Revista Rumos 304 - Especial

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#304 MARÇO/ABRIL

2019

ESPECIAL

ABDE FAZ 50 ANOS Em homenagem a cinco décadas de discussão em prol do desenvolvimento, esta edição especial faz um panorama dos caminhos e descaminhos da economia brasileira ao longo de quase um século, desde as transformações do período Vargas até os dias atuais.

ENTREVISTA

REPORTAGEM

ARTIGO

Presidente do BNDES destaca que as instituições de fomento devem atuar de maneira integrada.

Parceiros internacionais da ABDE relatam os projetos de sucesso com a rede de fomento.

À frente do Sebrae, Carlos Melles explica a importância das Empresas Simples de Crédito.


#AQUITEMSEBRAE

27% DO PIB DO BRASIL. Se você é empreendedor, pode contar por aí que é responsável por 54,5% dos empregos formais do nosso país. Pode contar que representa 98,5% das empresas nacionais e que já ofereceu a mais de 750 mil jovens a oportunidade do primeiro emprego. Pode contar com o Sebrae para deixar o seu dia a dia mais simples, ampliar o seu negócio, gerar novos empregos e oferecer qualificação e apoio especializado.


PAULA PSILLAKIS Amo Orgânico Quitanda Cliente Sebrae

AQUI TEM PEQUENO NEGÓCIO.


SUMÁRIO

MARÇO/ABRIL 2019

#304

Thais Sena Schettino Editora

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ESPECIAL | ARTIGO

Hindemburgo Chateaubriand Pereira Diniz

Noel Joaquim Faiad

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DESTAQUES

O dever da ABDE

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ESPECIAL | ENTREVISTA

Jorge Lins Freire

Memórias e ideias ESPECIAL | ARTIGO

Marco Crocco

O futuro dos bancos de desenvolvimento: reflexões iniciais

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ESPECIAL 50 ANOS

Bandeira do desenvolvimento

ARTIGO - EMPREENDER

Carlos Melles

Por um Brasil mais produtivo REPORTAGEM

Divulgação

Meio século de realizações. A Associação Brasileira de Desenvolvimento chega aos 50 anos diante de novos desafios para apoiar o crescimento sustentável do país. Não poderia ser diferente; em 1969, a sociedade brasileira era outra: imagina viver sem computador, celular, redes sociais, só para ficar nas revoluções da área das comunicações, mas mudou tudo, o modo de produção, de deslocamento, de relação interpessoal. Em nossa reportagem especial, mostramos que o desenvolvimento brasileiro foi sendo moldado a partir de diferentes visões de mundo, tendo como pano de fundo todas essas transformações. Em especial, também, temos os artigos de ex-presidentes da ABDE, Hindemburgo Diniz e Marco Crocco, somados às entrevistas com o também ex-presidente da instituição Jorge Lins Freire e o presidente do BNDES e do Conselho dos Associados da ABDE, Joaquim Levy, além do especialista em desenvolvimento regional Clélio Campolina. Em reportagem com os parceiros internacionais do Sistema Nacional de Fomento, percebe-se a importância dessa rede em prol do desenvolvimento brasileiro alinhado às boas práticas internacionais. Destaque ainda para os artigos do presidente do Sebrae, Carlos Melles, sobre as potencialidades das Empresa Simples de Crédito (ESC), do ex-ministro Delfim Netto, sobre desemprego, do diretor do Bancoob, Ênio Meinen, a respeito da força do cooperativismo financeiro e do professor de economia Orlando Martinelli, que discute a relação entre recursos naturais e desenvolvimento. A maturidade conferida por esses 50 anos à ABDE lhe permite olhar para o passado com orgulho do caminho trilhado, mas sinaliza a enorme responsabilidade de manter vivo o espírito do desenvolvimento brasileiro capitaneado pelo Sistema Nacional de Fomento. Parabéns a todos que participaram dessa trajetória e que compartilham o sonho de um Brasil desenvolvido. Boa leitura!

NESTA EDIÇÃO

Desafios regionais em primeiro plano

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ARTIGO

Um novo ciclo de investimentos

Ênio Meinen

ENTREVISTA | Joaquim Levy

Cooperativismo financeiro: de força regional a protagonista nacional Noel Joaquim Faiad

AO LEITOR

OPINIÃO

Antonio Delfim Netto

Ganhar a vida com dignidade REPORTAGEM

Alianças globais

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CAPA | Reportagem

Uma história do desenvolvimento

ARTIGO

Orlando Martinelli

Recursos naturais e desenvolvimento MARÇO | ABRIL 2019


ESPECIAL - ABDE 50 ANOS

Ari Versiani/Agência Brasil

Bandeira do desenvolvimento

A Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) celebra, em 2019, 50 anos de existência. Nessas cinco décadas em que a Associação esteve à frente de ações para o fortalecimento do Sistema Nacional de Fomento (SNF), a existência do SNF tem se mostrado importante instrumento para superar os diferentes desafios do desenvolvimento econômico brasileiro, desempenhando papel fundamental para o país realizar as transformações exigidas por cada momento histórico. Fundada no dia 05 de março de 1969, como Associação Brasileira dos Bancos de Desenvolvimento, a instituição passou por duas reformulações de nome: a primeira alteração foi em 1997, quando se tornou Associação Brasileira de Instituições Financeiras de Desenvolvimento; a segunda se deu em 2014, quando mudou para o que se conhece hoje. Atualmente, a ABDE reúne 31 instituições – bancos públicos federais, bancos de desenvolvimento controlados por estados da federação, bancos cooperativos, bancos públicos comerciais estaduais com carteira de desenvolvimento e agências de fomento, além da Finep e do Sebrae. Enquanto rede, o SNF hoje é responsável por mais da metade da oferRUMOS

O Sistema Nacional de Fomento é o instrumento efetivo para a execução de políticas públicas de desenvolvimento e o principal financiador de longo prazo da economia brasileira.

ta de crédito na economia brasileira, constituindo-se como elemento decisivo para financiar atividades produtivas de variados setores, para viabilizar projetos de maior prazo de maturação, para a descentralização regional dos financiamentos e para a execução de diversas políticas públicas. O Sistema Nacional de Fomento é, assim, o instrumento efetivo para a execução de políticas públicas de desenvolvimento, junto ao Sistema Financeiro Nacional, e o principal financiador de longo prazo da economia brasileira. Por meio das Instituições Financeiras de Desenvolvimento, presentes em todo o Brasil, o Sistema prioriza os investimentos que irão estimular a modernização das empresas, a ampliação da capacidade produtiva, o apoio aos pequenos e microempreendedores, além de promover o aprimoramento da infraestrutura, gerando empregos e potencializando o crescimento sustentável do país. São instituições que atendem a um escopo bastante variado de competências e atribuições, e que fortaleceram, ao longo de décadas de atuação, sua competência em áreas estratégicas para o desenvolvimento sustentável da economia brasileira e para a garantia do bem-estar dos cidadãos. 5


ESPECIAL - 50 ANOS

Cinco décadas pelo Brasil

1972 Criação do Sebrae: a ABDE é uma das instituições fundadoras

1969 Criação da ABDE durante o I Congresso Brasileiro de Bancos de Desenvolvimento, em Araxá (MG)

1990 Transformação do Sistema Nacional de Fomento, com programa de reestruturação dos bancos federais e estaduais

1974 II Plano Nacional de Desenvolvimento teve participação fundamental dos bancos de desenvolvimento Arquivo/ABDE

1808 BB 1861 Caixa 1942 Banco da Amazônia 1952 BNDES 1952 Banco do Nordeste 1959 Banpará 1962 BDMG 1962 BRDE 1966 BRB 1967 Bandes 1967 Finep

No dia 14 de março de 1969, o jornal Correio da Manhã destacou a criação da ABDE, em seu caderno de Economia: "A ABDE, integrando todas as agências de financiamento ao desenvolvimento, vai colaborar prontamente no entrosamento nos vários planos regionais ou estaduais, bem como trará contribuições valiosas para atingir os objetivos enunciados pelo ministro Hélio Beltrão, quais sejam, os de reorganizar a nossa estrutura de financiamento, instituindo um sistema nacional para amparar e incentivar o esforço de desenvolvimento".

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MARÇO I ABRIL 2019


Criação das agências de fomento:

Surgem os bancos cooperativos: 1995 Banco Sicredi 1995 Cresol 1996 Bancoob

1998 Badesc 1998 Badesul 1999 Desenvolve RR 1999 Afap 1999 Afeam 2000 Fomento Paraná 2000 AGN 2001 Goiás Fomento 2001 Desenbahia 2002 Tocantins 2003 AgeRio 2004 Desenvolve MT 2009 Desenvolve SP 2009 Desenvolve 2010 Agefepe 2010 Piaui Fomento

1997 Com o novo cenário, a ABDE muda seu nome para Associação Brasileira de Instituições Financeiras de Desenvolvimento

A despeito de a reestruturação dos sistemas estaduais de fomento ter levado à extinção de diversas instituições, o reconhecimento da necessidade de que estados tivessem braços financeiros para a execução de suas políticas de desenvolvimento levou à criação das Agências de Fomento.

2014 ABDE ganha nova marca, com o nome atual: Associação Brasileira de Desenvolvimento

2008 Crise financeira e papel anticíclico do SNF SNF: Operações de Crédito no Sistema Financeiro Nacional

Diante do impacto da crise financeira de 2008, as instituições do SNF foram ativadas para agir anticiclicamente, com vistas a estimular a recuperação da economia por meio do aumento na oferta de crédito. A estratégia garantiu rápida reversão no ciclo, com registro de taxa de crescimento do PIB de 7,5% já em 2010.

RUMOS

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ESPECIAL - 50 ANOS

ARTIGO

O dever da ABDE Os bancos de desenvolvimento passaram a ser considerados e a ganhar importância com a criação do Banco Mundial, depois da 2ª Grande Guerra (1939-1945), cuja primeira missão foi dar suporte às economias que procuravam suplantar as dificuldades econômicas resultantes daquele conflito bélico, sobretudo na Europa. O sucesso do Banco Mundial, com o Plano Marshall, na indução do recobramento da viveza econômica nos países europeus mais afetados pelos estragos da Guerra, persuadiu muitas comunidades nacionais de outros continentes a criarem instituições congêneres, nos seus territórios, com o intuito de colaborarem para a expansão das respectivas economias. Muitos corresponderam às expectativas que lhes deram origem. O exemplo que aqui no Brasil não podemos ignorar foi a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE, hoje BNDES), nosso principal banco de desenvolvimento. Sem o BNDES não contaríamos com o parque industrial de que dispomos atualmente, primeiro na América Latina, tanto em capacidade de produção quanto na quantidade de bens diferenciados que produz para o mercado, em média de boa qualidade. O BNDES foi instituído pela Lei nº 1.628, de 18 de junho de 1952. Tudo começou como resultado do Act for International Development, de 1950, que autorizou a formação de comissões mistas dos Estados Unidos com países do continente. Já em 19 de julho de 1951 tiveram origem os trabalhos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), cujos andamentos contribuíram para observar-se a necessidade da criação de uma entidade financeira comprometida com o processo de desenvolvimento econômico que os estudos da CMBEU passaram a indicar. Onze meses adiante nascia o BNDE. Antes, haviam sido instituídos o Banco do Brasil, em 1808, e a Caixa Econômica, em 1861. Mas o BNDE foi o primeiro voltado, exclusivamente, para fornecer empréstimos de longo prazo. Transformou-se no grande suporte do processo de industrialização nacional. Sem demérito dos profundos e marcantes serviços prestados à economia nacional pelo Banco do Brasil. Aliás, o Banco do Brasil exerceu por longo tempo a função de autoridade monetária, tendo sido criado dentro de sua estrutura, em 1945, a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), espécie de embrião de Banco Central, com a missão de combater a instabilidade macroeconômica. Por outro lado, antes da Sumoc, incorporou, em 1937, a Carteira de Crédito 8

Agrícola e Industrial (Creai), que animou atividades específicas pelo país afora. O Banco Central do Brasil só veio a ser criado em 1964, por meio da Lei nº 4.595. Logo após o surgimento do BNDE, nascia, em 19 de julho de 1952, o Banco do Nordeste, primeira entidade pública federal comprometida com o fomento econômico regional. Estavam constituídas as bases de instituições financeiras voltadas para o desenvolvimento. Na década seguinte, passaram a ser criados os bancos de desenvolvimento estaduais, cujo primeiro, o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), de 1961, na verdade, uma entidade organizada pelos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento nos seus territórios. Com o mesmo propósito, o governo mineiro fundou o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, em 1962, comprometido apenas com a economia do seu estado. A nova instituição financeira de Minas (BDMG), desde seu início, organizou-se no sentido de fomentar a expansão da economia da região onde atuava, a partir de estudos e recomendações de equipes técnicas bem qualificadas que arregimentou sobretudo no meio universitário. Promoveu pesquisas e animou seminários voltados para seus objetivos, vários dos quais com resultados que tiveram influência nos meios nacionais. A CRIAÇÃO DA ABDE A propósito, vale lembrar que quando os bancos de desenvolvimento estaduais começaram a surgir não dispunham de organização nacional específica e costumavam participar de reuniões organizadas pelas entidades bancárias comerciais, até então as únicas existentes no país, com exceção do Banco do Brasil e da Caixa Econômica, ambos que também operavam na faixa do desconto a que se dedicava o conjunto das sociedades privadas. O BNDE não participava. Numa dessas reuniões, em 1967, o presidente do BDMG encaminhou sugestões e as defendeu oralmente, solicitando que constassem das matérias componentes da pauta. No encerramento, ou seja, na hora da votação, nada do que fora proposto por ele constou na solução do que seria decidido. Houve uma outra reuMARÇO | ABRIL 2019


RUMOS

O resultado foi a criação da ABDE, cinquenta anos atrás, cuja primeira reunião, depois de constituída formalmente, já contava com 17 entidades de 15 estados diferentes, que se haviam escrito como sócios fundadores. Tratouse, portanto, de sucesso retumbante em virtude de sua ressonância. entidades de fomento financeiro nos estados não se deixavam envolver em interesses políticos, diferentemente dos comerciais, até pelas exigências técnicas de suas resoluções. Hoje, a ABDE vai bem; fico feliz quando a vejo presente, defendendo com bons argumentos os interesses que lhe parecem mais adequados às conveniências do conjunto, nas reuniões da Associação Latino-Americana de Instituições Financeiras de Desenvolvimento (Alide), da qual sou conselheiro permanente. Não tem empecilho para defender as posições legítimas de seus associados, mas, no meu juízo, deve empenhar-se sobretudo a persuadi-los a serem os mais rigorosos possíveis no controle de suas aplicações e atuar no sentido de garantir, pelo menos às agências de maior porte, meios para tornarem-se bancos, sem restrições extraordinárias.

HINDEMBURGO CHATEAUBRIAND PEREIRA DINIZ Divulgação

nião extraordinária, no princípio de 1968. E tudo se repetiu. Logo depois, em conversa com o presidente do BRDE, Jorge Babô Miranda, e com o presidente do Banco de Desenvolvimento do Paraná (Badep), Jairo Ortiz Gomes Oliveira, constatou-se que os três tinham a mesma convicção. Ali só se tratava de interesses dos bancos comerciais. Em consequência, o presidente do BDMG deixou de participar da reunião ordinária do ano, solicitando ao seu colega diretor da agência Rio de Janeiro, José Hugo Castelo Branco, que o substituísse, levando consigo a incumbência de discutir com Babô Miranda e Jairo Ortiz sobre a possibilidade de realizar-se uma reunião de que participariam apenas os bancos de desenvolvimento, a fim de criar-se uma entidade nacional dedicada a encaminhar e defender os interesses do conjunto, modelando suas ações. As despesas com a assembleia correriam por conta do BDMG. Ambos apoiaram a ideia com entusiasmo, marcando-se o evento para março de 1969, em Araxá. A Assembleia prolongou-se ao longo de três dias com vários encontros formais entre técnicos preocupados em debater processos de fomento econômico, mas marcando cada dia uma sessão plenária, presidida pelo governador Israel Pinheiro, com tempo reservado para a fala de um ministro de Estado: Hélio Beltrão, na abertura; Costa Cavalcante, na segunda; e Delfim Netto, no encerramento. Também estiveram presentes o presidente do Banco Central, Ernani Galvêas; Nestor Jost, presidente do Banco do Brasil; e diversos chefes e diretores de instituições federais e estaduais. Só o presidente do então BNDE não compareceu. Foi um sucesso superior às melhores previsões. Mais de cinco dezenas de técnicos dos bancos participantes expuseram teses nas diversas reuniões temáticas. Ao longo do congresso, o assunto esteve em foco na grande imprensa nacional, com registros da iniciativa do BDMG no sentido de modelar a ação dos bancos de desenvolvimento comprometida com visão macroeconômica rigorosa, nas análises dos projetos e nos controles das aplicações. O resultado foi a criação da ABDE, cinquenta anos atrás, cuja primeira reunião, depois de constituída formalmente, já contava com 17 entidades de 15 estados diferentes, que se haviam escrito como sócios fundadores. Tratou-se, portanto, de sucesso retumbante em virtude de sua ressonância. Nos seus primeiros anos, a ABDE manteve relações fáceis com as autoridades financeiras e de planejamento nacionais, sendo ouvida diversas vezes por elas. Essa circunstância se enfraqueceu com o início dos reflexos do Consenso de Washington aqui no Brasil, chegando ao ponto de o Banco Central induzir a maioria dos bancos de desenvolvimento a transformarem-se em agências financeiras. Salvo engano, apenas três resistiram: o BRDE, do Extremo Sul; o BDMG, de Minas Gerais; e o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes). Foi um erro do Banco Central porque as

Ex-presidente do BDMG. Foi um dos fundadores e, posteriormente, presidente da ABDE. 9


ENTREVISTA Divulgação

ESPECIAL - 50 ANOS

Memórias e ideias

Jorge Lins Freire possui uma trajetória única no Sistema Nacional de Fomento. Foi presidente da ABDE, no início da década de 1980, e de três de seus associados: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia (Desenbanco) e o Banco do Nordeste. Nesta entrevista, Freire recorda os anos em que esteve à frente da Associação e debate os rumos das Instituições Financeiras de Desenvolvimento, que, em sua visão, para se manterem relevantes, devem ser mais do que agentes de crédito, e sim instrumentos de planejamento do longo prazo. POR THAIS SENA E JADER MORAES

Rumos – Quais são as suas principais lembranças do período em que esteve à frente da ABDE, enquanto também presidia o Banco de Desenvolvimento da Bahia? Jorge Lins Freire – Minha principal lembrança é de que todos os bancos tiveram um papel importante no desenvolvimento dos estados, com uma ação muito técnica e voltada aos objetivos de geração de crescimento e de emprego e renda. Os bancos de desenvolvimento possuíam, e acredito que ainda possuam, um papel muito grande, pois fazem financiamento voltado sobretudo para o desenvolvimento local e o longo prazo. Esse é um ponto extremamente importante, pois os bancos sempre foram focados, além do financiamento, em análise de projeto, viabilidade econômica, até mesmo assistência ao empresário, no sentido de mostrar a ele os pontos mais fortes e mais fracos do projeto, o grau de risco. Ou seja, o longo prazo exige uma análise profunda que não é meramente uma análise de crédito. Então, 10

os bancos faziam uma análise que aferia não apenas a condição de se ter o crédito, mas a viabilidade do projeto e como aquele empreendimento poderia desenvolver aquela região. Até hoje, o financiamento de longo prazo não é algo simples. Rumos – O período especificamente que o senhor ficou à frente da ABDE e depois na presidência do BNDES, no início da década de 1980, foi de dificuldades para a economia brasileira. Como essas instituições contribuíram para que país conseguisse atravessar aquele momento difícil? Freire – Não tenho dúvida de que é importante a ação de mercado, mas também com uma análise MARÇO | ABRIL 2019


que olhe para os investimentos de forma diferenciada. A visão do longo prazo ou do curto prazo é um ponto extremamente importante e os bancos de desenvolvimento tiveram um papel fundamental nesse sentido; dávamos muita importância a isso naquele período. A economia tem altos e baixos, é preciso ter um trabalho muito objetivo de prioridades. E os bancos de desenvolvimento sempre trabalharam com isso. São instituições que têm uma equipe técnica muito competente, formada por pessoas que vivem a instituição no longo prazo, pois são concursadas, não estão ali meramente por indicações em função de privilégios políticos. Rumos – Como o senhor vê o papel do BNDES na interação com as demais instituições que compõem o Sistema Nacional de Fomento? Freire – O BNDES tem uma responsabilidade muito grande e pode ajudar bastante no desenvolvimento das instituições de fomento em níveis locais, porque ele está um pouco mais distante dessa realidade, por ser um órgão central, que olha para a prioridade nacional. Quando presidi o banco, tínhamos uma visão, que era de governo, que dava uma certa distribuição regional na aplicação dos recursos e também concedia apoio para que os órgãos de fomento estaduais fossem repassadores de recursos que o BNDES dispõe e não precisassem captar nos estados ou em outras fontes, o que não é fácil. Acredito que não dá para atender todo o segmento de todos os setores, por isso é muito importante esse trabalho de priorização. O BNDES pode e deve priorizar, para definir que tipo de atividade quer financiar, pois pode fazer diretamente em alguns projetos e em outros pode apoiar por meio de repasses. Rumos – O quanto o país mudou nesses quarenta anos que separam a sua gestão no Sistema Nacional de Fomento e o panorama atual? Freire – A tecnologia mudou muito todo o processo, a velocidade das mudanças está muito rápida e às vezes se acredita que as crises não vão aparecer. No cenário atual é preciso, ainda mais, estabelecer critérios e prioridades. Acompanhando os debates políticos, realmente me surpreende a falta de objetividade nas discussões. Tenho um sentimento de que as pessoas estão pensando que o mundo não mudou, não vai mudar e tudo continuará como está. Temos um país maravilhoso, que precisa de mais investimentos, especialmente em infraestrutura, em praticamente todas as áreas: industrial, ferroviária, aeroportos, saneamento, todos esses setores estão totalmente defasados em infraestrutura. Então, temos um país maravilhoso, um povo acolhedor – o brasileiro até está ficando radical, que não era do seu caráter –, e com oportunidades enormes. É o país que talvez tenha mais chances de receber financiamento externo, porque na Europa, por exemplo, não há mais nenhuma infraestrutura para fazer, não tem nem mais espaço. Energia solar, eólica, o RUMOS

O papel do banco de desenvolvimento não é mais só instituição financeira, ele deve agir não só via financiamento, mas pensar o planejamento de longo prazo, voltado sobretudo para a infraestrutura, mas visando a atividade econômica empresarial.

clima não permite. Já aqui, temos todas as condições. O problema é que, infelizmente, estamos achando que não precisamos priorizar para passarmos a ser o segundo ou terceiro país do mundo, enquanto temos tudo para ser. O Brasil é um país que tem todas as condições de receber investimentos de maneira geral, porque temos riquezas naturais disponíveis e fartas. Precisamos nos unir, criar as prioridades e parar com os interesses individuais. Rumos – Como as instituições de fomento devem atuar para que permaneçam relevantes no futuro? Freire – O papel do banco de desenvolvimento não é mais só instituição financeira, porque funding vai ficar cada vez mais difícil como entidades estaduais que são. Acredito que elas não devem apenas financiar projetos. Até porque, como eu disse, existe certa dificuldade de capitalizar, por conta da falta de recursos dos estados. Então, as instituições devem atuar também na parte de treinamento, de auxiliar na definição de prioridades, até mesmo levar um processo de tecnologia para determinada região para analisar a prioridade de cada local. Deve agir não só via financiamento, mas pensar o planejamento de longo prazo, voltado sobretudo para a infraestrutura, mas visando a atividade econômica empresarial. Os conceitos do sistema financeiro mudaram. Eu trabalhei no mercado financeiro a vida toda, comecei na Secretaria de Fazenda aos 14 anos de idade (de gravatinha, servia café, entregava carta...) e acabei secretário de Fazenda nesse mesmo estado, a Bahia. Hoje, no sistema financeiro, tudo é fundo. Quando não se sabe o que ou como aplicar, transforma-se em fundo. Se se tem 10 milhões, vai para o fundo; 200 milhões, vai para o fundo; um bilhão, para o fundo tal. Então, o problema não é falta de crédito. O que existe é falta de credibilidade. Na hora que se tiver confiança, credibilidade, uma legislação para ser aplicada de longo prazo – e não ficar mudando a cada 24 horas ou a cada 30 dias –, eu não tenho nenhuma dúvida de que o país vai ter investimento, vai até recusar investimento. Pode ser que eu seja otimista demais, mas acredito. 11


ESPECIAL - 50 ANOS

ARTIGO

O futuro dos bancos de desenvolvimento: reflexões iniciais Nos últimos 30 anos, a discussão sobre o papel dos bancos de desenvolvimento (BDs) passou por duas fases, as quais influenciaram fortemente sua forma de atuação. A primeira etapa tem seu início no final dos anos 1980 e início dos 1990. Ela é marcada pela revisão do papel ativo, na oferta de financiamento para a industrialização, que os bancos de desenvolvimento desempenharam desde o pós-guerra. Em contexto de políticas neoliberais, o papel ativo desses bancos foi fortemente questionado, e sua atuação reduzida e modificada, passando a oferecer outros serviços financeiros, como consultorias, capital de giro, sindicalização, entre outros. Em alguns casos, ocorreu até o seu fechamento, por meio da venda de seus ativos. A crise financeira de 2008 muda todo este quadro. Naquele momento, ficou claro que o sistema financeiro privado sozinho não seria capaz de conceder o financiamento que o setor real da economia precisava para a superação da crise. Ficou evidente que o sistema financeiro privado possui um comportamento pró-cíclico, emprestando demasiadamente em períodos de boom, porém racionando crédito tanto durante quanto após crises. Naquele momento, os bancos de desenvolvimento atuaram de forma anticíclica, sendo fundamentais para a recuperação pós-crise. Isto permitiu que um novo consenso sobre a necessidade dos bancos de desenvolvimento se estabelecesse entre correntes de pensamento das mais variadas matizes ideológicas e políticas. Deveriam atuar de forma a suprir as “falhas de mercado”. Nesse cenário, vários países suspenderam processos de privatizações de BDs, como foram os casos da Coreia e do Japão, e novos são criados, a exemplo o Asia Infrastructure Investment Bank (AIIB) – composto por 57 países, incluindo os maiores da Europa – e o New Development Bank, o chamado banco dos BRICS. No entanto, se a existência de bancos de desenvolvimento públicos não é questionada pela imensa maioria do espectro político e ideológico, a sua forma de atuar está em discussão. No cerne, está o crédito direto e isolado. Organismos multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento 12

(BID), o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), têm defendido que os BDs deixem de atuar como fornecedores de crédito direto para as empresas, passando a focar em desenvolver projetos de forma a atrair a participação do setor financeiro privado. Isto se daria basicamente em melhorar a expectativa de fluxos de caixa e em diminuir os riscos percebidos por meio do fornecimento de garantias, participação em financiamentos sindicalizados, aprimoramento do risco de crédito, entre outras formas. Assim, os BDs trabalhariam em parceria com o sistema financeiro privado e com o mercado de capitais, fomentando ambos. Setores de atuação também seriam distintos daqueles até então apoiados. A industrialização horizontal, generalizada, não seria mais o objetivo, mas sim projetos de infraestrutura sustentável, inovação e micro e pequenas empresas (MPEs). Finalmente, tendo em vista o cenário de austeridade fiscal existente nas economias centrais, o funding dos BDs deveria ser buscado no mercado de capitais. Esta nova visão do papel de um BD vem ganhando força e assume uma forma de “modelo ideal” a ser implementado em todos os países do mundo. No entanto, há considerações que merecem serem feitas A primeira delas é justamente a crítica ao entendimento de que esse modelo deva ser implantado de forma generalizada. Historicamente, o papel desempenhado por esse tipo de instituição financeira tem uma relação direta com outras duas características dos países onde ele atua: o estágio de desenvolvimento industrial e o grau de desenvolvimento do sistema financeiro/mercado de capitais. São características, únicas de cada país, que podem definir a forma de atuar de um banco de desenvolvimento. Para abrir mão do financiamento direto pelos bancos de desenvolvimento, é necessário que o sistema financeiro privado e o mercado de capitais sejam capazes de serem funcionais ao MARÇO | ABRIL 2019


sistema produtivo: ou seja, ofertar crédito em quantidade e a preços compatíveis com o estágio de desenvolvimento produtivo. É claro que estas condições não são encontradas de forma idêntica em todos os países. O que parece é que este novo modelo proposto é idealizado a partir da experiência de bancos de desenvolvimento localizados em economias desenvolvidas, notadamente as europeias. Nesses ambientes, a escala e diversidade de seus sistemas financeiros/ mercados de capitais permitem que os BDs atuem essencialmente na formação de pipeline de projetos e no compartilhamento de riscos com o setor privado. Este grau de desenvolvimento do sistema financeiro/mercado de capitais não é generalizado em países em desenvolvimento – onde a importância do financiamento direto dos BDs ainda é fundamental, notadamente o financiamento de longo prazo. Abrir mão deste instrumento de desenvolvimento sem que o sistema financeiro privado/mercado de capitais estejam amplamente desenvolvidos pode significar uma paralisia de investimentos e de construção de uma estrutura produtiva mais integrada e competitiva. Um outro aspecto importante a ser discutido neste “novo modelo ideal” é as implicações para a própria lógica de funcionamento dos BDs quando seu funding é obtido por meio do mercado de capitais. Esse último possui uma lógica própria, que, aqui, por simplificação, chamaremos de “financeirização”, e em que medida se alinha com os mandatos dos bancos de desenvolvimento. Como diz Humphrey:

Ou seja, esta dependência de funding de mercado colocaria em risco os objetivos iniciais de um banco de desenvolvimento. Não se está aqui questionando se os BDs devem ser sustentáveis ou não. Devem ser sim. No entanto, essa sustentabilidade financeira não pode ser comparada à mesma lógica do stockhold value, típica de modelos de financeirização do mercado de capitais. A sustentabilidade financeira deve ser ponderada e ajustada tanto à efetividade da política pública implementada pelos BDs quanto aos seus respectivos mandatos. Por fim, este one model fits all propõe que a atuação dos BDs deve deixar de buscar a industrialização horizontal de um país, mas sim focar em alguns setores, notadamente MPEs, infraestrutura sustentável e inovação. A questão a ser colocada e discutida é em que medida é possível pensar em políticas públicas de geração e difusão de inovação no tecido produtivo, como também estimular o desenvolvimento de uma estrutura produtiva sustentável, sem uma base industrial mínima sobre a qual tais políticas atuariam. Ou seja, faz sentido pensar que o desenvolvimento econômico dispensa uma estrutura industrial minimamente articulada? Particularmente não tenho respostas claras para as questões acima levantadas, mas tenho a certeza de que o processo de desenvolvimento é singular em cada país, dadad as suas estruturas políticas, produtivas e institucionais. Desse modo, se tivesse que fazer uma afirmativa sobre o futuro dos bancos de desenvolvimento, seria apenas que não teremos um único modelo para ser aplicado em todos os países.

Humph, C. (2016) The invisible hand: financial pressures and Organisational Convergence in Multilateral Development Banks. The Journal of Development Studies, vol. 52, n. 1, 92-112.

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bound buyers are nor concerned with economic development or poverty reduction – the stated purpose for which governments created DBs – but rather the security of their investment. Indicators like infant mortality, primary school enrolment and per capita income are considera-

MARCO CROCCO

bly less important that non-performing loans,

Professor titular do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG). Foi presidente do BDMG e da ABDE.

tion, as cam be seen in the DB reposts by bond rating agencies. (Humphrey, 2016)1

RUMOS

Divulgação

return on equity and loan portfolio concentra-

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Fotos: Divulgação

ENTREVISTA

Um novo ciclo de investimentos Em entrevista à Rumos, o presidente do BNDES e da Assembleia Geral da ABDE, Joaquim Levy, destaca as novas prioridades do banco, elenca os desafios em setores estratégicos, como infraestrutura e micro e pequenas empresas, e pontua que as instituições de fomento devem atuar de maneira integrada para apoiar o desenvolvimento brasileiro. POR JADER MORAES

Rumos – Em linhas gerais, qual o projeto que o senhor deseja conduzir à frente do banco para que ele possa ajudar o Brasil a retomar a trilha do desenvolvimento? Joaquim Levy – No meu discurso de posse lembrei que estamos na antessala de um novo ciclo de investimentos, em uma economia que será mais aberta, mais vibrante, com mais espaço para o setor privado e para os mercados de capital. O papel do BNDES é contribuir nesse ambiente, desenvolvendo novas ferramentas e novas formas de trabalhar, em parceria com o mercado. O banco continua tendo enormes potenciais e valores a compartilhar com a sociedade. Ele permanece voltado a apoiar a economia, só que o BNDES, como toda empresa de sucesso, se 16

transforma e pensa em novas formas de atuar. Em linhas gerais, nosso foco natural será na infraestrutura, área na qual o crédito de mais longo prazo é fundamental para a viabilização de projetos com tarifas adequadas. Mas também vamos nos voltar para as micro, pequenas e médias empresas e para o apoio à inovação e à digitalização das nossas empresas, de todos os tamanhos. Rumos – O Brasil ainda convive com importantes disparidades regionais e mesmo dentro de cada região. Como enfrentar esse problema de forma a induMARÇO | ABRIL 2019


zir os investimentos em regiões menos desenvolvidas? Levy – Temos nos reunido com muitos governadores nos últimos meses; reforçamos parcerias e discutimos novas oportunidades de negócios. Há uma gama de projetos a serem desenvolvidos nas áreas de infraestrutura, turismo, saneamento e gás natural, por exemplo. Com a exploração dos campos do pré-sal haverá uma grande oferta de gás natural e isso abrirá excelentes oportunidades para as economias regionais. Se conseguirmos abrir o mercado de gás, que hoje é estruturado em monopólios estaduais nos quais a Petrobras é muito presente, haverá grande espaço para novos investimentos. É preciso distribuir o gás natural de forma mais barata e com maior capilaridade. No curto prazo, a maior ajuda do BNDES será apoiando a desestatização de empresas estaduais e ajudando o setor privado a financiar projetos relacionados. Essa desestatização não só gera dinheiro para aliviar o caixa dos Estados, mas acaba com um ralo nas finanças públicas. Temos interesse em municípios também, especialmente em relação ao saneamento. Rumos – Um dos principais entraves para o desenvolvimento do país é a infraestrutura, área prioritária do BNDES em sua fundação. As Parcerias Público-Privadas (PPPs) são um caminho possível para desenvolver o setor no longo prazo? Levy – Não custa repetir que nosso foco é a infraestrutura. O BNDES está pronto para dar sustentação ao novo ciclo de investimento que virá a partir da reforma da Previdência e da votação de várias leis de reforma setorial, como nos caso de gás, eletricidade, saneamento. O banco tem sido parceiro do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e inclusive estamos emprestando vários dos nossos melhores quadros para fortalecê-lo. Esse programa tem um papel essencial em garantir a coordenação entre ministérios e agências e essa coordenação é o segredo do sucesso na implementação de projetos de infraestrutura. Um dos exemplos mais claros é a experiência exitosa da privatização das distribuidoras de eletricidade federalizadas. Neste caso, o BNDES demonstrou papel crucial na preparação dos estudos, na discussão com órgãos reguladores de soluções equilibradas e que maximizem o valor dos ativos e resultados econômicos e sociais. Experiências recentes mostram que há demanda tanto nacional quanto internacional pelos ativos de infraestrutura brasileiros, como indicam os bem-sucedidos leilões de aeroportos, a Ferrovia Norte-Sul e a venda do gasoduto da TAG, pela Petrobras. Rumos – No mesmo sentido, qual a proposta para que a indústria brasileira volte a ter competitividade? RUMOS

Estamos na antessala de um novo ciclo de investimentos, em uma economia que será mais aberta, mais vibrante, com mais espaço para o setor privado e para os mercados de capital. O papel do BNDES é contribuir nesse ambiente, desenvolvendo novas ferramentas e novas formas de trabalhar, em parceria com o mercado.

Levy – Antes de tudo, temos de estar cada vez mais próximos dos nossos clientes, compreender o que eles desejam, suas expectativas e como melhor atendê-los. Neste esforço, entendemos que devemos proporcionar o fortalecimento das empresas para que tenham capacidade de crescer, gerar emprego e incorporar novas tecnologias. Um exemplo: investimentos em tecnologia da informação, que permite a entrega de serviços de forma mais barata, eficiente e rápida. Mas não é só isso. O principal diferencial do BNDES é sua capacidade de planejar e estruturar projetos complexos. Poucos bancos dispõem de equipes como as que dispomos e a experiência que acumulamos ao longo do tempo. Rumos – A sustentabilidade é um imperativo do nosso tempo. Como estimular as chamadas finanças verdes, para que se ampliem os investimentos em projetos que levem em consideração os desafios ambientais que o planeta enfrenta? Levy – É verdade que o momento atual no mundo é de mudança e atenção à área ambien17


O Brasil é um país muito grande, com realidades regionais bem distintas, e nada melhor que as instituições regionais para conhecer e entender as demandas locais.

tal. O BNDES também se insere nesse movimento geral, procurando encontrar mecanismos para aumentar a economia verde em vários setores da economia real, incluindo aí elevar a produtividade agrícola do país. O banco tem apoiado a emissão de instrumentos “verdes”. Cito também projetos relacionados à energia solar, a iniciativas de eficiência energética e tecnologias limpas para a indústria e ao crédito rural. O BNDES também procura aprimorar o monitoramento e a preservação de nossos mais importantes biomas, por meio, por exemplo, da administração do Fundo Amazônia. Temos sido também uma das mais importantes alavancas no aumento de produtividade da agricultura, pelo financiamento de equipamentos e soluções. Rumos – As micro e pequenas empresas apontam a dificuldade de acesso ao crédito como um dos grandes desafios para seu crescimento. Recentemente, o banco anunciou que dará prioridade a esse público. Como isso será feito e qual a relevância desse apoio? Levy – Como disse há pouco, as micro, pequenas e médias empresas brasileiras são uma das prioridades do BNDES. Lançamos em março uma nova linha de financiamento, mais simples e ágil, a BNDES Crédito Pequenas Empresas. Essa linha atende às demandas do setor e tem como foco a geração de empregos e o fortalecimento das empresas de menor porte. Elas são indispensáveis à saúde e à vitalidade da econo18

mia e o acesso ao crédito é extremamente importante para elas. Na linha que lançamos, não há limite de valores destinados ao programa e se a demanda superar os R$ 1 bilhão previstos inicialmente, vamos disponibilizar mais recursos. Rumos – Diversos países do mundo possuem sistemas de fomento nacionais, com instituições financeiras de desenvolvimento atuando em rede nas diversas regiões. A Alemanha é o principal exemplo neste sentido. Como o senhor vê a proposta da ABDE de fortalecimento da rede federativa de desenvolvimento, por meio do Sistema Nacional de Fomento, especialmente os bancos e agências de fomento subnacionais? Levy – O BNDES é signatário da Carta de Posicionamento da ABDE, divulgada em julho do ano passado, na qual reafirmamos a importância do Sistema Nacional de Fomento (SNF), formado por instituições financeiras dos setores público e cooperativo. O Brasil é um país muito grande, com realidades regionais bem distintas, e nada melhor que as instituições regionais para conhecer e entender as demandas locais. Acreditamos que a missão de todos é atuar em prol do desenvolvimento econômico, social e ambiental do Brasil. O BNDES concorda que as instituições de fomento devem atuar de maneira integrada, em rede, estabelecendo parcerias e políticas públicas coordenadas. MARÇO | ABRIL 2019


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Registro aqui que os pequenos negócios representam nada mais, nada menos que 27% do PIB brasileiro, 44% da massa salarial. Além disso, configuram 99% (14 milhões) do total de empresas privadas. Todavia, apesar de serem responsáveis por quase 80% da totalidade das operações de crédito no país, as micro e pequenas empresas obtêm somente cerca de 18% do volume de recursos concedidos pelo Sistema Financeiro Nacional, totalizando módicos R$ 208,1 bilhões, dados de 2018, para pessoas jurídicas. Os indicadores refletem a realidade imposta pelo oligopólio instituído pelos bancos que atuam fortemente no país. Outros dados importantes foram revelados por pesquisa recente, realizada pelo Sebrae, com seis mil empresários. O levantamento mostrou que, para 51% dos donos de pequenos negócios, a redução dos juros seria a principal medida para facilitar a tomada de empréstimos, enquanto, para 17%, a diminuição da burocracia seria outra maneira que aproximaria o setor dos bancos. A ESC traz “vacinas” também para essas duas demandas. O que estou querendo dizer, com toda a minha simplicidade, é que o Projeto de Lei Complementar (PLP) 420/14, que cria a figura da Empresa Simples de Crédito, vai ajudar o país a sorrir de novo. Por um Brasil mais promissor, meus cumprimentos à chegada da Empresa Simples de Crédito.

CARLOS MELLES Presidente do Sebrae. Divulgação

O Projeto de Lei Complementar que dá vida à Empresa Simples de Crédito (ESC) vai fazer um verdadeiro rebuliço no setor econômico; mas não é à toa, vai facilitar as operações de empréstimo e financiamento para microempreendedores individuais (MEI), microempresas e empresas de pequeno porte. O projeto acaba de ser sancionado pelo Presidente da República Jair Bolsonaro. Trocando em miúdos, a ESC vai permitir que o cidadão comum empreste dinheiro em sua comunidade, possibilitando que donos de pequenos negócios tenham mais acesso a crédito. Hoje, o sistema bancário tem pouca concorrência. A Empresa Simples de Crédito vem para sanar essa distorção do mercado, fazendo uma verdadeira revolução no que está posto hoje. Vejam bem... com mais acesso ao crédito, o dono de uma empresa pode se reinventar, sair do vermelho. Mais adiante, pode empregar mais, fazer com que outros “zerem” suas dívidas. E assim a economia vai girando. Entretanto, por ser um tema sensível, que envolve o setor financeiro, costuma gerar polêmica. Mas essa desconfiança – expressa por alguns – só é experimentada por aqueles que não conhecem a fundo os benefícios do projeto. O texto criado tem mecanismos que regulam o setor. Uma ESC, por exemplo, atuará exclusivamente no município do proprietário e nas cidades limítrofes. Ela poderá ser constituída como empresa de responsabilidade limitada (Eireli), empresário individual (EI) ou sociedade limitada (LTDA), controlada essencialmente, por pessoas físicas, que, por sua vez, não poderão participar de mais de uma ESC. Tudo está sendo feito para que a atuação desse novo ator socioeconômico não se confunda, de forma alguma, com a de um banco comum. Outro fator que restringe a atuação da ESC diz respeito ao teto da receita bruta anual obtida, na forma de juros: ele deverá ser o mesmo para as empresas de pequeno porte (atualmente R$ 4,8 milhões). Avançando na minha defesa, convido vocês a uma reflexão. Vamos levar em conta o cenário atual, inquietante: alto índice de endividamento das famílias brasileiras, custo Brasil elevado, e por aí vai. O país precisa voltar a crescer, correto? Sob essa ótica, economistas e o Governo Federal reconhecem que o aumento da produtividade no país figura como um importante passo rumo à volta do crescimento econômico. Ora, se o acesso a crédito impacta diretamente na sobrevivência de uma empresa, na melhoria do quadro de saúde de um microempreendedor individual, ou do João da padaria da esquina, isso afeta a população como um todo.

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REPORTAGEM

Desafios regionais em primeiro plano Especialista em economia regional, o economista Clélio Campolina acredita que as políticas regionais são primordiais, mas o país acumulou desafios demais e agora não consegue estabelecer prioridades; ele defende uma nova divisão geopolítica para o Brasil, que leve em conta as diferenças existentes no interior de cada região. POR ANA REDIG Clélio Campolina é categórico quando o assunto é desenvolvimento regional: para ele, o tema é prioridade absoluta para o país. “O mercado é, por natureza, desequilibrado. É ele quem desequilibra o sistema, gerando grandes diferenças de desenvolvimento e, portanto, fortes desigualdades econômicas e sociais. É papel do Estado promover essas correções”, realça o especialista, para quem não há como pensar o desenvolvimento regional brasileiro sem instituições públicas de fomento como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Nordeste (BNB), o Banco da Amazônia, entre outros. “No meu entendimento, essas instituições são centrais porque criaram equipes qualificadas, capazes de elaborar diagnósticos locais consistentes, 22

essenciais para desenhar o desenvolvimento para cada região, e ainda serem um braço operacional do Estado brasileiro”. A importância dos bancos regionais e agências de fomento ganha ainda mais relevância se considerarmos uma característica peculiar do sistema bancário brasileiro, destacada pelo pesquisador: “no Brasil, os bancos privados financiam a dívida pública, que não tem nenhum risco, e a custo de mercado. Enquanto isso, o sistema de fomento financia o setor privado a preço subsidiado. Isso precisa ser repensado”, critica Campolina. “Até o próprio pensamento econômico ortodoxo está concluindo que, com tal nível de MARÇO I ABRIL 2019


INOVAÇÃO Clélio Campolina defende a criação de um programa de C&T que reúna conhecimento para pensar alternativas econômicas para a biodiversidade da Amazônia brasileira, sem comprometer sua preservação. O mesmo deveria acontecer com foco no semiárido, pois fazer a água chegar à região, por si, não gera desenvolvimento. “É preciso articular esse recurso natural a projetos de desenvolvimento econômico e isso envolve muita C&T. São os pesquisadores e cientistas que poderão definir o que é mais vantajoso: aproveitar energia solar ou eólica; ou fazer adaptação climática, como os israelenses.” Neste sentido, aponta, é preciso articulação e integração das políticas empreendidas pelos ministérios do Desenvolvimento Regional e de Ciência & Tecnologia. Quando foi ministro da pasta, Campolina chegou a criar plataformas de conhecimento para integrar o avanço da ciência com o sistema produtivo brasileiro e com as políticas públicas. “O BNDES e a Finep financiam um grande volume de recursos que precisam estar articulados com as demandas do mundo acadêmico, do mercado e com as políticas públicas de desenvolvimento. Mas o Brasil está andando de marcha a ré quando o assunto é investimentos em C&T”, avisa. Hoje a Coreia aplica 3,5% do PIB no setor, com meta de chegar a 5%; o Japão e Alemanha investem 3% cada. A China é o segundo orçamento de pesquisa no RUMOS

Foca Lisboa

desigualdade, o sistema capitalista é insustentável. Sem o Estado não há como reduzir as desigualdades,” pondera. Na visão de Clélio Campolina, é preciso pensar o desenvolvimento regional com planejamento e integração. “Planejamento não é uma panaceia escrita num ‘livrão’ para ninguém ler; é o contrário, é processo”, defende. Ele explica que é no planejamento que a equipe vai estabelecer prioridades, objetivos explícitos e claros. Mas para colocar as políticas em prática é preciso ter instrumentos adequados e institucionalidade – como implantar e gerir o plano. E como é um processo, é essencial fazer um acompanhamento crítico regular e ser capaz de fazer os ajustes necessários. “A realidade é dinâmica, tudo o que se planeja é preciso adaptar”, ensina. A integração das políticas de desenvolvimento regional com a política nacional de infraestrutura é outro ponto chave. “A Ciência & Tecnologia (C&T) também precisa estar integrada, pois é necessário adaptar condições específicas para cada região”.

Doutor em Ciências Econômicas pela Unicamp e pós-doutor pela University of Rutgers, Campolina é especialista em economia regional, desenvolvimento econômico, economia da tecnologia, economia brasileira e economia de Minas Gerais. Foi ministro de Ciência e Tecnologia em 2014 e 2015, e ganhou o título de professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais por sua carreira dedicada à UFMG como professor, pesquisador e reitor.

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mundo. No Brasil, as últimas estimativas falam em 1,17% do PIB, mas o professor teme que o percentual retorne para 1%. Ele lembra que a fronteira agrícola nacional só se viabilizou com muito avanço tecnológico e cita o papel fundamental da Embrapa na incorporação produtiva do cerrado brasileiro. A região, que antes era relativamente vazia e com baixa produção, foi beneficiada com tecnologias de correção de solo e adubação química que, somado ao clima adequado, mudou o cenário da área. Ele lembra que a tecnologia agrícola, ao contrário

da industrial, não pode ser transferida. “A semente que germina aqui pode não germinar em outro país. É preciso fazer muitas adaptações tecnológicas e a Embrapa teve uma função importantíssima nisso, sempre em diálogo com cooperativas de agricultores e dos próprios produtores”, destaca. Campolina diz que o resultado da modernização da agropecuária brasileira pode ser sentido nas cidades da fronteira agrícola, que se tornaram centros relativamente modernos, com bons hotéis, restaurantes e colégios, além de bancos e de comércio

Histórico A primeira vez que o planejamento regional foi aplicado com verdadeiro impacto foi na década de 1930, nos Estados Unidos, em resposta à grande depressão que sucedeu a Guerra Civil americana. Para promover o desenvolvimento econômico com inclusão social, justiça e integração política, foi criada a Tennessee Valley Authority (TVA), um novo tipo de instrumento governamental: um órgão público focado no desenvolvimento regional com vastas funções, responsável pelos resultados do desenvolvimento dos recursos naturais da região. A área da bacia do Tennessee tinha 105 mil km2, e incluía sete estados. Os cerca de 3 milhões de habitantes se dedicavam à agricultura. A TVA melhorou a navegação, controlou as inundações através da construção de barragens, que, integradas às hidrelétricas, gerou a energia necessária para modernizar as fazendas da região. A experiência serviu de modelo para muitas outras regiões e países, com casos de sucesso também na União Soviética, no Sul da Itália e na Inglaterra. O Brasil incorporou muito cedo esse sistema; por ter um território muito grande e porque a manifestação da seca no Nordeste, por exemplo, era um problema nacional desde o século XIX. Para se ter uma ideia, já no governo de D. Pedro II foi formada uma Comissão Imperial para tratar do tema. A Bacia do Desenvolvimento do São Francisco foi criada nos moldes da TVA. Já a Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais) se inspirou na experiência soviética de construção de hidrelétricas para posterior integração, atrelando a energia ao desenvolvimento. A Constituição de 1946 criou recursos para a Supe-

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rintendência de Valorização Econômica da Amazônia porque, com o fim do ciclo da borracha, a região havia ficado praticamente abandonada e precisava ser desenvolvida. Depois, com base nessas experiências internacionais, foi criada a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), na década de 1950, mais tarde a Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), e depois a Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus). Clélio Campolina avalia que estas instituições foram de grande valor para o desenvolvimento do país. “Quando a Sudene foi criada ela estava ligada diretamente à Presidência da República. O conselho da Sudene tinha a presença dos governadores. A instituição teve um papel central no entendimento do avanço da pobreza nordestina, e o Nordeste mudou. Mas na era neoliberal houve um certo esvaziamento, quando a Sudene chegou até a ser fechada. Foi reaberta, mas perdeu força política e muitos recursos,” observa.

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A rapidez da migração urbana também foi um fator de desigualdade: em 1950, apenas 30% dos brasileiros viviam nas cidades, enquanto hoje são 85%; São Paulo recebeu o maior fluzo e se transformou no principal centro econômico do país, com grande concentração industrial.

desenvolvido. “Isso acontece porque existe renda. Bem diferente de uma cidade com base na agricultura de subsistência”, observa. Isso porque a agropecuária moderna traz consigo a modernização da indústria e a própria construção da infraestrutura, outro ponto em que as instituições financeiras de desenvolvimento são prioritárias. NOVA GEOPOLÍTICA Clélio Campolina diz que é preciso pensar o Brasil como um conjunto, por isso a integração também deve se dar entre os territórios e as cidades. Para o estudioso, é fundamental pensar um novo recorte do território brasileiro para fins de políticas públicas. “Essa divisão em cinco macrorregiões está superada. As políticas uniformes não dão conta dessas áreas, que são diversas em realidade e possibilidades”, avalia. Campolina integrou uma equipe de especialisRUMOS

tas que desenhou uma proposta dividindo o país em mesorregiões, como fez a União Europeia. Além disso, todos os fundos fiscais e de prioridade regional seriam fundidos em um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, para que fosse possível planejar a Política Regional. Na proposta encaminhada pela equipe, o país foi dividido em 11 macrorregiões e 83 mesorregiões, que teriam políticas diferenciadas em função de suas características econômicas, sociais e ambientais. As macrorregiões funcionariam como polos articuladores entre si, e todos teriam uma interface com a política de infraestrutura. Campolina propõe um Brasil policêntrico, em que a questão regional não esteja dissociada da questão urbana. “Pelo contrário: a cidade estrutura e comanda o território. Separar os dois é um erro histórico”, avalia. O especialista explica que o Brasil paga, hoje, um alto preço pela ocupação muito acelerada e desequilibrada, em que foram criadas megaconcentrações urbanas sem uma adequação do uso do solo e sem infraestrutura. O resultado é que cada aglomeração dessas tem uma periferia 25


de pobreza em seu entorno. A rapidez com que a população migrou para as cidades também é parte fundamental do problema. Em 1950 a população brasileira era de 50 milhões de habitantes e apenas 30% viviam nas cidades. Hoje somos 210 milhões e 85% estão nas cidades ou aglomerações, sendo que 24 delas têm mais de 1 milhão de habitantes. Este processo histórico começou na cidade do Rio de Janeiro e seguiu em São Paulo, que se transformou, ao longo do século XX, no grande centro econômico do país, tendo uma grande concentração industrial na região metropolitana. Em 1970, o estado chegou a ter 58% da produção industrial, e a região metropolitana, 44% da produção industrial do Brasil. A partir dos anos 1970, começou um processo de desconcentração, primeiro para as cidades do entorno, depois se estendendo até Minas Gerais e para todo o Sul do Brasil. Mais tarde, houve um processo de deslocamento de indústrias para o Nordeste, em função de incentivos fiscais, e de outras vantagens vocacionais oferecidas pelas metrópoles do litoral nordestino. Mais recentemente houve um processo de relativa desconcentração industrial ligado à fronteira agropecuária e mineral. “Agora a desconcentração ganhou uma dimensão macroespacial. Com incentivos estaduais e intencionalidade, estados como Goiás têm atraído indústrias de equipamentos agrícolas, agroindústria e de fármacos. Anápolis é, hoje, o segundo polo farmacêutico do Brasil”, destaca. GUERRA FISCAL Campolina lamenta que, muitas vezes, apesar dos investimentos e incentivos, os resultados são inócuos. “A guerra fiscal é um problema que precisa acabar, pois ela anula os investimentos regionais. Esses recursos são públicos e acabam destinados a multinacionais. É um absurdo dar incentivo para a indústria automotiva, por exemplo. Primeiro, porque ela não precisa; segundo, porque ela é toda estrangeira”, opina. Segundo ele, cada estado oferece um pouco mais para levar a indústria para o seu território, fazendo um verdadeiro “leilão” de recursos públicos. “Veja a contradição que foi a política macroeconômica e as políticas setoriais científicas e tecnológicas. Houve incentivos para a indústria promover inovação tecnológica e para a ciência brasileira por meio das instituições de fomento, e de repente derrubaram o câmbio, matando a indústria nacional, que não tem mais escala”, critica. O Brasil chegou a ter 25% de participação da indústria no PIB, e hoje não passa de 11%. A Alemanha está com 20%, 26

A divisão em cinco macrorregiões está superada. As políticas uniformes não dão conta dessas áreas, que são diversas em realidade e possibilidades Clélio Campolina

com planos para chegar a 25%. O Japão está com 20%, a China, com 25%. “Estamos novamente na contramão do mundo”, lamenta. Clélio Campolina destaca que o país precisa investir muito em infraestrutura adequada se quiser promover o desenvolvimento. “Vivemos em uma economia mercantil. Os bens precisam ser produzidos e comercializados. E por isso a infraestrutura é fundamental, especialmente a de transportes. É preciso criar o mais caro e o mais difícil: a mobilidade física de pessoas e mercadorias”. Para o professor, a integração entre países é outra face importante do pensar o desenvolvimento regional à qual o Brasil precisa se dedicar: “Precisamos saber aproveitar, científica e economicamente, a plataforma continental. Os blocos econômicos se organizam no mundo inteiro e precisamos nos articular para garantir um lugar no jogo mundial. “Não existe nenhuma possibilidade de desenvolvimento econômico para o Brasil se ele ficar de costas para a América do Sul”, garante Campolina. Ele explica que o Brasil foi acumulando problemas e está com desafios demais. Por isso é preciso estabelecer prioridades. “A União está quebrada, os estados estão quebrados, mas o Brasil tem conhecimento disponível para fazer tudo isso funcionar. É preciso vontade política”, finaliza. MARÇO I ABRIL 2019


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MARÇO I| ABRIL 2019


Uma história do desenvolvimento Das transformações da década de 1930 às instabilidades do período atual, um panorama dos caminhos e descaminhos da economia brasileira ao longo de quase um século de crescimento, industrialização, visto por especialistas de diferentes orientações ideológicas e visões da história. POR CARMEN NERY

Em quase um século de economia urbana e industrial, o Brasil experimentou várias fases de desenvolvimento, alternando períodos de alto crescimento com outros de crises e estagnação. O período que inaugura a era da urbanização e industrialização, de 1930 a 1980, foi, na avaliação da maior parte dos economistas, o de maior desenvolvimento, marcado pela forte expansão econômica puxada pelo Estado em governos de diferentes perfis, mas predominantemente de orientação desenvolvimentista. De 1981 a 2002 – período afetado pelo esgotamento do modelo de substituição de importações, pela crise da dívida e pela hiperinflação –, ocorreram inúmeras tentativas de estabilização econômica e finalmente as reformas liberais, mas com baixíssimo crescimento. Já de 2003 a 2015, foi a era da abundância com o boom das commodities e a ampliação de programas sociais e de distribuição de renda. As taxas médias de crescimento foram da ordem de 4,5%, embora há quem considere que este crescimento foi aquém do potencial gerado pelo cenário externo favorável. Até culminar na crise política e no período de instabilidade institucional e econômica de 2015 até os dias atuais. Este é o cenário traçado por alguns economistas de diferentes correntes ao analisar a história do desenvolvimento brasileiro especialmente para a Rumos. Ricardo Bielschowsky, economista e professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que a “era da industrialização”, de 1930 a 1980, foi o auge do desenvolvimentismo como modelo econômico voltado para o mercado interno, industrialização, acompanhada da infraestrutura correspondente, conduzida pelo Estado, e com crescimento de 7,4%. No período de 1950 a 1980, o investimento cresceu, em média, 7,7% ao ano. “No artigo que escrevi com Carlos Mussi sobre desenvolvimentismo de 1930 ao início de 2000, nós chamamos o período de 1981 a 2002 de era da instabilidade macroeconômica inibidora do crescimento e das ideias desenvolvimentistas. Foi um período em que a estratégia de desenvolvimento foi de ‘sobrevivência’, até 1994. A partir do final dos anos 1980 e início de 1990, começam as reformas liberais. O Plano Real teve importante êxito no controle da inflação, ainda que não se tenha conseguido estabilidade em relação às taxas de crescimento, de juros e de câmbio”, diz Bielschowsky. Ele destaca que desenvolvimento econômico é crescimento com transRUMOS

formação estrutural, conduzindo ao aumento de produtividade. Para ele, houve, depois de 1990, pelo menos três transformações, mas quase nenhum desenvolvimento econômico com elevação da produtividade. Na década de 1980, há que reconhecer que houve um aumento de produtividade agrícola com a mecanização do campo, em simultâneo a forte redução da participação do trabalhador rural na ocupação total. Nos anos 1990, houve alguma resistência da indústria, com reestruturação e modernização, mas praticamente não se alcançou diversificação produtiva, houve pouca expansão da capacidade industrial, e quase nenhuma inovação por esforço interno. A terceira mudança é que houve uma queda muito forte na produtividade urbana. Para Bielschowsky, o crescimento da fronteira tecnológica e da infraestrutura depende muito da intervenção do Estado. No que se refere à macroeconomia para o desenvolvimento, ele pondera que, depois da abertura comercial e financeira, o mecanismo que se usa para conter o processo inflacionário é subir as taxas de juros e, dessa forma, conter o câmbio, que historicamente tem sido o fator básico determinante da inflação no Brasil, ao lado da indexação, muito importante até 1994. Afirma que, nos períodos em que a economia está crescendo, o uso do câmbio apreciado via juros elevados tem conspirado contra o investimento industrial. Isso ocorreu nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, e em parte do governo de Dilma Rousseff. “Esses mecanismos são usados em momentos de problemas decorrentes de crises externas. A primeira crise interna não decorrente de problemas externos foi em 2015, uma crise política e de ingovernabilidade. Havia uma situação externa e de reservas bastante confortável. No período do 29


REPORTAGEM

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Roque de Sá/Agência Senado

Ricardo Bielschowsky: Era da

Edmar Bacha: o que chamam de

industrialização, entre 1930 e 1980,

período desenvolvimentista é, na

foi o auge do desenvolvimentismo

verdade, um período de urbanização

no Brasil

acelerada Thais Sena Schettino

Carlos Will/Centro Celso Furtado

URBANIZAÇÃO ACELERADA Edmar Bacha, economista diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças, considerado um dos pais do Plano Real e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), diz que o primeiro período, de 1930 a 1980, é o auge da substituição de importações; o segundo (1981/2002) foi o da crise do modelo e das reformas liberais; e o terceiro, do auge das commodities e da crise subsequente, de 2008. Ele destaca que, até 1930, o Brasil era um país rural e, no longo período até 1980, torna-se urbano. Essa transição propicia um enorme aumento da produtividade do trabalho. “No governo militar, o processo atingiu seu auge até a derrocada do modelo, com a primeira crise do petróleo em 1973. Geisel estimula o endividamento e a substituição forçada de importações. A Coreia do Sul, inicialmente, também adotou um modelo de substituição de exportações, mas depois mudou para o de promoção de importações e hoje é um país desenvolvido e nós continuamos na classe média”, analisa Bacha. Ele diz que o Brasil cresceu pouco a partir dos anos 1980 devido a um colapso na formação de capital com a crise da dívida, que significou a perda de capacidade de o governo continuar investindo em infraestrutura. Além de uma ineficiência na forma pela qual o capital se transforma em produção, porque o país insiste num processo de aprofundamento da substituição de importações, especialmente de insumos e bens de capital importado. Ele não concorda que os períodos de maior crescimento tenham como causa a adoção de políticas desenvolvimentistas. “O que se chama de período desenvolvimentista é o que chamo de urbanização acelerada. Já os períodos de política liberal são períodos em que a produtividade deixa de crescer porque, atingidos os limites do mercado interno, a próxima etapa seria sair para o exterior, como fez a Coreia do Sul”, argumenta Bacha.

Noel Joaquim Faiad

governo Lula houve importantes avanços sociais e razoável expansão de infraestrutura, o grande problema é que o Brasil não fez a diversificação industrial que deveria ter feito”, diz Bielschowsky.

Pedro Fonseca: desenvolvimentismo

Bresser-Pereira: desde a década

não se faz com política heterodoxa

de 1990, o Brasil passa a praticar

em reação à crise, mas com

"populismo cambial", que prejudica

programa estratégico de longo prazo

a indústria e satisfaz os rentistas

Com a abertura comercial dos anos 1990 por um lado, a conta de comércio – importação e exportação – se manteve baixa e foi aberta a conta de capital para investimentos estrangeiros no país. O problema é que as multinacionais vieram para o país não para se integrar com suas matrizes – a exemplo do que ocorreu na Europa, Ásia e em países como o México – e sim para explorar o mercado interno. “Tanto é assim que a produtividade da indústria automobilística brasileira é metade da do México, cuja indústria está integrada com as da América do Norte”, diz Bacha. Ele observa que ficou claro que no governo Dilma houve outro colapso da formação bruta de capital fixo, que caiu de 20% para 15%. Para ele, Dilma foi destituída porque a natureza do processo de desenvolvimento mudou. Enquanto nos anos 1980 houve uma queda nas relações de MARÇO | ABRIL 2019


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Ramon Garcia Fernandez: para

tem desempenho ridículo há décadas

ter crescimento é preciso haver

e precisa de uma grande agenda de

alguém que seja o indutor do

reformas para voltar a crescer

desenvolvimento e puxe a economia Reprodução

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Marcos Lisboa: economia brasileira

Celia Lessa: Constituição de 1988

Dulce Pandolfi: país segue

abriu o horizonte para um novo

extremamente desigual e com

paradigma de desenvolvimento, ao

imensos desequilíbrios regionais, por

consagrar direitos políticos e sociais

isso o Estado tem papel fundamental

troca do Brasil e o aumento da taxa de juros, agora, o que ocorre é uma incerteza política que cria um ambiente de desestímulo associado ao fato de que as expectativas sobre a capacidade de crescimento do Brasil vão diminuindo. “Para o país voltar a crescer, basicamente, é preciso haver um clima que supere as incertezas. Desde a Operação Lava Jato, vivemos uma insegurança enorme criando uma bola de neve que reverbera na capacidade de os investidores realizarem investimentos. Esperava-se que, uma vez instalado o novo governo, esse quadro se resolvesse. Mas, até agora, não vimos nada disso, o alento que havia com as eleições foi diminuindo à medida que o governo se mostra incapaz de pôr a casa em ordem”, analisa Bacha. RUMOS

O LEGADO DA ERA VARGAS Pedro Cezar Dutra Fonseca, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista na era de Getúlio Vargas, ressalta que, antes de 1930, vigorava o modelo de exportações agrícolas, muito concentrado nas regiões produtoras, sem se irradiar desenvolvimento pelo país. O que consagra o governo Vargas é o início da industrialização. “Trata-se de um projeto nacional consciente que dá a possibilidade do desenvolvimento do conjunto do país. Não digo que a Revolução de 30 tivesse esse objetivo, mas, à medida que Vargas vai se entrosando com os tenentes e os militares, surge essa possibilidade”, analisa Fonseca. Ele explica que, de 1930 a 1940, o governo adotou medidas como a reforma educacional voltada para a profissionalização e alfabetização; leis setoriais como os Códigos de Minas e de Águas, que vão, gradualmente, sinalizar que o governo passaria a preparar a mão de obra para a produção. “A Legislação trabalhista também começa na década de 1930, o que dá sinais de que o governo tem um projeto urbano-industrial. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, reúne e consolida leis que já existem desde 1931. O Ministério do Trabalho foi criado um mês depois de Vargas assumir”, ressalta Fonseca. Ele observa que a crise de 1929 abalou muito os países de orientação liberal e a confiança no livre mercado, pois nações como EUA, França e Inglaterra foram os que mais sofreram. Ao passo que países que tinham maior presença do Estado na economia foram, relativamente, menos abalados, como a Rússia, a Itália e a Alemanha, que começaram a desenvolver a indústria de defesa. A partir dos anos 1940, são criadas estatais de segmentos de base como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 1941, e a Vale do Rio Doce, em 1942. Nos anos 1950, o desenvolvimentismo entra numa etapa de produção de bens mais sofisticados, pois a era Vargas era focada nos bens de consumo populares, como alimentos, bebidas e tecidos. Os grandes símbolos do desenvolvimentismo dos anos 1950 são a Petrobras e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (à época BNDE) e o fato de Vargas criar uma assessoria econômica. 31


REPORTAGEM

observa que houve um momento muito ortodoxo, com o ministro da Fazenda Antônio Palocci. Já a presidente Dilma, em certo momento, pareceu que tinha optado pelo desenvolvimentismo, mas a desindustrialização brasileira, que começou nos anos 1980, continuou nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT). “O governo manteve a política econômica do FHC, porém com distribuição de renda. A mudança não se dá na política econômica e sim na ênfase das políticas sociais”, conceitua Fonseca. O governo Dilma teria tentado mudar o modelo a partir de 2011, quando a crise se aprofunda, tentando uma política mais heterodoxa ao desvalorizar o câmbio e reduzir a taxa de juros. Há quem considere que nesse momento teria optado pelo desenvolvimentismo, porque teria rompido com o tripé macroeconômico que vinha desde FHC. “Considero duvidoso esse argumento porque o desenvolvimentismo não é uma política heterodoxa

Arquivo Nacional

“Ele convida o Rômulo Almeida para assumir e cria uma assessoria com pessoas como Ignácio Rangel, que vão fazer os projetos estratégicos do país. Havia uma área tratando do curto prazo – inflação, balanço de pagamentos – e outra tratando dos projetos estratégicos. O último governo planificador desenvolvimentista foi o do [Ernesto] Geisel. No final dos anos 1970, com o segundo choque do petróleo, em 1979, e o início do governo [João] Figueiredo, a economia entra numa recessão. Há dois processos paralelos: no Brasil, esgota-se o modelo de substituição de importações, e no mundo surgem os primeiros modelos liberalistas com a Margareth Thatcher, na Inglaterra, o Augusto Pinochet, no Chile, e o Ronald Regan, nos EUA”, analisa Fonseca. Para o especialista, desenvolvimentismo não está, necessariamente, ligado à democracia. Tanto que os governos Costa e Silva, Médici e Geisel foram desenvolvimentistas, mas a ênfase foi no “crescimento do bolo”. Para o especialista, o núcleo duro do desenvolvimentismo inclui três pontos: industrialização, um projeto nacional induzido, o que leva a uma intervenção do Estado. Isso ocorreu tanto nos governos de Vargas quanto nos dos militares. Ele não concorda que o governo Lula representou um retorno ao desenvolvimentismo, mas sim um forte projeto de distribuição de renda. E

A partir do governo de Getúlio Vargas, o Brasil passa a ter uma política industrial clara. Na foto, a Companhia Siderúrgica Nacional, fundada nos anos 1940.

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em reação a uma crise. Isso qualquer governo keynesiano faz. O desenvolvimentismo ocorre quando essas medidas são feitas como uma estratégia, como ocorreu nos governos Vargas e no II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), de Geisel. Foram programas estratégicos de longo prazo e não reações à crise. O governo Dilma rompe, neste momento, com a ortodoxia, mas não chega a ser desenvolvimentista”, diz Fonseca. Hoje as perspectivas para o Brasil não são animadoras na sua avaliação. Não há sinais de medidas que apontem para um retorno ao desenvolvimento. E mesmo o agronegócio pode estar ameaçado em função de crises que estão sendo criadas com a China, com os países árabes, com o Mercosul e com a Comunidade Europeia. “A política externa pode nos criar problemas”, resume Fonseca. VARGAS E A CRIAÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO Em seu livro A construção Política do Brasil, Luiz Carlos Bresser-Pereira divide a história econômica do Brasil em três fases. Na primeira, até o fim do Império, a principal realização foi construir o Estado e garantir a unidade territorial do país. A República representa o período de transição em que se descentraliza a administração pública, mas não há nenhum avanço. “E por fim, de 1930 a 1980 é o que chamo de Revolução Capitalista, constituída de dois elementos: a construção de um Estado-nação, com um projeto de desenvolvimento, e da industrialização. Vargas cria a legislação trabalhista e faz a revolução burocrática com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), em 1938. Com a crise de 1929 e a depressão que se segue, com a queda dos preços das commodities, ocorrem duas medidas: o governo compra e queima o café, uma medida ‘keynesiana antes de Keynes’, e faz a depreciação cambial, gerando uma proteção natural para a indústria”, explica Bresser. Antes, o câmbio estava valorizado, na chamada doença holandesa. Trata-se de uma apreciação cambial de longo prazo devido a um boom de commodities, que permite que esses produtos possam ser exportados a uma taxa de câmbio substancialmente mais apreciada que a taxa necessária para que empresas com a melhor tecnologia sejam competitivas. Com a guerra, a industrialização avança por meio do modelo de substituição de importações. Após o Brasil ter se beneficiado do câmbio, nos anos 1930, e da guerra, nos anos 1940, o presidente Eurico Gaspar Dutra assume em 1946 e abre a economia, gerando uma crise severa e o fim das reservas, que o leva a voltar atrás e adotar o modelo de Vargas. Além disso, vieram as taxas múltiplas de câmbio, com leilões de divisas para os importadores pela Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), agência do Banco do Brasil precursora do Banco Central. “Isso garantia que produtos de consumo básico tivessem uma taxa de câmbio baixa e os produtos de luxo, ou que o Brasil pudesse produzir, tivessem taxas mais altas”, lembra Bresser. Ele destaca que, com Vargas, o Brasil passa a ter uma política industrial bem clara, negociando com os EUA a instalação da CSN e criando o BNDE e a Petrobras. Foi um período dominado politicamente por uma coalizão de classes no que ele chama de “pacto político” envolvendo empresários industriais, trabalhadores RUMOS

A Petrobras, o BNDE e a Assessoria Econômica são os grandes símbolos do desenvolvimentismo durante o governo Vargas. Havia uma área forte do governo tratando dos projetos estratégicos para o país, enquanto outra se dedicava aos assuntos de curto prazo, como inflação e balanço de pagamentos

urbanos e a burocracia pública, além de setores da velha oligarquia que não eram exportadores de commodities. AS SUCESSIVAS CRISES “Para manter os trabalhadores tranquilos, Getúlio faz a legislação trabalhista, que foi um fator de estabilidade importante. Essa coalizão de classes e o Estado era desenvolvimentista. Os adversários eram os liberais, derrotados em 1930 com Washington Luís. Em 1945, derrubam Getúlio Vargas e fazem a política de abertura de [Eurico Gaspar] Dutra em 1946. E, mais uma vez, são os que derrubam Getúlio em 1954, e colocam Café Filho no governo durante um ano. Na época, o partido liberal era a UDN [União Democrática Nacional]. Houve uma tentativa de os liberais suspenderem as eleições, mas o general Henrique Teixeira Lott impediu o pré-golpe, garantindo a eleição de Juscelino Kubitschek. E depois são os mesmos liberais que apoiam os militares e fazem o golpe de 1964”, recorda Bresser. Na sua avaliação, Juscelino representou a continuação das políticas desenvolvimentistas de Vargas, porém, mais aberto ao capital estrangeiro. É também nos anos 1950, no mundo inteiro, que as grandes empresas industriais americanas, e depois europeias, começam a fazer investimentos fora de seus países. Surgem as chamadas multinacionais. “Elas perceberam que havia, não só no Brasil 33


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REPORTAGEM

Para acompanhar o crescimento industrial, a infraestrutura foi um dos focos de investimentos do país na segunda metade do século passado.

mas também em outros países, uma política deliberada de proteger a indústria nacional e elas não conseguiam mais exportar. É quando começa a abertura de Juscelino ao capital estrangeiro para que as empresas tivessem presença local”, diz. Mas Juscelino deixou o país com uma situação econômica crítica por causa da construção de Brasília. Com a eleição de Jânio Quadros – que Bresser classifica como um populista de direita do Partido Trabalhista Nacional (PTN) com apoio dos liberais da UDN – abre-se uma nova grande crise política. “Jânio é eleito e tenta dar um golpe, renunciando na tentativa de que todos o impediriam e lhe dariam mais poderes. Os liberais e os militares ficaram alucinados, porque haviam ganho a eleição com Jânio, e, com a renúncia, assumiria João Goulart, um desenvolvimentista na linha de Getúlio. Os pouco mais de três anos de Jango foram de crise política e econômica. Isso deu oportunidade de os militares, apoiados pelos liberais e os EUA, darem o golpe de 1964. O governo militar, com Roberto Campos, faz um ajuste fiscal, reduzindo salários e controlando a inflação”, recorda Bresser. Ao final do governo Castelo Branco, assume Artur da Costa e Silva, que nomeia Delfim Netto como ministro da Economia. Em 1958, havia sido aprovada a Lei de Tarifas de forma que a proteção da indústria nacional podia ser feita por meio de tarifas alfandegárias altas, dispensando os mecanismos de neutralização da “doença holandesa”. “Os exportadores de café chamavam esses mecanismos de ‘confisco cambial’, pois percebiam que havia uma apolítica para beneficiar a indústria. Delfim assume em 1967 como ministro, mantém as tarifas aduaneiras elevadas e cria um subsídio às exportações de manufaturados de empresas brasileiras ou multinacionais com presença no país. Com isso, o país continua protegendo as empresas das importações e se torna um grande exportador 34

de manufaturados junto com a Coreia, Taiwan e o México. Até 1965, essas exportações representavam apenas 6% do total de nossas exportações, 25 anos depois, em 1990, essa porcentagem subiu para 62%”, analisa Bresser. No período 1968-1973 ocorre o chamado “milagre econômico” brasileiro, em função das taxas de crescimento de 11% ao ano. Em 1974, após o primeiro choque do petróleo, assume o General Ernesto Geisel, que declarou que o Brasil era uma ilha de prosperidade e não precisaria se ajustar. O crédito internacional voltou a ficar disponível em função dos enormes superávits dos países árabes. E Geisel estimula as empresas a se endividarem. Também lança o II PND e inicia o desenvolvimento de indústrias de base como a petroquímica baseada na Tríplice Aliança. Por este modelo, cada empresa petroquímica devia ter a participação de uma empresa nacional, de uma estrangeira e do Estado. Até surgir o segundo choque do petróleo, em 1979, com a paralisação da produção iraniana, consequência da revolução islâmica liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, elevando o preço médio do barril ao equivalente a US$ 80 atuais. Ao mesmo tempo, nos EUA, que viviam uma estagflação, o presidente do Banco Central, Paul Volcker, muda a política monetária com um aumento brutal das taxas de juros. “Isso foi desastroso para os países que estavam endividados por meio de empréstimos indexados à taxa de juros. Em 1980, vem a crise da dívida externa. O endividamento externo havia apreciado o câmbio e desestimulado a indústria brasileira. Quando o governo resolve fazer uma depreciação da moeda em 1981, o resultado é uma grande inflação, que passou de 20% para 30% ao ano, sobe para 100% e, no ano seguinte, para 200%. Em 1982, escrevo junto com Yoshiaki Nakano o primeiro paper explicando “os fatores aceleradores (depreciação MARÇO | ABRIL 2019


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cambial), mantenedores (indexação formal e informal da economia desde 1964) e sancionadores (emissão de moeda) da inflação” e contestando os monetaristas que receitaram um ajuste fiscal para provocar uma recessão. Defendo que a inflação era independente da demanda”, recorda Bresser. O Brasil não conseguia voltar a crescer e os militares não estavam conseguindo resolver a crise, o que propiciou a redemocratização do país. José Sarney assume, tenta retomar a política desenvolvimentista e nomeia Dilson Funaro como ministro da Fazenda, ligado aos empresários. O Plano Cruzado é feito e Sarney e Funaro são vistos como “salvadores da pátria” durante seis meses, até que a inflação volta. “Não deu certo porque ainda havia alguma indexação e não se conseguiu controlar a demanda, pois havia gerado um aumento de salário. Fui chamado, em 1987, para ser ministro da fazenda. Fiz o Plano Bresser, na mesma linha do Cruzado, usando a mesma teoria da inflação inercial. Mas era preciso fazer o ajuste fiscal também. Um mês e 20 dias depois que assumi, Sarney anunciou que ia ficar cinco anos, quebrando um acordo que tinha feito com o PSDB e outros partidos. Se aliou ao “Centrão”, que, como contrapartida, pediu a Sarney que não houvesse ajuste fiscal. Depois, Mailson da Nóbrega assume em meu lugar e faz o Plano Verão e o governo Sarney termina com hiperinflação, que, em fevereiro de 1990, atingiu 82,39%. Nesse cenário assumiu Collor”, lamenta Bresser. Fernando Collor foi o primeiro presidente civil eleito desde o golpe de 1964 e muda a política econômica brasileira. Em 1990, inicia uma política neoliberal, faz a abertura comercial e lança o Plano Collor, com congelamento e confisco. Para Bresser, a abertura comercial e financeira foi um erro porque desmontou o mecanismo que neutralizava a “doença holandesa”: de 1967 até 1990 vigorava a proteção tarifária e o subsídio à exportação de manufaturados. “De repente, Collor desce a tarifa de 45% para 12% e acaba com o subsídio à exportação. A indústria brasileira perde a vantagem competitiva que detinha. As estatais que estavam endividadas em dólar tiveram essa dívida assumida pelo Estado, que entra em crise fiscal e deixa de realizar

A Coreia do Sul é paradigma por ter avançado desde a década de 1970 e hoje ser considerada uma nação desenvolvido.

RUMOS

Para Bresser-Pereira, a abertura comercial e financeira da década de 1990 foi um erro porque desmontou o mecanismo que neutralizava a “doença holandesa”: até então vigorava a proteção tarifária e o subsídio à exportação de manufaturados

uma poupança pública. Os investimentos públicos, que nos anos 1970 chegavam a entre 7% e 8% do PIB, baixaram para 2% a 3%. Até hoje continua essa desvantagem competitiva da indústria nacional”, analisa Bresser. O Plano Collor fracassou, veio o Plano Real, com Itamar Franco e Fernando Henrique como ministro da Fazenda. A inflação é controlada, mas uma nova crise, no fim dos anos 1990, levou à implantação do câmbio flutuante e à criação do sistema de metas de inflação. “O Fernando Henrique, já presidente, havia me convidado para ser ministro da Administração. Eu confiava que o Brasil, tendo resolvido o problema da dívida e da inflação, voltaria a crescer, mas isso não ocorreu. Os anos do FHC foram de crescimento econômico muito baixo”, resume Bresser. O governo Lula manteve a política econômica do FHC com taxa de câmbio elevada. Bresser diz que passou uma temporada na Inglaterra e, de volta ao Brasil, começou a desenvolver a teoria do Novo Desenvolvimentismo. De acordo com a teoria, o Brasil estaria entrando em uma grande armadilha de juros altos e câmbio apreciado no longo prazo, que inviabilizavam a industrialização brasileira. Além da queda do investimento público, desestimulava as empresas privadas a investir. “Lula fez distribuição de renda, aumentou o salário mínimo e deu uma sorte grande. O governo FHC terminou numa crise e com uma taxa de câmbio 35


REPORTAGEM

Diferentes visões: enquanto Marcos Lisboa aponta que o Brasil cresceu menos do que os seus pares emergentes na última década, Ramon Garcia Fernandez lembra que o país cresceu mais do que as nações desenvolvidas

a preços de hoje de R$ 3,5. Nos anos seguintes, Lula pôde deixar que o câmbio se apreciasse sem tirar competitividade das indústrias, reduzindo a inflação e estimulando o desenvolvimento industrial. Isso no primeiro governo. Quando Lula entregou o governo para a Dilma, o câmbio estava em R$ 1,60, o equivalente a R$ 2,2 a preços de hoje, e a indústria precisava de R$ 4”, lamenta Bresser. Ele observa que, desde o governo FHC, praticou-se o que ele chama de “populismo cambial”, com déficit de conta corrente, que representa poupança externa, e garante os rendimentos dos rentistas. O novo desenvolvimentismo é contra o déficit de conta corrente que sempre vai exigir a entrada de novos capitais, o que aprecia o câmbio, as empresas industriais perdem capacidade de competir externamente, mas os salários dos trabalhadores e os rendimentos dos rentistas crescem. “Então, aparentemente, todos estão felizes. A Dilma tentou mudar e foi afastada”, critica Bresser. Na sua avaliação, a chance de a Dilma fazer o país voltar a crescer, com a herança que o Lula deixou, era zero. Ela baixou os juros e depreciou o câmbio em 20%, o que não foi suficiente, e ainda incomodou os rentistas, sem que o crescimento ocorresse, gerando o chamado “Pibinho”. “Isso fez os economistas liberais reagirem e ela voltou a aumentar os juros e a fazer política industrial que também não deu certo. Com recessão e crise fiscal, o Brasil entra numa crise institucional com absoluta hegemonia dos neoliberais, que emplacam um governo como o de Jair Bolsonaro e nem a direita nem a esquerda sabem o que fazer. Para voltar a crescer, o Brasil precisa voltar a recuperar a capacidade de poupança pública, neutralizar a doença holandesa, baixar a taxa de juros e ter um pequeno superávit de conta corrente”, receita Bresser. ENTRE EMERGENTES E DESENVOLVIDOS Para Marcos Lisboa, economista e presidente do Insper, classificar o período de 1981 a 2002 de liberal é um exagero. Para ele, mesmo nas décadas de 1990 e 2000, o Brasil se caracteriza por um volume de distorções e interven36

ções na economia que não se comparam a nada entre os emergentes, considerando-se vários indicadores como as barreiras tarifárias; a quantidade de crédito direcionado na economia; distorções setoriais e regras de conteúdo nacional. “O que chamo de distorção é quando o governo interfere nas condições de mercado para beneficiar setores ou empresas. Se isso leva ao desenvolvimento, é outra história. Obviamente prejudica outros setores, nunca se beneficia alguém sem custo para a sociedade”, argumenta Lisboa. Ele não concorda que o período de 1930 a 1980 foi o de maior crescimento e afirma que o país teve décadas de crescimento seguidas por anos de crise. Ao crescimento dos anos 1950 seguiu-se a crise dos anos 1960 e a uma nova fase de crescimento de 1970 seguiu-se uma grande crise dos anos 1980. Ele diz que, nos anos 1970, o Brasil tinha uma economia muito fechada, e o governo, para evitar que a crise do petróleo chegasse ao país, aumentou os gastos públicos para estimular investimentos em diversas atividades e incentivou as empresas a tomarem dívida no exterior. “Depois estatizou essa dívida, e o resultado foi a maior recessão da nossa história. O país não faz a abertura e se seguem 15 anos de crise de 1980 a 1994, até que o Brasil fica defasado em relação ao restante do mundo porque as inovações tecnológicas não chegam ao país. Tenta-se um processo muito pequeno de abertura comercial, consegue-se colocar um pouco as contas públicas em ordem. Mas tanto no governo FHC, quanto do primeiro governo Lula, não era clara a abertura da economia. Ao mesmo tempo havia uma política muito forte nesses dois governos de volta ao modelo de substituição de importações, com proteção à indústria automobilística, bens de capital da indústria de óleo de gás e volta dos estaleiros”, resume Lisboa. O presidente do Insper diz que as políticas de incentivo ao desenvolvimento local por meio de subsídio e proteção fracassaram em diversos países do mundo, como Índia, Turquia, Paquistão, Argentina, Iraque, Brasil e México. Ele ressalva que ninguém é contra a política de desenvolvimento, mas os poucos bons exemplos são usados para justificar as demais iniciativas. Para ele isso prova por que deu errado a agenda iniciada no segundo governo Lula. “Essa análise de desenvolvimento é muito superficial. Mesmo a Embraer, um caso MARÇO | ABRIL 2019


Noel Joaquim Faiad

A década de 1990 é marcada pelo controle da inflação e estabilização da economia brasileira, mas com crescimento econômico baixo.

de sucesso, qual a análise de custo benefício? Será que valeu a pena?”, questiona Lisboa. Ele diz que o que explica as diferenças entre países ricos e pobres é que entre 40% e 60% da menor produtividade vem da proteção de empresas e setores ineficientes. Ele admite que os EUA também protegem suas empresas, mas as tarifas de importação americanas e dos demais países são muito menores que as do Brasil. “Esses países sabem fazer a proteção e nós consideramos que basta dar dinheiro. Isso explica o imenso fracasso que foi o governo Dilma. Por que os US$ 100 bilhões empregados pelo BNDES como subsídios não viraram desenvolvimento? Por que as regras de conteúdo local de óleo e gás e o fortalecimento do monopólio da Petrobras quase quebraram a empresa?”, pergunta. Ele afirma que nos governos Collor e FHC o país cresceu mais em relação ao restante do mundo do que no governo Lula. Considerando-se o PIB por trabalhador, de 1995 a 2016, os países emergentes, exceto os da América Latina, cresceram 127%, enquanto o Brasil cresceu 18%. “O Brasil tem um desempenho medíocre há décadas, a produtividade decaiu de 1985 até hoje em relação à fronteira do mundo, que são os EUA”, ressalta. Sua receita para o país voltar a crescer inclui investimento em educação, barateamento do acesso aos bens de informática, um marco regulatório que dê segurança sobre os custos relacionados aos investimentos em infraestrutura, e homogeneização da RUMOS

estrutura tributária, e promover uma agenda de abertura comercial. “Se se evita que empresas com dificuldades fechem, amarra-se capital e trabalho em setores e empresas improdutivas, evitando-se que essas máquinas e trabalhadores sejam movidos para setores mais produtivos. Se formos olhar a produtividade por empresa e comparar com a de outros países emergentes como Rússia, México, Chile, o Brasil tem um número anormalmente alto de empresas pouco produtivas e pequenas”, defende Lisboa. Ele diz, apesar de tudo isso, não há mercado sem Estado e o país tem exemplos de políticas de desenvolvimento bem-sucedidas, como a da produção agrícola, com o apoio da Embrapa. Mas as políticas de desenvolvimento têm de ter protocolos e serem voltadas para setores exportadores e que tenham metas de resultados, como para participação no comércio internacional. Devem-se eliminar os recursos de proteção, estabelecer prazo para acabar a política, e um estudo técnico que a suporte, além de uma agência independente para avaliar os resultados. “O Brasil tem de fazer uma grande agenda de reformas ou não volta a crescer. Não temos mais o bônus demográfico dos anos 1970. Alguns países do mundo aproveitaram o boom demográfico para fazer infraestrutura como países da Europa e o Japão. Hoje eles envelheceram, mas já são ricos. O Brasil desperdiçou seu bônus demográfico e vários projetos do II PND do Geisel, fracassaram assim como vários projetos do Governo Lula. Há vários setores que podem se desenvolver, o país exporta ônibus”, elenca Lisboa. Ramon Garcia Fernandez, economista e professor da Universidade Federal do ABC, acredita que tanto o período de JK quanto os de Lula e Dilma levaram a um tipo de crescimento que provocou inconformismo nas classes médias. Ele afirma que o clima que levou à ascensão de Temer é semelhante ao que ocorreu no governo de Jânio Quadros: uma reação conservadora depois de um período de alto crescimento. Já os militares em 1960 conseguiram algumas conquistas de viés nacionalista e desen37


Agência Brasil

REPORTAGEM

Ampliação dos programas sociais, de distribuição de renda e crescimento médio de 4,5%: bom período vivido pelo país entre 2003 e 2015 foi sucedido por forte recessão e crise ainda sem previsão de término.

volvimentista, com a implantação da indústria de base e investimentos em obras públicas. Ele ressalta que as análise que considera que o país cresceu menos no governo Lula em comparação com outros países emergentes, sobretudo os latino-americanos, falha ao comparar realidades diferentes. Para ele, é muito mais fácil ter crescimento rápido quando se está atrás. Tanto que os países desenvolvidos cresceram menos que o Brasil. Na sua análise, dizer que o Brasil cresceu menos que o Peru e a Bolívia não faz sentido porque são economias muito menores que a nossa. “O Brasil podia ter crescido mais se houvesse uma política de desvalorização do real. Há quem considere que o primeiro erro da Dilma foi colocar um freio na economia, que estava aquecida, em 2011. Ela ainda comprou briga com o mercado financeiro ao reduzir as taxas de juros e depois ficou dependente do que o mercado falava. Havia também uma preocupação excessiva com a inflação. Sem falar na completa incapacidade política. O segundo governo Dilma não teve nada a ver com o primeiro. E a partir de 2016, quando muda o governo, surge uma política completamente diferente, assim como a visão em relação às políticas sociais e a inserção do Brasil no mundo. Mas, apesar de todas as mudanças o país não voltou a crescer porque o diagnóstico que se faz é errado. Para ter crescimento é preciso haver alguém que seja o indutor do desenvolvimento. Alguém tem de sair na frente puxando a economia”, afirmou Fernandez, que possui avaliação negativa sobre o momento atual do país. “O novo governo está sendo disfuncional até para os que o elegeram e está muito pior que 38

o governo Temer, que, mesmo com 3% de aprovação, conseguia aprovar medidas. A lógica é que assim como está não pode ficar”, conclui. ESTADO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL Para a economista e cientista política Celia Lessa Kerstenetzky, há relativo consenso de que o primeiro período, grosso modo entre 1930 e 1980, coincide com a noção de desenvolvimento como industrialização dirigida pelo Estado (state-led industrialization), para o qual se concebeu política social subsidiária, com foco no trabalhador urbano-industrial e provisão de seguros sociais. Períodos posteriores sinalizam outros arranjos. “Considero a redemocratização, a partir de 1985 – que tornou mais politicamente responsiva esta ideia de ‘direção pelo Estado’ –, e principalmente a Constituição de 1988, como verdadeiras conjunturas críticas que abriram o horizonte para um novo paradigma de desenvolvimento”, afirma. A Constituição, segundo a estudiosa, ao consagrar direitos políticos e sociais universais, aponta para uma compreensão de desenvolvimento não apenas mais abrangente em termos dos grupos sociais beneficiados, como mais rica, superando MARÇO | ABRIL 2019


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a noção de expansão da base material da sociedade, para incorporar ideias de equidade social e participação política – e como processos coetâneos, não sequenciais. “A Constituição, ao fixar como cláusulas pétreas a garantia desses direitos, desnaturaliza concepções arraigadas de que o desenvolvimento material levaria automaticamente a realizações como justiça social, aspecto especialmente ausente do tecido social brasileiro”, explica. Com idas e vindas, atravessando momentos críticos, o país alcançou o início do século XXI com um experimento parcial do que a economista classifica como “crescimento redistributivo”, um experimento de crescimento precedido e sucedido por políticas de distribuição de renda. Neste cenário, os impactos recíprocos de políticas econômicas e sociais serviram de parâmetros para decisões públicas. “Digo parcial porque o crescimento redistributivo não priorizou os serviços sociais públicos, como educação e saúde, cujos impactos em eficiência e equidade são formidáveis, haja vista as melhores práticas internacionais. O financiamento altamente regressivo do estado tampouco foi objeto de atenção. O resultado é que educação e saúde seguiram muito subfinanciadas”, justifica Celia. Em sua visão, essa busca por equilíbrio entre eficiência e equidade foi interrompida recentemente com reformas como a do teto do gasto público real, ocorrida em 2016. Ela acredita que o projeto de redução sistemática do Estado, aprofundada a partir das últimas eleições, representa uma inversão do percurso que o país construiu após a Constituição de 1988. “Uma economia de mercado não sobrevive sem regulação pública e alguma proteção social, não há tal caso. O que está em questão, como sempre, é o fiel da balança. E apesar dos obscenos níveis de desigualdade brasileiros, especialmente a concentração de renda nos muito ricos

No século XXI, não é possível pensar em desenvolvimento sem se referir à sustentabilidade.

RUMOS

(os 1% mais ricos detêm, por baixo, entre 25% e 28% da renda nacional), tudo indica que a recalibragem afetará negativamente a base da pirâmide, para quem direitos sociais representam as verdadeiras oportunidades de desenvolvimento”, argumenta a economista. A historiadora Dulce Pandolfi diz que no Brasil sempre houve uma disputa entre modelos de desenvolvimento, mas, de um modo geral, o Estado foi fundamental na produção do desenvolvimento. Quando houve modelos menos estatizantes, antes de 1930, a força advinha dos estados da federação e não da União, e o desequilíbrio regional era monumental, sendo inclusive uma das causas da Revolução de 1930. Ela destaca que o Brasil é um país extremamente desigual até hoje e, apesar do Estado centralizador a partir de 1930, os desequilíbrios regionais ainda são imensos. No governo Vargas, o marco é justamente essa política centralizadora. Depois, com a redemocratização, Dutra tenta mudar um pouco este quadro, que é retomado depois pelo próprio Vargas. Posteriormente, com os militares, há uma nova ação estatizante. Mais recentemente, o Brasil viu crescer o projeto liberal, introduzido primeiro por Collor e encampado por FHC. Lula e Dilma, segundo a estudiosa, retomam a centralidade do Estado. “Todos os períodos de liberalismo no Brasil foram excessivamente excludentes do ponto de vista social e essa é a tragédia do Brasil; no momento em que o Estado sair de cena a exclusão vai aumentar. Num país profundamente desigual como o nosso, o Estado tem papel fundamental para implementar políticas públicas sociais. Nos estados mais pobres dificilmente vai ter investimento privado”, afirma. Para Dulce, o Brasil não é um país pobre e, sim, desigual. Ela teme que os 17 milhões de brasileiros que deixaram a linha da pobreza na última década retornem com a adoção de políticas liberais. “Quando na Reforma da Previdência eles dizem que para flexibilizar não querem mais ficar presos à Constituição, significa tirar todas as conquistas que garantiam minimamente políticas sociais. Afirmam que se não for aprovada a reforma da previdência, será uma tragédia, mas eu pergunto: tragédia para quem? Para a população a tragédia virá se vier a desvinculação com a Constituição”, conclui. 39


ARTIGO

Cooperativismo financeiro: de força regional a protagonista nacional

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vas, mais econômicas e empáticas na perspectiva dos consumidores. Adicionalmente, o engajamento comunitário, sob a égide do sétimo princípio universal do movimento, faz das cooperativas uma opção cada vez mais recorrente – e desejada – na prestação de serviços financeiros. Mas a obra está ainda inconclusa, ou melhor, recém-iniciada, requerendo propagação vertical homogênea, de modo a reproduzir-se em todo o país o projeto virtuoso já consagrado em algumas comunidades e regiões. A ampliação da escala, tanto associativa quanto operacional, e a otimização/racionalização de estruturas são condições indispensáveis para a presença mais significativa do cooperativismo financeiro no país. Para isso, são necessários investimentos em tecnologia, inovação, capacitação e atração de novos talentos, comunicação, estratégias comerciais, entre outras áreas, além de maior efetividade nas ações de intercooperação, tanto entre ramos diferentes (oportunidade operacional) quanto intrarramos (oportunidade de redução de custos). A notícia boa para a sociedade – indivíduos e empreendedores – é que um ativismo maior e mais uniforme por aqui depende das próprias forças do setor cooperativista, visto que todas as variáveis para a expansão estão no seu campo de domínio e influência.

ÊNIO MEINEN

Divulgação

O cooperativismo financeiro tem forte presença nos cinco continentes e no sistema bancário internacional, sendo representado com seis posições entre as 50 maiores instituições financeiras globais. Mas é no Brasil que mais se desenvolveu ultimamente, com o impulso da livre admissão e plenitude de portfólio comercial – tanto para pessoas físicas como para o pequeno negócio –, apresentando expansão média de expressivos 20% ao ano. Ainda que no consolidado nacional a presença não tenha alcançado a proporção e os impactos que o movimento assume nos mercados mais tradicionais (Europa e América do Norte, sobretudo), regional e localmente já existem casos de acentuado protagonismo e influência relevante do segmento cooperativo. Dados de setembro de 2018 (Banco Central – Censo de cooperados) indicam que na região Sul do Brasil 16% da população busca nas cooperativas o fornecimento dos produtos e serviços financeiros, sendo 24% no estado de Santa Catarina e 17% no Rio Grande do Sul. Segundo levantamento do Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (FGCoop – set./2018), as cooperativas detêm a liderança na concessão de crédito em oito estados, distribuídos entre as cinco regiões do país. Em Rondônia (Norte do país), por exemplo, são responsáveis por mais de 45% dos empréstimos sem consignação para pessoas físicas e por 60% das operações com recebíveis para pessoas jurídicas, participações essas que no Mato Grosso (região Centro-oeste) são de 35% e 40%, respectivamente. No crédito rural, as cooperativas atendem a mais de 20% da demanda dos produtores pessoas físicas no Paraná e no Rio Grande do Sul. Por fim, resultado da percepção de confiança dos investidores, merece destaque a atuação das cooperativas na gestão de depósitos, que em Santa Catarina e no Mato Grosso alcança cerca de 25% do volume total. A sua singularidade societária, notadamente pela dupla condição de cliente-dono de seus usuários, e sua proposta operacional, que não contempla o lucro, sem dúvida são elementos-chave nessa acelerada progressão. Some-se a isso o fato da, hoje, relação pouco amistosa entre bancos e clientes (vide resultado de estudo global da Deloitte, divulgado na revista Exame/SP, jan./2018, pp. 18 e 19), cujo quadro facilita a presença de soluções alternati-

Diretor de operações do Bancoob, coautor do livro Cooperativismo financeiro: percurso histórico, perspectivas e desafios e autor de Cooperativismo Financeiro: virtudes e oportunidades – Ensaios sobre a perenidade do empreendimento cooperativo. MARÇO | ABRIL 2019


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OPINIÃO

Ganhar a vida com dignidade

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lá...), regimes durante os quais expandiu e assegurou a posse do quinto maior território mundial. Consolidou uma só língua, integrou lentamente o território e vai, aos trancos e barrancos, metabolizando preconceitos e confirmando a riqueza da miscigenação do ponto de vista estético e da imaginação criadora de suas periferias, como sugeriu o ilustre ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal. Muitas vezes nos deixamos aprisionar num círculo vicioso: estamos pobres porque produzimos pouco e produzimos pouco porque somos pobres. Superamos esse círculo vicioso entre 1939 e os anos 1980, quando crescemos mais do que o mundo. A partir daí, infelizmente, tivemos uma recaída, mas uma nova eleição cheia de surpresas talvez poderá nos devolver o “espírito do crescimento” que nos abandonou. Aproveito este final de comentário para acrescentar meus cumprimentos às comemorações do primeiro meio século de vida da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), em especial aos representantes das organizações parceiras e a todo o corpo de executivos(as) das instituições de fomento, em sua maioria colegas economistas empenhados nas atividades que têm como alvo a retomada do crescimento sustentável no país. Cabe finalmente agradecer aos organizadores e participantes do evento “O desenvolvimento que o Brasil precisa”, que reuniu em Brasília no mês de agosto de 2018 os principais assessores econômicos dos candidatos à eleição presidencial, que ao final dos trabalhos brindaram os leitores da Rumos com as diversificadas visões dos programas econômicos de cada um dos concorrentes, em excelente matéria do jornalista Jader Moraes.

ANTONIO DELFIM NETTO Marcelo Correa

O desemprego é o mais cruel desperdício de recursos de uma sociedade civilizada. Afinal, o trabalho é o único intercurso do homem com a natureza da qual ele faz parte e da qual – ainda que a cadeia que o leve ao recurso natural seja muito longa – ele extrai a sua subsistência. A interdição ao trabalho pela falta de demanda da sua atividade retira do homem o sentido de pertencer à sociedade, destrói sua identidade, corrói a estrutura familiar que lhe dá conforto e – dependendo do tempo – rouba-lhe as qualificações. Alienado de seu trabalho, não tem como reconciliar-se com o “ganhar a vida com dignidade”. A política econômica voluntarista que resultou na década de menor crescimento do último século deixou como herança 13 milhões de desempregados (além de 10 milhões de cidadãos e cidadãs que gostariam de trabalhar mais) e cinco milhões de desacorçoados que desistiram de procurar emprego. O mais injusto desperdício de recursos que um país pode fazer é o de não utilizar o trabalho de seus cidadãos. A recuperação do emprego tem sido muito lenta e não acontece com mágica. Só a rápida aprovação de uma reforma da Previdência suficientemente robusta poderá mudar esse quadro ao estimular a volta dos investimentos privados na infraestrutura e dar tranquilidade ao Banco Central para promover a ampliação do crédito com maior competição no setor financeiro e menor taxa de juros. A boa notícia da semana da Páscoa deste ano (15 a 21 de abril), do avanço na Câmara dos Deputados das discussões da reforma previdenciária, trouxe de volta algum otimismo quanto à recuperação do crescimento econômico e da expectativa de melhora no mercado de trabalho. Aparentemente aumentou a compreensão dos congressistas quanto à urgência de dar curso às reformas que estão paradas nas duas casas do Legislativo: a previdenciária, para a recuperação do equilíbrio fiscal e da capacidade do investimento público; e a tributária, de inspiração do próprio presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que afirmou a determinação de trazê-la ao debate tão logo a questão da previdência siga para a apreciação do Senado. Positivamente, o Brasil não é uma nação condenada ao fracasso. Pelo contrário, é um país extraordinário. Nos seus cinco séculos de existência já experimentou as mais perversas e mais emocionantes instituições: foi Colônia; foi Império; foi República Democrática (três vezes) e Ditadura (duas vezes, vá

Professor emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-USP), ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento. MARÇO | ABRIL 2019


O BADESC ACREDITA NO DESENVOLVIMENTO INTEGRADO DO PAÍS. E A ABDE TEM PAPEL FUNDAMENTAL NESSE PROCESSO. TEMOS ORGULHO EM FAZER PARTE DESSA HISTÓRIA DE SUCESSO!


Leonid Streliaev

REPORTAGEM

Alianças globais O Sistema Nacional de Fomento está integrado a organismos multilaterais e instituições externas que se transformam em aliados para ampliação das fontes de recursos e promoção de investimentos em áreas estratégicas como sustentabilidade, inovação e inclusão social. POR Sarah Barros Bancos multilaterais, agências de fomento estrangeiras e entidades governamentais internacionais encontram no sistema de fomento brasileiro um forte aliado para a efetivação do desenvolvimento sustentável e a elaboração de novos modelos de financiamento para projetos da agenda global de enfretamento das mudanças climáticas e de promoção da inclusão social. As experiências bem-sucedidas apontam para oportunidades promissoras de captação de recursos e a consolidação das Instituições Financeiras de Desenvolvimento (IFDs) como produtoras de conhecimento e inovação. O diálogo com a organização que congrega o Sistema Nacional de Fomento no Brasil, a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), tem sido a tônica da atuação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no país. Desde sua fundação, em 1961, o banco acumula mais de US$ 47,4 bilhões de empréstimos e garantias aprovadas. O aporte ajudou a custear projetos com valores que ultrapassam os US$ 141 bilhões nas áreas de infraestrutura, meio ambiente, fortalecimento institucional e redução da pobreza no país. O apoio do banco ao sistema de fomento brasileiro compreende tanto financiamento quanto apoio técnico para melhor o ambiente de atuação do setor. Atualmente, estão sendo investidos 750 milhões de dólares 44

as instituições de fomento, especialmente com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para financiar micro, pequenas e médias empresas. Além disso, o banco multilateral possui linha de crédito de 25 milhões de dólares junto a três instituições de fomento subnacionais, no Espírito Santo, em Goiás e na região Sul, para que elas ofereçam um mecanismo inovador de financiamento à eficiência energética. “O BID é um sócio tradicional das instituições de fomento, atuando, inclusive, no tema da regulação e da transparência”, pontua a especialista em Mercado Financeiro do BID, Maria Netto. Para atingir a consolidação atual, o banco atuou por meio de cooperações técnicas, eventos e diálogos, em temas como capacitação institucional, especialmente para agências de pequeno porte, e sustentabilidade, com a adequação das instituições de fomento ao risco socioambiental, de acordo com as normas do Banco

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PARCERIAS REGIONAIS Com a primeira operação realizada no Brasil em 1998, a Corporação Andina de Fomento (CAF), conhecida como Banco de Desenvolvimento da América Latina, gerencia atualmente um portfólio de US$ 1,7 bilhão em operações com atores brasileiros, dos quais US$ 1,3 bilhão são operações garantidas pela União e as demais são operações não soberanas, realizadas inclusive com instituições financeiras de fomento. Por definição do governo brasileiro, as linhas de crédito e de financiamento oferecidas no Brasil pela CAF estão disponíveis para cidades e estados. Hoje, 19 operações estão em fase de desembolso. De acordo com o diretor representante do CAF no Brasil, Jaime Holguín, em 20 anos de atuação com instituições e órgãos brasileiros, a qualidade dos projetos evoluiu, com maior preocupação quanto ao real impacto da iniciativa para o desenvolvimento regional a partir de uma visão integral. “Atualmente, 90% dos projetos já levam em conta aspectos de integralidade para o desenvolvimento regional e sustentável, incluindo indicadores para medir impactos como adaptação climática e níveis de emissão de gases de efeito estufa”, disse. Além da atuação direta da CAF com órgãos públicos, a entidade trabalha agora com bancos de desenvolvimento brasileiros, que dão capilaridade às operações da instituição e permitem que os recursos cheguem a cidades com menos de 100 mil habitantes – municípios esses que não podem receber RUMOS

recursos garantidos pela União. A primeira operação do tipo foi realizada com o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) em 2014. A linha de crédito de US$ 100 milhões destinou-se ao apoio a pequenas e médias empresas de Minas Gerais. “É um público ao qual a CAF não chega diretamente, mas representa o setor que mais gera empregos”, argumenta o executivo da CAF, Marcelo dos Santos. Em 2018, foi aprovado repasse de US$ 70 milhões para o Banco do Nordeste (BNB) destinado a uma linha de microcrédito. O Nordeste concentra 70% desse mercado no Brasil e tem o impacto social de incluir pessoas e empresas à margem do sistema financeiro e de viabilizar a formalização de pequenos empreendimentos, iniciativa semelhante à realizada pelo Peru, pela Bolívia e pela Colômbia. Para o segundo semestre de 2019, está em análise a liberação de outros US$ 70 milhões para o programa Produção e Consumo Sustentável, um projeto do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). O montante também irá viabilizar projetos de inovação e de apoio a municípios com menos de 100 mil habitantes, especialmente para o agronegócio, que corresponde a 70% da carteira do banco regional. AGENDA GLOBAL Com a experiência de ter realizado, em 1942, a primeira operação de crédito da história com foco no desenvolvimento, a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) tem, atualmente, 40 projetos financiados e portfólio de 1,9 bilhão de euros empenhados em projetos no Brasil desde 2007, quando começou a atuar no país. Todos eles estão alinhados com as prioridades da agência para os países emergentes de levar a efeito os compromissos firmados no Acordo de Paris e as metas estabelecidas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na perspectiva do crescimento verde e solidário, ligado ao meio ambiente e à inclusão social. Divulgação

Central. “Esse trabalho permitiu operações mais independentes dessas instituições e mais acesso a garantias e a funding no mercado financeiro”, explicou. Com ações conjuntas desenvolvidas com o Sistema Nacional de Fomento há cerca de dez anos, o banco continua a apoiar a integração das instituições financeiras de desenvolvimento entre si e com os órgãos públicos e entidades privadas. O principal projeto desenvolvido neste sentido pelas duas instituições, em conjunto com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), é o Laboratório de Inovação Financeira (LAB), iniciativa pioneira no Brasil que cria mecanismos inovadores para o financiamento de projetos sustentáveis. “O LAB tem se mostrado um importante fórum para diálogo não só entre entidades públicas, mas também com as privadas. Ele permitiu conhecer as vias de conversa do sistema de fomento com as instituições tradicionais, das instituições de fomento com entidades privadas”, afirma. Para Maria Netto, esse diálogo abre portas para a captação de recursos pelos bancos públicos no sistema privado. “Hoje, o investimento privado aparece como importante solução de desenvolvimento, porque já ficou claro que o uso de subsídios e incentivos diretos para resolver problemas estruturais não funciona”, avalia a especialista. Para ela, as instituições de fomento precisam repensar o seu papel para atuar mais como mecanismo de atração de investimentos privados para projetos de desenvolvimento.

Maria Netto, especialista em Mercado Financeiro do BID 45


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Jaime Holguín, diretor representante do CAF no Brasil 46

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Em favor do Brasil, o diretor regional da AFD Brasil Cone Sul, Philippe Orliange, aponta o interesse, não apenas de instituições de desenvolvimento do país, mas também de gestores de municípios e estados brasileiros e mesmo agentes do setor privado, em relacionar a sua atuação com a agenda global de desenvolvimento sustentável. “O governo de Teresina (PI) apresentou recentemente a escolha dos ODS como base para desenhar estratégias de desenvolvimento e já implementam projetos que se adaptam aos objetivos internacionais”, disse. Esse interesse seria uma das razões para o crescimento considerável da carteira de projetos desenvolvidos no Brasil e na América Latina com financiamento da AFD. Em dez anos, o portfólio passou de zero para 7 bilhões de euros empenhados, dos quais 25% são no Brasil. “Na Ásia, onde operamos há mais de 20 anos, o crescimento não foi tão rápido”, compara. Uma característica das operações da AFD na América Latina é a capacidade de realização de operações que não dependem de garantias da União. Para o diretor da agência francesa, há boas oportunidades de crescimento para o financiamento de projetos sustentáveis nesses moldes. “Temos notado uma mudança importante no sistema de fomento brasileiro, em que as instituições de fomento, que antes eram repassadores apenas de créditos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), agora conseguem recursos de outras fontes e uma das fontes possíveis são as agências internacionais, que podem fazer esse tipo de financiamento sem ou com garantia da União”, indica. Um atrativo para os organismos internacionais é a atividade consolidada das instituições brasileiras com a agenda sustentável global. “Essas ações se configuram em vantagem adicional para o Brasil, que projeta uma imagem para investidores que se interessam em questões climáticas. No setor financeiro brasileiro, não há dúvidas sobre a realidade das mudanças climáticas e a importância de projetos na área”, afirma.

Philippe Orliange, diretor regional da AFD Brasil Cone Sul Em dezembro de 2018, a AFD assinou um memorando de entendimento com a ABDE voltado para ações nas áreas de inovação, governança e mudanças climáticas. Para a AFD, a parceria representa um avanço no diálogo sobre o papel das instituições de fomento para o desenvolvimento. “Nosso interesse não é puramente operacional, mas é também dialogar sobre o que justifica, no século 21, no mundo globalizado, a existência e a atuação de atores públicos de financiamento de desenvolvimento de longo prazo. Alguns acreditam que este é um assunto do passado, mas vemos que, hoje, quase todas as maiores economias do mundo têm um banco de desenvolvimento, e quem não tinha está criando, a exemplo dos Estados Unidos”, avalia Orliange. SUSTENTABILIDADE Um levantamento inédito realizado pela ABDE em parceria com a embaixada britânica aponta que 59% das instituições de fomento brasileiras já têm produtos financeiros verdes que atingem grandes, médios e pequenos empresários. Uma base ainda maior, 82%, financia setores e atividades econômicas de baixo carbono, mesmo que algumas ainda não tenham linhas específicas para esta área. O relatório é fruto de parceria firmada em outubro de 2018 pela ABDE e o consulado britânico, que prevê ações para a evolução de uma agenda sustentável, no âmbito das finanças verdes e governança ambiental e social. Além do estudo, o acordo inclui a capacitação das Instituições Financeiras de Desenvolvimento para a ampliação de recursos para o financiamento de projetos sustentáveis, integrando o compromisso de redução de gases de efeito estufa firmado pelo Brasil na COP21, da Organização das Nações Unidas (ONU). Os números mostram que o Brasil já começa a entrar em um mercado que, globalmente, ultrapassa cifras de trilhões de dólares com aporte de investimentos ecologicamente corretos: as finanças verdes.

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ARTIGO

Recursos naturais e desenvolvimento

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de criação de capacitações na conversão da natureza em recursos produtivos, alavancando sinergias e complementaridades produtivas para o desenvolvimento brasileiro. Essa proposta já contaria com experiências internacionais exitosas, tal como o caso sueco. Para o professor Jorge Britto, embora interessante, haveria dificuldades na implementação dessa linha condutora estratégica de desenvolvimento nacional. Os diferentes níveis de complexidades tecnológicas e especificidades setoriais tornariam as formulações muito complexas. Marcelo Silva Pinho observou que, embora interessante, a proposta não contava ainda com evidências robustas para deslocar o setor industrial como o mais relevante para puxar o desenvolvimento. Um estilo de desenvolvimento econômico – que inclui tecnologias modernas e alta renda per capita – só é viável com um importante setor industrial. Na mesma linha seguiu o professor Martinelli, salientando que as evidências empíricas demonstram que as relações de troca internacionais continuam favoráveis aos produtos manufaturados; mas que poderia haver uma janela de oportunidade com as tecnologias da indústria 4.0 aplicadas a processos produtivos baseados em RN, se tais tecnologias pudessem relativizar a importância da localização geográfica dos países, e modificar a relação de valor agregado entre os produtos industriais e não industriais. Não há espaço aqui para detalhar os debates ricos que a temática suscitou durante a sessão. No entanto, ficou patente a importância de se reconsiderar a importância de políticas de P&D, redimensionando a potencialidade econômica dos chamados RN, conectando-os de forma mais criativa e sinérgica no curso futuro do processo de desenvolvimento econômico brasileiro.

ORLANDO MARTINELLI

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O tema Recursos Naturais e Desenvolvimento foi discutido no III Encontro Nacional de Economia Industrial e Inovação, promovido pela Associação Brasileira de Economia Industrial e da Inovação (Abein), ocorrido na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no ano passado. Participaram da sessão Rogério Gomes (FCLAr-Unesp), como coordenador, João Furtado (Poli-USP), expositor, Jorge Britto (DE-UFF), Marcelo Silva Pinho (DEP/Ufscar), e Orlando Martinelli (DERI-UFSM), como debatedores. A discussão foi sobre a importância dos recursos naturais (RN) para o desenvolvimento econômico. A teoria padrão diz que quanto maior a dotação de fatores de produção de uma economia, maiores são suas chances de desenvolver. No entanto, parte da literatura sobre desenvolvimento nos anos 1950 a 1970 entende que a abundância de RN, e a especialização técnico-produtiva dela decorrente, seria um obstáculo ao desenvolvimento dos países periféricos. Nos anos 1990 e seguintes, estudos buscaram evidências empíricas da relação negativa entre abundância de RN e desenvolvimento no longo prazo, sendo que a primeira foi entendida como uma maldição para o processo de desenvolvimento econômico. O professor João Furtado redimensionou criticamente essas interpretações vindas da resource-curse literature. Para ele, a concepção de RN utilizada pela teoria econômica padrão é inadequada para entender o real processo produtivo, uma vez que é pobre para captar a complexidade evolutiva dos processos tecnológicos e produtivos. Entendem RN e fator de produção como equivalentes. Seria mister entender que o aspecto mais importante não é a dotação do fator de produção, mas sim seus usos potenciais como recursos produtivos. Recursos reúnem elementos – tangíveis e intangíveis – presentes no processo produtivo que, combinados, geram competências, sinergias e externalidades positivas essenciais para o desenvolvimento econômico. Mas isso não bastava. Seria mister também entender que RN per se não existem. Vale dizer, para que os recursos naturais tenham valor econômico e social, é preciso criá-los. Um exemplo seria a exploração do cerrado. Foi a ação humana deliberada, o uso efetivo do conhecimento científico, da pesquisa e da tecnologia, que criou o RN chamado cerrado e o tornou disponível para o desenvolvimento. Nessa perspectiva é que deveriam caminhar as políticas industriais e tecnológicas, isto é, com o viés

Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria e sócio fundador da Abein.

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SUPERANDO EXPECTATIVAS

No primeiro trimestre do ano, a AgeRio ultrapassou as metas de apoio a micro e pequenas empresas do Estado do Rio de Janeiro. O número de empreendimentos beneficiados já é maior que todo o ano de 2018.

160% de crescimento do apoio a MPEs 116% de crescimento da carteira ativa 128% de crescimento no microcrédito Nova marca, novo site e novo slogan

A gente apoia, o Rio cresce!


EXPEDIENTE

Sede: SCN – Qd. 2 - Lote D, Torre A Salas 431 a 434 Centro Empresarial Liberty Mall - Brasília - DF - CEP 70712-903 Telefone: (61) 2109.6500 E-mail: abde@abde.org.br Escritório: Avenida Nilo Peçanha, 50 – 11º andar Grupo 1109 - Rio de Janeiro - RJ - CEP 20020-906 Telefone: (21) 2109.6000 E-mail: gecom@abde.org.br CONSELHO DOS ASSOCIADOS Presidente: Joaquim Levy DIRETORIA Presidente: Perpétuo Socorro Cajazeiras 1º Vice-Presidente: Jeanette Halmenschlager Lontra 2a Vice-Presidente: Ênio Mathias Ferreira, Diretores: Luiz Corrêa Noronha, Valdecir Tose e Weberson Reis Pessoa. Secretário-Executivo: Marco Antonio A. de Araujo Lima

INSTITUIÇÕES ASSOCIADAS À ABDE

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Redação e Administração Avenida Nilo Peçanha, 50, 11º andar Grupo 1109 Rio de Janeiro RJ CEP: 20020-906 Telefone: (21) 2109.6041 E-mail: rumos@abde.org.br

Gerente de Comunicação & Editora Thais Sena Schettino Equipe Jader Moraes, Livia Marques Pimentel, Noel Joaquim Faiad, Joyce Ponteiro (estagiária)

Revisão Mariana e Renato R. Carvalho

Distribuição Powerlog Serviços e Manipulação

Capa Noel Joaquim Faiad

Publicação bimestral ISSN 1415-4722

Impressão e CTP J. Sholna Reproduções Gráficas

Ano 43 - nº 304 - Março/Abril 2019 Tiragem: 5.000 exemplares

As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, a opinião da ABDE. Sua reprodução é livre em qualquer outro veículo de comunicação, desde que citada a fonte.

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Fotos: Leonid Streliaev

Parabéns ABDE pelos seus 50 anos dedicados ao desenvolvimento do Brasil. O Badesul tem orgulho de integrar a Associação Brasileira de Desenvolvimento. Uma associação importantíssima que fez e faz história unindo o Sistema Nacional de Fomento (SNFs) - composto por instituições de vários Estados que trabalham na busca pelo desenvolvimento e pelo progresso do nosso país. Instituições que visam contribuir e fomentar investimentos para melhorar a qualidade de vida dos brasileiros. Badesul, A gente dá valor para o Rio Grande crescer.

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