial fonte de aplicação para materiais de reforços por se tratar de fibras duras com ótimo índice de rigidez. Obtenção e caracterização das fibras Os frutos da castanha-de-cutia foram coletados na comunidade do Roque, localizada na Reserva

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Características da Fibra da Castanha-decutia A utilização de fibras naturais como reforço de materiais vem sendo realizada visando obter melhores propriedades mecânicas dos materiais. Isso porque pautada nos valores de lignina, cuja distribuição espacial age como uma rede que


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contribui para reduzir a área superficial disponível para a penetração enzimática, o que dificulta a degradabilidade das moléculas (VAN SOEST, 1994). Esta característica rejeita o uso das cascas da castanha-de-cutia para produção de papel, entretanto, recomenda o seu uso como aditivo para reforço de materiais, visto que apresenta comportamento viscoelástico, excelente material para aplicação no campo da engenharia e, dessa forma, observa-se uma gama de aplicações desse resíduo. Por meio da análise da estrutura da castanha-de-cutia, observam-se cascas fibrosas, o que acarreta seu aproveitamento seja como matéria-prima para a queima e simples confecção de carvão, bem como elemento para uso como aditivo de reforço em materiais estruturais. A viabilidade das fibras da casca do fruto da Couepia edulis (Prance) está apoiada principalmente no rendimento, em peso, de fibra de 71% e nos valores de lignina registrados por Pessoa e colaboradores (2005), variando de 30 a 35%, esses valores são superiores aos de sisal (Fagury, 2005), (7 a 11%) e juta (15%), mas inferiores ao de coco (35 a 45%) (Carrijo, 2002), que confere uma maior resistência e dureza ao material de interesse (Martin, 2009).

A castanha-de-cutia apresentou alto potencial comercial e, por conseguinte, espera-se que as informações neste trabalho possam estimular o interesse econômico por esta planta, melhorando as condições socioeconômicas das famílias envolvidas com atividades extrativistas na floresta amazônica e estimulando a realização de novos estudos que possam descobrir novas potencialidades desta espécie vegetal brasileira ainda pouco conhecida. O uso social do extrativismo da castanha-de-cutia realizado pelas comunidades locais envolvidas é viável e possibilita o desenvolvimento do setor econômico gerando qualidade de vida, na medida em que possibilita a valorização do potencial da espécie, proporcionando o resgate dos aspectos culturais e sociais, por meio da pesquisa e desenvolvimento de trabalho com matérias-primas locais, já que se constitui como possibilidade de renda sustentável de recursos encontrados que seriam racionalmente manejados pelos sujeitos locais. A Figura 01 mostra as curvas termogravimétricas da fibra da castanha-de-cutia (FCC).

Figura 01 - Curva Termogravimétrica da fibra da Castanha-de-cutia (FCC). Fonte: Próprio autor.

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Relativo ao comportamento térmico para a fibra natural - FCC (Figura 01) observou-se três processos de perda de massa; a primeira, até 100oC, com redução de aproximadamente de 11% em massa, característico de perda de umidade. Também houve uma variação a partir de 250oC, com perda de 40% da massa atribuída à decomposição da hemicelulose e quebra de ligações da celulose. A última etapa ocorreu a partir de 380oC, devido à decomposição final da celulose e da lignina, com teor final de resíduos de 20%. A temperatura na qual 50% de decomposição da massa é considerada como um índice da estabilidade térmica do material. Para a amostra de FCC observou-se que esta redução da massa inicial ocorreu em 360oC. A fibra natural, proveniente da trituração de frutos da castanha-de-cutia, apresentou como principal constituinte a componente lignina, com cerca de 30% em massa, sendo responsável pela resistência da estrutura e, portanto, boa resistência térmica em atmosfera inerte, viabilizando a utilização deste material. Conclusão A agressão deliberada ao meio ambiente induz à compreensão abrangente e coesa da utilização da vasta biomassa da região amazônica e, dessa forma, introduz matérias-primas alternativas oriundas da ideia prévia de desenvolvimento limpo, corresponde à certeza do desenvolvimento sustentável. Neste sentido, o artigo em pauta analisou a possibilidade de utilizar um passivo ambiental, cascas do fruto da castanha-de-cutia - descartadas após uso do fruto, como fibra de reforço tratando-se de uma solução inovadora e ecologicamente correta. A biodiversidade amazônica resulta numa ampla variedade de espécies com um grande potencial, entre elas, a utilização de um passivo ambiental (cascas trituradas do fruto castanha-de-cutia) analisadas neste artigo, cujos resultados evidenciaram: boa resistência térmica e altos teores de lignina, indicativo de resistência e dureza ao material analisado.

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Bibliografia 1. CASTRO, J.C., Figliuolo, R., Nunomura, S.M., Silva, L.P., Mendes, N.B., Costa, M.S.T., Barreto, A.C., Cunha, T.M.F., Koolen, H.H.F. “Produção Sustentável de Biodiesel a partir de oleaginosas amazônicas em comunidades isoladas”, in: Resumos do I Congresso da Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel. Brasília, Brasil, 2006. 2. Carrijo, O.A; Liz, R. S.; Makishima, N.; Hortic. Bras., 20,4 (2002). 3. Fagury, R.V.G.; “Avaliação de fibras naturais para a fabricação de compósitos: açaí, coco e juta”, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Pará, Brasil, (2005). 4. LEANDRO, R.C; Yuyama, K.; Acta Amazônica, 38, 597 (2008). 5. LIMA, C.K.M. Estudo da incorporação de resíduo industrial polimérico ao CAP. Dissertação de Mestrado, Natal, RN, Brasil, 2008. 6. Martin, A.R.; Martins, M. A.; Mattoso, L.H.C.; Silva, O.R.R.F.; Polímeros. 19, 1 (2009). 7. PESSOA, J.D.C; Leeuwe, O.B.G.A; Braz. D.C; Gomes, J.I; Silva, S.E; Kanno,S.S.; Embrapa Instrumentação Agropecuária, 2005. 8. VAN SOEST, P. J.; The Nutritional Ecology of the Ruminant. 2nd ed. Ithaca: Cornell University Press, 1994. Tayana Mara Freitas da Cunha é química, especialista em Gestão Ambiental e mestre em Engenharia de Recursos da Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). (tayanamfc@yahoo.com.br) Consuelo Alves da Frota é engenheira civil e pós-doutora. Universidade do Tennesse, Estados Unidos. Departamento de Geotecnia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). (cafrota@ufam.edu.br)




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