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O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia

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FUCAPI

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Cavaco

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Charles Clement Adalberto Val José Arnaldo de Oliveira

nh age a m

Ano I - Número 1II - Dezembro de 2003 . ISSN - 1678-3824 Publicação Quadrimestral da FUCAPI - Fundação Centro d Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica.

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serragem da madeira Roxinho, também cha

úba

de Pó

do

e

em da Palmeir g a a rr

T&C Amazônia

Biopirataria desafia o Brasil a Tomar conta da Amazônia age m

Reportagem

da ma de

ira

Mu ira pir a

ng a

Estratégias do governo para resgatar a economia e preservar os recursos naturais do Estado

A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectivas Moisés de Souza Marcos Silveira Maria Rosélia Lopes Lisandro Vieira Edson Guilherme Armando Calouro Elder Morato

Cava a co de serragem da madeira da Macacaú b

ac acaú ba

Entrevista com Virgilio Viana ,Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas

Pó d

M da a r i e serragem da made


E D I TO R I A L

SUMÁRIO

No atual estágio evolutivo da sociedade, o conhecimento tem alcançado o status de principal propulsor da produtividade e, conseqüentemente, do desenvolvimento econômico. Contribui de modo efetivo para a construção de uma realidade para a qual tem sido cunhado o termo sociedade do conhecimento. A conquista de um nível superior de qualidade de vida para uma parcela cada vez mais significativa de cidadãos – um objetivo a ser coletivamente perseguido – não é um desafio a ser sobrepujado apenas pela ampliação da capacidade da sociedade de gerar ou absorver conhecimento. É necessário, sobretudo, disseminá-lo, permitindo a sua disponibilização e uso ampliados, estimulados por esse compromisso com a construção do bem comum. A mesma perspectiva que impõe ao conhecimento uma performance econômica, catapulta ao desempenho de um novo papel – agora de protagonistas – as variáveis informação, tecnologia e aprendizado. Associada a uma crescente codificação do conhecimento, observa-se uma demanda por soluções cada vez mais arrojadas para a transmissão dos grandes volumes de informação. Com isto, ampliam-se as redes de comunicação, que por sua vez provocam a sofisticação dos requisitos técnicos vigentes. Estas são as características do ambiente no qual tem germinado a sociedade da informação. A sociedade do conhecimento acelera o metabolismo da sociedade da informação, e vice-versa. A informática é um instrumento crucial para ambas. Tomando parte nessa estimulante discussão, T&C Amazônia dedica o espaço desta edição a uma diversificada combinação de relato de projetos, apresentação de idéias e opiniões, contribuições através de textos técnicos. Um mosaico,

ENTREVISTA Estratégias do Governo para Resgatar a Economia e Preservar os Recursos Naturais do Estado Virgílio Viana........................................ 02 REPORTAGEM Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia.............................07 De Espécies a Especiarias Cláudio Ruy Vasconcelos da Fonseca, Maria de Fátima Mendes Acácio Bigi....16 O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia Charles R. Clement, Alberto L. Val, José Arnaldo de Oliveira...............................21 REPORTAGEM A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia.............32 Recursos Hídricos Urbanos - Proposta de um Modelo de Planejamento e Gestão Integrada e Participativa no Município de Manaus - AM Andréa Viviana Waichman, João Tito Borges...................................................39 Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva Moisés B. de Souza, Marcos Silveira, Maria Rosélia M. Lopes, Lisandro Juno S. Vieira, Edson Guilherme, Armando M. Calouro, Elder F. Morato.......................44 Redes Solidárias e Mercado Justo: Alternativas para a Planetaridade Sustentável Maria Katherine Santos de Oliveira, Regina Melo..........................................56

em escala reduzida, representando as inúmeras possibilidades de abordagem do amplo alcance da informática.

Um tema

sempre atual, renovado, e talvez por isso mesmo inesgotável. O propósito deste volume está fundamentalmente voltado ao fomento de uma discussão que, justamente por essa

Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importação + Industrialização Orientada para as Exportações Antônio José Botelho............................60

amplitude, exigirá sequência em edições futuras. E T&C Amazônia não se furtará a oferecer espaço a esses desdobramentos. Os editores.

Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus Maciel, Jussara Socorro Curi, Nogueira, Vicente Paulo Queiroz..........................67


Estratégia do Governo para Resgatar a Economia e Preservar os Recursos Naturais do Estado

ESTRATÉGIAS DO GOVERNO PARA RESGATAR A ECONOMIA E PRESERVAR OS RECURSOS NATURAIS DO ESTADO Declarando-se comprometido com a efetiva implantação de um modelo econômico que promete resgatar não só a dignidade da sobrevivência no interior do Estado, como a ética e as relações da geração atual com as gerações futuras, o secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Governo do Amazonas, VirgílioViana, aposta da posição estratégica do Estado, que é o menos degradado, e do País - o primeiro no ranking mundial dos países com maior cobertura de florestas,

para

estabelecer

parcerias

internacionais e assim incentivar a inovação tecnológica e uma maior acesso dos produtores locais ao mercado justo. Nesta entrevista à T&C Amazônia, Virgílio Viana descreve os caminhos do projeto Zona Franca Verde e fala também como

QUEM É VIRGÍLIO VIANA

pretende estimular o desenvolvimento, garantindo, ao mesmo tempo, a preservação

Ph.D. formado pela Universidade de Harvard,

ambiental no Amazonas, que já conta com um

professor da Esalq/USP e secretário de Meio

área protegida, correspondente ao território total

Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do

da Costa Rica ou da Suíça. Ele não só acredita

Estado do Amazonas (SDS).

que isto é possível, como afirma ter nas populações tradicionais da Região os seus maiores aliados. T&C Amazônia - O que é o programa Zona Franca Verde (ZFV) e em que contexto ele se insere?

VV - É um programa de desenvolvimento sustentável que tem os tripés convencionais da sustentabilidade econômica, social e ambiental. 2

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Estratégia do Governo para Resgatar a Economia e Preservar os Recursos Naturais do Estado

Uma preocupação com a ética e as relações

e que envolvem articulações de quinze

da nossa geração com as gerações futuras. Ele

secretarias

se insere num contexto de um Estado que é o

mesorregionais, algumas dessas ações

maior do Brasil, é o menos degradado e é, depois

desenvolvidas pela própria Secretaria do Meio

do Brasil, o segundo lugar no ranking

Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Uma

internacional de cobertura de floresta tropicais.

delas está relacionada com o estímulo ao

É um Estado que tem uma posição estratégica

manejo florestal de pequena escala, onde nós

não só para o Brasil como para o mundo.

já tivemos um número muito grande de ações

Possuímos uma área superior à

feitas.

em

torno

também

de

o

programas

estímulo

ao

existente na República Democrática do Congo,

etnodesenvolvimento dos povos indígenas por

segundo colocado no ranking mundial dos

meio do planejamento participativo com as

países com maior cobertura de florestas

comunidades indígenas. O licenciamento

tropicais. O Brasil é o primeiro colocado. Por

ambiental, o estímulo à produção de borracha

isso, essa posição estratégica do Amazonas

e da castanha, enfim, são diversas realizações,

precisa ser utilizada com inteligência,

como a educação ambiental, em parceria com

transformando essa riqueza em oportunidade

a Seduc e outras diversas parcerias com

para a melhoria da qualidade de vida,

secretarias de Governo. Além disso, podemos

especialmente

incluir a criação de novas unidades de

dos

segmentos

mais

empobrecidos da população.

conservação no Estado.

Além disso, o Programa Zona Franca

As prioridades do programa incluem

Verde foi concebido com a missão de enfrentar

ações emergenciais de melhoria de saúde e

os descaminhos sociais e ambientais que

educação, combinadas a ações de melhoria da

acompanham o Amazonas desde o pós-ciclo

segurança alimentar, de manejo sustentável de

econômico da borracha, no início do século

recursos florestais e pesqueiros, além da

passado, aliados aos desafios proporcionados

proteção ambiental. A estratégia é baseada num

pelas imensas distâncias, heterogeneidades,

enfoque de cadeia produtiva, direcionado para

dificuldades logísticas e custos de transporte

resolver os gargalos identificados pelos atores

do maior Estado brasileiro. O resultado disso

sociais e agentes econômicos envolvidos.

criou grandes bolsões de pobreza e

Esses desafios são diversos: regularização

analfabetismo, com fortes identidades culturais,

fundiária, crédito, assistência técnica,

sociais e étnicas.

tecnologias de produção e gestão apropriadas, infra-estrutura de transporte, energia e

T&C Amazônia - Quais os projetos

comunicação; dentre outros.

que a Secretaria do Meio Ambiente está desenvolvendo como prioritários entre os

T&C Amazônia - O Governo do

inúmeros que compõem o Zona Franca

Amazonas

Verde?

compromisso com a conservação ambiental.

é

reconhecido

por

seu

De que maneira a Secretaria do Meio VV - São projetos direcionados para

Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

ações multisetoriais, de caráter transdiciplinar

pretende estimular o desenvolvimento e ao

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

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Estratégia do Governo para Resgatar a Economia e Preservar os Recursos Naturais do Estado

mesmo tempo garantir a manutenção dos

institucional da área de ciência e tecnologia se

recursos naturais da Região?

deu somente agora. Um exemplo prático disso é a parceria com a FUCAPI, com quem estamos

VV

-

Estamos

promovendo

a

implementando um programa de apoio ao Pólo

conservação dos recursos naturais criando

Moveleiro de Itacoatiara, incorporando tecnologia

novas unidades de conservação com um total

de design e fabricação de móveis, em

de 4, 2 milhões de hectares de áreas protegidas

colaboração com o SENAI, SEBRAE, prefeitura,

no Estado, o que equivale mais ou menos ao

empresas privadas (Mil Madeiras e Gethal) e

tamanho da Costa Rica ou Suíça. Estamos

associações de produtores locais.

também estimulando o uso sustentável dos recursos naturais por meio de uma nova lei de

T&C Amazônia - Qual o papel que a

incentivos fiscais que promove a produção

Fapeam vai desempenhar no incentivo à

sustentável e desestimula o desmatamento e

inovação? Que estratégias o Governo do

uso predatório da floresta.

Amazonas pretende adotar para consolidar

Medidas de ordenamento ambiental e

a marca Amazônia, a nível internacional?

lazer começam a ser implementadas com apoio de parcerias internacionais junto às reservas de

VV - A Fapeam já vem desempenhando

desenvolvimento sustentável, florestas

um papel muito importante no que diz respeito

estaduais, reservas extrativistas, parques

à inovação tecnológica uma vez que ela é a

estaduais e outras unidades de conservação,

instituição responsável por isso. E o Governo

pelo Ipaam e Florestas do Amazonas.

do Amazonas tem a intenção de fortalecer aquilo que é sua logomarca original, o nome

T&C Amazônia - Como o Estado do

Amazonas. E isso está sendo feito por meio da

Amazonas pretende incentivar a inovação

associação do estado e das políticas de governo

tecnológica de forma a se ampliar o leque

com o desenvolvimento sustentável. Uma face

dos produtos amazônicos? Alguma interface

disso é o estímulo às empresas que são do

com as instituições de ensino e pesquisa?

Estado, para que elas associem os seus produtos a este programa.

VV - A inovação tecnológica é fundamental e para isso o Governo do Amazonas

T&C Amazônia - Os produtos

via Secretaria de Ciência e Tecnologia e da

amazônicos, embora bastante demandados

Fapeam vem desenvolvendo diversos

no

programas. Um deles é o Programa Ciência e

esbarrando nos padrões de exigência de

Sustentabilidade, voltado exatamente para

qualidade. De que forma o Governo

resolver os gargalos tecnológicos das cadeias

pretende certificar a qualidade dos produtos

produtivas relacionadas com o desenvolvimento

amazônicos e não só a procedência deles?

mercado

internacional,

acabam

sustentável, e aí se encaixam a produção florestal, pesqueira e a agropecuária. Então,

VV - Nós pretendemos usar a

esta é a forma de parceria com as instituições

certificação como uma estratégia central das

de pesquisa do Estado e essa construção

políticas de Governo. Inclusive na própria lei de

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T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Estratégia do Governo para Resgatar a Economia e Preservar os Recursos Naturais do Estado

incentivos fiscais inserimos o reconhecimento

sim, segmentos que promovem isso e que,

da certificação como algo que merece um

aliás, promoveram a destruição da mata

tratamento diferenciado. Nós estamos

atlântica brasileira. Mas nos temos também, e

trabalhando com sistemas de certificação que

muitas vezes isso passa despercebido,

são aceitos no mercado tanto nacional quanto

populações indígenas, pescadores e ribeirinhos

internacional, e nós queremos fazer com que a

que conservam a cobertura florestal. É funda-

certificação se dê dentro dos mais exigentes

mental que a comunidade nacional e

padrões de qualidade que hoje são aceitos no

internacional de outros países veja nestas

mundo.

populações tradicionais os aliados mais importantes para a promoção e a conservação

T&C Amazônia - Que canais ou

da Amazônia.

possibilidades de acesso ao mercado justo o programa do Governo do Estado pretende implantar?

T&C Amazônia - E quanto à proteção dos produtos decorrentes do incentivo à inovação e dos muitos que já estão no

VV - O mercado justo cresce bastante.

mercado? Qual a política para as patentes?

O Estado já tem acesso a isso e o melhor exemplo seria a exportação de guaraná dos

VV - É fundamental fazer com que estes

indígenas saterês maué, na região de Maués,

produtos tenham a sua proteção devida como

para a Itália, que consegue um preço muito su-

forma de incentivo ao desenvolvimento de novas

perior ao praticado no mercado normal. Nós

tecnologias e novos processos. É muito

estamos trabalhando com diversas parcerias

importante considerar o direito autoral das

nacionais e internacionais, com objetivo de

populações indígenas e tradicionais que

acessar o mercado justo ou mercado solidário.

possuem um saber muito valioso e que,

Existem outros projetos que estão em

freqüentemente, não é adequadamente valorado

discussão como o cacau, a madeira, o cipó e

e recompensado pelos sistemas de produção

vários outros.

do mundo.

T&C Amazônia - A imagem que o brasileiro tem no mercado internacional é de que não tem consciência ecológica e não sabe cuidar da Amazônia. O senhor acha que este pode ser um empecilho ao acesso ao mercado justo? Qual a estratégia para se reverter a negatividade dessa imagem?

T&C Amazônia - Para produzir e concorrer nos mercados nacional e internacional e também para ter visibilidade nas estatísticas de geração de empregos, os pequenos fabricantes precisam estar formalizados. De que maneira acontecerá o incentivo à legalização? VV - A legalização está sendo feita por

VV - Não diria que a imagem é assim. A

meio de vários programas. Um deles é o Projeto

imagem de que o brasileiro não tem consciência

Cidadão

ambiental, talvez, não seja apropriada para a

documentação dos indivíduos. Além disso, nós

sociedade brasileira como um todo. Nós temos

estamos trabalhando com o objetivo de agilizar

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

que

estimula

o

acesso

à

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Estratégia do Governo para Resgatar a Economia e Preservar os Recursos Naturais do Estado

as ações de legalização de todos os agentes

construir uma ampla rede de parcerias, acima

econômicos, especialmente, na área ambiental.

de interesses partidários, vaidades individuais

O incentivo aos pequenos produtores é um dos

e visões coorporativas.

pontos estratégicos do programa de Governo. Um deles é o cartão Zona Franca Verde, que é um programa de crédito desburocratizado que vai de R$ 200 a R$ 3 mil para o cidadão que normalmente está à margem do sistema. Não tem conta bancária, não possui garantias para empréstimos e precisa de pequeno aporte de recursos para melhorar sua capacidade de produção. T&C Amazônia - De que forma a secretaria do Meio Ambiente quer combater a Biopirataria, uma vez que sabemos que a criação de uma legislação específica para preencher o vácuo jurídico que existe em relação à preservação ambiental é fundamental, mas não é tudo? Que outras medidas serão tomadas? VV - Ao nosso ver a melhor forma de combater a biopirataria é estimulando o uso sustentável da nossa biodiversidade. É muito difícil fazer com que tenhamos sucesso apenas com as ações de polícia e de fiscalização. Nós precisamos

fazer

com

que

a

nossa

biodiversidade seja usada, em primeiro lugar, por nós mesmos. Para isso precisamos ter muita competência e muita qualidade tecnológica e capacidade de gestão empresarial de pequenos, médios e grandes negócios, especialmente aqueles voltados para o uso sustentável da biodiversidade. A implementação do desenvolvimento sustentável do Amazonas não é o desafio de um Governo apenas, mas sim, da sociedade toda. Sem isso nosso futuro e o dos nossos filhos e netos estará comprometido. Precisamos 6

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia

BIOPIRATARIA DESAFIA O BRASIL A TOMAR CONTA DA AMAZÔNIA Com

5

milhões

de

hectares,

correspondentes à metade de todo o Território Nacional,

e uma bacia hidrográfica que

concentra um terço de toda água doce existente no planeta, a Amazônia Brasileira está sendo alvo de uma escalada crescente por seus recursos naturais, devido à ação dos chamados biopiratas, em sua maioria turistas e pesquisadores estrangeiros, que fazem o contrabando das riquezas da fauna e da flora amazônica, movimentando mundialmente US$ 20 bilhões / ano e constituindo a que hoje já é a terceira atividade ilícita do planeta, graças sobretudo ao interesse da indústria químico farmacêutica

internacional em conhecer e

absorver como matéria-prima as 20 mil espécies botânicas e as mais de 100 mil espécies de bichos, vertebrados, invertebrados e microorganismos da Região. Apesar de tão rica e por isso mesmo exaltada no mundo inteiro, entretanto, a Biodiversidade Amazônica continua a ser um desafio para todos que por ela se interessam . Os pesquisadores que se dedicam a estudar a diversidade da vida na Região, se ressentem de que até agora somente 1% de todo o potencial amazônico seja conhecido e que, por falta de fundos de amparo à pesquisa, o Brasil, muitas vezes, tenha que comprar de fora uma tecnologia desenvolvida a partir de uma amostra furtada da sua Amazônia. Nesta reportagem, eles são uníssonos ao afirmar que a falta de uma política nacional estratégica para orientar

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

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Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia

as ações de Ciência e Tecnologia, a falta de

recursos genéticos e modelos moleculares que

interesse e investimentos em pesquisa no Brasil

venham a beneficiar a indústria químico -

e a incapacidade, também brasileira, de se

farmacêutica é enorme. Segundo ele, o “grande

transformar conhecimento em inovação são os

caldeirão” em que a Natureza trabalha ao longo

principais fatores

para que o interesse

de tantos anos, gerando e mantendo a vida ,

internacional recaia de forma cada vez mais

apesar da agressão das devastações, é

acentuada sobre a Região, embora a

inimitável até pelo mais moderno e bem

inexistência de uma legislação que permita punir

equipado laboratório do mundo, e que por este

a biopirataria também seja uma dificuldade a

motivo torna-se, cada vez mais, foco da

ser vencida.

atenção mundial, que tem a biopirataria apenas como uma de suas facetas.

O BRASIL PRECISA ASSUMIR O COMANDO E DEFINIR AS REGRAS O INTERESSE INTERNACIONAL PARA O INTERCÂMBIO Para se combater a biopirataria é preciso

Quase tão atraente quanto a diversidade

que se compreenda cada um dos fatores que

da vida na Amazônia para os grandes

contribuem para a sua existência, ou seja, a

laboratório internacionais - segundo ele - são

consciência internacional cada vez mais clara

os conhecimentos tradicionais, que embora já

sobre as múltiplas possibilidades oferecidas pela

não sejam os mesmos, devido à grande erosão

vida na Amazônia; a inexistência de uma política

cultural sofrida ao longo dos últimos anos, ainda

nacional estratégica para Ciência e Tecnologia;

são muito expressivos e determinantes quanto

o interesse crescente pelos conhecimentos

se trata de economizar tempo e reduzir custos

tradicionais, que reduzem o tempo e o custo

nas pesquisas científicas. “Mexer no caldeirão

das pesquisas científicas; a defasagem brasileira

que a Natureza criou custa caro, frente a enorme

em pesquisa, desenvolvimento e produção; a

diversidade” – afirma o professor – e é aí que

falta de uma legislação que regule a exploração

os conhecimentos tradicionais, que na sua

dos recursos naturais e, ainda, a exclusão

opinião já deveriam, há muito, ter sido

social. A opinião é do pesquisador e professor

equiparados em importância às outras formas

da Universidade Federal do Amazonas,

de conhecimento e ao conhecimento científico,

Frederico Arruda, recentemente nomeado

tornam-se

também o presidente do Grupo de Trabalho de

consequentemente interessantes para os

Assessoria e Articulação – GTAA, criado pela

financiadores da biopirataria. “O binômio grande

Assembléia Legislativa do Estado para a

extensão de biodiversidade X conhecimento

formulação de um Anteprojeto de Lei para

tradicional é irresistível para quem sabe

disciplinar o acesso aos recursos genéticos do

transformar conhecimento em inovação” -

Amazonas.

destaca.

Frederico

Arruda

explica

que

Outro

ainda

mais

aspecto

de

valiosos

e

fundamental

considerando-se a grande extensão do cinturão

importância que o Brasil precisa corrigir para

de biodiversidade existente ao longo da linha do

efetivamente combater a Biopirataria – na opinião

equador, a possibilidade de se encontrarem

de Arruda - é a exclusão social, que vitima a

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T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia

grande maioria da sociedade brasileira e que

Amazonas é categórico ao afirmar que uma

pode ser considerada um fermento para o tráfico

política estratégica de C&T é fundamental e

de recursos genéticos e modelos moleculares.

decisiva , pois jamais o Brasil conseguirá

Ele explica que os excluídos da Amazônia

vencer sozinho o desafio de conhecer e

perderam o mítico, a cosmovisão e até o sentido

explorar de forma sustentável a biodiversidade

de beleza dos conhecimentos tradicionais, mas

amazônica. A estratégia, portanto, a ser

não perderam o conhecimento em si, real e

adotada, segundo ele defende, é a de

objetivo, até porque para sobreviver precisam

intercâmbio em pesquisa, desenvolvimento e

aplicá-lo diariamente e assim tornam-se

produção com os países do Primeiro Mundo,

cúmplices da biopirataria, que passa a tirar

que “é o que vai abrir caminho também para

proveito destes excluídos, da mesma forma que

que possamos usufruir de uma repartição justa

o narcotráfico do Rio de Janeiro usa aqueles

e equitativa sobre a exploração dos recursos

que vivem nos morros cariocas.

genéticos nacionais, como se apregoa nos

O foco do interesse internacional pela

meios jurídicos”. Para Frederico Arruda, a

Amazônia associado à realidade social do País

realidade atual pode ser lida da seguinte forma

e à total inexistência de uma política nacional

: o Brasil tem a Amazônia, mas não a conhece

estratégica para as atividades de Ciência e

e nem dispõe de recursos para conhecê-la e

Tecnologia, voltada toda a biomassa brasileira,

muito menos explorá-la, enquanto o Primeiro

incluindo não só a Amazônia, mas também Mata

Mundo dispõe dos recursos, reconhece o valor

Atlântica, Serrado e Alagados, tornam-se fatais

da Amazônia, mas não possui a Amazônia e

para estimular os biopiratas e as indústrias que

como o Brasil não tem política, nem Lei para

os patrocinam, sobretudo considerando-se que

regular e disciplinar a exploração da Região, o

eles são muito melhores que os brasileiros

único meio do acesso internacional torna-se a

quanto se trata de pesquisa, desenvolvimento

biopirataria. Essa realidade, segundo Frederico

e produção. Segundo Frederico Arruda,

Arruda, é um contra-senso. Na opinião dele, o

enquanto o Brasil não adotar uma estratégia de

Brasil precisa assumir o comando e determinar

relacionamento internacional em relação à

as regras .

biodiversidade amazônica, a biopirataria vai

Ao definir uma política estratégica de

continuar a existir, a despeito de todas as ações

C&T o País vai estimular – segundo o professor

punitivas que se queira adotar, até porque com

- também os investimentos de empresas

o avanço tecnológico as amostras que

idôneas que têm interesse de investir na

interessam aos grandes laboratórios podem ser

Amazônia, mas que por não terem uma

enviadas por meios virtuais e livres de qualquer

definição clara de seus direitos e deveres,

tipo de fiscalização. “As medidas punitivas são

abandonam a idéia e lançam - se em outras

importantes e precisam existir, mas não são

investidas, bem distantes daqui. “ O Brasil perde

decisivas “- arremata.

por todos os lados” – enfatiza Arruda.

ESTATÉGIA PARA PESQUISA, DESENVOLVIMENTO E PRODUÇÃO O professor da Universidade do T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

Neste

sentido ele destaca também a importância de se implementar uma legislação que discipline o acesso aos recursos genéticos brasileiros, uma vez que, no seu entendimento, a MP 2186 -16 9


Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia

de 2000, além de inibir a pesquisa básica, nada

os direitos das populações detentoras deste

acrescenta de efetivo para o controle da

conhecimento. Para Frederico Arruda este

biopirataria. “Sem definição de como a

dispositivo é importante não só no presente

exploração deve ser feita, acaba-se por ter que

como também no futuro próximo e distante, pois

conviver com ela de forma ilícita e desordenada,

possibilita o resgate das bases, hoje perdidas,

além de perderem-se os investimentos idôneos

da cultura tradicional. No anteprojeto proposto

“- destaca.

pelo GTAA o conhecimento tradicional é também equiparado ao conhecimento científico.

LEGISLAÇÃO EM BLOCO

Outro benefício contemplado no anteprojeto, que Frederico Arruda destaca como

Especificamente sobre legislação, o

de especial importância, é o que determina que

professor apregoa a implementação de uma

para acessar a biodiversidade no Estado do

legislação geral para o acesso à biodiversidade

Amazonas, quer para fins de pesquisa, quer

amazônica e a ela se relacionando um conjunto de leis estaduais, que contemplem as peculiaridades de cada Estado. Ele recomenda ainda que na legislação a ser adotada nacionalmente estejam previstos acordos com os demais países amazônicos, justamente para garantir uma coerência legislativa da Amazônia como um todo frente às negociações internacionais. Frederico Arruda enfatiza que implementar a legislação é fundamental também para se criar e consolidar uma consciência nacional e internacional sobre a importância da fauna e da flora amazônicas.

OS GANHOS PARA O AMAZONAS Como presidente do GTAA, grupo de trabalho que elaborou o anteprojeto que Lei para disciplinar o acesso à Biodiversidade no Amazonas, Frederico Arruda explica que a proposta dispõe também sobre a proteção do patrimônio genético , o conhecimento tradicional associado e a repartição de benefícios, no âmbito estadual, e que se aprovada em forma de Lei trará ganhos bastante significativos. Entre eles, ele destaca um inédito sistema de registro do conhecimento tradicional, que coloca nas

para fins comerciais, os interessados terão, obrigatoriamente, que estabelecer um acordo de parceria com pelo menos uma das instituições locais de ensino, pesquisa e desenvolvimento, que por sua vez deverão estar devidamente credenciadas. Ele explica que esta é uma importante garantia para assegurar que o conhecimento sobre a biodiversidade esteja em nossas mãos, ou seja, para “evitar que outros saibam mais sobre a nossa região do que nós mesmos” – arremata. Concluindo a sua análise, Frederico Arruda arremata que o combate efetivo à biopirataria passa por um ciclo de fatores que interagem entre si , como ele destacou, e que ao invés de se debater contra uma realidade irrefutável o que o Brasil precisa fazer é aumentar a sua competência como detentor das riquezas amazônicas, ditar as regras e assumir o comando de um amplo intercâmbio internacional para fins da preservação e da exploração responsável da Amazônia.

Biopirataria deve ser vista como oportunidade para inovação

mãos do Estado a responsabilidade pela guarda deste conhecimento, bem como de assegurar 10

Para Charles Clement, pesquisador do T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia

Inpa na área de botânica, a biopirataria precisa

biodiversidade amazônica, que reúne cerca de

ser vista como um sinal do mercado ou uma

180 línguas indígenas nativas, 5 a 7 mil animais

oportunidade para se redirecionar a pesquisa

vertebrados, 15 a 20 mil espécies de plantas

científica no Brasil, que ainda peca por valorizar

superiores, 20 a 100 mil microorganismos, e 1

projetos totalmente desconectados da demanda

a 10 milhões de animais invertebrados. Em

mercadológica e que por isso mesmo, em sua

contrapartida, o pesquisador informa que

maioria, acabam por não obter aplicabilidade

somando-se o conhecimento científico ao

prática. Sobretudo quando se trata de pesquisas

conhecimento tradicional, acumulados ao longo

sobre a biodiversidade amazônica, segundo

de 10 mil anos de investimentos financeiro e

Charles Clement, transformar conhecimento

vivencial , não se chegou ainda a 1% de

em inovação continua sendo um desafio que

conhecimento da biodiversidade amazônica, já

só pode ser vencido com a união da cultura

incluindo as plantas medicinais que ele

científica e tecnológica, geradora do

considera as “vedetes” do interesse e do

conhecimento, à cultura empreendedora,

noticiário internacional.

geradora das idéias inovadoras. Para defender

Para ilustrar o quanto é complexo de falar

o seu ponto de vista, entretanto, o botânico diz

da bioamazônia, Charles Clement enfatiza que

ser necessário considerarem-se uma série de

somente 100 espécies comestíveis são

fatores e, sobretudo a magnitude do universo

atualmente conhecidas e que destas apenas

ao qual se referem as pesquisas na Amazônia.

duas, milho e mandioca, se tem em domínio e

Para Clement, a afirmação de que o

isto porque sempre formaram a base da

futuro da Amazônia está ligado à sua

alimentação indígena. Ele cita também os

Biodiversidade, idealizada como o “ouro verde”

animais, entre os quais apenas o pato se

e difundida como fonte inesgotável de riquezas,

conseguiu domesticar até hoje. Analisando

não passa de um sonho, uma vez que para se

todos os dados que apresenta, o pesquisador

fazer uma afirmação é necessário que se

conclui que qualquer afirmação categórica

conheça a realidade a que ela se refere e no

sobre a biodiversidade amazônica não

caso da Amazônia o conhecimento ainda é , e

corresponde à realidade, uma vez que não se

não se pode afirmar que um dia deixará de ser,

sabe ainda o que ela, efetivamente, nos oferece

um grande desafio. Para fundamentar a

ou desafia a conhecer e usufruir. Clement

irrefutável amplitude bioamazônica, o

comenta que “por traz da arrogância da nossa

pesquisador se socorre da legislação que define

ciência, temos muito mais a aprender do que a

biodiversidade como a “variabilidade de

afirmar”.

organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, ecossistemas

A FALTA DE INVESTIMENTOS

terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que

Prosseguindo em sua análise sobre a

fazem parte; incluindo ainda a diversidade

potencial biodiversidade amazônica e as

dentro das espécies e dos ecossistemas”.

dificuldades que se precisa ultrapassar para

A partir do que afirma MP 2186-16 de

conhecê-la, Charles Clement destaca a falta

2000, ele destaca os grandiosos números da T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

11


Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia

de investimentos públicos em pesquisa ,

com todos os investimentos feitos ao longo de

informando que os grandes laboratórios

10 mil anos não conseguimos conhecer 1% da

internacionais, que movimentam cerca de 350

nossa biodiversidade, quantos mais serão

bilhões de dólares por ano, investem mais em

necessários até que possamos afirmar que

pesquisa e desenvolvimento do que o Ministério

pode existir exploração sustentável para a

da Ciência e Tecnologia do Brasil tem investido

biodiversidade amazônica?

até hoje. Ele fala de 300 a 350 milhões de

“O desafio é enorme e precisamos

dólares para obtenção de um só remédio, o que

entender que sem esforços efetivos, será

justifica o enorme interesse no acesso ao

impossível vencê-lo “- afirma Charles Clement,

conhecimento tradicional indígena, também

acrescentando que sempre que houver um

fruto

e

potencial não conhecido e portanto não

experimentação. O pesquisador explica que no

explorado em um determinado lugar, haverá, na

método científico, que se baseia nas

mesma proporção, pessoas de outros lugares

indagações fundamentais de se a substância

empenhadas em assumir esta exploração, o que

poder fazer efeito e em seguida de se ela não

explica a tão denunciada biopirataria na

faz mal à saúde, são necessárias cerca de 300

Amazônia. Para exemplificar o espaço vazio

mil amostras de uma planta para se chegar a

que existe entre a potencialidade amazônica e

uma média de 10 mil para serem efetivamente

o conhecimento que se tem dela, Charles

estudadas, enquanto com a união com

Clement contabiliza que existem hoje 590

conhecimento científico com o conhecimento

grupos de pesquisa, dos quais 4% de

tradicional, que já sabe por experiência pelo

encontram no Brasil e dos quais apenas a

menos a primeira resposta para as duas

metade se dedica a pesquisar a biodiversidade

indagações científicas, as pesquisas já partem

amazônica, como a Fiocruz, por exemplo, que

das 10 mil amostras úteis, proporcionando uma

por não estar situada na Amazônia, na verdade

economia de 5 a 10 anos em termos de tempo

pesquisa apenas componentes da Região.

de pesquisa e cerca de 50 % na redução dos

Paralelamente a esta falta de grupos de

custos. Neste sentido ele acredita que o Centro

pesquisa localizados na Amazônia, o

de Biotecnologia da Amazônia - CBA possa vir

pesquisador entende que a situação se acentua

a dar uma grande contribuição se efetivamente

pela grande concorrência que se registra em

se dedicar a estudar os fitofarmacos, que

torno dos insuficientes recursos do CNPQ, que

dispensam o conhecimento específico sobre

a cada 8 mil projetos apresentados , só

cada uma de suas substâncias e apresentam

consegue financiar cerca de 800, entre eles

como desafio apenas a interação delas, o que

alguns projetos do Inpa, que por sua vez muitas

pode reduzir significativamente o valor e o tempo

vezes fica sem dinheiro até para alimentar os

de retorno dos investimentos em pesquisa.

seus peixes-boi.

de

pesquisa,

observação

“Mesmo assim, entretanto, afirma, pesquisar a biodiversidade

dos

recursos

naturais

A POBREZA DA PESQUISA NO BRASIL

amazônicos ainda é um desafio também em investimentos financeiros. A pergunta que ele

“A verdade - afirma Charles Clement – é

submete à avaliação de todos é a de que se

que para se fazer pesquisa os interesses e os

12

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia

investimentos precisam ser reais e efetivos e o

Aqui no Amazonas, em especial, temos

que acontece hoje no Brasil é o inverso disso.

muita biodiversidade e pouco empreendedores,

Segundo ele, as instituições de pesquisa da

e menos ainda os que efetivamente se

Amazônia, como Inpa, Goeldi, Embrapa e as

interessam pela biodiversidade. Para o

universidades possuem recursos apenas para

pesquisador,

se manterem como instituições e registram um

desproporção é a visão que se formou, viciada

déficit muito grande também em relação ao

na Zona Franca de Manaus, ao longo dos

salários dos seus melhores cérebros e por isto

últimos 30 anos. Na opinião do pesquisador, a

mesmo estão perdendo-os para o Sul, Sudeste

Zona

ou países do Primeiro Mundo, dotados de uma

empreendedoras do interior do Estado, que é

predisposição muito maior de investir em

onde se concentra a biodiversidade, e

pesquisa amazônica. Este fator, segundo

enquadrou o empreendedorismo da capital ao

Clement, faz com que o nível da pesquisa

comércio e somente agora que o modelo

científica no Brasil tenha perdido competência,

começa a dar sinais e não mais corresponder

ao longo da última década, prejudicando ainda

às expectativas de desenvolvimento, todos

mais

começam a voltar a enxergar novos caminhos

a qualidade e a confiabilidade do

conhecimento

Franca

a

maior

eliminou

causa

as

dessa

atividades

que se tem sobre a

de empreendedorismo no Estado. Ele afirma

biodiversidade regional e assim também

que ao se comparar a atual realidade econômica

acentuando o interesse internacional e a

do Amazonas e do Pará, que não sofreu

consequente biopirataria.

influência do modelo Zona Franca, percebe-se

CONHECIMENTO ALIADO ÀS IDÉIAS

lá as iniciativas empreendedoras locais são bem mais acentuadas.

Para Clement, para se combater a

Charles Clement explica também que

biopirataria é preciso em primeiro lugar reverter

muito se fala da bioripataria internacional, mas

a imagem negativa que se tem sobre ela. Para

que na verdade existe também a biopirataria

ele, que a vê apenas como a expressão da

nacional, que nada mais é do que o

demanda do mercado internacional, os sinais

aproveitamento de resultados de pesquisa

da biopirataria estão sendo desprezados

desperdiçados aqui e aproveitados pelas praças

enquanto deveriam ser aproveitados para

centrais do País. Como exemplos ele cita o

orientar a direção das pesquisas. Neste sentido,

cubiu, que foi estudado pelo Inpa durante 25 anos

ele cita o caso da aranha caranguejera, que tem

e que hoje é altamente comercializado como

hoje demanda comprovada no mercado

manã no Sul; o guaraná, cujo grande produtor

internacional e por isso mesmo deveria estar

nacional é a Bahia; e a pupunha para palmito,

também no foco de atenção dos pesquisadores.

que o próprio Clement pesquisou e que hoje é

Clement afirma que a biopirataria nasce no

altamente utilizada no Sudeste, enquanto na

grande vazio que existe entre a comunidade de

Amazônia continua a ser comida apenas como

ciência e tecnologia e o mercado e assim só

fruto cozido.

pode ser evitada com investimentos em

apropriação de um conhecimento gerado e não

pesquisa, porém orientados pela demanda do

aproveitado. Portanto, o problema não é a

mercado, ou seja, pelo empreendedorismo.

biopirataria e sim o nosso descaso com o

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

“O sentido também é de

13


Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia

potencial que temos à nossa frente, ou seja, a

sobre as grandes empresas internacionais de

nossa falta de empreendedorismo” - afirma,

fármacos e extratos e sobre os pesquisadores,

destacando ainda que o primeiro biopirata

que por viverem de pesquisa se sentiram

interessado no Brasil foi Pedro Alvares Cabral.

profundamente injustiçados. Neste sentido, ela

Para ele, portanto, o desenvolvimento da

faz questão de destacar que apesar de todos

Amazônia passa, necessariamente, pela

os empecilhos que a MP tem causado à

associação da geração do conhecimento, razão

comunidade científica nacional e internacional,

de ser das instituições de ensino e pesquisa, à

que desde 2001 tem muitas de suas atividades

geração de idéias, que deveria ser a principal

congeladas ou atuando na ilegalidade, a

tarefa das instituições de pesquisa e

legislação, por outro lado, obriga os

desenvolvimento e que decorre da leitura que

pesquisadores a encararem de frente problemas

só uma visão empreendedora pode fazer dos

que há muito tempo vinham sendo adiados.

sinais que vêm do mercado. A partir da parceria

Como ganho mais importante ela cita a

entre o talento do pesquisador e o talento do

necessidade de compromisso e muita

empreendedor, Charles Clement apregoa a

responsabilidade das atividades de pesquisa em

renovação do sangue das instituições locais,

relação à biodiversidade brasileira, deixando

investimentos com retorno previsível, doutores

claro que propostas de uso ou conservação

atuando em incubadoras de empresas e o

devem obedecer sempre a critérios que gerem

empreendedorismo como matéria curricular dos

repartição de benefícios e reconhecimento. Para

cursos de Biotecnologia.

exemplificar a importância da inovação jurídica,

SENSIBILIZAÇÃO E LEGISLAÇÃO PRECISAM CAMINHAR JUNTAS

Lúcia Py Daniel relembra o caso da seringa, exportada para a Malásia pelos ingleses em apenas algumas sementinhas e que acabou

Lúcia Rapp Py Daniel, pesquisadora do

transformando aquele país no principal

Inpa na área de piscicultura e membro do

exportador mundial da borracha, sem que o

Conselho de Gestão do Patrimônio Genético –

Brasil recebesse qualquer benefício deste

CGEN do Ministério do Meio Ambiente, sugere,

mercado.

em face da complexibilidade da questão, uma

Casos como o da seringa - segundo a

sensibilização nacional e internacional capaz de

pesquisadora- acontecem há muito tempo no

criar consciência sobre a importância de se

Brasil e com prejuízos incalculáveis à economia

conservar a fauna e a flora de uma região ou

e à biodiversidade nacional e se ressentiram da

país, uma vez que os casos de biopirataria que

falta de uma legislação pertinente. Ela explica

têm se registrado atualmente são através de

que desde 2001, o CGEN, com base na MP

turistas estrangeiros, que estão fora do rigor da

2186-16, delibera e normatiza todos os

lei.

procedimentos ligados ao acesso e à remessa Ela explica que a legislação que o Brasil

de informação genética proveniente de

montou para regular o acesso e a remessa do

organismos biológicos e do conhecimento

patrimônio genético, através da MP 2186-16, de

tradicional, proveniente de comunidades locais

23 de agosto de 2000, e que criou o próprio

e indígenas, encontrados no território brasileiro,

Conselho que ela integra, recai principalmente

seja para fins de pesquisa ou para fins

14

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia

comerciais. A maior dificuldade, entretanto, segundo a pesquisadora, é que a biopirataria pode expressar-se de forma clara, na apreensão de uma material vivo sendo contrabandeado num aeroporto, quanto pode ser críptica, na forma de um extrato vegetal patenteado e exportado para laboratórios estrangeiros, sem que sequer se tome conhecimento.

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

15


De Espécies e Especiarias

DE ESPÉCIES E ESPECIARIAS Cláudio Ruy Vasconcelos da Fonseca* Cláudio Ruy Vasconcelos da Fonseca* Maria de Fátima Mendes Acácio Bigi** Diversidade biológica deve ser entendida como fonte global, que precisa ser indexada, usada e, sobretudo, conservada (Wilson, 1988). O avanço científico e tecnológico que leva ao surgimento de novas formas de usos dos recursos genéticos, a explosão demográfica, especialmente nos países em desenvolvimento, a qual degrada e polui os ecossistemas, e ainda a perda de espécies causada por destruição natural dos habitats têm pressionado a que se veja a conservação como assunto urgente. Publicações indicam que estão descritas e devidamente guardadas nos museus do mundo cerca de 1,6 milhões de espécies (Stork, 1997) - incluindo todos os grupos de organismos vivos - e destas, 41.000 são vertebrados, 250.000 são plantas vasculares e briófitas, 750.000 são insetos. O restante consiste em um complexo de invertebrados, fungos, algas e microrganismos.

Os

taxonomistas

(pesquisadores que descrevem e nomeiam a diversidade) concordam que o trabalho de descrever está muito aquém do necessário, considerando que as estimativas moderadas apontam para cinco milhões de espécies em toda Biosfera. O ritmo atual de descrições de novas espécies é de aproximadamente 8.355/ ano e, nesta velocidade, seriam necessários seis séculos para concluir o inventário da biota terrestre (Martin Piera, 1997). Por que devemos conhecer e atribuir nomes às espécies? Nomes são rótulos. Rótulos são palavras, seqüências de símbolos que são usados em lugar de algo complexo que requereria muitas palavras para descrever 16

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


De Espécies e Especiarias

(Thompson, 1997). Assim, descrever as

com a ainda incipiente bioindústria, conseguir

espécies e atribuir nomes significa ganhar em

construir um espaço gerador de determinações

tempo e espaço, uma vez que ao invés de

em que esta própria pesquisa precisa de

usarmos longas explicações, apenas utilizamos

imediato construir a sua própria aplicabilidade.

os nomes. O nome científico é único e

A pesquisa por espécies potencialmente úteis

reconhecido em qualquer lugar, enquanto que

à indústria de base tecnológica deverá fomentar

o nome comum varia, dificultando o

uma sinergia entre as pesquisas básicas,

reconhecimento. Os nomes, portanto, são as

taxonômicas - até agora o produto mais

chaves primárias para o acesso à informação

expressivo gerado pelas coleções – e

biológica e, no momento em que crescem as

desenvolvimento tecnológico e industrial. O

atividades e as expectativas brasileiras na

trabalho do taxonomista se amplia para atender

direção da engenharia e princípios tecnológicos

a demanda industrial pelos nomes das

nas ciências da vida, torna-se necessário

espécies, sua distribuição geográfica e suas

empreender um esforço nacional no sentido de

relações de parentesco com outras espécies.

formatar um programa para inventariar a biota.

Aqui começa a surgir a necessidade de

Não somente os três níveis de governo

associação entre as instituições de pesquisa e

devem perceber essa necessidade, mas o setor

o setor produtivo no sentido de ampliar a

produtivo que usa como fonte de matéria prima

capacidade inventariante das coleções que

a diversidade, também precisa entender ser

poderão facilitar a busca por novos genes úteis

imprescindível aportar recursos para inventariar.

para humanidade. Embora não haja a cultura

A biota transforma-se em assunto de segurança

do

nacional,

novos

desenvolvimento por parte do empresariado,

conhecimentos sobre certos recursos naturais

deve-se começar a pavimentar essa avenida,

são essenciais para a sobrevivência humana

onde o cientista gera conhecimento que poderá

em situações nas quais o país se desequilibra

ser englobado pelas indústrias de base

por força de calamidades.

tecnológica e estas, por seu turno, favorecem

considerando

que

As instituições de pesquisas na Amazônia acumularam, durante o século

investimento

em

pesquisa

e

com insumos financeiros a pesquisa. A

importância

econômica

da

passado, acervos biológicos que constituem

biodiversidade é indiscutível, é fonte primária de

verdadeiros testemunhos da diversidade local.

matéria - prima para alimentos, remédios,

Tais coleções têm tido maior significado no

vestuários, moradias e turismo. Mas há muito

âmbito do trabalho científico, mas, começa

ainda por fazer, se considerarmos que das

haver mudança provocada pela construção de

250.000 plantas conhecidas e catalogadas nos

um novo espaço tecnológico e produtivo que

museus, apenas de 5 a 15 por cento têm sido

coloca as coleções frente a novos desafios às

examinadas para um ou dois tipos de atividades

suas potencialidades. Esses desafios ainda não

(Baladrin et al., 1985; Enriquez, 2001). Ao

estão completamente compreendidos, por força

resgatarmos a historicidade do interesse da

das indefinições do processo biotecnológico na

humanidade por substâncias bioativas,

região. No caso das coleções, a pesquisa

podemos citar a exaustiva busca no período da

“básica” por elas representada deve, juntamente

Idade Média pelas especiarias (substâncias

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

17


De Espécies e Especiarias

aromáticas, com supostos efeitos medicinais,

indefinições ainda persistem. No caso

e mesmo afrodisíacas) que detinham alto valor

amazônico restam ainda duas outras questões:

de mercado, sendo inclusive utilizadas como

(i) devemos esperar o avanço do conhecimento

moeda. A busca pelas especiarias representou

sobre a dinâmica das espécies para obviamente

um marco histórico, uma vez que contribuíram

utilizá-las como alavanca econômica ou (ii)

para o desenvolvimento de sociedades e

devemos explorar a diversidade biológica

nações, e motivaram, mesmo de forma indireta,

enquanto a estudamos?

a conquista e o descobrimento de novas terras.

A julgar pela história relacionada à

Os recursos genéticos podem ser

pesquisa científica na região amazônica e no

transformados em “commodity”, ainda que seja

mundo, a tendência tem sido a da exploração

de valor indireto, tal qual ocorre com os

econômica concomitante com pesquisa

medicamentos produzidos pela indústria

científica, uma vez que os problemas exigem

farmacêutica, a qual sintetiza substâncias

soluções e não esperarão para mostrar seus

produzidas primariamente pela natureza. Por

efeitos somente quando se tenha a

outro lado, à diversidade pode ser atribuído valor

compreensão da dinâmica dos ecossistemas.

como amenidade, se melhora a qualidade de

É neste contexto que deve ser encaixada a

vida da população de alguma forma não

participação das instituições de pesquisa. O

material, como por exemplo, o embelezamento

papel de orientação que a ciência produzida na

de uma área por paisagismo, o benefício de um

região assume é crítico considerando a

passeio de barco em um dos belos lagos

obrigação da conservação que o dever moral

amazônicos, ou ainda o deleite contido num

impõe. Além disso, a conservação da

passeio pelas trilhas de um bosque.

diversidade significa a continuidade da produção

Há, no entanto, o valor moral. As

de bens de consumo com incremento das

espécies têm valor moral como fonte de

oportunidades para a sociedade amazônida.

recursos que influencia aos homens no que

Assim, conservar e utilizar é uma equação que

tange ao seu sistema de valores. Ecossistemas

somente será resolvida através da sinergia

podem ser vistos como entidades cooperativas

entre setor produtivo e pesquisa, onde o primeiro

onde energia está constantemente fluindo intra

estimula causando indução, recebendo, em

e interespécies, uma analogia que ajuda na

sentido contrário, orientação e tecnologia.

compreensão dos fluxos dinamizadores da sociedade humana.

Para o Estado do Amazonas obviamente o seu patrimônio genético é o seu mais

A medida que o tempo passa, novos

importante diferencial. Esforços no sentido de

conhecimentos surgem em todas as áreas e

influir na produção de ciência, tecnologia e

isto pode levar a novas “commodities”, ou novos

inovação começam a ser sentidos nos meios

níveis de apreciação estética e moral, os quais

decisórios locais. A construção do Centro de

ainda não nos são possíveis apreciar.

Biotecnologia da Amazônia (CBA) foi uma

O maior desafio é usar os recursos de

demonstração de visão futurista voltada para o

forma sustentável, mas como utilizar sem

verde. A escolha de Manaus para sediar o CBA

provocar diminuição da variabilidade genética?

reveste-se de significado especial para o Estado

Esta questão tem sido discutida, mas as

que passa a liderar uma nova postura

18

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


De Espécies e Especiarias

desenvolvimentista constituindo-se no farol que

considerando que há febril concorrência, no nível

norteará a construção de uma sólida base

mundial, rumo às patentes.

econômica

onde

o

extrativismo

e

comercialização de produtos in natura, cedem

BIBLIOGRAFIA

lugar à exportação de bens de consumo com alto valor agregado. O CBA deverá ser o

BALADRIN, M.F.; Klocke, J.A.; Wurtele,

animador dos novos rumos em pesquisas

E.S.; Bolinger, W.H. 1985. Natural plant

estimulando a produção de tecnologias às

chemicals sources of industrial and medicinal

instituições locais, além de provocar o aumento

materials. Science 228: 1154-1160.

da conectividade entre elas, reduzindo o cenário ENRIQUEZ, G.V. 2001. A trajetória de

de fragmentação no qual há, em muitas situações, superposição de atividades. A criação de uma cultura de produção de conhecimento através do funcionamento de

tecnologia

dos

produtos

naturais

biotecnológicos derivados na Amazônia. Belém, UFPA.NUMA, 168 pp.

uma rede de laboratórios e de pesquisadores já está em andamento, através de projetos

HIGASHI, M. & Burnes, T.P. 1991.

gerenciados pela Organização Social

Theoretical Studies of Ecosystems: the network

Bioamazônia (Associação Brasileira para o Uso

perspective. Cambridge, Cambridge University

sustentável da Biodiversidade da Amazônia,

Press

credenciada pelo Governo Federal, através de

JORDAN, C.F. 1985. Nutrient cycling in

Decreto Presidencial, em 18 de março de 1999,

tropical Forest ecosystems. Chichester, John

para colaborar com a implantação do CBA),

Wiley & Sons, 190pp.

com recursos oriundos do Banco da Amazônia e Petrobrás. Isto deverá estimular uma nova

MARTÍN PIERA, F.1997. Apuntes sobre

fase na pesquisa na qual o aproveitamento do

Biodiversidad y Conservación de Insectos:

potencial de cada qual deverá acontecer a

Dilemas, Ficciones y Soluciones?.Boletín de la

pleno. Uma das ferramentas para essa nova

Sociedad entomológica aragonesa, 20:25-55.

fase é a montagem de um banco de dados relacional para a sistematização de toda a

STORK, N.E.1997. Measuring Global

informação sobre a biodiversidade amazônica,

Biodiversity and its Decline. Pp 41-68 In: Reaka-

objetivando melhorar e incrementar o seu

Kudla, M.L.; Wilson, D.E.; Wilson, E.O. (eds).

conhecimento para auxiliar na implantação de

1997.

atividades industriais de base tecnológica.

protecting our biological resources. Wasington

O papel de uma Organização Social

Biodiversity II: understanding and

D.C., Joseph Henry Press, 551 pp.

(OS), com sua agilidade e flexibilidade como ente de caráter privado, não pode ser

WESTERN, D. 1992. The biodiversity

considerado como trivial quando se vislumbra

crisis: a challenge for Biodiversity. Oikos 63: 29-

um pólo de bioindústrias. Bionegócios exigem

38.

um ambiente de gestão onde capacitação e

WILSON, E.O. 1988. The Current State

velocidade são características fulcrais,

of Biological Diversity. Pp 3-18. In: Wilson, E.O.;

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

19


De Espécies e Especiarias

Peter, F.M. 1988. Biodiversity. Washington, D.C., National Academy Press, 521pp. * Cláudio Ruy Vasconcelos da Fonseca - Diretor Adjunto da Bioamazônia; Doutorado em Ciências Biológicas (Zoologia) pela USP; Foi gerente do PROBEM/MMA; Pesquisador titular do MCT/INPA; Professor UEA. ** Maria de Fátima Mendes Acácio Bigi - Diretora Geral da Bioamazônia; Doutorado em Ciências Biológicas (Zoologia) pela UNESP; Foi Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da UFAC e Coordenadora do Mestrado em Biotecnologia da UEA

20

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia

O DESAFIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA AMAZÔNIA Charles R. Clement* Adalberto L. Val** José Arnaldo de Oliveira***

Três notícias têm dominado as manchetes da mídia nacional tratando da Amazônia em 2003. A taxa de desmatamento aumentou a níveis históricos em 2002/3 – durante uma recessão econômica, quando era esperado um recuo. A soja está ‘invadindo’ a Amazônia e é acusada de ser a vilã da história do desmatamento, mas ao mesmo tempo é a heroína das exportações. Os biopiratas estão roubando a biodiversidade da Amazônia, tirando a oportunidade do Brasil se desenvolver com base

neste

recurso

natural.

Concomitantemente, a retórica dos governos federal e a maioria dos estaduais é a favor do desenvolvimento sustentável, sempre com a implicação de que a floresta precisa ser mantida de pé. A demanda pela manutenção da floresta é explícita nas declarações do MMA e da maioria das ONGs que representam os povos das florestas na Amazônia, bem como das ONGs ambientalistas internacionais. A força dos mercados globalizados e as políticas dos governos para estimular tais mercados têm sido acusadas de serem as causas básicas da perda de biodiversidade (Wood et al. 2000) e do desmatamento (Schneider et al. 2000). Ou seja, os sinais dos mercados nacional e internacional, dos ministérios e estados, e da sociedade continuam a ser contrastantes, quando não Desenho: Saulo Raphael Milhome de Almeida - 10 anos Projeto Gráfico da Infografia: Designer Narle Teixeira

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

conflitantes. Considerando estes contrastes, é valido afirmar que existem dúvidas sobre a 21


O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia

possibilidade de desenvolvimento sustentável

posição acerca da importância desse grupo

na Amazônia. Aliás, pelas políticas contrastantes

social é, por via de regra, clara e positiva. A razão

de diferentes ministérios ainda não está claro o

é simples: os povos indígenas criaram a maioria

que o Brasil pretende fazer na Amazônia, qual

do conhecimento tradicional sobre a

deveria ser o primeiro passo para planejar seu

biodiversidade, que a Convenção sobre a

desenvolvimento – sustentável ou não. Esperamos

Diversidade

trazer um pouco de luz para esta discussão e

transformação em lei brasileira – MP 2186)

apontar detalhes que não têm recebido

afirma ser importante para alcançar o tão

suficiente atenção ainda, mesmo sendo ela

desejado desenvolvimento sustentável.

desagradável para alguns atores.

Biológica

(CDB

e

sua

Por ser grande e tropical, a Amazônia contém uma mega biodiversidade que não

QUESTÃO DE ESCALA

encontra paralelos no planeta. Seguindo a CDB, a biodiversidade deveria ser considerada em três

O Prof. Aziz Ab’Saber ponderou que

níveis: os ecossistemas, as espécies que os

duas escalas são fundamentais quando se

ocupam, e os genes que determinam as

pensa na Amazônia (AmazonTech2003,

características das espécies. A Amazônia

Manaus, 27.09.03): a geográfica, pois a

brasileira

Amazônia tem escala continental, com múltiplos

ecossistemas: as florestas densas com

estados e ministérios envolvidos na sua gestão;

1.900.000 km²; as florestas não densas com

e a temporal, pois sustentabilidade é função do

1.600.000 km²; os cerrados com 700.000 km²;

tempo. Por ser de escala continental, todas as

e as várzeas com 200.000 km², áreas essas

dimensões da Amazônia representam mega-

aproximadas. Pelo menos 600.000 km² já são

números.

antropizados. Em termos de espécies, existem

contém

quatro

grandes

A Amazônia Legal cobre aproximadamente

entre 5 e 7 mil espécies de animais vertebrados,

5.000.000 km², o que representa cerca de 60%

15 e 20 mil espécies de plantas superiores, 20

do Brasil. Desta área, a Floresta Amazônica

e 100 mil espécies de microorganismos, e 1 e

cobre em torno de 3.300.000 km², o que

10 milhões de espécies de animais

representa 40% do Brasil. Ao redor de

invertebrados. O que mais impressiona é a

18.000.000 de Brasileiros vivem nessa região,

magnitude de nossa ignorância sobre estes

sendo que 68% em centros urbanos e 32% na

ecossistemas e espécies! Sobre os genes, nem

zona rural. A Amazônia Legal abriga, ainda, a

falaremos.

maioria da população indígena brasileira, que

A escala sócio-econômica é também

soma ao redor de 256.000 pessoas que falam

essencial quando se analisa desenvolvimento.

entre 170 e 180 línguas. Estes foram os

A Amazônia Legal já é responsável pela

primeiros povos da Amazônia e tem os seus

produção de 20% da soja nacional, tem 11% do

direitos poucas vezes respeitados pela

rebanho bovino, 13,5% da produção mineral e

sociedade nacional. Em alguns casos são

quase 7% do Produto Interno Bruto (PIB)

ignorados ou mesmo considerados um entrave

(Novaes 2002). O impacto destes números é

para o desenvolvimento. Por outro lado, quando

representado pelos 15% dos ecossistemas

falamos de desenvolvimento sustentável, a

naturais alterados. Contudo, os 7% do PIB não

22

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia

têm oferecido muitos benefícios para o povo da região, pois a Amazônia concorre com o

O QUE É DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL?

Nordeste para os piores Índices de Desenvolvimento Humano do Brasil. A razão dos

O Dicionário Aurélio (1985) define

poucos benefícios é que o Brasil investe pouco

desenvolvimento como sendo “O estágio

na Amazônia, tratando a região mais como

econômico, social e político de uma

“colônia” do que como parceiro legítimo das

comunidade, caracterizado por altos índices de

outras regiões do país. O pouco investimento é

rendimentos dos fatores de produção, i.e., os

especialmente visível em termos de Ciência e

recursos naturais, o capital e o trabalho.” E a

Tecnologia (C&T), onde a média histórica oscila em torno de 2% dos investimentos federais em C&T. O CNPq afirma que serão 4% em 2003, que ainda é pouco, muito pouco. Tão pouco que podemos afirmar que a Amazônia paga para outras partes do Brasil fazerem C&T!! E na escala temporal – Quanto tempo é suficiente? Uma geração? Lawrence et al. (2001) projetaram que as políticas dos governos federal e estaduais expostas no programa “Avança Brasil” causarão o desmatamento de 25% da floresta até 2020. Em termos gerais o

escala geográfica? A comunidade é Tefé, Amazonas, Brasil, América do Sul ou o mundo? No mundo moderno, uma comunidade não pode alcançar o desenvolvimento sustentável em isolamento. A implicação é que o Brasil precisa pensar o assunto de forma holística – tanto no nível internacional, como nacional e regional, em sintonia entre os governos federal e estaduais. A definição clássica de sustentabilidade vem da Comissão Mundial sobre o Ambiente e o Desenvolvimento (1987): “Atender as necessidades

da

geração

atual

sem

programa “Brasil, um País de Todos” (PPA 2004-

comprometer a habilidade de gerações futuras

7) é muito similar ao “Avança Brasil”. Que tal

em atender as suas necessidades.” Nossos

quatro gerações? Cox et al. (2000) projetaram

políticos pensam em termos de gerações? E

que o atual modelo de desenvolvimento mundial

nossos empresários? E os técnicos de nossos

causará o desmatamento de 100% das

ministérios? Se não aprendem a pensar assim,

florestas amazônicas fora das Unidades de

o desenvolvimento sustentável não será

Conservação (UC) até 2080, e que grande parte

possível, pois este tipo de desenvolvimento

das UCs será comprometida pela invasão de

requer muito mais planejamento por exigir

fogo nas suas bordas cada vez mais

equidade entre gerações.

inflamáveis. Se a floresta de pé representa

Um exemplo do não pensar de forma

sustentabilidade, é evidente que os países e

holística é a relação entre a Amazônia e o Brasil

agências mundiais que propagam o atual

central em termos climáticos. Se a previsão de

modelo são hipócritas, pois conclamam o Brasil

Cox et al. (2000) tornar-se realidade, haverá

a manter sua floresta, quando o modelo não

implicações climáticas: a Amazônia virará

paga por sustentabilidade. E o governo

cerrado (Walker et al. 1995). Salati & Nobre

brasileiro? Qual é sua posição?

(1991) estimaram que a Amazônia repassa 588 mm chuva/ano ao Brasil central, onde o Cerrado recebe atualmente entre 1200 e 1800 mm chuva/

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

23


O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia

ano; ou seja, a Amazônia contribui de forma

estão atentos a essa possibilidade hoje?

significante para a chuva no Cerrado. Se a

Estes exemplos sugerem que o

Amazônia virar cerrado, receberá chuva similar

desenvolvimento sustentável da Amazônia

ao intervalo do Cerrado atual e repassará

deveria ser feito com a floresta de pé, como

menos umidade para o Brasil central, e o

declara o MMA e os povos da floresta, pois não

Cerrado atual poderá secar tanto que não

é apenas a Amazônia que está em jogo, mas o

sustentará a agricultura de grãos, que é a base

Brasil central também. No entanto, o programa

de sua atividade econômica hoje, bem como

“Brasil, um país de Todos” não reconhece isto

das exportações que mantém o superávit

em termos de investimentos, somente em

comercial. Devido a outras influências

termos retóricos. O MMA toma isto como

climáticas ao longo do próximo século de

pressuposto, mas o MMA não é um ministério

mudanças, o INPE ainda não afirma que o

importante nas decisões econômicas do

Cerrado atual será mais seco (Carlos A. Nobre,

governo federal, onde outras decisões

2003, com. pess.), mas é uma possibilidade que

demonstram claramente uma predisposição em

o governo federal não pode ignorar. Quais

favor do atual modelo de desenvolvimento

ministérios estão atentos a esta possibilidade

mundial. Ou seja, existe uma forte contradição

hoje? Quais estão se preparando para um

no governo federal (sem mencionar os

Cerrado mais seco?

estaduais!) entre a retórica e o investimento,

Além de a chuva atender a agricultura

quando se trata da Amazônia.

do Cerrado, a mesma chuva abastece os rios

O DESAFIO DO DESENVOLVIMENTO Paraguai/Paraná, o São Francisco, o Tapajós, SUSTENTÁVEL que originam - se no Brasil central, incluindo o o Xingu, e o Tocantins/Araguaia. A influência da diminuição das chuvas oriundas da Amazônia

Partindo da pressuposição de que o

no norte do Brasil central é mais certa do que

desenvolvimento sustentável da Amazônia

no sul do Brasil central, já que o norte realmente

exigirá que a floresta seja mantida de pé e

é parte da bacia amazônica. O que acontecerá

funcionando, encontramos um grave problema:

com a vazão do rio Tocantins, que abastece a

não sabemos como fazer isto e gerar o

hidroelétrica de Tucuruí? Lúcio Flávio Pinto

crescimento econômico. Não existe um acervo

(2002) divulgou que a hidrelétrica de Belo Monte

de conhecimento de C&T disponível que atenda

sofrerá de deficiência de vazão do rio Xingu

esta demanda, dada a escala da Amazônia. É

durante 4 ou 5 meses por ano e não gerará

certo que existem muitas idéias e até muitas

excedentes de energia como atualmente

experiências bem sucedidas, mas todas são

configurado;

o

em escala pequena. Afinal, quantas toneladas

desmatamento na Amazônia. E se as

são necessárias para abastecer os mercados

cabeceiras do rio Xingu forem desmatadas?

de castanha do Brasil, de óleo de castanha do

Aliás, já estão sendo desmatadas a uma taxa

Brasil, de óleo de andiroba, de raíz de

acelerada. Tudo isto, sem falar do incremento

muirapuama, etc.? Embora os números sejam

no assoreamento dos rios, que sempre

incertos, todos são muito menores do que

acompanha o desmatamento. Quais Ministérios

precisamos para mudar os índices de

24

isto

sem

considerar

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia

desenvolvimento humano na Amazônia,

similares aos custos do Brasil, mas com

especialmente no interior onde estes índices são

características típicas do subdesenvolvimento

uma vergonha nacional.

agudo), além de amenizar os custos do Brasil

Pior que isto, nenhum país do mundo

na Amazônia. A Amazônia precisa de um

tem feito algo parecido! Afinal, Homo sapiens

programa de investimento em infra-estrutura,

depende de agricultura e a definição de

mas este programa precisa tomar o

agricultura é o cultivo dos campos. Todas as

desenvolvimento sustentável como base e não

sociedades humanas bem sucedidas foram e

como retórica. Este programa precisa ter a C&T

são agrícolas, e todas as nações bem

como peça fundamental, e com muito mais que

sucedidas, hoje e no passado, foram agrícolas

os 3-4% dos investimentos na área, previstos

e defendem vigorosamente sua agricultura –

pelo atual governo. Ressalte-se que não

veja as discussões sobre subsídios agrícolas

conhecemos o necessário, ainda, e o tempo é

na OMC e na ALCA. Portanto, não existe um

curto, dadas as previsões de Lawrence et al.

modelo que o Brasil pode seguir para o

(2001) e Cox et al. (2000), porque os

desenvolvimento sustentável da Amazônia com

investimentos não gerarão retornos imediatos.

a floresta de pé. O Brasil vai precisar

Os investimentos brasileiros são mais

desenvolver este novo modelo. Vai precisar

importantes, ainda, quando reconhecemos que

ousar na busca de novos modelos, novas

o mercado global raramente paga pela

concepções.

sustentabilidade.

Além do fato de que o Brasil ainda não

O caso da soja é emblemático da falta

decidiu o que pretende fazer na Amazônia, o

de planejamento em prol de uma Amazônia

Brasil ainda não entendeu o que precisará fazer

sustentável (Clement & Val 2003). Diversos

se realmente quer o desenvolvimento

ministérios trabalharam de forma integrada em

sustentável da Amazônia com a floresta de pé.

apoio a esse agronegócio, organizando infra-

A tão propalada falta de planejamento nacional

estrutura de escoamento – a hidrovia do

ainda não foi resolvida, ao contrário da retórica

Madeira, o porto de Itacoatiara etc. – e acesso

do ministério encarregado por este setor. O

a capital. Ao mesmo tempo, estes ministérios

desenvolvimento sustentável foi relegado ao

não resolveram os custos do Brasil no centro-

MMA, em lugar de ser assumido pela

oeste e no sudeste, criando uma lógica

Presidência e todos os principais ministérios,

inexorável para a expansão da soja rumo a

começando com os da Fazenda, do

Amazônia. Igualmente importante, apoiaram a

Planejamento, das Minas e Energia, dos

P&D que gerou variedades e sistemas de

Transportes, da Agricultura, para mencionar

produção para a soja entrar na Amazônia. O

apenas aqueles com maiores investimentos em

avanço da soja na Amazônia mostra claramente

favor do modelo atual insustentável. As questões

que P&D geram resultados!! Embora muito

de escala geográfica e temporal precisam ser

criticado na época, o cenário de Lawrence et

internalizadas pelos ministérios, pelos estados

al. (2001) está se concretizando com essa

e pelos países da Amazônia.

expansão e continuação da maioria das políticas

O planejamento integrado precisa

do “Avança Brasil”. Tudo continua acontecendo

enfrentar os custos da Amazônia (que são

sem que a intervenção do MMA tenha efeito

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

25


O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia

importante! Isto demonstra claramente que não se pode relegar o desenvolvimento sustentável ao MMA – precisa ser de todos os ministérios, começando no topo do governo! Mais grave ainda é que, embora não sustentável, o modelo atual funciona! Ou seja, mesmo com a falta de planejamento nacional, o sistema aplicado à região demonstrou resultados econômicos e são justamente estes resultados que dificultam provar que o sistema está errado (Novaes 2002). Entretanto, o sistema não estará errado se o Brasil tiver decidido sem alardes transformar Amazônia em cerrado para se tornar uma potência agrícola. No entanto, ao que nos consta, esta decisão nunca foi explicitamente assumida como política nacional, de forma que podemos afirmar que um sistema funcionando, e bem, está errado para a Amazônia – se o Brasil deseja manter a floresta de pé e as chuvas caindo normalmente no Brasil central. É uma decisão política, e uma das mais importantes que este governo pode tomar. Aí vem mais uma questão: se não a soja, o que? A resposta geralmente é: a biodiversidade da Amazônia. Se esta resposta for válida por si só, o desmatamento não estaria acontecendo na taxa atual, nem o povo da Amazônia estaria defrontando-se com alguns dos piores índices de desenvolvimento humano do Brasil. Tem sido observado, com muita razão, que a diversidade da própria floresta mina sua conservação devido a sua baixa densidade econômica (May et al. 2002). Ou seja, a diversidade exuberante da floresta amazônica não combina com o atual modelo de desenvolvimento mundial, que é baseado em monocultivos de todos os tipos. Considerando esta limitação, a biodiversidade tem potencial para contribuir para o desenvolvimento sustentável da Amazônia? 26

O DESAFIO DA BIODIVERSIDADE Antes de ver se a biodiversidade tem potencial para contribuir com o desenvolvimento sustentável da Amazônia, precisamos ver o que é ‘potencial’? De novo, segundo o Dicionário Aurélio (1985): potencial. adj. 1. Respeitante a potência. 5. Filos. Que está em potência. Seguindo a sequência: potência. s. 11. Filos. Caráter do que pode ser produzido, ou produzir se, mas que ainda não existe (itálico adicionado). Ou seja, a biodiversidade por si só não vale nada, o que explica a sua continua perda em todo o mundo. Como transformar potencial em produto no mercado e especialmente em lucro? Dois fatores são essenciais: empreendedores – com imaginação e com capacidade empresarial; e investimentos – primeiro em C&T para produzir informações necessárias, segundo em P&D para garantir qualidade e completar a cadeia de produção,

terceiro

em

produção,

processamento e comercialização. A ONU já demonstrou que o Brasil é um país excepcionalmente rico em empreendedores, embora a capacidade empresarial da maioria desses empreendedores seja baixa. Mudar este quadro requer investimento, e a estrutura para fazer isto existe – o SEBRAE e suas instituições irmãs, estão entre elas. Então, o que realmente está faltando são investimentos em C&T, P&D e nas cadeias de produção. Como notamos acima, o Brasil não investe na sua “colônia”, o que ajuda a explicar porque a biodiversidade da Amazônia tem contribuído pouco até este momento. Quais são as opções econômicas oriundas da biodiversidade que merecem investimento e quais são as conseqüências deste investimento? Acreditamos que existem T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia

seis grupos de opções (ordenado pelo tamanho

importa se vem do manejo sustentável ou

do acervo de conhecimento, ainda que

resulta da destruição da floresta. Kahn (2002)

escasso): agricultura e pecuária; madeira;

sugeriu

ecoturismo; produtos florestais não madeireiros;

governamentais poderiam mudar esta equação,

carbono; genes que codificam funções úteis na

mas sua adoção dependerá de trabalho

indústria farmacêutica e afins.

integrado de diversos ministérios. Se a

que

mecanismos

e

políticas

Agricultura & Pecuária – Os povos

densidade econômica da floresta for aumentada

indígenas domesticaram pelo menos 100

– o que é sacrilégio para muitos ambientalistas

espécies de plantas na região, pelo menos uma

– a equação poderá melhorar. Como no caso

de enorme importância: a mandioca. A maioria

do agronegócio, o manejo florestal geralmente

das outras são fruteiras. No entanto, mesmo

é bom para os donos, mas salário mínimo para

com fruteiras, a opção por este grupo resultará

todos os outros. O Promanejo está começando

em mais desmatamento, embora com fruteiras

a planejar e executar manejo comunitário, que

uma cobertura semi-florestal possa ser

tem potencial para mudar os índices de

reconstruída. Se for agronegócio, é bom para

desenvolvimento humano em algumas

os donos, mas salário mínimo para todos os

localidades, mas não atende nem a demanda

outros atores. Se for agricultura familiar, o

do mercado interno.

problema será expandir a presença das

Ecoturismo – A contemplação da

instituições de P&D e de extensão para atender

biodiversidade seguramente é sustentável, mas

uma população dispersa na escala geográfica.

requer infra-estrutura de boa qualidade e

O Pronaf está começando a planejar e a

capacitação de todos os atores na sua cadeia

executar ações nessa direção e pode ajudar a

de produção. Mesmo quando todos estiverem

mudar os índices de desenvolvimento humano

capacitados, o ecoturismo é bom para os

em algumas localidades. É importante frisar que

donos, mas levará um salário mínimo para todos

não existe outro ‘commodity’ entre as plantas já

os outros.

domesticadas da região, o que significa que

Produtos Florestais Não Madeireiros

precisaremos trabalhar muitas espécies para

– Estes são a base da proposta da Zona Franca

gerar resultados.

Verde, do governo do Amazonas, e o sonho das

Madeira – A FAO estimou que existe

ONGs, mas é justamente a opção onde o

pelo menos US$ 1 trilhão de estoque em pé na

acervo de conhecimento é mais escassa e a

Amazônia, mas a maioria das espécies não tem

questão de escala geográfica é mais

mercado. Madeira é o exemplo clássico para a

importante. Estes produtos incluem as plantas

observação de May et al. (2002), já que as

medicinais, aromáticos, óleos etc. que têm

espécies com valor para o mercado estão

nichos de mercado de grande apelo popular,

dispersas na floresta, com baixa densidade,

mas cujas escalas são sempre pequenas. Para

comprometendo o retorno econômico. O manejo

que estes produtos desempenhem um papel

sustentável é viável? Schneider et al. (2000)

importante,

afirma que é, mas a maioria absoluta da

conhecidos rapidamente e que sejam

madeira da Amazônia é vendida no mercado

desenvolvidos, isto é, o processo implica em

interno, que quer madeira barata e não se

muita C&T e muito mais P&D. Podemos fazer?

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

precisaremos

que

sejam

27


O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia

Claro,

mas

não

com

os

minguados

investimentos atualmente disponíveis para Amazônia neste setor.

lógica. Genes – Na era da biotecnologia que está se iniciando, esta opção toca na

Estes produtos têm, ainda, um porém:

imaginação de muita gente, desde a

seu sucesso implica em agricultura (Homma

comunidade de C&T até as empresas de base

1992). A razão é a mesma do caso de madeira

biotecnológica nacional e internacional. Embora

– a baixa densidade econômica destes produtos

essencial para o Brasil, não sabemos se o

na floresta. Quando a demanda por um desses

processo oferece os “altos índices de

produtos cresce, a tendência é iniciar o manejo

rendimentos dos fatores de produção, i.e., os

na floresta, seguida por sua introdução em

recursos naturais, o capital e o trabalho” que

parcelas agroflorestais ou mesmo pomares e,

são os fundamentos da definição de

finalmente, a transferência da cultura para fora

desenvolvimento, quando aplicado à Amazônia.

da Amazônia. A história da Amazônia é repleta

A razão é simples: uma vez identificado e

de exemplos nesse sentido, alguns dos quais

isolado o gene de interesse, este gene será

bons para outras partes do Brasil ou mesmo

vendido ao comprador que pagar mais – uma

para o exterior, como é o caso clássico da

das leis do capitalismo, que não será facilmente

seringa, mas todos deixaram um vazio na

revogada! Isto explica por que as ONGs da

Amazônia. É possível reverter essa tendência?

Amazônia não são entusiastas do modelo de

Provavelmente não, mas criando cadeias de

bioprospecção atual. Ao mesmo tempo, isto não

produção sustentáveis, com tecnologias

quer dizer que o Brasil não deva seguir este

avançadas e adequadas, e agregando valor aos

caminho – deve, mas com os olhos bem

produtos regionais ainda na região, como

abertos.

recomendou recentemente a Ministra Marina

No entanto, a era da bioprospecção nas

Silva, certamente ajudará a manter a maior

florestas tropicais poderia estar se encerrando

parte do lucro na Amazônia, por mais tempo.

ainda em sua fase nascedoura, e por duas

Mesmo com essas limitações, esses produtos

razões: compostos bioativos são encontrados

teriam um papel importante na mudança dos

em todo o mundo e a era genômica poderia criar

índices de desenvolvimento humano em muitas

compostos bioativos altamente enfocados.

localidades.

Recentemente foi proposto que o genoma

Carbono – Esta opção tem sido

humano aponta para o fato de que um número

amplamente discutida por nosso colega do

limitado de genes codifica para um grande

INPA, Phillip M. Fearnside, mas requer que o

número de proteínas e, portanto, a probabilidade

governo do Brasil assuma a decisão de

de se encontrar genes úteis em nosso quintal é

negociar a inclusão da floresta de pé no

maior do que a originalmente imaginada (Tulp

Protocolo de Kyoto, o que hoje não está nos

& Bohlin 2002). No caso, nosso quintal é

planos. Ainda, mecanismos de direcionar

qualquer terreno baldio no primeiro mundo. Ou

benefícios ao interior da Amazônia precisam ser

seja, as florestas tropicais talvez não sejam

desenvolvidos. Nesta direção, o Fundo de

imprescindíveis para a indústria farmacêutica.

Desenvolvimento da Amazônia proposto pelo

A mesma lógica vale para a outra razão, com o

Senador Jefferson Péres seria uma opção

genoma apontando para a proteômica e esta

28

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia

para o remédio – sem necessidade de

regiões do país em termos de densidade por

biodiversidade tropical. A implicação também é

estado, é preciso lembrar que a Amazônia Legal

simples: ou o Brasil faz por conta própria, ou as

representa 60% do Brasil, tem perto de 10% de

oportunidades que estes genes representam

sua população e contribui com cerca de 7% do

não serão realizadas. No caso da genômica, o

PIB. Mais uma vez a questão de escala entra

Brasil já está investindo e até a Amazônia está

em jogo, e a escala do investimento é muito

representada – a UFAM, a UFPA e o INPA foram

menor que a escala do desafio – muito maior.

parceiros do genoma do Cromobacterium

Este desencontro entre escalas fica

violaceum. Contudo, lamentavelmente, projetos

mais evidente ainda quando examinamos o

deste porte ainda tem repercussões sociais

número de grupos de pesquisa. Seguindo o

reduzidas, pois o foco é neste caso, e em várias

levantamento de 2002 do CNPq, o Brasil tem

outras iniciativas, apenas na disponibilidade do

15.158 grupos, dos quais apenas 590 estão na

material biológico.

Amazônia. Ou seja, 3,9% dos grupos de

Então, a biodiversidade tem potencial

pesquisa estão trabalhando com 60% do país.

para apoiar o desenvolvimento sustentável da

Considerando que a biodiversidade é tida

Amazônia? Claro que tem, mas os atuais

como o grande potencial da Amazônia e até do

investimentos não conseguirão mudar o quadro

Brasil, é válido perguntar quantos dos grupos

a curto prazo; a médio prazo não haverá mais

de pesquisa trabalham com algum aspecto

floresta de pé e não haverá a biodiversidade

diretamente ligado à biodiversidade. Usando a

como hoje.

base de dados do CNPq, é válido afirmar que as grandes áreas do conhecimento – Saúde,

INVESTINDO NA AMAZÔNIA A atualidade dos investimentos brasileiros na Amazônia Legal é compatível com seu status de “colônia”. Existem seis centros da Embrapa, três institutos do MCT, duas Universidades Federais de grande porte e oito de médio a pequeno porte. Todas as Instituições estão sofrendo de falta de investimento e de contingenciamento, e não estão em condições de gerar a informação necessária para apoiar o desenvolvimento sustentável desejado na velocidade necessária. Além disso, em muitos casos as Instituições tem representado bases avançadas de coleta de material biológico para as Instituições de outras partes do país – vide a orientação para a colaboração Norte-Sul por meio dos fundos setoriais, por exemplo. Embora os números pareçam similares aos de outras T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

Biológicas e Agrárias – trabalham com a biodiversidade, embora seja possível que mais alguns grupos também trabalhem. Do universo dos grupos, 41,5 % trabalham com algum aspecto da biodiversidade, sendo que Saúde representa 16,6%, Biológicas representa 14%, e Agrárias representa 10,9%. Na Amazônia, 45,9%

dos

grupos

trabalham

com

biodiversidade, sendo que Saúde tem 61 grupos, Biológicas tem 110 e Agrárias tem 100 grupos, o que representa 1,78% dos grupos de pesquisa do Brasil trabalhando com a biodiversidade na Amazônia!! Precisa ser reconhecido que outros grupos também trabalham com a biodiversidade da Amazônia, mas não trabalham na Amazônia. O futuro dos grupos está na formação de novos recursos humanos. Considerando que os grupos são formados por um doutor líder e um grupo de doutores, mestres, graduados e 29


O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia

técnicos, a formação de novos doutores é um

séculos para o desmatamento da Mata Atlântica

parâmetro importante para avaliar o futuro dos

– levou 50 anos! Lawrence et al. (2000) foram

grupos de pesquisa. Seguindo o mais recente

severamente criticados por suas previsões,

levantamento da CAPES, em 2002 os grupos

mas conforme a soja avança, parece que eles

de pesquisa formaram 6.843 novos doutores,

tinham razão. Detalhes aqui e detalhes ali

sendo que 38 (0,5%) foram formados na

podem ser criticáveis, mas a tendência é a

Amazônia! É intrigante, mas apenas num ano

transformação da Amazônia em cerrado. É

o país formou 10 vezes mais doutores do que o

possível reverter esta tendência? Claro, mas

total daqueles existentes hoje na Amazônia,

requer que o governo decida o que pretende

sendo que apenas no ano passado mais de

fazer

2.000 doutores estavam desempregados ou

desenvolvimento sustentável com a floresta de

sub-empregados na região sudeste. Por si só,

pé, como querem os povos da floresta

estes números indicam que é preciso conceber

amazônica, muitos brasileiros, os cientistas e

urgentemente uma política para fixação de

pessoas do mundo afora, então é necessário

recursos humanos na Amazônia. O que esses

mudar a forma como o governo trata o assunto,

números nos dizem? É possível que a política

e iniciar um programa de investimento na

de fixação de recursos humanos do governo

Amazônia, como parte integral do Brasil,

federal por meio de bolsas de estudo não seja

inclusive e, principalmente, investimentos em

atrativa. Pesquisadores bolsistas são “bóias

C&T para viabilizar um futuro com a floresta de

frias” da ciência moderna.

pé. Em sendo a opção o modelo de

Estes números irrisórios resultam de investimentos

passados

e

da

Amazônia.

Se

pretende

o

desenvolvimento atual, com a floresta

atuais!

transformada em cerrado, precisa assumir esta

Historicamente, 3% dos investimentos em C&T

postura e, ainda, investir para viabilizar este

e P&D federais são para Amazônia, ao mesmo

modelo. Não é mais possível ter um discurso

tempo em que a Amazônia gera ao redor de 7%

retórico e outro plano de investimentos.

do PIB brasileiro. Estes números demonstram claramente que a Amazônia paga para outras

REFERÊNCIAS

regiões do Brasil fazerem C&T e P&D. Agora que mostramos os números, algum leitor ainda

CLEMENT, C.R.; Val, A.L. 2003. Soja versus desenvolvimento sustentável na

tem dúvidas? Ao longo da última década, pelo

Amazônia. Jornal da Ciencia on-line

menos, todos os governos afirmaram que a

<www.jornaldaciencia.org.br> 19.09.03 e

Amazônia é importante e que C&T é o caminho

22.09.03

do desenvolvimento do Brasil. Há claramente

Cox, P.M.; Betts, R.A.; Jones, C.D.; Spall,

um desencontro entre essa retórica e a prática.

S.A.; Totterdell, I.J. Acceleration of global

CONCLUSÕES Será que os autores estão apelando para o apocalipse? É ditado popular que o mundo muda mais rapidamente hoje que antigamente. No início do século 20, falou-se que demoraria 30

warming due to carbon_cycle feedbacks in a coupled climate model. Nature, 408: 184-187. 2000. FEARNSIDE, P.M. Phosphorous and human carrying capacity in Brazilian Amazonia. In: Lynch, J.P.; Deikman, J. (Eds.). Phosphorous T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia

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drug discovery? Trends in Pharmacological

HOMMA, A.K.O. The dynamics of

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* Charles R. Clement é pesquisador do Departamento de Ciências Agronômicas do INPA desde 1977. Formou-se em biologia em

KAHN, J.R. The development of markets

1973 na University of Connecticut, fez mestrado

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em biologia e genética em 1986 na Universidad

forestry: Application to the Brazilian Amazon.

de Costa Rica, e doutorado em horticultura e

Organization for Economic Co-operation and

genética em 1995 na University of Hawaii.

Development, Paris. [ENV/EPOC/GSP/

Concentra seus estudos na prospecção, uso,

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conservação, história e biogeografia dos

NOVAES, Washington. In: Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Amazônia. 19 Junho 2002, UnB, Brasília, DF.

recursos genéticos de fruteiras nativas da Amazônia, com ênfase em pupunha. **Adalberto Luís Val, 46 anos, é

PINTO, L.F. Hidrelétricas na Amazônia:

pesquisador do INPA desde de 1981. Estuda as

Predestinação, fatalidade ou engodo? Edição

adaptações dos peixes da Amazônia às

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SALATI, E.; Nobre, C.A. Possible climatic

em 1986. Em 1992 concluiu seu pós-doutorado

impacts of tropical deforestation. Climatic

no Canadá. Publicou mais de 80 trabalhos em

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periódicos nacionais e estrangeiros; cerca de

SCHNEIDER, R.R.; Arima, E.; Veríssimo,

20 capítulos de livros e oito livros, entre os quais

A.; Barreto, P.; Souza Júnior, C. Amazônia

se destaca “Fishes of the Amazon” publicado pela

Sustentável: limitantes e oportunidades para o desenvolvimento rural. Série Parcerias no 1, T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

Springer Verlag, Alemanha. Atual em várias sociedades científicas no Brasil e no exterior. Tem 31


A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia

participado de comições de trabalho entre as quais: Comitê de Ecologia e Limnologia do CNPq, Comissão de Ciências Biológicas I da CAPES, Comissão de Avaliação das condições de oferta dos cursos de Biologia do MEC, Comitê de Administração do IDS Mamirauá e do Comitê do Programa de Bolsas da Fundação Ford para ações afirmativas. Em 2000, na Inglaterra, foi concluído na Legião de Honra da American Fisheries Society, Physiology Section e, em 2002, recebeu a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico. Acredita que a ciência é uma atividade social com fins sociais. **José Arnaldo de Oliveira, cientista social pela Universidade Estadual de Campinas com especialização em informação ecológica pela Escola Superior de Propaganda e Marketing. Atualmente coordena a área de comunicação e campanhas do Grupo de Trabalho Amazônico (Rede GTA), onde esteve em 2002 coordenando a campanha Amazônia na Rio + 10, com eventos preparatórios para a Conferência Mundial para o Desenvolvimento Sustentável em Joanesburgo.

32

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia

A PESQUISA DE ELEMENTOS DA BIODIVERSIDADE NA AMAZÔNIA A inovação, que garante sustentabilidade aos investimentos, é desafio em um país sem compromisso como o Brasil. A afirmação é do pesquisador Ednaldo Nelson da Silva, vice diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa, para quem a exploração sustentável da Amazônia depende de maior investimento

em

pesquisa

sobre

a

biodiversidade e de competência para se transformar o conhecimento gerado em inovação. Ele informa que a Amazônia, que corresponde a 60% do Território Nacional e onde vivem cerca de 20 milhões de pessoas, é responsável por 7% do PIB brasileiro e no entanto apenas 1% de todos os recursos investidos em pesquisa no Brasil são destinados à Região, quando o que se poderia esperar era que houvesse pelo menos correspondência entre a capacidade de producão e os investimentos em pesquisa, a exemplo de tantos outros países. O vice diretor do Inpa explica que em todos os demais países a pesquisa é realizada pela iniciativa privada, que emprega a grande maioria dos doutores e que, ao contrário, no Brasil 90% da pesquisa científica concentra-se nas instituições públicas, gerando um espaço muito grande a ser preenchido entre a geração do conhecimento e a transformação dele em inovação. Isto justifica, segundo ele, as investidas da Biopirataria e a apropriação do conhecimento gerado na Amazônia, sem qualquer participação lucrativa das praças de origem. Como exemplo ele cita tecnologias como a do “fishburger” e da “bananaship”,

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

33


A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia

desenvolvidos

pelo

Inpa,

mas

exemplo bem mais próximo, segundo o vice

comercializadas sob forma de produtos depois

diretor do Inpa, é o dos treze plantadores de soja

que a Unicamp passou a utilizar o

em Humaitá, que investiram em um “pacote

conhecimento. A verdade – afirma Ednaldo

tecnológico” e que agora se vêem em falência,

Nélson, é que no Brasil “nem o poder público,

por falta de respaldo científico.

nem a iniciativa privada estão sabendo se

Além da escassez de recursos para a

apropriar do conhecimento gerado pelas

pesquisa científica, o pesquisador cita como

instituições de pesquisa para gerar emprego,

outro problema estruturalmente sério para que

renda, enfim, desenvolvimento”. Trata-se, na

o Brasil possa vencer o desafio da inovação, a

visão

dele,

de

um

problema

de

contextualização, uma vez que o Inpa e as demais instituições trabalhariam voltadas para si e que o governo, por sua vez, nada faria para integrá-las à iniciativa privada.

forma de se fazer planejamento a cada quatro anos, por razões eleitoreiras. “Enquanto nos países bem sucedidos – afirma - o tempo dos planejamentos para pesquisa é determinado por critérios científicos, no Brasil os orçamentos de pesquisa são determinados a cada mandato, o

SOLUÇÕES COM EMBASAMENTO CIENTÍFICO

que inviabiliza a pesquisa científica, uma vez que o repasse dos recursos é interrompido e

Em resposta a acusações que ele próprio cita de que o Inpa não coloca produtos no mercado, ele explica não ser esta a missão

que se perdem experimentos. “Qual dos últimos governos lançou uma política nacional de ciência e tecnologia para a Amazônia?” - pergunta - e

da instituição e nem a formação de seus

destaca: “Dizer que a Amazônia é prioritária é

pesquisadores. O vice diretor explica que

apenas um sinal, pois a realidade se faz mesmo

existem

com investimentos”.

duas

linhas

de

geração

do

conhecimento : a que gera produtos para

Com base em todos os pontos que

exportação a partir do conhecimento da

levantou, Ednaldo Nelson esclarece que o Inpa,

biodiversidade e a que gera conhecimento para

desde março do ano passado, reavaliou, para

proporcionar desenvolvimento e melhor

se adaptar ao desafio da inovação, o seu

qualidade de vida, em que o Inpa atua

posicionamento estratégico e redirecionou a sua

prioritariamente. Para ele, quando se trabalha

atuação para incubadoras de empresas,

gerando conhecimento para o desenvolvimento,

difusão do conhecimento que gera, estímulo ao

precisa-se encontrar soluções efetivamente

conhecimento sobre propriedade intelectual e

baseadas no conhecimento científico, de forma

negócios e sintonia com os programas

a se garantira sustentabilidade delas e não

governamentais, sobretudo com o programa

simplesmente importar-se tecnologias , que

Zona Franca Verde, do governo estadual.

podem vir a ser muito bem sucedidas

Quanto aos projetos que estão sendo

temporariamente, mas que declinam logo

desenvolvidos pelo Inpa em direção ao

depois. Como exemplo ele cita o Chile, que está

desenvolvimento sustentável, ele destaca o

fazendo sucesso internacional - segundo ele,

manejo de florestas naturais e a recuperação

com os dias contados - como exportador de salmão, a partir de tecnologia importada. Outro 34

das áreas degradáveis; o conhecimento e a utilização dos peixes da Amazônia; a utilização T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia

dos produtos florestais, estudo dos genomas

entender as variações sócio-epidemiológicas e

animais e vegetais; aproveitamento do

sócio-antropológicas do processo saúde/

conhecimento indígena e estudo das áreas

doença e ainda os significados histórico-

alagáveis. Segundo Ednaldo Nelson, estes

culturais do mesmo processo nas mais

projetos têm grande potencial para proporcionar

diversas etnias que habitam a região. Como

melhores condições de vida para as

explica o vice diretor da instituição na Amazônia,

comunidades e desenvolvimento para Região

Sérgio Bessa Luz, a Fiocruz começa a pensar

e estão disponíveis. Sobre as áreas

na Amazônia não só como natureza, mas

degradáveis, ele explica que não se precisaria

também como sociedade, reconhecendo que

derrubar nem mais uma árvore na Amazônia

os recursos a serem estudados não advêm só

se aproveitássemos as áreas já sacrificadas.

da fauna e da flora, mas também da cultura dos

Quanto ao estudo dos peixes, ele destaca as

povos amazônicos. Dentre os 26 projetos

inúmeras possibilidades de industrialização do

desenvolvidos na área de sociodiversidade, ele

couro para a fabricação de bolsas; dos ossos

destaca o Observatório de Situações de Saúde,

para produzir farinha, e da própria carne. O

uma metodologia que visualiza e controla o

desperdício é enorme - afirma - tanto dos

comportamento das doenças em relação aos

nossos peixes quanto da nossa vegetação.

costumes culturais; e os Estudos Sócio -

Quanto ao conhecimento indígena, ele afirma

Antropológicos da Saúde, através do qual

que o Inpa reconhece a sua dívida para com o homem amazônico e que para revertê-la criou o Núcleo de Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. O homem é objeto de atenção do Inpa também no estudo sobre as florestas alagadas, várzeas e igapós, onde precisa-se garantir a subsistência o ano inteiro.

O COMPORTAMENTO DA SAÚDE E DA DOENÇA NA AMAZÔNIA A preocupação com a qualidade de vida e saúde do homem amazônico também é uma das principais preocupações da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, que embora só tenha instalado a sua Unidade Técnico - Científica para a Região em junho de 2003, em Manaus, desenvolve pesquisas e estudos sobre a biodiversidade amazônica há mais de dez anos, nas áreas de biodiversidade em saúde, ensino e sociodiversidade. Na busca de conhecimento sobre o homem amazônico, a Fiocruz se desafia a T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

pesquisa o comportamento humano diante das doenças, entre eles, por exemplo, o porquê de 26% das pessoas que se tratam de hanseníase acabarem por abandonar o tratamento. Outra importante pesquisa da instituição é a que investiga o consumo da bebida alcóolica entre os indígenas. Com todas essas investigações, a Fiocruz espera poder, a médio e longo prazo, formatar uma base de conhecimento sobre as populações indígenas, afro-descendentes, ribeirinhos e moradores das periferias dos grandes centros. Na área de biodiversidade em saúde, os pesquisadores da Fiocruz desenvolvem estudos biológicos e biomédicos direcionados à produção de informações e tecnologias que contribuem para o controle das doenças prevalecentes e para promover o equilíbrio da saúde ambiental da Amazônia. Neste sentido, uma inovação a ser destacada é a da tecnologia para o diagnóstico molecular de doenças como malária, oncocercose, leishmaniose e até

35


A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia

dengue. O vice diretor e também coordenador

mecanismos imunológicos envolvidos na

da área de Biodiversidade em Saúde explica

resposta às infecções. Ainda segundo Sérgio

que o diagnóstico a partir do DNA é um processo

Luz, a grande vantagem que os países do

revolucionário e especialmente importante para

Primeiro Mundo possuem em relação a países

pacientes assintomáticos, que atualmente

como o Brasil está, justamente, no suporte que

sofrem muitos dias até que se possa confirmar

contruíram em pesquisa básica. Como

a enfermidade que os acomete, e muitas vez

exemplo, ele comenta que no caso da Aids,

com conseqûencias irreversíveis.

todos os avanços e resultados aplicáveis que

A Fiocruz Amazônia atua também na área

se conseguiu até hoje são devidos aos estudos

de Ensino em Saúde, preparando e capacitando

básicos de pesquisadores que se dedicaram

os recursos humanos necessários para o

durante anos e anos a entender os retrovirus.

desenvolvimento dos seus projetos e de outros

“Se já não se tivesse essa base, com certeza

de Saúde Pública. Para 2004, a instituição

até hoje estaríamos buscando o que fazer “ -

programou o primeiro Mestrado em Saúde

destaca.

Pública da Região e diversas especializações

O vice diretor da Fiocruz Amazônia

como Saúde Mental, Saúde da Mulher,

conclui que “embora exista um arcabouço

Antropologia de Saúde, Sistema de Informação

científico muito importante para que a inovação

em Saúde, entre tantas outras.

tecnológica aconteça, é necessário existir uma política específica que contemple a pesquisa

A ESCASSEZ DO CONHECIMENTO básica, no Brasil” e que só a partir daí o País BÁSICO poderá elevar a sua competência em inovação. Coleções Biológicas são depositários do produto Em abordagem sobre as dificuldades de

de pesquisa em sistemática, fisiologia e

fazer pesquisa em uma região tão desafiante

genética microbiana de material biológico.

quanto a Amazônia e sobre quais as inovações

Assim, as Coleções Biológicas possuem

obtidas ao longo de tantos investimentos na

potenciais valores científicos, ecológicos,

busca do conhecimento sobre a Região, Sérgio

educacionais, sociais e econômicos. Nesse

da Luz destaca que freqüentemente os

contexto, a Região Amazônica tem grande

pesquisadores são cobrados a potencializar

destaque no cenário Mundial pela sua

conhecimentos para que sejam obtidos

biodiversidade. A Fiocruz está consolidando no

resultados mais rápidos. Entretanto, a premissa

Estado do Amazonas o seu mais novo Centro

básica para qualquer país desenvolver

Regional de Pesquisa que tem desenvolvido

atividades de inovação tecnológica é possuir

dentro de suas áreas de atuação linhas de

uma forte base de capacitação científica em

pesquisa em entomologia, bacteriologia,

pesquisa básica.

micologia e biotecnologia. Todas essas linhas

Segundo ele, na área da saúde a inovação

tecnológica

de pesquisa apresentam como eixo agregador

depende

a estruturação de uma Coleção Biológica com

fundamentalmente da pesquisa básica. No

objetivo de preservação e conservação dos

desenvolvimento de vacinas ou de diagnósticos

recursos biológicos e genéticos gerados através

mais precisos, pouco avanço pode ser

de suas áreas de atuação. A potencialidade de

conseguido sem conhecimentos básicos dos 36

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia

uma Coleção Biológica deve ser destacada,

da Embrapa. Ele destaca que a agricultura

ainda, nos aspectos relacionados com os

predominante na Amazônia está centrada na

produtos provenientes da utilização do acervo

pequena produção familiar, caracterizada por

biológico tendo em vista que o mercado Mundial

baixa remuneração do produtor, e que a

indica que a Biotecnologia é o setor mais

instituição vê na inclusão social do pequeno

promissor, superando inclusive a indústria

agricultor um dos seus maiores desafios. Para

tecnológica. Hoje, a maioria das decisões de

tanto, a Embrapa apoia o desenvolvimento da

políticas públicas se baseia em considerações

agricultura familiar, adequando tecnologias e

econômicas. Assim, a Coleção Biológica busca

sistemas de produção e manejo à realidade

demonstrar como estratégia que tem potencial

regional. O acesso do produtor às tecnologias

valor econômico e que a sua utilização é

é efetivado por ações de transferência

relevante na sua implementação, ou seja,

realizadas em parcerias com instituições como

apregoa ser imprescindível o reconhecimento

Sebrae e Idam, entre tantas outras.

do valor econômico das Coleções.

Destacando que a preservação dos recursos genéticos da Amazônia também é uma

COMPETÊNCIA TECNOLÓGICA COMO ESTRATÉGIA PARA PRESERVAÇÃO

das principais diretrizes, José Jackson Xavier defende que a maneira mais efetiva de se preservar é conhecer e orientar a exploração a

Para a Embrapa Amazônia Ocidental,

partir deste conhecimento e não se deixar de

que tem por missão viabilizar soluções

usufuir do que a natureza tem a nos oferecer.

tecnológicas para o agronegócio na região,

Ele explica que a biodiversidade tem por

visando ao desenvolvimento sustentável, a

característica

possuir

Biodiversidade da Amazônia é um campo aberto

multiplicidade

de

para pesquisas, geração de conhecimento e

contraponto possuir também uma baixa

desenvolvimento de competência tecnológica.

quantidade de cada uma das suas espécies e

Atuando na Amazônia desde 1973, a instituição

que, portanto, para se garantir uma exploração

comemora agora o maior banco genético de guaraná do mundo, garantindo a perenização da espécie, que seus técnicos e pesquisadores consideram finalmente domesticada e preservada. Segundo o Chefe Adjunto de P&D da Embrapa Amazônia Ocidental, José Jakson Xavier, a instituição se diferencia das outras instituições de pesquisas que se debruçam sobre a biodiversidade regional, por buscar soluções efetivas para melhorar a qualidade de vida da população e orientar suas pesquisas por necessidades ou demandas mercadológicas. Na opinião dele esse é um dos fatores que mais têm contribuído para o sucesso das pesquisas T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

uma

espécies,

elevada mas

em

sustentável é necessário que se tenha o domínio do conhecimento sobre essas espécies para que se possa garantir a subsistência delas e, ao mesmo tempo, a sustentação do consumo. Como exemplo, ele cita os casos do óleo da andiboba e do pau rosa, que estão sendo explorados indiscriminadamente, correndo o risco de se extinguirem, e que, no entanto, em nada têm interferido na qualidade de vida da população. O guaraná, em contrapartida, que segundo o Chefe Adjunto de P&D da Embrapa, até 30 anos atrás era apenas extrativo, agora propicia a sobrevivência de milhares de famílias,

37


A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia

graças aos avanços obtidos através da

Ainda

falando

de

prioridades,

pesquisas em biologia molecular desenvolvidas

JoséJackson Xavier destaca o programa de

pela Embrapa. Hoje, a instituição já passou de

melhoramento da banana, visando ao aumento

cultivo de sementes para a produção de clones,

de sua resistência e qualidade e também o

capazes de elevar em pelo menos dez vezes o

projeto de recuperação da seringueiras,

rendimento de cada espécie.

dizimadas na década de 70 pelo microciclo ulei,

Outra característica da biodiversidade

que atacava as folhas e impedia a produção do

que, segundo o pesquisador da Embrapa,

látex, pondo fim, inclusive, ao Probor, um

dificulta a exploração sustentável da Amazônia,

programa que o governo federal à época

é que o solo é muito rico fisicamente, porém

desenvolvera para reabilitar a cultura da

muito

exigindo

seringueira na Amazônia. Hoje, ressalta o

conhecimento e tecnologias também para o seu

pesquisador, a Embrapa já dispõe da tecnologia

cultivo. Para tanto, a Embrapa tem desenvolvido

do tricomposto, que une as raízes de uma planta

pobre

quimicamente,

avançados sistemas de manejo do solo e de plantas e também do tratamento de pragas e doenças, características do alto grau de umidade na Região.

formando uma só espécie. “Se hoje existir um novo Probor – afirma José Jackson Xavier poderemos fazer renascer a cultura da borracha na Amazônia”.

PRIORIDADES REGIONAIS

A Embrapa dedica-se muito também ao

Além do guaraná, a Embrapa dedica-se prioritariamente

ao tronco de outra e à copa de uma terceira,

ao

conhecimento

e

desenvolvimento de tecnologias para a exploração sustentável de outras espécies, como a mandioca, arroz, feijão, milho e soja e também às chamadas espécies florestais, através de um projeto de zoneamento ecológico. Sobre as espécies florestais , José Jackson Xavier enfatiza, mais uma vez, que a Embrapa se dedica a atender necessidades do mercado, mas sempre visando à preservação e destaca

conhecimento

e

desenvolvimento

de

tecnologias para a exploração do dendê, para o quê já possui o maior banco de hemoplasma da América Latina, e um campo experimental de 420 hectares. O potencial de produção imediato chega a 4 milhões de sementes/ano, podendo, com o incremento ao programa de melhoramento, alcançar a marca de 8 milhões de sementes/ano, suficientes para a implantação de 40 mil hectares de dendezais/ ano. Outra prioridade é a piscicultura, uma vez

o caso do município de Iranduba, aonde o setor

que o consumo per capita de peixes diminuiu

oleiro consome um número muito grande de

muito na região, em razão da escassez

madeiras para queima, o que pode causar

provocada pela ação antrópica. Um quadro

danos à preservação. Para solucionar a

semelhante, segundo José Jackson Xavier, ao

questão, os técnicos da Embrapa estão

que aconteceu na China e que hoje se alimenta

d e s e n v o l v e n d o estudos para obter em

basicamente de peixes graças à mesma

quantidade suficiente para o consumo das

estratégia que a Embrapa está utilizando para

olarias uma madeira de alto valor calórico. “Ao

a Amazônia, ou seja, as tecnologias de

disponibilizarmos esse resultado, estaremos,

piscicultura em tanque escavado e em rede. A

mais uma vez, preservando os recursos

Embrapa está transferindo essas tecnologias

genéticos naturais”– destaca o Chefe Adjunto

diretamente aos produtores.

de P&D da Embrapa. 38

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Recursos Hídricos Urbanos - Proposta de um Modelo de Planejamento e Gestão Integrada e Participativa no Município de Manaus - Am

CIÊNCIA ASSOCIADA À PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

científica e da demanda mercadológica; instalação de intranet para link direto com os laboratórios associados, definição dos

O Centro de Biotecnologia da Amazônia,

procedimentos a serem adotados para o acesso

criado pelo governo do Brasil em parceria com

à biodiversidade e compra e instalação de

a comunidade científica e o setor privado para

equipamentos e seus complementos.

promover o desenvolvimento sustentável da

O coordenador afirma ainda que as

Amazônia e tornar-se referência nacional e

dificuldades têm sido grandes, mas que quando

internacional em conhecimento e tecnologia

o Centro de Biotecnologia da Amazônia estiver

sobre a biodiversidade da região, ainda está em

efetivamente

fase de estruturação, embora já disponha de

“revolucionar todo o atual processo de geração

12 mil m2 de área construída, onde integram-

de conhecimento sobre a biodiversidade

se 26 laboratórios, central de produção de

amazônica”. Ele faz esta afirmação baseado no

extratos, incubadoras de empresas, alojamentos

perfil do CBA, que ele considera eficiente,

para pesquisadores e instalações administrativas e

moderno e competitivo, por associar a geração

de apoio à pesquisa.

do

em

funcionamento

conhecimento

às

vai

atividades

Segundo o coordenador de implementação

empreendedoras e à bioindústria, e assim

do Centro, Imar César de Araújo, a assinatura

gerando a competência que o Brasil precisa

de um acordo entre os ministérios do Meio

para transformar dinheiro em conhecimento e

Ambiente, Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento,

tecnologia e conhecimento e tecnologia em

Indústria e Comércio, costurado para o próximo

dinheiro, completando assim o ciclo do

mês, pode garantir o repasse da verba

desenvolvimento sustentável .

necessária para que o CBA dê início à

Para

tanto,

o

coordenador

de

contratação de recursos humanos qualificados

implementação explica que uma das atuações

e inicie, finalmente, as suas atividades de

mais significativas do CBA será justamente a

pesquisa e inovacão tecnológica. Ele explica que

de colocar a pesquisa a serviço do mercado.

o governo anterior, na proximidade do final de

Ele explica que “o Brasil é um país bom de

mandato, optou por não mais tomar decisões

transformar dinheiro em ciência e ruim de

relativas à implementação do centro, e o governo

transformar ciência em dinheiro”, ou seja, que

atual apenas em setembro último retomou as

não completa o ciclo de desenvolvimento e que

discussões sobre o modelo de gestão a ser

enquanto

adotado para a instituição, o que provocou

desenvolvida, não se tem desenvolvimento

atrasos e poderia ter inviabilizado totalmente

sustentável. Ele afirma ainda ser preciso

qualquer iniciativa. Isso só não aconteceu, explica

abandonar as pesquisas baseadas apenas nas

o coordenador, porque a Suframa, através de

idéias do pesquisador e orientando novas

uma parceria com a Pepsi e a Fucapi, garantiu

pesquisas a partir da demanda do mercado.

a verba necessária para desenvolver um projeto

Como exemplo ele comenta que muitas

de estruturação do CBA, desenvolvido ao longo

pesquisas podem ser boas para a ciência em

de todo este ano de 2003. A estruturação do CBA

si, mas apresentam pouca valia para a

contempla o planejamento e o relacionamento

promocão do desenvolvimento que o Brasil tanto

da instituição com os seus parceiros e com o

precisa.

esta

competência

não

for

mercado,incluindo análise da oferta da comunidade T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

39


Recursos Hídricos Urbanos - Proposta de um Modelo de Planejamento e Gestão Integrada e Participativa no Município de Manaus - Am

RECURSOS HÍDRICOS URBANOS - PROPOSTA DE UM MODELO DE PLANEJAMENTO E GESTÃO INTEGRADA E PARTICIPATIVA NO MUNICÍPIO DE MANAUS - AM.

Andréa Viviana Waichman* João Tito Borges**

INTRODUÇÃO Nas últimas décadas a Região Amazônica passou a ser motivo de um grande interesse por parte do governo na tentativa de sua

incorporação

ao

modelo

de

desenvolvimento econômico nacional e de sua ocupação. Desta forma, o governo desenhou um conjunto de programas e planos visando ao estabelecimento, em nível nacional, de um equilíbrio geopolítico interno. Uma das estratégias adotadas foi a de implantação de grandes projetos industriais que se constituiriam em pólos de crescimento em torno dos quais iriam surgir centros motores da economia regional. Assim, atraídos por uma política de incentivos fiscais, diversos projetos foram implantados a partir do final da década de 60. Uma das características destes projetos foi a alta tecnologia empregada, o alto grau de organização na exploração dos recursos naturais e o grande volume de produção. Um dos primeiros projetos implantados na região foi a Zona Franca de Manaus, criada em 1967, por meio do Decreto-Lei n.o 288, cujo objetivo foi desenvolver um pólo industrial, comercial e agrícola no Estado do Amazonas, servindo de pólo de desenvolvimento para a Amazônia Ocidental. Entre 1970 e 1974 foram investidos 523 milhões de dólares para a instalação de 321 projetos. Embora criada em 40

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Recursos Hídricos Urbanos - Proposta de um Modelo de Planejamento e Gestão Integrada e Participativa no Município de Manaus - Am

1967, a Zona Franca de Manaus somente

uma só estação) previsto no projeto inicial de

começou a funcionar em 1972, ocasião da

instalação do Distrito Industrial não fora

conclusão das obras do Distrito Industrial.

executado. No ano de 2003, o que existem são

A instalação da Zona Franca de Manaus

sistemas de tratamento de efluentes sob a

gerou um movimento migratório que levou a um

responsabilidade das próprias empresas, o que

rápido crescimento populacional nos principais centros urbanos da região. Este processo aumentou a pressão poluidora sobre os sistemas hídricos urbanos, com impactos que se evidenciam no contexto ecológico, econômico e social, refletindo-se na perda de qualidade de vida, prejuízos econômicos e

propicia uma maior dificuldade de fiscalização e controle por parte dos órgãos de controle ambiental. Além de estarem sendo utilizados para moradia da população de baixa renda sobre suas superfícies, os igarapés de Manaus se constituem em lixeiras e receptores de esgotos sanitários e industriais (Figura 1). Neste

mudanças drásticas nas características dos

contexto, a bacia do Igarapé do Quarenta,

ecossistemas e da paisagem de Manaus. A ZFM

compondo grande parte de sua área dentro do

se constituiu num pólo atrativo de mão de obra

distrito industrial, é uma das bacias urbanas

barata acentuando o fluxo migratório fazendo

mais degradadas no município (Figuras 2 e 3).

com que a população passasse de 283.685

Essa degradação é resultado do desmatamento

habitantes em 1970 a 1.403.796 em 2000. Este

de suas margens com posterior ocupação por

crescimento demográfico, e a conseqüente

palafitas e conjuntos residenciais, lançamento

expansão urbana, não foram acompanhados de

de lixo, esgotos sanitários e da carga despejada

investimentos em obras de infra-estrutura,

pelas indústrias.

principalmente no setor de saneamento básico. A área do Distrito Industrial de Manaus possui um ordenamento para uso e ocupação do solo sendo que a Resolução 520 da SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus) traz disposições sobre o controle da poluição. Enquanto as áreas destinadas à

Os governos municipal e estadual vêm implementando ações que se concentram principalmente na retirada de resíduos sólidos dos igarapés e na canalização dos leitos. Porém, esta medida não tem sido suficiente, pois, em pouco tempo o cenário volta a ser o mesmo devido à descontinuidade das ações, evidenciando, portanto, a necessidade de um modelo de gestão integrado e participativo dos

implantação das indústrias foram planejadas

recursos hídricos urbanos que seja adequado

para prover a infra-estrutura e serviços

à realidade local e replicável ao nível regional.

adequados para o seu funcionamento, as moradias

dos

trabalhadores

foram

estabelecendo-se na periferia da cidade, sem nenhum planejamento. A classe menos

PROPOSTA PARA O APRESENTADO

PROBLEMA

favorecida estabeleceu-se em áreas menos valorizadas para suas moradias, entre elas, as

A partir do problema exposto, um grupo

margens dos igarapés. Ressalta-se o fato de

de pesquisadores da Universidade do

que o sistema de tratamento de efluentes

Amazonas (UFAM), juntamente com a

unitário (tratamento de todos os efluentes em

Fundação Centro de Análise, Pesquisa e

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

41



Recursos Hídricos Urbanos - Proposta de um Modelo de Planejamento e Gestão Integrada e Participativa no Município de Manaus - Am

mananciais de água doce e garantir a sua

participativo não implica em deliberações ou

existência para as futuras gerações. Esse

discussões isoladas. Ele demanda uma

processo só é possível a partir do envolvimento

profunda mudança na postura de gestão, onde

da sociedade e do estado nas diferentes

os tomadores de decisão se aproximam da

instâncias de planejamento do desenvolvimento

sociedade e consideram suas necessidades,

e de elaboração de políticas públicas para o

vivências e experiências. A participação implica

setor. Além disto, a água pode ser vista pela

no trabalho conjunto para o estabelecimento de

sociedade de várias formas, dependendo do

critérios, para o manejo sustentável,

nível de decisão, influência e necessidades dos

identificando prioridades e superando entraves.

diferentes grupos sociais. Entender essas

A equipe técnica do projeto que está

diferentes percepções é relevante porque elas

coordenando o processo de planejamento vem

condicionam a maneira de se realizar o

realizando as articulações institucionais e

planejamento e gestão dos recursos. Sendo

identificando os diferentes atores sociais que

assim, a água pode ser tratada como uma

devem fazer parte do processo, como as

mercadoria (commodity), uma necessidade

associações de moradores, associações

social e de sobrevivência humana ou um

industriais e comerciais, sindicatos, lideranças

recurso estratégico ou ecológico.

formais e informais, prefeituras municipais,

O planejamento e a gestão não podem

órgãos públicos estaduais e federais. A

ser vistos como a organização prévia e rígida

articulação entre os diferentes atores deverá

dos diversos recursos disponíveis em função

gerar um processo de cooperação e de arranjo

de objetivos e metas estabelecidas por

institucional que permitirá o fluxo contínuo de

instituições e técnicos. Ao contrário, deve surgir

informações, de trocas de serviços e de apoio

da interação dos atores sociais, coordenando

mútuo. Entende-se que a cooperação

os esforços e em função de objetivos

implementada possibilitará o intercâmbio de

estabelecidos em comum. Assim, a criação do

saberes, a valorização de habilidades, enfim a

modelo e sua implantação se darão a partir da

instituição de um rico processo de crescimento,

ampla participação da sociedade. Esta é uma

onde cada entidade em sua esfera se fortaleça

das lições que foram aprendidas depois dos

na força coletiva e se exercite um avanço no

insucessos na gestão de recursos hídricos nas

exercício da excelência e da participação cidadã.

últimas décadas, onde a população local

O modelo de gestão vislumbrado deve

somente pagava pelo uso, pela degradação

ter na informação a matéria-prima essencial

realizada ou pela recuperação de áreas

para o planejamento, a formulação de políticas

impactadas. Para o sucesso da gestão será

e a tomada de decisão. Desta forma, as metas

necessário que todos os usuários reconheçam

estabelecidas no projeto incluem a identificação

que a participação não é simplesmente uma

dos usuários com a definição de seus principais

nova forma de discutir as mesmas soluções,

problemas e prioridades e a coleta de dados

mas sim, um fórum no qual deve-se incentivar

qualitativos (qualidade da água) e quantitativos

a proposição de novas estratégias para garantir

dos recursos hídricos (dados de vazão, área

a conservação dos recursos hídricos.

inundada e outros) em escala temporal e

Isto não é muito fácil, pois o processo T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

espacial, de dados sócio-econômicos e da 43


A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva

avaliação dos impactos provocados pelas

recursos hídricos, sendo um deles o projeto “Um

formas de ocupação. Essas informações

modelo de planejamento e gerenciamento de

deverão ser atualizadas e disponibilizadas

recursos hídricos urbanos para cidades

através de uma rede integrada pelos diferentes

amazônicas” do Fundo Setorial de Recursos

agentes sociais envolvidos, viabilizando sua

Hídricos do MCT. Universidade Federal do

manutenção.

Amazonas.

O processo de criação do modelo irá

E-Mail: awaichman@ufam.edu.br

promover a integração dos diversos usuários para a análise dos problemas e elaboração das

**João Tito Borges – Doutor em Engenharia

soluções possíveis. O grande desafio, após a

Civil, na área de concentração em Saneamento

criação do modelo será o envolvimento dos

e Ambiente pela UNICAMP. Professor do CESF-

diferentes setores na implementação e no

FUCAPI nos Cursos de graduação na disciplina

monitoramento das ações propostas.

de Gestão Ambiental e funcionário do CETAF (Centro Tecnológico Ambiental da FUCAPI) e

Conclusão

professor em cursos de especialização na UFAM, UTAM e Nilton Lins.

A gestão dos recursos hídricos e a

E-Mail: tito@fucapi.br

revitalização de bacias urbanas de Manaus devem ser baseadas na criação de uma nova consciência de interação entre os elementos comportamentais e tecnológicos, haja vista a forte identidade simbólica do povo amazônico com a água. Desta forma, a identificação dos interesses dos diferentes setores e a incorporação das oportunidades e limitações dos ambientes, da sociedade e da economia, são princípios que estão sendo considerados no processo de elaboração do modelo de planejamento e gestão integrada e participativa dos recursos hídricos, que promovam a melhoria da qualidade de vida da população e a recuperação dos igarapés, reintegrando-os à paisagem urbana.

*Andréa Viviana Waichman – Doutora em Biologia Aquática e Pesca Interior pelo INPA. Desde 1995 vem pesquisando os impactos antrópicos nos igarapés de Manaus. Coordena vários projetos relacionados à gestão de 44

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva

A BIODIVERSIDADE NO ESTADO DO ACRE: CONHECIMENTO ATUAL, CONSERVAÇÃO E PERSPECTIVAS Moisés B. de Souza* Marcos Silveira** Maria Rosélia M. Lopes*** Lisandro Juno S. Vieira**** Edson Guilherme***** Armando M. Calouro****** Elder F. Morato*******

ACRE: UMA FRONTEIRA BIOLÓGICA E GEOGRÁFICA NO SUDOESTE DA AMAZÔNIA. O Estado do Acre está localizado no extremo oeste do Brasil, em uma área de transição entre a Cordilheira andina e as terras baixas amazônicas, e inserido, ou próximo, de um dos mais importantes Refúgios Florestais do Pleistoceno, o “Refúgio do Leste do Peru-Acre” proposto por HAFFER (1969, 1974), VANZOLINI & WILLIAMS (1970), PRANCE (1973), BROWN et al. (1974), contudo não corroborado por RANZI (2000). A Amazônia sul-ocidental, em território brasileiro é caracterizada pela presença de rios barrentos e meândricos, com cursos instáveis e terreno relativamente plano, exceto em partes da bacia do alto Juruá, cuja topografia mais acidentada revela morros, rochas, cachoeiras e pequenas montanhas de até 600 m, em função da proximidade dos Andes. O clima no Acre é caracterizado por uma média pluviométrica anual que varia entre 1.600 mm e 2.750 mm, e pela duração da sazonalidade. No Acre, o déficit hídrico pode se prolongar por

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

45


A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva

até cinco meses na região leste, diminuindo

e “muito alta” para proteção da biodiversidade

progressivamente no sentido Sudeste-Noroeste

(ACRE, 2001). O Acre também é indicado como

(ACRE, 2001). Com uma estação seca

região prioritária para levantamentos biológicos, e

pronunciada, o leste do Estado revela afinidades

como “hot spot” para diversos grupos, por causa

florísticas fortes com o Brasil Central e as

da alta diversidade e de endemismos estreitos

formações peri-Amazônicas mais secas

(CONSERVATION INTERNATIONAL, 1991;

investigadas por PRADO & GIBBS (1993),

DINNERSTEIN et al., 1995).

enquanto no extremo noroeste, mais úmido, há

A alta diversidade biológica no Estado do

afinidades com os Andes e demais partes

Acre pode ser resultante da interação de um

periféricas da Amazônia ocidental.

conjunto de fatores bióticos e abióticos, como:

Até hoje, o Acre ainda é considerado um Estado isolado do resto do país,

origem e história geológica da região; mudanças

onde o

climáticas no passado; mecanismos de geração

melhoramento das estradas é um sonho

dessa diversidade ao longo do tempo;

regional, tanto do lado brasileiro como dos lados

heterogeneidade ambiental; características das

peruano e boliviano na Amazônia Sul-Ocidental.

condições climáticas atuais (pluviosidade,

Com os investimentos do Programa Avança

umidade, temperatura, e sazonalidade).

Brasil, o trecho acreano da BR-317, que ligará

As informações sobre diversidade florística

o Brasil aos portos do Pacífico, está concluído

do Acre oriundam originam-se de levantamentos

(BROWN et al., 2002). No entanto, existe uma

efetuados por especialistas botânicos, cujas

preocupação por parte da comunidade local

amostras estão depositadas no Herbário da

sobre os possíveis impactos sociais e

Universidade Federal do Acre e, ainda, do Banco

ambientais que essas obras possam causar na

de Dados da Flora do Acre.

região, uma vez que a rodovia cruza um “hot

Estudos sobre o inventário taxonômico da

spot”, e praticamente inexistem estudos sobre

biodiversidade de algas no estado do Acre são

os possíveis impactos.

incipientes, raros e estão concentrados na

Embora as mudanças nos padrões de uso

comunidade fitoplanctônica. Embora sua

da terra venham provocando a fragmentação

ficoflórula seja exuberante e extremamente

florestal, especialmente no leste do estado, dos

diversificada, o que pode ser comprovado pela

152.581.388 km2 (NÃO SERIAM m2 ?), o Acre

presença de representantes de todos os filos algais

ainda mantém 90% da sua cobertura florestal em

e considerável número de classes (VAN DEN

pé, e parte de sua área pertence à União, o que

HOEK et al., 1997), ainda é muito pouco

favorece o estabelecimento de mecanismos de

conhecida.

conservação (ACRE, 2001).

A FLORA E A FAUNA EM NÚMEROS

No vale do Juruá, ARCHIBALD & KING (1985) identificaram 73 espécies para o rio Moa e Lopes (dados não publicados), 56 espécies para

Resultados do Zoneamento Ecológico-

o rio Juruá. No vale do rio Acre, KEPPELER et al.

Econômico do Estado do Acre (ACRE, 2001), no

(1999a, 1999b), identificaram 35 espécies para o

seu componente “Indicativos para Conservação

lago Amapá, e LOPES & BICUDO (2003), 98

da Biodiversidade”, apontam que mais da metade

espécies para o lago Pirapora. Além disso, LOPES

da superfície do estado tem importância “extrema”

(dados não publicados) vem realizando um

46

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva

inventário taxonômico apurado para o Estado e,

Na busca pelo aumento do número das

até o momento, foram identificadas e catalogadas

coletas botânicas e da qualidade das

436 espécies de algas fitoplanctônicas e perifíticas,

determinações, especialistas mobilizados para o

coletadas nos açudes e nos ecossistemas que

Acre nos últimos 30 meses, através do convênio

formam a planície de inundação do rio Acre.

UFAC/NYBG, coletaram cerca de 8.000 amostras.

O conhecimento da composição florística

Isso representa um impacto notável para o

dos ecossistemas do Acre, incluindo as coleções

conhecimento da flora regional, pois o herbário

histórias do botânico alemão Enest Ule, realizadas

levou pouco mais de 20 anos para incorporar

em 1901 e 1910, foi resgatado e está

17.000 amostras, e cresceu quase 40% em

sistematizado no Banco de Dados da Flora do

menos de três anos (SILVEIRA, 2003). Nesses

Acre (www.nybg.org/bsci/acre), gerenciado há

últimos 30 meses foram descobertas 32 espécies

mais de 13 anos pelo convênio entre a

novas de plantas, o equivalente a mais de uma

Universidade Federal do Acre (UFAC) e o New York

espécie nova por mês. Além da descoberta de

Botanical Garden (NYBG).

um número crescente de espécies novas para a

O banco de dados registra quase 20.000

ciência, análises de distribuições levantam um

amostras botânicas incorporadas à coleção do

número cada vez maior de espécies endêmicas

Herbário da UFAC e, desse total, estima-se que

estreitas (DALY, 2003).

existam no Acre aproximadamente 4.000

O Acre abriga 75 espécies de briófitas, 152

espécies vegetais, significando que a cada cinco

de pteridófitas e seis de gimnospermas (Zamia e

plantas coletadas na região, uma representa um

Gnetum), e constitui um centro de diversidade

novo registro para a base de dados.

para as palmeiras, abrigando mais espécies que

O conhecimento da flora do Acre está

a Bolívia inteira, e pelo menos 70% da flora de

distribuído geograficamente de forma irregular,

palmeiras da Amazônia ocidental (HENDERSON,

uma vez que a bacia do Rio Acre no leste, e a do

1995). Para a Amazônia, o Acre também é rico

Alto Juruá no noroeste, receberam maiores

em Myrtaceae, Araceae terrestres, e Pteridófitas.

investimentos, sendo que esta última concentra a

Além dos dados florísticos, informações

maioria das coletas botânicas efetuadas no estado

de 14 amostras de um hectare estabelecidas em

(DALY & SILVEIRA 2002). Em função disso, existe

diferentes tipos de floresta no Acre (SILVEIRA &

uma lacuna, ou “buraco negro” (SILVEIRA et al.,

DALY, dados não publicados), também ajudam na

1997) no conhecimento florístico na região da

compreensão dos padrões de diversidade, e no

bacia do Rio Purus, que apenas recentemente

desenvolvimento de modelos sobre densidade e

passou a ser alvo de expedições botânicas.

diversidade arbóreas para a Amazônia (TER

Apesar da quantidade de coletas ter

STEEGE et al., 2003). Para os padrões

aumentado nos últimos anos (SILVEIRA, 2003), a

Amazônicos, as florestas no Acre são pobres ou

média de 15 coletas em 100 km 2 ainda é

podem apresentar riqueza intermediária de

relativamente baixa quando comparada com mais

espécies. A Floresta aberta com bambus do

de 85 plantas coletadas em 100 km2 na Amazônia

gênero Guadua, por exemplo, abriga um número

Equatoriana (RENNER et al., 1990), e mais de 30

inferior a 100 espécies arbóreas por hectare

espécies em 100 km2 na região do Chocó, na

(SILVEIRA, 2001). Em determinadas Florestas

Colômbia (FORERO & GENTRY, 1989).

abertas com palmeiras, no entanto, é possível

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

47


A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva

encontrar até 201 espécies por hectare (SILVEIRA

amostragem é restrito a duas áreas (Alto rio Juruá

& DALY, dados não publicados), um valor não tão

e Bacia do rio Acre).

elevado em relação àqueles encontrados em

BEGOSSI et al. (1999) registraram 102

Manaus (OLIVEIRA & MORI, 1999), Iquitos no Peru

espécies no Alto Juruá, sendo essas espécies

(BALSLEV et al., 1987), e Cuyabeno no Equador

distribuídas nos gêneros Characiformes (7

(VALENCIA et al., 1994), mas superior à riqueza

famílias; 40 espécies), Siluriformes (9 famílias;

documentada em mais de 50% dos inventários

51 espécies), Gymnotiformes (2 famílias; 3

realizados na Amazônia.

espécies), Perciformes (2 famílias; 6 espécies)

No que diz respeito à fauna, o Acre também

e Pleuronectiformes (1 espécie). Baseados no

apresenta uma diversidade alta de espécies, e tal

conhecimento de populações tradicionais e em

conhecimento está associado às coleções de

amostragens, CUNHA et al. (2002) registraram

referência mantidas pela UFAC (entomológica,

cerca de 130 espécies de peixes no Alto Juruá.

paleontológica, herpetológica, fauna aquática e

Trabalhos realizados por BRITSKI et al.

amostras taxidermizadas de espécimes da

(informação pessoal) na bacia do rio Acre

avifauna e da mastofauna), e às informações

indicaram a existência de pouco mais de uma

congregadas em um Banco de Referências

centena de espécies. Estudos de VIEIRA (2003)

Bibliográficas sobre a fauna do estado (ACRE,

na bacia do Riozinho do Rola, afluente do rio

2001).

Acre, revelaram 38 espécies de peixes, muitas Os animais da fauna regional somam

destas já incluídas nos inventários de BRITSKI

3.581 espécies, com destaque para a avifauna,

et al. (op. cit.), BEGOSSI et al. (1999) e CUNHA

anurofauna e mastofauna. No Acre é possível

& ALMEIDA (2001). Dados do Zoneamento

encontrar cerca de 30% dos sapos, rãs e

Ecológico-Econômico – ZEE (ACRE, 2001)

pererecas existentes no Brasil, 50% da avifauna

contabilizam 251 espécies de peixes

e cerca de 40% dos mamíferos brasileiros. Em

catalogadas para o Acre, representando 8,4%

função da proximidade dos Andes, o Acre também

do total de espécies de peixes registradas para o

é uma região de diversidade alta de borboletas.

Brasil. Dada a grande variedade de ecossistemas

O conhecimento sobre a ictiofauna de

e habitats existentes no Acre, acredita-se que o

água doce da região Neotropical, a menos

número de espécies de peixes deve ser muito

conhecida entre as regiões zoogeográficas do

maior do que aquele apresentado pelo ZEE

mundo (MOYLE & CECH, 1982), aponta para

(ACRE, 2001). O conhecimento da fauna de

2.400 espécies (MENEZES, 1996; LOWE-

anfíbios do Acre ainda é muito incipiente, mas o

McCONNELL, 1999), dentre as quais cerca de

suficiente para afirmarmos que este é um dos

1.300 estão presentes na Amazônia, muitas

locais de maior diversidade de anfíbios do

destas endêmicas. Os inventários no Acre são

planeta (SOUZA, 2003). Atualmente, são

pouco expressivos, uma vez que a região é

conhecidos em torno de 5.500 espécies de

considerada como “Área de

muito alta

anfíbios no mundo (FROST, 2002). Mais de

importância” para a conservação da biota aquática

1.700 destas espécies vivem na América do Sul

(cerca de 70% da área do estado do Acre),

e o Brasil é o país com a maior diversidade:

segundo o Seminário Consulta de Macapá

517 espécies (LEWINSOHN & PRADO, 2002).

(CAPOBIANCO et al., 2001). e o esforço de

Um grande número dessas espécies ocorre na

48

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva

floresta Amazônica. No Acre, foram registradas

um centro de endemismo avifaunístico,

até o presente momento 126 espécies, 32

registra-se cerca de 723 espécies de aves, um

gêneros e 10 famílias representantes das

número expressivo que reflete a alta

ordens: Anura: Bufonidae (5), Centrolenidae (1),

biodiversidade da Amazônia, se comparado, por

Dendrobatidae

(57),

exemplo, com o total de aves registradas para

Leptodactylidae (40), Microhylidae (8), Pipidae

o cerrado sul-americano que é cerca de 759

(2) e Ranidae (1); Caudata: Plethodontidae (1)

espécies (SILVA, 1995), bioma este que possui

e Gymnophiona: Caeciliidae (1). Destas, 19

uma área quase 10 vezes maior do que a do

espécies ainda não tiveram a taxonomia a nível

Estado do Acre. De acordo com D. C. OREN

específico precisamente definida, sendo que

apud CAPOBIANCO (2001), na Amazônia

muitas destas podem representar novos

existem 283 espécies de aves consideradas

registros para a ciência, três são tidas como

raras ou com distribuição geográfica restrita.

endêmicas para o Acre, e 14 espécies

Dentre

representam o primeiro registro para o Brasil

aproximadamente 100 ocorrem no território

(SOUZA, 2003).

acreano, ou seja, 35% de todas as espécies

(10),

Hylidae

estas

observamos

que

A fauna de anfíbios do Acre é constituída

constantes na referida lista, sendo que as

por espécies adaptadas a ambientes abertos e

únicas espécies da família Psophiidae e

florestados; apresentam ampla variedade de

Momotidae, as três espécies da família Rallidae

estratégias reprodutivas, sendo que a maioria

e quatro das cinco espécies da família

depende de corpos d’água para a reprodução. Há

Galbulidae presentes, já foram registradas nas

espécies com distribuição na região tropical das

florestas do Estado do Acre.

Américas, espécies com ampla distribuição na

Considerando que os levantamentos

Bacia Amazônica, espécies restritas à Alta Bacia

ornitológicos no Acre estão, a exemplo dos

Amazônica, espécies com distribuição nas regiões

outros grupos animais citados, também

andina e subandina, além de espécies com

incipientes . Contudo , é provável que a riqueza

distribuição nas regiões central e sudeste do Brasil

de espécies de aves no território acreano

(SOUZA, 2003).

aumente significativamente nos próximos anos

Considerando que os levantamentos

a partir de novos estudos. Atualmente, estão

herpetológicos no Acre são preliminares e com

disponíveis na literatura dados de levantamentos

maior esforço de amostragem na parte oeste

realizados na bacia do rio Juruá (NOVAES,

do Estado (bacia do rio Juruá), espera-se que o

1957, 1958; WITTAKER & OREN, 1999;

conhecimento da riqueza de espécies de

WITTAKER et al., 2002) e na bacia do rio Acre

anfíbios

(PINTO & CAMARGO, 1954; GUILHERME,

no

Estado

possa

aumentar

significativamente nos próximos anos.

2001), estando a região central, bacia dos rios

O território brasileiro, com todos os seus

Purus e Tarauacá, desconhecida em relação a

biomas, possui cerca de 1.677 espécies de aves

sua ornitofauna. Este fato levou ornitólogos e

(LEWINSOHN & PRADO, 2002; SICK, 1997),

ambientalistas, durante o Seminário Consulta

sendo que destas, aproximadamente 1.000

de Macapá/1999 a indicarem esta parte do

ocorrem na Amazônia (CAPOBIANCO, 2001;

Estado como uma área prioritária para futuros

HAFFER, 1990). No Acre, que é considerado

inventários deste grupo biológico (MMA, 2002;

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

49


A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva

CAPOBIANCO, 2001).

de diversidade e biomassa. Baseado em

Os mamíferos do Acre foram pouco

estudos nas América Central e do Sul, ERWIN

inventariados, sendo a maioria das coletas

(1982) estimou que o número de espécies de

pontuais e decorrentes de estudos que não tinham

artrópodos existentes na região Tropical deve

como objetivo estimar a biodiversidade, mas sim

ser aproximadamente 30 milhões. A biomassa

embasar estudos de auto-ecologia ou referentes

de insetos sociais nas florestas tropicais do

aos efeitos da caça de subsistência (ACRE, 2001).

Brasil, por exemplo, excede 7 vezes a de todos

Em conseqüência disso, determinados grupos

os vertebrados (LaSALLE & GAULD, 1995).

taxonômicos

foram

negligenciados,

De interesse especial dentro da Classe

especialmente aqueles que refletem a riqueza

Insecta é a ordem Hymenoptera, que inclui as

faunística, como os quirópteros e os pequenos

formigas, vespas, abelhas e formas diminutas

mamíferos (marsupiais e roedores). No restante

denominadas vespas parasitóides. Esses

do Estado, especialmente entre o Rio Tarauacá e

insetos exibem considerável variação em

o Rio Iaco, levantamentos faunísticos para avaliar

forma,

a biodiversidade são ainda necessários.

ecossistemas terrestres.

comportamento

e

função

nos

No Parque Nacional da Serra do Divisor,

Mais da metade das espécies de vespas

foi realizado um levantamento sobre a riqueza de

pertence às famílias Pompilidae, Crabronidae e

mamíferos, enfocando a mastofauna e a

Vespidae. Não existem estimativas do número total

quiropterofauna (SOS AMAZÔNIA, 1998;

de vespas para o Brasil, devido à carência de

CALOURO, 1999), e confirmada a ocorrência de

estudos taxonômicos e sistemáticos. Segundo

mais de 100 espécies, uma diversidade alta de

AMARANTE (2002), devem existir no Brasil, só das

mamíferos em comparação com dados de outras

famílias Crabronidae e Sphecidae, cerca de 633

Unidades de Conservação da Amazônia,

espécies; no Acre foram registradas 40 espécies

considerando-se o fato de que os pequenos

de Crabronidae e Sphecidae (AMARANTE 2002),

mamíferos não foram inventariados.

porém, AMARANTE (informação pessoal), afirma

De modo geral, a riqueza de mamíferos no Acre é elevada, estimada em 209 espécies

que existem na região 100 a 200 espécies descritas desse grupo.

(ACRE, 2001). Essa estimativa precisa ser revista

Apesar das poucas coletas, os resultados

com levantamentos específicos, já que ela é

preliminares que começam a ser publicados

baseada em citações existentes na literatura.

apontam para uma grande diversidade com

Tendo isso em vista, essas espécies se distribuem

elementos novos ou de ocorrência restrita. Por

pelos seguintes grupos taxônomicos: Artiodactyla

exemplo, AZEVEDO et al. (2002) citam o registro,

(4), Carnivora (18), Cetacea (2), Chiroptera (103),

em apenas 12 dias de amostragem, de 102

Lagomorpha (1), Marsupialia (16), Perissodactyla

espécies de vespas da família Bethylidae coletadas

(1), Primates (20), Rodentia (33), Sirenia (1) e

no Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD).

Xenarthra (10).

Destas, a maioria deve ser constituída por

Dentre os invertebrados, atenção

espécies novas. Desse total, pelo menos 10

especial merece o Filo Arthropoda, e dentro

espécies do gênero Apenesia foram recentemente

desse, a Classe Insecta. Eles constituem o

descritas por AZEVEDO & OLIVEIRA (2002).

maior agrupamento animal existente em termos

Nesse mesmo levantamento rápido, MORATO &

50

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva

PASSOS (1998) coletaram cerca de 85 espécies

da Peça de Defesa de Criação do Parque

de 40 gêneros de vespas solitárias e sociais.

Estadual do Alto Chandless e de uma Unidade de

Outro grupo que merece destaque é a guilda constituída por vespas e abelhas solitárias

Proteção Integral na região das Campinaranas do Sudoeste da Amazônia.

que nidificam em cavidades preexistentes.

Antes da implementação do ZEE, as áreas

MORATO (em prep.) coletou 40 espécies na

protegidas no Acre representavam menos de 30%

Fazenda Experimental Catuaba, município de Rio

de sua superfície. Porém, com a criação das novas

Branco, valor superior ao obtido por MORATO &

UCs, e incluindo as Terras Indígenas, o total de

CAMPOS (2000) nas áreas do projeto “Dinâmica

áreas protegidas passa a corresponder a 47,8%

Biológica de Fragmentos Florestais” (PDBFF) (24

do estado, ou 7.825.035 hectares (5.657.889

espécies), ao norte de Manaus. Foram coletadas

hectares em UCs).

na Reserva Catuaba, 29 espécies de abelhas

Como resultado da implementação do

dessa guilda, sendo algumas delas novas para a

ZEE e do cumprimento dos indicativos do

ciência, e uma delas recentemente descrita

“Workshop Estudos da Biodiversidade no Âmbito

(MOURE, 2003). Esse número é superior aos

do ZEE/AC”, a expansão do atual Sistema de

obtidos em outros locais da Amazônia (MORATO

Unidades de Conservação (UCs) Estadual

& CAMPOS, 2000).

causará um impacto no Sistema Nacional de

Em se tratando de insetos, um outro grupo

Unidades de Conservação (SNUC). Uma parte do

de grande interesse são os Lepidoptera

Acre forma o Corredor Biológico Oeste da

(borboletas e mariposas). BROWN & FREITAS (

Amazônia, considerado o de maior prioridade para

2002), registraram 1.620 espécies para a região

a conservação da biodiversidade e manutenção

do alto rio Juruá, mas há indícios de que o número

de serviços ambientais, e seu fortalecimento

poderá chegar a 2.000. Esses primeiros resultados

complementará o SNUC, possibilitando a

sugerem que a fauna desses grupos de insetos

interligação com o corredor Norte. A criação de

têm uma grande diversidade no Estado do Acre.

uma rede de áreas protegidas manterá amostras

ÁREAS PROTEGIDAS A aplicabilidade das informações sobre a biodiversidade redunda em voz ativa nas políticas ambientais no Acre, uma vez que tais informações têm causado um impacto positivo em ações relacionadas com o desenvolvimento de estratégias de conservação e de manejo dos recursos naturais. Os levantamentos da biodiversidade efetuados nos últimos anos no Acre subsidiaram a elaboração do Zoneamento Ecológico-Econômico, do Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra do Divisor, do Plano de Desenvolvimento das Reservas Extrativistas Chico Mendes e Alto Juruá e, mais recentemente, T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

representativas da biodiversidade, podendo se estender para além das fronteiras nacionais. Os dados básicos sobre os organismos normalmente estão associados às coleções científicas de referência, que oportunizam o acesso à identidade e às informações sobre a localidade, ambiente, características morfológicas, hábitos, etc., das espécies amostradas, e ali incorporadas. Contudo, anos de investimento em recursos humanos e financeiros podem estar comprometidos, devido à falta de infra-estrutura para a manutenção, organização e criação de coleções científicas. Considerando a imensa diversidade de ecossistemas e habitats, pode-se afirmar que os 51


A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva

esforços

empreendidos

na

busca

do

MORATO, M.

Diversidade de Bethylidae

conhecimento da biodiversidade no Acre são

(Hymenoptera) do Parque Nacional da Serra do

pouco representativos. Tal fato decorre

Divisor, Acre, Brasil e seu uso no plano de manejo

principalmente da falta de incentivos para a fixação

e conservação da área. Acta Amazônica, v.32. n.1,

de pesquisadores e para a pesquisa sobre

p. 71-82. 2000

biodiversidade na região amazônica. BÖHLKE et

BALSLEV, H.; LUTEYN, J.; OLLDAARD,

al. (1978), por exemplo, afirmaram que o número

B.; HOLM-NIELSEN, L. B. Composition and

de espécies de peixes da América do Sul poderia

structure of adjacent unflooded and floodplain

ser elevado em mais de 40% se as amostragens

forest in Amazonian Ecuador. Opera Botanica, v.

fossem intensificadas e geograficamente melhor

92, p.37-57. 1987.

distribuídas. Para o Acre pode-se esperar um

BEGOSSI, A.; SILVANO, R. A. M.;

aumento significativo no número de espécies

AMARAL, B. D.; OYAKAWA, O. T. Uses of fish

conhecidas, caso haja a implementação de

and game by inhabitants of an extractive reserve

programas regulares de amostragem. Tal fato

(Upper Juruá, Acre, Brasil). Environment,

indica a grande importância da aplicação de

Development and Sustainability, v.1, p. 73-93.

recursos para a pesquisa da biodiversidade do

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T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

T.; 55


Redes Solidárias e Mercado Justo: Alternativa para a Planetariedade Sustentável *

MOISÉS BARBOSA DE SOUZA - Professor

****

LISANDRO JUNO S. VIEIRA - Pesquisador

Adjunto do Departamento de Ciências da

Visitante com Bolsa do Programa Especial de

Natureza da UFAC. Graduado em Ciências

Estímulo à Fixação de Doutores – PROFIX

Biológicas com especialização em Ecologia da

(CNPq) na Universidade Federal do Acre.

Amazônia pela Universidade Federal do Acre

Bacharel em Ciências Biológicas pela

(UFAC); Mestre em Ciências Biológicas –

Universidade Federal do Rio Grande do Norte;

Zoologia, pela Universidade Federal do Paraná

Mestre em Ecologia e Recursos Naturais pela

(UFPR); Doutor em Ciências Biológicas –

Universidade Federal de São Carlos; Doutor em

Zoologia, pela Universidade Estadual Paulista

Ciências – Ecologia e Recursos Naturais pela

(UNESP) Campus de Rio Claro – SP. Desde

Universidade Federal de São Carlos. Desde de

1987 realiza pesquisa sobre comportamento,

1988 realiza pesquisas em ecologia de peixes

ecologia e sistemática de anfíbios e répteis na

e ecologia de ecossistemas aquáticos.

Região Amazônica brasileira e de países

lisandro@ufac.br

vizinhos.

*****

EDSON GUILHERME – Professor do

MARCOS SILVEIRA - Professor Adjunto do

Departamento de Ciências da Natureza da

Departamento de Ciências da Natureza da

UFAC. Licenciado em Ciências Biológicas pela

UFAC. Licenciado e Bacharel em Ciências

Universidade Federal do Acre; Mestre em

Biológicas pela Universidade Estadual de

Ciências Biológicas (ornitólogo) pelo Instituto de

**

Londrina, Mestre em Ciências BiológicasBotânica pela Universidade Federal do Paraná, Doutor em Ecologia pela Universidade de Brasília. Desde 1992 desenvolve estudos sobre a diversidade florística e a dinâmica dos ecossistemas florestais. Atualmente é Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo de EcossistemasMestrado da UFAC. silveira.marcos@uol.com.br ***

MARIA ROSÉLIA M. LOPES – Professora

Adjunto do Departamento de Ciências da Natureza da UFAC, Mestre e Doutora em Ciências Biológicas (Área de Concentração Botânica) pela Universidade de São Paulo. Realiza pesquisas sobre Taxonomia de Algas Continentais, Limnologia e Ecologia do Fitoplâncton . É lider do grupo de pesquisas em Ecologia e Manejo de Ecossistemas e Recursos Aquáticos/CNPq. Vice-Coordenadora do

Pesquisas da Amazônia – INPA / Universidade Federal

do

Amazonas

UFAM.

guilherme@ufac.br ******

ARMANDO M. CALOURO - Professor

Assistente do Departamento de Ciências da Natureza da UFAC. Mestre em Ecologia pela Universidade de Brasília - UNB. Doutorando em Ciências – Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos. acalouro@bol.com.br *******

ELDER F. MORATO

-

Professor

Assistente do Departamento de Ciências da Natureza da UFAC. Mestre em entomologia pela Universidade Federal de Viçosa, MG. Doutorando em ecologia, Conservação e Manejo de vida silvestre pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Desde 1988 trabalha com biologia e ecologia de vespas de comunidade s de vespas e abelhas na Região Amazônica. esderfmorato@yahoo.com.br

Programa de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais da UFAC. roselia@ufac.br 56

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Redes Solidárias e Mercado Justo: Alternativa para a Planetariedade Sustentável

REDES SOLIDÁRIAS E MERCADO JUSTO: ALTERNATIVAS PARA A PLANETARIEDADE SUSTENTÁVEL Maria Katherine Santos de Oliveira* Regina Melo** Uma utopia coletiva. Assim muitos autores definem as redes solidárias espalhadas ao redor do mundo e o intercâmbio do comércio justo, através de uma economia popular – iniciativas que germinaram, especialmente no norte da Europa, há 40 anos, e que vêm trazendo perspectivas promissoras para a prática do desenvolvimento ecologicamente sustentado e a manutenção do planeta. As redes solidárias e o comércio justo são peças de um mesmo quebra-cabeças, que traz em sua montagem a construção de uma nova visão sistêmica da vida, como nos propõe o físico Fritjof Capra, baseada nos princípios holísticos, e representam a preocupação de grupos e pessoas com o desenvolvimento das comunidades locais, práticas de conservação e equilíbrio dos ecossistemas. Segundo o Centro de Apoio à Economia Popular Solidária (CAEPS), de Passo Fundo (RS), cabe às redes a estratégia de conectar empreendimentos solidários de produção, comercialização, financiamento, consumidores e outras organizações populares (associações, sindicatos, ONGs, etc.) em um movimento de realimentação e crescimento conjunto, autosustentável, antagônico ao capitalismo e de promoção ao bem - viver de todos. As redes são responsáveis por estabelecer princípios de cooperação e qualidade, tomada de consciência, relação T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

57


Redes Solidárias e Mercado Justo: Alternativa para a Planetariedade Sustentável

eqüitativa entre homens e mulheres e o

organizações e a promoção de pequenos

processo de intercâmbio do comércio justo com

produtores, com o objetivo de minimizar a

instituições e entidades, entre as quais estão

distribuição desigual de bens e serviços entre

as organizações de produtores, consumidores,

os hemisférios Norte e Sul.

agências de certificação, centrais de compras

Com isso, a rede de Comércio Justo vem

ou importadores do comércio justo, lojas de

apresentando propostas aos diversos órgãos

comércio justo, distribuidoras e postos de

do Comércio Internacional. Na União Européia,

venda.

o parlamento aprovou a Resolução A4-198/98 sobre a promoção do Comercio Équo e Solidário

COMÉRCIO JUSTO E SOLIDÁRIO

em 27/7/1998. Além disso, estão sendo pensados sistemas que promovam a inserção

O Comércio Équo e Solidário é uma rede

de critérios de responsabilidade social nas

de comercialização alternativa ao comércio

avaliações das certificadoras contratadas pelas

tradicional, o qual considera nas negociações

indústrias e empresas de serviços.

valores éticos, incluindo aspectos sociais e ecológicos.

Apesar da maioria das relações comerciais entre os excluídos e incluídos ainda

A profissionalização do Comércio Justo

serem do tipo ganha-perde, têm-se alguns

criou a primeira certificação de produtos

dados que já começam a fazer a diferença: na

eticamente

ecologicamente

Europa, o comércio justo e solidário vem

sustentáveis em 1988, na Holanda. A partir

crescendo 5% ao ano; o faturamento em

dessa iniciativa, começaram a surgir,

vendas dos produtos do comércio justo

principalmente

diversas

alcançou, em 1994, o valor de 205 milhões de

experiências nacionais de certificação com o

European Currency Unit-ECU (Posteriormente

selo do comércio justo (fair label), certificação

denominada Euro, a unidade monetária comum

orgânica e de qualidade, que também realizam

da União Européia). Atualmente, existem na

a importação e promoção dos produtos de

Europa mais de 3.000 lojas de comércio justo,

cooperativas, associações e pequenos

45.000 pontos de venda e contato com

produtores dos paises do sul. A EFTA (European

aproximadamente 800 organizações de

Fair Trade Association), a IFAT (International

produtores do hemisfério Sul. Dentre os países

Federation of Alternative Trade) e a RELACC

participantes da rede de comércio justo

(Red Latinoamericana de Comercialización

destacam-se, em valores absolutos de

Comunitaria) são exemplos de organizações

consumo: Alemanha, com 80,5 milhões;

que promovem o comércio justo e solidário no

Holanda, com 33 milhões, e Suíça, com 30

mundo.

milhões de ECU. É importante citar que na Suíça

justos

na

e

Europa,

Todas essas iniciativas se uniram, em

o comércio justo e solidário é responsável por

1997, à FLO – International (Fair Trade

aproximadamente 10% do faturamento de mel,

Labellining Organizations International) para

5% das vendas de café e 13% das vendas de

estabelecerem um selo de comércio justo

banana.

internacional. A partir de então, elas trabalham em colaboração para facilitar a exportação das 58

Apesar

de

minoritário,

quando

comparado ao comércio internacional T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Redes Solidárias e Mercado Justo: Alternativa para a Planetariedade Sustentável

tradicional, a força do Comércio Justo consiste

tecnologia apropriada e adaptada à realidade

no fato do beneficio econômico, os direitos dos

local; e o retorno ambiental – com

trabalhadores e o respeito pelo meio ambiente

desenvolvimento, implantação de critérios de

caminharem de mãos dadas. O movimento de

manejo sustentável e proteção dos recursos

comércio justo e solidário demonstra que a

naturais. Atualmente, a Rede possui projetos-

comercialização e a produção estão à serviço

pilotos nos municípios de Maués, Autazes,

das pessoas.

Manacapuru e Manaus.

Atualmente, o conceito de comércio justo vem se ampliando com a incorporação do comércio justo interno. A perspectiva é de que o desenvolvimento integrado e autocentrado passe a operar a partir da escala local e regional. Cabe aos governos a regulamentação do mercado de acordo com critérios ambientais e sociais, bem como a proposição de um contexto

Comerciante 35%

Hemisfério Norte 88%

Distribuidor 18%

Imposto 22%

jurídico para o comércio justo, além, é claro, de consumidores esclarecidos e conscientes quanto aos atuais padrões de produção e

Transporte 13% Imposto 5%

consumo.

Hemisfério Sul 12%

Produtor 7%

A EXPERIÊNCIA DA FUCAPI. Em Manaus (AM), a Fundação Centro de Análise Pesquisa e Inovação Tecnológica (FUCAPI), através do Centro Tecnológico

Distribuição do faturamento obtido com a venda de bananas no hemisferio Norte4. Fonte: FERNÁNDEZ, Amália,LÓPEZ, Montse. Comercio justo, consumo responsable. Barcelona: Intermón, 2000

Ambiental (CETAF) abraçou a proposta da Rede de

Produção

Sustentável,

com

a

responsabilidade tecnológica de trabalhar a perspectiva do mercado justo, com a inclusão das populações locais marginalizadas no

DESAFIOS PARA OS CIDADÃOS DO PLANETA.

processo de construção de um modelo econômico sustentável. Pautada em quatro diretrizes, a Rede de Produção Sustentável tem o compromisso de estabelecer: uma economia solidária – para comercializar produtos em mercados que

O primeiro passo para se estabelecer uma economia solidária, pautada nos princípios éticos de igualdade e respeito mútuos – um desafio para que as redes solidárias construam, também na Amazônia, uma utopia coletiva

valorizem o capital sócio-ambiental (mercado

promissora, é que se comece, então, a

justo); o progresso social – através do

questionar: O que “eu” consumo, promove o

fortalecimento social das organizações de

Comércio Équo Solidário? Afinal de contas todos

produtores; a adequação tecnológica – com o

os seres da espécie humana vivem no mesmo

beneficiamento descentralizado e utilização de

planeta. Ou será que não?

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

59


Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importações...

Bibliografia sugerida: 1. MANCE, Euclides André. A revolução das redes. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. 2. MANCE, Euclides André.

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* Maria Katherine Santos de Oliveira - Coordenadora do programa Rede de Produção Sustentável do CETAF-FUCAPI. ** Regina Melo - Jornalista e Assessora de comunicação do programa Rede de Produção Sustentável da FUCAPI.

60

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importações...

INDUSTRIALIZAÇÃO ORIENTADA PARA O MERCADO INTERNO “VERSUS” INDUSTRIALIZAÇÃO SUBSTITUTIVA DE IMPORTAÇÕES, MAIS INDUSTRIALIZAÇÃO ORIENTADA PARA AS EXPORTAÇÕES

Antônio José Botelho*

RESUMO A Suframa administra o Projeto ZFM, estruturado na lógica da substituição de importações. Os recursos financeiros que gera, devem ser aplicados em sua totalidade para a construção de uma política industrial orientada para o mercado interno.

Introdução Fundamentalmente, o Projeto Zona Franca de Manaus (ZFM) representou, e ainda representa, a industrialização local a partir da substituição

de

importações,

agora

complementada com a orientação para as exportações. Aquela melhor caracterizada na década dos anos oitenta, esta na dos anos noventa, ambas do século passado. No sentido da construção de um ponto de inflexão para o Projeto ZFM, enquanto plataforma de oportunidades para a Amazônia Ocidental, impõe-se a tese de que a lógica do desenvolvimento regional, orientação ideológica da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), deve, progressivamente, ceder espaço para a nova utopia da humanidade encarnada no conceito de desenvolvimento sustentável (Botelho, 2003). Aquele, um conceito estruturado a partir da introdução, em espaços

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

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Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importações...

periféricos, portanto, de industrialização tardia,

técnicos, ou foram formados pela CEPAL,

de políticas públicas de desenvolvimento

instituição a serviço da construção do

concebidas exogenamente; este, estruturado a

desenvolvimento econômico dos países da

partir de concepções locais, mediante adoção

América Latina, ou pelo Centro de Treinamento

de tecnologias apropriadas. Há toda uma

para o Desenvolvimento Econômico e Social

reflexão filosófica neste ponto de inflexão, na

(CENDEC), do Instituto de Pesquisa

medida em que dever-se-ia alterar, ou pelo

Econômica Aplicada (IPEA), instituição nacional

menos complementar a lógica da substituição

que, de certa forma, seguia aquela orientação

de importações, pela de substituição de

metodológica, porque também tinha seus

exportações, onde o fulcro estratégico está

técnicos formados naquela CEPAL. Inclusive,

simbolizado pela oportunidade de se “cantar no

o próprio CENDEC veio, por diversas vezes, ao

mundo a aldeia local”. Na realidade, esta é a

“chão institucional” da Suframa repassar

oportunidade histórica do Projeto ZFM, na

conhecimento concernente ao desenvolvimento

medida em que, com os recursos financeiros

regional.

eficientemente gerados com a produção industrial delimitada por capital e tecnologia

Argumentos

exógenas, cuja apropriação dos lucros se dá por outras sociedades nacionais, poder-se-á

Para tanto, toma-se a percepção de que

elaborar uma política industrial que oportunize

a CEPAL trabalha segundo pressupostos que

a elevação da cultura amazônica em forma de

retroalimentam o processo de hegemonia

novos produtos e processos, criações que

pertinente à relação centro-periferia, conforme

inserirão competitiva e inteligentemente em

expresso na contracapa do livro “Dialética dos

definitivo a industrialização local no contexto da

Trópicos: o pensamento colonizado da CEPAL”

economia globalizada, cujos lucros apropriados

(Bautista Vidal e Vasconcellos; 2002): “Não se

localmente, retroalimentarão o sistema para sua

concebem teorias de desenvolvimento sem a

transição para a sociedade da informação,

dimensão autônoma da produção tecnológica,

quando a sustentação da economia passará a

base da valorização comparativa dos fatores

estar centrada não mais majoritariamente na

nacionais (locais-regionais) da produção. O

produção industrial, mas na produção do

modelo econômico da CEPAL visou a substituir

conhecimento.

importações

com

o

uso

de

pacotes

O grande desafio, entretanto, é acelerar

tecnológicos de corporações estrangeiras.

o ajustamento do modelo mental do chão

Ademais, essas teorias “descolaram” da

institucional da Superintendência da Zona

realidade física, subordinando-se às finanças e

Franca de Manaus (Suframa) para o conteúdo

à moeda de referência, ente abstrato que ignora

conceitual do desenvolvimento sustentável.

a natureza, a ciência (portanto descolada da

Também pudera. Senão todos, mas certamente

academia), a ecologia e o trabalho, agindo no

os principais homens de comando da

interesse arbitrário da oligarquia externa

organização ou que estiveram próximos das

emissora. Enquanto o país substituía

sucessivas administrações superiores ao longo

importações, industrializava-se pela atração

de sua história, além da maioria de seus

de corporações estrangeiras...” (acréscimos

62

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importações...

entre

parênteses

meus).

com o estabelecimento de parcerias, como por

Adicionalmente, os autores advogam, nas

exemplo, com o Programa Nacional de

páginas 11 e 12 que “a chamada “tecnologia

Agricultura Familiar (PRONAF) (Botelho, 2001).

externa” (exógena como tenho escrito em

Portanto, configura-se a necessidade de

minhas reflexões) é o principal meio de

se superar os esforços institucionais da

condicionamento e subjugação, mediante o qual

Suframa de atração de investimentos, com a

se molda e se controla a estrutura produtiva

inadiável construção de um ambiente

nacional para subordiná-la a interesses externos.

econômico que faça emergir empresas locais.

Isso acarreta graves conseqüências para o

Tal decisão, certamente, será convergente à

desenvolvimento, especialmente em setores

diretriz vinculada ao desenvolvimento

estratégicos, com efeitos diretos sobre a

sustentável e à substituição de exportações, a

educação em geral e as universidades em

partir da construção de uma política industrial

especial. Essa “tecnologia” engendra novo

orientada para o mercado interno, conforme

tipo

atinge

expressa a peça de candidatura de Lula,

profundamente a estrutura de produção, de

denominada de “O Lugar da Amazônia no

modo subjugador, como jamais imaginou o

Desenvolvimento do Brasil”, página 10: “A

mercantilismo colonial do século dezenove, que

proposta é substituir, por exemplo,... a

operava por ação externa no contexto dos

exportação de matéria-prima biológica por

mercados e das alfândegas” (acréscimo entre

conhecimento associado à biodiversidade,

parênteses e negrito meus).

assegurados os direitos das comunidades

de

e

negrito

colonianismo,

que

Por sinal, bem recentemente no âmbito

tradicionais. Isso significa que precisamos nos

da atual revisão regimental, perdeu-se a

transformar em sociedades baseadas no uso

oportunidade histórica de registrar no chão

do conhecimento mais do que das commodities

institucional a lógica do desenvolvimento

ou de produtos manufaturados”.

sustentável, quando não autorizou denominar

O que se espera é que a Suframa

o Programa de Interiorização da Suframa com

surpreenda, adotando uma postura, uma

aquela insígnia, preferindo o já surrado conceito

trajetória institucional que não esteja nem à

de desenvolvimento regional, embora ainda

direita nem à esquerda, mas simplesmente à

consignado na Constituição Federal de 1988,

frente, como, por sinal, exigirá a evolução do

no Capítulo que trata das desigualdades

conceito de desenvolvimento sustentável. Sua

regionais, para denominar a Coordenação Geral

prática, entretanto, até agora, está centrada,

pertinente (Botelho, 2003). Desconsiderando,

rigorosamente, no ícone da exportação, cujo

ainda, que a Suframa adota o conceito de

símbolo é o Projeto Everglade, um “armazém

desenvolvimento sustentável como pilar

alfandegado” a ser instalado no Porto de

estratégico desde 2001. Embora, a Suframa

Everglades, na Flórida (E.U.A.), exatamente

ainda não esteja com condições objetivas para

para facilitar, sobretudo, as exportações (e

aprovar negócios sustentáveis junto ao ideário

importações de insumos) high tech do Pólo

da interiorização, certamente, entretanto, seria

Industrial de Manaus (PIM), sob título de logística

um excelente passo para a sua conscientização

integrada. Portanto, uma trajetória institucional

institucional, além de buscar solucionar o óbice

ainda distante da lógica complementar (assim,

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

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Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importações...

não-excludente)

de

desenvolvimento

A importação, sem maiores restrições, de

sustentável estruturada na substituição de

tecnologias produziu enclaves, freqüentemente

exportações, estratégia intrínseca do Governo

desvinculados da economia local e regional,

Lula para a Amazônia.

criando

obstáculos

para

um

futuro

Para estabelecer instrumentos para

desenvolvimento industrial, mais racional e

discussão, para ampliar as oportunidades do

organizado” (negrito e acréscimos entre

Projeto ZFM para uma política industrial

parênteses meu).

orientada para o mercado local-regional,

Ora, Manaus e a região não estão

sinaliza-se reflexões de Rattner (1998, p. 41),

necessariamente ilesas de sofrer deficiências

quando afirma que a Industrialização

nos seus mercados, na medida em que os

Substitutiva de Importações (ISI) avançou no

produtos high tech do PIM não têm sinergia nem

Brasil: “... eliminando muitos produtores

com a nossa cultura nem com a nossa

nacionais e transformando a estrutura industrial

academia, embora seja possível construir essa

com a predominância de poderosos oligopólios

aderência. Por outro lado, as Contas Regionais

e, finalmente, da importação de tecnologias não

acusaram que a opção high tech determinou o

apropriadas, cujos efeitos redutores de emprego

declínio da atividade agrícola do Estado do

e geradores de evasão de moeda estrangeira,

Amazonas, embora ela possa ser retomada.

sob a forma de pagamento de dividendos, lucros

Evidentemente que se corre o risco de se perder

e royalties se fariam sentir a médio prazo”.

empreendimentos como o da Pronatus,

Ora, não se desconhece que a

AmazonErvas, Magama, Phitofarma, que,

operacionalização do Projeto ZFM dá-se a partir

efetivamente, deveriam estar sendo “carregadas

de capital e tecnologia exógena e que Manaus,

no colo” do poder público, mediante

ou que a região não consome mais de 10% (dez

disponibilização de crédito fácil, mediante

por cento) de sua produção, além do fato,

utilização do poder de compra do Estado, além

segundo o PNUD, de que Manaus conta hoje

de receber prioridades explícitas para os

com quase 600 (seiscentos) mil indivíduos na

investimentos de P&D visando a inovações em

linha da pobreza, cenário, portanto, convergente

seus chãos de fábrica (Botelho, 2003).

com a análise que aquele autor fez da opção

Mas, o que Rattner (1998, p. 58) advoga

de industrialização que o país adotou durante a

na sua política industrial orientada para o

segunda metade do século passado (Botelho,

mercado interno, o que converge para a lógica

2003).

da política industrial de substituição de Mas, vejamos o que Rattner (1998, p. 42)

exportações do Governo Lula para a Amazônia,

reflete sobre a Industrialização Orientada para

estruturada,

as Exportações (IOE), na medida de sua adoção

desenvolvimento sustentável, inicialmente frente

pelo Brasil: “Na ausência de um eficiente

aos pressupostos político-econômicos, está

planejamento macroeconômico e sob a pressão

sinalizado assim: “A teoria das “forças

de produzir para alimentar o fluxo de

produtivas” apresentada por Friedrich List

exportações, a estrutura industrial sofreu uma

polemiza contra o argumento das “vantagens

profunda falta de integração intra e intersetorial

comparativas” desenvolvido pelos clássicos

(local/regional), especialmente com agricultura;

(aqui representando a força dos incentivos

64

obrigatoriamente,

no

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importações...

fiscais). Para List, desenvolver as forças

bens e serviços de consumo coletivo (com

produtivas significa a construção de

insumos amazônicos substituindo importações

encadeamentos ou circuitos econômicos

e exportações); c) Vestuário e calçados (com

coerentes, dentro do território nacional

insumos amazônicos substituindo exportações

(desenvolvimento das cadeias produtivas das

– utilização do couro vegetal, por exemplo); d)

potencialidades regionais agregando valor,

Medicamentos (na lógica da biotecnologia,

portanto, substituindo exportações). Para

portanto,

conseguí-lo, seria indispensável proteger as

substituindo exportações); e) Papel e celulose

atividades de indústrias “nascentes” (Pronatus,

(talvez anacrônico para a região); f)

AmazonErvas, etc. como já dito) das pressões

Equipamentos e bens de capital, para todos os

da economia mundial. O isolamento temporário

setores acima mencionados (sem falar das

a ser implantado exigiria um forte Estado

iniciativas locais de turismo e piscicultura, por

nacional, capaz de assegurar o êxito das

exemplo) (acréscimos entre parênteses meus).

aspirações populares por mais independência

Às elaborações de Rattner, este autor

e auto-suficiência.” (acréscimos entre

adicionaria cinco medidas, a serem adotadas,

parênteses meus).

fundamentalmente, pelo Governo do Amazonas

com

insumos

amazônicos

Em linhas gerais, a política industrial

(Zona Franca Verde – trata-se de um Programa

orientada para o mercado interno de Rattner

de Desenvolvimento Econômico para o interior

(1998, p. 59) está assim definida: a) Um

do Estado estruturado no conceito de

aumento contínuo da produção agrícola,

desenvolvimento sustentável), com o apoio

melhorando a alimentação das populações

integral

carentes e suprindo as matérias-primas à agro-

Interiorização), contidas na política industrial dos

indústria (além de evitar evasão de divisas); b)

E.U.A. proposta pelo seu Secretário de Tesouro

A produção industrial de bens de consumo

Alexander Hamilton em 1791, adiante

acessíveis à massa da população (portanto,

transcritas: a) veto à exportação de matérias-

compatível com a estrutura salarial local-

primas necessárias às manufaturas (relativo à

regional); c) A fabricação de bens de produção

biopirataria); b) subsídios pecuniários para

para a agricultura e para a indústria; bens

fomentar indústrias (relativo desenvolvimento de

intermediários e de capital pesado; d) A

empresas com capital local-regional); c)

formação e ampliação constante da infra-

prêmios

estrutura de consumo coletivo, nas áreas de

superioridade ou excelência especial (quando

saneamento,

coletivo,

as empresas locais conseguirem conquistar o

comunicações, educação, saúde, habitação,

mercado externo, cantando no mundo a nossa

etc. (acréscimos entre parênteses meus).

aldeia, como fazem os produtos high tech do

transporte

da

Suframa

para

(Programa

recompensar

de

alguma

Ao nível geral, Rattner (1998, p. 82)

PIM); d) isenção tarifária para as matérias-

acrescenta a seguinte perspectiva específica:

primas das indústrias (desagravar literalmente

a) A agro-industrialização e a produção de

nossos insumos para a produção por parte de

alimentos (com insumos amazônicos); b) A

empresas com capital local-regional); e)

construção habitacional e a infra-estrutura

fomento de novos inventos e descobertas e

urbana básica, com expansão dos setores de

introdução dos que sejam feitos em outros

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

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Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importações...

países, particularmente, os referentes à

Suframa ampliar sua participação na lógica da

maquinaria (especialmente na lógica da

interiorização do desenvolvimento em bases

biotecnologia) (acréscimos entre parênteses

sustentáveis, priorizando esforços institucionais

meus).

frente à rota já consolidada da aprovação de Como se vê, o Projeto ZFM está na

projetos industriais estruturados com capital e

esteira da lógica da industrialização adotada

tecnologia exógenas, na medida em que em seu

pelo Brasil, que redundou numa perspectiva de

discurso político, os elementos fundamentais

um projeto de estado em detrimento de um

estão centrados na lógica da exportação e do

projeto de sociedade, na medida em que há uma

adensamento da cadeia produtiva dos produtos

inequívoca simetria entre a política industrial de

high tech do PIM, em detrimento de todo um

substituição de importações e de orientação

universo de oportunidades que os recursos

para as exportações do governo brasileiro com

financeiros da Suframa favorecem para o

a política industrial dirigista do Projeto ZFM.

desenvolvimento endógeno, autóctone,

Entretanto, o Brasil e o Amazonas têm uma

estruturado na cultura e nos insumos

oportunidade histórica ímpar, com o Governo

amazônicos,

Lula,

esquerda

internacional inteligente, assegurado o consumo

progressivamente imprimindo alternativas

local-regional, cujas decisões de investimento

inteligentes, para transformarem os seus perfis

pertinentes devem sair da esfera político-

de industrialização local-nacional, o que

parlamentar para a técnico-estratégico. Aliás,

somente será possível com o que Rattner

não estaríamos fazendo nada além de ajustar,

chama de “dissociação seletiva”, que rompe

talvez, a organização pública federal mais

com o status quo pertinente aos defensores da

importante da Amazônia Ocidental, que é a

ISI e IOE, invertendo o grau de prioridade política,

Suframa, aos desígnios do Governo do

absolutamente necessário para determinar uma

Presidente Lula da Silva para a Amazônia.

quiçá

dialético

de

buscando

uma

inserção

política industrial (e também tecnológica porque

Veja-se exemplos bem recentes que

caminham juntas) orientada para o mercado

convergem para o conceito de desenvolvimento

interno, indiscutivelmente convergente para a

endógeno, autóctone. A Revista Amazônia:

política industrial de substituição de exportações

oportunidades & negócios, de abril/maio de

do Governo Lula, sinalizada para a Amazônia.

2003, traz nas páginas 32 a 35 quatro bons

Deve estar registrado que Rattner não nega a

exemplos: 1. O couro látex, que começa a ser

substituição

as

usado na fabricação de roupas, sapatos,

exportações, mas propõe uma forte inversão de

jaquetas, casacos, bolsas e outros acessórios,

prioridades, exatamente como se entende

está revitalizando a região de Machadinho do

inadiável para o Projeto ZFM, enquanto

Oeste em Rondônia e mantendo os seringueiros

financiadora de negócios sustentáveis na

na floresta das reservas extrativistas,

região.

proporcionando uma renda superior à do tempo

de

importações

nem

em que produziam apenas a borracha. O

CONCLUSÃO

sucesso do produto originou a marca Tecidos

Para finalizar, ratifica-se, com base na

da Floresta; 2. No Município de Xapuri, Acre, foi

presente reflexão, a oportunidade história da

criado o Pólo de Indústrias Florestais de Xapuri

66

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus

(PIFLOX), uma iniciativa que busca industrializar

sócio-culturais próprias.

as matérias-primas retiradas da floresta de forma racional, permitindo a regeneração das espécies,

apoiando

REFERÊNCIAS BIBLIBOGRÁFICAS:

empreendimentos

sustentáveis baseados nos diversos usos dos

1. BOTELHO, Antônio José, pequenas

recursos florestais da região ao alto Acre e

lascas: reflexões junto ao modelo mental do

articulando todas as cadeias produtivas; 3. No

projeto zfm, Manaus, 2003;

coração da selva amazônica, 33 mulheres da Associação Vida Verde da Amazônia (AVIVE),

2. ANTÔNIO JOSÉ, Projeto ZFM: vetor de interiorização ampliado! Manaus, 2001;

em Silves, Amazonas, estão mudando suas

3. HAMILTON, Alexander, Relatório sobre

vidas e de suas famílias através de uma

as Manufaturas, Sociedade Ibero-americana,

atividade lucrativa e ecologicamente correta, a

Rio de Janeiro, 1995.

fabricação e venda de sabonetes de glicerina,

4. RATTHER, Henrique, Política

feitos com essência de plantas amazônicas

Industrial: Projeto Social, Editora Brasiliense,

com alto poder aromático e curativo, como o

São Paulo, 1988;

pau-rosa, preciosa, crajiru e babaçu; e 4. O

5. VIDAL, J. W. Bautista e Vasconcellos,

Sebrae/RR e ex-garimpeiros da Serra do

Gilberto F., Dialética dos Trópicos: o

Tepequém, em Roraima, estão mostrando que

pensamento colonizado da CEPAL, Instituto do

é possível promover o desenvolvimento

Sol, Brasília, 2002;

sustentável na Amazônia. As crateras criadas por anos de exploração do garimpo de diamante

*Antonio José Botelho - Especialista

naquela área estão sendo transformadas em

em Ciência Política e Mestre em Engenharia de

tanques para piscicultura.

Produção, ocupa cargo de Assessor Especial

Portanto, a Amazônia deve pensar

na Suframa.

grande como seu território, como o seu potencial hídrico, biológico e mineral, grande como seu povo que haverá de demonstrar ao Brasil e ao mundo sua capacidade de desenvolvimento autóctone. Nesta estratégia, devemos, apenas e tão somente, persistir, perseverar, insistir porque, por outro lado, estamos começando pequeninos frente à produção high tech do PIM. Mas, com a decisão política, pode-se antever os tecidos da floresta, os sabonetes glicerinados, os móveis com design amazônicos e os hambúrgueres de peixe ganhando o mundo, consolidado, como já dito, o consumo local-regional, que promoverá a formação e circulação de capital na região e a cultura da inovação a partir de exigências T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

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Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus

DE GESTÃO AMBIENTAL NA CONSTRUÇÃO CIVIL EM MANAUS Maciel, Jussara Socorro Cury * Nogueira, Vicente Paulo Queiroz **

RESUMO As atividades da construção civil necessitam de mudanças em seu estilo, a fim de propiciar uma melhoria na organização do espaço urbano, do ponto de vista das práticas de gestão e do desenvolvimento da qualidade ambiental urbana. Parte-se da hipótese que a internalização de práticas de gestão ambiental na construção civil contribui para um melhor gerenciamento dos aspectos ambientais e minimização dos impactos. Este artigo apresenta uma metodologia para a investigação de alternativas sustentáveis de gestão ambiental baseada em algumas situações ocorridas em Manaus, relatadas como estudos de caso. Os parâmetros selecionados para investigação do presente estudo tiveram como pressupostos os princípios do desenvolvimento sustentável e os aspectos levantados no processo de licenciamento ambiental. Estudos de caso foram realizados em cinco obras distintas, com empreendimentos de diferentes portes, licenciados

ambientalmente

ou

não,

comparando os procedimentos em relação à sua gestão ambiental. Os resultados apresentados destacam o desempenho ambiental das obras estudadas, onde os aspectos ambientais são os principais tópicos de análise.

ABSTRACT

ALTERNATIVAS SUSTENTÁVEIS 68

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus

problemático, no que diz respeito à qualidade Activities from civil construction need a change in their style, so as to improve urban space

organization,

incorporating

ambiental das grandes cidades. Dentre as indústrias que utilizam em

the

demasia os recursos naturais, destaca-se o

environmental management practices and

setor da construção civil que, pois além de ser

development. It was assumed from the start that

responsável por grande desperdício de material

the internalization of environmental management

e energia, também colabora com a degradação

practices in the civil construction contributes to

ambiental, devido à má gestão dos recursos

a better management of environmental aspects

naturais, tais como água e solo.

and minimization of impacts. This article

Em Manaus, os problemas ambientais,

presents a methodology to investigate

também podem ser notados por meio do

sustainable alternatives in civil construction

desmatamento excessivo, da poluição dos

based on situations observed in Manaus. The

cursos d’água e da falta de um planejamento

sustainable development and aspects taken into

urbano na cidade.

account in the process issuing environmental

A construção civil interage com o meio

permits determined the parameters to be

ambiente, muitas vezes provocando impactos

investigated in this study. Case studies were

ambientais, gerados pelo o consumo de

carried out in five distinct construction sites, with

materiais, locação do empreendimento e até

different levels of complexity, licensed or not,

geração de resíduos.

comparing

the

procedures

from

the

Esta pesquisa teve como objetivo

environmental management. The results

analisar os procedimentos e técnicas utilizadas

presented highlight the environmental

pela construção civil no planejamento e

development of the construction sites, where the

instalação da obra, confrontando os mesmos

environmental aspects are the main topic of

procedimentos com os princípios de gestão e

analysis.

legislação ambiental. Outra finalidade deste

PALAVRAS-CHAVE Construção civil; impactos ambientais; desenvolvimento sustentável.

trabalho é propor um instrumento de mensuração e comparação entre as empresas da construção de diferentes naturezas em relação ao desempenho ambiental dos seus empreendimentos.

KEY WORDS Environmental impact; Civil Construction; Environmental Management.

1. INTRODUÇÃO

2. MATERIAL E MÉTODO A pesquisa foi realizada com o levantamento bibliográfico e coleta de dados. A coleta de dados ocorreu por meio de estudos

Ao longo dos anos, os recursos naturais

de caso, usando-se para o levantamento das

têm sido extensivamente explorados pelo

informações questionários e fotografias. Foram

homem, porém a questão ambiental tornou-se,

selecionadas cinco obras, de diferentes portes,

nas últimas décadas, objeto de estudo e

tipos, com características de intervenção

preocupação em razão de um quadro T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

69


Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus

distintas, licenciadas ou não, a fim de identificar

pontuação variando de 1 (um) a 4 (quatro),

os aspectos individuais relativos à intervenção

conforme quadro 2, a seguir:

ambiental. Para

compor

o

check

list

do

levantamento das informações, foram utilizados

QUADRO 2 – Conceito Ambiental

alguns princípios de sustentabilidade e as exigências legais utilizadas no licenciamento ambiental, considerando, como aspectos de intervenção, a mudança da paisagem com o desmatamento, a utilização da faixa de preservação permanente, a aquisição de materiais, a geração de efluentes e os resíduos sólidos, assim como a sua destinação. De posse das informações e dados coletados por meio de estudos de casos, tais levantamentos foram consolidados e analisados para compor uma tabela de peso, a qual tem o intuito de demonstrar a eficiência ambiental de cada obra. Foram analisadas, também, as alternativas utilizadas em cada empreendimento para minimizar os impactos ambientais das intervenções provocadas. Os portes das obras selecionadas seguiram a classificação de acordo com o quadro 1.

A eficiência ambiental é expressa pela quantidade de impactos causados por uma atividade industrial ao meio ambiente. A eficiência ambiental de um projeto depende das condições de conforto ambiental, assim como das alternativas propostas para minimizarem os impactos ao ambiente. Neste quadro, quanto menor o grau, menor é a eficiência ambiental do empreendimento.

3. ESTUDOS DE CASO. 3.1 ESTUDO DE CASO 1: Obra residencial de pequeno porte não licenciada ambientalmente.

QUADRO 1 – Classificação de obra por porte

Todos os aspectos ambientais possuem 70

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus

A construção trata de um multifamiliar

há um grande desnível ao fundo do terreno.

com três pavimentos, totalizando uma área construída de 1.728 m², composta por 52

3.5. ESTUDO DE CASO 5: Obra comercial e

apartamentos no estilo compacto, com quarto,

residencial de grande porte licenciada

sala, cozinha e banheiro. A obra está em

ambientalmente.

andamento, sendo que os dois primeiros

Trata-se de um empreendimento

pavimentos já foram edificados.

residencial, médico e comercial, composto por

3.2. ESTUDO DE CASO 2: Obra industrial de

três torres, cada uma destinada a um tipo de

pequeno porte, não licenciada, em empresa não

serviço. Os três edifícios, separadamente,

certificada.

possuem 18 pavimentos, sendo que a

Trata-se de uma reforma em um galpão de área igual a 980m² e cuja área total construída

disposição interna está sendo dividida em 10 escritórios ou apartamentos por andar.

é de 1.564m². Houve aproveitamento do galpão principal

e

remanejamento

de

suas

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO.

dependências internas. Há uma construtora diretamente envolvida e uma equipe técnica acompanhando a obra.

As informações coletadas nas obras estudadas, em sua maioria, possuíam características semelhantes, tais como: a

3.3. ESTUDO DE CASO 3: Obra residencial

proximidade do curso d’água, submissão ao

de grande porte licenciada ambientalmente.

processo de licenciamento, produção de resíduos sólidos e desmatamento.

O empreendimento trata-se de um

Dentre os dados apresentados,

multifamiliar com 19 pavimentos, sendo que 18

observou-se, por meio da pontuação adotada

andares possuem 2 apartamentos e um é

no quadro 1, que a obra nº 4 obteve o melhor

reservado para área de play ground. A área do

desempenho ambiental e que a obra nº 1

terreno é de 3.000m² e a área construída total é

apresentou um desempenho ambiental não

de 10.320m². A obra encontra-se em

satisfatório.

andamento, sendo que a parte estrutural já foi concluída.

Os aspectos levantados na obra nº1 não atenderam aos requisitos mínimos necessários ao processo de licenciamento, por isso, tal

3.4. ESTUDO DE CASO 4: Obra residencial

empreendimento não foi licenciado. Apesar de

de médio porte licenciada ambientalmente.

ser uma construção de pequeno porte, houve considerável agressão ao meio ambiente, em

A área do terreno é de 4.100m², o

razão da má utilização da faixa de preservação

empreendimento trata-se de um multifamiliar

permanente, do lançamento de efluentes não

com 4 blocos de apartamentos com 2 andares,

tratados e da disposição imprópria dos resíduos

totalizando 38 apartamentos. A obra está na fase

sólidos da construção.

inicial de limpeza de terreno e de movimento de

De acordo com o Código Florestal (Lei

terra, que, aliás, será em grande quantidade,

Federal nº4.771/65), apenas as obras nº2 e nº3

tendo um volume aproximado de 1.200 m³, pois

obedecem à disposição da faixa de preservação

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

71


Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus

permanente. Porém, a obra nº2 não ocupou a

fato ocorre devido à não imposição legal, como

área para construção, mas despejou parte do

por exemplo, no Código de Obras, não exigindo

entulho da obra nesta área. A obra nº3 retirou

a preservação de uma área mínima de

toda a camada vegetal existente no local, para

vegetação existente no local. Desta forma,

posteriormente

como reflexo, apenas dois empreendimentos,

implantar

um

projeto

paisagístico, o que de fato não ocorreu.

dos cinco estudados, tiveram interesse em

O mesmo ocorre quanto à presença de curso d’água. A faixa de preservação

adotar área verde e projeto paisagístico, como é o caso da obra nº 4 e da obra nº 5.

permanente foi utilizada em benefício do

No aspecto relacionado à aquisição de

empreendimento, sendo que, na obra nº 5, foi

material, o custo do material ainda é

utilizado o princípio de natureza compensatória.

considerado o mais importante, seguido pela

Na obra nº 4 houve intervenção pública no que

qualidade. Apenas na obra nº5, a certificação

diz respeito à tubulação do curso d’água e a

do material foi levada em consideração, na

área ao seu entorno foi desmatada.

escolha e aquisição do material.

O tratamento de efluentes utilizado teve

A exemplo do que ocorreu nas obras nº4

como fator decisivo seu alto custo. Porém, a

e nº5, práticas voltadas à qualidade ambiental

Obra nº 5 só decidiu pela estação de tratamento

beneficiam a empresa, principalmente quanto

de efluentes devido à pressão dos órgãos

à valoração do empreendimento. Além da

ambientais e da sociedade.

localização escolhida, a qualidade ambiental

Atualmente, a adoção de projetos paisagísticos é uma decisão facultativa, pois

também torna o empreendimento mais atrativo para os futuros moradores.

cabe ao empreendedor a sua implantação. Este QUADRO 3 – Desempenho Ambiental das obras analisadas Aspecto

Obra 1

1. Mudança da paisagem

Pequena área desmatada

2. Presença de curso d'água e interferências

Utilizou a faixa de preservação permanente

3. Seleção na aquisição de material

4. Planejamento Ambiental

Obra 2

3

Não houve desmatamento

Obra 3

4

A faixa de preservação permanente não foi utilizada 1 4

Obra 4

Grande área desmatada

1

A faixa de preservação permanente não foi utilizada

Pequena área desmatada

Obra 5

3

1

Utilizou a faixa de preservação permanente

Igarapé existente é tubulado 4

Grande área desmatada

1

3

Custo, qualidade e O custo do material O custo do material Custo e qualidade do Custo, qualidade e proveniência do certificação ambiental material são é importante é importante material são são importantes importantes importantes 3 4 2 1 1 Não houve planejamento ambiental

Não houve planejamento ambiental

Estudos da área para Planejamento em uma melhor locação função das exigências do licenciamento 1 2

Não houve planejamento ambiental 1

1

Fossa e sumidouro Fossa e filtro, com coletivos monitoramento

5. Tratamento de Efluentes sem tratamento serão efluentes lançados no curso d'água

2

1

Fossa e sumidouro

Estação de tratamento de esgoto 2

3

3

4

Entulho é destinado, 6. Destinação de Entulho é lançado Entulho é lançado Entulho é destinado, Entulho é reciclado mas não reciclado em área imprópria em área imprópria mas não reciclado entulho e 2 1 1 2 4 reciclagem 7. Destinação para Não houve destinação área verde ou projeto paisagístico

Não houve destinação 1

Há intenção de projeto paisagístico 1

1

8. Licenciamento Obra não licenciada Obra não licenciada Obra licenciada ambientalmente ambientalmente ambientalmente Ambiental 1 1 Grau

72

10

15

18

Há projeto paisagístico

Destinação de área verde (pequena)

4

3

3 Obra licenciada ambientalmente 24

4

Obra licenciada ambientalmente

4

22

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

licenciamento, e que, portanto, poderia ser utilizado e adaptado para o próprio processo de

As atividades da construção civil em

licenciamento.

Manaus desempenham um papel importante na

Atualmente, a legislação ambiental não

economia da cidade. Porém, poucas

obriga os pequenos empreendimentos da

construtoras possuem um plano ambiental

construção civil a estarem sujeitos ao

efetivo, em relação à aquisição de materiais,

licenciamento ambiental. Contudo, como foi visto

concepção de projetos, tratamento de efluentes

no modelo proposto, são os pequenos

e na própria intervenção da paisagem.

empreendimentos que menos cumprem os

As obras estudadas, neste trabalho, demonstram algumas diferenças entre os

princípios de gestão ambiental e até mesmo, a própria legislação ambiental.

empreendimentos, sendo que os licenciados

Portanto, há necessidade, por parte dos

apresentaram um melhor desempenho

construtores, da utilização de novas tecnologias

ambiental, com base no modelo adotado. Este

e da incorporação de conceitos, como o respeito

fato esclarece que os procedimentos adotados

aos recursos naturais durante o processo de

no licenciamento facilitam o controle ambiental

tomada de decisão, assim como cabe aos

dos empreendimentos em atividade de

órgãos ambientais adotar medidas de controle

implantação e operação.

ambiental relacionadas aos empreendimentos

Ainda de acordo com os estudos de caso,

de pequeno porte e dar continuidade ao

quanto maior o porte da obra, mais exigências

processo de licenciamento ambiental dos

para adequação do empreendimento são

empreendimentos de médio e grande porte do

requeridas pelos órgãos ambientais. Aos

setor da construção civil.

empreendimentos de grande e médio porte deste estudo foram exigidas medidas que

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

minimizassem os impactos ambientais. Contudo, os empreendimentos de pequeno

AKAOUI, F. R. V. Apontamentos acerca

porte não licenciados continuam provocando

da aplicação do Código Florestal em áreas

seus efeitos sem qualquer medida mitigadora

urbanas e seu reflexo no parcelamento do

para conter seus impactos.

solo. In: Freitas, José (org.), Temas de direito

Os impactos ambientais da construção

urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial do

civil, em sua maioria, são causados por

Estado: Ministério Público do Estado de São

intervenções não planejadas ambientalmente.

Paulo, 2000, p.275-295.

Muitos construtores só modificam seus projetos

BRASIL. CÓDIGO FLORESTAL. Lei

ou alguma atuação em obra quando são

Federal 4.771: alterada pela Lei Federal

exigidos pelos órgãos fiscalizadores.

7803, Artigo 2º. Brasília, 1965.

O modelo de análise de desempenho

FERNANDES, A; PORTELA, M. Plano

ambiental proposto neste trabalho destaca os

Ambiental: um instrumento rumo à cidade

aspectos ambientais reconhecidos nos

sustentável. In: ENTAC, 8º, Salvador, 2000.

princípios de desenvolvimento sustentável e nas

Artigo técnico, v1, p.123-130, 2000.

práticas de vistoria no processo de T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003

JOHN, V. M. Desenvolvimento 73


Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus

sustentável, construção civil, reciclagem e trabalho multidisciplinar. [Artigo técnico], 2000 – disponível em: www.reciclagem.pcc.usp.br, acesso em 01/10/01. MANAUS, CÓDIGO DE OBRAS DO MUNICÍPIO. Lei nº 1.208, de 25.03.75. Manaus – AM, 166 p. RHEINGANTZ, E. A megalópole da periferia. In: Freitas, José (org.), Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2000, p.161-167. RIBEIRO, E. R; FALCOSKI, L. A. N. Desempenho ambiental: Delimitação conceitual como subsídio à elaboração de instrumentos para avaliação de impactos ambientais em áreas urbanas. In: NUTAU, São Paulo. Artigo técnico. São Carlos, 7p, 1998. SECOVI/SP – SINDICATO DAS EMPRESAS DE COMPRA, VENDA, LOCAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS DE SÃO PAULO. A indústria imobiliária e a qualidade ambiental:

subsídios

para

o

desenvolvimento urbano sustentável – São Paulo: PINI, 102p, 2000. *Jussara Socorro Cury Maciel - Eng. Civil, Mestranda de Ciências Ambientais e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal

do

Amazonas.

e-mail:

jussara7@argo.com.br **Vicente Paulo Queiroz NogueiraEng. Civil, Dr.; Professor Titular do Depto de Hidráulica da Universidade Federal do Amazonas. e-mail: nogueira@buriti.com.br

74

T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003


NOTÍCIA T&C PROJETO PARA APROVEITAMENTO DO GÁS NATURAL DE URUCU CUMPRE IMPORTANTE ETAPA O Centro de Ciências do Ambiente da Universidade do Amazonas concluiu o Estudo Prévio de Impacto Ambiental EPIA que embasa a proposta da Petrobrás de construção, no Estado do Amazonas, de um gasoduto de 400 km que terá o desafio de transportar gás natural desde o Terminal Solimões, no município de Coari, onde se encontra uma das principais usinas de gás natural do País, até a Refinaria de Manaus. A próxima etapa é a submissão do estudo às audiências públicas, nas quais será discutido junto às sedes de todos os municípios envolvidos, visando à posterior aprovação pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas Ipaam. O Gasoduto, que atravessará os municípios de Codajás, Anori, Anamã, Caapiranga, Manacapuru e Iranduba, poderá ser a solução para que Manaus possa usufruir dos benefícios do gás natural. As conclusões do Estudo Prévio de Impacto Ambiental realizado pela Ufam, em parceria com a Universidade Estadual do Amazonas UEA , Embrapa e com as Universidades federais do Rio de Janeiro, São Paulo e Viçosa, incorporam todas as recomendações relevantes de organismos internacionais e da legislação brasileira sobre a necessidade de preservação do meio ambiente. A conclusão, segundo Alexandre Rivas, Diretor do Centro de Ciências do Ambiente da Ufam, aponta para a viabilidade da construção do gasoduto, que causará danos ambientais menores se comparados com os provocados pelas hidrelétricas, embora atente também para o alto grau de responsabilidade da obra, que por sua característica linear, atravessará vários ecossistemas. O estudo prevê o compromisso a ser assumido pela Petrobrás, de adotar medidas compensatórias ao ambiente natural em si e às populações, e recomenda diversos programas que visam a inserir o gasoduto no contexto do desenvolvimento sustentável. Dentre os programas sugeridos estão o monitoramento ambiental, o resgate e o salvamento do patrimônio arqueológico e da memória indígena, a prevenção à erosão, a geração de energia em pequenas comunidades, o apoio às comunidades e a educação ambiental. Além dos benefícios da geração de emprego e renda nos municípios envolvidos, uma inserção significativa do gás natural na matriz energética proporciona uma diminuição na pressão sobre o ambiente, não só em virtude da substituição do combustível hoje consumido - muito mais poluente - mas também pela redução do consumo de lenha no interior, sobretudo nas padarias e olarias.


Biodiversidade e Exploração Sustentável No próximo número, T&C Amazônia estará privilegiando o tema Biodiversidade, discutindo idéias, conceitos, iniciativas ou projetos que sejam capazes de contribuir para a transformação da realidade econômica regional, sem dissociá-la da premissa da sustentabilidade. Uma lista não exaustiva de assuntos de especial interesse para essa edição contempla: Relato de iniciativas envolvendo comunidades ao redor de projetos econômicos bem sucedidos, que utilizem recursos da biodiversidade como matéria-prima; Apresentação de resultados de pesquisas que comprovem o potencial dos recursos da biodiversidade amazônica; Descrição de casos reais e proposição de mecanismos para o combate à biopirataria; Iniciativas para a preservação e proteção intelectual do conhecimento tradicional; Preservação e manejo sustentável de espécies amazônicas; Discussão da legislação existente e de projetos em tramitação; Discussão do aparente antagonismo entre ocupação e soberania nacional sobre a Amazônia frente à necessidade de preservação; Proposição de elementos de uma agenda positiva para a inserção da biodiversidade no desenvolvimento econômico sustentável, com especial ênfase à importância do Centro de Biotecnologia da Amazônia CBA e sua possível relação com as grandes corporações das indústrias farmacêutica e de cosméticos; Avaliação dos resultados de intervenções de organizações não governamentais na realidade de comunidades locais. Convidamos os interessados a submeterem suas contribuições, devidamente formatadas no padrão estabelecido pela revista, sob a forma de artigos ou comunicados técnicos, através do endereço eletrônico tec_amazonia@fucapi.br. Todas as contribuições apresentadas serão avaliadas por uma equipe de profissionais especializados que colaboram com a revista, através de sistema blind review.


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