Revista Rumos - Edição nº 300

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#300 JULHO/AGOSTO

Em evento da ABDE, assessores econômicos dos candidatos à Presidência da República apresentam suas visões sobre o papel do Sistema Nacional de Fomento para a retomada do desenvolvimento sustentável do país.

ELEIÇÃO: QUE CAMINHO SEGUIR

REPORTAGEM ESPECIAL

ARTIGO

PRÊMIO ABDE-BID

A luta da indústria brasileira para voltar ao protagonismo e superar desafios nacionais e externos.

A diretora técnica do Sebrae, Heloisa Menezes, destaca o poder do empreendedorismo feminino.

Confira o resumo dos trabalhos vencedores nas três categorias da edição 2018 da premiação.

2018



Especialistas em pequenos negรณcios / 0800 570 0800 / sebrae.com.br


SUMÁRIO

JULHO/AGOSTO 2018

#300

ARTIGO

Heloisa Menezes

Empreendedorismo feminino, novo horizonte de país

Sérgio Cara

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CAPA I Reportagem

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REPORTAGEM

Ponte para o desenvolvimento

OPINIÃO |

Netto

O debate que o Brasil precisa

Antonio Delfim

Agosto 2018

ARTIGO

Clarisse Mourão e Marcelo Carneiro

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REPORTAGEM ESPECIAL

Avanços e atrasos

Desenvolvimento social e gestão de risco

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ARTIGO

Rogério Gomes e Ana Paula Machado Avellar

Economia Industrial e da Inovação

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ARTIGO | Thais Sena Schettino Editora

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Prêmio ABDE-BID

Premiados em 2018 ARTIGO

Lena Lavinas e Eliane de Araújo

Reforma da previdência entre omissões e falsos mitos

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Noel Joaquim Faiad

Zeitgeist, termo alemão que pode ser explicado como “espírito de uma época”. Vivemos um momento no Brasil tão diferente, tanto pelas novas tecnologias, que influenciam nossa vivência no mundo, como pelos aspectos econômicos e políticos, que não nos permitem ver com clareza os desdobramentos futuros. Logo, não é possível dizer se estamos em uma época progressista, conservadora, de ruptura ou manutenção, o “espírito do momento” está em construção. Para tanto, resta-nos buscar as ideias, as informações para, quando tudo ficar mais claro, podermos tomar as mais acertadas decisões possíveis. Nesse sentido, a Rumos traz aos leitores duas reportagens esclarecedoras: a primeira, a cobertura do evento promovido pela Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), com os assessores econômicos dos candidatos à presidência da República, para que apresentassem os planos de governo considerando o Sistema Nacional de Fomento. A segunda é um diagnóstico sobre a indústria brasileira e o quanto ela precisa de um olhar cuidadoso para contribuir para a retomada do desenvolvimento brasileiro. É também uma edição recheada de artigos, dos mais variados assuntos, para que se possam ampliar as visões de mundo e construirmos as nossas opiniões bem embasadas. Começamos também a apresentar os vencedores da edição 2018 do Prêmio ABDE-BID. Confira os resumos dos trabalhos que se destacaram. Boa leitura!

DESTAQUES

NESTA EDIÇÃO

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AO LEITOR

32 LIVROS

34 CARTAS DO LEITOR

JULHO | AGOSTO 2018


ARTIGO

Empreendedorismo feminino, novo horizonte de país

RUMOS

res as condições para que possam participar de forma plena da vida econômica do país. Sabemos que o empreendedorismo tem representado a liberdade econômica e contribuído para a emancipação de mulheres, muitas vezes, em situação de vulnerabilidade social. Mais que gerar emprego e renda, apoiar as mulheres na abertura de suas próprias empresas significa também ajudá-las a construir uma nova história e impulsionar o desenvolvimento regional. Uma maior participação da mulher no mercado de trabalho vai repercutir de maneira positiva nos indicadores econômicos. A promoção da igualdade de condições de trabalho, por exemplo, promoveria um incremento de 30% no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, aponta um estudo do Instituto Global McKinsey. Estima também que, se todas as mulheres do mundo tivessem papel igual ao dos homens no mercado, cerca de US$ 28 trilhões, ou 26%, poderiam ser adicionados ao PIB global anual até 2025. Precisamos continuar mobilizados, se queremos construir um futuro onde nossos filhos e filhas possam usufruir de iguais direitos. E isso passa por desmitificar preconceitos históricos. Por que não há fraldários nos banheiros masculinos? Porque se espera que cuidar dos filhos seja tarefa exclusiva das mães. Com o rápido envelhecimento da população, então, logo as mulheres serão cobradas também pelos cuidados para com os pais idosos. Se queremos alcançar um novo estágio como sociedade, precisamos urgentemente desconstruir os papeis sociais de homens e mulheres. E o empreendedorismo feminino, com certeza, é parte dessa solução.

HELOISA MENEZES Diretora técnica do Sebrae Divulgação

Há décadas, a sociedade brasileira debate a necessidade de estabelecermos a igualdade entre homens e mulheres em todas as instâncias públicas e privadas do país. Esse debate vem sendo construído por meio da luta e da resistência de mulheres como a potiguar Celina Viana que, há exatos 90 anos, tornou-se a primeira eleitora do país. Em meio a avanços e retrocessos, ocupamos espaços cada vez mais significativos, mas ainda há muito por conquistar. Essas vitórias, é importante salientar, não são apenas de nós mulheres, mas de toda a população brasileira. Os avanços mais expressivos que alcançamos estão no terreno da educação. Em pouco mais de 100 anos, saímos de um sistema em que as mulheres eram preparadas para as tarefas da casa, para uma participação majoritária em todos os níveis de escolaridade. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que somos a maioria, desde o ensino fundamental até a pós-graduação. Segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), as mulheres lideram em número de matrículas e títulos, em cursos de mestrado e doutorado no Brasil, com 19% de vantagem sobre os homens. Entretanto, há uma flagrante contradição quando observamos o impacto dessa maior escolaridade sobre o mercado de trabalho. O fato é que continuamos a ter remunerações abaixo daquelas recebidas por homens e estamos bem aquém na ocupação de posições de chefia. Uma explicação para essa realidade está nas responsabilidades domésticas que ainda pesam, majoritariamente, sobre as mulheres e nos levam a optar por jornadas de trabalho mais flexíveis. Nesse contexto, pesquisas realizadas pelo Sebrae apontam um crescimento significativo do número de mulheres que optam pelo caminho do empreendedorismo. Embora a maior parte do empresariado brasileiro ainda seja formada por homens, essa diferença vem caindo. Atualmente, as mulheres já superam os homens na abertura de novos negócios (desde 2015, 14,2 milhões foram abertos por mulheres e 13,3 milhões por homens). Pensando nesse crescente protagonismo feminino, o Sebrae assinou a carta de adesão aos “Princípios de Empoderamento das Mulheres”, projeto da ONU Mulheres e do Pacto Global das Nações Unidas, que pretende assegurar às mulhe-

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Fotos: Sérgio Cara

REPORTAGEM

O debate que o Brasil precisa

Em ação inédita, ABDE promove encontro com assessores dos candidatos à Presidência da República, em um debate sobre o papel do Sistema Nacional de Fomento para o futuro do país. POR JADER MORAES A Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) promoveu um encontro com os assessores econômicos dos candidatos à Presidência da República para as eleições de 2018. O evento, intitulado "O Desenvolvimento que o Brasil precisa", ocorreu em Brasília, no dia 8 de agosto, e teve como base o debate sobre a retomada do crescimento sustentável no país e o papel destinado às instituições de fomento nos programas de cada um dos concorrentes. Participaram do evento os economistas: Ana Paula Oliveira (Álvaro Dias/Podemos), Eduardo Bandeira de Mello (Marina Silva/Rede), José Marcio Camargo (Henrique Meirelles/MDB), Marcio Pochmann (Luiz Inácio Lula da Silva/ PT), Marco Antônio Rocha (Guilherme Boulos/PSOL) e Nelson Marconi (Ciro Gomes/PDT), sendo que todos os pré-candidatos foram convidados para o encontro. Nas próximas páginas, confira um resumo de cada uma das falas.

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O objetivo do evento foi apresentar a Carta de Posicionamento da ABDE e debater a importância do Sistema Nacional de Fomento (SNF) para a retomada do crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável do Brasil. Para acompanhar o evento, foram convidados os executivos das instituições associadas da ABDE e representantes de organizações parceiras da associação. Estava prevista a presença de 50 convidados, mas cerca de 80 pessoas acompanharam o encontro. A imprensa também foi convidada a ter uma participação importante no encontro, dirigindo perguntas públicas aos assessores econômicos. Profissionais dos principais veículos de comunicação do país estiveram presentes, de todas as mídias: jornais impressos, portais de internet, emissoras de rádio e televisão.

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DESENVOLVIMENTO que o

BRASIL precisa

SISTEMA NACIONAL DE FOMENTO O encontro foi dividido em três blocos: no primeiro, a ABDE realizou uma apresentação institucional e de sua carta de posicionamento, seguida de uma exposição livre, de dez minutos, de cada assessor econômico. No segundo bloco, executivos da associação fizeram perguntas aos assessores sobre temas ligados à retomada do desenvolvimento e ao aumento da taxa de investimentos do país. No terceiro e último bloco, os jornalistas presentes puderam dirigir as suas perguntas às candidaturas, também com tema livre. O presidente da ABDE, Marco Crocco, ressaltou que, mais do que um debate, o encontro era uma oportunidade de diálogo para que a instituição apresentasse sua pauta e sua visão e também de ouvir das candidaturas as questões cruciais para o desenvolvimento do país. “Este é um momento importante não só pela crise por que passa o país, que torna as nossas escolhas ainda mais relevantes, mas também pelo período que o mundo atravessa”, afirmou o economista, que também é presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG). Crocco lembrou que, desde a crise iniciada em 2007, os sistemas nacionais de fomento de diversos países passaram a ganhar relevância e a discussão sobre a existência ou não de bancos de desenvolvimento deixou de ser uma polêmica central. Ao contrário, há um consenso, reforçado até mesmo por organismos multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), de que essas instituições têm um papel decisivo nas economias nacionais. “Todos os países, com diferentes matizes ideológicos, passaram a entender que o sistema nacional de fomento é um elemento importante para suas respectivas estratégias de desenvolvimento econômico. Os bancos de desenvolvimento e os sistemas de fomento são uma realidade, eles não estão mais em discussão. O debate hoje é sobre o que eles devem fazer e como deve ser feito, em quais áreas devem atuar, de acordo com as especificidades de cada país. Mas não está mais em discussão a existência ou não”, comentou. O secretário-executivo da ABDE, Marco Antonio Lima, apresentou as características do Sistema Nacional de Fomento brasileiro e destacou a força das 31 instituições que formam a associação, com presença em todas as regiões e estados do país. “Esse sistema possui capilaridade e forma uma rede de fomento que

RUMOS

Todos os países, com diferentes matizes ideológicas, passaram a entender que o sistema nacional de fomento é um elemento importante para suas respectivas estratégias de desenvolvimento econômico. Os bancos de desenvolvimento e os sistemas de fomento são uma realidade, eles não estão mais em discussão. Marco Crocco, presidente da ABDE

pode auxiliar o país a voltar a crescer com sustentabilidade, resgatando sua vocação histórica”, discursou, lembrando que o Brasil já foi o país que mais cresceu no mundo, no período de 1930 a 1980. “Temos que voltar a crescer e o SNF pode dar essa contribuição, de várias maneiras. O Brasil precisa desesperadamente de desenvolvimento”, frisou. O diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Ricardo Ramos, também participou da abertura do evento, representando o presidente do banco, Dyogo Oliveira. O BNDES ocupa, estatutariamente, a presidência da Assembleia dos Associados da ABDE. Ramos reforçou que o desenvolvimento está no DNA das instituições que compõem o Sistema Nacional de Fomento e são associadas à ABDE. As perguntas aos assessores dos candidatos foram apresentadas pela segunda vice-presidente da associação e presidente da Agência de Fomento do Rio Grande do Sul, Jeannette Lontra, e pelo diretor da associação e do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo-Sul, Luiz Corrêa Noronha.

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Abertura do encontro, em Brasília.

Plateia formada por executivos das instituições de fomento, parceiros da ABDE e jornalistas.

Antes do evento, assessores econômicos conversam com executivos da ABDE .

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CARTA DE POSICIONAMENTO Os assessores dos candidatos à presidência receberam a Carta de Posicionamento da ABDE, que foi tema das questões que balizaram o encontro. O documento é resultado de entrevistas e audições com executivos das 31 instituições associadas, realizadas em janeiro e fevereiro deste ano, e coloca o Sistema Nacional de Fomento no centro das políticas econômicas que podem definir o avanço socioeconômico do país. Segundo o documento, disponível no site da Associação, o SNF tem participação decisiva para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, por meio do financiamento de longo prazo que alavanca o investimento, contribuindo para o aumento da produtividade. O documento chega em um momento fundamental para o futuro do país, onde as possibilidades de retomada do crescimento se abrem diante da perspectiva de novas eleições. A Carta lembra ainda que bancos de desenvolvimento e agências de fomento não são especificidades do Brasil, mas que existem também em outros países, como o banco público de desenvolvimento alemão KfW (Kreditanstalt für Wiederaufbau), em torno do qual se reúnem 17 agências de fomento da Alemanha. O KfW totalizou, em 2014, ativo equivalente a 17% do PIB do país. Também há bancos de desenvolvimento na China, Coreia do Sul, Itália, Espanha, Japão, França e Rússia, dentre outros. O manifesto reforça a necessidade de o governo, nas esferas federal, estadual e municipal, empreender ações que priorizem os órgãos de fomento, de forma planejada, para que a execução de políticas públicas assegure a retomada do crescimento e do desenvolvimento em bases sustentáveis, em níveis nacional e regional.

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DESENVOLVIMENTO que o

BRASIL precisa

BNDES terá papel fundamental para definir novas maneiras de captação de recursos no mercado

Ana Paula Oliveira (Álvaro Dias – Podemos)

O plano de governo do candidato Álvaro Dias (Podemos) prevê a refundação da república brasileira, e as instituições de fomento vão ter papel fundamental para que sejam atingidas as metas de políticas públicas, explicou a coordenadora do programa, Ana Paula Oliveira. O objetivo é fazer com que a economia brasileira cresça a uma taxa média de 5% nos próximos quatro anos, com a geração de dez milhões de empregos nesse período e prioridade em cinco temas: incentivo à inovação, fortalecimento da indústria e do agronegócio, apoio ao empreendedorismo, reconstrução da rede de infraestrutura e interiorização. Ela afirmou que o BNDES deverá coordenar e integrar todas as agências de fomento em prol de alguns objetivos do governo, em especial o desenvolvimento de políticas setoriais. “Vamos criar um Centro de Governo, em que o BNDES terá papel fundamental, para definir novas maneiras de captação de recursos no mercado, para levá-lo efetivamente até as empresas e setores produtivos que necessitam”, listou. A partir do exemplo do banco alemão KfW, que coordena uma rede de 17 agências regionais, ela acredita ser possível pensar em uma estrutura semelhante no Brasil, para fortalecer as instituições de fomento locais. “Poderíamos tomar ações no sentido de ter tratamento tributário diferenciado e criar produtos inovadores na parte de oferta de crédito”, avaliou. Nos últimos dez anos foram investidos menos de 2% do PIB em média em infraestrutura, cerca R$ 100 bilhões, enquanto são necessários investimentos médios de, pelo menos, R$ 350 bilhões por ano, apenas para repor a infraestrutura existente e cobrir a taxa de apreciação. “Se não tivermos um olhar atento para a infraestrutura, não vamos poder estabelecer nenhuma política efetiva para a indústria, a agricultura e a educação”, argumentou.

As instituições de fomento terão uma fonte de financiamento adequada para atender as suas prioridades

Eduardo Bandeira de Mello (Marina Silva – Rede)

RUMOS

Representando a candidata Marina Silva (Rede), Eduardo Bandeira de Mello defendeu que as instituições de fomento devem sempre levar em consideração que o desenvolvimento deve ser sustentável, do ponto de vista ambiental. Com a ressalva de que não fez parte da construção do programa de governo de Marina, ele chamou a atenção para a necessidade de abrir espaço no orçamento para o investimento público. “Muito precisa ser feito para que o setor privado seja estimulado a investir, especialmente diminuir burocracia e eliminar alguns entraves, e este deve ser o papel do setor público, junto com investimento direto, seja pelo BNDES, seja por aporte nas agências de fomento. Mas isso requer prévio esforço na área fiscal, não existe milagre”, disse. Ele argumentou que é preciso definir prioridades para atuação das instituições de desenvolvimento, para identificar aqueles setores que necessitam de maior apoio do setor público. Citou, como exemplos, as áreas da inovação, desenvolvimento regional, infraestrutura, eficiência energética e modernização do setor público. “As agências regionais têm um papel muito grande para dar capilaridade ao sistema. O BNDES é eficiente, mas não pode atacar questões locais específicas, então as parcerias regionais podem levar a ação e os recursos diretamente ao destino final”. Ele também defendeu que é importante ter uma fonte de recursos adequada para a atuação destas instituições, independente da discussão sobre a taxa de juros ideal para o financiamento produtivo, se a atual TLP ou o retorno da TJLP. “As instituições têm que ter um funding adequado, desde que delimitado seu campo de atuação, em quais áreas vão agir. Em um eventual governo da Marina, que já demonstrou seu apreço pelo BNDES quando foi ministra do Meio Ambiente, as instituições terão uma fonte de financiamento adequada para atender as suas prioridades”, garantiu.

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Usar os bancos de fomento para alavancar o investimento é fundamental

José Márcio Camargo (Henrique Meirelles – MDB)

Coordenador econômico de Henrique Meirelles (MDB), o economista José Márcio Camargo explicou que o programa de governo defendido por ele possui duas partes: na primeira, pretende aprofundar o que foi feito nos últimos dois anos, em termos de gestão macroeconômica. Em outra ponta, vai atuar para que o país tenha um crescimento de longo prazo, que depende especialmente de um fator: produtividade. “A razão pela qual o Brasil parou de crescer é porque a produtividade da mão de obra parou de crescer. Não tem milagre e se não melhorarmos isso, o país não vai crescer no longo prazo, vão ser apenas voos de galinha”, frisou o economista. Ele defendeu que, para aumentar a produtividade, são necessários investimentos em capital humano, por meio da educação, especialmente nos primeiros anos de formação, e também em infraestrutura, setor que possui muita externalidade e incentiva investimento nos outros setores. “Para isso, o BNDES e as instituições de fomento são fundamentais. A ideia de simplificar o processo regulatório e usar os bancos de fomento para alavancar o investimento é fundamental”, afirmou, em referência à proposta de tratamento regulatório diferenciado para as instituições de fomento. O economista avaliou que o Brasil possui uma situação “curiosa”: os bancos de desenvolvimento e a rede de fomento possuem os recursos, mas não tem o mandato para fazer investimentos, enquanto os ministérios possuem o mandato, mas não tem os recursos. “Cabe à rede de fomento criar as condições para que esses recursos sejam utilizados por quem tem mandato”, disse. Outro papel dedicado à rede de fomento é auxiliar no desenvolvimento do mercado de capitais. Ele lembrou que o país possui um déficit de 1,7% do PIB, dívida de 74%, e que 94% dos gastos do orçamento são predefinidos. Neste cenário, não há espaço para ampliação exponencial do investimento público.

Vamos construir uma nova forma de financiamento de longo prazo

Marcio Pochmann (Lula – PT)

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Assessor econômico da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o economista Marcio Pochmann defendeu a reformulação do orçamento público com a reserva de um espaço específico ao investimento, que não poderia estar submetido a cortes. No cenário atual, o Brasil está preso a uma armadilha recessiva, que precisa ser desarmada para que o país volte a crescer rapidamente. “Precisamos reativar o investimento, que pode ser feito por meio dos bancos de desenvolvimento, pois o setor público tem um papel crucial de puxar o investimento privado. Nesse sentido, de forma emergencial, pretendemos retomar obras paralisadas, o que vai impactar diretamente no emprego, e democratizar o acesso ao crédito, para que ele seja mais barato e difundido. Mas também precisamos retomar o planejamento de médio e longo prazo, que reorganize o setor público e permita ao país crescer de forma sustentada nos próximos anos”, afirmou Pochmann. A base econômica do programa, que tem um forte pilar ambiental, é a retomada do financiamento à infraestrutura, da reindustrialização e de fortes investimentos no progresso tecnológico. Para construir esse futuro, a proposta prevê uma nova constituinte que assegure quatro reformas consideradas fundamentais pelo partido: do Estado, política, tributária e bancária. “O baixo dinamismo da economia brasileira está associado à inexistência de um padrão de financiamento de médio e longo prazo. É preciso uma reforma bancária no país, que tem um sistema altamente concentrado, e assim poderemos democratizar a oferta de crédito, o que passa por apoiar outras instituições que não são as tradicionalmente existentes”, afirmou. “Vamos construir uma nova forma de financiamento de longo prazo, por meio da articulação do sistema de fomento público com a formação de debêntures de empresas do setor privado e o uso de uma pequena parcela das reservas internacionais, que poderiam alavancar a formatação desse sistema”, propôs.

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DESENVOLVIMENTO que o

BRASIL precisa

A conjuntura aponta para a necessidade da participação estatal no investimento

Marco Antônio Rocha (Guilherme Boulos – PSOL)

O coordenador econômico da candidatura de Guilherme Boulos (PSOL) ao Planalto, Marco Antônio Rocha, defendeu a necessidade de um projeto que seja de fácil comunicação com a população. Para ele, a crise atual demanda ações de curto prazo, para recuperação do emprego e da renda, mas sobretudo um plano estruturante de médio e longo prazo, para recuperação das cadeias produtivas. “Dado o desgaste que houve na política industrial nos últimos anos, precisamos restabelecer os canais de diálogo com a população sobre a indústria, a ciência e a tecnologia”, avaliou Rocha. Para isso, o plano de desenvolvimento produtivo se organiza a partir das carências facilmente reconhecíveis pelos cidadãos, como a infraestrutura urbana e a logística viária, problemas crônicos das grandes cidades brasileiras. “São investimentos multiplicadores, com capacidade de gerar emprego, e que possuem altas externalidades, pois resolvem problemas concretos do cotidiano. Além disso, podem gerar demanda muito forte no parque industrial centrado ainda na segunda revolução industrial – bens de capital, insumos básicos etc. – ao mesmo tempo servir de plataforma para ganharmos competitividade e migrarmos para tecnologias mais novas”, afirmou o economista. Nesse plano, o Sistema Nacional de Fomento tem papel de centralidade, a partir da reorganização dos instrumentos de intervenção estatal na economia, inclusive com o aumento da capacidade de linhas de financiamento específicas, como para serviços tecnológicos customizados, especialmente para o setor público. “A capacidade de o setor privado investir na atual conjuntura é extremamente baixa. A conjuntura aponta para a necessidade da participação estatal no investimento, ao menos nesse primeiro momento”, disse. Ele defendeu ainda que o ponto principal para recuperar esse papel de centralidade das instituições de fomento é a construção de um projeto desenvolvimento nacional, em que o desenvolvimento regional seja um pilar importante.

O sistema de fomento precisa fortalecer seu papel de grande financiador da infraestrutura, da inovação e das energias limpas

Nelson Marconi (Ciro Gomes – PDT)

RUMOS

O economista Nelson Marconi, coordenador do programa do candidato Ciro Gomes (PDT), afirmou que o Brasil necessita de uma estratégia nacional de desenvolvimento que indique onde o país quer chegar, em termos de padrão de renda per capita e indicadores econômicos e sociais. “O equilíbrio fiscal é um requisito fundamental, e teremos que aperfeiçoar a gestão macroeconômica, mas isso não é suficiente para o país voltar a crescer. É necessário ter uma política industrial e recuperar a infraestrutura, e as instituições de fomento terão um papel muito importante”, adiantou. De acordo com ele, um dos principais motivos para que o país tenha deixado de crescer nas últimas três décadas foi a regressão da estrutura produtiva, com a desindustrialização. No programa, alguns setores são elencados como prioritários por uma série de fatores, como a capacidade de criar empregos, o encadeamento produtivo e a possibilidade de gerar tecnologia para outros segmentos. “O sistema de fomento precisa fortalecer seu papel de grande financiador da infraestrutura, da inovação, das energias limpas para retomarmos o desenvolvimento. Com isso, esperamos retomar a sofisticação da estrutura produtiva, os empregos e o crescimento com estabilidade da economia brasileira”, disse. “O fato de terem sido utilizados no passado alguns instrumentos que não deram certos não significa que o banco público não tenha papel na economia”, defendeu. Para o economista, o investimento baixo é o principal problema da economia e impacta a produtividade do capital. Ele estima que o déficit da infraestrutura necessitaria de investimentos da ordem de 5% do PIB ao ano, que podem ser feitos pela iniciativa privada, por meio de concessões, mas com o papel fundamental de financiamento das instituições de fomento. Ele defendeu, ainda, uma atuação mais forte dessas instituições na área social, especialmente saneamento, habitação e escolas.

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Sandra Regina Machado Nassar/BRDE

REPORTAGEM

Ponte para o desenvolvimento Seminário no Sul, promovido pela ABDE, com apoio do BRDE, reafirma a importância de planejamento de gestão para ampliar os investimentos em infraestrutura, uma das prioridades da região para o crescimento econômico. POR ANA CAROLINA PAIVA

Colocar o Brasil na rota do desenvolvimento, por meio da articulação dos estados, com investimento em infraestrutura logística para impulsionar a economia do país. Essa foi uma das soluções apresentadas durante o Ciclo de Seminários Regionais – Região Sul, promovido pela Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), com o intuito de estimular o debate sobre as potencialidades do sul do país. O encontro aconteceu em junho, na sede de Curitiba (PR) do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). Para os participantes, a necessidade de fomentar o avanço na área de infraestrutura – tema condutor do evento – mostra que o Brasil ainda está caminhando a passos lentos por falta de gestão e planejamento. Por isso, existe uma urgência em debater propostas e elencar ações que contribuam com a execução de políticas públicas, viabilizando a ascensão socioeconômica e ambiental da Região Sul, a partir de soluções para transporte de cargas e mobilidade urbana. 12

Norteadas por questões-chave como viabilidade, planejamento e desenvolvimento, as discussões, que abordaram os setores estratégicos da economia, foram lideradas por representantes da ABDE, do BRDE, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de Federações das Indústrias do Sul, de representantes dos ministérios do Planejamento e das Cidades, das cooperativas de produção e de especialistas em logística e infraestrutura. Diante do cenário atual, Marco Antonio Lima, secretário-executivo da ABDE, pontuou a necessidade da criação de políticas públicas voltadas para o crescimento econômico. “O Brasil precisa voltar a se desenvolver. Por isso, a Associação elaborou sua Carta de Posicionamento em favor do desenvolvimento, que será entregue aos candidatos à presi-

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dência do país”. Na ocasião, Marco Antonio também ressaltou que é possível a união do Sistema Nacional de Fomento (SNF) com investidores privados, visando à retomada da atividade econômica. “Temos que nos convencer: é possível que o Brasil volte a prosperar. Mas não podemos esquecer que o desenvolvimento é multifacetado. É preciso elencar as prioridades e depois realizá-las”. Para o presidente do BRDE, Orlando Pessuti, o momento econômico atual reforça a necessidade de discutir a criação de fundos orçamentário e constitucional para que a Região Sul, com forma de combater as desigualdades regionais, que podem ser organizados pelo banco. “Nós precisamos nos aprimorar e reestruturar o Sul. A partir de discussões como esta, criar bons elementos para continuarmos nesta caminhada em favor de uma região mais desenvolvida, mas geradora de empregos e renda”, complementa Pessuti. OPORTUNIDADES E DESENVOLVIMENTO Independente do modal – aéreo, hidroviário, ferroviário ou rodoviário –, os custos logísticos representam grande parte das despesas de uma organização, podendo chegar a 60% somente nos gastos com transporte. Logo, a matemática é simples: otimizar custos de transporte significa retorno econômico positivo. Para o professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Filinto Eisenbach Neto, chegou a hora de aceitar que não é só o setor privado que precisa ter a responsabilidade com a reconfiguração da logística. Este é um papel do setor público também. “Estamos em um momento colaborativo. Priorizar este investimento beneficiará toda uma cadeia: indústrias, serviços e produção de produtos, do micro ao macroempresário”, esclarece. Neto reforçou que esta é uma fase em que os agentes de formação e distribuição da riqueza precisam trabalhar juntos e fazer a conexão entre federações e indústrias, levando para o governo propostas sólidas. “Para quem vai investir, o melhor indicador é payback [retorno]. E o retorno da infraestrutura e da logística é o que apresenta melhor resultado em menor tempo, por conta da grandeza e de seus resultados”. Seja por meio de um estudo de integração entre corredores logísticos ou revisão e melhoramento dos modais disponíveis na região do sul do país, o escopo inicial precisa ser claro e coerente. Entender as carências e fraquezas, traçar uma estratégia para saber como alcançar o objetivo para, então, elaborar um plano de progressão preciso são pontos básicos, mas muitas vezes esquecidos em projetos que necessitam de incentivos financeiros.

RUMOS

João Arthur Mor, responsável pela Secretaria dos Conselhos Temáticos da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP), defendeu que para uma boa obra é necessário um bom projeto. E para investir em boas iniciativas são precisos fundos que possam viabilizá-la. Um roteiro certeiro que otimiza tempo para os dois lados: investidor e iniciativa. Além do fundo para elaboração, outro ponto de destaque são os estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental, fatores determinantes para, se preciso, buscar investidores externos. A priorização também deve ser lembrada como palavra de ordem. “Sem priorizar investimentos, não é possível garantir a efetividade de bons projetos. Logística é uma potência estratégica e a única capaz de gerar resultados para as organizações e para o país. Mas, para avançarmos, é preciso priorizar a captação de recursos e criar fundos de investimentos”, complementa João Arthur Mor. Estar um passo à frente gerará melhoria em todas as esferas e a economia deixará de ser linear para assumir um papel de economia circular, proporcionando avanço em questões ambientais, emprego e renda. “A viabilização de um projeto que virou obra reduz o custo logístico, gerando ganho de competitividade, com criação de empregos em larga escala”, finalizou Mor. Mudanças tangíveis como estas são capazes de colocar o Brasil novamente na rota do crescimento, atraindo, tanto para os estados do Sul quanto para o país como um todo, novos olhares de investimento. “É nosso dever criar um ambiente favorável para que o investidor internacional volte a olhar para nós”, pontua Paulo Renato Menzel, conselheiro do Coinfra/GT Logística. SOLUÇÕES De acordo com o economista Carlos Paiva, especialista em desenvolvimento regional, não existe solução simples. Custos logísticos são tidos como um gargalo apertado para o crescimento nacional. Por isso, a necessidade de entender as potencialidades da região e quais são as oportunidades palpáveis para que haja investimentos em ações efetivas. “Para tanto, é preciso adaptar a estrutura logística à realidade produtiva particular em cada território”, acrescenta. Como meio de impulsionar as mudanças, além de excelentes projetos, Paiva lembrou que é preciso uma multimodalidade integrada e concorrente. “O ideal seria que os modais de transporte operassem de forma coordenada e colaborativa”, conclui.

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OPINIÃO

Agosto 2018

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cuidadoso e inteligente trabalho do senador Dario Berger (PSDB-SC), na relatoria da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), foi sabotado por seu próprio partido, que aderiu, oportunisticamente, à irresponsabilidade fiscal. Talvez dê alguma possibilidade de resistência do próximo governo às maluquices fiscais do Congresso Nacional, se ele estiver disposto a cooptar o necessário apoio político para enfrentá-las. Devemos lembrar que até o STF fez pedido e foi atendido na LDO, mas os apelos do governo à sua base, não! Uma observação ainda imprecisa sobre a estimativa de gastos aprovados na Câmara Federal sem contrapartida de receitas mostra que devem atingir mais de 65 bilhões de reais, quase 2/3 dos quais relativos a uma teratológica “compensação financeira aos estados pela desoneração do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre as exportações de produtos agrícolas”. Em parte, resultado do corporativismo rural que é eficiente, inclusive, pelo permanente apoio do Estado à pesquisa e à comercialização dos seus produtos, mas que não se cansa de empurrar sobre a sociedade os seus custos, como o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). O outro 1/3 refere-se ao inacreditável perdão dado aos caminhoneiros (de fato, às empresas do setor que fizeram o locaute) e ao escandaloso subsídio dado ao setor de refrigerantes. Integrou-se a essa imensa confusão o Judiciário, com liminares de todas as instâncias, desde a primeira até o Supremo Tribunal. Estimulado por uma decisão solitária de um ministro do STF, um juiz de primeira instância embargou uma ação preparatória “contra um edital de estudo” da privatização da Eletrobrás pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)! A justiça não apenas estava impedindo a privatização da Eletrobrás, mas impedindo que se pense sobre ela! Não se pode esperar, em sã consciência, que isso tudo vá terminar bem... ANTONIO DELFIM NETTO Marcelo Correa

A agência de pesquisa de opinião Gallup – respeitada por sua seriedade metodológica – produz anualmente um indicador do “sentimento de segurança individual” de um grande número de países, dentre os quais o Brasil. Por que medir o “sentimento” de segurança individual? Porque a experiência histórica revela um elevado grau de correlação entre ele e o desenvolvimento social e econômico dos países. Quanto maior a segurança individual, maiores são os estímulos ao aumento do autoinvestimento para gozar o futuro: maior propensão à educação, à poupança etc. No nível macroeconômico, esse comportamento tende a ampliar os investimentos físicos do setor privado e a aumentar a confiança no governo. Isso aumenta os investimentos em infraestrutura, o que faz crescer a produtividade do conjunto. Um alto nível de “segurança individual” é, assim, a plataforma que assegura a coesão social e a preliminar para que um Estado eficiente, constitucionalmente limitado, possa estimular o desenvolvimento econômico pela regulação de “mercados” competitivos. É isso que lhe fornecerá os recursos tributários para cumprir a sua missão de promover o equilíbrio social. O indicador do Gallup tem o título de “Law and Order” e sintetiza as respostas a quatro perguntas: 1ª) Você confia na polícia? 2ª) Sente-se seguro ao sair à noite? 3ª) Nos últimos 12 meses você ou um membro de sua família foi roubado? 4ª) Nos últimos 12 meses, você foi assaltado? O “Gallup Law and Order” de 2018 foi construído com uma consulta em 142 países (amostra média de 1.000 pessoas por país), ranqueados desde o mais seguro (o número 1, Cingapura), até o menos seguro (o número 142, Venezuela). O Brasil obteve o ranque 126 (no nono decil da distribuição), em companhia do Peru e da Mauritânia. Essa falta de segurança, ou melhor, essa deficiência de “Lei e de Ordem” refere-se a um país onde, todos sabemos, o poder Executivo perdeu o seu protagonismo, o poder Legislativo assumiu o terrorismo de “pautas bomba” inconstitucionais (porque ignoram a contrapartida de receita) e o Judiciário deixou-se levar na confusão. O resultado foi a paulatina dissolução do mínimo de tolerância sem o qual a sociedade perde a sua coesão e põe em risco a democracia. As últimas semanas que fecharam o primeiro semestre de 2018 revelaram uma espécie de esquizofrenia coletiva (as ações se dissociam da lógica comum para submeter-se a outros valores). O Executivo, a despeito das dramáticas advertências do ministro da Fazenda, o excelente economista Eduardo Guardia, fez concessões para negociar o “mal menor” que desabará sobre o presidente a ser eleito em outubro. Um

Professor emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-USP), ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento.

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ARTIGO

Desenvolvimento social e gestão de risco O seguro é o instrumento de gestão de risco mais antigo e mais utilizado. Ele é, por primazia, um plano pré-desastre de mitigação dos prejuízos decorrentes de incidentes, por meio das transferências desses riscos e do incentivo a medidas de prevenção. Segundo registros históricos, sabe-se que o homem sempre sofreu pela ameaça constante de perdas e danos pessoais e do patrimônio – por exemplo, quando temia morrer ou ter sua propriedade destruída por eventos climáticos extremos, nas grandes guerras ou na comercialização realizada por caravanas, em que animais e cargas eram perdidos ou roubados. E é exatamente dessa época, na região da antiga Mesopotâmia, que se encontra, gravada em uma tábua de escrita cuneiforme, a primeira norma referente às regras para as indenizações, repartindo perdas e ganhos de forma proporcional a cada um dos integrantes dessas caravanas. Porém, a consolidação do seguro só acontece mesmo com a navegação marítima e quando o comércio entre os países se intensifica. Como os prejuízos eram ainda mais constantes e comprometiam o andamento da economia, criou-se uma forma de abrandar as perdas advindas dos incidentes durante o transporte marítimo das cargas. E, com um sistema mútuo de contribuição entre os envolvidos, houve um consenso de que os danos seriam divididos entre todos. O seguro, atualmente, segue esse modelo de mutualismo, o que possibilita a transferência dos riscos às seguradoras, reduzindo o custo da perda e assegurando que o indivíduo ou a empresa não terão a estabilidade e o patrimônio arruinados em casos de desastre. 16

No que concerne às variações do seguro, foi na Europa, a propósito, que elas começaram a despontar. Por volta de 1350, as repúblicas italianas criaram os seguros de crédito, que viabilizavam transações comerciais no Mediterrâneo com certa segurança. Por sua vez, na Grã-Bretanha, no século 18, surge o seguro de transporte moderno e, como consequência da eficácia e resultados desse seguro, no século 19, depois de um incêndio catastrófico que destruiu a cidade de Londres, é criado o seguro de incêndio. Na Alemanha, os primeiros seguros sociais irrompem com foco nos acidentes de trabalho, garantindo cobertura securitária aos trabalhadores das indústrias. Esses acontecimentos históricos tiveram importância estratégica para o progresso socioeconômico e político mundial, na medida em que prejuízos capazes de impossibilitar a evolução, em virtude da complexidade e dos riscos, começaram a ser submetidos a regras de proteção que permitiam a continuidade da iniciativa, garantindo a essas nações a segurança necessária para se tornarem países desenvolvidos. NO BRASIL A Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg), associação civil responsável por representar perante o Estado os direitos e interesses dos segmentos de seguros, atua fortemente para disseminar a cultura do seguro, pois ele serve como ferramenta relevante de gestão de riscos uma vez que proporciona estabilidade ao ambiente de negócios. Ainda de acordo com a Confederação, o seguro tem papel essencial na economia e na sociedade brasileira. Ele auxilia o desenvolvimento da infraestrutura; a geração de renda; a inovação relevante para redução da frequência ou para atenuação de danos; e o acesso à saúde suplementar no país. Nas últimas décadas, o Brasil teve um aumento expressivo de eventos com potencial de danos, principalmente para os produtores agrícolas. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), JULHO | AGOSTO 2018


quase um quarto dos danos causados por desastres naturais no mundo recai sobre o setor agrícola, o que atesta a necessidade de recursos financeiros para recuperar as perdas. Problemas de enchentes e secas graves são fenômenos que têm impacto econômico direto no setor. A contratação do seguro permite que tais riscos sejam amenizados, evitando comprometer a capacidade produtiva do empreendedor do campo. O seguro também auxilia as instituições financeiras na gestão de riscos. O seguro prestamista, por exemplo, pode ser feito regularmente pelos consumidores ao obterem um crédito, sendo, portanto, usualmente oferecido. Na ocorrência de morte ou invalidez, a seguradora assume a obrigação de liquidar a dívida do segurado, restabelecendo rapidamente o caixa da instituição financeira, além do benefício para a família do segurado, que não terá de arcar com o empréstimo, tendo que, ao mesmo tempo, lidar com o pesar e com as despesas decorrentes do falecimento.

RUMOS

Divulgação

CLARISSE MOURÃO Analista e assessora de Comunicação do Bancoob.

MARCELO CARNEIRO Diretor do Sicoob Seguros. Divulgação

INOVAÇÃO As seguradoras convivem frequentemente com experiências de sinistros de diferentes formas e naturezas, por isso muitas delas possuem áreas de inovação para desenvolver produtos que ajudem a reduzir a frequência da ocorrência de danos. Uma seguradora bastante atuante no segmento de automóveis, por exemplo, possui uma área de inovação de produtos direcionados ao atendimento de sinistros. Lá, desenvolveu-se um carrinho para auxiliar com segurança a elevação de motos em caminhões de guincho, com a finalidade de evitar quedas e acidentes que aconteciam durante esse processo. Essa mesma seguradora também criou uma “roda livre”, compatível com diversos carros automáticos que travam a roda, facilitando a remoção. Criou-se ainda um skate móvel para rebocar automóveis em locais de difícil acesso. No segmento residencial, também no Brasil, já existem alarmes que podem ser controlados a distância, além de sensores de temperatura que avisam sobre eventuais mudanças na temperatura da casa. Nos EUA, país referência no ramo, os seguros já podem ser cobrados de acordo com a forma de condução do motorista, assim é possível motivá-lo a dirigir com mais qualidade e, então, pagar menos pela proteção. Contribuindo para garantir a estabilidade social e a proteção da sua base de cooperados, o Sistema de

Cooperativas de Crédito do Brasil, o Sicoob, oferece diversas modalidades de seguros, como vida e previdência, automóvel, residencial, empresarial, agrícola, máquinas e equipamentos, e acredita que essa é uma solução fundamental para minimizar eventuais perdas, permitindo com que recursos destinados ao desenvolvimento não sejam remanejados para reparação de danos causados por eventos inesperados. Essas e outras soluções foram desenvolvidas e oferecidas aos cooperados do Sicoob para que eles sejam capazes de ter todos os produtos e serviços financeiros em sua própria instituição. Quem é associado também é dono e participa das decisões, com direito a voto nas assembleias deliberativas. O Sicoob trabalha para ser a principal instituição financeira de seus quatro milhões de cooperados, espalhados por 1.627 municípios brasileiros.

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Noel Joaquim Faiad

REPORTAGEM ESPECIAL

Avanços e atrasos Fundamental para o desenvolvimento brasileiro, o setor industrial luta para voltar ao protagonismo do PIB, enfrentando desafios da concorrência dos produtos internacionais e políticas internas descontinuadas e pouco eficazes no longo prazo. POR CARMEN NERY A despeito de uma crise industrial que se arrasta há mais de três décadas, o Brasil tem, pelo menos, três modelos de políticas industriais vitoriosas, ainda que guardem entre si modelagens distintas. São as que resultaram na Petrobras, Embrapa e na Embraer. Em comum entre elas, o desenvolvimento de competências e conhecimento internos. A avaliação é de Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda do governo Dilma e professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da Universidade de Brasília (UnB). “São exemplos de desenvolvimento industrial tecnológico. Uma busca petróleo no fundo do mar, outra desenvolve a agricultura e outra faz avião. Todas as três foram baseadas, antes de tudo, na formação de quadros especialistas, de mão de obra e de conhecimento técnico no Brasil”, diz Barbosa. Ele destaca que isso resultou na criação de centros de pesquisas e formação de engenharia agrícola da Embrapa, engenharia de aviação, como o Centro Técnico Aeroespacial (CTA) e o Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA) 18

da Embraer, e engenharia de produção, com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes) da Petrobras. “Se o Brasil quiser fazer automação, robotização, novas tecnologias de energia, tem de formar pessoas e criar centros de pesquisa com dinheiro público mesmo. E permitir que esse conhecimento seja aplicado na formação de empresas – sejam estatais, mistas, joint ventures – mas com profissionais para trabalhar no Brasil, não para fuga de cérebros”, defende Barbosa. Ele explica que a crise da indústria brasileira está relacionada tanto a causas estruturais como conjunturais. Entre os fatores conjunturais, está o JULHO | AGOSTO 2018


avanço da China, que ocupou o espaço industrial de diversos países, não apenas do Brasil, mas também nações de economias mais avançadas. Há países que souberam aproveitar isso e melhoraram suas relações de comércio intraindústria com o país asiático; outros perderam vagas para a produção chinesa ou asiática. O Brasil é mais atingido conjunturalmente porque depende sobretudo de commodity. O crescimento da China, ao valorizar commodities e sobrevalorizar o câmbio, aumenta ainda mais a pressão sobre a concorrência da indústria brasileira no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. “Antes disso, houve outro fator conjuntural, para debelar a inflação, o país adotou um plano de estabilização baseado em um regime de âncora cambial. Antes de China ou de qualquer fator, essa âncora produzia, no curto prazo, uma apreciação cambial que comprometia a competitividade da indústria nacional. Quando passou-se para o câmbio flutuante e houve o realinhamento cambial, isso foi corrigido em parte, porque a indústria teve um bom desempenho de 2002 a 2006, quando começa a entrar a fase que vivemos até hoje com a concorrência da Ásia e preço de commodities mais elevados, prejudicando a competitividade da indústria nacional”, analisa Barbosa. DESAFIOS Mas ele destaca que não foram apenas esses dois fatores – maior abertura e integração com o restante do mundo – que afetaram a indústria nacional. Antes, isso era compensado com uma taxa de câmbio mais alta para compensar o custo Brasil mais elevado; porém com uma economia mais integrada, isso não é mais possível. E outros fatores de competitividade tornam-se pesos grandes, a exemplo da estrutura tributária e sua complexidade – especialmente para indústria de processamento. Outro fator é o modelo de industrialização baseado em produção de insumos básicos que funcionou bem num período de escassez interna como nos anos 1970, quando se estruturaram as indústrias siderúrgica, petroquímica, energética, petrolífera e o pró-álcool. “Se criou uma política de incentivos em que se protegia bastante a indústria de insumos básicos. Mas, com o passar do tempo, tornou-se uma estrutura desequilibrada. Ao se protegerem os insumos básicos em excesso, acabou-se aumentando os custos para quem está na frente da cadeia. As fases finais de produção de bens de consumo não tinham uma proteção muito adequada, mas estavam enfrentando a concorrência internacional e comprando insumos relativamente mais caros que no restante do mundo. O país acabou com uma política industrial que se autoderrotava”, diz Barbosa. Nos anos 2000, anos de maior estabilidade macroeconômica, e de maior fartura em função do boom das commodities, tentou-se melhorar a situação da indústria com a internacionalização. A saída para alguns dos setores de insumos, nos quais o capital nacional é mais forte, foi a privatização, caso da energia e da siderurgia, ou aumento da escala de produção, caso da petroquímica. Mas Barbosa ressalta que essa indústria, para dar certo, tem de ser competitiva em nível internacional e não apenas em nível interno. “Com a apreciação cambial isso fica mais difícil ainda, porque o insumo externo se torna mais barato, a exemplo do aço e dos insumos petroquímicos”, destaca. “Não há resposta pronta, mas, claramente, no mundo de hoje, a indústria para ser bem desenvolvida tem de estar integrada às cadeias do mundo. RUMOS

Todo país que tem grande produção industrial importa e exporta muito produto industrial, tem muito comércio intraindustrial”, resume Barbosa. Para ele, o modelo Embraer é o mais bem-sucedido, a questão é como adaptá-lo para outras indústrias. Barbosa ressalta que política industrial não necessariamente implica proteção indefinida e injustificada. “É preciso deixar claro que todos os países fazem política industrial, podem não chamar disso, mas fazem; alguns via política ambiental; novos materiais. A questão é saber quando não fazer para proteger ou dar renda indefinidamente para um setor sem nenhuma justificativa. E sim saber tirar os incentivos quando eles não forem mais necessários ou justificáveis. É nessa parte que o Brasil peca recorrentemente, seja governo de esquerda ou de direita”, resume Barbosa. Na avaliação de José Ricardo Roriz Coelho, presidente em exercício da Federação das Indústrias de São Paulo e do Centro da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp), o Brasil sofreu precocemente o processo de desindustrialização, que ocorre quando há uma renda per capita a partir de US$ 20 mil por habitante/ano. Nesse patamar, vai se diminuindo a participação da indústria e aumentando a de serviços porque a maior parte da sociedade tem as necessidades básicas atendidas e começa a gastar com cultura, esporte, lazer. “Não foi o caso do Brasil, que teve esse processo de desindustrialização precocemente com a renda per capita próxima de US$ 7 mil/ano. As necessidades básicas ainda existem e não foram atendidas, mas, em um determinado momento, por causa do câmbio e do custo de capital, da regulação, da burocracia e da tributação, houve uma série de fatores que tiraram a competitividade da indústria brasileira. Vimos perdendo participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) desde meados dos anos 1980”, resume o presidente da Fiesp. Ele diz que a carga tributária faz com que, embora o setor represente 11,8% do PIB, de cada R$ 3 que o governo arrecada R$ 1 vem da indústria. O Brasil também é conhecido por ter as maiores taxas de juros e spreads bancários, além de custos de energia e de infraestrutura altos em relação aos países que competem conosco. “O custo de produzir no Brasil hoje é 30,4% maior do que nesses países que competem conosco, o que vai tirando a competitividade do país. Com isso, é muito mais fácil adquirir um produto importado, o que fez com que a indústria fosse reduzin19


Pixabay

A indústria brasileira perdeu competitividade frente aos produtos asiáticos.

do de tamanho. O país cresceu e a indústria não acompanhou o crescimento pela falta de competitividade. Um dos fatores é o câmbio. De 2004 a 2008, especialmente no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, houve um enorme aumento da demanda, mas quem capturou esta demanda foram os produtos estrangeiros”, lamenta Coelho. Ele ressalta que o Brasil ainda tem uma malha industrial bastante diversificada, só que a produtividade é baixa porque o investimento no país é inferior a 16% do PIB enquanto em países como China, Coreia e Índia, é superior a 20%. Para recuperar a indústria no país, é preciso incentivar a atratividade para o investimento. “Só que com a taxa de juros elevada é muito mais vantajoso aplicar no mercado financeiro do que na indústria, que tem um retorno muito baixo em função da alta carga tributária e da elevada taxa de juros. Mesmo com a Selic a 6,5%, isso não significa que a taxa de juros tenha diminuído, pois o spread bancário é o mais alto do mundo. A concentração bancária faz com que o spread bancário seja muito maior do que o dos países que são nossos concorrentes. É preciso ter um custo de capital adequado que atraia investimentos”, defende Coelho. Em termos de propostas de política industrial, ele defende que o Brasil consiga atrair inovação. O mundo inteiro está discutindo Indústria 4.0. Para que uma empresa tenha interesse 20

em se instalar no país, é preciso haver atratividade, não necessariamente por meio de uma política industrial e sim em função de um ambiente favorável para que uma empresa inovadora se instale aqui. “Se houver uma carga tributária e uma taxa de juros que se comparem ao dos competidores e uma regulação em que os contratos sejam cumpridos, é o ambiente que se deseja. A melhor política industrial que existe é criar um ambiente de negócios favorável”, argumenta o presidente da Fiesp. CRISE MUNDIAL David Kupfer, diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC), destaca que a situação da indústria brasileira é bastante grave na medida em que enfrenta uma crise de longa duração. A despeito do crescimento econômico verificado nas últimas décadas, a indústria evoluiu dentro de um quadro bastante hostil e com muitas limitações e deficiências estruturais e sistêmicas. “Apesar da crise econômica brasileira recente, a indústria já vinha num quadro de crise desde a década de 1980. São 35 anos que a indústria evolui num quadro de crise, que tem predominância de aspectos macroeconômicos em alguns momentos, mas também fatores industriais stricto sensu que explicam a situação atual”, analisa Kupfer. Ele esclarece que a crise se armou na estagnação dos anos 1980, quando se criou uma defasagem tecnológica em termos de adoção de novas tecnologias, principalmente nas formas de organização da produção que foram, de fato, elementos transformadores da manufatura naquele período. Eram as chamadas técnicas japonesas de just in time, garantia da qualidade, muito impactantes em termos de eficiência. Como a economia estava em crise, a indústria brasileira acabou sendo condenada a um lento processo de defasagem tecnológica. Apenas os setores de construção de capacidade muito recente – insumos básicos da década de 1970, como siderurgia em geral, alumínio, petroquímica básica, química, química fina, papel e celulose – conseguiram resistir. Desde então vêm dando a tônica do desenvolvimento industrial brasileiro. Outro aspecto foi o atraso em relação à adoção da microeletrônica tanto no processo produtivo quanto em relação a produtos associados a essa revolução da microeletrônica que marca a terceira RevoluçãoIdustrial. Tanto em hardware, quanto em software, a indústria não conseguiu acompanhar e internalizar partes desses setores. “Chegamos nos anos 1990 com uma indústria atrasada, do ponto de vista organizacional, e com uma lacuna muito importante do principal setor difusor de progresso técnico no sistema industrial que é a microeletrônica. De 1990 para cá, o grande objetivo da política industrial era a estabilização macroeconômica, especialmente monetária. E o modelo que se adotou é hostil à atividade industrial porque é apoiado em câmbio valorizado, juros elevados e quadro permanente de contração fiscal JULHO | AGOSTO 2018


que reduz o potencial de investimento em geral e em infraestrutura em particular, seja público ou privado”, analisa Kupfer. Ele afirma que a década atual é uma década de crise, em que a macroeconomia é parecida com a da década de 1980, a década perdida, com estagnação duradoura. E todas as defasagens do passado estão se ampliando com outras que se construíram durante o período de recessão. Especialmente porque, assim como nos anos 1980, há uma nova onda de transformações na produção industrial, não somente nos processos, mas principalmente na organização da produção e das cadeias produtivas, associadas à transformação digital e à manufatura avançada, ou Indústria 4.0, a chamada quarta Revolução Industrial. “E nós demoramos a incorporar as técnicas de organização lá da década de 1980 (da terceira Revolução Industrial). A indústria internacional está indo para a Indústria 4.0 e nós ainda estamos no mundo 2.0, à exceção das indústrias mais organizadas que têm potencial para avançar, mas são a minoria”, observa o pesquisador da UFRJ. A siderurgia, embora não tenha havido desnacionalização, sofreu com uma mudança global importante com a entrada do bloco de produção asiático que a China lidera. Em função do quadro internacional mais restritivo, os asiáticos entraram firmemente no mercado de insumos básicos que era um setor em que o Brasil atuava bem. “A China tem uma capacidade de produção incomensurável e uma capacidade ociosa que é n vezes a capacidade de produção brasileira. Isso cria um contexto de competição na indústria siderúrgica muito difícil para as empresas brasileiras, que hoje dependem da competitividade sistêmica para conseguirem sobreviver. Então, o quadro também é negativo para este setor”, avalia Kupfer. Ele destaca que o país ainda tem alguns complexos pujantes que podem constituir um ponto de partida para uma retomada industrial, como o agrobusiness, que tem uma cadeia associada longa e diversificada. Trouxe desenvolvimento industrial em implementos agrícolas, máquinas e insumos. Nesta cadeia, o país continua com uma dianteira de competitividade em relação aos demais centros de produção mundial. O professor observa, porém, que, nas cadeias globais – das quais a mais importante para o país é a automobilística –, os setores de bens de consumo e de bens de capital seriados, todos dominados por empresas multinacionais instaladas no país há muitos anos, dependem crescentemente de regimes especiais. Isso para garantirem a atratividade para que os núcleos centrais decisores dessas companhias possam manter essas atividades no Brasil. “A indústria automobilística evolui ao sabor do conjunto de incentivos que são oferecidos. Sou favorável à política industrial isenta de contaminações de clientelismos e objetivos de curto prazo. Penso em política industrial como algo estruturante do desenvolvimento das atividades produtivas, pensada com objetivos de longo prazo e que produzam transformações para acelerar o processo de desenvolvimento.”, argumenta Kupfer Ele destaca que, por mais que se diga que o futuro das sociedades modernas sejam os serviços, um país não pode prescindir da indústria e, por tabela, de uma política industrial. Isso porque só há indústria quando há um ambiente adequado para a indústria florescer. Ele afirma que a indústria não é o resultado de um ambiente macroeconômico adequado. “Ela precisa de uma boa macroeconomia, sim, mas também de outros elementos específicos que têm a ver com um ambiente favorável e fatores essenciais diferentes para cada setor. Cabe à política industrial RUMOS

A indústria internacional está indo para a Indústria 4.0 e nós ainda estamos no mundo 2.0, à exceção das indústrias mais organizadas que têm potencial para avançar, mas são a minoria. David Kupfer, professor da UFRJ.

criar os ambientes econômicos, os incentivos, a capacidade de investimentos e de criar capacitações tecnológicas, humanas e físicas para que a indústria floresça. Isso porque a decisão de investir na indústria envolve um tempo longo, não é como comprar ações. E isso exige um ambiente favorável. Os estudos provam que onde há uma indústria bem-sucedida, houve, e provavelmente ainda há, o apoio de uma política industrial eficaz”, defende o professor da UFRJ. Ele ressalva que a participação da indústria no PIB revela características da organização da produção, da inserção internacional do país, mas não necessariamente a importância da indústria como ramo dinâmico do crescimento econômico. Assim como industrializar não é apenas aumentar o peso da indústria no PIB, desindustrializar também não é somente reduzi-lo. Para a indústria sair da crise, Kupfer acredita que será necessário um modelo de estabilização da economia que não seja hostil à indústria, portanto, não pode ser apoiado num tripé de elevar juros para valorizar o câmbio e reduzir os custos dos bens industriais relativamente aos demais. Isso faz com que, no longo prazo, a indústria esteja: ou com rentabilidade comprimida, pela falta de demanda, ou pelo teto de preços, além de reduzir sua capacidade de investimentos. “Quando não há investimento, não há a incorporação de novas tecnologias, e não se promove uma acumulação de capacitações e não se consegue acompanhar as indústrias internacionais. A consequência é a perda da competitividade e da produtividade e entrada nessa lenta involução que já dura 35 anos”, resume Kupfer. SITUAÇÃO ATUAL Samuel Pessôa, economista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getu21


lio Vargas (Ibre/FGV), diz que há três fatores que levaram a indústria à situação atual: dinâmica de longo prazo, dinâmicas mais cíclicas e a crise econômica. A dinâmica de longo prazo vem do fato de que há uma tendência natural de a indústria perder participação no PIB em qualquer país por causa da tecnologia, afetando a oferta, e por causa da demanda. A tecnologia faz com que o preço do bem manufaturado caia relativamente ao serviço. Se o preço cai, há uma tendência de redução da participação da indústria no PIB. Outro fator é que a demanda por bens industriais tem uma elasticidade de renda menor do que da demanda por serviços. Se a pessoa tem um carro, não faz sentido ter vários outros, ao passo que é possível ir ao restaurante ou ao cinema várias vezes. Esses dois motivos explicam por que há uma tendência de menor participação da indústria no PIB. No século XIX aconteceu o mesmo com a agricultura.“O Brasil teve uma outra dinâmica de médio prazo que foi o crescimento da China, que valorizou muito as nossas commodities, especialmente minério de ferro e soja. O mundo emergente cresceu muito, e antes da China, teve Coreia, Taiwan, Tailândia e agora Vietnã. A Ásia tem muita gente que poupa muito, então tem muito capital. O que eles não têm são recursos naturais. A emergência da Ásia fez com que tudo o que o Brasil produza ligado a produtos naturais tenha um valor maior”, analisa Pessôa. O terceiro motivo que afeta a indústria é a crise econômica, que está provocando a segunda maior perda de PIB per capita dos últimos 120 anos da história econômica brasileira. O país experimentou cinco períodos difíceis – 1914, 1929, 1981, 1990 e 2014. Nesta última crise, o PIB per capita entre 2014 e 2016 caiu 9%, atrás apenas da crise da dívida externa em 1981, quando caiu 12%. “Estamos falando da segunda maior perda de PIB per capita e a maior perda de PIB absoluto, que caiu 7% no biênio 2015/2016, em 120 anos. E da crise mais longa, a que vai demorar mais anos para o PIB per capita ultrapasse o pico prévio obtido em 2013. Evidentemente a indústria sofre muito porque uma crise desse tamanho provoca uma brutal queda no investimento. O consumo cai, mas não tanto quanto o investimento, que é mais complementar à indústria que o consumo”, analisa Pessôa. Ele ressalta que o que diferencia a indústria do serviço e da agropecuária é que ela tem cadeias produtivas muito longas. Uma estrutura tributária complexa como a do Brasil afeta a rentabilidade da indústria muito mais do que a de outros setores, com impostos indiretos, como PIS/Cofins, IPI e ICMS. Lutar pela simplificação tributária deveria seria uma das soluções. Outro ponto é a baixa escolaridade. Com todo o progresso técnico, a automação fica prejudicada porque o trabalhador tem dificuldade de aprender as novas tecnologias. “Essas duas questões deveriam estar na agenda da indústria”, defende o economista da FGV. INDÚSTRIA NA AGENDA DO DIA No Rio de Janeiro, o 4º Congresso Celso Furtado teve como Tema “Indústria e Desenvolvimento – A nova onda da indústria 4.0 e o Futuro do Brasil”. Entre os debates apresentados nos dois dias do evento, ao menos dois se detiveram em abordar a atual crise da indústria nacional. Na tarde do primeiro dia, o painel “Diagnósticos dos problemas da indústria nacional” 22

A Ásia tem muita gente que poupa muito, então tem muito capital. O que eles não têm são recursos naturais. A emergência da Ásia fez com que tudo o que o Brasil produza ligado a produtos naturais tenha um valor maior. Samuel Pessôa, professor da FGV/RJ

contou com as apresentações de Antônio Corrêa de Lacerda, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), e de Marcelo Arend, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Antônio Corrêa de Lacerda afirmou que estamos em meio à maior crise da nossa história a despeito da economia ter voltado a crescer 1%, após uma expressiva queda. E de um nível de desemprego com 13%. Num conceito mais amplo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já reconhece 27 milhões de desempregados. “Esse é o retrato maior da crise. Há na indústria uma crise estrutural, que se agravou com a conjuntura. Estamos hoje no mesmo nível médio de produção industrial de dez anos atrás, ou seja, é uma estagnação que dura um decênio. O PIB caiu 7%, a indústria está abaixo de 11% e outro indicador terrível é a queda de 30% no investimento em relação a 2014, o que mostra que estamos longe da superação da crise. Isso nos leva a uma situação inusitada: o consumo não parou de subir, chegando inclusive a dobrar desde 2004. As importações roubaram o espaço da indústria nacional”, diz Lacerda. Ele observa que alguns analistas podem argumentar que isso foi positivo para ampliar a concorrência. O problema é que essa é uma das faces da desindustrialização brasileira que está associada à perda de dinamismo da indústria nacional, mas também a queda do emprego industrial, à defasagem tecnológica, à incapacidade de criar inovação e valor agregado. Ele ressalta que é preciso entender o funcionamento das grandes cadeias globais de valor. O Brasil tem subsidiárias de 400 das 500 maiores empresas JULHO | AGOSTO 2018


listadas pela revista Fortune. Mas essas empresas não podem fornecer para seus países de origem por questões de estratégia global. Para ele, o problema da dependência da exploração de matérias-primas é a enorme volatilidade das commodities. Um exemplo é o minério de ferro, que teve um boom nos preços até 2011, quando atingiu o pico de US$ 167,8 a tonelada. A partir de 2014 houve um excesso de produção de 700 milhões de toneladas, afetando, inclusive, a siderurgia brasileira. Para Lacerda, a saída para os problemas da indústria implica três frentes. A primeira é a política macroeconômica com gestão fiscal, monetária e cambial. Lembrando que a taxa de câmbio não responde ao movimento de comércio e sim aos movimentos especulativos, tornando a moeda brasileira valorizada artificialmente, o que facilita a importação. O caminho intermediário são as políticas de competitividade: industrial, comercial, tecnológica, infraestrutura logística, regulação e educação. E a política microeconômica: inovação, gestão, produtividade, qualificação e treinamento. De acordo com o economista, no curto prazo, o espaço para uma reindustrialização brasileira encontra-se enormemente limitado porque há restrições que estão prejudicando a retomada. Ele cita o fato de o Conselho Monetário Nacional (CMN) ter reduzido a meta de inflação para os próximos anos, com aplauso no mercado financeiro e da mídia especializada. Mas alertou que, se não se atuar sobre os fatores estruturais, o resultado disso será taxas de juros elevadas. Outra distorção, na sua avaliação, é a Emenda Constitucional 95 (Teto dos Gastos). “Como consequência disso, esse ano vamos gastar R$ 400 bilhões para financiar a dívida pública e vamos investir em termos federais menos de R$ 20 bilhões. Outro problema é a volatilidade cambial, decorrente de fatores domésticos e internacionais, que vai continuar sendo dominante. O

elevado desemprego e a atrofia da renda vão continuar. Mas o principal problema é a ausência de um projeto que nos faz reféns do curto prazo, que com as suas armadilhas nos torna prisioneiros do baixo crescimento econômico”, previu Lacerda. Marcelo Arend, professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), apresentou a palestra “Desindustrialização e crise, a conjuntura e o longo prazo para entender os problemas e desafios da manufatura brasileira”. Ele afirmou que o ciclo recente de crise se manifesta no setor industrial especificamente na indústria de transformação, já que setores macro como o da agropecuária desde 2012 teve crescimento de 40%; o de serviços, no mesmo nível. A crise é explicada por um colapso no investimento que acarretou uma brutal elevação do desemprego em todos os setores industriais, à exceção do segmento de fármacos e farmacêuticos, e com maior impacto nos setores intensivos em tecnologia. “O que se discute é que a indústria se encontra estagnada, porém percebe-se durante a crise em 2015 a elevação da produtividade. Numa análise mais rápida, essa elevação pode ser vista como um ganho de produtividade doentio, pois não é advindo de investimentos e modernização tecnológica – já que houve um colapso nos investimentos –, e sim do

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O Produto Interno Bruto brasileiro caiu 7% e a indústria está abaixo de 10%, destaca Antônio Corrêa de Lacerda, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

RUMOS

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aumento do desemprego. É uma produtividade que não vai acarretar crescimento sustentável a longo prazo”, observa Arend. Ele destaca que o impacto na crise no setor de bens de capital foi muito mais profundo do que na indústria de transformação. A crise está, portanto, afetando componentes estruturais que poderiam garantir um relativo crescimento sustentável. Ele apresentou um ranking do desempenho do setor de bens de capital no mundo com pouco mais de 40 países, e o Brasil ocupa a última colocação com queda de 27%. COMPETITIVIDADE Arend também comparou o desempenho industrial do Brasil com o restante do mundo, indicando que o país perde para quase todas as outras nações. Com dados da produção industrial desde 2012 de 73 países, o Brasil ocupa a última posição, segundo dados da United Nations Industrial Development Organization (Unido). Outra análise avalia a taxa de crescimento de 78 países envolvendo todos os setores da indústria de transformação. “Enquanto há um desempenho positivo em todos os setores em todos os países, o Brasil está na contramão, num processo de desestruturação produtiva de grande magnitude. Esses são os dados conjunturais desde 2012. Olhando-se o cenário mais longo, é de conhecimento geral que o Brasil encontra-se estagnado desde a década de 1980, a partir da terceira Revolução Industrial. Há um problema de produtividade. Houve um processo intenso de mudança estrutural com ganho de participação do setor de serviços e a nossa desindustrialização em marcha. De 1980 a 2012, o Brasil apresenta a menor taxa de crescimento do produto industrial em nível global, em comparação ao G-20, ao mundo, à Europa, à zona do Euro. Na sua avaliação, a estrutura produtiva brasileira está inerte desde o último grande plano industrial, que foi o II Plano Nacional de Desenvolvimento, editado nos anos 1970. Ele apresentou um gráfico que mostra que o país sequer ingressou na terceira Revolução Industrial. Hoje o Brasil possui uma estrutura produtiva típica do século XX, com um predomínio da indústria de commodities industriais e agrícolas (46%), indústria tradicional intensiva em trabalho (30%) e fordista (21%) ou indústria 2.0. “Uma das explicações é que a terceira Revolução Industrial é caracterizada por uma importância cada vez maior no setor industrial para serviços intensivos em tecnologia. Basicamente informática, automação e telecomunicações são serviços que vão ter impacto na produtividade industrial. Esses serviços intermediários são usados como insumos pelas indústrias. Na Revolução 3.0 há uma emergência de uma maior simbiose e interdependência entre serviços e indústria. O setor que mais evolui nas últimas décadas nas economias avançadas são os de serviços intermediários, especialmente a partir dos anos 1990. Essa é a dinâmica nova da Revolução 3.0. Analisando o cenário brasileiro, temos um colapso de serviços intermediários e uma estagnação da produtividade industrial, que só teve uma pequena elevação nos anos 1990 com a abertura”, analisa Arend. Ele afirma que o caso do Brasil não se limita a uma desindustrialização precoce, mas tem razões mais estruturais ligadas à terceira Revolução Industrial. E ele prevê que a relação de simbiose entre serviços tecnológicos intermediários e a indústria vai se intensificar na Indústria 4.0. As fábricas vão usar cada vez menos trabalho, as máquinas vão se conectar entre si e os algoritmos farão com que aprendam com os erros e aumentem a produtividade. “É uma forma que as economias avançadas encontraram de restabelecer a produção para competir com o modelo oriental que tem sido intensivo em escala”, resume Arend. No ranking internacional de robótica envolvendo 42 países, o Brasil ocupa a 39ª posição com uma densidade de 10 robôs para cada 10 mil funcionários ante 631 da Coreia do Sul. “Isso dá a ideia da dificuldade tremenda de pensarmos na Indústria 4.0, sendo que não temos os recursos instalados”, resume Arend. 24

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ARTIGO

Economia Industrial e da Inovação

RUMOS

Essas rápidas considerações pontuam alguns dos temas das pesquisas acadêmicas e de questões enfrentadas no cotidiano de profissionais brasileiros em diferentes instituições públicas e privadas. Fomentar a produção científica, divulgar e incentivar os estudos, reunir para o debate especialistas nos temas dessa área e apresentar propostas de ações e políticas públicas são os princípios básicos que motivaram a fundação em 2015 da Associação Brasileira de Economia Industrial e Inovação (Abein). A Abein promove anualmente o Encontro de Economia Industrial e Inovação (Enei). Em 2018, a 3ª edição do encontro ocorrerá no Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia no período de 18 a 20 de setembro de 2018. O tema geral do encontro é “Indústria e Desenvolvimento Econômico: desafios e perspectivas”. Além das sessões paralelas nas quais são apresentados os artigos selecionados pelo Comitê Científico, estão previstas cinco sessões especiais – visite www.abein.org.

Charles Damasceno

ROGÉRIO GOMES

Charles Damasceno

A Economia Industrial e da Inovação contempla amplo leque de temas vitais ao desenvolvimento econômico e social do país. Mesmo que o setor industrial seja tomado como fundamental ao desenvolvimento, pela sua capacidade de impactar e dar suporte às demais atividades, a área não trata exclusivamente dele, mas de todas as indústrias em sentido latu, incluindo os setores primários e terciários. Por outro lado, se analisada a partir das decisões e estratégias dos agentes, isso não exclui uma avaliação dos agregados, pois, como nos ensinou Keynes, as decisões dos empresários determinam o produto. Tradicionalmente, a Economia Industrial está mais afeita aos temas associados às “teorias clássicas”, como, por exemplo, estratégias de determinação de preços, estruturas e funcionamento dos mercados e distribuição de renda. A Economia da Inovação congrega assuntos sobre produção e transferência de conhecimento, capacidade inovativa das firmas e atividades econômicas, políticas públicas voltadas ao desenvolvimento e à competitividade. Essa área permite avaliar as transformações que estão ocorrendo ou sendo esboçadas nos mercados, a dinâmica concorrencial e as mudanças nas estruturas do mercado e do próprio sistema. Em suma, Economia Industrial e da Inovação são entendidas como uma única área de pesquisas, pois fazem parte do mesmo organismo. Um país com um arcabouço institucional que apoia e fomenta a introdução de inovações e/ou suas firmas são capazes de absorvê-las com relativa facilidade quando lançadas no mercado, maior será a sua competitividade e melhor o desempenho no comércio exterior. Adicionalmente, se consideramos que o investimento direto estrangeiro, além de refletir a competição entre oligopólios internacionais, afeta a competição e a própria capacidade inovativa nacional, estamos associando decisões empresariais, concorrência e balanço de pagamentos. Nesta vertente, a análise permite estabelecer elos com os agregados nacionais e a inserção internacional. Outra importante interface no debate econômico da Economia Industrial e da Inovação concentra-se em temas relacionados ao papel da indústria e da inovação na promoção do desenvolvimento regional. Busca-se verificar como o desempenho industrial e inovativo pode afetar positivamente o desenvolvimento das regiões do país.

Presidente da Abein.

ANA PAULA MACHADO DE AVELLAR Presidenta do Comitê Organizador do III Enei.

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PRÊMIO ABDE-BID 2018

Premiados em 2018 Indústria, infraestrutura e cooperativismo. Os temas que estão na agenda pública de debates do Brasil em 2018 são os protagonistas dos trabalhos vencedores do Prêmio ABDE-BID, organizado pela Associação Brasileira de Desenvolvimento e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, com o apoio da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), que neste ano recebeu o recorde de 49 inscrições. Nesta e na próxima edição da Rumos, serão publicados artigos com o resumo de cada um dos trabalhos que ficaram em primeiro e segundo lugares nas três categorias do prêmio: Desenvolvimento em Debate, Parcerias Público-Privadas – Desafios e Soluções e Sistema OCB: Desenvolvimento e Cooperativismo de Crédito. Vencedor da categoria 1, o economista Roberto Alexandre Zanchetta Borghi defende a importância da indústria para o crescimento econômico. “Uma estrutura produtiva industrial mais diversificada e integrada, com encadeamentos intersetoriais mais fortes, permite uma resposta mais adequada da oferta doméstica aos estímulos de demanda, gerando mais renda e acelerando o crescimento econômico”, afirma. Para o economista equatoriano André Bartelotty Troya, pri26

meiro colocado na categoria 2, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) devem ser compreendidas como um meio alternativo para a execução de projetos de infraestrutura pública. A partir do uso de indicadores como o Comparador Público-Privado, ele argumenta que a decisão pela realização de uma PPP deve ir além de uma avaliação sobre as necessidades de recursos de um estado, mas também sobre a possibilidade de implementar projetos absorvendo as melhores características dos dois setores. Já os autores do artigo premiado na categoria 3 analisam como a crise econômica iniciada em 2015 influenciou o desempenho das cooperativas de crédito e como isso está relacionado ao porte dessas instituições: as cooperativas menores mostraram-se mais expostas ao risco comparativamente às maiores. Por isso, eles defendem a ampliação da geração de rendas não decorrentes de operações de crédito por parte dessas instituições. Confira, nas próximas páginas, um resumo desses três artigos premiados. Os vencedores, além da publicação em livro do concurso, receberão valores em dinheiro. A cerimônia de premiação acontece junto com o Fórum do Desenvolvimento, no dia 17 de outubro, em Brasília. JULHO | AGOSTO 2018


PRÊMIO ABDE-BID 2018 – VENCEDOR DA CATEGORIA 1

Indústria e crescimento econômico no Brasil

RUMOS

análise. Diferentes tipos de serviços figuravam entre os principais setores econômicos na estrutura produtiva brasileira, porém se mostraram incapazes de colocar a economia em uma trajetória sustentada de crescimento. Setores industriais em geral que, por sua vez, apresentariam tal capacidade, vêm perdendo espaço na estrutura produtiva comparativamente a outras áreas A base industrial, embora permanecesse importante, mostrou-se relativamente estagnada na economia brasileira nas últimas décadas, exceto durante o período em que se observou maior dinamismo da atividade econômica (2004-2008). Devido a razões diversas, incluindo o regime macroeconômico de taxas de juros elevadas e taxa de câmbio apreciada, prevalecente por longo período no Brasil, este padrão de especialização produtiva liderado pelo crescimento de setores não industriais e menor integração relativa da produção industrial tem se reforçado. Isto, em grande medida, contribui para entender o baixo e errático desempenho econômico brasileiro, assim como alguns dos principais desafios que o país possui adiante a fim de restabelecer uma trajetória mais sustentada de crescimento econômico.

Acervo Pessoal

A economia brasileira vem enfrentando enormes desafios em promover uma trajetória sustentada de crescimento econômico desde seu processo de liberalização ocorrido no início dos anos 1990. Por mais de duas décadas, o crescimento econômico brasileiro tem sido baixo e fortemente influenciado por restrições de balanço de pagamentos. De uma perspectiva macroestruturalista acerca do processo de desenvolvimento, este movimento pode ser compreendido como resultado de desequilíbrios estruturais, em especial, do declínio relativo do desempenho industrial doméstico. O artigo Industrial linkages and economic growth: a macro-structuralist perspective on Brazil’s development pattern discute este assunto em detalhe. A partir da metodologia de insumo-produto, cobrindo as décadas de 1990 e 2000, analisam-se o padrão de especialização produtiva do Brasil e a dinâmica de crescimento econômico dele resultante. A perspectiva macroestruturalista adotada compreende contribuições tanto estruturalistas como kaldorianas da literatura econômica no que se refere à importância de setores industriais pujantes e encadeamentos intersetoriais domésticos para a promoção do crescimento econômico de forma sustentada. A importância da indústria para o crescimento econômico é evidente. Efeitos multiplicadores da demanda mais elevados sobre o sistema econômico doméstico dependem do modo de organização da produção em termos de composição setorial, encadeamentos intersetoriais e combinação entre oferta doméstica e externa. Uma estrutura produtiva industrial mais diversificada e integrada, com encadeamentos intersetoriais mais fortes, permite uma resposta mais adequada da oferta doméstica aos estímulos de demanda, gerando mais renda e acelerando o crescimento econômico. Permite também que os efeitos multiplicadores sejam transmitidos de um setor a outro ao longo da cadeia produtiva, de forma que se transformem em demanda doméstica intersetorial, para não mencionar os efeitos tecnológicos e de produtividade advindos do desenvolvimento dos setores industriais. Logo, mudanças estruturais em direção à industrialização mostram-se essenciais para o crescimento econômico de longo prazo. As evidências obtidas a partir das análises de insumoproduto apontam que, ao contrário, o padrão produtivo brasileiro tem se baseado cada vez mais no crescimento de setores não industriais e na menor integração relativa da produção industrial doméstica durante o período em

ROBERTO ALEXANDRE ZANCHETTA BORGHI Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor pela Universidade de Cambridge, Reino Unido.

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PRÊMIO ABDE-BID 2018 – VENCEDOR DA CATEGORIA 2

PPPs como alternativa para a infrestrutura

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com uma análise sobre a parte quantitativa correspondente à aplicação do indicador chamado Comparador Público-Privado (CPP)1, utilizando a metodologia de Valor Pelo Dinheiro. Neste caso se teve que estimar todos os componentes necessários, tais como a quantidade de investimento e operação, renda de uso de serviço, e riscos potenciais que pode ter a obra (políticos, custos etc.). Finalmente, com o uso de todos os elementos trazidos a valor presente, se compara o custo da OPT e o custo da PPP, sendo a melhor alternativa para a construção desta estrada por meio do modo de parceria, porque está gerando-se um valor financeiro adicional pela delegação do trabalho à parte privada; ou, em outras palavras, a construção da estrada é mais custosa como uma OPT, por isso é preferível a PPP, porque o privado é mais eficiente em realizá-lo. A importância da investigação permite entender que convocar concursos públicos para a realização de uma obra deve ir além da necessidades de recursos que pode ter um estado. Pelo contrário, recomenda-se ter um foco técnico e pode-se compreender as PPPs como foram estabelecidas, como uma forma alternativa de implementar projetos absorvendo as melhores características dos dois setores; para que assim o projeto possa ser completado com sucesso, isto é, cumprindo o impacto econômico e social esperado.

1 É um indicador que fornece uma resposta ao questionamento da decisão entre as opções estudadas para a realização de um projeto de infraestrutura. Seu objetivo principal é comparar quantitativamente a modalidade de execução de um projeto público e determinar qual dos dois setores pode fornecer o maior valor na prestação do serviço.

ANDRÉ BARTELOTTY TROYA Acervo Pessoal

Depois da crise global que ocorreu nos anos 1980, causada por uma queda no preço internacional das commodities, os historiadores econômicos classificaram o período como “a década perdida”. Essa crise seria o começo de uma situação econômica complicada para a América Latina, onde praticamente não houve crescimento e os níveis de endividamento externo eram insustentáveis. No início da década de 1990, a situação econômica não havia melhorado e a região tinha um grande déficit de infraestrutura pública, com ausência de estradas, portos, aeroportos, escolas e hospitais, e uma notável deterioração na já existente. Assim, pode-se entender que esse subsetor da construção foi esquecido, pois grande parte do dinheiro foi usado para o pagamento da dívida pública; portanto, novos recursos para as obras eram necessários. Neste contexto histórico econômico, Engel, Fischer & Galetovic (2014) afirmam que foi na década de 1990 que nascem as Parcerias Público-Privadas (PPP) como uma opção ou alternativa, em que não é necessário o Estado para fazer todas as ações. Em vez disso, permite-se que o setor privado tenha maior participação em momentos em que o primeiro carece de recursos financeiros ou humanos capazes de resolver um problema específico. De acordo com a Corporação Andina de Fomento (CAF), nas últimas décadas muitos países latino-americanos implementaram modelos de PPP para a construção, conservação e operação de infraestruturas públicas. Esses modelos foram inicialmente baseados em obras públicas para construção de estradas. No entanto, essa modalidade atualmente abrange não apenas projetos de infraestrutura, mas também serviços públicos como: ferrovias, portos, aeroportos, sistemas de transporte coletivo, hospitais, prisões e prédios públicos, entre outros. Hoje várias das PPPs são mal utilizadas, levando a contratos que não necessariamente atendem ao seu propósito econômico e social. O artigo ora apresentado analisa essa questão a partir da construção de uma estrada no Equador. O texto mostra as PPPs como um meio alternativo para a execução de projetos públicos, diferindo das Obras Públicas Tradicionais (OPT), para o qual se desenha uma metodologia de análises teórica e quantitativa. Com a informação teórica que mostra as principais diferenças entre PPP e OPT, o artigo continua

Economista com menção em Economia Internacional pela Pontifícia Universidade Católica do Equador. Atualmente é analista coordenador da área de estatística do Ministério da Cultura equatoriano. JULHO | AGOSTO 2018


PRÊMIO ABDE-BID 2018 – VENCEDORES DA CATEGORIA 3

Crise e desempenho em cooperativas de crédito

RUMOS

lução 4.434/2015 do Conselho Monetário Nacional (CMN) delimita as operações e atividades para as cooperativas de crédito classificadas como Clássicas e Capital e Empréstimo.

FERNANDA ALVES CORDEIRO Doutoranda em controladoria e contabilidade pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

VALÉRIA GAMA FULLY BRESSAN Professora Associada do Centro de Pósgraduação e Pesquisas em Controladoria e Contabilidade do Departamento de Ciências Contábeis da UFMG. WAGNER MOURA LAMOUNIER Doutor em Economia pela UFV, é professor associado da UFMG.

Fotos: Acervo Pessoal

No Brasil, a partir de 2015, verifica-se o estabelecimento de uma recessão econômica que se originou de uma crise de confiança dos investidores. Foi a maior retração econômica dos últimos 25 anos. Diante deste cenário, faz-se necessário criar alternativas, sobretudo para indivíduos que estão excluídos do sistema financeiro tradicional. As cooperativas de crédito são instituições que contribuem para a manutenção do acesso a serviços financeiros, e seus serviços abrangem regiões que, devido a fatores sociais, culturais e econômicos, são excluídas do acesso ao crédito bancário. Estudar o desempenho das cooperativas de crédito brasileiras com base em determinantes internos e externos de performance em períodos de recessão é de relevância para que se possam estabelecer políticas de melhoria para essas instituições. O estudo ora apresentado analisou a ocorrência de possíveis impactos nos determinantes de desempenho das cooperativas de crédito brasileiras entre 2015 e 2016 em decorrência dos efeitos da recessão econômica. Utilizou-se a abordagem de painel dinâmico por meio do Método dos Momentos Generalizados Sistêmico. A amostra compreendeu 795 cooperativas de crédito singulares referente ao período compreendido entre os anos de 2010 e 2016, excluídas as classificadas como capital e empréstimo, utilizando dados do Banco Central. Concluiu-se que a recessão econômica iniciada no Brasil em 2015 impactou o desempenho das cooperativas de crédito brasileiras. Esse achado está em conformidade com o estudo de Groeneveld e Vries (2009), sobre a resiliência das cooperativas de crédito europeias, que constatou que, apesar das cooperativas serem mais estáveis que os bancos em períodos crise, elas não ficaram imunes a suas consequências. No Brasil, a forma pela qual a instabilidade influenciou o desempenho das cooperativas de crédito está relacionada ao porte dessas instituições. As cooperativas menores mostraram-se mais expostas ao risco comparativamente às maiores, devido à existência de ganhos de escala. Como forma de amenizar os entraves ocasionados pelo cenário de recessão econômica, é importante ampliar a geração de rendas não decorrentes de operações de crédito por parte das cooperativas de menor porte, destacando que a Reso-

LUCAS BARROS Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP).

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ARTIGO

Reforma da previdência: entre omissões e falsos mitos A reforma da previdência vale-se de duas linhas de argumentação para justificar mudanças de caráter abrangente e estrutural no modelo previdenciário que se consolidou na fase recente de crescimento (2004-2014). De um lado, levanta a ameaça de que o célere envelhecimento da população brasileira leve ao colapso do sistema público de aposentadorias nas próximas décadas. Estimativas elaboradas pelo governo sinalizam que, até 2060, o peso de quem tem mais de 60 anos passaria de 12,59% do total da população, em 2015, para 35,15%. De outro, retoma o argumento de que há que elevar a taxa de poupança das famílias, sabidamente baixa no país, e, assim, contribuir para o aumento da taxa de investimento, igualmente insuficiente. Os sistemas fully funded [de capitalização] seriam responsáveis por tal façanha, com base num conjunto de argumentos que remontam aos anos 1980, com a completa privatização da previdência chilena. Para alavancar esse movimento, não apenas se altera o sistema público, debilitando-o, mas estimula-se, indiretamente, o fortalecimento dos regimes de capitalização que registraram um desenvolvimento significativo na última década: o patrimônio líquido dos fundos de capitalização da previdência complementar aberta no Brasil passou de R$ 90 bilhões em 2005 para R$ 490 bilhões, em 2015. Ora, um documento1 elaborado por um 30

grupo de economistas, engenheiros e matemáticos foi publicado em 2017, questionando a primeira linha de argumentação. Contesta os modelos do governo no que tange ao ritmo de envelhecimento da população brasileira de três maneiras: o grau de transparência dos métodos utilizados na projeção dos resultados previdenciários é limitado; outras variáveis importantes para o financiamento do sistema previdenciário não foram consideradas para melhorar seus resultados financeiros, em lugar de apenas o condenar a ser insustentável no longo prazo; as previsões estatísticas jamais são isentas de erros, motivo pelo qual o método de projeção utilizado pelo governo deveria calcular e delimitar os erros para as projeções sobre o comportamento do sistema previdenciário, o que não ocorreu. FUNDOS PRIVADOS Se essa linha de argumentação do governo parece contaminada por pressupostos e metodologia inconsistentes, o que dizer da ideia de que fundos de capitalização privados são, invariavelmente, mais benéficos ao aumento da poupança, com rebatimentos positivos no incremento do investimento produtivo e, portanto, no crescimento econômico? Essa é a defesa feita pela ortodoxia, quando privilegia os sistemas de capitalização, por meio de um conjunto de incentivos, enquanto impõe limites aos sistemas públicos de repartição. Por intermédio das contas individuais, afirmam, a poupança seria absorvida no investimento produtivo, estimulando a inovação e o aumento da produtividade, levando ao crescimento do produto. Sem falar no estímulo à consolidação do mercado de capitais nos países em desenvolvimento, onde cabe prioritariamente ao Estado o financiamento da atividade privada. Anos atrás, aliás, um grupo de avaliação independente interno ao Banco Mundial refutou essa interpretação falaJULHO | AGOSTO 2018


Estimativas elaboradas pelo governo sinalizam que, até 2060, o peso de quem tem mais de 60 anos passaria de 12,59% do total da população, em 2015, para 35,15%.

ciosa, que mais tem de ideologia do que de rigor científico. Ao analisar as propostas da agência em favor do fortalecimento dos regimes de capitalização, concluiu que não se verifica correlação positiva entre contas individuais em fundos abertos e desenvolvimento da poupança privada ou do mercado de capitais. Embora seja farta a literatura internacional na área, questionando tal associação, dados para o Brasil reforçam evidências de que tais desdobramentos tampouco aqui seriam automáticos. De fato, em tese, nada garante que as contribuições feitas aos fundos de capitalização abertos impliquem aumento da poupança privada, pois caso a previdência complementar seja destinada à aquisição de títulos do governo, de alta rentabilidade, em função da elevadíssima taxa Selic, essa poupança voluntária ou obrigatória advinda dos fundos de pensão pode ser amplamente compensada por elevação do endividamento público.

1 PUTY, C.A.C.B.; GENTIL, D. L. (orgs.). A Previdência Social em 2060: as inconsistências do modelo de projeção atuarial do governo brasileiro. Brasília: ANFIP/DIEESE; PLATAFORMA POLÍTICA SOCIAL 2017. 88p.

RUMOS

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LENA LAVINAS Professora Titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

ELIANE DE ARAÚJO

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SISTEMA PÚBLICO Da mesma maneira, é sabido que quão mais consolidado um sistema público, maiores as chances de expansão dos regimes complementares. O inverso, contudo, não é verdadeiro. No caso brasileiro, sabe-se que o que mais fragiliza o regime de repartição é o baixo teto de contribuição do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), estipulado desde a gestão de Fernando Henrique Cardoso, mantido ao longo dos governos petistas e agora estendido também às aposentadorias do funcionalismo e outras carreiras de Estado. Ele hoje é de R$ 5.645,80. O teto de contribuição retira recursos expressivos do sistema público e os canaliza para o sistema financeiro, debilitando aquilo que hoje se diz ser imperioso preservar: as receitas da previdência. A supressão desse teto ou sua elevação para um patamar mais alto aparece como fator indispensável à saúde da previdência pública. Ademais, em se tratando de Brasil, confirma-se que a expansão da previdência complementar privada não contribui nem para o aumento do investimento, nem para a ampliação do mercado de capitais. No passado recente, mostrou tender muito mais a estimular a concentração de renda mediante a alocação de recursos em títulos da dívida pública.

A expansão da previdência complementar privada não contribui nem para o aumento do investimento, nem para a ampliação do mercado de capitais. No passado recente, mostrou tender muito mais a estimular a concentração de renda mediante a alocação de recursos em títulos da dívida pública.

Professora da Universidade Estadual de Maringá e bolsista de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).

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LIVROS

A POLÍTICA DO CAPITAL

Dinheiro, eleições e poder Bruno Carazza Companhia das Letras, 2018, 432 p.

Para escrever Dinheiro, eleições e poder, o especialista em direito e economia, Bruno Carazza, criou uma metodologia que destrinchou as engrenagens do sistema político brasileiro. Ele compilou e cruzou um grande volume de dados sobre doações de campanhas eleitorais, tramitação de projetos, votações e atuação parlamentar. Juntou a isso fragmentos das delações premiadas e depoimentos de testemunhas ouvidas nas várias fases da Operação Lava Jato e do julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE. Com os dados e os depoimentos cruzados, o autor compôs um quadro em que ficou explicitada a influência do capital sobre a política e a dificuldade de combater os desvios provenientes

dessa relação. O livro mostra como o perfil do financiamento eleitoral no Brasil foi se concentrando em grandes doadores, que seguem uma lógica estritamente empresarial – muito mais do que ideológica. A partir dos números sobre participação em frentes parlamentares, propositura de emendas e posicionamento nas principais votações, Carazza analisa como, em sua avaliação, os eleitos tendem a retribuir as doações recebidas das grandes empresas. No fim do livro, o especialista apresenta alternativas para baratear as eleições no país, para combater práticas como o “caixa dois” e para diminuir a influência econômica na democracia brasileira.

VOZES FEMININAS

Mulheres e poder: um manifesto Bruno Carazza Companhia das Letras, 2018, 432 p. 32

A partir dos perfis de políticas de diferentes matizes ideológicos, como a ex-primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher, a ex-secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton e a chanceler alemã Angela Merkel, a professora da Universidade de Cambridge Mary Beard constrói uma reflexão sobre um tema que as interliga: o silenciamento feminino, em especial no espaço da política institucional. A obra tem por base duas palestras proferidas pela autora, nos anos de 2014 e 2017, e traça as raízes da falta de voz das mulheres nos espaços de poder, que vêm de Atenas e Roma – o primeiro exemplo de silenciamento feminino, de acordo com ela, estaria na Odisseia, de Homero. Ao mesmo tempo, a historiadora mostra como

esta é uma questão que ainda existe hoje e o que tem sido feito a respeito disso. Ao tratar das mulheres na política, ela lista uma série de obstáculos enfrentados por essas figuras: Margaret Thatcher, por exemplo, teve aulas de elocução para falar com um tom mais grave, característica associada à voz masculina. “Eu queria descobrir até que ponto estão profundamente incorporados à cultura ocidental os mecanismos que silenciam as mulheres, que se recusam a levá-las a sério e que as afasta (às vezes literalmente) dos centros de poder. No que diz respeito a silenciar as mulheres, a cultura ocidental tem milhares de anos de prática”, explica Mary Beard no prefácio da obra, que foi publicada este ano no Brasil. JULHO | AGOSTO 2018


DANÇANDO COM O INIMIGO

Valsa brasileira Laura Carvalho Todavia, 2018, 183 p.

Da euforia de um cenário de crescimento acima das últimas décadas para uma das maiores recessões de sua história. Em sua obra, a economista Laura Carvalho busca um diagnóstico sobre a “montanha-russa” vivida pelo país nos anos recentes, em que a vigorosa geração de empregos e redução de desigualdades desaguou em uma recessão gravíssima, que ameaça o futuro do país. A autora avalia que uma crise da proporção que possui a brasileira não pode ter apenas uma causa – e assim afasta tanto as teses que afirmam que o crescimento verificado na década passada foi apenas uma ilusão, uma “sorte” ocasionada pela alta no preço das commodities, quanto os que defendem que houve uma sucessão de erros a partir dos anos 2000, tendo como solução o aprofun-

damento do modelo dos anos 1990; e também os que consideram que a crise seria essencialmente política, causada pela propaganda negativa da imprensa, a má-fé do Congresso ou um boicote por parte do empresariado. No livro, ela defende que a compreensão do vaivém da economia brasileira nos últimos anos exige que seja descartado o clima de Fla-Flu político que predomina em muitas análises atuais. Para a economista, os obstáculos para a continuidade do crescimento inclusivo de 2006 e 2010 eram superáveis, mas optou-se por fazer deles pretexto para uma malsucedida mudança de rumo. A obra, contudo, não se limita ao diagnóstico, e propõe uma nova agenda, partindo do princípio de que o aprofundamento da democracia cabe, sim, no orçamento.

A QUESTÃO DOS PARTIDOS

A difusão parlamentar do sistema partidário Wanderley Guilherme dos Santos Editora UFRJ, 2017, 187 p. RUMOS

O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos questiona, em seu mais recente livro, um argumento bastante difundido nos estudos e no senso comum sobre a política brasileira: os chamados “partidos de aluguel”, agremiações sem base social ou opinião política bem definida, que são apontados pelo senso comum como a causa e resultado da falência do sistema de representatividade. O estudioso, auxiliado pelo trabalho de pesquisa de Fabrícia Guimarães e por ampla base de dados do Laboratório de Estudos Experimentais (Leex), investiga por que se construiu a ideia de que essas legendas são as responsáveis pela deterioração da credibilidade do sistema partidário.

Por meio de uma investigação de fôlego, o autor defende que os mecanismos da democracia representativa brasileira não apresentam desvio de funcionamento em relação à formação histórica dos sistemas em outros países. Analisando o desempenho das legendas partidárias ao longo das últimas 13 eleições (nacionais e locais), os resultados revelam a existência de um sistema partidário complexo, que não se explica apenas pelo que ocorre no patamar nacional de competição. Os resultados demonstrariam, na visão do cientista, que, ao contrário da tese da deterioração dos partidos, eles têm se expandido pelo território brasileiro, num processo de nacionalização do mercado eleitoral. 33


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O Brasil, como todo país, precisa de apoio ao investimento para conseguir atingir o desenvolvimento sustentável. Adriano Porto, via LinkedIn

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Sem planejamento, sem gerenciamento e com este sistema político, o Brasil não tem a menor chance de dar certo. Roberto Melo, via Facebook

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