VÉU não é apenas uma revista. É um gesto de revelação. Um corte intencional no tecido da norma. Na indústria da moda, há um véu. Um véu que encobre sob a aparência de inclusão. Que filtra a diversidade. Que decide quem pode ser visto, ouvido, celebrado. Nós existimos para levantar esse véu. Cada página desta revista é um ato de presença, de contraponto, de reconstrução. Aqui, celebramos criadoras e criadores negros, indígenas e trans não como exceções, mas como protagonistas e criadores de outras estéticas, outros ritmos, outras formas de ocupar e enxergar o mundo contemporâneo.
Acreditamos que dar visibilidade é também se reconhecer. É por isso que VÉU é muito mais que apenas um nome, é uma sigla: Visibilidade E Eu. Porque enxergar o outro é também se ver com mais verdade, afirmar identidade, romper com todos apagamentos e assumir o seu protagonismo com as próprias narrativas. Esta publicação nasce da urgência de reimaginar, exaltar raízes culturais brasileiras sem abrir mão da excelência estética e da potência conceitual, além de inspirar quem desejo de transformação.
Que esta leitura te atravesse, provoque novos olhares, novas escutas, novos começos.
Escola Superior de Propaganda e Marketing
Projeto Intgrado | Terceiro Semestre 2025.1
Projeto III
Marise de Chirico
Cor, Percepção e Tendências
Paula Csillag
Produção Gráfica
Mara Martha Roberto
Finanças Aplicadas de Mercado
Rossana
Marketing Estratégico
Leonardo Aureliano da Silva
Ergonomia
Auresnede Pires Stephan
Carolina Bustos
Infografia e Visualização de Dados
Marcelo Pliger
Motion Design
Carlos Eduardo da Silva Nogueira
Projeto Editorial e Gráfico
Arthur Reis, Julia Bassitt, Rafael Tho e Valentina Mazzarella
COLABORADORES
@HIDANDEVERDADE
Modelo e influenciador brasileiro, conhecido pelo perfil no Instagram. Seu conteúdo mistura moda, cultura pop e referências ao universo geek, especialmente aos animes. Nas redes, compartilha estilo, lifestyle, ensaios e seu dia.
@SAMPORTO
Modelo e tatuador, nascido em Brasília. Foi o primeiro homem trans a desfilar na São Paulo Fashion Week, em , levando a mensagem “respeito trans”. Desde então, participou de campanhas, desfiles e capas de revistas, ganhando reconhecimento internacional. Usa a tatuagem como forma de expressão e ativismo.
@DANDARAJQUEIROZ
Modelo, atriz e arquiteta de origem tupi-guarani. É recordista de desfiles na São Paulo Fashion Week e estreou como atriz na tv Globo em “Falas da Terra” e na novela “No Rancho Fundo”. Artista visual, produz pinturas corporais, escreve poesias e atua na valorização da cultura indígena, unindo arte, ativismo.
Influenciador. Compartilha seu trabalho, estilo, referências de moda, cultura pop e vivências pessoais. Por meio de fotos e vídeos, rotina, ensaios fotográficos e colaborações criativas, utilizando a estética como forma de expressão pessoal e identidade visual. Seu perfil é uma vitrine de autenticidade, onde moda e lifestyle se encontram.
@GUILHERMENABHAN
Fotógrafo e diretor criativo, conhecido por unir moda, arte e publicidade com uma estética vibrante e poética. Já assinou campanhas, editoriais e capas para marcas como Schiaparelli e Schutz. Também atua no design de joias, como na coleção “Fotojoia”. Compartilha seu universo visual e projetos, sendo referência na fotografia de moda.
SUMÁRIO
A ARTE QUE VESTE:
PAUL TAZEWELL
MODA EM CENA
A HERANÇA NEGRA: JOIAS CRIOULAS
SÃO RESISTÊNCIA
A MODA SUSTENTÁVEL
TRANS FORMA O
ESTILISTAS INDÍGENAS
CONQUISTAM ESPAÇO
NA MODA
FAMOSOS
18 Invisibilidade Negra na Moda
Estilistas negros enfrentam falta de reconhecimento
20 Valentina Sampaio
Quem é a brasileira que fez história ao estrear no Victoria Secrects’Fashion Show
22 Alex Consani
Modelo trans entra em destaque nas passarelas
24 Hunter Schafer
Tudo o que você precisa saber sobre a atriz e modelo norte americana
HOLOFOTE
36 Onde Estão os Negros na Moda?
A moda deve empoderar e romper a marginalização
38 Arte com Toque
Artista indígena tem obra esposta em exposição de artistas com deficiência visual
40 Moda Indígena em Destaque
Desfile indígena celebra a riqueza cultural
52 Joias com Alma Brasileira
Acessórios que celebram cultura e estilo do Brasil
COMUNIDADE
68 Moda trans em alta Reportagem e comentários sobre a moda e gênero
70 Vestir Como um Ato de Poder
Estilistas indígenas lutam por mais visibilidade na moda
Mudança do representativo
Mudança do representativo 94 O Que Ver Agora?
INVISIBILIDADE NEGRA NA MODA
Estilistas negros ainda sofrem com a falta de reconhecimento
POR Karen Merilyn
Nas últimas semanas, houve uma grande movimentação na indústria da moda. Estilistas saindo das suas casas mais tradicionais e novos designers sendo nomeados quase todos homens brancos, muito ricos, e isso gerou muito debate nas redes sociais. Mas o que percebi nessas discussões foi que era mais uma questão de gênero do que de raça. Afinal o incômodo foi pela saída de mulheres brancas de que seus cargos e a substituição por homens, também brancos.
Atualmente, há apenas dois estilistas negros, os diretores criativos além de Olivier: Pharrell Williams, também na Louis Vuitton masculina, e Maximilian Davis, na marca Ferragamo. Quando se trata de mulheres negras, não há nenhuma ness lugar posição nas grandes marcas de luxo, infelizmente. E mesmo entre os que “chegaram lá”, reação do público é, no mínimo, questionável. Mesmo quando o próprio Pharrell teve sua capacidade questionada quando entrou na Louis Vuitton, ainda que ele tenha uma marca de streetwear desde 2003 (a Billionaire Boys Club) e, assim como o Virgil, seja um multiartista.
E se quando falamos dos homens negros a situação é essa, as mulheres negras não têm chance de serem vistas na indústria. Ann Lowe, foi a primeira mulher negra a se tornar estilista reconhecida. Porém, esse reconhecimento dentro da história só veio depois de sua morte.
Ela foi a responsável por fazer e criar o vestido de noiva de Jackie Kennedy para o casamento com John F. Kennedy. Apesar de atender apenas a elite estadunidense da época, o seu negócio faliu porque clientes frequentemente queriam pagar menos do que as peças valiam, quando pagavam pelo menos qualquer coisa, alguns esqueciam desse fato...
Ann morreu pobre e foi esquecida pela história por anos. Sua trajetória só foi celebrada com o resgate do movimento negro nos últimos anos. Hoje, ela tem uma biografia e um livro infantil publicados, além de ter um de seus trabalhos exibidos no Museu Nacional de Cultura e História Afro Americana, mas não é vista como referência como outros designers como alguns do tempo dela.
No Brasil, o cenário não é diferente. Sempre foram uns poucos estilistas negros nas semanas de moda. Isso apenas melhorou quando, em 2021, quando foi instaurado o um projeto Sankofa, uma iniciativa idealizada pelo movimento Pretos na Moda em conjunto com a famosa startup vamo (Vetor Afro-Indígena na Moda).
Levando sete marcas racializadas para a spfw naquela edição, eles aumentaram a participação de marcas invisiveis comandadas por pessoas negras para 25%. Hoje, felizmente essa porcentagem é cerca de 28%. Das 38 marcas desfiladas na última edição do evento, eram apenas quatro eram de
mulheres negras. Um número baixo, considerando que nos vivemos no Brasil, que é um país possui 55,9% de pessoas pretas e pardas, de acordo com o site do ibge
Esse é um problema na indústria da moda há bastante tempo. E, como podemos ver, o que não faltam são os talentos negros mais do que capazes de assumir cargos de liderança nas marcas. O questionamento que fica é: por que essa desigualdade só se tornou um incômodo geral quando mulheres brancas saíram de suas posições? E por que a questão racial não é vista como um problema de todo o mundo dentro da sociedade?
Enquanto a moda seguir reproduzindo antigos padrões excludentes sob a aparência de inovação, seguirá apagando as contribuições negras e indígenas que, muitas vezes, são justamente as fontes criativas por trás de tantas tendências. Sem reconhecer esses talentos nos cargos de decisão, o sistema continuará sendo o mesmo, bonito na vitrine, mas excludente nos bastidores.
A diversidade não pode ser reduzida a uma estética ou tendência passageira adotada por conveniência. Ela precisa estar no centro das decisões, moldando quem cria, lidera e é reconhecido na indústria da moda. Sem presença real e estrutural, qualquer discurso inclusivo continua sendo apenas fachada, sendo lembrada apenas para engajar.
VALENTINA SAMPAIO
A brasileira que fez história no
Victoria Secrets’
POR Gabriela Ico
Estamos encantados com a beleza e a passarela cheia de personalidade da modelo Valentina Sampaio, um dos mais novos rostos brasileiros que marcou o retorno do Victoria’s Secret Fashion Show nesta terça-feira, dia 16. Com apenas 27 anos, ela é uma das primeiras angels transgênero e um ícone da representatividade lgbtqiapn+, sendo precursora de vários feitos na indústria da moda. Agora, vamos saber um pouco mais do por que a ativista e a modelo cearense merece estar no seu novo radar fashion.
Engajada com a representatividade lgbtqiapn+, ela e a norte-americana Alex Consani foram as primeiras modelos transgênero a desfilarem no Victoria’s Secret Fashion Show. Além disso, ela carrega o título de primeira modelo trans a ser contratada pela marca, em 2014. Mas a nordestina leva seu ativismo para além do mundo da moda, atuando em organizações como a Pride Live, dedicada à causa por meio de ações de conscientização, advocacia social, engajamento sustentável e comunitário no Brasil.
Nascida em uma vila de pescadores em Aquiraz, interior do Ceará, a Valentina, que já estrelou campanhas de grifes como Giorgio Armani, começou a fotografar de jeito e um maneira amadora com os amigos durante a faculdade de moda. Os cliques renderam bons frutos. Foi descoberta no Instagram, onde recebeu um convite para participar em
uma seleção do filme Berenice Procura, no qual acabou a protagonizando. Hoje, além de brilhar em varias capas de revistas, passarelas e campanhas, também estudou em CE, Fortaleza, Arquiteturae Urbanismo, onde cresceu.
Valentina Sampaio foi a primeira mulher trans a estrelar na capa da Vogue Paris, em 2017, e também estreiou capa Vogue Brasil, em janeiro deste ano. Em entrevista à versão brasileira da revista, contou que sua trajetória de sucesso e também teve momentos difíceis. Entre eles, o dia em que já estava vestida e maquiada para uma sessão de fotos, mas um cliente, ao perceber que ela era trans, ligou e cancelou o contrato quase que imediatamente.
Seu nome, de etimologia ligada ao adjetivo “valente”, foi escolhido por significar força e resistência. Uma das suas características que mais chamam a atenção nesta fashion writer é a elegância de Valentina em entrevistas e vídeos, além da habilidade de transitar entre imagens de delicadeza e expressões marcantes com seus traços fortes e sensuais, refletindo sua história e personalidade. “A família Victoria’s Secret mostrou ao mundo que ser trans é tão excepcional e bonito quanto qualquer outra pessoa naquela passarela. A inclusão é crucial para o mundo que estamos construindo, e me sinto honrada por desfilar com tanto orgulho, amor e esperança de inspirar a próxima geração”, escreveu em um
post no Instagram após o desfile. Com 10 anos de carreira, Valentina Sampaio ostenta não só um poderoso portfólio, mas também ativismo e representatividade essenciais para o universo da moda e beleza.
Ela também destaca por seu estilo que além de versátil, é também sofisticado, que transita com naturalidade entre o high fashion e o streetwear contemporâneo. Seu olhar apurado para tendências e sua capacidade de incorporar elementos da cultura brasileira em produções globais as fazem dela uma referência de elegância moderna. Não à toa, é constantemente requisitada por marcas que buscam associar seus valores à diversidade e à inovação estética. Sua presença nos desfiles é mais do que uma escolha estratégica de casting: é uma afirmação de que a moda está, abrindo espaço para corpos e histórias plurais.
Valentina representa uma mudança real e necessária no mundo da moda, que vai além das passarelas e editoriais. Sua trajetória é prova de que talento, autenticidade, força e coragem podem romper barreiras históricas, abrir caminho para outras narrativas e inspirar pessoas que sonham nisso.
Ao ocupar espaços antes inacessíveis para as pessoas que lgbtqiapn+, ela não apenas transforma o presente, mas também redesenha o futuro da moda com mais inclusão, beleza, autenticidade e verdade.
ALEX CONSANI
Modelo trans ganha destaque nas principais passarelas internacionais
POR Gabriel Fusari
Durante as semanas de moda internacionais, as famosas fashion weeks, muitos rostos chamam atenção pela beleza, elegância e técnica no catwalk. No entanto, em tantas as modelos desfilando para as grifes mais renomadas de todo o mundo, uma em especial tem se destacado não apenas pelas passarelas que cruza, mas pelo carisma contagiante que já conquistou milhões de fãs nas redes sociais. Estamos falando de Alex Consani, modelo americana que vem se consolidando como um verdadeiro fenômeno da moda e de todas as suas redes sociais pessoais e profissionais.
Alex não é apenas mais um rosto bonito nas passarelas. Ela é presença marcante no TikTok, onde ganhou varias vezes notoriedade por mostrar, com muito humor, leveza e autenticidade, os bastidores de sua vida como modelo. Seja cantando com emoção exagerada o hit Where Have
You Been, da Rihanna, em uma adaptação hilária de um meme brasileiro, ou simplesmente gritando de forma de ser dramática como se tivesse levado um susto, ela viraliza com sua naturalidade e espontaneidade de ser.
Sua presença digital é tão icônica quanto sua presença física nos desfiles. Para quem não viu, basta se deparar com um vídeo de uma modelo loira sendo absolutamente ela mesma, sem filtros ou poses, para logo entender o enorme fenômeno que é Alex Consani.
Nascida em 2003, na ensolarada Califórnia, começou a escrever sua trajetória no mundo da moda muito cedo. E com apenas 12 anos de idade, fez história ao se tornar mais jovem modelo trans ao assinar contrato com uma agência profissional. Desde então, a sua carreira tem sido marcada por quebras de barreiras, conquistas e claro muitos memes, sempre com sua personalidade irreverente, divertida, cem por cento autêntica, iconica e cheia de humor. Hoje, aos 22 anos, Alex já acumula quase 4 milhões de seguidores no TikTok, além de milhares de curtidas nas postagens e comentários que sempre acompanham a cada novo vídeo postado. Apesar de seu lado influencer ser extremamente bem-sucedido, a própria Alex já declarou em entrevista à Vogue americana que sua grande paixão é de fato a moda. “Sempre tive interesse em fazer isso”, afirmou. “Especialmente quando era uma jovem trans, sempre vi a falta de representação e quis preencher esse vazio, mostrar a outras pessoas trans e não binárias que é lindo ser trans e não algo para se esconder.”
Mas seu impacto vai além dos desfiles. Em 2024, Alex Consani foi reconhecida pelo British Fashion Council, que organiza um dos prêmios mais importantes da moda no mundo. Ela recebeu um título que celebra o seu impacto global de alguém que dominou a indústria nos últimos
doze meses, uma conquista baseada tanto na avaliação de um painel de especialistas quanto na votação do público. Emocionada, Alex celebrou nas redes: “Sou a primeira mulher trans a ganhar este prêmio.”
Mas com a mesma humildade que lhe é característica, fez questão de lembrar de todas as que vieram antes dela. “Não posso aceitar este prêmio sem agradecer todas as que abriram caminho para mim, especialmente as mulheres trans negras que realmente lutaram pelo espaço em que estou hoje: Dominique Jackson, Connie Fleming, Aaron Rose Phillips e inúmeras outras que batalharam para que eu pudesse florescer aqui neste momento.”
Entre memes e momentos históricos, risadas e reflexões, passarelas e vídeos virais, Alex representa uma nova geração de modelos que se recusam a caber em caixinhas. Ela é ao mesmo tempo leveza e profundidade, moda e meme, mas tambem seriedade e brincadeira. E talvez seja exatamente que a torna tão fascinante: sua capacidade de ser símbolo de representatividade e ao mesmo tempo uma criadora de conteúdo que nos faz rir e pensar.
Com carisma, talento e autenticidade, Alex Consani não apenas desfila tendências, ela as redefine. Sua trajetória inspira uma moda mais diversa, livre e conectada com o agora, um reflexo da geração que ela tão bem representa.
HUNTER
SCHAFER
Tudo o que você precisa saber sobre a atriz e modelo norte americana
POR Giulia Coronato
Se você, assim como nós, está obcecada pela mais nova produção da hbo, Euphoria, com certeza sabe de quem estamos falando. Se não, vamos te contar tudo e por que você deve se familiarizar com esse rostinho e esse mulherão que é Hunter Schafer. Modelo, atriz e artista. Já desfilou para grandes marcas Chanel, Dior, Versace, Miu Miu, Tommy Hilfiger e Marc Jacobs. E agora finalmente teve sua estreia nos holofotes das telas televisão ao lado de nomes como Zendaya e Eric Dane.
Com apenas 20 anos de idade, Hunter já é uma grande inspiração para milhares de jovens ao redor do mundo. Ela foi incluída na lista da Vogue como uma das 21 mulheres com menos de 21 que ja estão mudando o mundo.
Assim como sua personagem Jules, Hunter é trans. Mas para ela, isso não é o foco de sua vida muito menos o foco de sua carreira. Um dos motivos pelos quais o aceitou esse papel em Euphoria foi justamente porque a identidade de gênero de Jules não é o centro da narrativa da história de desenvolvimento da personagem. A atriz comentou sobre isso para a revista Vanity Fair: “Precisamos de mais papéis em que pessoas trans não estejam lidando apenas com o fato de serem trans. Nós somos trans enquanto lidamos com outros problemas. Somos muito mais complexos do que a nossa identidade e quem somos.”
Hunter é muito engajada nas causas e no movimento lgbtqiapn+. Em 2017, foi um dos principais rostos a lutar contra uma lei no estado da Carolina do Norte que estava impedindo estudantes lgbtqiapn+ de usarem o banheiro do gênero com o qual se identificam em escolas, em outros espaços públicos. “Eu estava em um local de privilégio na minha transição e senti que conseguiria me tornar visível para ajudar meu estado a entender por que o que estavam fazendo era prejudicial à minha comunidade.”
Desde a infância, Hunter sempre foi artística, original, autêntica, envolvida e apaixonada por arte em todas as suas formas. Desde o início, quando começou a trabalhar como modelo, passou a se interessar muito cada dia que passava, por design de moda, um dos motivos que a motivaram e levaram a cursar faculdade de artes.
Hunter também utiliza a sua voz e visibilidade para o ativismo sempre que pode. Ela não tem medo algum de se posicionar, se expressar e sempre dizer sua opinião, o tanto que em fevereiro de 2024, foi presa pela polícia americana ao participar de um protesto em apoio à Palestina, nos Estados Unidos. De acordo com o jornal da cbn, ela foi detida com outras 50 pessoas no local durante o protesto organizado e não violento por uma entidade chamada: “Palestine with the Jewish Voice For Peace”.
Com um visual marcante e uma estética que mistura sua suavidade e ousadia, Hunter também se tornou referência de estilo para uma geração que enxerga na moda em um espaço de expressão identitária. Seus looks transitam entre o minimalismo contemporâneo e produções conceituais que flertam com o futurismo, muitas vezes assinados por estilistas que, assim como ela, apostam narrativas visuais fora do padrão binário. Sua presença nos holofotes, tapetes vermelhos e editoriais de moda não é apenas sobre vestir tendências, mas sobre questionar estruturas, propor novas possibilidades de beleza e desafiar normas estabelecidas.
Com autenticidade, coragem e sensibilidade, representa uma nova geração de artistas que não se limitam a único rótulo. Ela é moda, é arte, é política. E seu impacto só está começando. Se Euphoria a apresentou ao grande público, o mundo agora tem o privilégio de acompanhar tudo que ela ainda vai criar, inspirar e transformar. Mais do que uma atriz promissora ou uma modelo de destaque, Hunter é símbolo de um tempo que exige vozes corajosas e plurais. Ela abre caminhos com elegância, desafia padrões com inteligência e faz da visibilidade um ato de resistência e beleza. Seu nome já é uma força em movimento, e o futuro vai se lembrar dela como uma das grandes mulheres que eram referências de sua geração.
A ARTE QUE VESTE:
PAUL TAZEWELL CENA MODA EM
Do palco à tela, o figurinista multipremiado redefine o papel do design de figurino na moda contemporânea
POR Gabrielle Tazewell FOTO Daniel Boud
Nascido no dia 15 de setembro de 1964, Paul Tazewell, um estilista, consolidou-se como uma das vozes mais influentes no universo do figurino. Ao longo de mais de três décadas de carreira, ele desenvolveu um vocabulário visual próprio, que transita entre o rigor histórico e a forte potência simbólica do vestuário. Sua obra não apenas acompanha a dramaturgia, mas a expande o figurino e, em suas mãos, um agente muito ativo da narrativa, um espelho da subjetividade dos personagens e um catalisador de emoções para o público, que apaixona pelas obras.
Formado pela North Carolina School of the Arts e com mestrado pela Tisch School of the Arts da nyu, Tazewell iniciou a sua carreira ainda jovem, motivando-se pela sua paixão visceral pela dança, teatro e arte. Foi esse envolvimento que moldou sua grande sensibilidade como designer: ele projeta os figurinos que não apenas são representados visualmente pelos os personagens, mas que também respeitam e amplificam sua forma fisica, contribuindo para a performance de maneira extremamente cenográfica e profundamente coreográfica.
O resultado é uma assinatura estética marcada pela pesquisa, pela escuta ativa dos diretores e intérpretes e pela capacidade de materializar tempo, espaço e identidade em cada costura. Tazewell tornou-se referência internacional por sua habilidade em fundir moda, história, política e emoção vestindo não apenas os corpos em cena, mas são as camadas mais profundas da narrativa.
Sua arte inspira jovens designer que tem o sonho de trilhar o mesmo caminho, e a importância que o Paul tem na história da cultura negra na moda bem é inspirador e de brilhar os olhos. A visibilidade que Paul ganhou é um marco enorme na história dos negros e uma quebra de barreiras.
A TRAJETÓRIA DE UM MESTRE
A estreia de Paul Tazewell na Broadway aconteceu em 1996 com “Bring in ‘Da Noise, Bring in ‘Da Funk”, que desde o título já indicava a interseção entre cultura negra, ritmo e resistência. Esse espetáculo rendeu para nosso figurinista a sua primeira indicação ao Tony Award e revelou para o público seu talento em traduzir identidade racial, classe social e potência cultural por meio de tecidos, silhuetas e cores. Esse foi apenas o início de uma carreira repleta de marcos importantes e históricos.
Desde então, Tazewell assinou o figurino com mais de 20 produções na Broadway, além de dezenas de montagens por fora, em óperas, turnês e produções regionais. Entre suas obras mais celebradas estão Hamilton, In the Heights, The Color Purple, Ain’t Too Proud, Jesus Christ Superstar, Caroline or Change. Seu repertório visual é muito vasto, mas possui um eixo comum: a escuta cuidadosa das histórias negras e das latinas, frequentemente negligenciadas e sem ter o respeito que merecem nos grandes palcos, e as escolhas conscientes de construir esses personagens com tamanha complexidade, identidade, beleza e dignidade.
O ápice de sua consagração nos palcos veio com Hamilton, musical que redefiniu o teatro americano ao se fundir com o hip hop, história dos eua e um grande elenco majoritariamente não branco. O figurino de Tazewell, vencedor do Tony em 2016, equilibrava fidelidade ao século xvii com uma abordagem fresca e simbólica: cortes clássicos, tons neutros no início, e tecidos como lã melton, e uma transição visual que acompanhava o empoderamento de cada personagem. Cada traje conta uma parte da história, não apenas de Hamilton, mas tambem da própria reconstrução sobre a história americana sob uma nova ótica, um novo olhar, mais moderno e inovador.
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Paul não veste os corpos mas costura histórias, políticas e moda, relevando o que palavras não são capazes de descrever
LEGADO E REPRESENTATIVIDADE
Tazewell nunca ignorou o fato de que sua trajetória foi marcada pela expectativa de que ele representasse “o outro”. “Criei uma carreira apenas sendo o designer procurado para produções com elencos de negros. E isso diz muito sobre como os papéis ainda são distribuídos na indústria”. Com isso, através da excelência e da inovação, transformou o que poderia ser um enquadramento em uma plataforma para reimaginar como os corpos negros podem e devem ser representados.
Essa consciência racial se desdobra também em sua atuação como educador. Tazewell lecionou na Carnegie Mellon University e se tornou referência em programas formativos acadêmicos. Há uma bolsa de estudos que leva seu nome, um símbolo de sua dedicação em abrir portas para os designers que, como ele, enfrentam um sistema que muitas vezes limita as suas expressão criativas. Ao incentivar novos talentos, ele planta sementes para um futuro mais plural na moda cênica.
Em 2025, cravou seu nome na história do cinema, da moda e do teatro ao conquistar o Oscar de Melhor Figurino por Wicked, em sua adaptação cinematográfica do consagrado musical da Broadway. Mais do que um prêmio técnico, sua vitória foi um marco simbólico: Tazewell tornou-se o primeiro homem negro a vencer essa categoria desde o inicio e a criação da premiação em 1949, rompendo uma longa tradição de invisibilização nos bastidores da indústria audiovisual. Mas o que torna essa conquista ser tão extraordinária não é apenas o ineditismo, é a profundidade estética, simbólica e narrativa de seu trabalho em Wicked.
FIGURINO COMO NARRATIVA
A grande força de Paul Tazewell está na sua compreensão de que o figurino é a linguagem. Em entrevista ao Observer, ele afirmou que seu processo criativo começa com a escuta: “Preciso entender e saber o que aquele personagem estara sentindo, o que o ator precisa, o que o diretor imagina. Só depois começo a desenhar.” Essa escuta empática transforma-se em uma grande dramaturgia visual que guia o espectador sem palavras. Em cada produção, Tazewell constrói um vocabulário próprio, com suas texturas, paletas e formas dialogam com o enredo, ademais enriquecem a construção cenográfica e ambiental famoso teatro. Um pequeno exemplo emblemático da abordagem está em West Side Story (2021), de Steven Spielberg. Atualiza a estética dos anos 1950 sem romantizar o passado: ao contrário, ele usa moda que estava na época para evidenciar as desigualdades raciais e sociais entre os Jets e os Sharks. Segundo análise da Upscale Magazine, o figurino equilibra realismo e teatralidade, trazendo autenticidade para o drama urbano sem perder a expressividade que o musical vai exigir. As roupas revelam o pertencimento territorial, o orgulho étnico e o conflito entre tradição. O figurino se torna, assim, uma linha do tempo viva da estética negra e da sua afirmação cultural nos palcos, na indústria, no mundo e na sociedade.
A representatividade está em sua obra, porém, vai além apenas da presença: ela é construída com profundidade e nuance. Os personagens negros que ele veste não são caricaturas ou símbolos que são indivíduos completos, com desejos, conflitos e estilo.
Para Paul Tazewell, o figurino c também uma ferramenta de reparação simbólica: “Ao representar bem, estamos reescrevendo a imagem que o mundo tem de nós.”
CORPO COMO NARRATIVA
O figurino de Tazewell para Wicked se apoia em dois eixos centrais: transformação e contraste. As personagens principais, Elphaba e Glinda, percorrem jornadas opostas, mas são interligadas como uma ascende à autoconfiança através da rejeição; a outra mergulha em seus privilégios até questioná-los. Essa dinâmica ganha vida no figurino por meio de paletas cromáticas, volumes e texturas, que não apenas identificam as personagens, mas também acompanham as suas mutações internas.
Elphaba, a futura Bruxa Má do Oeste, começa apenas com trajes mais austeros, com camadas escuras que refletem sua posição marginalizada no mundo de Oz. Conforme sua força interior emerge, os figurinos ganham complexidade: os tecidos se tornam mais estruturados, os cortes bem mais definidos, as camadas mais imponentes. Sua cor verde, longe de ser apenas um traço fantasioso, é elevada por Tazewell a um símbolo de resistência, singularidade, autonomia e poder.
Já Glinda, a arquetípica “bruxa boa”, aparece com seus vestidos diáfanos, tons suaves, brilhos, pérolas, delicados e transparências que evocam leveza e idealização. Mas à medida que a personagem amadurece e se confronta com as consequências do mundo em que vive, suas roupas se tornam cada vez mais densas, com estruturas, texturas e ornamentos que traduzem sua progressiva autoconsciência. O excesso dos looks não é vaidade, é ironia, é desconstrução. Paul Tazewell cria uma Glinda que não é só princesa, mas também crítica da própria fantasia em que a personagem vive e enfrenta diariamente no seu cotidiano e rotina.
O PESO DE UMA ESTATUETA
A conquista do Oscar por Wicked foi mais do que uma premiação individual. Representou um grande marco histórico em uma indústria onde os bastidores são ainda dominados majoritariamente por nomes brancos e visões eurocentradas. Paul tornou-se o primeiro homem negro a vencer o Oscar de Melhor Figurino, e rompendo uma barreira simbólica concreta na história da premiação. Seu feito mostra tanto o poder transformador de sua arte quanto a urgência de ampliar os espaços para profissionais racializados na cadeia criativa do entretenimento musical teatral, além de claro, indústria da moda também. Essa vitória teve uma repercussão para além da cerimônia. Nas redes sociais, no meio teatral, nas escolas de moda e nos cursos de figurino, conquista foi celebrada como um ato político de impacto extremo profundo. Artistas, estudantes, professores, figurinistas apontaram Paul Tazewell como símbolo de mudança e inspiração para as novas gerações. A sensação de trabalhar com ele era a de que algo estrutural havia sido deslocado, por exemplo; Toni-Leslie James, também figurinista consagrada e sua contemporânea na Broadway, declarou: “Vê-lo vencer é uma reparação simbólica, mas também um lembrete de quantos talentos ainda estão à margem”.
O próprio Tazewell, com a generosidade que o caracteriza, reforçou em entrevistas que o prêmio não era apenas dele, mas de todos os que pavimentaram esse caminho com suor, invisibilidade e resistência. “O Oscar é só a parte visível de uma história coletiva e persistente”, disse. Seu discurso
ecoou como um chamado à responsabilidade da indústria e como farol para quem, mesmo à margem, continua criando. Em Wicked, ele reafirma o que sempre defendeu: o figurino é mais do que roupa, é discurso, expressão, dramaturgia, identidade. Ambientado em um universo mágico repleto de símbolos, reinos, magia e arquétipos clássicos, o filme exigia um projeto visual que fosse além da fantasia e da estética. Era preciso traduzir, com precisão e sensibilidade, os temas como conflito, transformação, exclusão e pertencimento, e ainda manter ligação com o imaginário já consolidado do musical teatral. Tazewell respondeu com um trabalho ousado e meticuloso, que costura beleza, crítica, emoção, estratégia, tradição e ruptura. Ele cria não só trajes, mas atmosferas, corpos narrativos, paisagens afetivas. Cada figurino é pensado como uma extensão emocional da personagem, construindo subjetividades a partir das formas, dos brilhos, das texturas, tecidos, símbolos e identidade.
Segundo o Los Angeles Times, foram mais de 150 figurinos que foram desenvolvidos especialmente para o filme. Cada peça foi desenhada com atenção à narrativa, aos corpos das atrizes Cynthia Erivo e Ariana Grande, e ao simbolismo das cores e tecidos. O resultado é um sistema de visual sofisticado, onde o figurino não apenas acompanha a história, mas ele a conduz. Texturas, brilhos e silhuetas moldam a percepção do espectador, revelando camadas emocionais e políticas que ultrapassam a tela.
A vitória de Paul Tazewell é também uma declaração sobre o poder dos detalhes. Em seus figurinos, a revolução acontece entre a bainha e a pele. Ele transforma o que poderia ser apenas encantamento em crítica sutil, em construção de mundos possíveis. E nos lembra que o design de figurino, quando ele é feito com a intuição, a pesquisa e a intenção, é uma forma de resistência silenciosa, mas profundamente eloquente. Com Wicked, Tazewell veste o impossível. E o torna visível.
O impacto de Paul Tazewell ser o primeiro homem negro a receber o Oscar vai muito além do troféu em si, é uma ruptura simbólica em um campo historicamente dominado por olhares brancos e padrões estéticos. A categoria de figurino, raramente vai reconhecer profissionais negros. A presença dele nesse pódio rompeu décadas de silenciamento e ausência na história, colocando um corpo negro no centro de uma conversa sobre criação, sensibilidade e poder visual. Sua vitória não apenas ilumina a sua trajetória, mas abre caminho para que outros profissionais também possam sonhar com um lugar onde, por tanto tempo, foram excluídos. É um gesto simbólico e concreto que ressignifica o futuro da moda, além de afirmar que pertencimento também se constrói com representatividade.
NÃO TEM NEGROS NA MODA?
A moda deve empoderar pessoas e romper padrões
POR Fashion Revolution
Recentemente, o universo da moda brasileira foi palco de mais um episódio lamentável de racismo estrutural que, novamente, escancarou as feridas abertas que o país ainda tenta mascarar sob camadas de modernidade e aparente inclusão. A polêmica envolveu a festa de 50 anos de Donata Meirelles, então diretora de estilo da Vogue Brasil, realizada em Salvador no dia 8 de fevereiro. O cenário luxuoso escolhido, repleto de símbolos de um passado colonialista, reacendeu um debate urgente sobre raça, poder e apropriação cultural. São temas que seguem sendo tratados com superficialidade ou silenciados nas estruturas que compõem a elite da moda nacional.
O que para alguns poderia parecer uma homenagem para a cultura afro-brasileira, com elementos que remetiam à estética da Casa Grande e à presença de mulheres negras vestidas com roupas tradicionais em posições servis, revelou-se na verdade ser um retrato cruel da forma como o racismo persiste e ainda existe, muitas vezes disfarçado de sofisticação, tradição e inclusão. Não foi apenas sensacionalismo da mídia, muito menos um mal-entendido isolado. Foi um retrato simbólico e real de como, mesmo entre os mais influentes da moda, ainda se perpetuam imaginários coloniais, hierárquicos e profundamente desumanizadores.
Decoração não é homenagem quando corpos negros são usados como parte do cenário. Quando a cultura é arrancada de seu significado e esvaziada para satisfazer uma estética branca, perde-se o respeito, o contexto e o direito à narrativa própria. O episódio serve como um chamado à reflexão. Até quando vamos normalizar esses gestos? Até quando a moda será cúmplice da exclusão, da caricatura e da marginalização da negritude?
Diante disso, surgem perguntas que gritam por respostas. Além dos escândalos esporádicos que vêm à tona, onde estão os negros e negras na moda? Quantos estão à frente de marcas com visibilidade real? Quantos têm seus rostos nas capas de revistas, não apenas como modelos, mas como criadores, empresários, fotógrafos, diretores de arte? Quantos falam em palestras sobre suas iniciativas, sobre sustentabilidade, sobre processos criativos? Quantos são convidados a dar aulas, realizar oficinas, conduzir rodas de conversa ou estampar matérias com o devido reconhecimento? A resposta infelizmente é bem dolorosa. Poucos. Pouquíssimos. E isso não acontece por falta de talento, visão ou inovação. A ausência não é reflexo de incapacidade, mas de um sistema que insiste em apagar histórias negras, silenciar vozes negras e invisibilizar corpos negros. Uma das faces
mais perversas do racismo é justamente essa: impedir que outras narrativas existam. Restringir o imaginário coletivo à escravidão, como se a única história possível da população negra fosse a da dor, da servidão e do sofrimento.
As correntes que por séculos prenderam os corpos negros continuam presentes, ainda que em novas formas, mais sutis, mais institucionais, mais simbólicas. Mas o efeito é o mesmo. Bloqueio de acesso, apagamento de trajetórias, controle de narrativas. O regime escravocrata não se limitava ao trabalho forçado. Era, sobretudo, um projeto de desumanização. De negação da alma, da subjetividade, da criatividade e da emoção do povo negro.
É nesse ponto que a responsabilidade da moda como linguagem ganha uma dimensão ainda maior. O que se produz, se publica, se vende e se exibe nos espaços de moda molda imaginários. E quando essas escolhas seguem excluindo corpos negros dos processos criativos e das decisões estratégicas, reafirmam um sistema que insiste em permanecer desigual. Não basta colocar modelos negros em campanhas. É preciso mudar a estrutura, rever curadorias, reformular lideranças e escutar com seriedade quem vive os efeitos dessas exclusões todos os dias.
É por isso que a luta atual vai além da inserção simbólica. A moda não pode continuar sendo excludente.
ARTE COM
TOQUE
Artista indígena participa de mostra com artistas cegos
O projeto Arte com Toque: A Inclusão da Pessoa com Deficiência Visual na Pintura Artística foi idealizado pela professora de Artes Visuais Seanne Oliveira, mulher indígena do povo Munduruku e formada em Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal do Amazonas.
Com sensibilidade e técnica, Seanne desenvolveu um método que permite aos alunos com deficiência visual experimentarem a pintura de forma tátil e sensorial, promovendo autonomia, expressão e conexão com a arte.
As práticas aplicadas no projeto valorizam o processo criativo como ferramenta de inclusão e pertencimento, incentivando os participantes a construírem narrativas visuais a partir de seus próprios modos de percepção.
O projeto foi contemplado pelo edital de Fomento às Artes da Lei Paulo Gustavo e conta com apoio institucional da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado do Amazonas. Sua proposta vai além da acessibilidade técnica: ela propõe uma mudança de olhar sobre quem produz arte e sobre o que é considerado visível ou legítimo artístico.
Como parte das ações, a Prefeitura de Manaus, por meio da Coordenadoria das Ocas do Conhecimento Ambiental da Secretaria Municipal de Educação (semed), iniciou no dia oito de abril de dois mil e vinte e cinco (8/4/2025), a exposição se chama, “Arte com Toque”.
POR Prefeitura de Manaus
A Inclusão da Pessoa com Deficiência Visual na Pintura Artística, no Espaço da Cidadania Ambiental, localizado no Manauara Shopping. A mostra reúne obras produzidas por artistas amazonenses com deficiência visual e conta com a parceria da Biblioteca Braille do Amazonas, da Vara Especializada do Meio Ambiente e de Questões Agrárias (vemaqa) e do próprio shopping.
A exposição integra a programação comemorativa dos 200 anos da implementação do sistema Braille no Brasil, reforçando a importância histórica dessa linguagem no processo de alfabetização e expressão cultural de pessoas cegas ou com baixa visão. Para enriquecer ainda mais a programação, o evento contou com um desfile de moda inclusiva idealizado pela própria Seanne Oliveira, realizado no buritizal do shopping, que reforçou a potência da arte como ferramenta de empoderamento e visibilidade.
O coordenador das Ocas do Conhecimento da Semed, Renato Bezerra Júnior, ressaltou a relevância da iniciativa ao destacar a importância de valorizar a arte produzida por pessoas com deficiência visual. Segundo ele, a proposta também fortalece o compromisso da Secretaria com uma educação inclusiva e transformadora.
“A Ocas do Conhecimento Ambiental trabalha tanto a educação ambiental quanto a socioambiental, e neste mês
traz uma exposição diferenciada, que trata da diversidade e celebra os 200 anos do sistema Braille no Brasil. Apresentamos as obras desses artistas que veem o mundo de uma outra forma. A Semed tem um compromisso com a inclusão e a transversalidade, acolhendo e acompanhando pessoas com deficiência nas escolas da rede municipal”.
Estudantes do 5º ano da Escola Municipal Júlio César de Moraes Passos, premiados com o primeiro e segundo lugar no segundo simulado do programa Educa Mais Manaus, estiveram presentes na visita à exposição e ao desfile. A aluna Maria Eduarda, de 10 anos, ficou encantada com as obras e fez um convite espontâneo ao público: “Eu achei muito impressionante todas essas artes. Achei tudo muito bonito, principalmente a arte do Leonardo Pimentel, que mostra uma pessoa navegando com outra. Foi maravilhoso e espero que todo mundo venha visitar também.”
Mais do que um evento artístico, Arte com Toque é um exemplo concreto de como políticas públicas, educação e cultura podem caminhar juntas pela valorização da diversidade e inclusão, na moda e na arte.
O projeto amplia horizontes e rompe com a ideia de que a arte é um espaço apenas para quem enxerga, provando que a sensibilidade pode assumir formas múltiplas, potentes, autênticas e transformadoras.
MODA INDÍGENA EM DESTAQUE
Desfile indígena celebra a riqueza cultural
POR Ayrton Senna Gazel
O segundo dia de desfiles da Mostra de Moda Indígena, realizado em Manaus, dia 9 de março de 2025, foi marcado pela celebração das identidades e tradições dos povos originários da Amazônia. Muito mais do que um evento de moda, a mostra se afirmou como um manifesto visual e ancestral em defesa da cultura indígena viva, forte, resistente e está em constante transformação.
Aberto ao público, o evento aconteceu no histórico Palácio Rio Negro, localizado na Zona Sul da capital amazonense. Com acesso gratuito e participação ampla de comunidades indígenas, lideranças, estudantes e visitantes, a Mostra de Moda Indígena é a primeira do país a contar exclusivamente com estilistas, modelos e produtores indígenas em todas as etapas da criação e realização.
O primeiro desfile ocorreu uma semana antes, na comunidade Parque das Tribos, conhecida por abrigar diferentes etnias em um mesmo território urbano. O encerramento está previsto para o próximo sábado, dia 16, no Sumaúma Parque Shopping, na Zona Norte de Manaus, reforçando o compromisso da mostra em ocupar diversos territórios da cidade com arte, autenticidade memória e afirmação cultural.
Segundo os organizadores, participam da ação 37 modelos e 32 estilistas, representando mais de 15 etnias
diferentes, entre elas Tikuna, Sateré-Mawé, Baré, Tukano, Maraguá, Dessana e Baniwa. As roupas apresentadas foram confeccionadas com matérias-primas naturais e sustentáveis, como algodão cru, fibras vegetais, sementes, miçangas e tinturas extraídas da floresta. Cada peça é mais do que vestuário: é um elo entre passado e presente, entre corpo e território, entre estética e espiritualidade.
A apresentação deste sábado teve início com um canto tradicional do povo Tikuna, que antecedeu a entrada dos modelos na passarela. A canção, entoada com força e reverência, fala sobre coragem e união entre os povos, evocando a força coletiva das comunidades indígenas e abrindo os caminhos com proteção ancestral.
Ao longo do desfile, cada modelo entrou em cena carregando não apenas indumentárias, mas símbolos de resistência e pertencimento. As grafias, os desenhos e os ornamentos usados no corpo traziam à tona saberes transmitidos oralmente há gerações, marcando a presença de cosmologias diversas que são frequentemente apagadas ou folclorizadas pelo olhar dominante da indústria preconceituosa e monocromática da moda.
A modelo Ira Maraguá, da etnia Baré, desfilou com uma peça criada pela estilista Cláudia Baré. Usando uma saia e um top de tecido cru adornados com grafismos
tradicionais, ela representou a força e a coragem dos povos da floresta na passarela. “O frio na barriga é inevitável, mas é muito gratificante representar o meu povo”, contou rapidamente, enquanto se dirigia de volta ao camarim com um enorme sorriso no rosto.
Outro momento marcante foi a aparição do adolescente Iaro Sateré, de apenas 15 anos, que desfilou segurando o saaripé, uma luva de palha entrelaçada símbolo de um dos rituais mais importantes de sua etnia, o ritual da tucandeira. O objeto representa a transição da infância para a vida adulta dos homens Sateré-Mawé. Durante a cerimônia, os meninos capturam formigas tucandeiras e, no dia do rito, colocam as mãos na luva, sendo ferroados repetidamente enquanto dançam ao lado dos familiares em um gesto de coragem, dor e pertencimento.
O desfile foi marcado por forte emoção do público, majoritariamente indígena, que celebrou a valorização de suas próprias culturas na passarela. Para o estudante Bruno Costa, do povo Tukano, a mostra reforça que a moda indígena vai além de estilo, ela é identidade.
Ao unir arte, ancestralidade e protagonismo, a Mostra de Moda Indígena se consolida como um marco cultural, desafiando padrões europeus e monocromáticos e abrindo espaço para narrativas visuais novas e únicas.
A HERANÇA NEGRA:
JOIAS CRIOULAS RESISTÊNCIA SÃO
Tradição e ancestralidade, o ato de vestir como linguagem de poder, herança e identidade
POR Ananda Matias Machado FOTO Marc Ferrez
No imaginário brasileiro, o brilho do ouro e o colorido dos tecidos guardam memórias de resistência muito antes de aparecerem nas passarelas. Das joias de crioula do século verdadeiras “contas-poupança” em forma de balangandãs, aos turbantes que hoje desfilam no São Paulo Fashion Week, cada adorno carrega uma camada de luta, afeto e estratégia de sobrevivência. A fotografia de Florinda Anna do Nascimento, a Dona Fulô, exposta no ano de de Arte Contemporânea da Bahia, sintetiza essa herança: uma mulher negra, livre, vestida em algodões engomados e coberta de joias de ouro, encarando a câmera com firmeza que dispensa qualquer legenda. A exposição Dona Fulô e Outras Joias Negras inaugurada em de 2024 durante o g20 Salvador resgatou essa narrativa e lembrou que moda, para as mulheres negras, sempre foi mais do que estética era estratégia de mobilidade social e afirmação de identidade. Ao trazer à luz histórias de resistência bordadas em tecidos e fundidas em ouro, o protagonismo negro na história da moda brasileira, antes invisibilizado pelos grandes circuitos culturais.
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Enfeitar-se tornou uma forma de acumular poder em um sistema que negava qualquer tipo de patrimônio, uma linguagem de autonomia, um gesto político
IRMANDADES NEGRAS
No Recôncavo baiano, a Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte prova que moda também é liturgia. Fundada por mulheres negras alforriadas, a confraria combinava fé católica e cosmologia iorubá, usando vestes brancas engomadas, contas de Oyá e, claro, joias de crioula. As cotas mensais recolhidas nas reuniões financiavam cartas de alforria e pequenas pensões para irmãs idosas, um embrião de previdência social e solidariedade coletiva em pleno Brasil escravocrata.
Paralelamente, entidades masculinas surgiam, como a Sociedade Protetora dos Desvalidos (1832) e a Irmandade do Rosário dos Pretos (1685). Juntas, essas organizações construíram um ecossistema de apoio negro: adquirindo terrenos, garantindo funerais dignos e negociando liberdade para presos por dívidas. As joias, nesse contexto, eram ferramentas de crédito: podiam ser empenhadas, refundidas ou passadas de geração em geração como reserva de valor. Esse “banco portátil” mostrou resiliência que hoje, peças compõem acervos de museus europeus, reclamadas por descendentes como patrimônio imaterial de famílias.
DA RUA À PASSARELA
Se as joias selaram conquistas no passado, o algodão tingido, o plástico reciclado e a capulana digital projetam novos horizontes. Reportagem da Revista Meio Mundo conta a história de Fatumata Sané, guineense radicada no interior gaúcho, que recria suas memórias em vestidos de algodão cru bordados à mão. “Transformo o tecido que nos deram por ser ‘ruim’ em roupa de festa”, diz Fatumata, ciente de que cada ponto de linha desafia séculos de hierarquia têxtil.
Na cena urbana, grifes como Negrif, Santa Resistência e o coletivo Projeto Trançados destroem a ideia de moda periférica como “tendência passageira”. No spfw de 2016, o desfile da lab (Emicida & Evandro Fióti) transformou a passarela em manifesto, com beats de rap substituindo trilhas minimalistas e modelos de corpos plurais vestindo grafismos inspirados em estamparia angolana. Desde então, o calendário fashion convive com eventos como a Feira Preta e a Marcha do Orgulho Crespo, onde a sarja e o turbante funcionam como megafone de pautas antirracistas e contra qualquer tipo de preconceito.
Para a artista e curadora Carol Barreto, vestir-se é ato estratégico. Seu conceito de “modativismo” combina estética, ativismo e mercado justo. No ateliê, ela aplica técnicas de alfaiataria afro-baiana a tecidos certificados e vende peças em preços escalonados, financiando oficinas de costura em comunidades de Salvador, Bahia.
O modelo inspira uma geração de designers negros que enxergam a cadeia produtiva da moda como território de disputa política: contratar costureiras locais, estampar rostos retintos, usar matéria-prima nacional e contar histórias silenciadas. Nesse processo, a moda deixa de ser apenas vestuário e se afirma como ferramenta de transformação social e construção de narrativas ancestrais.
Dados da cufa indicam que, em 2020, oito entre dez empreendedores negros veem seus negócios como ferramenta de combate ao racismo.
Na joalheria autoral, marcas vêm reinterpretando balangandãs em prata reciclada e bio-resina, provando que sustentabilidade e ancestralidade podem partilhar o mesmo fecho. Ao dialogar com museus e colecionadores, esses criadores reivindicam a devolução e a circulação das joias de crioula como forma de reparação histórica e geração de renda para comunidades que são, há séculos, guardiãs desse saber.
Plataformas digitais e marketplaces colaborativos têm ampliado o alcance dessas narrativas, conectando artesãs e designers a colecionadores do mundo todo. Com curadoria antirracista, o e-commerce valoriza as joias de crioula como registros vivos de herança cultural. Tecnologias como realidade aumentada e nfts ajudam a autenticar peças únicas e garantir renda direta às comunidades produtoras. Cada venda passa a representar resistência, reconhecimento, originalidade, história, orgulho e fortalecimento econômico de mulheres negras.
DESIGN DE AMANHÃ
Joias de Crioula e moda afro-brasileira cristalizam a mesma lição: cultura é capital simbólico e financeiro quando comunidade e criatividade caminham juntas.
Reconhecer esse legado é fundamental para que museus, escolas de design e a indústria assumam compromissos claros com diversidade e reparação. A entrada gratuita na exposição Dona Fulô e Outras
Joias Negras não são pontos de chegada, mas convites a percorrer a história com outros olhos, que veem ouro onde o colonialismo pretendia ver algemas, e que ousam transformar descarte em luxo, como faz a estilista Madá Negrif ao tingir restos de tecido com pigmentos naturais.
No coração desse movimento, ecoa a estratégia ancestral: vestir-se para existir.
Se antes cada pingente podia comprar uma carta de alforria, hoje cada estampa pode financiar bolsas de estudo, residências artísticas e cadeias produtivas de baixo impacto ambiental. A moda afro-brasileira, ancorada na memória das joias de crioula, aponta um futuro em que o design celebra a dignidade e devolve protagonismo e originalidade a quem criou.
JOIAS COM BRASILEIRA ALMA
Acessórios celebram a cultura, as cores e o estilo do Brasil
POR
Luísa
Bittencourt
A designer Vívian Ramos é apaixonada por resgatar memórias. Por isso, o trabalho manual sempre exerceu um fascínio sobre ela. A Zâmbia, marca criada pela artesã em 2017, é uma forma de mergulhar na ancestralidade por meio da criação de joias e acessórios que valorizam a identidade da mulher brasileira.
Suas peças, cheias de cor e expressão, exploram uma ampla variedade de materiais orgânicos, como linha, palha, madeira, pedras naturais e até metais hipoalergênicos com banho de ouro. Cada item é único, pois não existem duas pedras com o mesmo formato ou a mesma energia. Essa singularidade transforma cada peça em um amuleto de força, beleza e pertencimento.
“O artesanato recupera memórias, e algumas, talvez, nem sabemos de onde surgem. O manuseio de cada detalhe das peças emana forças em mim, e acredito que tais forças cheguem na casa de cada cliente”, conta revelando a espiritualidade e o cuidado por trás de cada criação.
Por isso, segundo a artesã, os produtos da Zâmbia têm a missão de enaltecer a história das mulheres pretas, exalando luxo, versatilidade e ancestralidade. Ao mesmo tempo, ela deseja que suas consumidoras abracem suas identidades em toda a pluralidade que o Brasil carrega: sejam negras, indígenas, nordestinas, orientais ou europeias.
A IMPORTÂNCIA DO TEMPO
Em seu processo criativo, a ideia da coleção sempre surge antes das peças. A inspiração aparece de formas inesperadas, muitas vezes sutis, como o contorno de uma paisagem, uma cena de filme, a melodia de uma música ou até lembranças afetivas da infância. A partir disso, a concepção dos itens flui de maneira orgânica, respeitando o tempo de maturação das ideias, o ritmo da matériaprima e a escuta sensível do próprio fazer.
Na Zâmbia, marca fundada por Vívian, os produtos carregam uma missão clara: enaltecer a história das mulheres pretas por meio de criações que exalam luxo, versatilidade e pertencimento. Cada peça é concebida com um propósito que vai além da estética. Há uma intenção política, emocional e cultural que se entrelaça à identidade de quem cria e de quem usa.
O tempo, aliás, é um dos elementos mais importantes na prática de Vívian. Longe da lógica da produção acelerada, a marca defende a valorização do fazer artesanal e de suas conexões ancestrais. A pressa é vista como uma inimiga do detalhe, da memória e da delicadeza. A Zâmbia acredita em uma moda com significado, onde o consumo não seja pautado apenas pelo desejo momentâneo, mas por vínculos duradouros com o objeto e com sua história.
Essa filosofia vem de longe. Vívian cresceu cercada pelo artesanato. Ainda criança, observava a mãe, professora, complementar a renda familiar com trabalhos manuais, enquanto a prima atuava à frente de uma cooperativa dedicada à mesma prática. Desde cedo, ela aprendeu a reconhecer a potência transformadora desse saber, que une técnica, sensibilidade e resistência.
Hoje, para confeccionar seus acessórios, Vívian não está sozinha. Ela coordena uma rede de mulheres artesãs da Baixada Fluminense, entre bordadeiras, crocheteiras e costureiras. São profissionais com mãos habilidosas e histórias potentes, que encontram na Zâmbia não apenas uma oportunidade de geração de renda, mas também um espaço de valorização cultural. “Essa região é um celeiro de talentos, e empreender sabendo que minha empresa pode mudar a vida das pessoas é o que me move”.
Esse cuidado presente na criação também se estende ao pós-venda. Os acessórios devem ser preservados com atenção, longe do calor, da umidade e de produtos químicos. A limpeza deve ser feita com flanelas secas, sem abrasivos, respeitando o tempo e os materiais de cada peça. E para manter essa teia de afeto sempre ativa, oferece conserto gratuito dos acessórios, reforça o compromisso da marca o cuidado e o vínculo com suas clientes.
A MODA SUSTENTÁVEL
TRANS FORMA ATUAL O MUNDO
Vicenta Perrotta transforma retalhos e resistência em roupas que desafiam o cisgênero e reinventam a indústria com arte e ativismo trans
POR Juliana Afonso FOTO Danilo Sorrino
Peças fora do padrão cisgênero, sem numeração, feitas com retalhos de roupas vindas do lixo, produzidas e apresentadas ao público em desfiles com pessoas trans como protagonistas.
São várias as transgressões e provocações presentes no processo criativo das integrantes do Ateliê TRANSmoras, espaço de produção de arte, moda e cultura voltado para a comunidade trans. Na liderança desse movimento está Vicenta Perrotta, 46, artista, ativista e estilista Nascida em Campinas e fã de Madonna, ela passou a se interessar por moda de rua, tendo como inspiração as obras de Jean Paul Gaultier, estilista francês conhecido por peças como o irreverente sutiã de cone, que a cantora usava em seus shows.
“Eu tinha uma tia que fazia croqui e eu ficava fazendo também… Mas, por conta de transfobias, comecei a ser podada pela minha família.”. Vicenta também sofria preconceitos na escola, onde tinha o costume de fazer apresentações personificando Madonna. Sua história já começava a ser atravessada pela arte, de um lado, e pela violência, de outro.
“A minha vida é um processo de pesquisa para entender de fato quem sou eu e como a sociedade constrói as pessoas. Muitos artistas, principalmente as pessoas trans, têm esse contato com a arte enquanto cura. Não é aquela arte vazia, decorativa” Com coragem, ela encarou os preconceitos, superou obstáculos, e se tornou um dos nomes mais mais representativos da atual cena da moda brasileira. Começou sua jornada produzindo acessórios com sementes, pesquisando a relação de consumo e a relação das etnias ancestrais como o meio ambiente. A primeira experiência profissional de Vicenta foi como vendedora
em um shopping, nos anos 2000. Aos poucos, começaria a ter contato com o mundo dos negócios e da construção da imagem. Em busca de expressar sua criatividade e de estabelecer seu próprio estilo artístico, ela começou a produzir acessórios feitos com sementes, sobretudo colares. E assim, ia cativando uma primeira clientela.
“Comecei a estudar de onde vêm e como as etnias (originárias brasileiras e africanas) lidavam com a extração dessas sementes. É daí que vem meu processo de trabalhar com consciência”, diz.
Compreender a origem dos processos têm uma importância central na obra e na personalidade de Vicenta. Essas questões foram vividas em paralelo à sua transição de gênero: desde criança ela já tinha consciência de que não correspondia ao seu gênero estabelecido socialmente. Vicenta precisou então questionar a posição de “preterida” na sociedade para encontrar sua potência de existir um movimento que ecoa a luta de etnias indígenas e grupos subalternizados ao longo da história.
RESÍDUOS E RECICLADOS: UMA APOSTA ÉTICA E IMAGÉTICA
Foi durante essa pesquisa sobre a origem das sementes e a relação da população que vive em torno dessas árvores que Vicenta começou a questionar o capitalismo e o discurso de sustentabilidade. Para Vicenta, a fragilidade da moda transparece sempre que ela se volta (apenas) para o consumo. O sonho de ser estilista, ao contrário, ganhava força. Ela começou a frequentar o bairro do Brás, em São Paulo, conhecido pelo comércio varejista de roupas.
“Primeiro, fui garimpar: gastei toda a minha grana e fiz os meus primeiros moletons. Então, descobri o lixo do Brás e comecei a utilizar o que estava no meu entorno… Esse movimento casa com meu processo de pesquisa, porque era isso que os povos originários fazem: usar de maneira consciente o que a natureza lhe oferece para construir ornamentos, alimentação, existência”. Ela coletava roupas usadas e tecidos, como capas de sofá, para montar peças originais a partir desses retalhos, incluindo blusas, vestidos e moletons. Assim, o trabalho com resíduos e reciclados começava a se transformar em uma aposta ética e imagéticas.
Em 2013, a vida de Vicenta mudou de repente, quando seu pai resolveu vender a casa. De uma hora para outra ela não tinha mais onde viver e trabalhar. Segundo Vicenta, a decisão foi, também, uma maneira de seu pai demonstrar a insatisfação dele com sua transição de gênero: “Quando ele vendeu a casa, eu tive que sair. Fui praticamente expulsa, mas foi ótimo me desvencilhar dessa família que só me levava pra trás”. Em busca de um espaço para trabalhar, Vicenta conheceu um aluno do Instituto de Artes da Unicamp. Com ele, descolou a chave de uma sala vazia e rapidamente transformou aquele espaço ocioso em local de vivência e trabalho. Começava a surgir assim o Ateliê TRANSmoras. O uso de materiais descartados virou uma escolha estética, ativista e política. Ao transformar tecidos rejeitados em peças únicas, Vicenta rompe estereótipo com o desperdício da moda e afirma um fazer conectado à ancestralidade e à resistência. Cada criação carrega memória, afeto e crítica, ressignificando tanto os materiais quanto as histórias e corpos frequentemente apagados. São vestígios de histórias apagadas, reconstruídas com afeto, memória e crítica.
O ATELIÊ TRANSMORAS
A primeira coisa que Vicenta levou para o espaço foram as máquinas de costura. Em seguida, circulando pelo campus, descobriu um ponto de ônibus onde pessoas deixavam roupas e objetos. Passou a garimpar peças ali, reforçando o uso de resíduos como uma escolha não apenas financeira, mas fruto de um pensamento crítico sobre a indústria da moda.
O Ateliê atraía frequentadores, principalmente travestis e trans, que viam e viviam o espaço não apenas como um local de produção, mas um ponto de encontro e convivência. Aos poucos, outras mulheres foram acolhidas e começaram a trabalhar no Ateliê. Entre elas, Rafa Kennedy, 26, fotógrafa, e Antônia Moreira, 27, coordenadora de planejamento, são apoios fundamentais para organizar as atividades e dar um passo além na busca de editais e na gestão de projetos e do espaço que possam trazer recursos e visibilidade.
O nome TRANSmoras surgiu em 2016, durante a Primeira Parada Trans, evento de cultura e protesto organizado por Vicenta e outras pessoas do Ateliê e de dentro da Unicamp, em apoio a uma aluna travesti vítima de transfobia, a jovem havia sido expulsa da moradia estudantil e acolhida no Ateliê: “Nesse dia, alguém falou ‘TRANSmoras’, de moradia. E a sigla ainda é atm (assim como Automatic Teller Machine, caixa eletrônico em inglês), que é o símbolo de ‘máquina que faz dinheiro’”.
O ateliê começou a ganhar notoriedade e a ser aprovado em editais para realizar desfiles e cursos. O primeiro projeto escrito e aprovado foi um curso de criação e
costura que Vicenta realizou no sesc Campinas, em 2017. No mesmo ano, o Ateliê fez o seu primeiro desfile, chamado “Travesti VIVA!”, na Casa do Povo, no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. Em seguida, surgiu a oportunidade de fazer mais um desfile, dessa vez para o Mercado Mundo Mix, um dos eventos mais importantes do mercado brasileiro de moda e design. Foi o primeiro desfile de moda sem gênero do país. O Ateliê TRANSmoras passava a figurar em importantes eventos do segmento e Vicenta recebia convites para dar cursos e realizar residências artísticas, em espaços como a Casa do Povo, a Casa de Criadores (voltada para a educação e capacitação de profissionais ligados a moda) e o Instituto Tomie Ohtake, em Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo, que abriga mostras de arte contemporânea.
Ela destaca dois desfiles em sua trajetória. Um deles foi o Transclandestina, em 2019, realizado na escadaria da Praça das Artes, durante a edição da Casa de Criadores, o espaço, no Centro de São Paulo,
funciona como uma extensão do Theatro Municipal. Para Vicenta, este foi o seu desfile mais marcante, tanto pela performance na passarela (que incluiu leitura poesia sobre pessoas trans e travestis e a apresentação musical) quanto pelo alcance e pelo impacto do evento. Naquele mesmo ano, outro desfile importante foi o Brasil, país campeão mundial de travestis, em um galpão na Barra Funda, que levou uma centena de pessoas trans e travestis à passarela.
O Ateliê TRANSmoras se define como um negócio de impacto social, que atua tanto no b2b quanto no b2c. Assim, busca captar recursos por diferentes caminhos. Uma maneira é por meio da inscrição em editais de incentivo à cultura e organizações do terceiro setor. Neste ano, já rolou um financiamento do International Trans Fund, fundo internacional que apoia ativistas contra o genocídio de pessoas trans. Outra fonte de renda é a venda das peças produzidas pelo coletivo em plataformas digitais e
feiras de moda. A equipe tem trabalhado para desenvolver um marketplace que comercialize as peças do Ateliê e as roupas de artistas que integram a rede.
No final de 2021, elas conseguiram 50 mil reais ao ganhar o prêmio Fashion Futures, do Instituto c&a, na categoria projeto social. Esse é o próximo passo de um projeto que, mesmo reconhecido por sua relevância e impacto na moda autoral e independente, ainda enfrenta os desafios da autossustentabilidade. A construção dessa minicoleção representa não só uma vitrine importante para os talentos emergentes do coletivo, como também uma estratégia para consolidar sua presença em um dos maiores eventos da moda brasileira contemporânea. A galeria virtual servirá como uma plataforma de visibilidade contínua, permitindo que o trabalho desses artistas ganhe alcance para além da passarela.
Apesar das conquistas, manter as engrenagens do Ateliê funcionando ainda exige esforço coletivo e criatividade financeira. As produções e colaborações realizadas por integrantes como Vicenta, Rafa e Antônia têm sido fundamentais para bancar despesas cotidianas, desde a compra de materiais até custos logísticos de transporte e alimentação.
Segundo o relatório de impacto produzido pelo próprio coletivo, em 2021 o Ateliê movimentou r$ 163 mil, evidenciando a potência econômica e criativa da rede, mesmo sem acesso a grandes patrocinadores ou verbas públicas recorrentes. Esse valor, no entanto, ainda não garante estabilidade a longo prazo, reforçando a importância de novos apoios, editais e modelos de geração de receita que valorizem, sustentem e ampliem o trabalho desenvolvido por essas artistas. Fortalecer a autonomia financeira tem sido um passo essencial para manter o projeto vivo.
LIXO SE TORNA FUTURO
Em paralelo, a empreendedora projeta criar uma associação sem fins lucrativos. Um caminho que parece natural, considerando atividades já desenvolvidas pelo Ateliê. Entre essas iniciativas estão a Semana da Ressignificação, na Unicamp, exposições realizadas na biblioteca da universidade e rodas de debate sobre temas como hiv, transfobia e masculinidade trans, que já atraíram figuras políticas ligadas à causa, como a deputada estadual Erica Malunguinho e a vereadora Erika Hilton, ambas do psol. Nos processos de criação e instrução, Vicenta defende a importância de se apropriar do lixo como potência, a partir de uma tecnologia social que criou o nome de transmutação têxtil.
Não confundir com o upcycling (que propõe a reutilização de um material que seria descartado): “O ‘empreendedorismo’ é uma maneira de a indústria se manter sem se responsabilizar pelo trabalhador, os empreendedores são obrigados a comprar matéria prima para construir o seu produto… Mas quando eu reutilizo o lixo, já quebro a lógica de me endividar para poder produzir”. Não reproduzir essa lógica industrial é um dos pontos-chave do Ateliê. Outra atitude inovadora é a pluralidade de acesso. “Várias artistas que saíram daqui já abriram outras ‘coletivas’. Elas foram impactadas e já estão reverberando esse impacto para outras pessoas.”. De olho no futuro, Vicenta sonha em montar uma escola para realizar residências artísticas, com um espaço amplo para funcionar como galeria de arte. “Já estou guardando grana para comprar o terreno!”.
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A partir do que a sociedade rejeita, a ativista Vicenta cria peças novas, ela inova com estilo único
TRANSMUTAÇÃO TÊXTIL
Por trás de uma blusa feita de retalhos esquecidos ou de um moletom costurado a partir de uma capa de sofá descartada, existe um gesto que é tão técnico quanto simbólico. É a partir do que a sociedade rejeita (tanto em termos de matéria quanto de identidade) que Vicenta Perrotta cria um mundo novo. E não é exagero dizer “cria”: o que ela desenvolve vai além do design de roupas. É um ecossistema de afeto, resistência e invenção. É moda como ferramenta de reconstrução e pertencimento. É o que ela batizou de transmutação têxtil.
Vicenta é uma dessas figuras raras que, ao falar de roupa, está também falando de política, de território, de ancestralidade e de futuro. Transmutar, aqui, não significa apenas transformar um tecido velho em algo novo. Significa subverter o destino daquilo que foi descartado (materiais, corpos, saberes) costurar com firmeza e ternura, outras formas de existência. “A transmutação têxtil é uma recusa ao fim das coisas. É dizer que tudo pode ser refeito, inclusive a própria ideia de quem somos”, já declarou a artista em encontros formativos.
Conceito criado por Vicenta a partir de sua vivência como artista, pesquisadora e travesti, transmutação têxtil é um processo que une reaproveitamento de resíduos, pesquisa de gênero, práticas coletivas e espiritualidade. Ela vai além do reaproveitamento de roupas, ela propõe que os materiais sejam redesenhados a partir da escuta dos corpos que vão habitá-los. É uma prática que rejeita o padrão da modelagem eurocentrada, binária e excludente que domina a indústria da moda.
Em vez disso, cada peça é construída a partir do corpo real de quem vai usá-la. As medidas, curvas, marcas e desejos da pessoa modelam a roupa, e não o contrário. Essa inversão é central: o corpo deixa de ser moldado pela roupa e passa a ser referência para a obra de Vinceta.
Além disso, o tecido não é visto como neutro: cada fragmento carrega histórias de consumo, de trabalho, de abandono. Em suas oficinas, Vicenta propõe que se escute o material, que se reconheça sua origem e que se pense em qual caminho ele vai seguir ao ser resignificado. Essa escuta ativa do tecido é também um exercício de cuidado com a matéria-prima, com a memória e com quem a toca.
A prática de Vicenta não é solitária. Ela se ancora na coletividade. Ao longo dos anos, seus processos formativos reuniram dezenas de pessoas trans, travestis e nãobinárias que aprenderam a costurar, a construir moldes, a bordar e a criar, mas também a existir em comunidade. Seu ateliê, mais do que uma oficina de costura, se estrutura como um espaço ritual. Um lugar de acolhimento, cura e reinvenção. Ali, o tempo da produção não é o da indústria. É o tempo do encontro, da partilha e da criação de vínculos. As roupas produzidas não saem da máquina direto para uma arara: passam antes por conversas, decisões coletivas, gestos de cuidado. Muitas vezes, nas palavras da própria Vicenta, “é mais sobre o processo do que sobre o produto”. A roupa, nesse contexto, é apenas o último elo de uma cadeia muito mais profunda. Cada peça carrega não só costuras, mas histórias. Não à toa, ela costuma dizer que o ateliê funciona como um terreiro têxtil, um espaço de sabedoria compartilhada e de prática ancestral. Isso porque a transmutação têxtil também dialoga com os
modos de fazer de povos originários e afro-diaspóricos, nos quais reutilizar não é carência, mas sabedoria. Tecelagens coletivas, ornamentos feitos de matéria orgânica, roupas de proteção espiritual, tudo isso compõe o imaginário de onde Vicenta extrai sua linguagem visual.
ROUPA COMO LINGUAGEM
Para além da prática técnica, o que Vicenta propõe desde o começo que é um vocabulário estético próprio. Sua moda é marcada pela sobreposição de camadas, por recortes desconstruídos e pelo uso de cores, texturas e formas que desafiam os limites do “vestível”. Muitas de suas peças parecem obras de arte performáticas, carregadas de simbolismos. Outras vezes são práticas, urbanas, com os cortes que possibilitam a liberdade de movimento, afirmação de identidade e a liberade de expressão. Mas todas elas têm algo em comum: se recusam a compactuar com o apagamento. Usar uma peça feita por Vicenta ou por quem aprendeu com ela é também um ato de afirmação. É como vestir o direito de existir, com complexidade, beleza e presença.
A moda, nesse sentido, deixa de ser uma ferramenta de opressão e controle do corpo e se torna linguagem de resistência. É uma forma de se comunicar com o mundo sem pedir licença ou por favor, e de marcar seu território nas ruas, nas passarelas, na história e em todo lugar que quiser. Hoje em dia, a Vicenta não está sozinha. A sua técnica de transmutação têxtil se tornou uma metodologia replicada em diferentes coletivos e contextos, com por exemplo, oficinas em comunidades periféricas, residências artísticas e formações políticas. Sua proposta já foi levada para instituições culturais, universidades, centros de moda e projetos sociais. Mais do que isso: seu trabalho alimenta um ecossistema de produção afetiva e descentralizada, que propõe outras formas de fazer e pensar moda. Ao invés de grandes coleções sazonais, pequenas séries pensadas para pessoas reais. Em vez de lucro a qualquer custo, sustentabilidade relacional. No lugar do desperdício, reinvenção com identidade e poder. A moda que Vicenta costura com linha, retalhos e coragem é a prova de que é possível imaginar futuros mais justos, criativos e inclusivos. E que, no fim das contas, aquilo que o sistema chama de lixo pode ser, na verdade, matéria-prima de um mundo que ainda está por nascer. Um mundo onde todos os tipos de corpos têm lugar, as histórias e respeito. Nesse cenário, cada oficina ministrada por Vicenta se torna também um espaço de cura coletiva. Enquanto as mãos costuram, as histórias se entrelaçam. Mulheres trans excluídas das estruturas tradicionais da moda, encontram ali não só uma técnica, mas um caminho de pertencimento. É nesse entrelaçar de linhas e vivências que surge uma moda que não dissocia estética de ética, forma de conteúdo, e que entende o fazer manual como prática política. A cada peça, afirma-se uma potência de uma criação que nasce do afeto, da escuta e da possibilidade de imaginar juntos.
A MODA ESTÁ EM ALTA TRANS
Reportagem de moda gênero
POR Alan Alcantra
Ao filósofo e sociólogo alemão Walter Benjamin, o que mais impressionava na moda era sua “espantosa capacidade de antecipação”. Se a moda reflete a história, o cotidiano e os costumes de uma época, a discussão sobre fluidez de gênero se torna cada vez mais relevante na atualidade. Essa tendência já aparece nas vitrines e campanhas de grandes redes de varejo. Além disso, surgem, ainda que timidamente, marcas que apostam em roupas sem distinção de sexo. O crescimento de modelos e presença de militantes LGBTQIA+ na indústria reforçam a ideia de que masculino e feminino são construções culturais. Essa visibilidade é importante, sobretudo em um contexto alarmante. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo, segundo dados da Transgender Europe. Entre 2008 e 2014, foram registradas 604 mortes. Outro dado revela que cerca de 90 por cento das garotas trans recorrem à prostituição em algum momento da vida, muitas vezes como único meio de sustento. Sem apoio familiar e social, os caminhos se tornam limitados.
A moda, nesse cenário, pode ser uma porta de entrada para novas possibilidades profissionais. Para muitas pessoas trans, ela representa não só uma forma de expressão, mas também um espaço de trabalho, autenticidade, expressão, visibilidade e reconstrução de identidade.
A QUESTÃO ONLINE
Para Joana Jordan, paulista de 19 anos nascida em Osasco, a moda teve papel fundamental em seu processo de afirmação como mulher trans. DJ e criadora de vídeos curtos na internet, Joana iniciou sua transição se apresentando como drag queen na noite paulistana. Aos poucos, foi percebendo que a performance refletia algo mais profundo. “As pessoas começaram a me cobrar uma posição, se eu era homem ou mulher. Foi me montando que virei a Joana”, conta.
A visibilidade conquistada nas redes sociais abriu portas para trabalhos como modelo, mesmo sem ter sido agenciada formalmente. Participou de pequenos desfiles e ensaios fotográficos, muitas vezes contratada justamente por ser trans. “Já desfilei para mostrar que não há diferença entre mulheres trans e cis. Mas ainda existe preconceito”, relembra, mencionando episódios em que foi tratada com desrespeito, como quando foi identificada apenas como “a trans loira” durante um desfile.
Apesar dos desafios, Joana segue otimista. Planeja expandir sua presença digital e criar um canal no YouTube voltado para o público trans. “Tudo que aprendi sobre o universo trans foi pela internet. Agora quero devolver esse aprendizado”, afirma a modelo.
Ariel Moura, 18 anos, nasceu em Belo Horizonte e foi descoberta no Minas Fashion Trend, um dos principais eventos de moda do país. Aos 15 anos, foi convidada para ser modelo andrógino, mas recusou por estar iniciando sua transição. Três anos depois, recebeu um novo convite e passou a ser agenciada como modelo feminina pela Mega Model. “Sempre me trataram com respeito. Lá eu sou a Ariel, uma menina, uma mulher”, conta.
Com a visibilidade conquistada, participou do programa Amor e Sexo, onde conheceu a modelo trans Lea T, uma de suas maiores referências. Nos castings, Ariel é apresentada como modelo feminina, mas ainda enfrenta episódios de preconceito e exclusão. “Muitas vezes sei que não sou escolhida por ser uma mulher transexual, e não por falta de talento”, afirma.
Apesar disso, Ariel acredita que o mercado está em transformação constante. Um exemplo disso é a Squad Agency, coletivo que representa modelos diversos, incluindo pessoas transexuais. Ao lado de outras jovens como Joana Jordan, Ariel reconhece seus privilégios, como o apoio da família e de amigos, mas deseja um futuro em que identidades não precisem ser justificadas. “A moda abre espaço para as diferenças, mas ainda temos muito caminho pela frente”, conclui.
VESTIR COMO DE PODER UM ATO
Estilistas indígenas lutam por mais visibilidade na moda
POR Ilca Maria Estevão
Assim como acontece com boa parte das histórias que são retratadas nos livros escolares, a presença e a contribuição dos povos indígenas na moda brasileira e até mesmo global muitas vezes são invisibilizadas, distorcidas ou reduzidas a estereótipos. Durante séculos, a cultura indígena foi tratada como um detalhe folclórico, um apêndice decorativo dentro de uma narrativa dominante que pouco ou nada reconhece a complexidade, a diversidade e a força criativa desses povos. Essa é uma realidade que os estilistas Rodrigo Tremembé, Sioduhi e Weena Tikuna conhecem bem de perto e que se empenham muito em transformar.
Partindo de suas próprias histórias, vivências e raízes, os três estilistas assumem uma missão que vai além da moda enquanto estética ou tendência. Suas vozes ecoam em cada peça confeccionada, em cada estampa e bordado, em cada ponto feito, com o objetivo de reivindicar e valorizar o lugar legítimo que os povos originários sempre ocuparam na construção da identidade brasileira, inclusive no que diz respeito à produção artística, estética e cultural.
Muito mais do que apenas criar roupas, eles constroem narrativas que vão romper silêncios históricos e resgatar memórias apagadas, que transformam cada coleção em um ato de resistência, reconexão, força, protesto, qualidade e amor por cada item criado por eles.
SONHO DE CRIANÇA
Foi durante o período da pandemia da covid-19, quando o mundo parou e muitos repensaram suas trajetórias, que o estilista Sioduhi deu um passo de extrema importância para o rumo à realização de um sonho antigo: a criação da Sioduhi Studio. Mais do que uma marca, o projeto é o desdobramento de uma visão que ele carrega desde seu nascimento e desde sua infância, vivida no território indígena do Alto Rio Negro, no estado do Amazonas. Desde pequeno, Sioduhi demonstrava interesse por tudo aquilo que envolvia o universo criativo os tecidos, as formas, os desenhos, as cores. Fascinado pela ideia de expressar-se por meio das roupas, ele cresceu observando a riqueza estética presente em sua cultura, inspirando-se nas histórias contadas pelos mais velhos, nos grafismos tradicionais, nas cores da floresta e nas dinâmicas do cotidiano comunitário. Sonhava, ainda criança, com o dia em que poderia levar isso adiante, apresentando ao mundo uma moda com alma, raízes e muito significado. Hoje, aos 26 anos, esse sonho de criança ganha forma real: suas criações trazem elementos que respeitam e também celebram suas origens, ao mesmo tempo em que dialogam com o cenário contemporâneo da moda. Sioduhi cria com consciência e propósito cada peça
carrega traços da ancestralidade, mas também se abre para experimentações, conectando passado, presente e futuro de forma potente. Sua linguagem visual é única, sofisticada e profundamente simbólica, chamando atenção de quem busca mais do que tendências passageiras.
Sua trajetória, no entanto, não tem sido fácil. O caminho é repleto de obstáculos, tanto estruturais quanto simbólicos. A indústria da moda, ainda marcada por padrões excludentes e narrativas homogêneas, nem sempre abre espaço para vozes indígenas. A luta para ocupar esse território é diária, exigindo não apenas talento, mas também coragem e resiliência.
Ainda assim, com sensibilidade, ética e persistência, a marca Sioduhi vem construindo uma bela carreira sólida, pautada na valorização dos saberes tradicionais e culturais, no respeito às comunidades, valorização, história, cultura e no compromisso com uma moda mais consciente, jovem, inovadora, respeitosa, sustentável, acessível, inclusiva e transformadora. Suas peças não são apenas roupas, mas são também narrativas vestíveis, expressões de memória, identidade e futuro. Quando você veste a marca Sioduhi, veste-se também uma história que fala de pertencimento, resistência, protesto, novidade, riqueza cultural, além da imaginação coletiva.
RAFA SILVÉRIO:
VESTIR É EXISTIR
Muito mais que marca e estilo, a Silvério oferece voz, história e revolução em forma de roupa
POR Grupo VÉU
Vestir, nunca foi apenas sobre estética. É sobre ocupar espaço, desafiar estruturas e costurar histórias que foram silenciadas por tempo demais. Fundador da marca Silvério, ele transformou a esta alfaiataria em uma linguagem política, afetiva e revolucionária. Um modo de existir com autonomia na indústria marcada por barreiras e exclusões. Um dos momentos decisivos em sua trajetória foi o Projeto Sankofa. Mais do que uma participação coletiva no São Paulo Fashion Week, foi um gesto de afirmação. Não se tratava de um pedido de inclusão, mas de um declaração firme: estamos aqui. Sankofa marcou a ruptura com uma lógica que só oferece visibilidade passageira. Para ele, o que está em jogo não é simplesmente aparecer, mas permanecer. A gente só quer continuar, construir, deixar legado, afirma. E esse legado só é possível quando a moda deixa de tratar diversidade como adereço e passa a entendê-la como estrutura. Os desafios de ser um estilista negro no Brasil são muitos, e do acesso limitado ao financiamento escasso, passando por uma visibilidade condicionada a simples padrões eurocentrados. Mas ele encontra força na ancestralidade, na vivência e também saber acumulado pela população negra. Para ele, fazer moda é documentar a memória de um povo, transformar a roupa em resistência e o corpo em território de afirmação: quando a gente consegue contar nossa história do nosso jeito, com liberdade, a moda vai se transformar, diz Rafael Silvério.
A própria marca Silvério vem passando por uma renovação. Com a entrada de Sud como diretor criativo da linha Essencial, a marca ganhou uma linguagem mais urbana, conectada à rua e à cidade. Rafa, por sua vez, segue dedicado à alfaiataria sob medida, que é sua paixão, e à Celebration, fortemente vinculada à comunidade lgbtqiapn+. A proposta é clara: criar roupas que celebram quem nós somos com coragem, beleza e verdade. A marca Silvério não veste padrões. Veste afetos, trajetórias, subjetividades, tradições, identidades, expressões e culturas.
Para quem está começando agora na moda, Rafa oferece um conselho que também é um chamado à autenticidade: seja fiel à sua visão. O que mais tem na moda é cópia, ruído, repetição. Encontrar a nossa própria voz e segundo ele, é um processo difícil e solitário, mas necessário. É quando se reconhece a própria história que se é capaz de transformá-la em linguagem. O que falta no mundo e na moda é verdade.
Hoje, a Silvério pode ser definida como um tipo de manifesto em forma de roupa. Uma ponte entre passado, presente futuro, costurada com muita beleza, afeto e verdade. Em cada corte, em cada tecido, uma afirmação que é extremamente potente e muito importante: vestir é existir
Mais do que uma marca, a Silvério é um manifesto vivo. É a resposta coletiva, firme e sensível, a um sistema que ainda insiste em marginalizar, silenciar e excluir. Nasce da urgência de pertencer, de reivindicar espaço, de transformar dor em potência e invisibilidade em presença. Silvério não cria apenas roupas, cultiva raízes. Cada peça carrega em si uma história, uma memória, um gesto de resistência bordado com propósito e afeto. É moda que olha com respeito, com coragem e com esperança.
ESTILISTAS INDÍGENAS
CONQUISTAM MODA ESPAÇO NA
Inspirados pela ancestralidade, eles produzem peças utilizando grafismos, fibras vegetais e sementes da floresta
POR Nicoly Ambrosio FOTO Sherolin Santos
Em um espaço improvisado no Parque das Tribos, primeiro bairro indígena reconhecido pela prefeitura de Manaus, a sede do Ateliê Derequine estimula o trabalho artesanal e sustentável de estilistas indígenas dos povos Witoto, Mura e Dessana. Desde 2015 até hoje, a sua liderança indígena Ortega Witoto, trabalha em conjunto com sua irmã, Sandy Witoto, que no estudo da cultura do seu povo por meio do significado dos grafismos, das relações com o seu território e de suas vivências enquanto mulheres originárias do município de Amaturá, no interior do Amazonas no Brasil.
Esse processo levou à criação das peças do Ateliê Derequine, que são inspiradas na valorização da cultura dos indígenas e na conexão das irmãs com o seu próprio território, na Aldeia Colônia. Leia Witoto, a matriarca, foi quem ensinou a técnica da costura às filhas que hoje atuam na produção e design do ateliê Derequine.
Da história do povo Witoto, originário da região do Alto Rio Solimões, surgiram roupas que remetem aos rituais sagrados e à espiritualidade. “Usamos o simbolismo dos animais como a cobra, por exemplo, que é um elemento sagrado de proteção de cura. Para as pinturas nos tecidos trazemos da nossa própria identidade”, disse Vanda Witoto em entrevista à Amazônia Real.
De acordo com Vanda, a moda sempre existiu nos territórios indígenas, “só que nós nunca ocupamos esses espaços da passarela, a moda de grande de grande mercado”, tenho que corrigir isso depois.
“A nossa moda questiona a sociedade e problematiza tudo o que nós estamos vivenciando enquanto povos indígenas.
A nossa moda é uma linguagem política, que denuncia a partir das roupas que a gente veste, as violações dos nossos direitos e as violências que os nossos corpos sofrem.
A nossa vestimenta é carregada por nossa identidade, por nossa memória, por nossas lutas e é sempre baseada na nossa cultura e ancestralidade, porque é isso que nos move neste mundo, saber quem somos e saber da nossa história”, não deixarei de corrigir.
A produção do Ateliê Derequine é especializada e concentrada em produzir “no tempo da natureza”, afirmou Vanda. Na contramão da fabricação em larga escala das grandes indústrias, o ateliê é comprometido com ações sustentáveis e mudou os tecidos de suas peças, que passaram a mais ser naturais e de melhor qualidade e com uma resistência maior.
As estilistas do ateliê optaram pelo uso da fibra do tucum, uma palmeira que cresce formando touceiras densas e atinge de 10 a 12 metros de altura. O tucum usado pelo Ateliê Derequine é retirado de seus territórios, das mulheres Tikuna da comunidade Belém do Solimões, na Terra Indígena Eware, no município de Tabatinga, também está no Alto Rio Solimões. As matérias-primas retiradas da natureza também incluem sementes de artesãs de Manaus. “A gente compra e utiliza as matérias-primas que as parentas trazem. Então, também tenho que corrigir todos esses textos, o nosso território quando a gente compra essas sementes”, ressaltou Vanda. O projeto se expandiu para outros municípios do Amazonas, participou de desfiles de moda ao longo do último ano e ajudou no desenvolvimento de figurino de programas de televisão, além de fomentar a independência financeira de mulheres indígenas no Parque das Tribos. Sem um espaço próprio, o grande sonho do Ateliê Derequine é a construção de um local para atender tanto a produção do ateliê, quanto para servir como um lugar de “potência para ampliar o que nós já fazemos”, afirma a líder indígena. Recentemente, o projeto foi contemplado pelo Podáali, Fundo Indígena da Amazônia Brasileira, primeiro mecanismo de abrangência amazônica para captação e redistribuição de recursos aos povos, organizações e comunidades indígenas. “Essa parceria tem sido de extrema importância para a aquisição de todo o tecido e todas as máquinas”, explicou Vanda. Para Vanda Witoto, o Ateliê Derequine é uma ferramenta política que os seus valores e também as suas tradições, narrativas construídas a partir dos traços, financeira de mulheres indígenas no Parque das Tribos.
VALORIZA A CULTURA INDÍGENA
Yra Tikuna, estilista originária da Terra Indígena Tikuna Umariaçu, em Tabatinga mora hoje na aldeia Inhãa-bé, localizada em uma área ribeirinha de Manaus, à margem do rio Tarumã-Açu. Foi na aldeia que Yra começou a costurar há mais de 20 anos. Suas peças são inspiradas nas histórias do povo Tikuna, em sua natureza e nos significados de grafismos que procuram imprimir força, alegria e conforto.
“Quero valorizar a minha e a história do meu povo, que é contada nos grafismos feitos nas peças e na valorização de espaços para indígenas na moda através da nossa ancestralidade, cultura e crenças”.
A busca pela sua ancestralidade se manifestou em peças que retratam os “mascarados”, protetores da natureza, e as anciãs contadoras de histórias dos clãs da etnia. As matérias-primas que Yra Tikuna utiliza são todas retiradas da natureza.
A estilista explica que seu povo utiliza o tururi, uma espécie de fibra vegetal que envolve os frutos da palmeira ubuçu, para fabricar suas vestimentas. Chamado pelos Tikuna de Tururi-Nhoê, o tecido é considerado sagrado. “Eu uso o tururi que é retirado da casca da árvore, algodão cru, jenipapo, urucum, açafrão, crajiru e entre outros materiais. Todos esses componentes significam sabedoria, habilidade, força, resistência e coragem”, afirmou Yra. Estilista, artista plástica e também ativista indígena, Weena Tikuna nasceu na tribo Umariaçu e representa os Tikuna em suas criações de moda. A sua marca (We’e’ena TIkuna, a Arte Indígena) nasceu da grande vontade de combater o preconceito e o racismo sobre a história dos povos indígenas brasileiros. Por meio de todas as suas criações, é pioneira na moda indígena contemporânea.
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A moda da Amazônia não é regional mas sim uma moda contemporânea que está alinhada com o mercado fashion, que tem cultura e identidade própria, é uma forma de preservar tradições indígenas
Para a estilista, a moda cria uma forma de valorizar e também manter viva a tradição indígena de respeitar a espiritualidade, uma vez em que sua arte é uma forma de resistência. “Eu sempre crio olhando para nossa ancestralidade, mas também olhando para nosso futuro, isso é a nossa moda ancestral”. Ela trabalha exclusivamente com tecido de algodão orgânico e fibras de tururi, e os tingimentos são naturais, feitos com jenipapo e urucum, extraído da natureza, sendo 100% orgânicos.
Todo o processo é realizado pela estilista, que além da criação, desenvolve a modelagem das peças. Os grafismos indígenas feitos de forma manual, um dos destaques de sua criação, vão além do belo, sendo um código de comunicação complexo que, nas palavras da estilista, “respeita, representa, divulga e valoriza a nossa cultura e tradição com orgulho”.
“A minha moda mostra para as pessoas que os indígenas não são algo do passado, mas estamos presentes em todos os espaços, transformando e descolonizando. Valorizamos a nossa cultura através das nossas peças com produtos 100% naturais e orgânicos, o que tem valor muito forte e muito significativo para nós. Eu sempre crio e sempre vou criar olhando para nossa ancestralidade e cultura, mas também não deixando de olhar para nosso futuro, é ele que nos abrirá as portas para as oportunidades”, disse.
Em sua nova coleção, “Amazônia
Sagrada: Utu’ü”, apresentada na 7ª edição do Brasil Eco Fashion Week (befw), um evento anual que promove as boas práticas de sustentabilidade no mercado e indústria da moda brasileira, a artista trouxe o saber milenar Tikuna sobre a floresta amazônica e um manifesto pela sua preservação.
Além do tecido sagrado tururi, fibras de tucum, fibras de arumã, sementes de açaí, penas de arara sagrada, grafismo Tikuna.
TÉCNICAS ANCESTRAIS
Sioduhi, estilista indígena do povo Piratapuya, foi responsável por criar um corante de tecido a base de mandioca para a sua marca, a Sioduhi Studio. Esta tecnologia, chamada por ele de ManioColor, surgiu quando o designer de moda incluiu técnicas de tingimento natural em sua coleção “Pamiri 23”, a partir da extração de aroeira, uma planta que é utilizada para questões médicas.
Originário da aldeia Mariuá, em São Gabriel da Cachoeira, região do Alto Rio Negro, no Amazonas, Sioduhi se preocupou com a ameaça de extinção da aroeira, e passou então a utilizar cascas de mandioca brava para seguir na produção de um novo corante têxtil, por causa de sua forte pigmentação e potencial para o reaproveitamento e reutilização.
A revitalização da prática do tingimento e da utilização de fibras naturais é uma das principais pesquisas que Sioduhi desenvolve em sua empresa. Através de suas criações, a Sioduhi Studio expressa o orgulho da origem indígena e a resistência dos povos amazônidas. O estilista tem como referência o futurismo indígena, um movimento que resgata os conhecimentos ancestrais dos povos indígenas por meio de produções que dialogam com novas perspectivas do mundo, como a moda.
“As peças valorizam a manualidade e a revitalização dessa prática do tingimento natural. Com o avanço dos tingimentos sintéticos, tem se perdido o cuidado em usar esse material que não agride o meio ambiente. É um caminho que eu tenho seguido”, enfatizou o estilista.
Em sua marca, Sioduhi atua de forma autônoma, e por não ter um grande investimento ou patrocínio, capta recursos sozinho para investir em suas criações e remunerar as pessoas com quem trabalha. Normalmente, os recursos vêm geralmente de editais ou de prestação de serviços. Embora a autonomia financeira seja mais desafiadora, ele considera que possui mais oportunidade de decidir o seu trabalho por si mesmo, sem se preocupar com imposições e interrupções de qualquer patrocinador.
Além de “Pamiri 23”, Sioduhi é autor das coleções “Manioqueen” e “Dabucuri”, criadas para seu estúdio, e “Weá Terra Fértil”, uma coleção conceitual feita sob encomenda para a National Geographic Brasil, lançada como parte das comemorações pelo Dia da Amazônia, em 5 de setembro de 2021. Em dezembro de 2023, ele participou pela terceira vez do Brasil Eco Fashion Week, em São Paulo, agora com a coleção “Amô Numiã: Ontem, Hoje e Amanhã”. Anteriormente, o estilista já esteve presente com outras coleções, como por exemplo, na quinta e na sexta edição.
As peças da nova coleção são feitas de tecidos tramados com fibra de tucum, tecido de algodão emborrachado de seringa e tingimento natural de ManioColor. Esta coleção representa as transformações feitas pelas Amõ Numiã, que são as primeiras mulheres, filhas do Umukoho Mahsu (Criador de todo o Universo, de acordo com sua cultura indígena).
Na transmissão oral dos povos indígenas do Alto Rio Negro, as mulheres que dominaram miriã pu (flautas de jurupari), fundaram um matriarcado e lideraram o novo manejo do território e do universo por um período na história primordial. Neste projeto, a Sioduhi Studio une as tecnologias manuais milenares das mulheres do Rio Negro, de Manaus, Novo Airão e Taracuá, no Amazonas, e da Ilha de Cotijuba, no Pará, para criar uma espécie de celebração para a mulheridade e a memória das Amõ Numiã, que são as representantes do passado, presente e o futuro.
“Nessa coleção as inspirações vêm da minha vivência, do lugar onde eu cresci e das histórias que eu ouvi. Essa coleção é muito mais arte-moda do que outras coleções e bem mais experimental, e nela eu foco um pouco mais sobre essas mulheres que dominaram as portas sagradas do jurupari e manejaram a Amazônia por meio do matriarcado”, explicou o estilista.
As características manuais e experimentais das peças de Sioduhi, resultados de técnicas milenares dos povos indígenas, levou arte para a passarela e deu um novo ritmo para o processo criativo do estilista, que até então só havia lançado peças comerciais. “Foi algo muito necessário de acontecer dentro da minha marca porque é uma coisa que eu sempre quis, unir arte e moda. Eu quis misturar e criar peças que também podem ser comercializadas, mas que são obras de arte”, definiu Sioduhi.
As roupas são feitas a partir da cultura indígena, valorizando o que mais importa, a visibilidade e o respeito pela origem do próximo, há sempre respeitar e valorizar diversas culturas, algo que a moda há de melhorar desde sua origem, a moda sempre invisibiliza pessoas de origem que não está dentro dos padrões europeus.
COLETIVIDADE É A BASE
Desde os desfiles da 1ª Mostra Intercultural de Moda Indígena do Brasil, realizados no ano passado, Yra Tikuna tem exportado seus produtos para outros estados do país e passou a atuar de forma mais autônoma.
Apesar de não ter um espaço físico próprio para a confecção de suas peças e obras, a estilista tem buscado formas de parcerias para a construção do seu futuro ateliê.
Yra trabalha com a ajuda de pessoas queridas da sua comunidade, consideradas fundamentais para a confecção das peças. “Tenho um pequeno espaço lá na minha aldeia e de estilista só eu, mas o trabalho conta com outros queridos comunitários da comunidade”, destacou a estilista indígena.
Em sua nova coleção, Sioduhi destaca o trabalho das muitas mãos que construíram as peças, manter os laços e relacionamentos com essas mulheres como as mulheres da Associação de Artesãos Indígenas de São Gabriel da Cachoeira e Ínaru Eyawa, e muitas outras, que não gostam de serem mencionadas. Ele também ressalta que o trabalho é uma “Falar dessa conexão como território é manter os relacionamentos com essas mulheres, que utilizam a arteartesanato como fonte de renda para poder sustentar a sua família, para poder manter a sua casa alimentada”, disse a artesã. Ele também ressalta o trabalho de Clara Dessana, artesã que faz cerâmica na comunidade indígena Taracuá, às margens do Rio Valpés, em São Gabriel
da Cachoeira. Sioduhi diz que a releitura contemporânea que faz da arte-artesanato está dando continuidade às transmissões orais dos povos indígenas de formas diferentes, por meio da moda e por meio do audiovisual. “A conexão é muito maior do que apenas aquele mero glamour ou aquela coisa bonita que se vê na passarela, se trata mais de troca e aprendizado contínuo”, manifestou a estilista indígena Yra Tikuna. O estilista não tem ateliê próprio, mas para a realização a coleção Amõ Numiã, conseguiu utilizar um espaço cedido pela Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Amazonas, dentro do Centro Cultural dos Povos da Amazônia, localizado no Crespo, na zona sul de Manaus. Pela limitação física e de maquinário, o lugar não tem condições de abrigar a produção de estilos indígenas. “Tenho pensado muito nesses últimos períodos, não só dentro da moda, mas da arte em si, como é muito necessário ter esses espaços de criação e partilha”, reflete Sioduhi.
A moda feita por criadores indígenas não busca apenas responder às tendências e o que está em alta no mercado. Ela propõe uma nova maneira de pensar o tempo, o consumo e o valor. O ciclo de produção respeita a sazonalidade da natureza, sustentabilidade, as dinâmicas comunitárias e o saber ancestral transmitido por gerações. Ao vestir uma peça de Yra ou de Sioduhi, não se consome apenas um objeto estético, mas uma história viva, feita de afeto, memória, território e cheia de tradição e cultura. Essas produções também questionam os padrões impostos pela indústria da moda convencional. Rejeitam a lógica do descarte, da padronização e da apropriação cultural. Em vez disso, afirmam o direito à autoria, ao pertencimento e à circularidade. Cada costura, cada trançado ou bordado é resultado de um fazer coletivo que preserva identidades com respeito que merece e alimenta vínculos sociais. É um gesto de resistência e força, porém também é de imaginação política e resistência brasileira.
Ao lado de tantas outras lideranças e artistas indígenas, Yra Tikuna e Sioduhi vêm pavimentando caminhos para as novas gerações que sonham com um espaço de criação livre e enraizado. Seus trabalhos ampliam o conceito de moda ao transformá-la em linguagem de denúncia, de celebração e de reconstrução simbólica. Eles mostram que criar, para os povos originários, é também uma forma de ocupar e reencantar o mundo Por isso, falar de moda indígena é falar de justiça, de autonomia e de um futuro possível. Um futuro que não repete as exclusões do passado, mas que acolhe a pluralidade de saberes, corpos e estéticas que formam o Brasil. Enquanto muitos ainda tentam negar o valor dessas vozes, elas seguem criando, tecendo e inspirando com beleza, força e verdade. Cada peça criada carrega não apenas a estética, mas também a história de um povo, sua relação com o território, com os rituais e com a coletividade. É uma moda que respeita os ciclos da natureza, o tempo do fazer manual e o valor das conexões. A valorização da moda indígena não é uma tendência passageira, é uma necessidade urgente.
ESTÉTICA EM DESLOCAMENTO
Acreditar na moda como ferramenta de transformação social é o ponto de partida. Mais do que estética, trata-se de expressão, identidade e pertencimento. A criação nasce da escuta atenta dos corpos dissidentes, das vivências periféricas, da cultura popular e ancestral. Aqui, não há nem um pouco de espaço para padrões engessados nem para silenciamentos históricos.
Cada peça carrega o desejo de liberdade. Liberdade de gênero, de forma, de existência. O agênero não é tendência, é manifesto vivo. Um posicionamento que questiona normas e amplia horizontes. A inclusão não é adorno, não é algo que se escolhe aplicar em uma campanha específica. Ela é estrutura, é o alicerce sobre o qual tudo se constrói.
A proposta é reverter a lógica tradicional da indústria, muitas vezes marcada pela exclusão, pela superficialidade e pela produção em massa que ignora processos humanos e afetivos. Em vez disso, o olhar se volta para o que é real, urgente, e profundamente necessário: a valorização de narrativas que foram, por muito tempo, invisibilizadas.
A escuta ativa das margens e o reconhecimento das potências que nascem fora dos grandes centros urbanos são pilares inegociáveis. A beleza não está apenas na passarela tradicional. Ela está nos becos, nas ladeiras, nos terreiros, nos encontros de rua, nas festas populares e nos saberes passados de geração em geração.
A criação é coletiva. Envolve trocas, escuta, cuidado. Envolve respeitar o tempo das coisas, entender o processo como parte fundamental do resultado. Cada detalhe importa. Desde o tecido escolhido até quem está na campanha, quem veste, quem fotografa, quem comunica. Tudo precisa fazer sentido e honrar a proposta maior: construir um espaço onde mais pessoas possam se ver e se sentirem pertencentes ao espaço.
O futuro da moda não será construído por quem segue as regras de sempre. Ele nasce no agora, impulsionado por quem ousa imaginar outros caminhos, por quem transforma ausência em presença, e por quem enxerga a beleza nas multiplicidades que o mundo tem a oferecer.
POR Hisan Silva FOTO Cael Lima
ESTILO COM PERTENCIMENTO
POR Sam Porto FOTO Rowan Fox
A moda é uma linguagem potente. É estética, mas também é política. É imagem, mas também é discurso. Durante décadas, corpos transexuais foram silenciados, ridicularizados ou completamente apagados das passarelas, campanhas e editoriais. Hoje, esse cenário começa a se transformar ainda que seja de forma lenta e desigual, graças à luta de artistas, modelos, estilistas e criadores trans que se recusaram a ser invisíveis.
A representatividade transexual na moda não pode ser tratada como um gesto simbólico, e muito menos como uma estratégia de marketing momentâneo. Ela precisa ser entendida como um direito, o direito de existir, de ocupar espaços de poder, de ser referência estética, intelectual e criativa. Não se trata apenas de colocar corpos trans em campanhas; trata-se de construir ambientes seguros nos bastidores, de garantir acesso à formação, de respeitar trajetórias e de valorizar o protagonismo trans em todos os níveis da cadeia produtiva.
Quando uma pessoa trans ocupa a passarela, ela carrega muito mais do que uma roupa. Ela carrega histórias de exclusão, de reinvenção, de resistência. Ela questiona normas, desafia padrões e propõe novas possibilidades de beleza, autenticidade e expressão. A presença trans na moda amplia o imaginário coletivo, desconstrói estigmas e inspira outras pessoas a se enxergarem como dignas de visibilidade e reconhecimento.
Mas ainda há muito a ser feito. A indústria da moda, com sua lógica muitas vezes excludente e elitista, precisa entender que representatividade real não é sobre tendência, é sobre transformação estrutural. Isso exige contratação de profissionais trans em todos os setores, investimento em suas formações, remuneração justa, respeito às identidades e acolhimento das múltiplas existências que fogem ao molde cisnormativo imposto pela sociedade.
A presença de pessoas trans na moda é urgente, necessária e revolucionária. E a verdadeira revolução acontece quando essa presença deixa de ser exceção e passa a ser regra. Porque todo corpo tem o direito de ser visto com dignidade, com respeito e com beleza.
CULTURA EM RESIGNIFICADO
POR Dandara Queiroz FOTO Liz Lopes
Sou fruto da terra, da mata, das águas e dos meus ancestrais. Minha trajetória na moda e nas artes não são apenas uma carreira, mas é um ato político, um gesto de resistência, uma forma de manter vivas as memórias, culturas e tradições do meu povo.
Quando entro na passarela, levo comigo mais do que um corpo: levo histórias, saberes, símbolos e conexões. A pintura no meu rosto, feita com jenipapo e urucum, não é estética. É identidade! Cada acessório, cada expressão, cada movimento é uma forma de mostrar ao mundo que nós existimos, resistimos e criamos com orgulho a partir da nossa ancestralidade, cheio de autenticidade.
Fora das passarelas, meu compromisso continua. Acredito profundamente no poder da arte e da educação como ferramentas de transformação social. Por isso, atuo em projetos que oferecem oficinas gratuitas em comunidades indígenas, quilombolas e caiçaras no litoral de São Paulo. Nas escutas e nos encontros que semeamos novos futuros possíveis. A cultura não deve ser privilégio de poucos, mas um direito acessível a todos.
Minha espiritualidade está na natureza. Não sigo religiões, sigo os caminhos do vento, o som das folhas, o silêncio das águas. São os elementos da terra que me guiam. O cuidado com a vida em todas as suas formas é parte essencial do que sou e do que desejo ver no mundo.
Além do meu trabalho artístico, tenho graduação em Arquitetura e Urbanismo. Esse conhecimento ampliou minha visão sobre o espaço e sobre como podemos construir ambientes mais justos, inclusivos e respeitosos não só com a natureza mas também com pessoas. Unir o saber acadêmico à sabedoria ancestral é, para mim, uma forma de reimaginar os territórios que ocupamos.
Tudo o que faço tem um propósito. Não trilho meu caminho sozinha. Caminho com os que vieram antes, com os que caminham ao meu lado e com os que ainda virão. Minha voz é instrumento, minha presença é política. E a cada dia que passa, sigo com coragem e verdade, honrando quem sou em cada escolha, em cada ação, em cada sonho que planto e futuramente venho a colher.
MUDANÇAS DO REPRESENTATIVO
POR Joares Tenorio FOTO João Melo
A moda não pode ser apenas estética; ela precisa ser um veículo de transformação social. Para mim, vestir-se é um ato político, uma forma de expressar identidade, resistência e pertencimento. O que faço com a minha marca é mais do que criar roupas é construir narrativas que desafiam padrões, rompem com a exclusão e valorizam a diversidade em todas as suas formas. Cada peça é pensada para contar uma história, trazer força, para fazer quem a usa se sentir representado e empoderado, independente de sua origem, gênero, cor ou classe social.
O ativismo que prego dentro da moda é uma luta diária contra o desperdício, contra a exploração e contra a invisibilidade de grupos marginalizados. Acredito que a moda tem um papel social fundamental e que deve servir como uma plataforma para dar voz e visibilidade a quem historicamente foi silenciado ou apagado. Essa luta está presente em cada decisão que tomo desde a escolha dos tecidos até as parcerias que estabeleço porque a ética deve estar presente em todas as etapas do processo criativo e produtivo dos projetos criados.
Além da sustentabilidade, o ativismo dentro da moda passa pela inclusão real não apenas nas campanhas publicitárias ou nas passarelas, mas também na cadeia produtiva, nos espaços de decisão e nas equipes criativas. Precisamos garantir diversidade de vozes e experiências, porque só assim a moda pode ser verdadeiramente plural, democrática e representativa. É necessário romper com estruturas que historicamente excluíram corpos, histórias e culturas, e abrir espaço para que todos possam ocupar seu lugar de direito no mundo.
Ser estilista é, para mim, ser agente de mudança. A moda tem o poder de provocar reflexões, derrubar preconceitos e celebrar todas as identidades. É uma linguagem que fala sem palavras, capaz de questionar o status quo e abrir caminho para um mundo mais justo e diverso. Meu trabalho é um convite para que cada pessoa encontre no vestir uma ferramenta de afirmação, resistência e liberdade, um jeito de mostrar ao mundo quem ela é e no que acredita e o quão importante é.
O QUE VER AGORA?
O audiovisual como espaço de resistência, beleza e construção
POSE (2018–2021) – SÉRIE
Onde assistir: Netflix
A série mergulha na cultura ballroom de Nova York, onde pessoas negras e latinas, majoritariamente trans e lgbtqia+, criam universos de moda, glamour e resistência. O figurino é muito mais do que roupa: é armadura, é sonho, é afirmação de existência. Em meio à epidemia de hiv, à violência estrutural e à marginalização, Pose dá voz a quem historicamente foi silenciado. Com personagens memoráveis, a série celebra a potência dos corpos e transforma a passarela em espaço de cura e pertencimento.
PARIS IS BURNING (1990) – DOCUMENTÁRIO
Onde assistir: Globoplay
Um clássico fundamental do cinema queer. Retrata a cena ballroom de Nova York nos anos 1980, revelando o universo de moda, performance e resistência das comunidades negras e latinas lgbtqia+. Com entrevistas tocantes, o documentário mostra como as “houses” funcionavam como famílias escolhidas, e como os bailes eram um refúgio para sonhos, identidade e afirmação. Uma obra essencial para entender as raízes de movimentos culturais que moldaram a estética pop contemporânea.
MOONLIGHT (2016) – FILME
Onde assistir: Apple TV
Uma obra sensível e visualmente poderosa sobre masculinidade negra e construção de identidade. Acompanhamos Chiron em três fases da vida, enfrentando preconceitos, silêncio e autodescoberta. Cada fase do protagonista traz uma paleta, figurinos e estéticas que dialogam com o processo de se entender e se expressar no mundo. Vencedor do Oscar de Melhor Filme, por mostrar com delicadeza e firmeza, a complexidade de viver e amar sendo um homem negro e gay nos Estados Unidos.
YELLOW IS FORBIDDEN (2018) – DOCUMENTÁRIO
Onde assistir: Aluguel no YouTube
A história da estilista chinesa Guo Pei, que desafiou a dominação eurocêntrica da alta-costura ao levar a estética asiática para os holofotes da moda mundial. O documentário acompanha sua jornada de criação, tradição e ousadia, revelando como a cor amarela se torna símbolo de poder e reinvenção. É também um olhar sobre o preconceito estrutural que existe fortemente na indústria da moda e sobre como a beleza pode ser reimaginada a partir de outras cosmovisões.
WESTWOOD (2018) – DOCUMENTÁRIO
Onde assistir: Globoplay e Prime Video
Conta a trajetória provocadora de Vivienne Westwood, estilista britânica que fundiu moda, punk e ativismo ambiental. Com estilo irreverente e contestador, ela redefiniu o papel da moda como ferramenta de crítica e transformação social. O documentário mistura arquivos, depoimentos e cenas do cotidiano de Westwood, revelando os dilemas de se manter fiel a ideais em uma indústria muitas vezes pautada por consumo e conveniência. Uma história de rebeldia costurada em cada peça.
LOVECRAFT COUNTRY (2020) – SÉRIE
Onde assistir: Max
Ficção científica, terror e crítica racial se misturam em uma narrativa visualmente impactante. Ambientada na década de 1950, a série revisita o racismo estrutural dos Estados Unidos ao mesmo tempo em que incorpora monstros sobrenaturais e mitologias de horror. O figurino viaja no tempo e nas estéticas afro-americanas, mostrando moda como expressão cultural, resistência e orgulho. Lovecraft Country é um grito estético e político, onde cada cena veste memórias, ancestralidade e desejo de liberdade.