Revista T&C Amazônia - Edição 01

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FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia

EDITORIAL 21 ANOS DE FUCAPI. Tecnologia na Amazônia. Essa é uma mensagem que está associada à Fucapi desde a sua criação, há 21 anos. Instituição nascida com o propósito de apoiar a atividade industrial em Manaus, fruto da inquietação de dirigentes locais com o processo de desenvolvimento da Zona Franca, contabiliza aprendizados em uma trajetória rica e surpreendente. Rica na diversidade das experiências, inicialmente dedicadas à consolidação de uma engenharia local, com ênfase na tropicalização de produtos, substituição de importações e desenvolvimento de fornecedores, posteriormente avançando para áreas como qualidade, produtividade, gestão ambiental, formação e treinamento de mão-de-obra especializada; na percepção da importância crescente do recurso humano qualificado para a sustentabilidade das ações, que culminou com a sua atuação em educação formal, incluindo o ensino nos níveis superior e de pós-graduação. Surpreendente pelo fato de ter estruturado todo esse esforço a partir de uma base de profissionais idealistas, localmente formada, sem ter seguido modelos referenciais externos, desenvolvendo um perfil de trabalho que contempla as peculiaridades locais. O imaginário popular em relação à Amazônia costuma ser povoado por elementos associados a florestas, rios, animais, folclore e quase nunca por referências à modernidade, conhecimento, inovação, tecnologia. Ao pioneirismo da Fucapi talvez possa ser creditado o mérito de servir como um exemplo para que outras instituições de ensino e pesquisa, instaladas localmente, também se engajassem no desafio de gerar e atender à demanda por educação e serviços tecnológicos especializados, ampliando a capacitação regional. Mas a trajetória para um desenvolvimento sustentável do Amazonas e da Amazônia tem ainda diversos desafios a enfrentar e muito espaço a ser conquistado. E uma opção consciente pelos caminhos mais apropriados é uma tarefa de dimensão proporcional à imensidão do território, que não pode abdicar das idéias e reflexões de todos aqueles que se proponham a contribuir. T&C Amazônia tem o propósito de ser um espaço para discussões que se adeqüem a esse contexto. Um ambiente no qual profissionais e organizações sintam-se estimulados a manifestar-se na discussão dos caminhos do desenvolvimento regional sustentável e no estabelecimento de contornos mais nítidos para possíveis contribuições da C&T&I. Este primeiro número da T&C Amazônia, dedicado ao tema Desenvolvimento Regional, é adequado para, simbolicamente, comemorar uma nova etapa de maturidade da Fucapi. E, além de reafirmar o compromisso com a região, é mais uma vez a ratificação da sua mensagem original, ainda atual: “Tecnologia na Amazônia”. O que foi interpretado, em seu nascedouro, muito mais como um ideal a ser alcançado, hoje talvez já possa ser categorizado como uma recompensadora realidade. Os Editores

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003


SUMÁRIO

FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia Isa Assef dos Santos ...................................................................................................................... 3 O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional Waldimir Pirró e Longo ................................................................................................................... 8 Tecnologia e Desenvolvimento Regional José Seixas Lourenço .................................................................................................................. 23 O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Imar César de Araújo .................................................................................................................... 30 O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia Maurício Elísio Martins Loureiro .................................................................................................... 36 Pesquisa e Benefício Social – Uma Relação Possível? Entrevista com Marcus Luiz Barroso Barros .............................................................................. 42 Tecnologia e Floresta – Um Exemplo de Cooperação Entrevista com Evandro Luiz Vieiralves e Luis Galvão ............................................................... 47 A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional Gilbert Breves Martins, Rhandsaissem Tavares Leal, Fabíola Nazaré Borges e Valdir Sampaio da Silva ......................................................................................................................................... 52 O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região Francisca Dantas Lima e Sônia Iracy Lima Tapajós ................................................................... 60 A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis Cinthia da Cunha Mendes ............................................................................................................ 65 Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia Rubem Cesar Rodrigues Souza.................................................................................................. 74

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FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia

FUCAPI: 21 ANOS DE TECNOLOGIA NA AMAZÔNIA Isa Assef dos Santos*

Após a implantação, na Zona Franca de Manaus - ZFM, de várias indústrias das áreas de eletrônica, eletromecânica, ótica, relojoaria e de veículos que vieram atraídas pelos incentivos fiscais especiais aqui oferecidos, criouse um pólo industrial que rapidamente cresceu, tornando-se necessária a criação de instrumentos capazes de dar suporte técnico ao seu desenvolvimento. Em 1982, após a realização de estudos e levantamentos sobre as necessidades do parque industrial da ZFM, surgiu a FUCAPI, então com o nome de Fundação Centro de Análise de Produção Industrial, uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos, que vinha com o objetivo de dotar o setor industrial e áreas do Governo, de apoio técnico local e efetivo na realização de pesquisas no setor eletrônico e em outros setores de interesse do parque industrial, tais como o mecânico, ótico, relojoeiro e de veículos. Criada pela Federação das Indústrias do Estado do Amazonas - FIEAM; Centro das Indústrias do Estado do Amazonas – CIEAM e Fundação Universidade do Amazonas, com o apoio técnico do Grupo Executivo Interministerial de Componentes e Materiais – GEICOM, ligado ao Ministério das Comunicações e da SUFRAMA, iniciou suas atividades, efetivamente, em novembro de 1983, com a inauguração de suas primeiras instalações. Atendendo ao objetivo de prestar apoio técnico à SUFRAMA e às empresas da ZFM vi-

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sando ao desenvolvimento tecnológico e à está a exigir ações nessa direção. consolidação do modelo aqui implantado,

Áreas como Biotecnologia, Sistemas

a FUCAPI logo ampliou seu raio de ação

de Comunicações e Química de

e voltou-se também para a adequação do ensino Produtos Naturais são, ainda hoje, consideradas técnico-profissionalizante na região às estratégicas para a Região, o que comprova necessidades do parque industrial. Para isso, que, há 16 anos, a FUCAPI já tinha uma visão elaborou, em 1987, o Plano Estratégico de prospectiva clara das áreas e formas mais Educação, Ciência e Tecnologia – PEECT, que adequadas de desenvolver o potencial da se constituía num instrumento balizador das Região, principal-mente através do uso ações da SUFRAMA, tendo em vista propor- sustentável de suas riquezas naturais. cionar suporte às suas atividades de Ao longo do tempo, várias foram as cooperação e fomento do desenvolvimento atividades desenvolvidas pela FUCAPI que sócio-econômico da Amazônia Ocidental. No refletiram o extraordinário significado da ação mesmo ano e em conseqüência dessa interativa com as demais instituições dedicadas ampliação, a FUCAPI incluiu em suas atividades à análise, pesquisa e inovação tecnológica, no a pesquisa e a inovação tecnológica, passando âmbito local e nacional. Procuraremos a denominar-se Fundação Centro de Análise, destacar, neste artigo, aquelas que marcaram Pesquisa e Inovação Tecnológica, considerando sobremaneira sua trajetória como uma entidade que essa nova nomenclatura adequava-se comprometida com o desenvolvimento científico melhor ao seu novo perfil. e tecnológico da Região. Uma das principais diretrizes estabeNa área educacional, a FUCAPI implanlecidas no Plano Estratégico de Educação, tou, ao longo dos anos, escolas profisCiência e Tecnologia – PEECT era a criação do sionalizantes, de segundo e terceiro graus, tais Distrito de Alta Tecnologia – DIALTEC, uma como o Centro Estadual de Ensino Profisincubadora de empresas capaz de abrigar sionalizante em Informática – CEPI, a primeira pequenos e micro empreendimentos nas áreas escola de informática do Amazonas; o Centro de Eletrônica, Eletroeletrônica, Sistemas de Lindolfo Collor – Escola de Tecnologia da Comunicações, Informática, Química de Amazônia e, mais recentemente, o Centro Produtos Naturais, Biotecnologia, Mecânica de Educacional Lynaldo Cavalcante de AlbuquerPrecisão e Materiais. que – CEEF, que contempla o ensino médio e Caso essas ações tivessem sido cursos profissionalizantes nas áreas de internalizadas pelas autoridades locais, à Informática e Telecomunicações, atendendo época, poderíamos estar hoje diante do hoje a cerca de 747 alunos. Atuando também desenvolvimento de “clusters” industriais

no ensino superior, através do Instituto de

surgidos em torno desses pequenos

Ensino Superior FUCAPI – CESF, possui

empreendimentos de base tecnológica. No

atualmente mais de 1000 alunos matriculados,

entanto, apesar do tempo decorrido, o Plano oferecendo cursos com ênfase tecnológica e ainda se constitui num documento da maior inovadora, tais como os de Engenharia de importância, vez que o cenário regional ainda Comunicações, Administração com ênfase em T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia

Gestão da Inovação; Gestão de Serviços; da instituição com o setor produtivo, a capaciGestão de Negócios; Análise de Sistemas; tação da equipe técnica e o desenvolvimento Ciência da Computação; Engenharia de Pro- tecnológico. A SUFRAMA é um parceiro com o dução Elétrica e Design de Interface Digital. Ainda com a preocupação de promover

qual a FUCAPI tem um contrato de prestação de serviços nas áreas de informática e de aná-

a educação e desenvolver os recursos huma- lise e acompanhamento de projetos industriais. nos da Região, também oferece cursos de pós-

O estabelecimento de parcerias com

graduação, de extensão, de curta duração e empresas instaladas no Pólo Industrial de treinamentos (abertos e “in company”), voltados

Manaus e com entidades de desenvolvimento

para atender a carência de qualificação de mão- regional demonstram a credibilidade obtida pela de-obra demandante do mercado local. Na área de Informática, a FUCAPI dispõe

FUCAPI ao longo de sua existência. Esse resultado foi conseguido graças à adoção de uma

de infra-estrutura de tecnologia da informação política agressiva de capacitação de seu pessoal e suporte técnico para o desenvolvimento e técnico, desenvolvida através da implantação manutenção de sistemas demandados por

de programas de formação e titulação de re-

seus clientes. Constituindo uma experiência de cursos humanos. sucesso de 21 anos, que credencia e atesta

A FUCAPI possui laboratórios certifi-

sua competência com relação aos processos

cados pelas Normas ISO GUIDE 25 e creden-

do Pólo Industrial de Manaus – PIM, a FUCAPI é

ciados pelo Instituto Nacional de Metrologia,

responsável pela informatização e opera- Normalização e Qualidade Industrial – INMEcionalização dos sistemas que permitem à TRO, dotados de equipamentos capazes de SUFRAMA exercer sua ação desenvolvimentista realizar ensaios e testes nas áreas de metrologia em toda a Amazônia Ocidental. A competência da FUCAPI na prestação

dimensional, segurança de brinquedos, de isqueiros e metrologia de grandezas elétricas.

de serviços na área de informática ultrapassou Vale destacar que o Laboratório de Brinquedos as fronteiras estaduais, quando fez-se respon- é um dos quatro existentes no País e o único sável pela informatização de processos para o fora do Estado de São Paulo e o Laboratório de Governo do Estado de Roraima e para a antiga Isqueiros é o único existente no país, creSUDAM – Superintendência do Desenvol- denciado junto ao INMETRO. vimento da Amazônia, hoje ADA – Agência do

As atividades em qualidade e produ-

Desenvolvimento da Amazônia, localizada no tividade desenvolvidas pela FUCAPI, a partir de Estado do Pará.

1991, levaram-na a ser indicada para coordenar

Desde 1987, a FUCAPI atua no desen-

o Comitê Regional da Qualidade e Produ-

volvimento de projetos de P&D, utilizando os

tividade, quando, na ocasião, apoiou inte-

recursos da Lei de Informática, em parceria com

gralmente o Programa Brasileiro da Qualidade

empresas da região, tais como, Siemens, Pro- e Produtividade – PBQP, desenvolvido pelo comp, Philips, Promom, Nokia, Xerox, Thom- Governo Federal, em ações junto às empresas son, Rico, Trópico etc. Como resultados prin- da Zona Franca de Manaus que a projetaram cipais dessa atividade destacam-se a interação em nível nacional, tornando-a um conhecido T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia

Centro de Excelência na área, prestando serviço gestão do conhecimento. O projeto Design Tropatravés de seu Núcleo Pró-Qualidade – NPQ. Em outubro de 1998, a FUCAPI recebeu

ical da Amazônia é um projeto de amplitude social, criado em 1999, que visa a incorporação

cinco certificações com a ISO 9001, incluindo- de tecnologias e conceitos mundiais nas se o Centro Educacional Lynaldo Cavalcante de técnicas de produção de peças de artefatos de Albuquerque – CEEF e o Instituto de Ensino madeira, produzidos a partir de resíduos da Superior FUCAPI – CESF, numa clara demons- floresta e com alto padrão de qualidade, mantentração de compromisso com os resultados de seus parceiros, auxiliando-os a tornarem-se

do o modelo amazônico. Sua preocupação com o desenvol-

mais competitivos, para ampliarem suas par- vimento econômico da região aliado à preserticipações no mercado. A recertificação do seu vação do meio ambiente levou a FUCAPI a Sistema de Gestão da Qualidade, agora pelas

implantar o Centro Tecnológico Ambiental – CE-

normas NBR ISO 9001:2000, ocorrido em 2001, TAF, que foi criado com o objetivo de prestar de modo geral, veio contribuir para a melhoria consultoria às empresas, visando a identidos processos internos, além de evidenciar a ficação, implantação e monitoramento de ações qualidade dos serviços por ela prestados. Justamente pela busca da melhoria de seus serviços, a FUCAPI vem participando do

que minimizem os mais diversos tipos de impactos ambientais. A Gestão do Conhecimento figura como

Programa Excelência na Pesquisa Tecnológica, uma das mais recentes áreas de atuação da uma iniciativa da Associação Brasileira dos

FUCAPI, caracterizada pelo Núcleo de Gestão

Institutos de Pesquisa – ABIPTI, do MCT e CNPq do Conhecimento, criado com a missão de e que tem por objetivo a promoção da melhoria melhorar a qualificação de seu quadro funcional; do desempenho dos institutos de pesquisa disseminar as melhores práticas de desentecnológica, visando torná-los mais compe-

volvimento do ciclo de conhecimento insti-

titivos.

tucional, tácito e explícito; estudar as metoEm parceria com o CNPq, desde 1994

dologias de mensuração do capital intelectual;

a FUCAPI edita o Prêmio FUCAPI/CNPq de utilizar ferramentas de Tecnologia da Informação Tecnologia, que já se encontra em sua 8ª edição, e auxiliar na tomada de decisão. visando estimular e incentivar a geração e

Ao longo desses 21 anos, a FUCAPI tem

transferência de tecnologias que possam

assumido um papel desafiador, investindo na

contribuir para o desenvolvimento da Região capacitação do homem da região e dedicandoAmazônica. O Prêmio tem âmbito nacional e se ao desenvolvimento tecnológico e emprerepresenta o estímulo à transformação de idéias

sarial, através da prestação de serviços técnicos

em valor econômico e social.

especializados que contribuam para diminuir,

Pioneira na condução de novas formas

com suas ações, a distância entre o conhe-

de pensar o desenvolvimento da Amazônia, a cimento existente na Amazônia Ocidental e ouFUCAPI está desenvolvendo também impor- tros centros mais desenvolvidos do país. tantes projetos e atividades em áreas estra-

O desenvolvimento dessas e de outras

tégicas para a região: design, meio ambiente e iniciativas no sentido de estimular os esforços T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia

inovadores no campo tecnológico, principalmente projetos com impactos expressivos para a região, rendeu-lhe o Prêmio FINEP de Inovação Tecnológica, versão 2002, como instituição vencedora da Região Norte no segmento da pesquisa tecnológica.

REFERÊNCIAS

FUCAPI. Relatório de Atividades desenvolvidas pelo Departamento de Desenvolvimento Tecnológico – DETEC, durante o exercício de 1995. Manaus: FUCAPI, 1996. FUCAPI. Relatório Anual de Atividades - 1999. Manaus: FUCAPI, 2000. FUCAPI. Relatório Anual de Atividades - 1998. Manaus: FUCAPI, 1999. FUCAPI. Relatório Anual de Atividades - 1997. Manaus: FUCAPI, 1998. FUCAPI. Relatório de Atividades – jun. 1990 a mar. 1991. Manaus: FUCAPI, 1992. FUCAPI. Relatório de Atividades – ago. 1987 a maio 1990. Manaus: FUCAPI, 1991. FUCAPI. FUCAPI: criação e desenvolvimento. Manaus: FUCAPI, 1989.

* Isa Assef dos Santos é Advogada, Administradora, Professora da UFAM, Especialista em Administração Pública e em Marketing, possuindo larga experiência na gestão de empresas públicas e privadas. Diretora Executiva da FUCAPI.

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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

O DESENVOLVIMENT O CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO E SEUS REFLEXOS NO SISTEMA EDUCACIONAL Waldimir Pirró e Longo*

O CENÁRIO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO, PRODUÇÃO E TRABALHO Desde o seu surgimento na face da Terra, o homem tem procurado transformar a ambiência e as disponibilidades naturais da mesma no sentido de atender os seus desejos mais profundos, quase nunca explicitados, dentre os quais encontram-se: viver mais, trabalhar menos e com menor esforço físico, não sofrer (principalmente não sentir sede, fome e dor), ter mais prazer (tempo disponível para o lazer), preservar a espécie e ter poder para impor a sua vontade (1). A partir do final do século dezenove, as transformações produzidas pelo homem foram extraordinariamente aceleradas como resultado da organização e sistematização do trabalho voltado para a geração e uso de conhecimentos científicos com o intuito de produzir tecnologias que resultassem em novos ou melhores produtos e serviços que satisfizessem os seus desejos centrais e suas necessidades imediatas. Assim, o conhecimento científico deixou de ser um bem puramente cultural, para tornar-se insumo importante, senão o mais valioso, para a geração de inovações tecnológicas. De fato, atualmente, constata-se que as complexas demandas das sociedades modernas são atendidas por tecnologias crescentemente resultantes da aplicação de conhecimentos T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

científicos (2).

social e, certamente, nova educação para os

Em decorrência da busca e apropriação

jovens e atualização contínua para os adultos.

sistemática, e bem sucedida, de conhecimentos

Do exposto, conclui-se que, hoje, os

científicos para a produção de tecnologias, grandes desafios enfrentados pelos países, nos estima-se que os conhecimentos científicos e níveis local e global, estão intimamente relatecnológicos têm duplicado a cada 10 a 15 anos”

(3)

cionados com as contínuas e profundas

. Em 2000, a Hart-Rudman Presiden- transformações sociais ocasionadas pela velo-

tial Commission do Congresso dos EUA,

cidade com que tem sido gerados novos

afirmou que “...os próximos dez anos trarão

conhecimentos científicos e tecnológicos, sua

mais mudanças tecnológicas que o século XX rápida difusão e uso pelo setor produtivo e pela todo, e os governos serão incapazes de sociedade em geral. Pode-se afirmar que companhá-las” (4). Quanto à previsão da citada Comissão

vivemos num mundo cambiante, cuja única certeza é a incerteza. No dizer de Paul Valery,

a respeito da incapacidade de acompanhamento “o problema atual é que o futuro não é mais o das mudanças, é preciso considerar que a que deveria ser”. introdução de novas tecnologias, quase sempre,

Diante dessa dinâmica de um mundo

é uma decisão do setor produtivo, não discutido em constante mutação graças aos avanços da e não planejado pela sociedade. As alterações

ciência e tecnologia, a imagem que se formula

ambientais e comportamentais resultantes são é que tudo se passa como se estivessem de tal magnitude e, às vezes, tão inesperadas, indivíduos, empresas e nações subindo uma que as instituições sociais em geral, entre as

escada rolante que se desloca, continuamente

quais os governos nacionais, não têm

acelerada, em sentido contrário ao movimento

conseguido acompanhá-las e adaptar-se, de todos, sendo, portanto, necessário subir enfrentando, então, sérias crises de cada vez rápido para permanecer na mesma gerenciamento. Estão, nesse caso, além dos

altura. Caso não acompanhem ou suplantem a

governos, instituições tais como partidos

escada da evolução científica tecnológica, os

políticos, religiões, forças armadas, empresas

indivíduos tornam-se profissionalmente obsole-

e as escolas, ou melhor dizendo, a organização tos, as empresas perdem competitividade e vão e os métodos utilizados no processo ensino- à falência, os países amargam o subdeaprendizagem (5) . Assim, estabelece-se um senvolvimento e uma insuportável dependência “hiato gerencial” entre a nova realidade social externa do insumo mais estratégico do mundo resultante do avanço científico e tecnológico e moderno: o conhecimento. a capacidade de reação e de reorganização dos

Na evolução científica e tecnológica não

grupos ou entidades sociais para o trato dessa há patamar definitivo a ser atingido, pois a nova realidade (6) . É preciso ter presente que escalada é contínua, ou seja, a escada não tem novas tecnologias podem alterar hábitos, fim. valores, prioridades e a própria visão que o homem tem de si mesmo e do mundo, exigindo, em conseqüência, novas regras de convivência

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

Assim, avulta de importância, por parte

das nações, através das suas instituições, principalmente as educacionais, o contínuo 9


O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

monitoramento da evolução científica e primas e componentes, tornou-se possível à tecnológica, e das mudanças sociais decor-

fábrica produzir aquilo que já está encomendado

rentes ou antevistas. O acesso às informações

(ou já vendido) “sob medida”.

Com tal

e a gerência das mesmas, assim como procedimento, custos são eliminados com a previsão e avaliação tecnológicas, passaram a minimização de estoques a montante e a jusante ser de importância vital nas políticas e da produção propriamente dita. Tudo passa a estratégias governamentais em todos os níveis, fluir “just in time”(7). objetivando minimizar “hiatos gerenciais”, particularmente na área da educação. O rápido desenvolvimento tecnológico da

Adicionalmente, é preciso entender que o progresso tecnológico, além de causar profundas alterações no modo de produção de

microeletrônica, da informática e da automação, bens e de serviços, modifica, em conseqüência, assim como o exponencial crescimento das

a distribuição e a qualificação da força de

suas aplicações, afetaram de tal maneira as

trabalho(8). Profissões surgem e desaparecem

qualificações exigidas para o trabalho, o acesso em curto tempo; qualificações para postos de às informações, a organização e o funcio-

trabalho são exigidas e, em seguida, des-

namento do setor produtivo, as relações sociais

cartadas, ou seja, as trajetórias profissionais

e as políticas governamentais, que se admite são, em grande parte, imprevisíveis. Vivemos estarmos vivendo a Terceira Revolução hoje a era pós-industrial na qual, nos países Tecnológica ou Industrial. Exemplo marcante é, centrais, cerca de 70% da força de trabalho foi na área tecnológica, a engenharia industrial, que deslocada para o setor terciário tecnologicasofreu, e que continua sofrendo, profundas

mente cada vez mais sofisticado, entre 20 e

alterações, tanto na sua concepção e na sua 30% permanecem no secundário, e menos de operação quanto no seu relacionamento com

5% encontram-se em atividades agrícolas cada

os serviços correlatos. A possibilidade atual

vez mais intensivas em máquinas e técnicas

proporcionada pelos meios eletrônicos, poupadoras de mão-de-obra não qualificada. permitindo o fluxo de informações fluir Embora os setores primários (agricultura, instantaneamente do cliente para a fábrica e da pesca e exploração florestal) e secundário fábrica para os seus fornecedores, aliada à (manufatura industrial, extrativismo, produção automação, tornaram possível “produzir e distribuição de eletricidade, gás e água, obras competitivamente, diferentes produtos, em

de engenharia civil) da economia tenham

quaisquer quantidades, melhor e mais barato”, crescido, o número de empregados nos mesatendendo cada vez mais aos desejos do mos é, proporcionalmente, cada vez menor. Isto usuário do bem produzido. Esta concepção vem

se deve não somente à crescente mecanização

substituindo aquela, até então vigente, que se e automação desses setores, mas também à propunha a “produzir cada vez mais, da mesma “terceirização” de muitas das suas atividades coisa, melhor e mais barato”, sem muitas

anteriormente verticalizadas, principalmente

opções para o comprador. Além disso, aquelas classificadas como prestação de acessando em tempo real o desejo dos clientes

serviços, inclusive tecnológicos. Há uma

e transmitindo, também em tempo real, tendência das indústrias em concentrarem-se informações aos supridores das matérias T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

estritamente na fabricação daqueles com10


O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

ponentes ou produtos nos quais são cres-

produtos passaram a diferenciar-se na

centemente especializadas e competitivas. A competição não só pelo “design”, preço e pela previsão norte-americana é que, na década

qualidade, mas pelos serviços complemen-

atual, dez por cento dos empregos na indústria tarmente oferecidos (financiamento, troca, desaparecerão. Devido à terceirização é cada vez maior

manutenção, assistência etc.) Desta importante constatação, deduzem-se novas exigências

o número de pessoas que têm freqüentemente educacionais: a força de trabalho nacional trabalho, mas não necessariamente um precisa estar psicologicamente e culturalmente emprego, o que exige delas, como conse- preparada para atuar mundialmente, dotada de qüência, habilidades complementares e novas habilitações gerenciais. diversas daquelas da sua bagagem profissional específica. Na medida que as empresas se esva-

A realidade até agora descrita permite afirmar-se que são cada vez maiores e mais elevadas as qualificações exigidas para os

ziam com a automação e com a terceirização, postos de trabalhos em qualquer dos setores vão restando dentro delas os “novos operários”. de produção, fato que coloca uma grande Entende-se aqui por “novo operariado” o pressão sobre as necessidades educacionais conjunto de trabalhadores que carrega consigo das populações. É óbvio, e desnecessário o principal instrumento para a produção, qual enfatizar, que a capacidade científica e seja, o seu cérebro, que abriga os insumos tecnológica nacional é absolutamente vitais: informações e conhecimentos sem os

dependente de nível educacional adequado da

quais nada funcionará.

população. Educação, ciência e tecnologia

A informática associada às telecomunicações tornou possível transportar, econo-

estão intimamente relacionadas. Ao longo do tempo, na medida em que

micamente, enormes quantidades de informa- as tecnologias foram crescendo em conteúdo ções, criando a possibilidade do fornecimento científico, tornou-se, proporcionalmente, cada à distância de várias necessidades da fábrica, vez menor o número de pessoas capazes de contribuindo para modificar, como já foi dito, as posicionarem-se nas fronteiras dos conhecirelações entre a produção de bens e a prestação mentos nas várias áreas do saber e, portanto, de serviços. As distâncias e as fronteiras entendê-las, enquanto cresceu, e se nada for nacionais deixaram de ser barreiras nestas

feito em termos educacionais, continuará a

relações. Com a “globalização” dos mercados

crescer a ignorância tecnológica da maioria.

e da produção, passou a ocorrer, instan-

É preciso ter presente que no mundo em

taneamente, a busca universal dos consumi- que vivemos hoje todos cidadãos necessitam dores pelos mesmos bens e serviços. No caso conhecimentos básicos de ciência, das tecnolodas indústrias, estas passaram a ter que gias mais usadas, de matemática e informática, dominar as tecnologias que as colocassem

continuamente atualizados. Esta é uma exi-

continuamente na competição global. Como gência não só para o mercado de trabalho mas, conseqüência dessa convergência sobre o antes de tudo, para que o cidadão não seja um domínio e uso das mesmas tecnologias, os T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

alienado, um ignorante diante dos bens e 11


O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

serviços utilizados no seu dia-a-dia. Em outras

é levar os conhecimentos aos locais de trabalho

palavras, o sistema educacional moderno deve, utilizando meios eletrônicos, de preferência em todos os níveis e para todas as profissões, interativos. incluir competente e adequada educação em ciência e tecnologia. Trata-se de uma questão não só relacionada com a empregabilidade do indivíduo, mas uma questão de cidadania. A respeito dos conhecimentos científicos

EDUCAÇÃO ASSISTIDA POR MEIOS INTERATIVOS. ENSINO À DISTÂNCIA EAD

e tecnológicos que todas as pessoas deveriam

Por ocasião da passagem do século XX

ter, sugere-se, preliminarmente, a leitura dos

para o XXI, alguém vaticinou: “se errarmos de

trabalhos “Science for All Americans” e “Tech- escola, poderemos errar de século”. nology” produzidos pela American Society for the Advancement of Science

(9 e 10)

.

É hoje consenso que é necessário que o País seja dotado de um sistema de educação

Evidentemente, para a geração e uso de massa do primeiro ao terceiro grau, da das modernas tecnologias, a formação universi- melhor qualidade, e capaz de fornecer ao tária deve ser primorosa nos níveis de graduação cidadão possibilidades de atualização contie pós-graduação, sendo esta exigência um item

nuada, ao longo de sua vida, para o trabalho e

central na política científica e tecnológica para o lazer. Isto é, preparar o cidadão, no dizer integrante das estratégias nacionais ou de Domenico de Masi regionais de desenvolvimento. Com as constantes mudanças tecno-

(11)

, para “o ócio e o

negócio” ao longo de sua existência. Adicionalmente, deve ter um quarto grau capaz de formar

lógicas, os indivíduos que não as acom- pesquisadores, produzir avanços nas fronteiras panharem ficarão prematuramente inabilitados dos conhecimentos nas diversas áreas do sapara o trabalho. Serão parte do que tem sido ber e contribuir, efetivamente, para aumentar a chamado de desemprego estrutural. A capacidade endógena do sistema nacional de desqualificação para o mercado de trabalho, inovação tecnológica, em benefício do setor seja através da obsolescência ou da má produtivo e das necessidades públicas. formação escolar, dá origem ao que tem sido

No que diz respeito ao ensino superior,

chamado de “analfabetismo tecnológico”. Os a situação brasileira é lamentável. Segundo analfabetos tecnológicos não retornarão ou

estatísticas que constam de Relatório da

ingressarão adequadamente no mercado de

Organização das Nações Unidas (12), o Brasil é

trabalho nem que a economia cresça e expanda o país da América Latina com o menor índice as oportunidades de emprego e trabalho. Evitar a obsolescência da força de traba-

de atendimento, no ensino superior, aos jovens na faixa etária de 18 a 24 anos: apenas 10%

lho através da chamada educação continuada daquela faixa etária, ou 1,3% da população total é hoje uma preocupação da maioria dos países. do País, o que equivale a cerca de metade do Tendo em vista o custo elevado em trazer

índice da Bolívia, de um terço da cobertura do

periodicamente essa força para dentro das

Chile. Significa, ainda, que o País apresenta uma

salas de aula, a solução que está se ampliando das piores taxas mundiais, sendo que, na T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

América Latina e Caribe, somente está em pior do total. situação o Haiti. Tal fato é gravíssimo e, ao

d) No ano 2000, embora o sistema de

mesmo tempo, um paradoxo, pois o País é uma ensino superior tivesse oferecido apenas das maiores economias mundiais, dispondo de 1.216.287 vagas para 4.039.910 inscritos, um dos maiores sistemas educacionais do

318.730 daquelas vagas não foram ocupadas,

planeta e um sistema de pós-graduação de

sendo, praticamente, todas elas oferecidas por

excelente qualidade.

instituições privadas. A propósito, a existência

Outros dados da nossa realidade tornam a situação mais preocupante, a saber

(13)

:

de vagas ociosas no setor privado não é peculiaridade de anos recentes, indicando que

a) No ano de 2000 foram oferecidas

as necessidades da sociedade brasileira, no que

apenas 1.216.287 vagas no ensino superior

se refere ao ensino superior, não podem ser

para um total de 4.039.910 inscritos nos

solucionadas apenas com o aumento de vagas

vestibulares em todo o Brasil. Em que pese o no ensino privado. Tal constatação decorre de fato de que vários candidatos possam ter-se diversas razões, entre as quais sobressaem o inscrito em mais de um exame de acesso, a descompasso geográfico entre a oferta (conmédia nacional de mais de três candidatos por centrada) e a demanda (dispersa) e o fato de vaga é, certamente, alta, e ela atinge um índice que um grande número de famílias não pode ainda mais alto – mais de nove candidatos por arcar com os altos custos dos cursos supevaga – no sistema das instituições federais de riores nas IES privadas. Quem poderia pagar, já está pagando. ensino superior, naquele ano. b) A demanda por ensino superior tende

e) A Lei de Diretrizes e Bases da Edu-

a aumentar de forma dramática nos próximos

cação nº 93941996 – a LDB - impõe, até 2006,

anos, em decorrência do grande crescimento a qualificação, em nível superior, de todo o corpo do número de concluintes do ensino médio, que docente atuante em todos os níveis de ensino é fruto, por sua vez, das altas taxas de matrícula no País, totalizando aproximadamente 1milhão de alunos no ensino fundamental, hoje na faixa e 200 mil professores. Isso implica em ter que de 95% do público-alvo. Esse expressivo qualificar, em tal prazo, cerca de 830.000 crescimento do número de alunos que professores nas séries iniciais, 233.000 para 5ª concluem o ensino médio não tem encontrado, a 8ª séries e 51.000 para o ensino médio. Existe, entretanto, a devida contrapartida de vagas no ainda, uma falta histórica de professores para ensino superior, particularmente no setor o ensino de matemática e ciências naturais público. Em 1999, a relação entre o número de (física, química e biologia). Por fim, o Brasil concluintes do ensino médio e o número de alunos

apenas iniciou a qualificação de docentes para

que se inscreveram no ensino superior já havia a educação tecnológica, tão crítica nos dias de hoje, em que novas tecnologias, especialmente chegado a, aproximadamente, três para um. c) A expansão da oferta de vagas vem se dando principalmente no setor privado. De fato, no ano de 2000, o setor público ofereceu apenas 245.632 vagas, ou seja, cerca de 1/5 T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

aplicáveis ao ensino, estão revolucionando o cotidiano dos povos e todos os padrões de desenvolvimento dos países. Somados todos os níveis de ensino, verifica-se que o Brasil

13


O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

precisa qualificar, no ensino superior, um

colar regular (education), seja para o trabalho

contingente de mais de um milhão de profes- ou para o lazer (training), exacerbou a visão do sores nos próximos cinco anos.

ensino como um grande negócio a ser

Felizmente, o próprio avanço tecnológico explorado. Só para se ter uma idéia de grandeza produziu os meios necessários para o atendi- dos volumes de recursos envolvidos, as mento parcial de tais necessidades, a custos

empresas norte-americanas espalhadas pelo

suportáveis pela sociedade, inclusive no Brasil. mundo, despenderam, em 1997, da ordem de Trata-se dos meios de comunicação que podem 18 bilhões de dólares no treinamento de seus colocar conhecimentos ao alcance confortável empregados somente em tecnologias de (14) . Em conseqüência dessa dos cidadãos onde quer que eles estejam, a informação partir de bases logísticas onde estão demanda, passou a proliferar o surgimento de armazenados tais conhecimentos. Tem-se empresas especializadas em treinamento para assim, em mãos, a oportunidade de demo-

o setor produtivo e as escolas regulares,

cratizar o acesso à educação em todos os

principalmente as universidades e outras

níveis. Os meios pedagogicamente mais

instituições de ensino superior, ampliaram suas

apropriados a serem utilizados são aqueles que ações na mesma direção. Tanto as empresas permitem maior e mais eficiente interação en- quanto as escolas passaram a utilizar largatre os detentores do conhecimento e os seus

mente os meios interativos disponíveis,

demandantes, ainda que afastados fisicamente. ampliando o seu alcance via ensino à distânAssim, são largamente utilizados o correio, o cia, no sentido de atingir o instruendo em casa (1) telefone, o gravador, o fax, o rádio, a televisão, e/ou no local de trabalho .

o vídeo, o CD-ROM, o DVD e a INTERNET. Tais

Apesar da complexidade envolvida na

meios, isoladamente ou associados, permitem

montagem e execução do sistema necessário

“empacotar” pedagogicamente e “despachar” à prática da modalidade ensino à distância, esta os conhecimentos. O acesso ao “produto” apresenta um enorme potencial de democonhecimento torna-se, assim, um problema cratização do acesso ao ensino superior de que envolve competência em logística (1) .

qualidade, o que vem sendo comprovado pelas

Convenientemente utilizados, tanto no

diversas experiências bem sucedidas no exte-

ensino presencial quanto à distância, os meios

rior e, mais recentemente, no Brasil. De fato,

(15) mostram que com o citados constituem-se, ainda, num poderoso estudos recentes instrumento no sentido de preparar o indivíduo acréscimo de apenas 15% dos recursos

a “aprender a aprender”, metodologia absoluta- usualmente aplicados no sistema de ensino mente apropriada a quem vive num mundo em superior como um todo é possível, em princípio, constante mutação. Eles facilitam a utilização dobrar o número de alunos atendidos pelas do processo educacional centrado no esforço universidades públicas, atendendo a um públicodo aluno aprender e não, majoritariamente, no alvo que vive longe dos grandes centros urbanos ou que não dispõe de tempo, nos turnos usuais esforço do professor em ensinar. A busca universal do conhecimento pelos cidadãos, seja através da formação esT&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

de oferta de cursos, por estar trabalhando. Na Europa, são várias as universidades

14


O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

que hoje utilizam a EAD. A Open University,

de trabalho. A mesma aula, em gravação,

fundada em 1971, atende atualmente a cerca é retransmitida em vários horários ao longo do de 230.000 alunos; a UNED, surgida em 1972, dia, buscando atender as disponibilidades dos com aproximadamente 200.000 alunos; a Fern alunos. As aulas podem ser gravadas nos Universität, da Alemanha, implantada em 1974, pontos de recepção para posterior uso pelos com 58.000 alunos; a Universidade Aberta de estudantes, utilizando, inclusive, “streaming” Portugal, criada em 1988 e o Centro Nacional vídeo. Para a interação aluno-professor são de Ensino a Distância da França, fundado em 1939, com cerca de 190.000, alunos são as

empregados correio, fax, telefone e Internet. O Brasil, apesar de sua dimensão con-

mais consolidadas. Vale lembrar também a tinental e da enorme demanda dispersa de sua mega universidade Anadolu, da Turquia, que população jovem por ensino superior, iniciou sua iniciou suas atividades em 1982, com mais de experiência com educação superior à distância 550.000 alunos (13) . No ano acadêmico de 1997- apenas em 1998, com o curso da Universidade 98, os EUA tinham matriculados, em instituições

Federal do Mato Grosso para a formação de

de nível superior, da ordem de 1.661.100 professores do ensino fundamental, visando a estudantes em disciplinas à distância, sendo cumprir a LDB. Esta iniciativa pioneira graduou cerca de 1.363.670 no college-level em

todos os professores do ensino fundamental que

disciplinas no sistema de crédito, a maioria dos

não tinham o nível superior, em um estado que

quais em nível de graduação

(16) .

. Naquele ano se caracteriza pelas grandes distâncias

foram oferecidas, aproximadamente, 54.470

geográficas entre suas cidades e povoados e

disciplinas à distância, sendo cobrado dos

pela diversidade cultural, demostrando, de for-

alunos, em geral, o mesmo preço pago por

ma inequívoca, a viabilidade e a adequação da

aqueles que freqüentavam fisicamente as au- utilização de EAD em nosso País (13). llas. As tecnologias mais usadas foram: Internet

Desde então, outros cursos à distância

assíncrono, vídeo interativo nas duas direções

para formação de professores do ensino fun-

(6)

e vídeo pré-gravado . Exemplo digno de menção em educação

damental vêm utilizando a metodologia de educação à distância, destacando-se os cursos

e treinamento na área tecnológica é a National superiores da UESC, UEMT, UFOP, UEC, enTechnological University-NTU, situada em Fort tre outros. Recentemente, um consórcio regionCollins, Colorado, EUA (17), que tem por objetivo al das Universidades Públicas do Estado do atender as necessidades educacionais

Rio e Janeiro – CEDERJ iniciou a oferta de

avançadas de engenheiros, técnicos e gerentes

cursos de licenciatura em matemática e em

e oferecer cursos de mestrado. Os programas

biologia, devendo brevemente expandir a sua

acadêmicos são compostos por disciplinas

oferta para cursos de física, química e

regulares oferecidas pelas 53 universidades

pedagogia. No momento, diversos pedidos de

associadas que participam do Satellite Network credenciamento foram concedidos ou estão da NTU. As aulas presenciais são transmitidas

em fase de julgamento no MEC, indicando um

ao vivo por TV, em tempo real, para os alunos

grande crescimento da área para os próximos

distantes que, em geral, estão nos seus locais

anos (13).

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

15


O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

que quanto mais impregnado de ciência for o

O PODER E O PAPEL DA EDUCAÇÃO

produto ou as tecnologias de produção de um bem ou de um serviço, menor é o número de

As tecnologias de base empírica são facilmente entendidas e, portanto, sua cópia e produção por empresas retardatárias são uma questão de oportunidade e de disponibilidade econômica. Por sua vez, por serem fruto da aplicação de conhecimentos científicos, as tecnologias modernas mais relevantes e seus processos de produção não são facilmente

empresas competindo nos mercados. Finalmente, de uma certa maneira, a mesma coisa está ocorrendo ao nível de países. Observa-se, neste final de século, a tendência dos países a aglomerarem-se em torno de fortes lideranças tecnológicas

para

formarem

blocos

econômicos e, por extensão, políticos e militares (18).

compreendidos e, conseqüentemente, são extremamente difíceis de serem copiados. Isto é, são altamente discriminatórios: quem não tiver competência

científica

e

capacidade

tecnológica estará condenado à periferia, mesmo que disponha dos demais fatores de produção (capital, mão-de-obra e matérias-

Na realidade, os avanços científicos e tecnológicos em geral e os avanços das comunicações e dos transportes em particular, estão provocando, no dizer de R. Dreifus (19), a “mundialização da cultura, a “globalização” da produção dos mercados e da economia, e a “planetarização” dos países em torno de poucos

primas).

“sóis”. Ou seja, as mais fortes lideranças dos Alguém já afirmou, sabiamente, que no mundo atual “mais vale o que se tem entre as

países centrais estão impelindo os países retardatários no desenvolvimento a gravitarem

orelhas do que debaixo dos pés”.

em torno dos mesmos, os “sóis” de cada A geração de tecnologias de base sistema planetário, complementando e amplicientífica exige acúmulo de capital para ando assim o seu Poder Potencial, com reflexos investimentos contínuos em pesquisa, desen- positivos no Poder Efetivo(20). São os chamados volvimento experimental e engenharia, “blocos econômicos (a - EUA com o NAFTA e mobilizando cérebros com competência em

propondo o ALCA; b - UE com o Leste Europeu

amplo espectro de conhecimentos e capaci-

e a África; c - Japão/China e a bacia do Pacífico).

dade gerencial para produzir, competitivamente,

Longo(20),observando o cenário estra-

novos bens e serviços.

tégico mundial no início dos anos 90 do século

O resultado disso tem sido a concen-

XX, apresenta uma explicação para a racio-

tração do poder em todos os níveis. No nível nalidade embutida na formação de blocos de individual, o extraordinário valor e a importância poder a nível global ou regional. Da argudo “novo operariado”, que tem dado origem a mentação utilizada, pode-se tornar clara a uma nova visão das relações capital/trabalho. interrelação educação - ciência e tecnologia – No setor empresarial observa-se a fusão de poder. empresas,

a

formação

de

grandes

O Poder Potencial (PP) de um país num

conglomerados tecnológicos não confinados a dado instante de sua história, comparativamente fronteiras nacionais. Neste caso, observa-se a de outros países, representa a sua

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

16


O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

disponibilidade de condições físicas capazes de estabilidade interna, presença internacional, propiciar a geração de riqueza e poder. A sua etc.) e militares (dispêndio nacional com defesa, avaliação não leva em consideração análise efetivo das Forças Armadas, capacidade de subjetiva: trata-se de uma fotografia do país. produção autônoma de material de emprego Refere-se a uma condição estática, semelhante militar, grau de atualização tecnológica do à de uma caixa d’água: quanto mais volume e equipamento, etc.). maior a altura em que estiver colocada, maior a

A exigência para que um país se torne

energia disponível para ser transformada em

Polo de Poder Mundial (PPM) é que o seu PF

trabalho. Ele está associado, basicamente, ao não seja vulnerável a fatores externos, território nacional e à população existente sobre principalmente pouco susceptível a embargos o mesmo ou capaz dele vir a suportar. Exemplo ao acesso às necessidades físicas. Ou seja, de análise do território seria: extensão total, for- exige PE dotado de PP próprio ou complema e relevo, localização geográfica, fronteiras

mentado de maneira confiável. Esta condição

terrestres e marítimas, águas internas, extensão pode ser alcançada por um país ou por um bloco de desertos e de geleiras, terras apropriadas à de países estrategicamente associados. agricultura e à pecuária, disponibilidade de

Os avanços da ciência e da tecnologia

matérias-primas e de fontes de energia etc. causaram alterações na visão e no valor relativo Quanto à população: número de habitantes, sua das vantagens comparativas tradicionais entre distribuição e mobilidade espacial, etnias, países, ou seja, o domínio e o uso de C&T na línguas, religiões etc. Dentre os parâmetros criação de inovações pode criar vantagens que listados, alguns valorizam (Ex: fronteiras bem

superam as disponibilidades físicas e até

definidas e estabilizadas) e outros depreciam o

financeiras. Assim, tem sido possível a alguns

Poder Potencial (Ex: afastamento dos centros

países construírem, isoladamente, um elevado

dinâmicos da economia mundial).

PE, sem possuírem PP, desde que tenham alta

O Poder Efetivo (PE) de um país, num

capacidade científica e tecnológica, que exige

dado instante, está associado à sua capacidade alto nível educacional da sua população. em transformar em riqueza e poder as

Exemplo dessa situação é o Japão que, hoje,

disponibilidades físicas, próprias ou de terceiros. tem extraordinário PE, graças à sua comUma caixa d’água grande e bem elevada (alto petência em C&T, mas que é totalmente PP), ligada a uma turbina eficiente, gera trabalho dependente de complementaridade externa útil (alto PE). Ele pode ser avaliado por essencial no que diz respeito ao seu PP parâmetros econômicos (PNB, renda per capi- (energia, matérias-primas industriais etc.). ta, exportações e importações, consumo de

Trata-se, portanto de PE extremamente

energia elétrica ou de aço/habitante, dispêndio vulnerável, pois não resistiria a um bloqueio, a nacional em C&T, etc.), psico-sociais

um cerceamento comercial. Assim, isola-

(dispêndios com educação e saúde, expectativa damente, não é, e nem será, um PPM. Outros de vida da população, médicos e leitos

exemplos poderiam ser dados em suporte à

hospitalares/habitante, grau de escolaridade da afirmativa de que é possível estrategicamente população, etc.), políticos (regime político, a um país mal dotado de PP, constituir um

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

17


O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

elevado PE, desde que tenha um forte tripé

do planeta, falta-lhe E&C&T para construção de

educação-ciência-tecnologia (E&C&T).

PE soberano, e determinação estratégica

Ao contrário, a história não registra

visando ser um PPM.

nenhum país que, dispondo de alto PP, tenha construído elevado PE sem que tivesse, ao mesmo tempo, população altamente educada

O PERFIL GENÉRICO DO

e elevada capacidade em C&T para os padrões

PROFISSIONAL A SER PREPARADO E

da época. A história mostra, ainda, que esses

SUGESTÕES PARA O ENSINO NAS

países acabam entregando seu PP para ser ÁREAS TECNOLÓGICAS (21) explorado por outros países, ou seja, compleDiante do cenário mundial exposto mentam o PP de terceiros. Os leitores certaanteriormente, procurou-se salientar os mente serão capazes de deduzir um bom eenormes desafios a serem enfrentados pelo xemplo dessa situação. nosso sistema educacional, particularmente no Pode-se agora responder à pergunta: tocante à educação científica e tecnológica de porque os EUA são, no momento, o mais

toda a população e às exigências sobre as

poderoso PPM? É obvio: tendo elevadíssimo PP,

áreas profissionais ditas tecnológicas. A

população com elevado padrão educacional, educação com um forte componente científico liderança inconteste em C&T, construíram um e tecnológico, requisito fundamental para a cidaPE que se pode considerar, nas condições

dania e progresso da nação, começa no nível

atuais, não vulnerável. No momento, procuram

de primeiro grau e estende-se até o preparo de

reforçar o seu PP através do Acordo de Livre pesquisadores na pós-graduação, passando Comércio das Américas (ALCA), após grande pela indispensável formação de professores avanço nessa direção com o Acordo de Livre competentes e motivados. Exige, portanto, Comércio da América do Norte (NAFTA). Típico decidido comprometimento político dos exemplo de “planetarização”.

municípios, estados e União.

Quanto à União Européia, esta se

Especificamente quanto ao ensino

enquadra perfeitamente como mais um

profissional tecnológico, há que se levar em

exemplo em favor da argumentação exposta. A

consideração que, embora os fundamentos

considerável competência científica e tecno-

específicos de cada área, lastrados por sólido

lógica européia achava-se espalhada em países

embasamento científico e matemático, são e

de baixo PP, tais como a Alemanha, a Inglaterra, continuarão a ser o núcleo central do preparo a França, a Itália, Holanda, Suíça, Bélgica e intelectual dos profissionais, estes agora Áustria, todos abrigando populações com trabalham num ambiente complexo, mutável elevado grau de escolaridade. Ao unirem-se, com grande rapidez, e no qual suas realizações passaram a ter todas as condições para erigirem são às vezes limitadas mais por considerações um PPM. A tendência de “planetarização”, neste sociais do que pela capacidade técnica. caso, é na direção do Leste Europeu e da África. Tecnólogos atuam decisivamente sobre o Finalmente, a situação do Brasil é clara:

condicionamento do espaço físico apropriado

dotado de extraordinário PP, um dos maiores

para a vida humana. Isto faz com que estes

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

18


O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

sejam agora expostos a uma gama mais ampla descrito, foram formuladas as sugestões para de atividades durante sua vida profissional.

o ensino. Tais sugestões são apresentadas

Como conseqüência, sua educação deve levar abaixo, agrupadas em três categorias: em consideração os contextos social, econômico e político, envolvidos na prática profis-

a) Conteúdo Enfatizam aspectos do embasamento

sional.

intelectual desejado, e que serão traduzidas, na Diante da “mundialização” das culturas, sua grande maioria, pelas ementas das anteriormente regionais, da “globalização” da disciplinas: economia e de produção de bens e de serviços e da “planetarização” dos países menos desenvolvidos em torno de poucas e fortes lideranças científicas e tecnológicas, não é mais possível se pensar apenas localmente. Então, o novo profissional deve ser preparado para raciocinar e agir sem fronteiras, o que exige do mesmo o entendimento de outras culturas, principalmente idiomas e ambiências nas quais poderá ocorrer a produção. Adicionalmente, eles devem ser empreendedores e estar preparados para trabalhar em equipe, gerenciar complexos empreendimentos que podem envolver muitos indivíduos, mas também uma empresa de uma só pessoa: eles mesmos. Em outras palavras, eles devem cultivar a liderança, serem criativos, estarem profissionalmente e mentalmente equipados para, eventualmente, terem trabalho e não necessariamente um emprego, e serem prestadores autônomos de serviços. Finalmente, devem ter a consciência de que jamais estarão “formados”. Deve estar claro que o futuro profissional, imediato e longínquo, depende de sua capacidade de atualização contínua de conhecimentos face ao vertiginoso avanço das tecnologias, crescentemente apoiadas em aplicações de descobertas científicas. A partir da definição do perfil genérico do profissional a ser produzido, com base na compreensão do cenário científico e tecnológico T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

• Forte embasamento em ciências e matemática - Imprescindível que seja de alta qualidade, tratando-se do ponto central da formação intelectual do profissional. São fundamentais para o desenvolvimento da capacidade de abstração. • Nem politécnica, nem especialista: formação personalizada - Nem saber um pouco de tudo, nem tudo de quase nada. Deve-se oferecer uma formação multidisciplinar aprofundada obedecendo a vocação de cada um, através de oferta de amplo leque de disciplinas. Os modernos recursos tecnológicos educacionais, muito utilizados em EAD, permitem viabilizar uma formação “sob medida”. • Domínio das facilidades oferecidas pela informática associada ou não às comunicações eletrônicas - Ferramentas fundamentais para a prática profissional de todas as áreas tecnológicas, desde a busca de informações, passando pelo cálculo, desenho, arquitetura e projeto, até o acionamento de sistemas complexos de produção automatizada. • Domínio de línguas mais usuais Obviamente, a proficiência em inglês é mandatória. • Visão humanística diante da profissão e dos

interesses

da

sociedade

-

19


O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

Capacidade de entender e de equilibrar

ser desafiado a “fazer” na escola e/ou no

direitos e responsabilidades.

setor produtivo (estágio supervisionado).

b) Pedagógicas

• Evitar excessiva compartimentação do

Práticas pedagógicas que deverão ser

conhecimento e de suas aplicações - A

utilizadas para o desenvolvimento do perfil

natureza é complexa e, portanto, “multi-

definido:

disciplinar”. Nós é que compartimentamos

• Aprender a aprender - Trata-se da mudança

o conhecimento, e criamos departamentos

de enfoque pedagógico mais importante para enfrentar a ameaça de obsolescência prematura advinda da dinâmica atual da evolução científica e tecnológica. Exige mudança radical no processo ensino-aprendizagem. O futuro profissional deverá “aprender a aprender sozinho”. Como conseqüência, aquilo que o aluno pode ler, entender e/ou deduzir, não deverá ser exposto pelo professor. Além do uso de material impresso, e o incentivo ao uso das bibliotecas como fontes de informação, recomenda-se o uso de meios eletrônicos complementares de ensino, manuseados individualmente pelo aluno na busca de

e disciplinas excessivamente estanques. Deve-se ensaiar novas maneiras de estudar, entender os fenômenos e suas aplicações e implicações. Dotar o futuro profissional de visão sistêmica. • Capacidade gerencial e empreendedora O profissional a ser graduado deve ter a capacidade de identificar oportunidades, juntar meios de naturezas diversas (humanos, materiais e financeiros), organizá-los e empregá-los eficientemente para criar e produzir. Ele deve “fazer acontecer”. Para tanto, deve ter liderança e familiaridade com o trabalho em equipe.

conhecimentos (vídeo, CD-ROM, INTER-NET etc.).

c) Complementares

• Avançar no desconhecido - É fundamental

Diretrizes gerais que não se enquadram

que o futuro profissional seja bem fami-

nas categorias anteriores.

liarizado com a metodologia racional utilizada na pesquisa e no desenvolvimento • Fim de “formatura” - Deve ficar claro que a experimental, e com a ambiência científica chamada “formatura” não tem o significado e tecnológica (seminários, revistas, redação expresso pela palavra. Deve ser encarada técnico-científica, ética, valores, tradições,

como um acontecimento social que marca

sistemas de informações, propriedade

a desvinculação do cidadão da escola e o

intelectual etc.). Bolsas e estágios de

início do seu vôo solitário. Em áreas

iniciação científica ou tecnológica são

tecnológicas não há mais formação termi-

valiosos instrumentos utilizados nesse

nal. Defende-se, aqui, a proposição que os

processo.

“formandos” não deveriam ser “desligados”

• Saber fazer (com criatividade e ousadia) -

das suas escolas. Ao contrário, deveriam

Estudar, pesquisar, projetar, produzir. O

permanecer “matriculados” nelas para sem-

profissional deve ser preparado para “fazer”,

pre, e para a ela voltarem, periodicamente,

sempre que possível, inovando. Ele deve

quando necessário.

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

20


O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

• O professor também é um estudante - O

Washington D.C., E.U.A, 2000.

professor é um estudante normalmente

(5) LONGO,W.P., “Ciência e Tecnologia e a

mais velho e, necessariamente, mais

Expressão Militar do Poder Nacional”, TE-86

experiente que seus alunos. Ele também

DACTec, Escola Superior de Guerra, Rio de

deve ter presente que nunca estará Janeiro, 1986. “formado”. Todos professores devem ser (6) OLIVEIRA, J.M.A., “Origem e evolução do estimulados a estudar, produzir intelectu- pensamento estratégico”, Escola Superior de almente e não perder contato com a prática Guerra, Rio de Janeiro, 1986. da sua especialidade. Oportunidades para tal deverão ser oferecidas. • Intransigência com a qualidade - Diretriz

(7) LONGO,W.P., “O desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil e suas perspectivas frente aos desafios do mundo moderno”,

geral para todas as atividades da escola e coleção Brasil: 500 anos, vol. II, Editora da que deve ser transmitida aos futuros Universidade da Amazônia, Belém, 2000. profissionais. Na competição local e global, não basta ser bom, é preciso ser ótimo.

(8) LONGO, W.P., “A visão internacional e os institutos de pesquisa”, Longo, W.P., Anais do

• “Legitimar” conhecimentos - O sistema Congresso ABIPTI 2000 da Associação educacional formal não tem o monopólio do Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnoconhecimento. Hoje, conhecimentos úteis podem ser adquiridos fora do sistema formal, graças aos veículos modernos de circulação de informa-ções. A escola deverá não só fomentar a busca de conhecimentos onde eles estiverem disponíveis, mas, também, aceitá-los oficialmente.

lógica , p. 21 a 36, Fortaleza, 2000. . (9) RUTHERFORD, F.J. e AHLGRES, A, “Science for all Americans”, Oxford University Press, New York, E.U.A, 1990. (10) JOHNSON, J.R., “Technology”, American Society for the Advancement of Science, Washington, E.U.A., 1989. (11) De MASI, D., Entrevista, Correio do Livro,

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(14) SAVITZ, E. J.,“For Adults Only”, Barrow´s,

Produção, vol. 1, 42, Porto Alegre, 1989.

Dow Jones Company Inc., march 2, 1998, EUA.

(3) PRICE, D.S., “Little science, big science”, (15) Consórcio CEDERJ, “Planejamento Columbia University Press, New York, 1963. Orçamentário 2002”, Rio de Janeiro, 2002. (4) “The Hart-Rudman Presidential Commission (16) “Distance education at postsecondary eduon the future of national security”, Phase II, cation institutions: 1997-98”, National Center for T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

Education Statistics, Statistical Analysis Report,U.S. D.O.E., Washington, E.U.A., December, 1999. (17) BALDWIN, L.V., “The National Technological University: a pioneering virtual university”, International Symposium on Continuing Engineering Education, WFEO, FEBRAE, Rio de Janeiro, 1996. (18) LONGO, W.P. e BRICK, E.S., “Entraves ao acesso à tecnologia”, Anais do IV Seminário Internacional de Transferência de Tecnologia, Rio de Janeiro, 1992. (19) DREIFUSS, R. A., “A era da perplexidade”, Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1997. (20) LONGO, W.P., “Desenvolvimento científico e tecnológico: conseqüências e perspectivas”, Escola Superior de Guerra, CAESG TI-91, Rio de Janeiro, 1991. (21) LONGO, W.P., “Educação tecnológica no mundo globalizado”, Revista Engenharia Ciência e Tecnologia, UFES, ano 3 ed.14, p. 14 a 20, Vitória/ES, 2000.

* Waldimir Pirró e Longo é Eng. Met., M.E., Ph.D., L.D, Professor Titular da UFF, Diretor do Observatório Nacional e Conselheiro da FUCAPI.

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Tecnologia e Desenvolvimento Regional

TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO REGIONAL José Seixas Lourenço*

INTRODUÇÃO O encaminhamento de soluções para os múltiplos desafios amazônicos depende da capacidade política de escolher entre alternativas, mobilizar os meios necessários, articular as ações e conduzir o processo de mudanças. Implica, em conseqüência, num esforço de substituição de políticas setoriais pulverizadas por uma Política Integrada em suas dimensões econômica, socioambiental e científico-tecnológica, enquanto instrumento de regulação do processo de desenvolvimento sustentável da região. A economia amazônica envolve atualmente atividades diversificadas que vão do extrativismo à indústria eletro-eletrônica. O segmento mais dinâmico da sua estrutura produtiva sustenta-se em um tripé espacial: Projeto Carajás, Região de Belém-Barcarena e a Zona Franca de Manaus. Também são importantes os eixos agropecuários ou agroindustriais do sudeste do Pará, do Tocantins, do norte do Mato Grosso e Rondônia. Outras áreas com grande potencial econômico são: o núcleo de exploração de gás e petróleo de Urucu e Juruá, no Amazonas, e o centro-oeste do Pará, com a implantação da linha de transmissão de energia elétrica de Tucuruí. Os resultados desse processo em termos de desenvolvimento regional são, contudo, limitados. A internalização da renda e do emprego mostrou-se insuficiente, excluindo compulsoriamente dos benefícios gerados T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Tecnologia e Desenvolvimento Regional

parcela substancial dos amazônidas. Ao mesmo dimensão territorial, a sua posição geográfica e tempo, a exportação dos seus recursos naturais

a magnitude e diversidade da sua base de

se fez desordenadamente, assumindo caráter recursos. predatório em muitas áreas da região ocupadas no período.

No que se refere aos desafios externos, a consolidação do MERCOSUL e uma série de

A reversão desse processo exige um

acordos bilaterais ou de progressiva adesão ao

outro perfil de desenvolvimento socialmente

bloco regional sul-americano evidenciam que a

justo, ambientalmente equilibrado e economi- Amazônia brasileira não poderá isolar-se da camente eficaz, que corresponda às exigências

tendência mundial. As articulações de trans-

básicas de um Projeto Nacional. É necessário portes e comunicações, e de processos colocar o país e, em especial, a região, em

produtivos entre os países membros da

sintonia com as profundas e velozes

Organização do Tratado de Cooperação

transformações globais, decorrentes sobretudo Amazônica abre canais de acesso ao Pacífico da revolução científico-tecnológica.

e ao Caribe e, portanto, a novos mercados

As novas tecnologias requerem o uso mundiais. A Amazônia, pela sua posição dos elementos da natureza num outro patamar,

privilegiada, tenderá a desempenhar um papel

como é o caso da biodiversidade, enquanto fonte fundamental para a integração da América do de bioprodutos, pela via da biotecnologia. O Brasil, e particularmente a Amazônia, reúne as condições necessárias para avançar

Sul setentrional e para uma futura integração continental. Por outro lado, no âmbito da Convenção

numa ampla frente, que vai da pesquisa funda- Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças mental à aplicada, em especial sobre a Climáticas, surgem excelentes oportunidades biodiversidade. A aceitação desse desafio, se para o Brasil, e, em especial, para a Amazônia, levada a bom termo, servirá de alicerce para a de captação de recursos internacionais, construção de uma nova forma de civilização decorrentes do Mecanismo de Desenvolvimoderna de biomassa baseada no uso mento Limpo, proposto pelo governo brasileiro sustentável de recursos naturais.

e criado pelo Protocolo de Quioto, assinado em

Neste contexto, cabe reconhecer a dezembro e de 1997, visando a limitação das necessidade da aquisição do conhecimento

emissões e o armazenamento seqüestro de

científico e das tecnologias de ponta, requeridos

carbono. Por esse mecanismo são elegíveis

para viabilizar o potencial contido, muito projetos de recuperação de áreas degradadas, especialmente, nos recursos genéticos da por meio de reflorestamento, para fins produtiAmazônia, por meio da cooperação interna-

vos. Projetos florestais como alternativas às

cional, em conformidade com a Convenção

mudanças no uso do solo, e portanto, con-

Mundial sobre Diversidade Biológica.

tribuindo para redução das taxas de desma-

É inquestionável que o novo estilo de

tamento, são iniciativas importantes para o

desenvolvimento fortalece a importância desenvolvimento sustentável da Amazônia, bem estratégica da Amazônica. Essa importância como para a fixação de mão de obra na zona decorre, sobretudo, das vantagens compa-

rural e geração de empregos. O volume do

rativas face ao país e ao mundo: a sua mercado de carbono deve atingir até 2010, T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Tecnologia e Desenvolvimento Regional

segundo o Banco Mundial, valores entre 8 a 10 sobre a qual se vai agir, como para suprir as bilhões de dólares, distribuídos entre os

empresas,

órgãos

governamentais

e

principais países onde os projetos deverão ser associações civis com os quadros necessários implantados, principalmente China, Índia e para uma atuação responsável e competente. Brasil.

Considerando que a capacitação de O pleno aproveitamento dessas vanta-

recursos humanos altamente qualificados e o

gens, entretanto, está condicionado por desenvolvimento das pesquisas sobre a região desafios que precisam ser superados. Alguns

constituem elementos indispensáveis para a

deles são inerentes às características da região solução dos problemas que afetam a amazônica: as grandes distâncias e o isola-

Amazônia, um projeto de capacitação científica

mento decorrentes da descontinuidade e não pode seguir os mesmos moldes daqueles concentração da ocupação e da produção,

que promoveram o desenvolvimento científico -

dificultando o acesso ao trabalho, bens, serviços

tecnológico no sudeste e sul do país, onde a

e mercados; a vulnerabilidade intrínseca dos

necessidade premente de pesquisas orientadas

seus ecossistemas. Por outro lado, as

para uma aplicação social não esteve presente.

universidades e os institutos de pesquisa da São essas novas condições e essa premência região, apesar do muito que já foi alcançado, que estabelecem a necessidade de um esforço não apresentam ainda as condições desejáveis

muito mais concentrado e mais dirigido no

de produzirem o conhecimento sobre a sentido de maximizar os resultados e acelerar Amazônia que se faz necessário.

o processo de capacitação. A formulação de linhas prioritárias de pesquisa deve obedecer claramente a esta

OBJETIVO DO PROGRAMA Qualquer programa de atuação na Amazônia deve considerar o fato de que as políticas de desenvolvimento aplicadas à região nas

últimas

décadas

transformaram

radicalmente o cenário sócio–econômico da Amazônia e redefiniram sua importância no

orientação e há uma grande margem de consenso, entre pesquisadores e instituições, de dentro e de fora da região, sobre as linhas gerais que devem ser priorizadas. O marco mais geral de todas as colocações diz respeito à utilização de recursos naturais, incluindo:

cenário nacional e internacional. Existe hoje no 1. desenvolvimento do conhecimento sobre o ecossistema amazônico e de sua influência país a consciência de que, nesse processo, criaram-se problemas sociais e ambientais de

sobre as demais regiões, especialmente em

enorme envergadura.

termos climáticos;

A resolução desses problemas e a 2. desenvolvimento de novas tecnologias que permitam superar os padrões destrutivos de implantação de formas de desenvolvimento menos agressivas em relação ao meio ambiente

exploração dos recursos naturais,

e menos injustas socialmente exige

aumentando a produtividade da ação

recursos

humanos

altamente

qualificados tanto para a pesquisa científica que

econômica e contribuindo para a elevação do nível de vida da população;

permita um melhor conhecimento da realidade 3. análise dos efeitos das diferentes formas de T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Tecnologia e Desenvolvimento Regional

ocupação humana e de exploração dos

há um projeto de desenvolvimento econômico-

recursos naturais, especialmente em

social envolvido, é preciso que haja, na região,

termos de sua capacidade de promover

pessoal qualificado para utilizar o conhecimento

danos irreversíveis ao ambiente e, produzido em termos de sua aplicação na inversamente, da possibilidade de implan- solução dos problemas sócio-ambientais. E tação de sistemas auto-sustentados de

essa aplicação só é plenamente possível quan-

produção;

do se domina o processo de produção desse

4. análise das condições de saúde da conhecimento. Trata-se, portanto, de criar localmente, população e das pesquisas sobre as principais endemias em sua relação com as

com a colaboração externa, massa crítica de

condições sócio-econômicas e desen- cientistas em áreas afins que dê suporte não só ao desenvolvimento das investigações mas volvimento de formas de tratamento; É importante levar em conta que o desenvolvimento da pesquisa nas áreas consideradas prioritárias deve privilegiar projetos temáticos que dependam, em grande parte, de colaboração interdisciplinar. Isto significa que uma política de formação de recursos humanos deve contemplar o conjunto das disciplinas científicas que oferecem a

também à formação auto-sustentada de novos pesquisadores. Para obter esse resultado, há que se privilegiar uma ação institucional, voltada prioritariamente para as universidades e institutos de pesquisa que são as instituições capazes de aliar a pesquisa à formação de novos pesquisadores e de pessoal qualificado para as empresas e órgãos governamentais.

sustentação necessária para esse tipo de trabalho coletivo de investigação. Nenhum trabalho interdisciplinar pode prescindir da

PRINCIPAIS MEDIDAS No âmbito da Política Integrada foram

colaboração de cientistas altamente com- formulados dois projetos inovadores e capazes petentes em suas respectivas disciplinas, os de gerar impactos positivos, os quais foram quais devem, além do mais, possuir uma incorporados ao Programa Brasil em Ação, em familiaridade geral com a direção do desenvol- 1998: vimento do conhecimento em áreas afins.

Programa Brasileiro de Ecologia Mole-

A necessidade dessa ampla base de

cular para o Uso Sustentável da Biodiversidade

pesquisadores competentes em disciplinas

da Amazônia – PROBEM/Amazônia, que vem

muito diversas demonstra a impossibilidade de sendo implementado pela Organização Social se desenvolver o conhecimento sobre a BIOAMAZÔNIA, em parceria com os Ministérios Amazônia sem a existência de uma estrutura do Meio Ambiente, da Ciência e Tecnologia, do científico-tecnológica com pesquisadores Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, residentes. Não é possível desenvolver projetos de grande envergadura contando apenas com

e com o apoio da SUFRAMA e do BASA. O PROBEM/Amazônia visa implantar

pesquisadores de outras regiões ou países. um Pólo de Bioindústrias na região e atuar na Além disso, não se trata apenas de produzir geração de conhecimento e transferência de conhecimento sobre a Amazônia. Uma vez que tecnologia de ponta, mediante diversas T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Tecnologia e Desenvolvimento Regional

modalidades de parcerias com instituições de

A implementação recente dos com-

pesquisas e o setor produtivo. Além disso, é plexos agro-industriais, na Amazônia, impõe a propósito do Programa contribuir para a necessidade de estabelecer medidas que diversificação da estrutura produtiva da Zona impeçam que a sua expansão se faça à custa Franca de Manaus. Seu foco de atuação é a do desmatamento e da degradação dos geração de produtos industrializados de alto

recursos hídricos e dos solos. Do mesmo modo,

valor agregado e com potencial de mercado.

práticas agrícolas inovadoras de manejo

Programa de Desenvolvimento do

sustentável dos recursos naturais devem ser

Ecoturismo na Amazônia – PROECOTUR, incentivadas, bem como a incorporação de elaborado em parceria do Governo Federal com unidades de beneficiamento e armazenamento, os estados, municípios, sociedade organizada como procedimentos de agregação de valor aos e setor empresarial da região amazônica, produtos regionais, sobretudo aqueles resulvisando a implementação de Pólos de tantes do trabalho dos pequenos produtores. O Ecoturismo em cada Estado da região. O desafio da agricultura na Amazônia é intensificar PROECOTUR vem recebendo recursos de pré- a produção e, ao mesmo tempo, manter a saúde investimento do Banco Interamericano do do solo, utilizando tecnologias apropriadas. Desenvolvimento – BID e deverá incorporar

No setor madeireiro há boas perspec-

inovações tecnológicas em energias alter- tivas do mercado internacional de madeiras nativas, habitação, saneamento e outras áreas

tropicais, com a condição de que sejam

de interesse para o turismo ecológico.

oriundas de áreas sob regime de manejo

Concomitantemente, deve-se iniciar um

sustentável. A extração da madeira vem tendo

esforço de implementação dos novos segmen- elevada participação na renda regional, mas as tos e ramos vinculados aos recursos naturais madeireiras realizam uma exploração seletiva, renováveis e à biodiversidade, com base em

e em geral predatória, de espécies de alto valor

tecnologias avançadas e conhecimentos

comercial. Tornam-se, portanto, necessários

regionais: agro-indústria de produtos naturais, incentivos ao manejo florestal, bem como indústria de pesca, complexos agro-florestais investimentos para a consolidação de toda a e madeireiros, afora a bio-indústria e o cadeia produtiva, integrando vertical e ecoturismo. As potencialidades naturais horizontalmente a atividade madeireira. específicas da região, incluindo o seu rico e ori-

Nessa perspectiva, devem também ser

ginal banco de germoplasma, oferecem

aproveitados os importantes avanços da frente

condições, ainda não suficientemente utilizadas, mínero-metalúrgica, verticalizando e reestrupara multiplicação e diversificação de empre- turando os complexos econômicos já criados, endimentos de variados tipos e dimensões. para maior adequação aos sistemas ambiental Entre outras oportunidades de investimentos e social da região. Além disso, mecanismos destacam-se a agricultura de várzea, a pesca e a piscicultura, os criatórios de animais silvestres, a fruticultura e a produção de óleos essenciais. T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

dever ser implantados para exigir dos empreendimentos existentes níveis crescentes de agregação de valor ao minério extraído, mediante o seu processamento na região, a

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Tecnologia e Desenvolvimento Regional

exemplo da produção de ferro-gusa, silício

(SUFRAMA) insere-se neste quadro, forma-

metálico e ferro ligas.

lizado por meio de um Comitê Gestor de C&T da região amazônica. A possibilidade de complementaridade

METAS E MEIOS O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) tem procurado construir e mobilizar instrumentos que o habilitem a contribuir para a superação dos desequilíbrios regionais. Esta ação tem sido pautada pela visão de que ciência e tecnologia (C&T) constituem, hoje, vetor importante do desenvolvimento.

entre a atuação do BASA, da ADA, da SUFRAMA e do MCT e suas agências é clara. A capilaridade da estrutura do Banco e das duas agências regionais e sua grande experiência na identificação de cadeias produtivas setoriais a serem apoiadas na região propiciam uma prospecção de demanda por investimento em C&T detalhada, rica e adequada às marcantes

Várias ações do MCT com esta ênfase podem ser citadas. Visando a desconcentração regional da pesquisa, 30% dos recursos dos Fundos Setoriais são destinados para as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Para garantir a aderência de suas políticas e instrumentos às demandas estaduais, o

especificidades regionais. Em contrapartida, o amplo rol de instrumentos, programas e políticas disponíveis no sistema federal de C&T pode, a partir destas informações, ser mobilizado e melhor direcionado para viabilizar o desenvolvimento científico e tecnológico esperado pela região.

Ministério criou uma assessoria especial integralmente dedicada à questão regional. Estabeleceu, como um dos temas prioritários em seu Plano Plurianual, o desenvolvimento de Arranjos Produtivos Locais. Ciente de que a criação de novos instrumentos federais não garante, por si só, a transformação de C&T em

Contudo, mais que garantir a realização de determinado conjunto de ações do MCT e de suas agências na Amazônia brasileira, pretende-se que a cooperação permita construir uma efetiva sinergia entre os instrumentos a serem mobilizados por cada um dos parceiros.

vetor de desenvolvimento, o MCT tem buscado

Neste sentido, o apoio ao Programa de

também a interação com bancos e agências

Competitividade e Inovação Tecnológica para as

de desenvolvimento regional, para promover a Pequenas e Médias Empresas (PME) na complementaridade das ações de C&T federais Amazônia Brasileira deverá ser um exemplo e locais. Foram firmados diversos Termos de deste novo formato de cooperação, tendo como Cooperação com os estados, que contam com parceiros o Serviço Brasileiro de Apoio às Miseus respectivos Comitês de Gestão. A cro e Pequenas Empresas (SEBRAE), as cooperação entre o Ministério da Ciência e Federações de Indústria, as agências regionais Tecnologia (MCT), Conselho Nacional de de desenvolvimento (BASA, ADA e SUFRAMA), Desenvolvimento Científico e Tecnológico os Governos estaduais e o Banco Interameri(CNPq), Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), Banco da Amazônia (BASA), Agência

cano de Desenvolvimento (BID). No Programa, caberá ao MCT apoiar,

de Desenvolvimento da Amazônia (ADA) e com recursos não reembolsáveis, ações nas Superintendência da Zona Franca de Manaus áreas científico-tecnológicas – incluindo T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Tecnologia e Desenvolvimento Regional

pesquisa, capacitação e desenvolvimento tecnológico – e relativas à Tecnologia Industrial Básica (TIB), para atender as demandas de micro e pequenas empresas da Amazônia. Estão previstos investimentos de cerca de US$ 200 milhões, no período 2003-2006, voltados para os segmentos econômicos e sociais estratégicos definidos no Plano de Desenvolvimento da Amazônia.

* José Seixas Lourenço é PhD em Geofísica. Ex-Diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi, Ex-Reitor da Universidade Federal do Pará, ExDiretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Presidente do Conselho de Administração da BIOAMAZÔNIA, Membro do Conselho de Administração do Instituto Internacional para o Ensino Superior na América Latina e Caribe (IESALC).

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia

CENTRO DE BIOTECNOLOGIA DA AMAZÔNIA - CBA E O DESENVOLVIMENT O SUSTENTÁVEL DA AMAZÔNIA Imar César de Araújo*

Muito se tem falado sobre a biodiversidade da Amazônia nos últimos tempos. Mais recentemente, durante a construção do Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA, esta discussão foi intensificada nos meios políticos, técnicos e empresariais, envolvendo autoridades das três esferas do poder, em toda a região amazônica. Em recente apresentação sobre o Centro, para professores e alunos da Universidade Estadual do Amazonas- UEA, foinos perguntado por que as obras e a instituição do Centro estavam atrasadas em um ano. Respondi que a implementação do Centro estava atrasada não em um ano, mas em pelo menos 20 anos. Hoje, depois de muitos problemas na ocupação da Amazônia, como o modelo de ocupação da região pela pecuária extensiva, o estabelecimento de novas abordagens, como a construção e implementação do CBA, nos leva a crer que há um consenso em torno deste novo modelo. O CBA, embora com atraso, devido a problemas ocorridos em sua construção, deverá iniciar as suas atividades em 2003 e, ao nosso ver, acelerar sua atuação nos próximos anos perseguindo os objetivos para os quais foi criado. Gostaríamos, ainda, de destacar, neste artigo, as inquietações da sociedade, inclusive as nossas, com o atraso na implementação do Centro e com o futuro do programa em que se T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia

encontra inserido - Programa Brasileiro de

e atrair mais capital e empreendedores para a

Ecologia Molecular para Uso Sustentável da Amazônia, além de melhorar a sua distribuição, Biodiversidade da Amazônia - PROBEM. (ver dado que os existentes, em sua grande maioria, nota explicativa PROBEM)

encontram-se concentrados em dois pólos – Belém e Manaus. O desafio valerá a pena, vez

NOTA EXPLICATIVA

que com a intensificação da produção de

O PROBEM é uma iniciativa conjunta da comunidade científica, do setor privado, do governo federal, e dos governos estaduais da Região Amazônica. É considerado um dos projetos estratégicos do governo federal tanto para o anterior quanto para o atual. O objetivo primordial deste programa é contribuir para o desenvolvimento da bioindústria na Região Amazônica, atuando na geração de conhecimentos, na transferência de tecnologias, na promoção de inovações tecnológicas no setor de bioindústria, mediante diversas modalidades de parcerias com instituições de pesquisas e empresas privadas, nacionais e internacionais.

componentes e produtos acabados, de alta qua-

Os objetivos e os princípios básicos

lidade, com base na biodiversidade amazônica, poder-se-á ampliar, em longo prazo, o emprego e a renda regional em valores consideráveis. Por isso, a certeza de que estamos atrasados pelo menos 20 anos para que seja posto em marcha um programa desta natureza, tempo que teremos que esperar para apresentar resultados significativos para toda a população amazônica,

definidos pelo PROBEM para o Centro de existente e futura. A busca de soluções e os amplos Biotecnologia da Amazônia – CBA representam o interesse atual da sociedade. Espera-se que objetivos propostos para o Centro exigirão se possa agregar valores aos produtos da estratégias minuciosas, decisões rápidas, biodiversidade, via ciência, tecnologia e inovação entendimentos no âmbito governamental e, tecnológica, ou seja, conhecimento. Espera-se principalmente, mudanças de paradigmas evitar a utilização da região como simples

vigentes nas instituições do país, no sentido de

fornecedora de matéria-prima bruta, ficando a garantir o sucesso pretendido. Alguns focos maior parte do valor agregado no exterior ou serão abordados. mesmo em outras regiões do território brasileiro.

Como primeiro aspecto, é necessário

Sabe-se que certos produtos da biodiversidade assegurar uma legislação equilibrada que possa amazônica são exportados para outros países, permitir o acesso à biodiversidade pelas em sua forma quase natural e depois, impor- empresas e instituições de pesquisa, de modo tados por centros produtores do centro-sul flexível sem, no entanto, exagerar na permisbrasileiro, como componentes de alta qualidade, sibilidade, que direcionaria os resultados para em que foram agregados, mais de 50 vezes o as grandes empresas detentoras de capital, em valor original do produto. O CBA terá papel fun- detrimento da população amazônica. Restringir damental na tarefa de desenvolvimento da demais pode impedir o acesso à biodiversidade bioindústria local de produção de componentes

por cientistas e entes “econômicos” brasileiros.

e produtos finais.

Pode, inclusive, estimular a naturalização do

Há que se organizar a sociedade como patrimônio genético brasileiro, nos países um todo, de forma a poder alcançar esta meta. vizinhos amazônicos ou mesmo em outros Será preciso aumentar os investimentos na

tropicais de todo o mundo – p.e. produtos “made

formação de recursos humanos especializados

in Cingapura” com recursos naturais endêmicos

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia

da Amazônia brasileira, adquiridos em outro país

dos recursos naturais, com o propósito de criar

amazônico. O conhecimento é a forma de evitar emprego e renda na região. este tipo de desvio e a biopirataria, resultados

A garantia de se manterem estes recur-

que não serão nunca conseguidos via sos, de fontes oriundas do governo brasileiro, fiscalização. na quantidade e continuidade necessárias, não Como segundo aspecto, deve-se será tarefa fácil. As estratégias para suprir esta permitir a integração dos países amazônicos no necessidade passam, necessariamente: pela acesso e uso da biodiversidade, que não é captação de recursos de fontes governamentais somente brasileira, pois que a Amazônia e da iniciativa privada; pela diminuição da amabrange sete países da América do Sul. É plitude da biodiversidade a ser estudada em importante focar a Amazônia continental (sete cada período (eleição de prioridades); pela milhões de km 2 ) e não somente a brasileira 2

(cinco milhões de km ). Os acordos bilaterais

gestão eficiente e contínua do Centro, que necessariamente deverá ser exercida por um

ou mesmo multilaterais, facilitarão a defesa modelo institucional flexível e que possa deste patrimônio, e poderão ampliar as

relacionar-se e estar próximo das empresas

conquistas tecnológicas pretendidas. O Brasil privadas; pela alocação complementar e uso tem os ingredientes necessários para liderar de recursos de uma rede integrada de esta ação. O Centro de Biotecnologia da Amazônia

laboratórios associados (regional e nacional), absorvendo uma massa crítica de conhecimento

– CBA deverá ser um usuário da biodiversidade científico, de pessoal e de conhecimentos amazônica e será, com certeza, um braço forte tradicionais existentes; e, finalmente, pela de apoio ao governo brasileiro no acesso e geração de recursos financeiros para redefesa dessa biodiversidade. Complementar- investimento no Centro, advindos de mente, a sinergia das ações integradas com o conhecimento, produtos e processos gerados conhecimento acumulado pelo INPA, Embrapa, pelo próprio Centro e em parceria, na rede Museu Goeldi e Universidades da região, entre integrada de laboratórios. O CBA deverá exercer outros, serão fator de diferenciação e com- o importantíssimo papel de coordenar e gerir petitividade no desenvolvimento de novas apli- este complexo. cações, produtos e processos. Outro ponto importante é como será

Com acesso à biodiversidade, financiamento e geração dos conhecimentos neces-

: financiado o Centro de Biotecnologia da sários advém ,logicam ente,um areflexãocomo Amazônia – CBA. A biodiversidade é tão ampla garantir a produção de componentes, com que qualquer tentativa de estudá-la como um

qualidade e em quantidade suficiente para o

todo é uma tarefa impossível, mesmo em longo florescimento de um parque industrial dinâmico prazo. Para transformar a biodiversidade em um baseado em insumos da biodiversidade negócio sustentável, é necessário investimentos

amazônica?

maciços no programa e principalmente no CBA,

Paradoxalmente, a grande biodiver-

para produção dos conhecimento necessários

sidade da Amazônia é decorrente do baixo

que irão garantir o uso racional e competitivo número de indivíduos de uma mesma espécie T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia

e uma grande quantidade de espécie por unidade pesquisas que pudessem absorvê-los. Como de área de floresta. Estudos realizados na região concebido hoje, o CBA deverá quebrar a inércia mostram que demandas crescentes de um

da demanda e estimulará a formação local e

produto oriundo do extrativismo ocasionam, atração de talentos. Ressalta-se, entretanto, que necessariamente, uma oferta reprimida (rigidez

a alocação de pessoal especializado é um dos

de oferta desse produto), aumento dos preços

fatores preocupantes a ser resolvido em curto

e o desencadeamento de processos de substi- espaço de tempo. Deve-se contar, além da rede, tuição por produtos similares, pelo cultivo e pela com pessoal especializado da melhor qualidade síntese química, na expectativa de atender a trabalhando na região, liderando pesquisa e demanda e equilibrar os preços. É um processo desenvolvimento e formando futuros líderes na complexo em que a borracha natural é um

área de biotecnologia. A Superintendência da

exemplo típico deste sistema de substituição, Zona Franca de Manaus - SUFRAMA, em função onde todos os modelos foram usados para o do CBA, formulou convênios com a Universuprimento

da

matéria-prima,

sendo, sidade Federal do Amazonas – UFAM, em

atualmente, o extrativismo de importância mar- conjunto de 7 (sete) Centros de Pesquisa e ginal, mesmo para o mercado brasileiro. Alguns

Ensino, e com a Universidade do Estado do

setores econômicos são menos exigentes em

Amazonas – UEA, para a criação e manutenção

quantidade do produto, mas não o são quanto à

de cursos de doutorado e mestrado em

qualidade e preço. Processos de domesticação biotecnologia, respectivamente. Os resultados ou síntese deverão ser disparados tão logo se destas ações só serão sentidos no médio prazo. descubra um produto de alto potencial de No momento, a identificação de recursos mercado, sob pena da região perder o domínio humanos especializados na região e em outros de um mercado conquistado. Mais uma vez a locais deverá ser a ação prioritária para a rede de laboratórios associados poderá ser

formação do Quadro do Centro de Biotecnologia

utilizada para suprir o conhecimento e ao CBA da Amazônia - CBA. Juntamente com o Ministério caberá coordenar e disparar estas ações. Um dos temas que suscitaram maior

de Ciência e Tecnologia - MCT e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

discussão na implantação do CBA na região foi Tecnológico – CNPq, deverão ser realizadas referente a recursos humanos especializados ações de contratação de pessoal especializado, para sua operação. Muitos defendiam a criação inclusive bolsistas, envolvendo pesquisadores, de um “centro virtual” em que os laboratórios laboratoristas e técnicos especializados em toda ficassem na região mais favorecida do País. Este as áreas de ação do Centro. Está sendo modelo criaria a denominada dominação detalhado, também, um Plano de Negócios para tecnológica, onde a Amazônia continuaria como o CBA, que deverá ter início já em 2003, inserido mera fornecedora de insumos brutos, também, em uma visão de quatro anos (Plano Diretor), para a pesquisa. A região não abrigaria centros

onde serão definidas as reais necessidades de

de pesquisa e desenvolvimento eficientes por pessoal para execução do Plano. não dispor de pessoal especializado na qualidade

As informações aqui prestadas deixam

e quantidade requeridas e não formaria nem

claro as principais preocupações com a

atrairia este pessoal por não ter centros de

implementação do CBA e permitem inferir e

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia

explicar, com mais propriedade, algumas

solidará, por um lado, o término das infra-

dúvidas mais comuns da sociedade. Algumas

estruturas físicas básicas, incluindo a aquisição

mais freqüentes:

de máquinas, equipamentos, acessórios e a

O Centro de Biotecnologia da Amazônia

alocação do pessoal mínimo necessário para

- CBA não é um Centro de Pesquisa iniciar a operação. Por outro, deverá ser definido convencional. Será um Centro Tecnológico, o modelo de gestão e implementado o entendido como uma Entidade Tecnológica planejamento de médio prazo, e serão Setorial (trinômio: biotecnologia/biodiversidade/ assinados Contratos com o Governo Federal, bioindústria), atuando próximo das empresas, para quatro anos. A segunda etapa será a acionado pela demanda empresarial e pela ação implementação definitiva do Centro, no proativa de identificar novas oportunidades

quadriênio 2004-2007, com complementação de

econômicas no desenvolvimento de novos

obras e equipamentos para os laboratórios,

produtos. Deverá agir junto e com a participação alocação de pessoal necessário e desenvolde pequenas, médias e grandes empresas, que vimento de programa de acesso à bioserão usuárias e co-financiadoras do Centro. Os diversidade, com todos os programas de recursos de fontes governamentais deverão ter pesquisa, tecnologia e inovação em andamento predominância relativa nos primeiros anos, e o pleno funcionamento da rede de laboratórios devendo diminuir relativamente ao financiamento associados. pelas empresas, no médio e longo prazos.

A segunda fase deverá compreender os

Deverá ter um procedimento de garantir a seis anos subsequentes e o Centro deverá estar distribuição de benefícios às populações

funcionando plenamente, com experiência e

tradicionais bem como a sua participação no competência capazes de atrair capitais de processo de desenvolvimento e na cadeia origem estrangeira, em valores suficientes para produtiva destes bens, provendo as empresas

implantação e coordenação de programas

privadas de serviços e conhecimentos

integrados de ciência, tecnologia e inovação para

necessários para exercerem plenamente sua a biodiversidade amazônica, no Brasil, e já capacidade, na busca de atender os mercados

contando com participação significativa de capi-

local, regional, nacional e internacional de tal próprio, decorrentes da venda de serviços e produtos naturais de qualidade. O Centro deverá da negociação de propriedade intelectual. ter uma ação especial no fortalecimento de

Estarão operando, plenamente, projetos de

pequenas empresas de base tecnológica na

toxicologia, em apoio às indústrias de

região, não sendo, entretanto, este o seu público fitofármacos e cosméticos, bem como em exclusivo. Não se deve ter uma expectativa exagerada do tempo de resposta do CBA. A ação do Centro deverá ser dividida em duas fases: A primeira, denominada de “Implemen-

pesquisa avançada com plantas, insetos, répteis e microorganismos. O Centro não deverá concorrer com os demais Institutos de Pesquisa e Tecnologia da Região, como apregoado por alguns. Deverá,

tação da Instalação do CBA”, compreenderá sim, trabalhar complementarmente à ação duas etapas: ano de 2003, quando se con-

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

destes. A rede associada de laboratórios em

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O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia

nível Regional e Nacional deverá ser fortalecida, todos os custos citados anteriormente, e a ao tempo em que se agrega uma massa crítica aquisição dos equipamentos mínimos necesde técnicos e pesquisadores ao programa de sários para o funcionamento do Centro, já fofortalecimento da bioindústria regional. Deverão ram investidos na implantação do CBA, ser dinamizadas pelo Centro, em parceria com

aproximadamente, dezenove milhões de reais,

a rede, em curto e médio prazos: a prestação dos quais a SUFRAMA custeou cerca de quinze de serviços e a parceria com empresas parti- milhões, que eqüivalem a 79% do total dos culares; a formação de empreendedores

recursos investidos, sendo os restantes 21%

regionais; estímulo à formação de empresas de financiados pelo MMA. A Superintendência da base tecnológica; a formação de parcerias para Zona Franca de Manaus - SUFRAMA e o Minicaptação de recursos na área empresarial; o stério de Ciência e Tecnologia - MCT alocaram levantamento de pesquisa e tecnologias

em seu orçamento, para o exercício de 2003,

desenvolvidas no Brasil, principalmente na

recursos da ordem de 8,6 milhões e 9,0 milhões

região amazônica, viáveis de serem difundidas

de reais, respectivamente, destinados à imple-

para formação de bioindústrias, mesmo que

mentação da primeira etapa do Centro de

tenham necessidade de testes e desenvol-

Biotecnologia da Amazônia – CBA.

vimento de processos complementares;

Espera-se que sejam garantidos os

assessoria às empresas para o registro de

recursos para aplicação neste ano e alocados

marcas e patentes (proteção de produção nos próximos anos, os recursos necessários intelectual), entre outros.. para o efetivo funcionamento do CBA que, com Finalmente, cabe-nos, por justiça, infor-

certeza, será um dos projetos de maior retorno

mar sobre a participação da SUFRAMA na

para sociedade brasileira e para a humanidade.

construção e operação do Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA. Inicialmente, a instituição entendeu a importância deste Centro para o desenvolvimento regional e comprometeu-se a apoiar sua implantação. Custeou

* Imar César de Araújo é Engenheiro Agrônomo, Pós-Graduado em Ecologia pelo INPA e Diretor do Departamento de Promoção de Investimentos - SUFRAMA

os custos pré-operacionais envolvendo os Projetos de Estrutura Organizacional e de Engenharia e Arquitetura e doou o terreno para localização das instalações. Posteriormente, além disso, comprometeu-se com a participação de 20% dos custos da construção, cabendo o restante ao Ministério do Meio Ambiente – MMA. Por diversos problemas de alocação e contingenciamento de recursos do Governo Federal, a participação relativa dos parceiros, nos custos do projeto, se inverteu. Considerando

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia

O PAPEL ESTRATÉGICO DA ZONA FRANCA DE MANAUS NO DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA Maurício Elísio Martins Loureiro * Com percepção de estadista, Getúlio Vargas costumava dizer que o Brasil deveria preocupar-se apenas com três assuntos: aço, petróleo e Amazônia. Essa visão estratégica serviu de inspiração a um grupo de oficiais do exército cujos estudos em meados do século passado levaram à criação da Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus). A Amazônia ocidental, onde se localiza a Zona Franca de Manaus (ZFM), é a parte central da mais importante região natural terrestre. Compartilhada por nove países, possui em seu território imensos recursos naturais, especialmente água doce e biodiversidade. Na condição de detentor da mais extensa parte dessa área continental, o Brasil terá de enfrentar seu maior desafio histórico: desenvolvê-la de forma competente e sustentável, preservando a natureza e os ecossistemas que nela interagem. A qualidade da resposta dos brasileiros a esse desafio condicionará o destino da nação nas próximas décadas. Resultante de firme decisão política, o projeto ZFM, institucionalizado no primeiro governo do ciclo militar, transformou-se em excepcional pólo de crescimento econômico na região, gerando renda, emprego, tributos e exportações crescentes que já superam US$1 bilhão/ano, nas fábricas localizadas no parque industrial de Manaus que continuamente agregam valor a sua produção. É importante ressaltar que a geração de

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia

emprego e renda, representada pela criação de

Inicialmente, a ZFM foi idealizada como

cerca de 60.000 postos de trabalho diretos, projeto geopolítico, no final da década dos anos centenas de milhares de empregos indiretos e 50 do século passado. Nessa época, o um faturamento anual da ordem de US$ 10 ecúmeno regional situava-se em torno de bilhões, foi obtida com impecável preservação Belém, capital do Pará e única metrópole da da floresta. Nos últimos 36 anos permaneceram

Amazônia. Abrigando maior população, mais

intactos 98% da cobertura florestal original.

amplo mercado consumidor, melhor infraestrutura econômica, porto marítimo e ligação terrestre com o resto do País (rodovia Belém-

ANTECEDENTES No dia 28.02.2003, a ZFM completará 36 anos, lapso de tempo que equivale a quase duas

Brasília), a capital paraense constituía um irresistível centro de atração para os investimentos regionais.

gerações. De um modo geral, a sociedade tem

A força centrípeta exercida pela cidade

memória curta e fatos relativamente recentes

de Belém esvaziava velozmente o lado ocidental

são esquecidos com rapidez. No caso da ZFM,

da Região, onde Manaus ocupa o centro

é surpreendente o desconhecimento dos

geográfico. Com uma população inferior a antecedentes que justificaram sua criação e sua 150.000 pessoas, a capital do Estado do importância para a segurança nacional, tendo Amazonas definhava rapidamente em termos em vista o conceito ímpar que a Amazônia

urbanos, econômicos e sociais. Inexistência de

desfruta aos olhos de um mundo cada vez mais

universidade, escassez de energia elétrica, preocupado com a saúde da Terra. Esta não é mercado reduzido e de baixo poder aquisitivo, uma boa constatação, uma vez que se trata do sistema de transporte e de comunicação modelo de crescimento regional responsável precário que a mantinha ainda mais isolada dos pela mudança do paradigma da economia centros do poder político, distante da costa tradicional (mercantil-extrativista), baseada na marítima, formavam o cenário que explicava sua coleta de recursos da flora e da fauna e da fragilidade econômica e a ausência de cultura da juta para produção de fibras têxteis. No momento em que se pretende

perspectivas de mudança. Para que se possa aquilatar o grau de

prorrogar o prazo constitucional de sua vigência, hegemonia que a economia do Pará detinha, é oportuno recordar os fatos que marcaram sua basta mencionar o fato de que em 1964, de origem. Para formar juízo correto de algo, é acordo com estatísticas da Sudam, 97,6% dos imprescindível conhecê-lo em profundidade para investimentos incentivados na Região localicompreender o que se pretende avaliar. E este zaram-se nesse Estado. Ao Amazonas coube preceito também vale para a ZFM. O enten- a insignificante parcela de 2,4%. Enquanto dimento dos motivos que levaram à criação existissem incentivos iguais para a totalidade da desse modelo, o único bem-sucedido em toda Amazônia, os projetos de investimento a experiência de planejamento governamental naturalmente procurariam o Pará. na Região, pressupõe amplo conhecimento de seus antecedentes históricos.

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

Manaus era mero entreposto comercial que ligava a economia extrativa praticada no

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O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia

interior do Estado ao resto do mundo, ávido para mudar o quadro existente. consumidor dos produtos exóticos coletados ou

No início dos governos militares, em

extraídos da floresta (madeira em tora, borracha, 1964, o projeto atinge maturação e eclode em sorva, castanha, pau rosa, cumaru, breu, 28.02.1967, no Decreto-lei 288/67, ao final do resinas, sementes oleaginosas, essências governo de Castello Branco, inspirador e defenodoríferas) e da fauna (quelônios, peixes, couros

sor da idéia. Vale mencionar que as principais

e peles de jacarés e de outros animais

ações que culminaram com a criação da

silvestres).

Suframa foram catalisadas por um amazonense

Comerciantes da capital e mascates que

intelectualmente bem-preparado, pouco lembra-

se deslocavam em embarcações (regatões)

do no Amazonas. Trata-se de Arthur Soares

supriam as necessidades das populações

Amorim, formado nos Estados Unidos em

dispersas nas terras ao longo dos rios, onde era engenharia aeronáutica, pelo MIT. Grande amigo praticado o extrativismo. Forneciam alimentos, de Roberto Campos, a quem serviu como tecidos, roupas, remédios e ferramentas, e chefe-de-gabinete no Ministério do Planejamento adquiriam os produtos coletados da floresta, em

na administração Castello Branco, o engenheiro

uma típica operação de escambo, sem a Arthur Amorim teve atuação destacada no participação de moeda – relação de caráter feu- processo de criação da ZFM. dal, espoliativa, que mantinha o produtor do interior atado ao nível de subsistência e escravizado aos interesses dos intermediários e dos donos de seringais (latifúndios com seringueiras nativas produtoras de látex). A Amazônia ocidental era um imenso

SITUAÇÃO ATUAL A ZFM resultou de um pacto tripartite celebrado entre o governo federal, o governo do Amazonas e a prefeitura de Manaus, em que

vazio demográfico e econômico. Sem a marca cada participante ofereceu uma parcela de da presença física dos brasileiros, abrigando contribuição ao conjunto de incentivos aos imensos e pouco conhecidos recursos naturais, projetos que lá se instalassem. Para atraí-los, a Região poderia despertar a cobiça foram criados incentivos no âmbito dos impostos internacional. Esta possibilidade foi reforçada indiretos que tinham impacto sobre os custos com o surgimento do movimento ambiental, que (II, IPI, ICMS e ISS), sem concessão de nenhum cresceria de forma generalizada, agravando a subsídio ao capital, da forma como ocorria na apreensão militar com a segurança nacional. Um Sudam/Sudene. Os novos incentivos fiscais grupo de oficias idealistas do exército brasileiro compensavam as desvantagens da localização – conhecido pela competência de seus da ZFM em relação aos mercados, permitindo integrantes – tinha cada vez mais presente em seus estudos a importância da problemática

produção industrial competitiva. Englobando uma superfície de 10.000

amazônica, mais grave no lado ocidental onde km2, a ZFM definida em lei praticamente se se encontra o maior segmento da linha de circunscreve à cidade de Manaus. Com o fronteira internacional. Tal preocupação os levaria advento da Suframa, viabilizou-se a instalação a elaborar um projeto de inspiração geopolítica de um moderno pólo industrial, vigoroso

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia

e diversificado, gerador de renda, emprego e enfrentado nos próximos anos. Convém deixar tributos. Potente motor de crescimento econô-

claro que a ZFM vem atuando como único e eficiente motor de crescimento econômico no

mico, amplia a demanda regional e nacional, Amazonas e cumpre esta missão com invulgar irradiando influência positiva a toda a Amazônia competência. A alocação dos recursos obtidos e projetando reflexos favoráveis a outros

na substancial base tributária criada é de inteira

estados em decorrência do considerável valor responsabilidade do governo, que se expressa agregado que realiza em território brasileiro. nas políticas públicas adotadas. Importando anualmente cerca de US$ 2,5

Alguns setores menos sensíveis aos

bilhões de matérias-primas, o setor industrial da fretes, como o eletroeletrônico, logo se fixaram ZFM fatura US$ 10 bilhões/ano, quatro vezes

em Manaus. Em seguida, vieram os fabricantes

mais o valor do que adquire no exterior. Sendo o

de relógios, componentes plásticos, lentes

único gerador de crescimento no Amazonas, é oftálmicas, brinquedos, barbeadores, canetas e responsável – direta e indiretamente – pela quase isqueiros descartáveis, e de material de totalidade da economia estadual e da embalagem. O segmento eletroeletrônico, com arrecadação tributária. A capital do Amazonas transforma-se

alta produtividade e significativo domínio de tecnologias de processo, produz metade do

radicalmente. Seus habitantes multiplicam-se, faturamento industrial. chegando a 1,6 milhão de pessoas ao final de

Outro segmento importante é o que

2002. Com o perfil de uma cidade-estado, nela monta veículos de duas rodas. Caracteriza-se concentram-se 53% da população estadual.

por apresentar notável adensamento da cadeia

Produzindo mais de 90% da economia e da

produtiva graças à instalação em Manaus de

arrecadação, a renda per capita dos manauaras

fornecedores mundiais de partes e peças para

eleva-se aos patamares mais altos entre as

atender aos fabricantes locais de bens finais,

capitais brasileiras. A economia cresce e os

notadamente a indústria de motocicletas.

serviços urbanos ampliam-se, mas a migração Adotando grande verticalização, algumas de pessoas do Nordeste e do Pará pressiona dessas fábricas iniciam seus processos os serviços urbanos e desorganiza a ocupação industriais usando lingotes de alumínio regional, do espaço, promovendo invasões de áreas

que são fundidos em ligas especiais para

desocupadas, sem saneamento básico e infra- fabricar bens intermediários e em etapa posteestrutura, criando imensos bolsões de pobreza rior usinados e tratados termicamente para onde a exclusão social é a regra. Há enorme passivo social acumulado.

produzir uma série de componentes de padrão de qualidade internacional. Parte dessa

Forma-se em Manaus uma sociedade dualista produção é vendida no exterior, contribuindo de cujos integrantes convivem lado a lado – forma crescente para elevar e diversificar as exclusão sócio-econômica e riqueza ostensiva. exportações da ZFM, cujo valor em 2002 superou Eliminar ou reduzir tais diferenças e as distor- US$1 bilhão. ções delas resultantes – que também existem

A balança comercial da ZFM deverá

em outras capitais – é o maior desafio a ser equilibrar-se até 2005, tornando-se geradora T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia

de divisas (superavitária) a partir desse ano e natureza e o meio ambiente, preservando os transformando Manaus em um importante centro complexos ecossistemas da Amazônia. É um exportador. Tendo em vista que a ALCA deverá centro experimental onde são identificadas estar em operação em futuro próximo, esta

linhas de menor resistência para promover o

informação tem significado especial.

desenvolvimento com absoluto respeito às

É oportuno salientar que os riscos

normas ambientais. Progressivamente, o

inerentes aos projetos de investimento sediados

modelo diversificará sua atual base industrial,

na ZFM correm exclusivamente por conta dos

adensando a cadeia produtiva, criando novos

empresários, não havendo nenhum subsídio do clusters de negócios e implementando atividades setor público ao capital das empresas. Por esta voltadas ao aproveitamento dos recursos razão, é um modelo de desenvolvimento regional naturais e da biodiversidade regional. Nesse sui generis, perfeitamente ajustado aos cânones

cenário, além do aproveitamento da biomassa,

da economia de mercado, fato que talvez

dos minérios e combustíveis fósseis recém-

explique o seu inusitado sucesso.

descobertos (petróleo e gás natural), poderá ser

No lado fiscal, a ZFM criou em Manaus

agregado valor às matérias-primas regionais

uma base de tributação de apreciável dimensão, para produzir cosméticos, fitoterápicos, responsável pela arrecadação de tributos e fármacos, insumos e produtos alimentares, contribuições previdenciárias, nos três níveis de usando como estratégia de marketing o fascínio governo, que atingiu em 2001 um montante da que o mistério e o exotismo da marca ordem de US$ 2 bilhões, à taxa cambial média “Amazônia” provoca nos consumidores mais vigente na época. O Estado do Amazonas em 2003 contribuiu com 61% da arrecadação federal na Região Norte.

ricos do planeta. A médio e longo prazo, em plena Sociedade do Conhecimento, quando concluído o

De acordo com dados relativos a 2000,

processo de formação de recursos humanos

o Amazonas é um dos três estados das regiões

em nível de excelência mundial, permitindo a

Norte e Nordeste que geram excedentes de

aquisição de competências em C&T e P&D,

arrecadação de tributos federais e contribuições

será então factível desenvolver a biotecnologia

previdenciárias em relação aos recursos que moderna, um estado técnico-científico mais recebem do governo federal. O Amazonas avançado que irá possibilitar a manipulação e o ocupa o primeiro lugar entre os estados dessas

processamento do material genético arma-

duas regiões que mais transferem recursos

zenado pela natureza no Bioma da Amazônia

líquidos para a União, seguido da Bahia e de em centenas de milhões de anos de evolução. Pernambuco. A engenharia genética dessa fantástica matériaCENÁRIO PROSPECTIVO: FUNÇÃO ESTRATÉGICA DO MODELO ZFM

prima poderá produzir uma série de surpreendentes medicamentos, produtos

A função estratégica do modelo ZFM é alimentícios, nutrientes e insumos sofisticados produzir e acumular recursos econômicos, que poderão revolucionar a vida do ser humano. humanos e institucionais para promover o Os cientistas costumam dizer que o século desenvolvimento regional sem comprometer a passado pertenceu à Física e que o século 21

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Pesquisa e Benefício Social - Uma Relação Possível?

será o século da Biologia. Se houver firme e decidida vontade política do novo governo, nas esferas federal e estadual, poderemos acrescentar que este também será o tão esperado Século da Amazônia.

* Maurício Loureiro é empresário e presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas - Cieam

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Pesquisa e Benefício Social - Uma Relação Possível?

PESQUISA E BENEFÍCIO SOCIAL – UMA RELAÇÃO POSSÍVEL? A relação entre o conhecimento científico e tecnológico desenvolvido na região Amazônica e os povos que a habitam é uma via de mão dupla, na opinião do cientista amazonense Marcus Barros, recém-empossado presidente nacional do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Para ele, os índios, caboclos e ribeirinhos que vivem na imensidão da Amazônia, serão sempre grandes aliados da Ciência e Tecnologia, indicando, por meio do conhecimento tradicional, os caminhos para a preservação da região. Mas,

QUEM É MARCUS BARROS

ao mesmo tempo, devem contar com a parceria da sociedade organizada na aplicação dos recursos tecnológicos existentes, que possam

Amazonense de Eirunepé, Marcus Barros

ajudá-los no manejo sustentável da floresta. formou-se em Medicina pela Universidade Fed- Com passagem pela direção do Instituto eral do Amazonas (UFAM), em 1972, e fez pós- Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e graduação na Universidade Federal do Rio de como ex-reitor da Universidade Federal do Janeiro (UFRJ) e no Instituto de Medicina Trop- Amazonas (UFAM), duas das principais ical de Nagasaki, no Japão. Pesquisador instituições de ensino e pesquisa do Estado, reconhecido internacionalmente, tem 42 Marcus Barros diz que a Ciência tende a sair trabalhos acadêmicos publicados nas áreas de cada vez mais do “claustro”, para ouvir as Saúde e Ambiente e atua como professor visitademandas da sociedade. Ele avalia como nte das Universidades de Granada e Barcelona, positivos, com aplicação direta na qualidade de na Espanha. No Amazonas, além de ter dirigido vida do homem da região, os resultados obtidos o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia em 50 anos de pesquisa na – e sobre a – (INPA), foi reitor da UFAM. Foi o responsável, Amazônia. Nesta entrevista, Marcus Barros ainda, pela instalação e direção, no Amazonas, analisa a relação existente entre a pesquisa do escritório técnico regional da Fundação científica realizada pelos institutos regionais e Oswaldo Cruz, vinculado ao Ministério da sua aplicabilidade no desenvolvimento econôSaúde. mico e social da Amazônia. Aborda temas polêmicos, como biopirataria e desenvolvimento sustentável, aponta os caminhos a serem seguidos por quem produz Ciência e Tecnologia na região e revela as estratégias que pretende T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Pesquisa e Benefício Social - Uma Relação Possível?

adotar para administrar o meio ambiente de um

projetos de desenvolvimento auto-sustentáveis.

país com dimensões continentais, como o O grande trunfo do homem amazônico está no Brasil.

manejo da floresta, pois o conhecimento

T&C AMAZÔNIA – Já conhecemos a existente sobre o meio ambiente pode Amazônia o suficiente para apontarmos transformar para melhor suas atividades na alternativas para seu desenvolvimento Amazônia. sustentável?

T&C – O que determina quais serão as linhas de pesquisa a serem adotadas nes-

Marcus Barros – Sem dúvida nenhuma.

tas instituições?

Três institutos de pesquisa da região – o Museu Emílio Goeldi, com 136 anos, no Pará, a UFAM

MB – No início, os pesquisadores

(Universidade Federal do Amazonas), com 94 determinavam o objeto de suas pesquisas a anos, e o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas

partir de seus próprios interesses e também das

da Amazônia), com 50 anos – estão contri-

linhas de financiamento disponíveis. Atualmente,

buindo de maneira decisiva para o estudo do no planejamento estratégico do INPA, por homem e da natureza amazônica. Essas

exemplo, é fundamental que haja uma consulta

instituições já têm uma amostra de toda a à sociedade para determinar como a pesquisa Amazônia, o que podemos considerar como vai desenvolver-se. Por outro lado, não podemos suficiente, apesar da diversidade e da grande abrir mão da pesquisa pura, pois gera extensão territorial, pois representamos 2/3 do conhecimento, que vai ser a base da tecnologia Brasil. Costumo dizer que Roraima não é igual no futuro. No INPA, 30% das pesquisas ao Apuí e Tabatinga também não é igual ao desenvolvidas contemplam este segmento e Golfão Marajoara, pois são parte das 23 70% são escolhidas por ter alguma aplicaecorregiões que compõem a Amazônia, com

bilidade tecnológica imediata. A sociedade, ao

paisagem, flora e fauna distintas. O conhe-

tomar conhecimento destes fatos, entende que

cimento existente é tão importante que a este balanceamento é o caminho para melhorar primeira iniciativa que tomei ao assumir a a qualidade de vida da população de um modo direção do INPA, foi criar os núcleos de geral. Cito, como exemplo de pesquisas que Negócios e de Ciências Humanas e Sociais, visam ganhos sociais imediatos, os estudos do para que fosse possível utilizá-lo. O estudo dos

INPA na área de nutrição e tecnologia de

ecossistemas amazônicos é suficiente, mas o

alimentos, que permitiram o desenvolvimento

estudo do homem e sua interação com a de um tipo de macarrão preparado com natureza, apesar dos grandes avanços do pupunha e piracuí, rico em carboidratos, Goeldi, UFAM e INPA, ainda precisa de apro- proteínas e vitaminas do grupo A. Os estudos fundamento. Buscamos transformar o conhe- para o preparo do macarrão foram coordenados cimento existente em ferramentas para o pela cientista Lúcia Yuyama e têm aplicabilidade desenvolvimento regional. O INPA, durante garantida. minha gestão, abriu as gavetas, desvendando a Amazônia àqueles que desejam realizar

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Pesquisa e Benefício Social - Uma Relação Possível?

“Derrubar a floresta não leva a nada, somente à desertificação. Cabe à sociedade organizada educar o homem amazônico para manejar bem os recursos naturais existentes na região”

organizada, educar o homem amazônico para manejar bem os recursos naturais existentes na região. Temos como exemplos de pesquisas científicas desen-volvidas na Amazônia, com resultados

extremamente

práticos,

o

beneficiamento de couro de peixe, que tem a possibilidade de criação de uma indústria com

T&C – Quais são os principais

desdobramentos internacionais. Na apicultura, resultados das pesquisas científicas já é exemplar o trabalho desenvolvido pelo INPA, desenvolvidas para a região amazônica? tendo como coordenador o cientista Warwick MB – Creio que é o conjunto de trabalhos

Kerr, em que as abelhas agem como científicos realizados pelos institutos de preservadoras da biodiversidade, pois, além de pesquisa amazônicos nos últimos 50 anos e que produzir mel e garantir renda familiar ao homem pode ser comparado a um zoneamento amazônico, mantém a floresta viva através da econômico e ecológico. Quem estiver à frente polinização. Cito também, entre outras de políticas públicas tem, necessariamente, de iniciativas, a crescente aplicação do óleo de conversar com quem produz Ciência e babaçu na indústria automobilística, a Tecnologia na Amazônia, pois as pesquisas industrialização da cestaria de arumã, científicas determinam, por exemplo, quais as

impulsionada pelo Projeto Design Tropical da áreas que precisam permanecer intocadas, por FUCAPI, fato que tem um significado enorme causa da extrema fragilidade de sua biodi- para as populações indígenas do Alto Rio Neversidade, onde só cabem atividades como o gro, e o desen-volvimento de estratégias de turismo com sustentabilidade, e as áreas reflorestamento em áreas degradadas, públicas que podem ser habitadas com manejo utilizando-se o pau-de-balsa, que cresce um adequado. Ao mesmo tempo em que as

metro por mês.

pesquisas já realizadas direcionam o aproveitamento dos recursos existentes, precisamos interagir com a população local para deixar claro que devem exercer suas atividades com determinados cuidados e também aprender como algumas áreas estão sendo conservadas pelo conhecimento tradicional das comunidades amazônicas. Os resultados das pesquisas

“Os institutos de pesquisa da região não devem continuar sendo, como foram por algum tempo, claustros que afastavam os produtores da ciência do seu objetivo, que é o homem e seu padrão de vida”

científicas existentes apontam a Amazônia como uma região distinta e diferente das demais em todo o planeta e que tem uma população

T&C – Os pesquisadores têm demonstrado compromisso social ao

que precisa de desenvolvimento autosustentável. Costumo exagerar para ser claro: derrubar a floresta não leva a nada, somente à

escolher seus projetos? MB – O cientista tem o direito de fazer

desertificação. Cabe a nós, sociedade elucubrações, de tentar entender profunT&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Pesquisa e Benefício Social - Uma Relação Possível?

damente qualquer assunto, o que faz parte da premiando pesquisadores, inclusive os do INPA, própria ciência, mas posso afirmar que há

que têm participado regularmente do Prêmio

comprometimento social, sim, pois cada vez

FUCAPI/CNPq de Tecnologia. Neste sentido,

mais passamos a nos preocupar com a questão vejo a iniciativa da FUCAPI com muita alegria, tecnológica, o que significa dizer que buscamos

pois está entrando em uma área em que estava

resultados práticos. Os institutos de pesquisa um pouco distante, as Ciências Humanas, o que da região não devem continuar sendo, como a fará cada vez mais representativa do pensaforam por algum tempo, claustros que afasta- mento e da tecnologia regionais. vam os produtores da ciência do seu objetivo, que é o homem e seu padrão de vida. À medida que a ciência sai dos seus claustros e ouve as demandas da sociedade, ganha cada vez mais valor e passa a ser mais respeitada. Neste contexto, o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) é um projeto que, na minha opinião, deve ser redirecionado com a perspectiva de integração entre a produção de conhecimento e sua aplicabilidade e contemplando a intermediação de empresários interessados em expandir o conhecimento acumulado a partir, principalmente, da biodiversidade existente na Amazônia. Se não nos assenhorearmos dessas riquezas – principalmente agora, na era dos estudos biotecnológicos das espécies -, interagindo com instituições de todo o mundo com as quais possamos fazer parcerias sem, no entanto, perdermos a liderança destes processos, e se não nos aprofundarmos nesta direção, biopiratas de todo o planeta vão cada vez mais entrar em nosso território e levar exemplares de nossa biodiversidade. Precisamos criar a “Calha Norte do Saber”, com mais educação, ciência e tecnologia, pois defendemos muito mais a nossa soberania com autonomia tecnológica do que com qualquer outro tipo de iniciativa. Precisamos, também, ser mais agressivos em relação ao

T&C – Qual a sua visão sobre a biopirataria, considerando-se que grupos empresariais estrangeiros estão utilizando a biodiversidade da floresta Amazônica, levando riquezas que poderiam gerar benefícios sociais para as populações locais? MB – Posso dizer que a biopirataria existe e está cada vez mais sofisticada. Uma das minhas estratégias como presidente do IBAMA será o de melhorar a fiscalização, utilizando métodos mais modernos, com a perspectiva de coibir cada vez mais o roubo de nossas riquezas. Porém, por mais que se aumentem o número de fiscais do IBAMA, será sempre pouco. A minha estratégia no combate à biopirataria será sensibilizar as comunidades amazônicas para que haja uma participação popular nesta luta. Só existe uma maneira efetiva de combate, que é por meio do crescimento do conhecimento existente nos institutos de pesquisas regionais, pois somente a fiscalização é insuficiente para controlar o problema. T&C – Qual o espaço que a Amazônia ocupará no novo governo brasileiro? MB – O tamanho dela: dois terços.

patenteamento daquilo que produzimos. A Estava assistindo à comemoração da vitória do FUCAPI tem muito a ver com esse processo, presidente Lula na Avenida Paulista e, num pois tem patrocinado possibilidades de evoluir, T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

discurso de improviso, ele citou sua preo45


Tecnologia e Floresta - Um Exemplo de Cooperação

cupação com a Amazônia e sua biodiversidade. Com esta atitude, creio que começou o processo de olhar para a Amazônia. Fiquei muito contente quando ele disse que a região é uma prioridade. A ligação do presidente com a Amazônia vem desde o início da década de 80, com os movimentos pela proteção da floresta liderados pelo sindicalista Chico Mendes. Por causa desse envolvimento, Lula foi julgado em Manaus. Não é sem razão que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e eu, como presidente do Ibama, somos oriundos da região, numa demonstração inequívoca de que o comprometimento do Governo Lula com a Amazônia será cada vez maior. Nas campanhas políticas realizadas na região e das quais participei, Lula demonstrou sua preocupação pessoal com a Amazônia, tanto do ponto de vista social e econômico quanto estratégico, por ser objeto da cobiça internacional. O presidente sabe que somos, de todos os brasileiros, os mais ricos e, paradoxalmente, os mais frágeis. Cuidar do bem-estar da população amazônida significa, para Lula, cumprir sua missão social e tenho certeza que ele vai fazer isso com raça e determinação.

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Tecnologia e Floresta - Um Exemplo de Cooperação

TECNOLOGIA E FLORESTA – UM EXEMPLO DE COOPERAÇÃO Os totens lembram a silhueta de uma palmeira de cerca de um metro de altura. Feitos de piaçaba, tipo de fibra com que se fabrica vassouras, são pintados com pigmentos naturais e de frutos extraídos da floresta (crajiru, mangarataia, goiaba-de-anta e ingá-xixica) e se adequam como peça de decoração aos mais sofisticados ambientes. Onde são produzidas, no interior da Amazônia, a peças são conhecidas como “piraíba de piaçaba”. A fabricação desses produtos é o único meio de vida de Fortunato Rabelo Castro, artesão de descendência indígena que vive no município de Barcelos, às margens do rio Negro, distante 505 quilômetros de Manaus. Há um ano, ele, a mulher e o filho dedicam-se a essa arte, que pode ser traduzida como resultado de um movimento silencioso que vem ocorrendo no meio da selva amazônica desde 1999, gerando emprego, renda e melhor qualidade de vida ao homem da região. A experiência, inédita no País, está sendo desenvolvida pela FUCAPI – Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica, por meio do Projeto Design Tropical da Amazônia. Com o projeto, a FUCAPI, instituição que há 21 anos atua pelo desenvolvimento da região, mostra que é possível agregar inovação tecnológica ao conhecimento tradicional, dando novas perspectivas de vida a índios e caboclos amazonenses. Uma iniciativa que está levando a nichos de mercado de alto poder aquisitivo ao redor do mundo os artefatos produzidos pelo homem amazônico, despertando talentos, preservando o meio ambiente e integrando

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Tecnologia e Floresta - Um Exemplo de Cooperação

a gente da região aos produtores de tecnologia. pelo rio Maués-Mirim até encontrar uma pequena O ambicioso projeto pretende contribuir

propriedade rural, a 36 quilômetros em linha reta

para a preservação da floresta amazônica por da sede municipal. O grupo juntou-se ao dono meio da arte indígena, com o apoio da Ciência e das terras e se embrenhou na mata para buscar Tecnologia, lançando para as sociedades de a matéria-prima. Sem qualquer agressão ao consumo urbanas produtos de origem regional, meio ambiente, localizaram dois troncos de estimulando a fantasia que acompanha a grife árvores já derrubados, como resultado de pastos, roças ou mesmo deixados na floresta “Amazônia”. Fortunato aprendeu o ofício com os índios da etnia baniwa, mesmo antes de fazer

pelos caboclos. “O tronco precisa ter sido derrubado há

parte do projeto, seguindo um ritual que mais de cinco anos. A madeira tem que estar preconiza semanas de caminhadas solitárias envelhecida para que seja considerada apta pela floresta, consumindo uma quantidade para a marcenaria, pois, mesmo depois de abatida, sofre expansão e encolhimento, o que mínima de alimentação. Ele já dominava algumas técnicas de

dificulta sua utilização em trabalhos que exigem

produção de artigos como peneiras, leques e perfeição nos detalhes, como a escultura e a balaios de fibras de palmeiras típicas da região, marchetaria”, explica Francisco. como arumã e piaçaba, mas passou a ter

Os troncos foram cortados em oito toras

contato com os mais modernos conceitos de de 2,5 metros, pesando, cada uma, cerca de design. Cresceu como profissional, ganhou

250 quilos. O esforço seguinte feito pelos quatro

conhecimentos e, principalmente, conta que seu homens foi transportá-las por uma trilha de cerca maior prêmio foi ter adquirido maior auto-estima de 800 metros na floresta até o barco ancorado e dignidade. “Agora sempre ando com um dinheirinho no bolso e posso ajudar as pessoas que estão próximas a mim”, afirma.

em um porto improvisado no rio Maués-Mirim. A madeira retirada não teria nenhuma utilização para os moradores locais e seu destino seria apodrecer na floresta ou ser

A BUSCA PELA MATÉRIA-PRIMA A aventura do coordenador da Marcenaria

queimada quando o local fosse aproveitado para algum empreendimento agrícola.

da FUCAPI, Francisco das Chagas do Nascimento, para extrair da floresta amazônica restos

TRANSITORIEDADE DA CULTURA

de madeira nobre para a montagem de uma

Manter as técnicas e os conhecimentos

peça – o busto de Jesus Cristo – para compor o

tradicionais com que os indígenas e caboclos

Projeto Design Tropical, começou no porto

desenvolvem o processo produtivo das peças

flutuante de Manaus. Dali, ele e artesãos ligados

é um dos principais cuidados do Projeto Design

ao projeto seguiram de barco em direção ao Tropical da Amazônia. A partir daí, são agregados município de Maués, a 260 quilômetros de valores aos produtos, o que permite torná-los Manaus. Francisco precisava da espécie conhecida como amarelinho. O barco seguiu T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

competitivos em qualquer mercado, no Brasil ou no exterior. A tecnologia gerada nos centros de 48


Tecnologia e Floresta - Um Exemplo de Cooperação

pesquisa da região vem sendo utilizada para capacidade de trabalho em algo rentável, além aperfeiçoar os produtos que os participantes do do que poderia conseguir, em termos Projeto já faziam tradicionalmente, tornando-os

financeiros, em outras atividades.

perenes – de um modo geral, as culturas

Esta linha de ação, no entanto, não im-

indígena e cabocla não têm interesse em

pede que o artífice aprenda novos métodos de

produzir artigos duráveis.

acabamento em madeira, desenho técnico,

Um bom exemplo da transformação do

noções de design e qualidade do produto. “Não

uso e da qualidade destes produtos é o estojo se pode desprezar a vocação e a habilidade de palha de urucuri, usado tradicionalmente

manual dos povos da floresta. Valorizando este

pelos membros da etnia baniwa para guardar conhecimento não há agressão ao modo de vida pequenos objetos pessoais, como pulseiras e tradicional que, ao longo dos séculos, mostroucolares. Foi necessário pesquisar a melhor forma de tratar quimicamente o estojo de palha

se auto-sustentável”, analisa Evandro. Para o Diretor, a qualidade de vida das

para torná-lo durável sob o efeito da umidade e populações indígena e ribeirinha está intimado ataque de insetos e fungos. mente associada à riqueza da biodiversidade Os estojos de palha de urucuri são

que os cerca, pois a influência da fauna e da

adaptados para embalar produtos de consumo flora sobre o homem amazônico é direta, da sociedade ocidental, mantendo, no entanto, tornando-o tão rico quanto a própria natureza a pureza e a magia que caracteriza o modo de da região. A FUCAPI, com a implantação do vida dos povos da Amazônia. Projeto Design Tropical, disponibiliza, assim, a “É a transitoriedade, marca acentuada

oportunidade que o amazônida precisa para

da cultura indígena, que os faz extremamente expressar-se através da arte, agregando valor ricos e criativos e nosso desafio é justamente à madeira e a outros insumos retirados transformar objetos desta cultura em produtos

diretamente da floresta, de forma sustentável,

duráveis, mas que mantenham a essência

numa atividade heróica que começa a ter

amazônica”, revela o Diretor do Departamento resultados práticos. “O Projeto pretende de Desenvolvimento Tecnológico da FUCAPI, transformar, ao longo dos anos, os artífices em Evandro Vieiralves.

designers, conduzindo-os a formar cooperativas

O Diretor destaca que o Projeto trabalha

que possam torná-los independentes do ponto

no sentido de preservar as atividades tradi-

de vista econômico e social”, explica Evandro

cionais de produção de artesanato, de modo Vieiralves. que o indígena e o caboclo mantenham suas famílias satisfatoriamente, sem precisar abandonar suas moradias nem migrar para as

ARTE INDÍGENA E ARTE CABOCLA A discussão em torno do tema “arte

cidades. Nesse sentido, a intenção não é formar amazônica” entre os profissionais integrados ao o artesão de maneira convencional, levando-o Projeto Design Tropical recai imediatamente a adquirir um novo conhecimento, mas

sobre a origem indígena da maioria dos

aproveitar e valorizar o conhecimento e as

habitantes da região, herdeiros de uma cultura

habilidades já existentes para transformar sua milenar material e simbólica riquíssima, T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

49


Tecnologia e Floresta - Um Exemplo de Cooperação

representada em obras de valor inestimável

Para a designer Karla Mazarello, da

resgatadas ao longo dos séculos de conquista FUCAPI, conceituar a arte amazônica é uma da Amazônia por aventureiros e cientistas do tarefa subjetiva, mas que recai necessariamente Velho Continente e que se encontram, atual- sobre as atividades do elemento indígena, pois, mente, nos museus europeus e americanos. Ao

segundo sua visão, o índio já nasce com o dom

fazer a distinção entre a arte indígena de perceber todas as manifestações da consolidada através dos séculos e a arte cabocla natureza e, a partir daí, tirar inspiração para a amazônica, o arquiteto e designer Luís Galvão, sua produção material. Para reforçar sua tese, coordenador do Projeto Design Tropical, afirma Karla afirma que o grafismo corporal, consitratar-se, esta última, de uma falácia. “O que derado como uma autêntica manifestação existe é uma arte popular cabocla, caracterizada artística e que é usado por diversas etnias da principalmente pelo Festival Folclórico de Amazônia, é uma das maneiras mais originais Parintins pois, quando nos referimos à arte

do ser humano para expressar suas emoções,

amazônica, estamos falando essencialmente através da utilização de formas estilizadas dos em arte indígena, produzida com as características próprias de cada etnia”, avalia. As populações indígenas há muito

elementos naturais. Ela conta que, por exemplo, se o índio está triste, expressa esse sentimento através

produzem peças em cerâmica, madeira, couro, da pintura estilizada de uma tartaruga, sendo a fibras vegetais e plumas que, indiscutivelmente, mensagem compreendida pelos demais são arte em qualquer lugar do mundo. Para Luís

membros da aldeia. “Considero que todas as

Galvão, não se pode falar de uma arte cabocla pessoas, não importando suas origens étnicas quando o homem da região ainda está em

e culturais, são criativas. O que precisamos é

processo de construção da sua identidade cul- construir, tendo como base de inspiração a arte tural, sendo recente demais sua existência

indígena, nossa própria identidade amazônica,

como sociedade, para que seus membros

não deixando de lado, porém, tudo o que há de

possam expressar-se através da arte.

melhor em nossa região, independentemente de

Luís Galvão considera que o caboclo, entendido como um índio destribalizado que

sua origem”, analisa. Karla acredita que a arte que vem sendo

perdeu sua cultura original e começa a absorver feita no Amazonas tem uma característica toda a cultura ocidental, não pode ser um indivíduo própria, fruto da junção da matriz indígena e do sólido interiormente, pois está fragilizado diante modo de vida que os caboclos desenvolveram do mundo que o cerca e que não compreende ao longo dos últimos séculos para suprir as em sua totalidade. “Jamais a arte vai ser feita necessidades básicas cotidianas. “O índio não por indivíduos frágeis culturalmente, pois não necessita freqüentar uma sala de aula para existe, em nenhum momento da história, casos

aprender os conceitos básicos do design de

que possam provar o contrário. Por ser uma forma, equilíbrio, ritmo, harmonia, contraste, cor cultura em formação, podemos até encontrar e textura, pois passa toda a sua vida envolvido na população cabocla um ótimo artesão, mas

em práticas que privilegiam este tipo de

nunca um grande artista”, ressalva.

aprendizado”, analisa.

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

50


A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

valorização das culturas indígena e cabocla em

PRODUÇÃO DO HOMEM AMAZÔNICO O Projeto Design Tropical da Amazônia envolve um contingente de pelo menos 75 famílias de índios e igual número de caboclos, somando-se a um total de aproximadamente 600 pessoas que vivem nos municípios amazonenses de Iranduba, Novo Airão, Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro, São Gabriel da Cachoeira, Santo Antônio do Içá, Tabatinga, Maués, Presidente Figueiredo e Manaus. Durante os três anos de implantação do Projeto, completados em novembro de 2002, 12 núcleos produziram 34 itens de marchetaria, movelaria e tapeçaria que vão desde mesasde-jantar, no valor de R$ 10 mil, até tábuas para frios, de R$ 70, passando por biombos, cadeiras, castiçais, fruteiras, luminárias, porta-copos e vasos, entre outros. Os artesãos e designers também criaram jóias exclusivas, como colares, pulseiras e anéis, feitos com sementes e fibras regionais, combinadas com ouro e prata. De novembro de 1999 a dezembro de 2001, a produção das peças, confeccionadas exclusivamente de forma artesanal pelos artesãos, foi sendo acumulada. Durante este período, praticamente não houve vendas ao público. Para manter a exclusividade na produção, foi disponibilizado um fundo para a

formação, o Projeto Design Tropical estimula o estudo científico de um grupo de 42 espécies de madeiras usadas como a principal matériaprima, proporcionando uma aproximação entre a FUCAPI e instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Com a iniciativa, passouse a conhecer melhor as propriedades físicas das madeiras, permitindo um aproveitamento mais adequado para cada tipo pesquisado. O projeto também recebe o apoio do Banco da Amazônia (BASA) e das embaixadas da Itália e da Alemanha no Brasil. As 150 famílias indígenas e caboclas que trabalham no Projeto usam madeiras totalmente desconhecidas do mercado consumidor urbano, como muirapiranga, pau-rainha, tucumã, piquiarana, tauari, marupá, preciosa e coraçãode-negro, evitando, assim, a pressão sobre as espécies nobres. As indústrias madeireira e moveleira da região trabalham com pouquíssimas variedades, dando preferência ao mogno, angelim e cerejeira, todas com alto valor econômico e ameaçadas de extinção. Ao evitar o uso das madeiras comerciais, os artesãos podem mostrar toda a beleza da biodiversidade amazônica, o que faz do viés ecológico a marca registrada do projeto.

compra das peças produzidas. Um estoque de peças foi montado para satisfazer a demanda quando começassem as vendas, o que aconteceu a partir de 11 de dezembro de 2001, em exposição realizada na embaixada da França, em Brasília.

MADEIRA E ECOLOGIA COMO MATÉRIA-PRIMA Ao mesmo tempo em que busca a

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

51


A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO NO PROCESSO ORGANIZACIONAL Gilbert Breves Martins 1 Rhandsaissem Tavares Leal2 Fabíola Nazaré Borges3 Valdir Sampaio da Silva4

INTRODUÇÃO Atualmente vivemos em um mercado altamente globalizado, caracterizado por constantes transformações, e inundado regularmente por novos produtos, serviços e descobertas. Isto tem feito com que as organizações se preocupem cada vez mais em identificar a melhor forma de empregar seus recursos de forma a obter um diferencial competitivo para a manutenção de clientes e conquista de novos nichos de mercado. Na chamada “Era da informação”, a base da riqueza das organizações não provém mais do ativo contábil ou da massificação da produção, mas sim do capital intelectual, do uso sistemático do conhecimento de mercados, domínios de processos e tecnologias e relacionamento com organizações, como geradores de vantagens competitivas Neste contexto, a Tecnologia da Informação (TI), que durante muito tempo foi considerada apenas um item de suporte aos processos internos, uma fonte de despesas, sem influência direta nos objetivos e metas das organizações, deve ser repensada sob a perspectiva de BOAR (2002): a de ser um fator crítico para a obtenção, combinação e sustentabilidade de vantagens competitivas, resultando em crescimento dos lucros e redução de custos operacionais. T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

52


A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

Para se adaptarem a esta visão, os

Estágio da Euforia Tecnológica –

profissionais que trabalham com TI devem estar após a introdução do computador, em pontos aptos a responder à seguinte pergunta: “Em que isolados da organização, esta percebe os nível de maturidade se encontra a TI em minha ganhos potenciais da informatização em seus organização?”. A clara consciência deste estado demais processos. Neste momento, consde amadurecimento é de vital importância para cientes do grande volume de trabalho que será a elaboração de estratégias, a fim de adequar a requerido, as organizações optam pela criação de um Centro de Processamento de Dados (o

TI da organização ao novo cenário mundial.

famoso CPD), que concentra os profissionais dedicados a esta atividade.

PROCESSO DE MATURIDADE DA TI

Estágio do Caos - Certos de que a

NAS ORGANIZAÇÕES

simples utilização das novas técnicas e

Sob uma abordagem histórica REZENDE

ferramentas de TI resolvem todos os pro-

(2001) e FOINA (2001) propõem classificações

blemas, as organizações se deparam com

quanto o nível de utilização da TI nas organizações. resultados abaixo do esperado, além de Os Níveis de maturidade propostos dão uma elevados custos associados aos profissionais base teórica para identificar o estágio em que se e infra-estrutura alocados no CPD. Tem-se a encontra a utilização e integração da TI dentro impressão de que os profissionais do CPD não dos processos organizacionais. Estágio

são capazes de entender as reais necessidades

Pré-informático

da organização. Começam a surgir conflitos de

Característico de uma organização de pequeno relacionamento entre o CPD e as outras porte, devido ao baixo volume de dados unidades. Com a intenção de resolver estes necessários à sua gestão. Este estágio problemas e ter um controle mais direto do necessita de poucos ou nenhum recurso de TI, processo de informatização, as unidades da uma vez que o fluxo de informações é organização partem para o uso de soluções totalmente informal. A sobrevivência competitiva próprias, independentes do CPD. Em muitos advém do esforço pessoal dos envolvidos e, de casos, após um processo de análise crítica, forma paradoxal, da agilidade proporcionada descobre-se que a real causa dos baixos pela falta de fluxos de informações formais. Estágio

de

Introdução

da

resultados é a falta de um planejamento adequado para a introdução das técnicas e

informática – O elemento de TI mais marcante ferramentas de TI. Estágio da Retomada do Controle – neste estágio – o computador, é introduzido como resposta às necessidades de se Retomada do controle ocorre quando se põe processar de forma rápida e eficiente um vol- ordem na casa para evitar maiores prejuízos ume cada vez maior de informações presentes

pela falta de uso da tecnologia já adquirida e

em determinados processos organizacionais. por gastos adicionais com a proliferação de Nesta etapa, as primeiras aplicações soluções isoladas. O CPD, com respaldo da desenvolvidas são tipicamente utilizadas para bases de dados destes sistemas apresentam controle básico, como folha de pagamento, normalmente um conjunto de informações contabilidade e estoque. T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

53


A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

redundantes. Inicia-se então um processo de em toda a empresa, atuando de forma comintegração das diversas bases de dados

petente e como um instrumento indispensável

existentes, como uma tentativa de se garantir nos processos de tomada de decisões que as bases de dados possuam informações

estratégicas e operacionais.

compatíveis entre si. Como resultado deste processo de integração, novas informações que sintetizem as principais características da empresa podem ser geradas, fornecendo uma visão no nível adequado para auxiliar à tomada

TI COMO UMA FERRAMENTA DO DIA A DIA A TI pode ser definida como a

de decisões estratégicas. A partir deste ponto, “Preparação, coleta, transmissão, recepção, a empresa passa a perceber que sua estrutura recuperação, armazenamento, acesso, de TI pode realmente funcionar como um

apresentação e transformação de informações

diferencial competitivo.

em todas as suas formas (texto, gráficos, voz,

Estágio da Gestão da Informação – É

vídeo e imagem) para suprir os processos de

consolidado o processo de eliminação de negócios das organizações”. Empresas que tomam decisões envoredundâncias de ferramentas e estabelecida a unificação das bases de dados. Através desta lvendo TI como se fossem despesas, tendem unificação, quaisquer modificações que os a concentrar-se no custo e não nas dados sofrerem, seja pela alteração ou mesmo necessidades e benefícios pretendidos. Estas a inserção de novos valores, estará empresas não enxergam o potencial estratégico imediatamente disponível para qualquer setor da utilização da TI e avaliam apenas os ganhos da empresa, aumentando ainda mais a operacionais que a tecnologia é capaz de capacidade de adaptação da empresa como um todo. Neste cenário, é de fundamental

oferecer. Identifica-se uma empresa que trata TI

importância a existência de uma figura chamada como despesa quando: de Gestor de Informações, que é o responsável • gerente de TI tem dificuldade de pela manutenção da integridade de todas as acesso aos processos de decisão da empresa; informações que constituem a base de dados • Os projetos são sempre discutidos unificada. Estágio da Maturidade da TI – Todos

com base nos custos envolvidos e

os setores da empresa são atendidos por

as decisões de financiamento

aplicações que fazem uso de uma base de

estendem-se por longo tempo;

dados unificada sob uma infra-estrutura sólida

orçamento de TI está sempre sujeito

de TI de alta disponibilidade. A organização tem

a cortes e paralisações; a TI é tratada

políticas formais para segurança da informa-

como recurso operacional e não

ção, padronização de ferramentas de TI e pla-

como ativo estratégico.

nos estratégicos para TI. A Unidade de

Empresas que tomam decisões

Tecnologia da Informação passa a existir envolvendo TI como se fossem investimentos virtualmente, mas suas ações são distribuídas

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

procuram utilizar a tecnologia para implementar

54


A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

processos que vinculem as atividades de TI aos objetivos e metas estratégicas da empresa. A alta administração e o CIO (Diretor de Informações) se relacionam de modo que o setor de TI esteja integrado à missão e visão estratégicas da empresa, e assim possa auxiliar no estabelecimento de estratégias da administração. Entretanto, nem todos os gastos com TI devem ser tratados como investimentos. Existem gastos contínuos de manutenção da infra-estrutura e reposição de itens de consumo.

TI COMO UM FATOR ESTRATÉGICO Mesmo com os recursos tecnológicos atualmente disponíveis, capazes de elevar consideravelmente os níveis de eficiência e confiabilidade dos processos, fornecer a informação certa, na hora certa, às pessoas certas não tem sido uma tarefa fácil. Segundo Peter Drucker (apud, GATES 1999), “A tecnologia da informação tem sido até agora uma produtora de dados, em vez de informação, e muito menos uma produtora de novas e

Para BIO (1985), grande parte das

diferentes questões e estratégias. Os altos empresas não utiliza o planejamento de executivos não têm usado a nova tecnologia informática. Apesar de ser possível atender à porque ela não tem oferecido as informações necessidade, pode levar a conseqüências como:

que eles precisam para suas próprias tarefas.” Os desafios enfrentados pela TI nos

Mudanças constantes de priori-

anos 80 e 90 foram parcialmente superados. A

dades. Projetos são iniciados e convergência das tecnologias de computadores descontinuados, substituídos, diante e telecomunicações tornou possível a

das emergências ou do ponto de vis-

concepção de Sistemas de Informação funda-

ta isolado de um gerente;

mentados em metodologias de gestão capazes

Sub ou superdimensionamento dos

de mudar o cenário descrito por Drucker. No

recursos de informática, provocando

final do século XX, a disseminação de Sistemas

custosas conversões ou ociosidade

ERP (Enterprise Ressource Pla-ning), CIM

do equipamento;

(Computer Manufacturig Management, MES

Dimensionamento inadequado dos

(Manufacturing Execution Systems), SDCD

recursos humanos na área de

(Sistemas Digitais de Controle Distribuído), DM

sistemas;

(Document Management ), Workflow etc., é uma

Implantações mal sucedidas tra-

realidade de fato. Conceitos de teóricos da

zendo mais problemas, em vez de

gestão tais como: Edwards Deming, Tom Pe-

chegar às soluções pretendidas

ters, Michael Hammer, Peter Senge, Michel

originalmente;

Porter, Masaaki Imai, Kaouuru Ishikawa, Eliyahu

Desgaste e desmotivação dos profissionais da área, levando a um exagerado “turnover” da equipe;

Impossibilidade de avaliar benefícios e controlar o desenvolvimento dos sistemas.

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

Goldratt, Jim Collins, Gary Hamel e Prahalad bombardearam de idéias, as cabeças de empresários e executivos ávidos por sucesso diante de questões cada vez mais complexas. Como conseqüência da necessidade de ser competitiva e enfrentar os desafios impostos por um mercado globalizado, as mudanças nas 55


A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

estruturas organizacionais passaram a ser constantes, à luz dos pensamentos dos gurus

As estratégias informacionais tornam a informação mais significativa.

e seus discípulos.

Para GRAEML (2000) é difícil estimar

Neste contexto, os desafios atuais da TI qual o aumento de participação de mercado que são guiados por três fatores: enormes volumes

novos investimentos de TI podem trazer. Mas é

de informações da “Era das Redes”, transfor- possível prever se um sistema vai melhorar a mações contínuas do local de trabalho e capacidade da empresa perceber, de forma necessidades de codificação do conhecimento. mais ágil, o que seus clientes querem, aumentar O primeiro fator é intrínseco a TI, sob um ponto a confiabilidade dos produtos e reduzir custos, de vista de suporte às necessidades de infra- por exemplo. Sendo assim, a empresa estrutura básica das organizações. Já os

melhorará sua posição no mercado ou, pelo

demais fatores definem a dinâmica que a TI menos, neutralizará o avanço da concorrência. deve incorporar para absorver necessidades de O autor afirma que empresas que transformam flexibilidade de processos e integrar apren-

a tecnologia em diferencial competitivo sus-

dizagem, conhecimento e competências em

tentável tornam-se bem sucedidas, enquanto

ambientes colaborativo sem fronteiras

outras que não tiverem o mesmo zelo ou

geográficas.

competência na escolha dos investimentos

Assim, muitas empresas têm repensado

mais adequados, alinhados às estratégias e

a TI como um valioso recurso estratégico no cultura da empresa fracassarão. No entanto, a auxílio ao melhor aproveitamento de seus competência gerencial continua a ser a chave recursos e na conquista de vantagens

para o sucesso dos investimentos em TI. A

competitivas, e não somente como um centro tecnologia pode atuar apenas como catalisadora de custo. STAIR (1998) afirma que “empresas dos bons ou maus esforços de gestão. que permanecem competitivas são aquelas que reconhecem o valor das informações e METODOLOGIA PARA ELABORAÇÃO estruturam suas atividades e sistemas de informação de forma a maximizar esses

DE UM PLANO ESTRATÉGICO DE TI

Uma vez identificado o atual estágio dos

recursos”. Segundo DAVENPORT (2000), as empresas têm alguns bons motivos para pensar estrategicamente sobre a informação. Estes motivos são:

processos de informação de uma organização, a elaboração de um planejamento para mudança de estágio deve ser pensada de forma cuidadosa. Contudo, independente do porte, ou da área de atuação, um plano estratégico de

Os ambientes informacionais nas empresas são desastrosos; Os recursos informacionais sempre podem ser mais bem alocados; As estratégias da informação ajudam as empresas a se adaptar às mudanças;

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

TI deve ser capaz de responder às seguintes perguntas: •

O que existe hoje em minha organização?

Quem usa o que e com que finalidade?

Atende às nossas necessidades? 56


A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

Qual a visão da organização para o fu- sidades de informação, para que posteturo?

riormente sejam avaliadas as eventuais

Tendo em mente estas perguntas, um

deficiências na geração e processamento das

planejamento estratégico pode ser estruturado mesmas. da forma a seguir, caracterizado por contribuir

Identificar e avaliar os Sistemas de

para um maior grau de efetividade nas fases de Informação – O atual sistema de TI implantado execução. Segundo REZENDE (2001), os

na organização deve ser avaliado com relação

seguintes estágios de planejamento poderiam

às possíveis necessidades de melhorias de

ser utilizados:

hardware, software, infra-estrutura de rede,

Organização do projeto – Etapa fun-

processos de negócios e capacitação de

damental, refere-se à definição das atividades

recursos humanos. Devem ser identificadas

chaves a serem executadas, seus objetivos e adaptações ou mesmo reformulações dos metas, as equipes de trabalho, bem como os sistemas de TI atualmente implantados bem prazos para conclusão de cada atividade. A como a avaliação de potenciais sistemas participação de profissionais com um bom disponíveis no mercado. conhecimento da organização, e dos conceitos

Planejar e propor Sistemas de

de Tecnologia da Informação, é de grande auxílio Informação – Com base nas deficiências para se obter a estruturação mais eficaz. Capacitação da equipe de trabalho –

identificadas na fase anterior, são propostas alternativas detalhadas para melhoria dos

Nesta etapa do processo é feita a familiarização sistemas de informação já em uso, incluindo o das equipes envolvidas no planejamento e planejamento para implantação de novos execução das atividades do projeto com as

sistemas com desenvolvimento próprio ou a

ferramentas que serão utilizadas na sua aquisição de software de terceiros. Também execução. Como planejamento futuro, esta devem ser propostas formas de otimização dos ação deveria se tornar um processo contínuo processos de negócios, definição de exigências em toda a organização, não sendo apenas uma de alta disponibilidade e a integração das atividade associada a um ou outro projeto diversas bases de dados disponíveis (DATAWAREHOUSE). específico. Identificar objetivos e as informações

Planejar infra-estrutura paralela –

organizacionais – Este é um processo muito

Com base nos resultados obtidos na etapa an-

delicado e vital, pois visa a identificação clara e terior, nesta etapa deve ser definido o objetiva das principais atividades desenvolvidas planejamento necessário para revisão, pela organização. É fundamental a modelagem

manutenção e/ou implantação de elementos

dos processos de negócios, identificando redundantes, assim como estruturas de backsubprocessos, responsabilidades, up, necessárias para dar suporte às exigências regras, como os setores interagem e colaboram entre si para a execução de atividades, e todas

de alta disponibilidade, identificadas. Planejar recursos humanos – Como

as informações envolvidas no processo. Neste um dos resultados do trabalho executado na momento deve-se identificar as reais necesT&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

etapa anterior, serão definidos processos de 56


A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

ajuste dentro dos quadros da organização, tan-

Elaborar planos de ação – Uma vez

to para suprir deficiências como para definir o definidas prioridades e orçamentos, a equipe de melhor aproveitamento das potencialidades de execução deverá elaborar os respectivos planos seus colaboradores. Organizar a Unidade de Tecnologia

de ação operacionais. Gerir, documentar e aprovar o

da Informação – Como forma de garantir a projeto – Implementação de fato dos planos de continuidade da gestão da Tecnologia da ação operacionais. Informação, a organização deve pensar no estabelecimento de uma unidade exclusivamente dedicada a Tecnologia da Informação, abrigando profissionais com o perfil adequado e com claras atribuições e responsabilidades.

CONCLUSÃO Da pré-informática ao conhecimento estratégico, a integração da Tecnologia da Informação ao processo organizacional é um fator crítico para a execução das estratégias de

Estabelecer prioridades – Nesta etapa

uma organização. O gerenciamento das infor-

é definida a ordem em que serão implantados

mações proporciona um melhor cenário para a

os sistemas, programas, normas, políticas, concepção de idéias inovadoras e suporte à entre outros, definidos durante as diversas fases tomada de decisões, facilitando a seleção, de planejamento. Esta é uma atividade que deve distribuição, operação, manutenção e evolução ser revista periodicamente, tanto para controle dos bens da organização de forma coerente com dos prazos como para avaliação ou redefinição suas metas e seus objetivos. de prioridades. Em muitos casos, as organizações Analisar impactos – Antes da efetiva possuem dentro de si o material humano e implantação das atividades planejadas, um

tecnológico necessário para ajustar-se ao novo

processo de análise crítica dos efeitos

cenário da “Era do Conhecimento”, faltando decorrentes da execução destas ações deverá apenas o estabelecimento de uma política sólida ser realizado. Isto ajudará a determinar a para a gestão da TI. viabilidade de execução dos projetos, definição de prioridades e estabelecimento de estratégias que orientarão a definição de ajustes necessários.

Para que a TI seja um elemento diferencial competitivo para a organização, a mesma deve ser encarada como um investimento, e não como um “centro de custo”.

Elaborar plano econômico-financeiro – Todos os planejamentos que necessitem de

REFERÊNCIAS BOAR, Bernard H., Tecnologia da informação: avaliação de disponibilidade de recursos para a A arte do planejamento estratégico, Berkey sua viabilização. Este processo ajudará a definir Brasil, 2002. investimentos financeiros devem sofrer

a ordem de execução das atividades. Como

REZENDE, Denis A, Tecnologia da informação aplicada a sistemas de informação empresariais, para a definição de um orçamento anual para Atlas, 2001. objetivo futuro, este processo deverá evoluir investimentos na área de TI.

FOINA, Paulo R., Tecnologia de informação: Planejamento e Gestão, Atlas, 2001. T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

58


A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

DAVENPORT, Thomas H. Ecologia da sor do Departamento de Eletricidade da informação: por que só a tecnologia não basta Universidade Federal do Amazonas (UFAM). para o sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 1998. GATES, Bill. A empresa na velocidade do pensamento: com um sistema nervoso digital. São Paulo: Companhia das letras, 1999. GRAEML, Alexandre. R. Sistemas de informação: o alinhamento da estratégia de TI com a estratégia corporativa. São Paulo: Atlas, 2000. 136 p. ISBN 85-224-2467-5. STAIR, Ralph. M. Princípios de sistemas de informação: uma abordagem gerencial. 2.ed., Rio de Janeiro: LTC - Livros Técnicos e Científicos, 1998. 452 p. ISBN 85-216-1132-3. BIO, Sérgio R. Sistemas de informação - um enfoque gerencial. São Paulo: Atlas, 1985. 184 p. ISBN 85-224-0009-1.

1

Gilbert Breves Martins é Analista de

Sistemas – Mestre em Ciência da Computação (UFMG) – Núcleo de Tecnologia da Informação (FUCAPI) e Coordenador dos cursos de Análise de Sistemas e Ciência da Computação do CESF – Instituto de Ensino Superior Fucapi 2

Rhandsaissem Tavares Leal é Engenheiro

Eletricista – Mestrando em Telecomunicações (UFRJ/ UFAM) – Núcleo de Tecnologia da Informação (FUCAPI) e Professor no curso de Engenharia de comunicações do CESF 3

Fabíola Nazaré Borges é Bacharel em

Economia – Especialista em desenvolvimento de sistemas (UFAM) – Núcleo de Tecnologia da Informação (FUCAPI) 4

Valdir Sampaio da Silva é Engenheiro

Eletricista – Mestre em Sistemas de controle (UFRJ) – Coordenador de Projetos - Núcleo de Tecnologia da Informação (FUCAPI) e ProfesT&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região

O PAPEL DA FUCAPI NA DISSEMINAÇÃO DO SISTEMA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL NA REGIÃO Francisca Dantas Lima1 Sônia Iracy Lima Tapajós 2

INTRODUÇÃO A proposta deste trabalho é tornar pública a experiência da FUCAPI – Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica na disseminação da cultura da propriedade intelectual na região, ampliando seu papel na promoção e disponibilização de novas tecnologias para a sociedade, levando em consideração a importância das criações intelectuais para o desenvolvimento econômico regional e nacional. Como um centro de pesquisa e ensino, a FUCAPI possui uma importância singular para a região, com seu corpo docente altamente qualificado na produção da inovação tecnológica. Dentre o seu patrimônio o de maior valor é a capacidade intelectual do corpo docente e técnico, cujo potencial é o insumo na geração do conhecimento. A Propriedade Intelectual é definida como criação decorrente do exercício da mente humana, que pode ser expressa em forma de produtos, processos e idéias materializadas e que pode ser objeto de propriedade. Por volta de 1986, foi criado na FUCAPI um setor responsável pelas atividades ligadas à informação tecnológica, incluídas aí as marcas e as patentes. A Seção Centro de Informação – SECIN, como foi denominada, tinha por objetivo o fornecimento de informações de cunho tecnológico, tanto ao público interno (diretores, T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região

gerentes e técnicos) quanto ao público externo tomadas pelo Governo Federal a fim de proteger (empresas e instituições locais). Em 1988, fo- os direitos da propriedade intelectual no Brasil. ram iniciados os primeiros contatos com o Para tanto, em 1970, foi criado o Instituto Instituto Nacional da Propriedade Industrial – Nacional da Propriedade Industrial – INPI e no INPI, órgão responsável pela propriedade indus- ano seguinte, o Código da Propriedade Industrial no Brasil, mas, somente no ano seguinte a trial – CPI, antiga lei que regulava os direitos da FUCAPI efetivamente depositou seus primeiros três pedidos de patente, dos quais, um já possui a carta-patente.

Propriedade Industrial. Com a globalização e atendendo a pressões internacionais, o Governo brasileiro editou a Lei nº 9.279/97 (Lei da Propriedade

AÇÕES LEGAIS PARAA PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL/ INDUSTRIAL NO BRASIL A questão relativa a propriedade intele-

Industrial), ainda em vigor, que regula os direitos e obrigações relativos à Propriedade Industrial, visando a concessão de patentes de invenção e modelo de utilidade; de registro de desenho industrial e de marca; de repressão às falsas

ctual e mais especificamente a propriedade

indicações geográficas; e de repressão a coniindustrial não é nova no Brasil, pois, já em 28 corrência desleal. Como principais novidades, de fevereiro de 1809, o Príncipe Regente, a nova lei inclui a proteção para as substâncias, através de um Alvará, concedeu a todos os

matérias ou produtos obtidos por meios ou

“introdutores de alguma nova máquina e processos químicos e as substâncias, matérias, invenção nas artes, um privilégio temporário, misturas ou produtos alimentícios, químicodesde que apresentasse o plano de seu invento farmacêuticos e medicamentos de qualquer à real Junta do Comércio”. Com este ato foi espécie, bem como os respectivos processos dado o primeiro passo em nosso país rumo à de obtenção ou modificação. (SOARES, 1997). proteção dos privilégios de invenção, ainda que de forma primária e sem indicar requisitos necessários à proteção desejada. Com a medida, o Brasil se tornou o

A PROPRIEDADE INTELECTUAL E SUA IMPORTÂNCIA NO MUNDO

quinto país no mundo a possuir alguma GLOBALIZADO regulamentação específica para proteção dos

Segundo palavras do empresário e

direitos advindos da criação intelectual, ficando senador Fernando Bezerra, o novo cenário atrás somente de Veneza, com sua Lei de 1474; internacional tornou a competitividade elemento Inglaterra, com o Estatuto dos Monopólios, de inquestionável de sobrevivência das empresas. 1623; a Lei Americana que data de 1790 e a A mudança de comportamento mundial vem Francesa, de 1791. As duas primeiras leis específicas do

exigindo a adoção de ações que auxiliem no acompanhamento da evolução acelerada por

Brasil sobre o assunto somente foram estabe- que vêm passando os países. Nesse contexto, lecidas pelo então Imperador D. Pedro I, em

a Propriedade Industrial representa o instru-

1830 e 1882, respectivamente.

mento estratégico competitivo, atuando de forma

Daí em diante, outras ações foram T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

decisiva junto à comunidade industrial e 61


O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região

científica.

com o Instituto Nacional da Propriedade Indus-

Analisando tal afirmação, entendemos

trial – INPI a fim de dar entrada em alguns

que a propriedade industrial constitui-se em uma pedidos de registro de patentes de sua das estratégias básicas para impulsionar o cres- propriedade. cimento e o desenvolvimento das empresas. O empresário brasileiro, principalmente

No ano seguinte, técnicos da FUCAPI fizeram uma visita à sede do INPI, no Rio de

o micro e pequeno, possui pouco ou quase Janeiro, onde foram mantidos contatos visando nenhum conhecimento sobre propriedade in- o acesso ao Programa de Fornecimento dustrial, motivo pelo qual se perdem inúmeras

Automático de Cópias de Documentos de

oportunidades de negócios. Quem possui esse Patente – PROFINT, desenvolvido pelo INPI. conhecimento fica mais atento no monito- Através da assinatura desse convênio, o Centro ramento do mercado, observando os produtos

de Informação da FUCAPI passou a receber

inovadores e que podem melhorar sua cópias das folhas de rosto das patentes nas competitividade. Por esta ótica, a propriedade áreas de eletrônica e eletricidade, culminando industrial pode tornar-se um meio capaz de

com a criação de um Mini-Banco de Patentes,

atribuir títulos de propriedade sobre marcas e que foi disponibilizado também para consulta patentes, impedindo que os concorrentes os da comunidade empresarial. utilizem de maneira indevida. Quando esses

O objetivo da FUCAPI em montar o mini-

processos são bem planejados e administrados, banco era despertar o interesse do empresageram valor e negócios adicionais para a riado local para a importância significativa da empresa.

consulta de documentos de patentes para o

A proteção legal adquirida pela empresa acesso ao conhecimento tecnológico, já que constitui-se, antes de mais nada, em um bem

menos de 30% dessas informações são

econômico, em forma de títulos, que podem ser divulgadas por outros meios. negociados, licenciados, vendidos ou cedidos

Em 1989, foram depositados, na sede

como ativos da empresa e ainda melhora a do INPI, no Rio de Janeiro, três processos com qualidade dos produtos e serviços, contribuindo pedidos de patente de titularidade da FUCAPI, para a modernização do parque tecnológico referente a projetos desenvolvidos por técnicos brasileiro. do então Departamento Técnico – DETEC, hoje denominado Departamento de Desenvolvimento

A CONTRIBUIÇÃO DA FUCAPI NA DISSEMINAÇÃO DA CULTURA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL NA REGIÃO Por volta de 1988, quando o tema Propri-

Tecnológico. Aproveitando a experiência adquirida e objetivando despertar na comunidade técnicocientífica local a importância já então visível da proteção das criações intelectuais para o

edade Intelectual ainda era pouco difundido en- crescimento econômico e tecnológico, no final tre a comunidade técnico-científica e de 1991 a FUCAPI deu início à prestação de empresarial local, a FUCAPI, através de seu serviços nessa área, também ao público Centro de Informação, fez os primeiros contatos T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

externo. Inicialmente, a assessoria limitava-se 62


O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região

somente ao preenchimento de formulários e

para assessoria em propriedade

protocolo do pedido junto à representação do

intelectual;

INPI no Estado. Nessa época, o maior volume

de serviço era representado pelos pedidos de registro de marca, que até então eram acompanhados pelos próprios clientes, já que a FUCAPI ainda não oferecia o serviço de

Realização de busca on line em banco de dados de patentes;

Assessoria na busca de anterioridade de marcas e pedido de registro de marca

acompanhamento desses processos. Logo

no exterior.

depois vieram os primeiros processos de

O quadro a seguir, mostra o número de

pedidos de patente de terceiros.

processos de registro de marcas e patentes

Atualmente, a FUCAPI oferece vários

depositados pela FUCAPI, para terceiros, no

serviços na área de propriedade intelectual,

período de 8 anos, onde pode ser observado

incluindo registro de direitos autorais, tais como, um aumento significativo no número de músicas, artes plásticas, fotografias, literatura, depósitos de pedidos. poesias e, principalmente, softwares, além do registro e acompanhamento de processos de marcas, patentes, desenhos industriais, transferências de tecnologia e indicação geográfica. Possui uma equipe de profissionais com ampla experiência na área, capacitada através de treinamentos realizados pelo INPI, FIOCRUZ, Rede de Tecnologia do Rio de Janeiro etc. Em parceria com outras entidades, a FUCAPI, ao longo dos anos, promoveu diversos eventos e cursos, no intuito de disseminar a

Quadro 1 – Pedido de Registro de Marcas e Patentes depositados pela FUCAPI, para terceiros. Fonte: Relatórios de Atividades da FUCAPI.

cultura da propriedade industrial, mostrando as vantagens da proteção e facilitando as parcerias

CONCLUSÕES

tecnológicas. A evolução dessa atividade pode ser

A análise dos quase doze anos de

destacada através das ações desenvolvidas e atuação da FUCAPI na prestação de serviços na área de Informação Tecnológica e das parcerias firmadas: •

Acordo de Convênio de Cooperação

Propriedade Intelectual, aponta para a constante

Técnica firmado com o INPI, assinado preocupação com o seu compromisso de contribuir com o desenvolvimento da Região, em 23/05/2001; •

Consolidação do Núcleo de Propri- principalmente no que se refere à ciência e edadeIntelectual da FUCAPI, através de tecnologia. financiamento

do

CNPq/FVA;

O crescimento do número de pedidos de

Parceria com o Instituto Genius de registro de marcas e patentes observado nos Tecnologia, entidade ligada à Gradiente, últimos anos no Estado nos fornece indicadores

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região

de que, gradativamente, a utilização do sistema SILVA, M. A. P. Propriedade intelectual e de propriedade industrial pela comunidade lo- patentes. Via Legis, Manaus, n.30, p. 13-14, cal passa a ser um diferencial competitivo no set. 2002 mundo dos negócios, refletindo na qualidade de produtos e serviços oriundos do parque industrial

amazonense,

tendo

a

FUCAPI

desempenhado papel fundamental nesse processo

de

inovação

tecnológica,

considerando-se ter sido a entidade pioneira no Estado a prestar assessoria em Propriedade Intelectual, quando o assunto era pouco conhecido até mesmo entre a comunidade científica local.

1

Francisca Dantas Lima é Assessora da

FUCAPI, Bibliotecária, Agente de Propriedade Industrial e Mestranda em Gestão e Auditoria Ambiental 2

Sônia Iracy Lima Tapajós é Analista de Nível

Superior, Bibliotecária, Especialista em Informação Tecnológica e Inteligência Competitiva

Ao longo dos anos, a FUCAPI buscou promover a disseminação de informações sobre propriedade intelectual também através da realização de palestras, cursos, seminários, inclusive sendo a única a oferecer uma disciplina específica sobre Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia, em seu curso de graduação de Administração em Gestão da Inovação.

______________________________________ REFERÊNCIAS MACEDO, M. F. G; BARBOSA, A. L. F. Patentes, pesquisa & desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000. 164p. SOARES, J. C. T. Lei de patentes, marcas e direitos conexos : lei 9.279 – 14.05.1996. São Paulo: Editora dos Tribunais, 1997. 391p. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Propriedade intelectual e transferência de tecnologia: guia de referência. Rio de Janeiro: UERJ, 2000. 33p. INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Marcas & patentes. Rio de Janeiro, 1999. 20p.

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A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

A GESTÃO DO CONHECIMENTO NO UNIVERSO DOS INTANGÍVEIS Cinthia da Cunha Mendes*

INTRODUÇÃO A relevância do conhecimento como ativo que agrega valor às atividades organizacionais ressalta o papel da gestão que, conforme Teixeira Filho (2000), vem da necessidade de aperfeiçoamento contínuo dos processos de negócio. As organizações atravessam um momento de renovação no que se refere aos efeitos da globalização e da crescente competitividade. Neste novo cenário, a organização só estará estrategicamente ajustada às mudanças caso seu enfoque esteja centrado na cadeia de valor da qual participa, isto é, na compreensão de que os resultados só poderão ser alcançados diante de uma visão sistêmica do ambiente de negócio. Segundo Gallucci (1997): “(...) é preciso mudar porque o ambiente geral está sempre mudando (...) não permitindo que qualquer tipo de organização – ou indivíduo - se considere estabilizado, realizado, completo e pare de se desenvolver, de se antecipar às exigências de um mercado crescente e competitivo” (p.79). Para Somerville e Mroz (1997), enfrentar as mudanças requer, sobretudo, o uso do conhecimento acumulado e a disseminação de experiências entre as pessoas, aplicadas às atividades rotineiras. Assim, as organizações, como tendência, devem considerar o ser humano integralmente, no estabelecimento de suas estratégias. Contudo, é preciso abandonar velhos termômetros e definir novas formas de avaliar um novo recurso produtivo, o conheT&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

cimento. Nesse contexto, o papel da gestão do sabilidade e na orientação aos resultados, com conhecimento será contribuir para que o elevada concentração no negócio da empresa conhecimento individual agregue valor ao e eliminação de atividades que não agreguem conhecimento organizacional.

valor.

A gestão do conhecimento atuará na

As organizações tornar-se-ão verdadei-

identificação dos elementos que, sob condições

ros ambientes de aprendizagem permanente. A

de concorrência, elevam a percepção dos

capacidade de uso do ativo conhecimento,

agentes econômicos quanto à sua importância incorporado aos negócios, será o elemento como inovação organizacional e fonte de diferenciador no ambiente corporativo. Desse vantagem competitiva. Assim, segundo Mendes

modo, o caráter inovativo da Gestão do

(2002, p.13), na era do conhecimento, as

Conhecimento (GC), para Davenport e Prusak

experiências individuais, as habilidades para (1998), não está em reconhecer o aprendizagem individual e em grupo, o talento conhecimento como algo novo, mas em tratápessoal e o uso de inúmeros recursos tecno- lo como um ativo corporativo, o que requer o lógicos, indispensáveis ao processo de tomada desenvolvimento de mecanismos de gestão e de decisão, convergem para uma nova e revolu- avaliação. À luz do trabalho de Sveiby (1998), cionária definição dos ativos organizacionais. O

Rodriguez (2001, p.132-133) relaciona alguns

desafio é identificar esses ativos intangíveis, exemplos de ativos invisíveis, cujo fluxo, pela que agregam valor à atividade produtiva, mas organização, é essencialmente não-financeiro: que não são facilmente reconhecidos na competência dos empregados; capacidade de estrutura organizacional. inovar; imagem da organização empresa junto à sociedade; visão estratégica; rede de rela-

A “NOVA ECONOMIA” DO CONHECIMENTO A curva crescente de criação do conhe-

cionamentos etc. Nesse sentido, Sveiby (1998) menciona que a GC é uma arte capaz de agregar valor

cimento, na nova economia, demonstra que uma aos ativos da organização. Nonaka e Takeuchi verdadeira revolução inicia-se no ambiente (1997) consideram a GC como um processo organizacional. Nas organizações competitivas, interativo de criação do conhecimento organizao conhecimento será gerado em um fluxo cional e sua disseminação por toda a estrutura contínuo e dinâmico. O ciclo de vida cada vez

corporativa, incorporando-o a produtos e

mais curto do conhecimento deve-se, sobretudo, serviços. Enquanto Silveira (2000, p.37) afirma ao crescente avanço da tecnologia da infor- que “as novas organizações de aprendizagem mação e comunicações (TI&C). Modificam-se estão focando suas estratégias à identificação, também, as estruturas, principalmente as captura e alavancagem de seus ativos de internas, em direção a uma nova arquitetura. A conhecimento”. A inexistência, portanto, de uma definição estrutura baseada em funções e cargos transforma-se em organização por projetos ou consensual em relação ao tema Gestão do processos. Estas ações evidenciam uma Conhecimento, identifica a necessidade de se gestão mais participativa, centrada na respon- inferir alguns elementos que possam caracteT&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

rizar a GC neste estudo. Assim, depreende-se o valor dos ativos intangíveis nas organizações como elementos inerentes à gestão do competitivas. E ainda, a GC enfrenta a dificulconhecimento, as estratégias que vão trans- dade de como dispor do conhecimento formar o conhecimento em ação, inserindo-o relevante ao negócio, durante a tomada de em processos, produtos e/ou serviços, com vis- decisão. Assim, qual o perfil do profissional tas a elevar o desempenho organizacional, assegurando a competitividade do negócio.

intelectual nesse novo ambiente? O profissional intelectual será aquele que

Em síntese, na sociedade baseada no

associar seu conhecimento tácito (experiência

conhecimento, o diferencial competitivo das

individual, percepções, sensações) ao fluxo de

organizações refere-se ao tratamento dispen- conhecimento necessário à realização de suas sado aos valores intangíveis e aos trabalhadores

atividades. É comum utilizar a expressão

intelectuais alinhados ao negócio.

‘trabalhadores do conhecimento’ às pessoas, normalmente, altamente qualificadas e com

A ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO E O PROFISSIONAL INTELECTUAL – AMBIENTE DE APRENDIZAGEM A organização não gera conhecimento

elevado grau de escolaridade que dispõem de suas competências para converter informações em conhecimento e, dessa forma, alavancar o desempenho da organização. Nem todo o conhecimento relevante à

por si só, mas através das pessoas e da GC poderá ser explicitado. Entretanto, todo o interação entre elas. Na nova economia, um

esforço de aprendizagem e de compar-

importante meio para a criação e disseminação tilhamento deverá ser estimulado pela do conhecimento diz respeito ao mapeamento organização. Na visão de Krogh et al (2001), das competências, ou seja, guia dos estoques

uma estrutura com excesso de controle inibe,

de conhecimentos existentes na organização por vezes, o contínuo fluxo de conhecimento e que sejam relevantes ao negócio. Segundo

inovações. Nas organizações onde o negócio é

Davenport e Prusak (1998), os mapas do o conhecimento, as expertises funcionais conhecimento apontam para pessoas, devem ser combinadas aos processos e documentos e banco de dados que forma a sistemas objetivando o reforço à criação de organização. Trata-se, portanto, de identificar perfis

conhecimento organizacional. Este acervo, também denominado de memória organiza-

profissionais e, ao mesmo tempo, permite não cional, será o suporte da interação entre os só registrar os elementos responsáveis pelos elementos humano e tecnológico, no fluxos de conhecimento, quanto focar desenvolvimento de um projeto de gestão do necessidades de desenvolvimento pessoal. Os conhecimento que privilegie os ativos mapas, independente da forma que se apre- intangíveis. sentem, buscam relacionar perfis disponíveis

Desse modo, as habilidades gerenciais

e/ou oportunidades para a geração de somadas às competências individuais, em conhecimento novo. Em particular, cumpre

ambientes que estimulem a inovação, devem

assinalar que a gestão do conhecimento aborda ser envolvidas em programas de aprendizagem T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

67


A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

permanente nas organizações. O conheci-

aprendizes permanentes. Portanto, de acordo

mento, que pode ser disseminado através da com Terra (2000), na nova economia, o objetivo interação entre as pessoas e equipes, é a base em comum das mudanças é demonstrar o do processo de aprendizagem organizacional. impacto dos ativos de conhecimento, enquanto Complementando, pode-se dizer que existe uma recursos competitivos, na adoção de novas lacuna quanto à alocação do conhecimento aos

práticas gerenciais.

propósitos da organização. Dentre as abordagens conceituais sob o tema aprendizagem organizacional destaca-se a capa-cidade das organizações em aprender mais rápido que a concorrência (DE GEUS, 1998). Assim, o

GESTÃO DOS ATIVOS DE CONHECIMENTO A gestão de ativos intangíveis, também

aprendizado organizacional reside em uma denominados ativos de conhecimento, traduzcontínua autotransformação no plano individual se no esforço das organizações em identificar e coletivo. Para Ruas (2001, p.253), alguns

e avaliar esse novo elemento que, em grande quantidade, circula pela organização. Ao longo

exemplos de práticas organizacionais que dos anos 90, muitos foram os estudos desenpermitem a ocorrência de processos de volvidos no intuito de gerenciar e avaliar a aprendizagem: planejamento estratégico; dimensão intangível das organizações que metodologia de solução de problemas; agrega valor ao negócio. Entre as metodologias benchmarking; implantação de estratégias de disponíveis, em relação ao tema gestão do gestão e desenvolvimento de novos produtos. conhecimento, destacam-se os trabalhos de Como resultado, a partir dessas orientações, o Karl Erik Sveiby (1998) e Leif Edvinsson e Michaefetivo processo de aprendizagem requer el Malone (1998) em apresentar um novo condições de apropriação e internalização de formato para o gerenciamento dos ativos conhecimentos e habilidades, ampliando o invisíveis das empresas. Contudo, apesar de repertório de respostas e modos de agir,

não existir consenso, as metodologias abor-

associados às práticas de gestão (RUAS, dadas estão orientadas para a avaliação dos 2001). Nesse sentido, os atores do processo, relacionamentos externo e interno, estruturas e quer na condição de mestres ou aprendizes, para as pessoas. têm papel fundamental em vincular comportamentos à ação.

A contribuição de Sveiby (1998) reside na introdução do conceito de conhecimento

Sveiby (1998) afirma que as pessoas

organizacional como um ativo intangível e na

são o único agente de mudanças e todos os

defesa de uma ‘nova contabilidade’ voltada ao

demais ativos são resultado da ação humana. registro dos ativos invisíveis da empresa. Esses Assim, conforme Mendes (2002, p.121) “o ativos, também chamados de ativos de subjetivo e o informal adquirem um novo status

conhecimento, são complexos e de difícil

na organização”. A constatação de que a avaliação. Para Sveiby (1998), a ausência de sobrevivência, sob condições de concorrência, um padrão formal e genericamente aceito remete ao conhecimento acumulado e dificulta a gestão e a mensuração dos ativos compartilhado, transforma as organizações em de conhecimento. Portanto, faz-se mister T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

identificá-los e classificá-los, pois geram valor conceber uma organização sem pessoas”. para a organização. A proposta de Sveiby (1998), denominada

Ademais, uma organização do conhecimento tem na competência de seus profissionais o seu

‘monitor de ativos intangíveis’, é uma represen- ativo mais valioso. tação gráfica simplificada, e ao mesmo tempo,

O estabelecimento de indicadores, para

abrangente, de uma série de indicadores

a mensuração dos ativos de conhecimento de relevantes que podem ser utilizados pela uma organização, foram utilizados por Sveiby organização de acordo com suas conveniên- (1998) para a definição do valor de mercado de cias. O monitor foi concebido com base em três

uma empresa, constituído pela soma do seu

áreas âncoras: crescimento e renovação; patrimônio visível e seus ativos intangíveis, eficiência e estabilidade. As pessoas são únicas como apresentado na Figura 1: e, juntamente com as estruturas interna e externa à organização, ilustram a classificação de ativos intangíveis apresentadas por Sveiby (1998), classificadas em: Estrutura Externa: contempla os relacionamentos dos membros da organização com seus clientes e fornecedores, como marcas registradas e a imagem da organização no mercado. Estrutura Interna: juntamente com as

Figura 1 – Valor de mercado de uma empresa Fonte: Sveiby (1998, p.188).

A proposta de Edvinsson e Malone (1998) surge da busca de uma nova posição contábil frente aos desafios da nova economia. Trata-

pessoas, constitui-se na organização propria- se na utilização de uma ferramenta de suporte mente dita. Além de conceitos, patentes, à tomada de decisão, que permite captar o vamodelos, sistemas administrativos e compu-

lor existente na empresa, denominada ‘nave-

tacionais e a cultura organizacional. Sveiby

gador de capital intelectual’. O navegador vem

(1998) concebe a estrutura interna como ressaltar o uso do intangível, aplicado ao responsável pelo fluxo de conhecimento trabalho, para gerar valor agregado e evidenciar existente na organização, ou seja, o suporte um novo método de avaliação do desempenho para as ações dos indivíduos. Por sua vez, é a organizacional, por meio de indicadores nãocombinação harmoniosa dos elementos desses

financeiros. Nesse sentido, evidenciam que a

dois grupos que constitui a tarefa da gerência avaliação de ativos intangíveis requer além do retrato presente, o estabelecimento de projeorganizacional. Competência pessoal: consiste, basica-

ções e a observação do passado que, por sua

mente, na capacidade de agir das pessoas em

vez, permitem determinar qual o caminho a ser

situações diferentes, para criar tanto ativos

percorrido e quais as lições aprendidas.

tangíveis quanto intangíveis. Acerca das

O navegador é composto por cinco

discussões sobre a propriedade dessa áreas foco, para as quais foram identificados competência e sua inclusão no balanço patri- indicadores variados de avaliação do desemmonial, Sveiby (1998, p.11) diz que “é impossível penho organizacional. T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

1. Foco financeiro – é composto pelos

complementa no suporte à tomada de decisão.

indicadores tradicionais que dizem respeito

Assim, no universo dos intangíveis, o

às medidas tangíveis de valor: despesas, desafio não reside somente em identificar os receitas, investimentos, resultados opera- fluxos de conhecimento que oscilam e cionais etc.

influenciam na competitividade do negócio, mas

2. Foco na renovação e desenvolvimento – na formação de um histórico dos indicadores representam o alicerce do instrumento de adotados para monitoramento dos ativos de navegação. Evidencia as ações que estão conhecimento. Trata-se, portanto, de tornar sendo tomadas no presente, para captar evidente, ao mercado, o potencial do capital oportunidades de negócio no futuro. intelectual existente na organização, divulgando Histórico de relacionamento com clientes; seus diferenciais competitivos baseados em parcerias estratégicas; corpo funcional etc. competências e conhecimento coletivo. 3. Foco no cliente – indicadores que demonstram o fluxo de relacionamento com clientes

A EXPERIÊNCIA DA FUCAPI NO

potenciais, indexados por categorias; tem-

UNIVERSO DOS INTANGÍVEIS

po de duração do relacionamento; atividades

O compromisso social da FUCAPI em

de suporte; sucesso do cliente etc. Objetiva promover o desenvolvimento regional, baseado fornecer indicadores de atração e em uma atuação pioneira, exige uma forte manutenção do portfólio de clientes.

preocupação com a qualidade e o desempenho

4. Foco no processo – refere-se à infra- eventos, a realização de visitas técnicas e ao estrutura tecnológica, sistemas e processos suporte da tecnologia da informação às como meio de suporte à geração de atividades de gestão. Preocupa-se também, riquezas na organização. Meta corporativa; com o resgate do que foi produzido pela FUCAPI custos de equipamentos de TI; capacidade (memória institucional) ao longo dos seus mais de vinte anos de atividades. de TI/empregado etc. 5. Foco humano – traduz-se no ativo mais

Dentre as suas primeiras ações, a

dinâmico, presente na composição dos

comissão elaborou um plano anual de ativi-

demais indicadores. É também o mais difícil dades que incluía, entre outras, a capacitação de ser avaliado, considerando-se a sua dos técnicos que compõem a Comissão, a subjetividade. Motivação para o trabalho; realização de benchmarking e visitas técnicas regime de trabalho; formação técnico- como forma de aprendizagem vivencial e, ainda, acadêmica; horas de capacitação etc. o levantamento dos programas, políticas e Em síntese, o navegador contribui como sistemas existentes na FUCAPI, que constituem um importante instrumento de divulgação e instrumentos de gerenciamento do melhor visualização do capital intelectual conhecimento (GC). Para surpresa do grupo, existente na empresa, por meio de uma nova muitos foram os programas e ferramentas já proposta de avaliação dos intangíveis. O implementados que, por sua vez, serviriam de navegador não substitui o modelo contábil base às atividades de GC na FUCAPI. As ações da comissão relacionavam-se tradicional de avaliação financeira, apenas o T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

também à promoção de eventos como forma estratégias orientadas para os ativos de de disseminar conceitos de gestão do conhe- conhecimento envolvem aspectos peculiares da cimento e inteligência competitiva (IC), o cultura organizacional. Assim, em ambientes de compartilhamento de experiências, técnicas, mudanças, as estratégias preservam a equiliferramentas e ações inovadoras, bem como ao brada combinação entre os conhecimentos uso da informação estratégica para a tomada tácitos individuais e a rede de relacionamentos de decisão. Nesse sentido, realizou os seguin- que conferem vantagem competitiva à organites eventos internos: ‘Seminário de GC e IC: zação. Panorama e Aplicações’ e a ‘1ª Jornada de GC’. Dentre as suas iniciativas destaca-se a criação de um fórum virtual (lista de discussão),

CONSIDERAÇÕES FINAIS A contribuição deste trabalho está na

elemento relevante à consolidação de um pólo tentativa de explicitar o intangível. Trazê-lo à tona local da Sociedade Brasileira de Gestão do para que seja discutido e repensado. O valor Conhecimento/SBGC. O fórum, em funciona- agregado de sua contribuição à competitividade mento desde março/2002, possui 33 membros organizacional vai muito além das destacadas (dez./2002) entre profissionais liberais, ‘cifras’ constantes dos balanços tradicionais. pesquisadores e acadêmicos e está disponível Está implícito na eficácia das ações rotineiras. no endereço <http://www.nossogrupo.com.br/ Embora seja relevante contribuição da TI & C grupo.asp?grupo=12779>. em organizar, armazenar e disseminar, A FUCAPI desperta, então, para a conectando

pessoas

e

tornando

o

percepção de que, segundo Sveiby “se avali- conhecimento disponível, é desafiador lidar com armos o novo com as ferramentas do antigo, variadas não teremos como perceber o novo” (1998, p.186). Nesse contexto, a avaliação da

interações

humanas,

ainda

indisponíveis em meios físicos. A dinâmica do fluxo de conhecimento

eficiência operacional não reside em criar tácito, proveniente das interações entre as indicadores com base em ativos intangíveis, pessoas que compõem a organização, é o mas em interpretar os resultados obtidos a partir objeto de estudo da gestão do conhecimento dos fluxos de conhecimento que circulam na no universo dos intangíveis. O ambiente a ser organização, influenciando seu valor de explorado configura-se em uma oportunidade mercado. A gestão de serviços prospera em

de aprendizado. Segundo Silveira, “as novas

meio à criação de conhecimento, por isso a organizações de aprendizagem estão focando necessidade de focar os ativos de conhecimento suas estratégias à identificação, captura e em sua gestão estratégica. Uma estratégia orientada para o

alavancagem de seus ativos de conhecimento” (2000, p.37). Principalmente, porque o

conhecimento está voltada à geração de conhecimento é um assunto de destacada receitas a partir da alavancagem dos ativos

importância e representa a maior inovação a ser

intangíveis, ou seja, focalizam a potencialidade introduzida na gestão organizacional contemdos profissionais em aumentar as receitas. De porânea. No entanto, verifica-se a necessidade difícil assimilação pela concorrência, as

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

de criar estruturas que possibilitem gerenciar o

71


A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

conhecimento, tornando disponível o capital

6. KROGH, George von; ICHIJO, Kazuo;

intelectual da organização. A lição do kaizen, ou

NONAKA, Ikujiro. Facilitando a criação de

seja, a melhoria contínua, deve ser prática

conhecimento: reinventando a empresa

sistemática na nova organização, bem como o

com o poder da inovação contínua. Rio de

aprendizado para dar novas aplicações aos

Janeiro, Campus, 2001.

ativos da empresa.

7. MENDES, Cinthia da Cunha. Proposta de

Contudo, as sementes das mudanças

Configuração de Indicadores para

desenvolvem-se dentro das empresas e,

Avaliação dos Ativos de Conhecimento

apesar do descompasso, uma nova organi-

em uma Instituição de Ensino Superior:

zação parece estar nascendo. Uma das lições

um estudo de caso do Instituto de Ensino

mais básicas do ato de conhecer o aprendizado

Superior FUCAPI/CESF. Florianópolis, 2002.

contínuo vem representar uma longa jornada,

156p. Dissertação (Mestrado em Adminis-

rumo ao universo intangível, em uma incessante

tração) - Programa de Pós-Graduação em

corrida para o ponto de partida.

Administração, Universidade Federal de Santa Catarina.

REFERÊNCIAS 1. DAVENPORT, Thomas H.; PRUSAK, Laurence. Conhecimento empresarial: como as organizações gerenciam o seu capital intelectual: métodos e aplicações

8. NONAKA, Ikujiro; TAKEUCHI, Hirotaka. Criação de conhecimento na empresa: como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação. 4 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

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1998.

Maria Tereza Leme; OLIVEIRA Jr., Moacir de

4. FUNDAÇÃO CENTRO DE ANÁLISE,

Miranda (org.). Gestão estratégica do

PESQUISA E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA/

conhecimento: integrando aprendizagem,

FUCAPI. InFUCAPI: informativo da FUCAPI.

conhecimento e competências. São Paulo:

Manaus, ano II, n.16, dez.2001. Edição es-

Atlas, 2001.

pecial.

11. SILVEIRA, Marco Antônio. As mudanças

5. GALLUCCI, Laura. Um novo modelo de

organizacionais recentes e a necessidade

ensino de administração em pós-graduação,

de T.I. para sua implementação. Revista do

adequado às novas condições de mercado.

Instituto Municipal de Ensino Superior

Revista da ESPM, v.4, n.1, p.79-89, maio/

de São Caetano do Sul, ano XVII, n. 48, p.31-39, jan./abr. 2000.

1997. T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

72


A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

12. SOMERVILLE, Iain; MROZ, John Edwin. Novas Competências para um novo mundo. In. HESSELBEIN, F. GOLDSMITH, M. BECKHARD, R. A organização do futuro: como preparar hoje as empresas de amanhã. São Paulo: Futura, 1997. p. 84-98. 13. SVEIBY, Karl Erik. A nova riqueza das organizações: gerenciando e avaliando patrimônios de conhecimento. 2.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998. 14. TEIXEIRA Filho, Jayme. Gerenciando conhecimento: como a empresa pode usar a memória organizacional e a inteligência competitiva no desenvolvimento de negócios. Rio de Janeiro: Ed. SENAC, 2000. 15. TERRA, José Cláudio Cyrineu. Gestão do conhecimento: o grande desafio empresarial: uma abordagem baseada no aprendizado e na criatividade. São Paulo: Negócio Editora, 2000. * Cinthia da Cunha Mendes é Coordenadora de Pós-Graduação do Instituto de Ensino Superior FUCAPI/CESF, Economista, Contadora, Professora da Pós-Graduação CESF e Mestre em Administração pela UFSC. Pesquisadora do tema Gestão do Conhecimento no ambiente acadêmico e ativos intangíveis, membro fundador da Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento/SBGC e da Comissão de Gestão do Conhecimento da FUCAPI.

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia

ENERGIAS ALTERNATIVAS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A AMAZÔNIA Rubem Cesar Rodrigues Souza*

INTRODUÇÃO É inconteste a existência de recursos energéticos na região Amazônia em magnitude capaz de atender as necessidades internas e ainda de outras regiões, como já se verifica no caso da hidrelétrica de Tucuruí no Estado do Pará. No entanto, contraditoriamente, as menores taxas de eletrificação rural do país encontram-se nos estados do Pará (15%), Acre (17%), Amapá (21%) e Roraima (23%), enquanto o índice nacional é de 70,7%. Além do mais, os centros atualmente atendidos apresentam baixa confiabilidade no suprimento. É, portanto, nesse contexto, de contraste entre potencialidade existente e demanda não ou mal atendida, que procurar-se-á evidenciar as oportunidades e desafios no contexto das energias alternativas. É oportuno antes de tudo que se esclareça à distinção entre energia alternativa, objeto deste trabalho, e energia renovável, denominações muitas vezes usadas equivocadamente. A energia alternativa é toda e qualquer nova opção energética que se apresenta como uma possibilidade de uso não guardando nenhuma relação com a questão da renovação, podendo-se citar o caso do gás natural na região, que se apresenta como uma nova opção energética não sendo, no entanto, uma fonte renovável. Por outro lado, energia renovável é aquela na qual verifica-se uma taxa de reposição compatível com a taxa de consumo, o que não se aplica, portanto, aos combustíveis fósseis. T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia

O MERCADO DE ELETRICIDADE NA AMAZÔNIA A discussão quanto ao atendimento das demandas energéticas das populações amazônicas impõe uma leitura mais adequada dos mercados a serem atendidos sob pena da reprodução de ações e políticas inapropriadas. Portanto, apresentamos a seguir uma breve leitura dos mercados de eletricidade na Amazônia. O mercado de energia elétrica na RA pode ser subdividido em três tipos com características bem distintas. O primeiro deles é o mercado de energia das capitais dos

dispersos não recebem os estímulos adequados para evoluírem e se consolidarem, servindo unicamente como instrumento de ações políticas que privilegia somente interesses pessoais, fato esse também comum nos mercados urbanos do interior. Cada um desses três mercados deve receber tratamento diferenciado para que seu desenvolvimento aconteça de maneira satisfatória, ou seja, garantindo a quantidade e a qualidade necessária da energia, com preços compatíveis com a realidade econômica dentro das condições sócio-ambientais adequadas para as próximas gerações.

estados, atendidos em sua maioria por parques hidrotérmicos (hidroelétricas e termelétricas), de Mercado elétrico das capitais e o propriedade das concessionárias federais, que mercado concentrado denominaremos de Mercado das Capitais. O Os mercados das capitais e os concensegundo mercado é representado pelas áreas trados já possuem um agente responsável pelo urbanas dos municípios do interior dos estados suprimento de eletricidade e a população, e pequenas localidades, atendidos por unidades mesmo precariamente, já é atendida. Portanto, termelétricas a óleo Diesel, de médio porte com o desafio consiste em garantir a melhoria da redes locais, de responsabilidade da concesqualidade e expansão dos serviços de energia, sionária estadual ou por empresas terceirizadas, a preços compatíveis com a situação que daqui por diante será denominado de econômica da população, procurando privilegiar Mercado Elétrico Concentrado. E o terceiro as potencialidades energéticas locais e, ainda, mercado aqui denominado Mercado Elétrico minimizar os impactos ambientais e sociais. Disperso, os quais estão por se desenvolverem, representados por parte da população que não tem acesso à eletricidade ou possuem pequenos geradores a Diesel de propriedade

Mercado elétrico disperso O desafio apresentado para os

das prefeituras municipais, gerando eletricidade mercados dispersos é maior que o apresentado para alguns usos específicos. Os dois primeiros mercados caracte-

aos mercados concentrados. Inúmeros são os aspectos desses mercados que o diferenciam

rizam-se pela baixa qualidade no suprimento, dos demais, e que tornam nada trivial o desafio elevado índice de déficit, altos custos de do planejamento e suprimento elétrico destes. geração, elevado índice de desperdício e pela É possível identificar nesses mercados utilização, em grande parte, de insumos situações bastante distintas e que exigem ações energéticos não renováveis. Já os mercados T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

diferenciadas. De modo a enxergar melhor a 75


Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia

problemática, pode-se subdividir esse mercado desenvolvimento econômico de maneira tão em cinco grupos que apresentam caracte-

enfática como para as populações do Grupo II.

rísticas determinantes para o estabelecimento

Para as populações do Grupo IV existe

de estratégias que visem o desenvolvimento legislação específica que estabelece regras para sócio-econômico, quais sejam: Grupo I: Populações tradicionais, tais como, seringueiros, pescadores etc.

atividades econômicas e de características da infra-estrutura necessária para o desenvolvimento destas. Cabe salientar, por exemplo,

Grupo II: Populações tradicionais, tais

que existe legislação que proíbe a cobrança por

como, seringueiros, ribeirinhos, extrativistas

serviços de eletrificação para essas populações.

etc., que habitam áreas de Reserva Extrativista,

No Grupo V tem-se àquelas populações

Reserva de Fauna e Reserva de Desenvo-

que desenvolvem atividade de subsistência não

lvimento Sustentável, incluídas nas unidades de tradicional, as quais não são contempladas por uso sustentável. Grupo III: Populações alocadas em área de reforma agrária. Grupo IV: Populações de reservas indígenas.

instrumentos regulatórios de natureza ambiental específicos, e também não se enquadram em políticas de incentivos para o desenvolvimento sócio-econômico. Esses grupos, apesar das diferenças

Grupo V: Populações que não se mencionadas, apresentam em comum a carênenquadram nos grupos anteriores. As populações inseridas nos Grupos I e

cia não só de eletricidade, mais também de educação, saúde, infra-estrutura e capacitação

II possuem em comum o desenvolvimento de para produção, transporte, etc. Sendo assim, o atividade econômica que lhes é suficiente para atendimento não deve ser focado somente nas manter a sobrevivência, necessitando de apoio demandas energéticas, de modo a possibilitar para aprimorar as técnicas adotadas nas o desenvolvimento efetivo da comunidade atividades econômicas e assim, criar condições

dentro de um modelo social, ambiental, cultural

para garantir a produção de excedentes, bem

e economicamente satisfatório.

como a infra-estrutura para suprir mercados vizinhos. Há instrumentos regulatórios ambientais, válidos somente para o Grupo II, que

DESAFIOS E OPORTUNIDADES

estabelecem regras para o modelo de ENERGÉTICAS PARA A AMAZÔNIA desenvolvimento dessas comunidades.

A seguir discorre-se sobre algumas

As populações enquadradas no Grupo

oportunidades e desafios existentes para o

III distinguem-se das demais por serem

atendimento das demandas energéticas na RA.

contempladas por instrumentos legais que estabelecem incentivos para o desenvolvimento das condições necessárias para o crescimento econômico. Esses grupos também são enquadrados em legislação ambiental, porém estes

A universalização do serviço de energia elétrica A universalização do serviço de energia

instrumentos não contemplam regras para o elétrica estabelecida através da Lei 10.438 de

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia

26 de abril de 20021 apresenta-se como uma Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística excelente oportunidade para atendimento das IBGE que não contempla o interior dos estados demandas energéticas da região, no entanto a da região Norte. No âmbito estadual, tem-se o sua materialização é tarefa nada trivial, impondo exemplo do Zoneamento Econômico-Ecológico diversos desafios. Tais desafios ficam patentes

do Estado do Amazonas, que apresenta dados

ao observarmos a baixa densidade demo- energéticos insuficientes. gráfica, a dificuldade associada aos meios de

c) Falta de tecnologias adequadas no

transporte e o baixo poder aquisitivo da mercado nacional e internacional. Olhando-se população que caracterizam a RA. Nesse o conjunto de tecnologias que fazem uso de contexto é impossível imaginar, sem a existência fontes renováveis de energia verifica-se que: de fortes subsídios, a viabilidade econômico- Sistemas fotovoltaicos: apresentam custo financeira da produção de eletricidade à base elevado para processos produtivos. Turbinas de óleo Diesel, como tradicionalmente se hidráulicas: as disponíveis não são adequadas verifica na RA e que fere a lógica atual do

as características locais (baixa queda e pequena

mercado de eletricidade no país. Vale salientar,

vazão) havendo a necessidade de inventário de

no entanto, que atualmente, embora haja um

aproveitamentos para a tecnologia disponível.

forte subsídio para geração de eletricidade a Gerador hidrocinético2: só disponível no merpartir de combustível fóssil a situação do cado internacional para velocidades acima de suprimento elétrico no interior é bastante 4,5 m/s, necessitando de identificação das precária e preocupante. Surge então, de potencialidades na região. Gasogênio: inexiste imediato, as fontes renováveis de energia como tecnologia nacional para produção de pequenas solução para o problema e com elas os desafios quantidades de eletricidade, sendo poucos os a serem superados, dentre os quais destaca- fornecedores no mercado internacional, se: havendo grande dificuldade para aquisição de a) Falta de conhecimento das potencia-

equipamentos, peças de reposição e manu-

lidades e demandas energéticas. A RA padece tenção. Motor de combustão interna para usar de um mal comum no Brasil, porém de maneira óleo vegetal: inexiste tecnologia nacional para mais acentuada, que é a falta de sistematização usar somente óleo vegetal e no contexto de dados necessários para o planejamento

internacional ou motores Esbelt (mult-

adequado de ações no curto, médio e longo icombustíveis) deixaram de ser produzidos. As prazo. No âmbito federal tem-se o Balanço experiências estão sendo feitas modificando-se Energético Nacional elaborado anualmente sob os motores de ciclo Diesel e misturando-se o a responsabilidade do Ministério de Minas e óleo vegetal ao Diesel, ou então, fazendo-se a Energia no qual não consta várias informações

transisterificação do óleo vegetal para produzir

referentes aos Estados da região Norte, muito o biodiesel, tecnologia essa que ainda conduz embora este disponha de recursos financeiros

a custos não competitivos frente ao óleo diesel.

para os estados realizarem seus Balanços. Célula a combustível: apesar do grande apelo Tem-se ainda a Pesquisa Nacional por Amostra ambiental e de comodidade associado à célula de Domicílio - PNAD de responsabilidade do a combustível, esta ainda não é uma tecnologia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia

considerada madura.

subsídios, a exemplo do que já vem ocorrendo

A barreira tecnológica pode se no estado do Amazonas com respeito aos transformar numa oportunidade ao pensarmos

incentivos destinados a Zona Franca de Manaus.

na criação de um Pólo Industrial de desenvolvimento de equipamentos que façam uso de recursos energéticos renováveis, valendo-se dos incentivos da Zona Franca de Manaus, de interesse tanto nacional, face ao PROINFA3 e a compulsoriedade da universalização do serviço de energia elétrica, quanto internacional, uma vez que em nível mundial caminha-se a passos largos para ampliação do uso de fontes renováveis de energia. Baixa disponibilidade de recursos humanos capacitados na região. Estudo recentemente realizado pela Rede Norte de Energia -

O Gás natural Embora vários aspectos associados à entrada do gás natural na matriz energética regional sejam merecedores de comentários, neste artigo nos restringiremos a somente dois aspectos: tarifas de longo prazo e preço do gás natural. - Tarifas de longo prazo: o subsídio da CCC como já mencionado, aplica-se também ao gás natural. Segundo o planejamento da expansão da Eletronorte, em 2022, Manaus

RNEN4 sob encomenda do Centro de Gestão

estará com mais de 80% de sua geração a base

de Estudos Estratégicos - CGEE5, aponta a

de gás natural, além dos municípios de

formação de recursos humanos como fundamental para região Norte fazer frente aos desafios de P, D&I de interesse do setor elétrico regional.

Itacoatiara, Iranduba e Manacapuru que estarão interligados a capital do Estado. As cidades de Rio Branco/AC e Porto Velho/RO, também estarão dependentes do gás natural. A extinção da CCC, portanto, comprometerá de maneira significativa o desenvolvimento econômico re-

Extinção do subsídio da Conta de

gional, através da elevação excessiva das

Consumo de Combustível - CCC

tarifas, caso a Lei 10.438 seja efetivamente

A CCC é um subsídio do Governo Fed-

cumprida no cenário prospectivo estabelecido

eral para as empresas que geram eletricidade pela Eletronorte. - Preço do gás natural: a discussão do a partir de combustíveis fósseis (óleo Diesel, óleo combustível, gás natural e carvão miner- preço do gás natural é de suma importância, al). A Lei 10.438 estabeleceu o término da CCC face aos reflexos na viabilidade de seus no ano de 2022. Considerando-se que a CCC múltiplos usos. Atualmente não existe uma subsidia em média 70% o custo de geração de política nacional clara de longo prazo para o eletricidade na RA, é possível verificar preço do gás natural nacional e o importado, o rapidamente, os efeitos danosos de sua que vem comprometendo a competitividade extinção, mantido o cenário energético atual e deste insumo perante outros energéticos como o prospectivo da região. Fica evidente que, ou o óleo combustível e a lenha. Atualmente o preço se inicia um profundo trabalho de modificação do gás natural nacional e o importado, segue a da matriz energética regional ou então, teremos cotação desse produto no mercado internaque continuar brigando pela manutenção dos T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

cional, sendo, portanto, influenciado pela política 78


Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia

econômica brasileira, a qual está associada

1999, na perspectiva de garantir investimentos

grandes incertezas. É importante lembrar que sólidos e permanentes na pesquisa científica e a possível redução do custo de geração de

tecnológica no Brasil. Os recursos são prove-

eletricidade nos mercados a serem atendidos

nientes de empresas públicas e/ou privadas. A

com gás natural e da possibilidade do uso deste legislação garante destinação compulsória dos para outros fins, tais como o automotivo, será recursos dos Fundos para as regiões Norte, função do preço.

Nordeste e Centro-Oeste, em percentuais que variam de 30% a 40% do recurso total anual de

Recursos hídricos O planejamento da expansão do setor elétrico nacional deixa claro que o potencial hídrico da RA deverá ser explorado para garantir o atendimento da demanda. Surge então a oportunidade para pleitear mudanças na sistemática de exploração dos recursos energéticos da RA que beneficiam outras regiões. Atualmente a maior parte da energia elétrica gerada na região é destinada para

cada fundo. Ocorre que os recursos destinados as três regiões mencionadas não estão sendo utilizados em sua totalidade em face de poucos projetos. Entende-se que uma ação articulada entre governos estaduais, instituições de ensino e pesquisa, setor produtivo e Ministério de Ciência e Tecnologia (responsável pela gestão dos fundos) possa garantir a utilização adequada desses recursos. b) Créditos de carbono

atender outras regiões, o que se dá através da

Muito embora equivocadamente alguns

hidrelétrica de Tucuruí. No entanto, os benefícios

acreditem que a comercialização de créditos

sociais que poderiam ser auferidos localmente de carbono seja uma utopia, este comércio já é decorrentes dos impostos da comercialização realidade no contexto internacional, inclusive da energia elétrica, não o são devido à com a participação de empresas brasileiras. Os legislação tributária que estabelece que o créditos de carbono estão sendo comerrecolhimento dos impostos deve ocorrer no

cializados atualmente a um valor de US$ 3 ton/

destino e não na fonte.

CO2 havendo casos, de empreendimentos que conseguiram comercializar a US$ 8 ton/CO2. Considerando-se que a geração de eletricidade

Disponibilidade de recursos financeiros

para atendimento da demanda de eletricidade

Sistematicamente reputa-se a falta de

interna é feita principalmente por fonte não

recursos financeiros para não levar adiante

renovável os créditos de carbono apresentam-

políticas de interesse da região. Assim sendo, se como uma excelente oportunidade para apresenta-se duas fontes de recurso financeiro captação de recursos adicionais. que podem apoiar ações que levem a superação das dificuldades energéticas regional, quais sejam: os fundos setoriais e os créditos de carbono.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Das reflexões apresentadas fica evidente

a) Fundos setoriais

que as oportunidades existem e que os desafios

Os Fundos Setoriais foram criados em

são inúmeros e de grande complexidade no

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

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Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia

contexto do setor energético regional. O maior desafio, no entanto, reputa-se ao comprometimento político para estabelecer e implementar uma política energética regional, estadual e municipal, de modo a aproveitar as oportunidades e viabilizar o desenvolvimento sustentável tão almejado pelas populações amazônicas. NOTA S EXPLICATIVAS 1

As metas e critérios de universalização ainda estão sendo estabelecidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL. 2 Utiliza-se somente a velocidade do curso d’água. 3 Programa de Incentivo as Fontes Alternativas de Energia criado pelo Governo Federal em 2002. 4 RNEN: Consiste em uma estrutura facilitadora do intercâmbio de instituições e pesquisadores visando o desenvolvimento do setor energético na Amazônia. A RNEN está constituída pelos estados do Amazonas, Pará, Acre, Roraima, Amapá e Rondônia; tendo mais de 64 instituições filiadas. 5 CGEE: Organização Social criada para desenvolver estudos que auxiliem a tomada de decisão quanto aos recursos dos Fundos Setoriais.

* Rubem Cesar Rodrigues Souza é ngenheiro Eletricista, Mestre em Conversão de Energia (UNIFEI), Doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos, Coordenador Geral da Rede Norte de Energia, Consultor do Ministério de Minas e Energia. ANEEL, MCT, PNUD e Professor da UFAM.

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