ISSNe: 2182.2883 / ISSNp: 0874.0283
SÉRIE V
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PUBLICAÇÃO CONTÍNUA | 2020
Editor/Editor Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem/Health Sciences Research Unit: Nursing Escola Superior de Enfermagem de Coimbra/Nursing School of Coimbra Editora Chefe/Editor-in-Chief Tereza Barroso, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra/Nursing School of Coimbra Editora Adjunta/Deputy Editor Isabel Gil, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra/Nursing School of Coimbra Editores Sénior/Senior Editors Aida Cruz Mendes, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra/Nursing School of Coimbra Manuel Alves Rodrigues, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra/Nursing School of Coimbra Conselho Editorial Nacional/National Editorial Board Aliete Cunha Oliveira, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Anabela Pereira, Universidade de Aveiro Ananda Maria Fernandes, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra António Salgueiro Amaral, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Arménio Cruz, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Carolina Graça Henriques, Instituto Politécnico de Leiria Clara Ventura, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Fernando Ramos, Universidade de Coimbra João Alves Apóstolo, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra João Malva, Universidade de Coimbra Manuel José Lopes, Universidade de Évora Maria dos Anjos Dixe, Instituto Politécnico de Leiria Paulo Queirós, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Susana Duarte, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Vítor Rodrigues, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Wilson Correira Abreu, Escola Superior de Enfermagem do Porto Conselho Editorial Internacional / International Editorial Board Afaf Meleis, University of Pennsylvania, Estados Unidos da América do Norte Alacoque Lorenzini Herdemann, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Alan Pearson, University of Adelaide, Austrália António Almeida Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Arja Holopainen, Nursing Research Foundation, Finlândia Carl von Baeyer, University of Saskatchewan, Canadá Christine Webb, University of Plymouth, Reino Unido Dalmo Machado de Lima, Universidade Federal Fluminense, Brasil Danélia Gómez Torres, Universidade Autónoma do Estado de México, México Deborah Finnell, Johns Hopkins School of Nursing, Estados Unidos da América do Norte Eufemia Jacob, University of California, Estados Unidos da América do Norte Francisco Durán, Universidad de Extremadura, Espanha Francisco Félix Lana, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Gilberto Reis da Silva, Universidade Federal da Bahia, Barsil Heidi Parisod, University of Turku, Finlândia Isabel Costa Mendes, Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde, Brasil Jane Salvage, International Council of Nurses Global Nursing, Reino Unido Joakim Öhlén, Universidade de Gothenburg, Suécia Lam Nogueira Bernice, Instituto Politécnico de Macau, Macau Manuel Amezcua, Fundação Índex, Espanha Márcio Tadeu Francisco, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil María Castañeda Hernández, Centro Médico Nacional Siglo XXI, México Maria de Lourdes de Souza, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Miloslav Klugar, University of Adelaide, Austrália Miwako Honda, Tokyo Medical Center, Japão Nancy Reynolds, Johns Hopkins University School of Nursing, Estados Unidos da América do Norte Pirkko Kourri, Savonia University of Applied Sciences, Finlândia Rattikorn Mueannadon, Boromarajonani College of Nursing, Tailândia Rodrigo Chácon Ferrera, Universidad de las Palmas de Gran Canaria, Espanha Zoe Jordan, University of Adelaide, Austrália Conselho Consultivo/Consultive Board Comissão Administrativa e Comissão Externa de Aconselhamento e Comissão de Ética da Unidade de Investigação / Administrative Commission, External Advisory Committee and Ethics Committee of the Research Unit A Revista de Enfermagem Referência apresenta-se em versão eletrónica (ISSNe: 2182.2883). Todo o processo de gestão, da submissão à publicação realiza-se em plataforma web: http://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=articleSubmission, por forma a garantir o controlo de qualidade em todas as fases. / The Journal of Nursing Referência is available in electronic version (ISSNe: 2182.2883). The entire management process, from submission to publication is carried out on a web platform: https://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=articleSubmission Os artigos publicados neste número foram traduzidos para versão inglesa por Técnicos Especializados do Gabinete de Projetos da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. Antes da publicação, a versão inglesa foi validada pelos autores. / The articles published in this edition of the Journal of Nursing Referência were translated into English version by a specialized Technical Projects Offise of the Nursing School of Coimbra. Before publication, the English version was validated by the authors. O Corpo de Revisão e Apoio Técnico e de Redação está acessível em: https://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=page&id=11672 https://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=page&id=11674 The Review Board and Technical Sheet is available at: https://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=page&id=11672 https://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=page&id=11674 Contactos/Contacts Escola Superior de Enfermagem de Coimbra / Nursing School of Coimbra Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem /Health Sciences Research Unit: Nursing Avenida Bissaya Barreto s/n - 3004-011 Coimbra / Portugal Tel. 239 487 255 / 239 487 200 (ext. 2077) E-mail: referencia@esenfc.pt (Revista de Enfermagem Referência / Referência Journal of Nursing) – Secretariado Editorial / Editorial Secretariat (Susana Oliveira) investiga@esenfc.pt (Unidade de Investigação / Research Unit) URL: https://rr.esenfc.pt/rr/ (Revista de Enfermagem Referência – disponível em texto integral / Journal of Nursing Referência – available in full text) https://rr.esenfc.pt/ui/ (Unidade de Investigação/Research Unit)
Ficha Catalográfica REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA. Coimbra, 2010- . Revista de Enfermagem Referência / prop. Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. - Série III, nº1 (jul. 2010) - nº12 (dez. 2013); Série IV, nº1 (fev. 2014) - nº23 (dez. 2019)- . Coimbra: Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem. - 27 cm. - Trianual.- A partir da Série IV a periodicidade é trimestral. - A partir da Série V a periodicidade é em sistema de publicação em fluxo contínuo. Continuada de: Referência: Revista de Educação e Formação em Enfermagem, iniciada em 1998. ISSNe: 2182.2883 / ISSNp: 0874.0283
Descritores em linguagem MeSH (Medical Subject Headings)
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Objetivos e Contexto A Revista de Enfermagem Referência é uma revista científica, peer reviewed, editada pela Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem. Esta Unidade de Investigação é acolhida pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e acreditada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. O objetivo da revista é divulgar conhecimento científico produzido no campo específico das ciências da enfermagem, com uma abordagem interdisciplinar englobando a educação, as ciências da vida e as ciências da saúde. É requisito que todos os artigos sejam cientificamente relevantes e originais e de um claro interesse para o progresso científico, a promoção da saúde, a educação em saúde, a eficácia dos cuidados de saúde e tomada de decisão dos profissionais de saúde. Cerca de 80% dos artigos são publicados como artigos científicos originais e cerca de 20% dos artigos são artigos de revisão (revisão sistemática), artigos teóricos e ensaios. O processo de revisão por pares, double blind, inclui 10 fases, da submissão à disseminação (Pré-análise; Checklist; Revisão por pares; Gestão de artigo; Tratamento técnico e documental; Revisão final; Tradução; Maquetização e atribuição de DOI; HTML; Divulgação pelas bases de dados). Os seguintes documentos estão disponíveis aos autores: checklist, termo único e tópicos de análise crítica para ajudar a escrita de artigos científicos de acordo com o seu tipo específico. Os revisores podem aceder a estruturas sistemáticas de avaliação. A gestão do processo de revisão é totalmente automatizada. Isto permite uma ação efetiva de controlo, regulação e avaliação (gestão de autores, revisores e artigo). A revista tem uma extensão internacional e é publicada em formato bilingue (é obrigatória a versão em Inglês). É dirigido a estudantes, investigadores e profissionais das ciências da vida, ciências da saúde e área da educação. Políticas editoriais definidas de acordo com os critérios do Directory of Open Access Journals – DOAJ. Acessível em open access em www. esenfc.pt/rr Sistema de publicação em fluxo contínuo, divulgação em formato digital. Nossa missão: Compartilhar a luz do conhecimento
Aims and Scope The Journal of Nursing Referência is a peer-reviewed scientific journal published by the Health Sciences Research Unit: Nursing. This Research Unit is hosted by the Nursing School of Coimbra and accredited by the Foundation for Science and Technology. The objective of the journal is to disseminate scientific knowledge produced in the specific field of nursing science with an interdisciplinary approach covering the areas of education, life sciences and health sciences. All papers are required to be scientifically relevant and original and to show a clear significance for the scientific progress, health promotion, health education, health care effectiveness and health professionals’ decision-making. Around 80% of the articles published are scientific and original articles, and around 20% of the articles are review papers (systematic review), theoretical papers and essays. The double-blind review process includes 10 stages from submission to dissemination (Pre-analysis; Checklist; Peer review; Article management; Technical and documentary support; Final review; Translation; Layout and DOI Assignment; HTML; Database dissemination). The following documents are available to authors: checklist, author’s statement, and critical analysis topics to help prepare the scientific papers according to its specific type. Reviewers can access systematic assessment structures. The management of the review process is fully automated. This allows for an effective control, regulation and evaluation (authors, reviewers and article management). The Journal has an international dissemination and is published in a bilingual version (the English version is mandatory). It is directed at students, researchers and professionals from the areas of life sciences, health sciences and education. Editorial policies defined according to criteria of Directory of Open Access Journals – DOAJ. Available in open access at www.esenfc.pt/rr Rolling pass publishing system, digital dissemination. Our mission: Sharing the light of Knowledge
EDITORIAL
Ensino de Enfermagem Num Novo Tempo O tempo que hoje vivemos veio desvelar o quanto é mutável a vida humana. O mundo, tido outrora como quase certo e que pouco trazia de novidade aos seres humanos que se vangloriavam pelos seus feitos e pelas suas descobertas, trouxe-nos a possibilidade de refletirmos sobre o que somos, o que fazemos e como fazemos enquanto Homens. A Enfermagem, ciência humana orientada para a prática, sempre teve como pilar essencial a compreensão do Homem, em que o Homem (ser-aí, ser-no-mundo, ser-com-os-outros) é agente de transformação (Naves, 2009). O homem é um ser-no-mundo e um ser-com-o-outro, com consciência do eu, afirmação de si mesmo e da própria identidade, que interage com outros seres e se relaciona com estes, “o ser simplesmente dado é o modo de ser de um ente que não possui o carácter de presença” (Heidegger, 2006, p. 165). O ser-no-mundo é uma experiência pessoal e intransferível, implicando obrigatoriamente ser alguém com o outro e para o outro (Henriques, 2018). Através de um relacionamento cuidativo para com o outro, a Enfermagem assenta numa articulação entre o conhecimento teórico e o domínio prático, tendo como pano de fundo cenários de grande complexidade, onde os estudantes de enfermagem, aprendizes de uma arte e de uma profissão, mobilizam conhecimentos diversos, sejam do ponto de vista ético, estético, pessoal, reflexivo e sociopolítico (Alarcão, 2001; Carper, 1992; Chinn, 2011). Desta forma, os estudantes de enfermagem são formados para cuidarem integralmente do outro, pelo que o ensino remoto ou à distância, tal como a prática simulada, são insuficientes do ponto de vista pedagógico. Em tempos de pandemia, o ensino da ciência de enfermagem deve continuar a pautar-se pela exigência do saber, do saber fazer e do saber ser, em que a aprendizagem advém do conhecimento formal científico, que ganha sentido na relação com o outro, na interação social, na dialética, no confronto e na convivência. Às instituições de ensino superior de enfermagem, coloca-se o desafio, de juntamente com as instituições de prestação de cuidados, salvaguardarem as melhores condições para que os estudantes consigam continuar
Nursing Education in a New Time The time we are living in now remind us of the mutability of human life. The world we once took for granted, and that offered us little novelty as we bragged about our deeds and discoveries, gave us now the opportunity to reflect on who we are as human beings, what we do, and how we do it. Nursing is a practice-oriented human science whose essential pillar has always been the understanding of human beings (Dasein, being-in-the-world, being-with-the-others) as agents of transformation (Naves, 2009). Human beings are beings-in-the-world and beings-with-others; they are self-aware, self-affirming, have a sense of their own identity, and interact and engage with other daseins, “Yet presence-at-hand is the kind of Being which belongs to entities whose character is not that of Dasein” (Heidegger, 2006, p. 165). Being-in-the-world is a personal and non-transferable experience that implies being with and for others (Henriques, 2018). Through a caring relationship with others, nursing results from a combination of theoretical knowledge and practical knowledge in contexts of great complexity where the apprentices of an art and a profession – the nursing students – apply their knowledge from ethical, aesthetic, personal, reflective, or sociopolitical perspectives (Alarcão, 2001; Carper, 1992; Chinn, 2011). Therefore, as nursing students are trained to deliver comprehensive care to others, remote learning, distance learning, or simulation training are insufficient from a pedagogical perspective. During a pandemic, nursing education must continue to be guided by high standards of knowledge and knowledge of both doing and being. Learning should come from formal scientific knowledge and acquire meaning through the relationship with others, social interaction, dialectics, confrontation, and coexistence. Together with health care delivery institutions, nursing education institutions face the challenge to ensure the best conditions for students to continue to learn what it means to be a nurse, as this pandemic and others that may occur in the future drive us to go further.
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a aprender o que é Ser Enfermeiro, porque esta pandemia e outras que possam surgir, desafiam-nos a irmos mais além. O tempo da pandemia, é o tempo que exige que todos nós sejamos capazes de continuar a estudar a resposta humana à doença e aos processos de vida e com isso facilitarmos os processos de transição, com vista à saúde e bem-estar através de cuidados de enfermagem significativos ao outro. Para isso, precisamos, pois, de estar junto das pessoas, quer do ponto de vista profissional como enfermeiros, quer do ponto de vista daqueles que aprendem o que é a Ciência de Enfermagem. A formação dos enfermeiros não pode ficar refém desta ou de uma outra pandemia, porque nós, os enfermeiros, estamos e estaremos sempre na linha da frente e da retaguarda. As instituições de ensino superior de enfermagem têm, pois, um papel de alavanca, de análise e de crítica, de como ultrapassar os desafios que agora se colocam à formação dos enfermeiros e com isso garantirmos que o ensino de enfermagem em Portugal continue nos níveis de excelência a que estamos habituados. Devemos estar por um lado conscientes de que o ensino remoto é um ensino desigual, onde se veem com maior clareza as desigualdades, sejam elas do ponto de vista económico, sejam de constrangimentos familiares ou outros, e por outro, que a prática simulada não nos dá resposta ao relacionamento cuidativo que desenvolvemos com o outro, e que é pressuposto norteador da disciplina de enfermagem. Desta forma, o grande desafio que hoje temos consiste na articulação das instituições de ensino superior com as instituições de prestação de cuidados, para que juntos possamos continuar a assegurar a formação dos nossos estudantes, já que precisamos não apenas de mais enfermeiros de cuidados gerais e de mais enfermeiros especialistas, mas precisamos também de mais enfermeiros capazes de desenvolver mais investigação com translação para a prática clínica que dê resposta aos desafios que o mundo, hoje e no futuro, nos irá colocar. Carolina Miguel Graça Henriques RN, MsC, PhD, Post-PhD, Professora Coordenadora, Escola Superior Saúde, Politécnico de Leiria. [carolina. henriques@ipleiria.pt]. https://orcid.org/0000-0002-0904-8057 Referências bibliográficas Alarcão, I. (2001). Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre, Brasil: Artmed. Carper, B. (1992). Philosophical inquiry in nursing: An application. In J. F. Kikuchi & H. Simmons (Eds.), Philosophical inquiry in nursing. Newbury Park, CA: Sage. Chinn, P. (2011). Critical theory and emancipatory knowing. In: Butts JB, Rich KL (Eds.). Philosophies and theories for advanced nursing practice. Sudbury: Jones & Bartlett Learning. Heidegger, M. (2006). Ser e tempo. Petrópolis, Brasil: Editora Vozes. Henriques, C. (2018). Transição para o papel maternal: A experiência vivida de mulheres com problemas de adição a substâncias psicoativas. Recuperado de https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/33134/1/ ulsd731592_td_Carolina_Henriques.pdf Naves, G. (2009). Liberdade e autenticidade em Martin Heidegger: Uma Análise fenomenológica do homem. Poros, 1(1), 63-77.
Amidst this pandemic, we must be able to continue to study the human responses to the disease and the life processes. In doing this, we will facilitate the transition processes for promoting health and well-being through meaningful nursing care to others. Hence, nurses and those who are studying Nursing Science need to be close to people. Nursing education cannot be held hostage to this or any other pandemic because we, the nurses, are and will always be on the front and back lines. Using their role as a lever for change, nursing education institutions should analyze and discuss how to overcome the current challenges to nurses’ training and ensure that nursing education in Portugal maintains the same levels of excellence to which we are all accustomed. On the one hand, we should bear in mind that remote learning exacerbates inequalities in education from an economic perspective or considering family constraints or others. On the other hand, simulation training does not respond to the caring relationship developed with others, and that is a guiding principle of the nursing discipline. The most significant challenge facing nursing today is the need for higher education institutions and care delivery institutions to continue to work together to ensure our students’ education/training. We need more generalist and specialist nurses, but we also need more nurses who are capable of developing research with translation to clinical practice to meet current and future challenges. Carolina Miguel Graça Henriques * RN, MSc, PhD, Post-PhD, School of Health Sciences, Polytechnic Institute of Leiria. [carolina.henriques@ipleiria.pt]. https://orcid.org/0000-0002-0904-8057 References Alarcão, I. (2001). Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre, Brasil: Artmed. Carper, B. (1992). Philosophical inquiry in nursing: An application. In J. F. Kikuchi & H. Simmons (Eds.), Philosophical inquiry in nursing. Newbury Park, CA: Sage. Chinn, P. (2011). Critical theory and emancipatory knowing. In: Butts JB, Rich KL (Eds.). Philosophies and theories for advanced nursing practice. Sudbury: Jones & Bartlett Learning. Heidegger, M. (2006). Ser e tempo. Petrópolis, Brasil: Editora Vozes. Henriques, C. (2018). Transição para o papel maternal: a experiência vivida de mulheres com problemas de adição a substâncias psicoativas. University of Lisbon. Retrieved from https://repositorio. ul.pt/bitstream/10451/33134/1/ulsd731592_td_Carolina_ Henriques.pdf Naves, G. (2009). Liberdade e Autenticidade em Martin Heidegger: Uma Análise Fenomenológica do Homem. Poros, Uberlândia, 1(1), 63-77.
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SUMÁRIO
EDITORIAL / EDITORIAL Ensino de Enfermagem Num Novo Tempo Nursing Education in a New Time Carolina Miguel Graça Henriques
ARTIGOS DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL) / RESEARCH ARTICLES (ORIGINAL) Aceitação de um programa mHealth para prevenção da obesidade em adolescentes: estudo misto sequencial Acceptance of an mHealth program for obesity prevention in adolescents: mixed sequential study Pedro Miguel Lopes de Sousa; Inês Margarida da Silva Ferreira; Maria João Oliveira Filipe; Patrick Monteiro Guerra; Raquel Antunes Ferreira; Marlene da Costa Coimbra Lages; Maria dos Anjos Dixe
Adaptação transcultural brasileira do Resilience Safety Culture Brazilian cross-cultural adaptation of the Resilience Safety Culture Isabelly Costa Lima Oliveira; Ítalo Lennon Sales Almeida; Samia Freitas Aires; George Jó Bezerra Sousa; Roberta Menezes Oliveira; Shérida Karanini Paz de Oliveira; Rhanna Emanuela Fontenele Lima de Carvalho
Carga de trabalho numa unidade de internamento hospitalar de acordo com o Nursing Activities Score Workload in a hospital inpatient unit using the Nursing Activities Score Camila Pinno; Carlie da Fontoura Taschetto; Etiane de Oliveira Freitas; Lenize Moura Nunes; Jennifer Aguilar Leocadio de Menezes; Karen Emanueli Petry; Silviamar Camponogara
Conceptualização dos cuidados de enfermagem à pessoa com deglutição comprometida após o acidente vascular cerebral Conceptualization of nursing care to the person with post-stroke dysphagia Isabel de Jesus Oliveira; Susana Isabel Faria de Almeida; Liliana Andreia Neves da Mota; Germano Rodrigues Couto
Construção e validação de uma Escala de Avaliação de Informação Pré-Operatória Development and validation of a Preoperative Information Assessment Scale Marco António Rodrigues Gonçalves; Maria da Nazaré Ribeiro Cerejo
Diagnósticos de enfermagem em idosos hospitalizados à luz da teoria do conforto de Kolcaba Nursing diagnoses in hospitalized elderly patients based on Kolcaba’s Comfort Theory Rosane Barreto Cardoso; Priscilla Alfradique de Souza; Célia Pereira Caldas; Graziele Ribeiro Bitencourt
Estudo psicométrico: Questionário de Conhecimentos das Intervenções Autónomas de Enfermagem no Doente com Síndrome Coronário Agudo Psychometric study of a Knowledge Questionnaire on Autonomous Nursing Interventions in Patients with Acute Coronary Syndrome João Carlos Bastos Pina; Maria Augusta Romão da Veiga Branco; Maria Madalena Jesus Cunha Nunes; João Carvalho Duarte; Cláudia Ribeiro da Silva
Impacto da COVID-19 nas dinâmicas sociofamiliares e académicas dos estudantes de enfermagem em Portugal Impact of COVID-19 on the family, social, and academic dynamics of nursing students in Portugal Beatriz Xavier; Ana Paula Camarneiro; Luís Loureiro; Eva Menino; Aliete Cunha-Oliveira; Ana Paula Monteiro
Motivações para a experiência transicional das estudantes do curso de especialização em enfermagem Motivations for the transitional experience of students in the nursing specialization degree Rosana Maria de Oliveira Silva; Josicelia Dumêt Fernandes; Maria Deolinda Antunes Luz Lopes Dias Maurício; Lázaro Souza da Silva; Gilberto Tadeu Reis da Silva; Ana Lúcia Arcanjo Oliveira Cordeiro Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4
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Qualidade de vida nos profissionais de enfermagem que exercem funções na estratégia saúde da família Quality of life of nursing professionals working in the family health strategy Karla Gualberto Silva; Pedro Miguel Santos Dinis Parreira; Samira Silva Santos Soares; Viviane Brasil Amaral dos Santos Coropes; Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza; Sheila Nascimento Pereira de Farias
Vivências de adolescentes com diabetes mellitus tipo 1 Experiences of adolescents with type 1 diabetes Elisangela Argenta Zanatta; Maira Scaratti; Carla Argenta; Ângela Barichello
Vivências dos adolescentes com doença hemato-oncológica na fase diagnóstica: estudo de cariz fenomenológico Experiences of adolescents with cancer and blood diseases at the time of diagnosis: a phenomenological study Sónia Maria de Matos Figueira; Manuel Gonçalves Henriques Gameiro
ARTIGOS DE INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA (ORIGINAL) / HISTORICAL RESEARCH ARTICLES (ORIGINAL) Enfermeiros e escolas de enfermagem nos anuários da Universidade de Coimbra, de 1866 a 1956 Nurses and nursing schools in the yearbooks of the University of Coimbra, from 1866 to 1956 Paulo Joaquim Pina Queirós; António José de Almeida Filho; Sagrario Gómez-Cantarino; Tânia Cristina Franco Santos; Maria Angélica de Almeida Peres; Manuel Carlos Rodrigues Fernandes Chaves; Blanca Espina-Jerez
ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES ARTIGOS TEÓRICOS-ENSAIOS / THEORETICAL ARTICLES-ESSAYS Análise da teoria de Jean Watson de acordo com o modelo de Chinn e Kramer An analysis of Jean Watson’s theory according to Chinn and Kramer’s model Carla Braz Evangelista; Maria Emília Limeira Lopes; Maria Miriam Lima da Nóbrega; Monica Ferreira de Vasconcelos; Ana Claúdia Gomes Viana
Avaliação da cultura de segurança do doente em cirurgia ambulatória pelos enfermeiros: protocolo de scoping review Nurses’ assessment of patient safety culture in ambulatory surgery: scoping review protocol Joana Raquel Luís Pinto; Ana Cristina Rafael Matias; Luís Leitão Sarnadas
UNIDADE DE INVESTIGAÇÃO / RESEARCH UNIT Newsletter
Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4
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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Aceitação de um programa mHealth para prevenção da obesidade em adolescentes: estudo misto sequencial Acceptance of an mHealth program for obesity prevention in adolescents: mixed sequential study Aceptación de un programa de mHealth para la prevención de la obesidad en adolescentes: estudio mixto secuencial
Pedro Miguel Lopes de Sousa 1,6 https://orcid.org/0000-0002-6313-532X Inês Margarida da Silva Ferreira 2 https://orcid.org/0000-0003-2665-0098 Maria João Oliveira Filipe 3 https://orcid.org/0000-0003-2900-0621 Patrick Monteiro Guerra 4 https://orcid.org/0000-0001-7613-7669 Raquel Antunes Ferreira 5 https://orcid.org/0000-0002-8269-0919 Marlene da Costa Coimbra Lages 6,7 https://orcid.org/0000-0002-7389-6368 Maria dos Anjos Dixe 6,7 https://orcid.org/0000-0001-9035-8548
1 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal 2 Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Hospital Santa Maria, Lisboa, Portugal 3 Centro Hospitalar Oeste Norte, Hospital São Pedro Gonçalves Telmo, Peniche, Portugal
Hospital de Cascais Dr. José de Almeida, Alcabideche, Portugal
Resumo Enquadramento: A área da saúde tem-se adaptado ao uso de tecnologia, recorrendo a esta como um aliado relevante em programas de monitorização e prevenção da obesidade e problemas associados. Objetivo: Avaliar a aceitação do programa e-terapêutico TeenPower em adolescentes. Metodologia: Estudo misto sequencial realizado em 47 alunos do 6º ao 8º ano de escolaridade em Portugal. Na primeira fase, os dados foram recolhidos através de questionário incluindo dados sociodemográficos, questionário de aceitação, escolhas alimentares, (in)satisfação com a imagem corporal, perfil do estilo de vida e e-literacia em saúde. A segunda fase incluiu uma sessão interativa online com fórum de discussão, seguida de análise de conteúdo de Bardin. Resultados: A aceitação do programa TeenPower por parte dos adolescentes apresenta um valor médio positivo nos 4 fatores avaliados pela escala. Verificou-se ainda que a e-literacia em saúde está positivamente relacionada com a perceção de utilidade do TeenPower. Conclusão: A aceitação favorável de programas e-terapêuticos pode permitir a inovação e melhoria na prevenção da obesidade, respondendo eficazmente às expectativas e necessidades dos adolescentes. Palavras-chave: obesidade; adolescente; eHealth; saúde escolar Abstract Background: The health area has been adapting to the use of technology, using it as an important ally in programs for monitoring and preventing obesity and associated problems. Objective: To assess the acceptance of the TeenPower e-therapeutic program in adolescents. Methodology: Sequential mixed-method study with 47 students in grades 6, 7, and 8 in Portugal. In the first phase, data were collected through a questionnaire consisting of sociodemographic data, acceptance questionnaire, food choices, body image (dis)satisfaction, lifestyle profile, and eHealth literacy. The second phase included an interactive online session with a discussion forum, followed by Bardin’s content analysis. Results: The acceptance of the TeenPower program by adolescents had a positive mean score in the 4 factors assessed on the scale. eHealth literacy was also positively associated with the perceived usefulness of the TeenPower program. Conclusion: The successful acceptance of e-therapeutic programs can lead to innovation and improvement in obesity prevention, thus providing an effective response to the adolescents’ expectations and needs. Keywords: obesity; adolescent; eHealth; school health
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5 Hospital Dom Manuel de Aguiar, Leiria, Portugal 6 Center for Innovative Care and Health Technology, Leiria, Portugal 7 Escola Superior de Saúde de Leiria, Politécnico de Leiria, Leiria, Portugal
Autor de correspondência Pedro Miguel Lopes de Sousa E-mail: pmlsousa@esenfc.pt
Recebido: 31.03.20 Aceite: 02.09.20
Resumen Marco contextual: El área de la salud se ha adaptado al uso de la tecnología y la ha utilizado como aliada relevante en los programas de monitorización y prevención de la obesidad y los problemas asociados. Objetivo: Evaluar la aceptación del programa terapéutico electrónico TeenPower en adolescentes. Metodología: Estudio mixto secuencial realizado en 47 estudiantes de 6.º a 8.º año de escolaridad en Portugal. En la primera fase se reunieron datos mediante un cuestionario que incluía datos sociodemográficos, cuestionario de aceptación, elecciones de alimentos, (in)satisfacción con la imagen corporal, perfil del estilo de vida y alfabetización electrónica en materia de salud. La segunda fase incluyó una sesión interactiva en línea con un foro de debate, seguida de un análisis del contenido de Bardin. Resultados: La aceptación del programa TeenPower por parte de los adolescentes presenta un valor positivo promedio en los 4 factores evaluados por la escala. También se constató que la alfabetización electrónica en materia de salud se relaciona positivamente con la percepción de la utilidad del TeenPower. Conclusión: La aceptación favorable de los programas terapéuticos electrónicos puede permitir la innovación y la mejora en la prevención de la obesidad, respondiendo así eficazmente a las expectativas y necesidades de los adolescentes. Palabras clave: obesidad; adolescente; eHealth; salud escolar Como citar este artigo: Sousa, P. M., Ferreira, I. M., Filipe, M. J., Guerra, P. M., Ferreira, R. A., Lages, M. C., & Dixe, M. A. (2020). Aceitação de um programa mHealth para prevenção da obesidade em adolescentes: estudo misto sequencial. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20039. doi:10.12707/RV20039
Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20039 DOI: 10.12707/RV20039
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Sousa, P. M. et al.
Introdução O aumento exponencial da prevalência de excesso de peso e obesidade em crianças e adolescentes tem sido uma preocupação mundial, tendo a prevalência aumentado cerca de um terço entre 2014 e 2018. Atualmente, um em cada cinco adolescentes (21%) tem excesso de peso ou obesidade, de acordo os dados do relatório dos comportamentos em saúde de crianças em idade escolar da Organização Mundial da Saúde (OMS; Inchley et al., 2018). Em Portugal, a prevalência de obesidade entre os adolescentes é de 8,7% (Lopes et al., 2017). As graves e múltiplas repercussões desta patologia tornam urgente a necessidade de definir novas estratégias de prevenção. A intervenção através de estratégias de saúde inovadoras, como a utilização de programas e-terapêuticos, baseados no modelo de aceitação da tecnologia de informação em saúde (Health Information Technology Acceptance Model - HITAM; Kim & Park, 2012), focadas na prevenção e alteração de comportamentos nocivos para a saúde dos adolescentes, poderá ser uma abordagem de sucesso. Atualmente, em Portugal, não existem intervenções de e-saúde com validade clínica para adolescentes. As aplicações móveis internacionais que existem com o objetivo de promover comportamentos saudáveis são automatizadas e não são geridas por profissionais de saúde. O programa e-terapêutico TeenPower vem preencher esta lacuna, tendo sido desenvolvido no âmbito de um projeto transdisciplinar de investigação-ação que prevê o desenvolvimento de intervenções inovadoras de promoção de comportamentos saudáveis na adolescência, alicerçado na e-terapia e na metodologia de gestão de caso. O projeto está implementado em Portugal desde 2018 e tem como objetivo capacitar os adolescentes no domínio cognitivo-comportamental, recorrendo a estratégias interativas e de contacto aumentado com a equipa de saúde multidisciplinar (Sousa et al., 2019). Neste artigo, pretende-se avaliar a perceção dos adolescentes quanto à aceitação do TeenPower com base no modelo HITAM, avaliar a relação entre a aceitação do TeenPower e os dados sociodemográficos, cognitivo-comportamentais, estilo de vida e escolhas alimentares dos adolescentes.
Enquadramento As intervenções para prevenir ou reduzir a obesidade em crianças e adolescentes normalmente têm pouco efeito sobre o peso ou o índice de massa corporal (IMC), no entanto, o impacto no tratamento da obesidade a longo prazo ainda não está claro. Uma revisão sistemática da literatura demonstrou que as intervenções escolares baseadas no conceito de e-saúde e que abordam vários comportamentos de risco podem ser eficazes na melhoria dos estilos de vida (Champion et al., 2019). Atualmente, recorre-se ao uso da tecnologia como um importante aliado para a saúde e, em particular, para intervir nos adolescentes com o propósito de monitorizar e de prevenir a obesidade e problemas associados (Sousa et al., 2019). O processo de aceitação da tecnologia pelos adolescentes depende da
própria tecnologia, da sua relevância e interesse para o público-alvo, mas também de questões culturais e económicas que condicionam o acesso a equipamentos e à internet. Por sua vez, o nível de educação e a experiência pessoal dos adolescentes representam fortes critérios para a interpretação que os mesmos fazem sobre a tecnologia (Franco-Aguilar, Alzate-Yepes, Granda-Restrepo, Hincapié-Herrera, & Muñoz-Ramírez, 2018). Uma vez que os adolescentes utilizam as tecnologias para atividades mais relacionadas com jogos, os sistemas de mobile health (mHealth) estão a usar uma experiência rica que inclui jogos para envolver os adolescentes. O objetivo é potenciar mudanças nos hábitos de vida dos adolescentes, centrando-se principalmente na saúde e na educação com o foco concreto na motivação humana e na satisfação de necessidades psicológicas (Reis et al., 2019). A presença da tecnologia no quotidiano gerou uma necessidade de adaptação da área da saúde. A e-saúde inclui todas as aplicações que integram as novas tecnologias da informação e comunicação (TIC) para tratar e cuidar de pessoas contribuindo para a sua capacitação. O TeenPower é um programa e-terapêutico que desenvolveu uma estratégia integrada, criativa e dinâmica de prevenção da obesidade e promoção de comportamentos saudáveis nos adolescentes. Para além da app TeenPower, o programa de intervenção inclui sessões presenciais sobre cinco temáticas: alimentação, atividade física, sono, stress, e relações interpessoais. Para que estas intervenções terapêuticas sejam eficazes, é aconselhável que tenham por base modelos de alteração comportamental. Um dos mais reconhecidos para descrever a aceitação pelo utilizador da tecnologia da informação, e que esteve na base da construção do projeto TeenPower, é o modelo HITAM (Sousa et al., 2019). Este modelo categoriza os fatores que influenciam a intenção comportamental de gerir dados relacionados com a saúde em três domínios: o da saúde, da tecnologia e da informação. No domínio da saúde existem fatores importantes como o estado e a crença na saúde. No domínio da informação destacam-se as normas subjetivas, como a pressão social. No domínio da tecnologia, a usabilidade percebida é afetada pela fiabilidade nas tecnologias de informação em saúde, que também afeta a facilidade de uso percebida. Os fatores-chave identificados nos três domínios são os fatores preditores que caracterizam o HITAM (Sousa et al., 2019).
Questões de investigação Existe aceitação positiva do TeenPower com base no modelo de aceitação da tecnologia de informação em saúde? Existe uma correlação entre a aceitação do TeenPower e os dados cognitivo-comportamentais, estilo de vida e escolhas alimentares dos adolescentes? Existem diferenças na aceitação do programa TeenPower em função do sexo e IMC?
Metodologia Trata-se de um estudo misto sequencial, com uma amostra não probabilística de 47 alunos de escolas da zona centro e Alentejo de Portugal que participaram em ambas as fases
Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20039 DOI: 10.12707/RV20039
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Sousa, P. M. et al.
do estudo misto. Todos os participantes do programa TeenPower respeitaram os seguintes critérios de inclusão: adolescentes entre 12 e 16 anos, a frequentar o 6º, 7º ou 8º ano de escolaridade em três agrupamentos escolares selecionados na zona centro e Alentejo de Portugal, que aceitaram pertencer ao estudo mediante consentimento e autorização dos seus responsáveis legais, e utilizavam o programa e-terapêutico TeenPower; e os seguintes critérios de exclusão: incapacidade de comunicar por escrito e a presença de limitações cognitivas graves. Estes indivíduos foram convidados a participar no presente estudo através de e-mail. O protocolo de intervenção do programa TeenPower foi já previamente publicado (Sousa et al., 2019). No presente estudo, a recolha de dados decorreu entre outubro de 2018 e abril de 2019. A primeira fase de recolha de dados foi realizada através de um questionário online. Para avaliar a perceção dos adolescentes quanto à aceitação do TeenPower com base no HITAM foi utilizado o Questionário de Aceitação do TeenPower, composto por 22 itens respondidos de acordo com uma escala do tipo Likert de 5 pontos. Quanto mais elevada for a pontuação final, melhor é a aceitação. Este instrumento apresenta quatro fatores: Utilidade percebida; Facilidade de uso percebida; Atitude face ao TeenPower; Intenção comportamental. Para permitir a avaliação da relação entre a aceitação e os dados sociodemográficos foi realizado um questionário constituído por dados sociodemográficos. Os dados do IMC ajustado à idade e sexo foram calculados com base nas curvas de desenvolvimento da OMS, de acordo com os dados antropométricos avaliados pelos professores de educação física. As versões portuguesas da Escala de Insatisfação com a imagem corporal (Stunkard, Sørensen, & Schulsinger, 1983) e Escala de e-Literacia em Saúde (Norman & Skinner, 2006) foram utilizadas para recolha dos dados que permitissem efetuar a análise da relação entre a aceitação do TeenPower e os dados cognitivo-comportamentais. A insatisfação com a imagem corporal é avaliada através de uma sequência de sete silhuetas femininas ou masculinas, desenvolvidas para ilustrar o peso corporal, variando da menos volumosa para a mais volumosa. Foi pedido ao participante que selecionasse o número da silhueta que considerava mais parecida consigo (imagem corporal real), e o número da silhueta que gostaria de ter (imagem corporal ideal), sendo a discrepância entre os valores utilizada como indicador da (in)satisfação com a imagem corporal. Valores negativos indicavam desejo de ganhar peso e valores positivos desejo de perder peso (Coelho, Padez, Moreira, Rosado, & Mourão-Carvalhal, 2013). A Escala de e-Literacia em Saúde, baseia-se na perceção dos indivíduos relativamente às suas próprias competências e conhecimentos em cada um dos domínios avaliados da e-literacia em saúde. É composta por 10 itens, mas apenas oito itens fazem parte da escala. A pontuação vai de 1 a 5, e quanto maiores são os níveis de e-literacia em saúde, maior é a pontuação obtida (Norman & Skinner, 2006; Tomás, Queirós, & Ferreira, 2014). Para a avaliação da relação entre a aceitação do TeenPower e as escolhas alimentares dos adolescentes utilizou-se a versão portuguesa da escala
Escolhas alimentares, constituída por 26 questões, cuja resposta vai de concordo totalmente a discordo totalmente. É estruturada em cinco fatores: Satisfação corporal/controlo de peso; Preocupações éticas; Conveniência; Qualidades sensitivas; Humor. Para cada fator é calculada a média que varia entre -2 e 2, sendo que quanto maior o resultado, maior será a sua influência nas opções alimentares (Pereira, Silva, & Sá, 2015). Para avaliar a relação entre a aceitação do TeenPower e o estilo de vida foi utilizado o Perfil do Estilo de Vida do Adolescente (ALP), que mede a frequência de comportamentos de promoção da saúde. A versão portuguesa do ALP é constituída por 36 itens com pergunta de resposta do tipo Likert de 4 pontos, estruturado em sete fatores: Responsabilidade em Saúde; Atividade Física; Nutrição; Perspetiva de Vida Positiva; Relações interpessoais; Gestão do Stress; Saúde Espiritual. Uma pontuação alta refere-se a um estilo de vida mais saudável (Sousa, Gaspar, Fonseca, Hendricks, & Murdaugh, 2015). Todos os instrumentos utilizados estão validados para a população de adolescentes em Portugal, exceto o Questionário de Aceitação do TeenPower, que se encontra ainda em fase de validação preliminar. Na segunda fase, foi realizada uma sessão interativa online (fórum de discussão em grupo privado no Facebook) para discutir os tópicos: 1) experiências prévias em programas de promoção da saúde; 2) utilização de tecnologias em programas de promoção da saúde; 3) monitorização da saúde através de aplicações móveis; 4) comunicação com profissionais de saúde através de aplicações móveis e 5) balanço global do projeto TeenPower e sugestões de melhoria. As questões foram colocadas por escrito no fórum de discussão, sendo os investigadores os moderadores da discussão. As questões foram colocadas de forma sequencial com os moderadores a procurar que os adolescentes aprofundassem e fundamentassem as suas opiniões. Cada grupo de discussão durou cerca de duas semanas. O tratamento da informação foi feito com base na técnica de análise de conteúdo de Bardin, nas suas três fases: pré-análise, exploração do material e tratamento, e inferência e interpretação dos resultados (Bardin, 2016). Em relação à validade interna foi estabelecida uma estrutura teórica baseada na literatura, utilizando um conjunto de categorias e critérios claros para a análise dos dados. Quanto à validade externa foram estabelecidas as seguintes ações: a) critérios claros de seleção de casos; b) utilização de múltiplos casos; e c) comparação entre resultados da investigação e teoria (Castro & Rezende, 2018). O estudo mereceu a autorização da realização do inquérito pelo Ministério da Educação (número de registo 0254300004) e a aprovação da Comissão Nacional de Proteção de Dados (nº11465/2017 de 12 de outubro), tendo sido obtido consentimento dos responsáveis legais e dos adolescentes para participar no estudo. Os dados quantitativos foram analisados com recurso ao software de análise estatística IBM SPSS Statistics, versão 23.0 e submetidos a técnicas de análise de estatística descritiva e de estatística inferencial (teste do coeficiente de correlação de Spearman, e teste U de Mann-Whitney, dada a não normalidade da sua distribuição). Todas as opiniões
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Sousa, P. M. et al.
dos alunos colocadas no fórum de discussão online (fase 2) foram alvo de análise de conteúdo com a seleção das unidades de registo, codificação e categorização.
Resultados Dos 47 adolescentes participantes, 27 (57,4%) eram do sexo feminino e 20 (42,6%) do sexo masculino, com uma média de idades de 12,93 ± 1,11 anos. O número médio de membros por agregado familiar era de 3,93±1,32, sendo que 20,0% da amostra morava em zonas rurais, 53,3% em zonas urbanas e 26,7% em zonas suburbanas. Apenas foi possível calcular o IMC ajustado à idade e sexo para 12 dos adolescentes em estudo, uma vez que os restantes não apresentavam todos os dados antropométricos necessários. Dos
adolescentes avaliados, 58,3% foram quantificados como detentores de um IMC saudável e 41,7% como não saudável. Relativamente aos dados cognitivo-comportamentais, verificou-se a existência de uma reduzida, mas positiva, insatisfação média com a imagem corporal (0,19 ± 0,83), o que indica um ligeiro desejo de perda de peso. Os valores médios da e-literacia em saúde (3,23 ± 0,61) indicam um bom nível de competências na procura e interpretação de informação digital de saúde (Tabela 1). As várias dimensões do perfil do estilo de vida apresentaram, na sua maioria, índices médios entre 2,33 e 3,36, com exceção para a subescala de Saúde Espiritual, que apresentou a média mais baixa (1,95 ± 0,86). Em relação às escolhas alimentares dos adolescentes, é de destacar o facto de todos os seus indicadores apresentarem índices médios baixos, especialmente a escolha de alimentos pela sua Conveniência (0,21).
Tabela 1 Caracterização da amostra segundo os dados cognitivo-comportamentais, estilo de vida e escolhas alimentares Dados cognitivo-comportamentais e-Literacia em Saúde Insatisfação com a imagem corporal Estilo de Vida Responsabilidade em Saúde Atividade Física Nutrição Perspetiva de Vida Positiva Relações interpessoais Gestão do Stress Saúde Espiritual Índice total do Estilo de Vida Escolhas alimentares Satisfação corporal & Controlo de peso Preocupações éticas Conveniência Qualidades sensitivas Humor
M
DP
Min
Max
3,23 0,19
0,61 0,83
2,13 -1,00
4,13 2,00
2,33 2,57 2,91 3,37 3,17 3,23 1,95 2,76
0,59 0,75 0,50 0,57 0,35 0,48 0,86 0,34
1,50 1,20 1,86 2,50 2,50 2,60 1,00 2,25
3,33 3,80 3,57 4,00 4,00 3,80 3,20 3,44
0,67 0,63 0,21 0,89 0,69
0,58 0,75 0,63 0,73 0,74
-0,83 -0,67 -1,20 -0,50 -0,67
1,33 2,00 1,40 2,00 2,00
Nota. M = média; DP = desvio-padrão; Min = mínimo; Max = máximo.
Os resultados referentes à aceitação do programa e-terapêutico TeenPower encontram-se sintetizados na Tabela 2.
Verificou-se que as médias ponderadas de todas as dimensões e indicadores eram superiores ao valor da mediana.
Tabela 2 Aceitação do programa TeenPower: estatística descritiva M
DP
Min
Max
3,90
0,72
1,50
5,00
Considero útil utilizar o TeenPower para ter uma vida mais saudável
4,21
0,86
1,00
5,00
A informação apresentada no TeenPower é pertinente
4,23
0,63
3,00
5,00
Perceção de utilidade
Com o TeenPower melhorei a minha capacidade para ter uma vida saudável
3,66
1,09
1,00
5,00
Considero útil utilizar o TeenPower para participar em discussões com colegas sobre temas de saúde
3,55
1,10
1,00
5,00
Considero útil utilizar o TeenPower para participar em discussões com profissionais de saúde e professores sobre temas de saúde
3,85
1,29
1,00
5,00
No TeenPower rapidamente encontro a informação que quero
3,87
1,01
1,00
5,00
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Sousa, P. M. et al. Perceção de facilidade
4,10
0,72
1,75
5,00
O TeenPower é fácil de utilizar
4,26
1,05
1,00
5,00
No TeenPower encontro com facilidade a informação que quero
3,79
0,88
1,00
5,00
É fácil iniciar a sessão no TeenPower
4,00
1,20
1,00
5,00
É fácil aceder às mensagens no TeenPower
4,15
0,86
1,00
5,00
É fácil comunicar com os profissionais de saúde no TeenPower
4,11
0,76
3,00
5,00
Sempre que pretendi o TeenPower estava acessível
4,00
0,96
1,00
5,00
O uso da aplicação TeenPower é simples
4,23
0,79
1,00
5,00
A informação usada no TeenPower é clara
4,28
1,06
1,00
5,00
3,92
0,77
1,40
5,00
Gosto de utilizar o TeenPower
3,94
0,97
1,00
5,00
Usar o TeenPower é agradável
4,04
0,86
1,00
5,00
Usar o TeenPower é estimulante
3,81
0,99
1,00
5,00
O TeenPower usa-se de forma intuitiva
3,89
0,89
1,00
5,00
Considero proveitoso o tempo despendido a utilizar o TeenPower
3,89
0,96
1,00
5,00
3,74
0,87
1,00
5,00
Pretendo continuar a utilizar o TeenPower no futuro
3,72
1,02
1,00
5,00
Estou disposto a utilizar o TeenPower no meu dia-a-dia
3,64
0,99
1,00
5,00
Pretendo continuar a utilizar o TeenPower para monitorizar a minha saúde
3,85
1,04
1,00
5,00
Atitude face ao TeenPower
Intenção comportamental
Nota. M = média; DP = desvio-padrão; Min = mínimo; Max = máximo.
Foi também analisada a relação dos dados sociodemográficos, cognitivo-comportamentais, estilo de vida e escolhas alimentares, e a aceitação do programa TeenPower (Tabela 3). Verificou-se a existência de uma correlação positiva e estatisticamente significativa entre o índice de e-literacia em saúde e a perceção de utilidade do TeenPower (p = 0,046). Por outro lado, verificou-se uma correlação
negativa com significância marginal, entre a perceção de facilidade do TeenPower e a escolha de alimentos com base no humor (p = 0,053). As restantes variáveis analisadas não apresentaram correlações estatisticamente significativas com as dimensões da aceitação do programa TeenPower (p > 0,05).
Tabela 3 Relação entre a aceitação do programa TeenPower e os dados sociodemográficos, cognitivo-comportamentais, estilo de vida e escolhas alimentares Perceção de utilidade Idade
Perceção de facilidade
Atitude face ao TeenPower
Intenção comportamental
rs
p
rs
p
rs
p
rs
p
0,008
0,955
0,039
0,797
-0,193
0,193
0,082
0,585
Dados cognitivo-comportamentais e-Literacia em Saúde
0,523*
0,046
0,028
0,920
0,051
0,857
0,345
0,208
Insatisfação com a imagem corporal
0,271
0,310
0,234
0,383
-0,174
0,520
0,167
0,538
Estilo de Vida Responsabilidade em Saúde
-0,036
0,898
-0,174
0,536
-0,025
0,928
0,105
0,711
Atividade Física
0,479
0,071
0,246
0,376
0,352
0,199
0,312
0,257
Nutrição
0,053
0,850
0,269
0,333
-0,019
0,946
0,062
0,828
Perspetiva de Vida Positiva
0,449
0,093
0,345
0,208
0,335
0,222
0,269
0,333
Relações Interpessoais
0,070
0,804
-0,190
0,497
-0,027
0,923
0,047
0,867
Gestão de Stress
-0,057
0,840
-0,169
0,548
-0,003
0,992
-0,073
0,795
Saúde Espiritual
-0,192
0,494
-0,151
0,592
-0,266
0,338
-0,164
0,558
Índice total do Estilo de Vida
0,061
0,829
0,076
0,787
0,011
0,969
0,038
0,892
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Sousa, P. M. et al. Escolhas Alimentares Satisfação Corporal & Controlo de Peso
0,165
0,541
-0,028
0,919
-0,151
0,576
-0,098
0,719
Preocupações Éticas
-0,095
0,726
0,019
0,944
-0,305
0,251
-0,244
0,362
Conveniência
0,014
0,958
-0,002
0,996
-0,036
0,894
-0,086
0,752
Qualidades Sensitivas
0,095
0,727
-0,090
0,742
-0,184
0,494
-0,104
0,701
Humor
0,025
0,930
-0,508
0,053
-0,118
0,675
0,000
1,000
Nota. rs = coeficiente de correlação de Spearman; * p < 0,05
As variáveis sexo e IMC (ajustado à idade e sexo) não apresentaram diferenças estatisticamente significativas com as dimensões da aceitação do programa TeenPower. Na Tabela 4 apresentam-se os dados relativos à análise qualitativa dos conteúdos da sessão interativa online, tendo sido identificadas quatro categorias principais: Importância da tecnologia na saúde; Aplicações móveis de saúde; Impacto do programa e Sugestões de melhoria (TeenPower). Foram ainda identificadas as unidades de registo que se associam a cada um dos indicadores de cada categoria. Na categoria da Importância da tecnologia na saúde, é evidente o valor que os adolescentes atribuem à facilidade
de acesso a informações e cuidados de saúde que a app TeenPower lhes faculta. Na categoria do Impacto do programa TeenPower, identificaram-se declarações dos adolescentes associadas à aprendizagem, responsabilização, interatividade, diversão e monitorização do programa. É patente pelos discursos dos adolescentes que participaram na sessão, a relevância que atribuem ao programa TeenPower na promoção e melhoria do seu estado de saúde. Em relação às Sugestões de melhoria, os adolescentes destacaram o desenvolvimento da versão iOS da app TeenPower, assim como a criação de conteúdos mais interativos, como jogos e vídeos focados na alimentação e atividade física.
Tabela 4 Análise de conteúdo das entrevistas/inquéritos online Categorias
Importância da tecnologia na saúde
Aplicações móveis de saúde
Impacto do programa TeenPower
Indicadores
Unidades de registo
Facilidade de acesso à informação
“todos nós temos telemóvel e podemos a toda a hora ver alguma coisa” (P4, fevereiro de 2019) “podemos ter uma maior informação ao nosso dispor.” (P2, fevereiro de 2019)
Ubiquidade da tecnologia
“é uma coisa que nós estamos muito habituados a usar.” (P3, fevereiro de 2019)
Acessibilidade a cuidados de saúde
“as tecnologias são muito importantes porque por vezes não podemos ir ao médico perguntar.” (P5, fevereiro de 2019) “os profissionais de saúde podem-nos ajudar a melhorar vários aspetos da nossa saúde” (P4, fevereiro de 2019)
Acessibilidade
“apps e telemóvel é uma coisa que está presente no nosso dia a dia” (P2, fevereiro de 2019) “nós estamos muito tempo em dispositivos.” (P3, fevereiro de 2019)
Atratividade
“um pouco lentas e chatas” (P2, fevereiro de 2019)
Aprendizagem
“é um projeto muito bom para aprender mais sobre a saúde” (P5, fevereiro de 2019) “Eu gostei de aprender todas as características” (P3, fevereiro de 2019) “ensinar muitas coisas que podem acontecer no nosso futuro” (P7, fevereiro de 2019) “ajuda a aprender . . . exercícios, . . . alimentação”; assim podemos ser mais saudáveis” (P6, fevereiro de 2019)
Responsabilização
“ajudam a conhecer melhor a nossa saúde” (P3, fevereiro de 2019) “achei muito bom pois esta me ajudando muito” (P8, fevereiro de 2019) “Comecei a preocupar-me mais com a saúde” (P3, fevereiro de 2019)
Interatividade
“Gostei do quiz” (P4, fevereiro de 2019) “Gostei mais das aulas interativas” (P5, fevereiro de 2019)
Diversão
“a app ajuda de uma maneira divertida e educativa” (P4, fevereiro de 2019) “é uma aplicação muito boa e as palestras também” (P7, fevereiro de 2019) “muito giro” (P2, fevereiro de 2019)
Monitorização
“ajuda-nos a termos uma alimentação mais equilibrada e desse modo melhorarmos a nossa saúde” (P4, fevereiro de 2019) “como o telemóvel está presente no nosso dia a dia, nós podemos controlar melhor a nossa saúde.” (P6, fevereiro de 2019)
Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20039 DOI: 10.12707/RV20039
6
Sousa, P. M. et al. Sistema operativo Sugestões melhoria (TeenPower)
Interatividade Gamificação Estratégias de empowerment
“[desenvolver] versão IOS” (P2, fevereiro de 2019) “ser um pouco mais interativo.” (P3, fevereiro de 2019) “possibilidade de customização do avatar” (P9, fevereiro de 2019) “criação de jogos” (P4, fevereiro de 2019) “vídeos interativos com exercícios e receitas” (P5, fevereiro de 2019) “sugestões para uma vida saudável” (P7, fevereiro de 2019)
Discussão Apesar do crescente aumento das aplicações móveis em saúde, muitas falham ainda durante o processo de desenvolvimento ou implementação em contexto real. Entre as falhas de implementação, 30% podem ser atribuídas a fatores não técnicos, dos quais o mais significativo é a aceitação insuficiente do utilizador, um fator há muito considerado um obstáculo à adoção bem-sucedida das TIC (Jeon & Park, 2015). Neste estudo em particular, a análise dos resultados quantitativos permitiu verificar que a apreciação global feita pelos adolescentes foi positiva. A intenção de usar as apps mHealth pode ser explicada ou prevista através da utilidade percebida e da facilidade de uso percebida dos utilizadores das mesmas. A acessibilidade das aplicações mHealth, em termos de facilidade de uso, foi citada como um dos principais contribuintes, se não mesmo o principal, da determinação da aceitação destas aplicações (Pan & Zhao, 2018). No estudo de Wu, Wang, e Lin (2007) foi possível verificar que a utilidade percebida e facilidade de uso percebida eram dos fatores específicos que mais contribuíam para a aceitação da utilização dos sistemas móveis de saúde, sendo que estes dados vão ao encontro aos resultados encontrados no presente estudo. No presente estudo, apesar dos adolescentes percecionarem a aplicação como fácil de usar, a sua intenção comportamental, ou seja, a intenção de continuarem a utilizar a aplicação TeenPower, apresenta o valor médio mais baixo. De acordo com Nunes, Limpo, e Castro (2019), quanto mais os jovens percecionam as TIC como fáceis, menos pretendem utilizá-las. Isto poderá estar relacionado com a interpretação que os jovens fazem de facilidade de uso, relacionando-a com a falta de inovação da tecnologia. Como tal, os jovens podem sentir-se menos motivados para utilizar as aplicações móveis de saúde por as considerarem menos desafiadoras e interessantes do que outros tipos de tecnologias de informação e comunicação, conforme demonstrado na avaliação qualitativa: “um pouco lentas e chatas” (P2, fevereiro de 2019). A diversão ou o prazer derivado do uso de uma tecnologia pode estar subjacente à decisão de utilizar esse recurso: “a app ajuda de uma maneira divertida e educativa” (P4, fevereiro de 2019). Foi por isso sugerido que, para além de considerar a perceção de utilidade e a perceção de facilidade, os mais jovens tendem a procurar a inovação ao contemplar o uso de novas aplicações. Na avaliação dos dados qualitativos, as quatro categorias temáticas e identificadores associados foram definidos pela equipa após a análise dos contributos dos adolescentes, não tendo sido seguido nenhum modelo dadas as particularidades da intervenção. É de salientar a importância que os adolescentes dão à tecnologia nas suas vidas e o
facto de reconhecerem o potencial que esta pode ter no acesso aos cuidados de saúde. De acordo com o feedback dos utilizadores, o uso da aplicação poderia ser aumentado, se esta fosse mais interativa e permitisse uma maior personalização. Um estudo destacou estes recursos como importantes para os utilizadores de aplicações móveis, para além de recursos como a função de feedback e as informações personalizadas (Mateo, Granado-Font, Ferré-Grau, & Montaña-Carreras, 2015). Assim, além de desenvolver programas de e-saúde úteis e fáceis de usar, deve ser também dada mais atenção à análise dos requisitos do utilizador para determinar as suas expectativas para o conteúdo das aplicações em saúde. Quando os participantes têm perceções altas na compatibilidade com a sua prática atual há uma maior possibilidade de uma aceitação bem-sucedida do programa. Como limitações do estudo destaca-se a reduzida participação dos adolescentes, o que influenciou o tamanho da amostra. O número de respostas aos questionários pode ter sido reduzido pelo facto de estes terem sido realizados online, ou por o convite para adesão ao grupo nas redes sociais ter sido enviado por e-mail, ao invés de diretamente para a rede social; e ainda pelo facto de alguns e-mails terem sido enviados para os responsáveis legais, e não para os adolescentes. A existência de registos incompletos das medições antropométricas impossibilitou o cálculo do IMC para a totalidade da amostra, inviabilizando assim a extrapolação de conclusões. De salientar que o instrumento de avaliação da aceitação do TeenPower foi desenvolvido pelos investigadores com base em sólida sustentação teórica, mas que se encontra ainda em processo de validação. Como ponto forte do estudo, destaca-se o seu carácter inovador e a contribuição para o conhecimento científico neste domínio, uma vez que existem poucos trabalhos que avaliam uma intervenção e-terapêutica para adolescentes, baseada na gestão de caso.
Conclusão Este estudo permitiu verificar que a maioria dos adolescentes atribuíram uma avaliação positiva em termos de perceção de utilidade, facilidade e atitude em relação ao programa e-terapêutico TeenPower. O programa TeenPower foi ainda avaliado como sendo útil, de fácil utilização e como tendo informação pertinente, que permitiu aos adolescentes assumirem mais responsabilidade pela monitorização da sua saúde. Estes resultados abrem igualmente a oportunidade para que o programa TeenPower seja implementado em outros contextos, como por exemplo, associações, grupos de apoio, ou outras instituições que apoiem os jovens adolescentes. Assim, os resultados deste estudo poderão ser úteis para o plane-
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amento e criação de novos programas e-terapêuticos que se encontrem ajustados às necessidades e interesses dos adolescentes, ou mesmo, para a adequação de programas que já foram implementados. Financiamento Projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (SAICT-POL/23557/2016). Contribuição de autores Conceptualização: Sousa, P. M., Dixe, M. A. Análise formal: Sousa, P. M., Ferreira, I. M., Filipe, M. J., Guerra, P. M., Ferreira, R. A., Dixe, M. A. Aquisição de financiamento: Sousa, P. M., Dixe, M. A. Investigação: Sousa, P. M., Ferreira, I. M., Filipe, M. J., Guerra, P. M., Ferreira, R. A., Dixe, M. A. Metodologia: Sousa, P. M., Dixe, M. A. Administração do projeto: Sousa, P. M., Dixe, M. A. Recursos: Sousa, P. M., Dixe, M. A. Supervisão: Sousa, P. M., Dixe, M. A. Validação: Sousa, P. M., Dixe, M. A. Visualização: Sousa, P. M., Dixe, M. A. Redação - rascunho original: Sousa, P. M., Ferreira, I. M., Filipe, M. J., Guerra, P. M., Ferreira, R. A., Lages, M. C., Dixe, M. A. Redação - análise e edição: Sousa, P. M., Lages, M. C., Dixe, M. A. Referências bibliográficas Bardin, L. (2016). Análise de conteúdo. São Paulo, Brasil: Edições 70. Castro, J. M., & Rezende, S. F. (2018). Validade e confiabilidade de estudos de casos qualitativos em gestão publicados em periódicos nacionais. Revista Organizações em Contexto, 14(28), 29-52. doi:10.15603/1982-8756/ROC.V14N28P29-52 Champion, K. E., Parmenter, B., McGowan, C., Spring, B., Wafford, Q. E., Gardner, L. A., … Mewton, L. (2019). Effectiveness of school-based eHealth interventions to prevent multiple lifestyle risk behaviours among adolescents: A systematic review and meta-analysis. The Lancet Digital Health, 1(5), e206–e221. doi:10.1016/S2589-7500(19)30088-3 Coelho, E. M., Padez, C., Moreira, P., Rosado, V., & Mourão-Carvalhal, I. (2013). BMI and self-perceived body shape in Portuguese children. Revista de Psicologia Del Deporte, 22(2), 371–376. Recuperado de https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=235128058006 Franco-Aguilar, A., Alzate-Yepes, T., Granda-Restrepo, D. M., Hincapié-Herrera, L. M., & Muñoz-Ramírez, L. M. (2018). Validación de material educativo del programa “Niñ@s en Movimiento” para el tratamiento de la obesidad infantil. Revista Facultad Nacional de Salud Pública, 36(3), 110–120. doi:10.17533/udea.rfnsp. v36n3a11 Inchley, J., Currie, D., Budisavljevic, S., Torsheim, T., Jåstad, A., Cosma, A., … Már Arnarsson, Á. (Eds.). (2018). Spotlight on adolescent health and well-being: Findings from the 2017/2018 health behaviour in school-aged children (HBSC) survey in Europe and Canada: International report. Recuperado de https://www. euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0006/442959/Spotlight-on-adolescent-health-and-well-being-HBSC-survey-summary-eng.pdf Jeon, E., & Park, H. A. (2015). Factors affecting acceptance of smart-
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ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Adaptação transcultural brasileira do Resilience Safety Culture Brazilian cross-cultural adaptation of the Resilience Safety Culture Adaptación transcultural brasileña de Resilience Safety Culture
Isabelly Costa Lima Oliveira 1 https://orcid.org/0000-0002-7460-9244 Ítalo Lennon Sales Almeida 2 https://orcid.org/0000-0002-8013-8565 Samia Freitas Aires 3 https://orcid.org/0000-0003-1781-6623 George Jó Bezerra Sousa 2 https://orcid.org/0000-0003-0291-6613 Roberta Menezes Oliveira 4 https://orcid.org/0000-0002-5803-8605 Shérida Karanini Paz de Oliveira 2 https://orcid.org/0000-0003-3902-8046 Rhanna Emanuela Fontenele Lima de Carvalho 2 https://orcid.org/0000-0002-3406-9685
Laboratório Emílio Ribas, Fortaleza, Ceará, Brasil 1
2 Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil
3 Prefeitura Municipal de Fortaleza, Fortaleza, Ceará, Brasil
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil 4
Autor de correspondência Rhanna Emanuela Fontenele Lima Carvalho E-mail: rhannal.lima@uece.br
Recebido: 08.05.20 Aceite: 26.10.20
Resumo Enquadramento: Nos sistemas de saúde, a resiliência institucional refere-se à adaptação dos trabalhadores, de forma a preservar a relação saudável entre a pessoa e o seu trabalho num ambiente com considerável transformação e imprevisibilidade. Objetivo: Realizar a adaptação transcultural da Resilience Safety Culture para o Brasil e para as organizações de saúde. Metodologia: Estudo metodológico, cujo processo de adaptação e validação seguiu 6 etapas. O instrumento foi aplicado a 145 profissionais de saúde num hospital público. Resultados: Na adaptação cultural, os itens foram ajustados conforme análise dos juízes com coeficiente global de validade de conteúdo de 0,95 e consistência interna dos itens 0,91. A análise fatorial confirmatória sugeriu um modelo com índices adequados (X2/dl = 5,315; SRMR = 0,079; TLI = 0,92; CFI = 0,93; RMSEA = 0,019). Conclusão: A versão brasileira foi considerada válida e confiável, com 42 itens dispostos em 10 domínios, divergindo do modelo original. Recomenda-se que a versão adaptada seja utilizada em outras amostras, a fim de averiguar a sua validade e confiabilidade alcançadas neste estudo. Palavras-chave: cultura organizacional; estudo de validação; psicometria; tradução; análise fatorial Abstract Background: In health systems, institutional resilience refers to the workers’ ability to adapt to preserve their healthy relationship with their work in fast-changing and unpredictable environments. Objective: To carry out the cross-cultural adaptation of the Resilience Safety Culture for Brazil and healthcare organizations. Methodology: Methodological study with a six-step adaptation and validation process. The instrument was applied to 145 health professionals in a public hospital. Results: In the cultural adaptation, the items were adjusted based on the expert judges’ analysis with a global content validity index of 0.95 and an internal consistency of 0.91. Confirmatory factor analysis suggested a good-fitting model (X2/dl = 5.315; SRMR = 0.079; TLI = 0.92; CFI = 0.93; RMSEA = 0.019). Conclusion: The Brazilian version proved to be valid and reliable with 42 items arranged in 10 domains, differing from the original model. The adapted version should be used in other samples to verify the validity and reliability achieved in this study. Keywords: organizational culture; validation study; psychometrics; translating; factor analysis, statistical Resumen Marco contextual: En los sistemas de salud, la resiliencia institucional se refiere a la adaptación de los trabajadores para preservar la relación saludable entre la persona y su trabajo en un entorno de considerable transformación e imprevisibilidad. Objetivo: Realizar la adaptación transcultural de la Resilience Safety Culture para Brasil y para las organizaciones de salud. Metodología: Estudio metodológico, cuyo proceso de adaptación y validación siguió 6 etapas. El instrumento se aplicó a 145 profesionales de la salud en un hospital público. Resultados: En la adaptación cultural, los ítems se ajustaron de acuerdo con el análisis de los jueces, con un coeficiente global de validez de contenido de 0,95 y una consistencia interna de los ítems de 0,91. El análisis factorial confirmatorio sugirió un modelo con índices adecuados (X2/dl = 5,315; SRMR = 0,079; TLI = 0,92; CFI = 0,93; RMSEA = 0,019). Conclusión: La versión brasileña se consideró válida y fiable, con 42 artículos dispuestos en 10 dominios, que difieren del modelo original. Se recomienda que la versión adaptada se utilice en otras muestras para verificar la validez y fiabilidad conseguidas en este estudio. Palabras clave: cultura organizacional; estudio de validación, psicometría; traducción; análisis factorial
Como citar este artigo: Oliveira, I. C., Almeida, I. L., Aires, S. F., Sousa, G. J., Oliveira, R. O., Oliveira, S. K. & Carvalho, R. E., (2020). Adaptação transcultural brasileira do Resilience Safety Culture. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20065. doi:10.12707/RV20065
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Introdução
Metodologia
O conceito de segurança do paciente divulgado há mais de duas décadas tem vindo a ser questionado por investigadores, uma vez que este se associa a ausência de dano e implica uma postura reativa das instituições (Braithwaite, Hollnagel, & Hunte, 2019). Assim, em contraste com essa definição, surge o conceito de resiliência nos serviços de saúde, que se baseia nos pontos positivos e nas capacidades e competências dos profissionais que fazem o certo. Quando a resiliência é entendida como uma capacidade, significa que não é um conceito fixo, mas dinâmico, que varia e pode mudar continuamente (Tjoflåt & Hansen, 2019). É nesse sentido que as instituições com altos níveis de resiliência elaboram condutas não apenas para evitar o erro, mas redefinem estratégias para sobrepor-se a este, adotando uma postura de aprendizagem e encorajamento, e não apenas punitiva. Apesar de serem crescentes as investigações sobre cultura de segurança nas instituições de saúde, estudos sobre a resiliência no sistema de saúde ainda são escassas. Os instrumentos utilizados para avaliação de resiliência institucional foram criados para o uso na engenharia, fazendo-se necessária a investigação sobre a resiliência institucional na área da saúde. Face a este contexto, o objetivo do presente estudo foi realizar a adaptação transcultural da Resilience Safety Culture (RSC) para as organizações de saúde.
Trata-se de um estudo metodológico, transversal, de adaptação transcultural e de validação da RSC. Para alcançar o objetivo proposto, o estudo foi desenvolvido a partir das seguintes etapas: adaptação transcultural e validade de conteúdo e análise das propriedades psicométricas. O instrumento RSC contém 66 itens dispostos em 13 domínios: Cultura justa; Gerenciamento das mudanças; Cultura de aprendizagem; Gerenciamento de Risco; Preparação; Flexibilidade; Cultura relatora; Compromisso da gestão; Consciência; Gerenciamento de sistemas de segurança; Investigação de acidentes; Envolvimento da equipa; e Competência (Shirali et al., 2018). As respostas estão dispostas numa escala do tipo Likert de 5 pontos, na qual as respostas variam entre: (A) discorda totalmente, (B) discorda parcialmente, (C) concorda parcialmente, (D) concorda totalmente e (E) não se aplica. Antes de iniciar o estudo foi solicitada a autorização do autor da escala, que consentiu a adaptação transcultural para a área da saúde e para o português do Brasil. Para a adaptação transcultural da versão original para o contexto de saúde brasileiro, seguiu-se o processo proposto por Beaton, Bombardier, Guilemin, e Ferraz (2000). Na tradução inicial, dois tradutores independentes bilingues do idioma original, inglês, realizaram a tradução do instrumento para o idioma de destino, português do Brasil, cada um produziu uma versão, em separado, denominada T1 e T2. O tradutor (T1) era licenciado em letras (português/inglês) e não conhecia o constructo estudado. O tradutor (T2) era profissional da área da saúde com experiência em tradução de instrumentos. A síntese das traduções foi realizada pelos investigadores com o objetivo de obter uma versão única das duas traduções, tendo essa versão sido aprovada pelo tradutor profissional de saúde (T2), e sido denominada ST12. Na retrotradução, ou backtranslation, a versão ST12 foi traduzida do idioma português novamente para o inglês, por outros dois tradutores independentes e nativos na língua original do instrumento, mas que não conheciam o constructo estudado. Cada tradutor dessa etapa produziu uma versão designada como BT1 e BT2. No final, uma versão síntese denominada BT12 foi realizada por um novo tradutor bilingue e não nativo. Após a retrotradução, as sínteses do material produzido, ST12 e BT12, foram encaminhadas para um comité de especialistas/juízes, formado por 10 profissionais de saúde, de diferentes regiões do país, com experiência nas temáticas: cultura de segurança e adaptação transcultural de instrumentos na saúde. Para a definição do número de juízes seguiu-se a orientação de Lynn (1986), que recomenda um mínimo de cinco e um máximo de 10 pessoas a participar neste processo. Os especialistas receberam um questionário através de correio eletrónico, e avaliaram as equivalências semânticas, idiomáticas, conceptuais e culturais do instrumento. A validade de conteúdo foi realizada através do índice de validade de conteúdo (IVC), cujos valores adequados devem ser ≥ 0,8 (Alexandre & Coluci, 2011) e por último,
Enquadramento A resiliência ressoa no momento atual da história, em que diversas situações, incluindo, entre outras, pandemias e distúrbios financeiros, tornaram-se parte das nossas expectativas, exigindo a capacidade de antecipar, adaptar-se a ambientes de mudanças incertas e potencialmente rápidas (Coze, 2019). O termo resiliência institucional tem origem na engenharia de resiliência e é definido como uma nova direção para manter a segurança em sistemas complexos (Braithwaite et al., 2019). Refere-se à adaptação dos trabalhadores, de forma a preservar a relação saudável entre a pessoa e o seu trabalho num ambiente com considerável transformação e imprevisibilidade, como a área da saúde. A resiliência é um constructo que pode ser avaliado e a RSC é uma escala desenvolvida com base nas dimensões da cultura de segurança e da engenharia de resiliência (Shirali, Shekari, & Angali, 2018). No entanto, é um instrumento desenvolvido para as engenharias e não foram identificados instrumentos direcionados para a área da saúde. Assim, com o intuito de disponibilizar um instrumento válido e confiável para a avaliação da resiliência institucional, o presente estudo teve como objetivo adaptar para o Brasil e para as instituições de saúde o instrumento RSC. Este instrumento foi escolhido por apresentar boas propriedades psicométricas (KMO = 0.88; X² = 9951; p < 0,001) e alfa de Cronbach de 0,94, demonstrando consistência interna entre os itens e boas correlações entre os domínios (Shirali et al., 2018).
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os especialistas acrescentaram considerações e sugestões na formulação dos itens. A etapa seguinte foi o pré-teste com o público-alvo, profissionais de saúde de um hospital terciário de referência em transplantes, neurocirurgias e tratamento clínico especializado no estado do Ceará. Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: estar a trabalhar há, pelo menos, 6 meses no setor e trabalhar, no mínimo, 20 horas semanais no local. Do estudo, foram excluídos os profissionais que, na ocasião da colheita de dados, estavam de férias, de licença ou afastados. Esta etapa realizou-se com 13 profissionais de saúde (três fisioterapeutas, três enfermeiros, duas técnicas de enfermagem, dois farmacêuticos, duas fonoaudiólogas e uma terapeuta ocupacional). O processo de validação, realizado pelos profissionais foi conduzido até à ausência de novas recomendações. Este critério foi seguido para determinar a quantidade de profissionais incluídos neste estudo. Para avaliar as propriedades psicométricas do instrumento validado aplicou-se o instrumento a 145 profissionais de saúde. A seleção da amostra seguiu um processo de amostragem não-probabilística por conveniência, onde os profissionais eram convidados a participar no estudo e selecionados de acordo com os mesmos critérios de inclusão e exclusão da etapa do pré-teste. Uma amostra de, no mínimo, 100 respondentes é suficiente para realizar análise fatorial (Hair, William, Babin, & Anderson, 2009). A confiabilidade do instrumento foi mensurada através do alfa de Cronbach, que avalia a consistência interna dos itens, sendo considerados valores aceitáveis acima de 0,70 (Taber, 2018). A validade de constructo foi mensurada por meio da análise fatorial exploratória (AFE) e análise fatorial confirmatória (AFC). Inicialmente, para verificar a adequação da amostra foram realizados os testes de Kaiser-Meyer-Oklin (significativo quando KMO acima de 0,6) e o teste de esfericidade de Bartlett (valor significativo de p). Na AFE, foi realizada a análise dos componentes principais, com rotação da matriz de componentes pelo método Varimax e retenção dos itens com cargas fatoriais acima de 0,5 (Hair et al., 2009). Na AFC foram avaliados os seguintes índices: (a) o valor de Qui-quadrado (X²) sobre o grau de liberdade (gl), considerado aceitável quando o valor é inferior a 5,00 (b) raiz do erro quadrado médio de aproximação (root mean square error of approximation - RMSEA), no qual valores inferiores a 0,05 sugerem um bom ajuste do modelo; (c) raiz padronizada do quadrado médio residual (standardized root mean square residual - SRMR), cujo valor de corte é 0,08 e quanto mais próximo de zero, melhor o ajuste do modelo; e (d) índice de comparação (comparative fit index - CFI) e o índice de Tucker-Lewis (Tucker-Lewis Index - TLI), cujos valores recomendados são acima de 0,90 (Hair et al., 2009). Os dados foram organizados e processados no software IBM SPSS Statistics, versão 19.0, e a análise fatorial com o software R, uso do pacote Lavaan. O estudo foi aprovado pelo Comité de Ética e Pesquisa do Hospital Geral
de Fortaleza e obteve o parecer favorável nº 2.674. 967, CAEE: 85929618.5.3001.5040. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento e o anonimato foi garantido.
Resultados Depois de solicitada a autorização para a adaptação transcultural do instrumento para o Brasil, o processo de tradução e adaptação do instrumento foi realizado em 12 meses. As fases de tradução e retrotradução duraram 4 meses. De seguida, ocorreu a validação de conteúdo com os especialistas e a aplicação do instrumento com avaliação das propriedades psicométricas. O comité de especialistas foi composto quase na sua totalidade por participantes do sexo feminino, com idade média de 41 anos, predominantemente enfermeiros, porém, foi possível contar com a contribuição de uma médica e uma nutricionista. Os profissionais exerciam função em instituições de ensino e de saúde públicas e privadas, das regiões nordeste, sudeste e centro-oeste do país. Quanto à análise de conteúdo dos itens, o instrumento obteve um índice de validação de conteúdo de 0,95 para o instrumento total e valores que variaram entre 0,80 a 1 para cada item. Constatou-se que 21 (31,8%) dos 66 itens obtiveram índice de concordância 1,0. Entre os itens que receberam menor índice de concordância estão os itens 29, 45, 55 e 56. Quanto ao título do instrumento, durante o processo de tradução o mesmo foi traduzido para português do Brasil, Questionário de Cultura de Segurança Resiliente, porém, o comité de juízes sugeriu manter o nome do instrumento na versão original Resilience Safety Culture - RSC, acrescentando versão brasileira, para facilitar a procura do mesmo nas bases de dados. Outra modificação solicitada junto do comité de especialistas diz respeito ao cabeçalho do instrumento, ao modificar a frase: “pensando na sua “unidade” como local de trabalho que você passa a maior parte do seu tempo” para “pensando na unidade em que você trabalha a maior parte do tempo”. No item 8, foi sugerido acrescentar a definição de “Gestão da mudança” no início do questionário e, assim como no item 45, foram acrescentados exemplos a fim de dar uma conotação mais prática do item. O termo “relatar” foi padronizado como “notificar”, pois o relato não implica necessariamente a notificação, e não é suficiente para registo, análise e tomada de medidas preventivas. No item 14, foi sugerido acrescentar a definição utilizada pela Organização Mundial da Saúde de “incidentes e falhas” no início do questionário, e no item, ao invés de utilizar a palavra “erro”, utilizar “incidentes e falhas” (WHO, 2009). As demais alterações estão relacionadas com a composição das frases, correções de grafias ou gramaticais. As modificações sugeridas pelo comité de especialistas estão descritas na Tabela 1, que apresenta a versão original e a versão do item após considerações dos especialistas assim como também o índice de validade de conteúdo do item.
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Tabela 1 Modificações nos itens segundo comité de especialistas (n = 10) Itens
Versão original
Versão final após sugestões dos juízes
IVC item
Título
Resilience Safety Culture (RSC)
Resilience Safety Culture (RSC) versão brasileira
1,0
Please answer the following items with respect to your specific unit. Choose your responses using the scale below:
Por favor, responda os itens a seguir pensando na unidade em que você trabalha a maior parte do tempo. Use a escala a seguir para responder aos itens:
1,0
I believe the management of change was performed in my workplace as well
Eu acredito que no meu local de trabalho haja gestão das mudanças. (Por exemplo, ao ser inserida uma nova tecnologia na unidade a equipe é devidamente treinada).
0,95
I can report near misses without concern and fear.
Posso notificar “near miss” ou “quase erro” sem preocupação e medo.
0,85
30
Incidents that occur in the company have always been reported.
Incidentes que ocorrem na unidade sempre são notificados.
0,97
45
In a major emergency condition for important decision making (such as stopping production), permission from my supervisor is necessary.
Numa condição de emergência, na qual preciso tomar uma decisão (como por exemplo, interromper a assistência), preciso da permissão do meu supervisor.
0,85
55
Administrative paperwork influences my workplace’s safety/resilience
As normas, rotinas, procedimentos e protocolos influenciam na segurança/resiliência do meu local de trabalho
0,80
56
Information about the flaws and shortcomings of the system must be reported to the competent people of the organization.
As informações sobre falhas e deficiências do sistema de trabalho devem ser reportadas às pessoas responsáveis na organização.
0,82
8
29
Nota. IVC = índice de validade de conteúdo.
Para a análise das propriedades psicométricas o questionário foi preenchido por 145 profissionais de saúde, na sua maioria do sexo feminino (84,8%),
com média de idade de 33 anos. A Tabela 2 apresenta as características dos profissionais participantes no estudo.
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Tabela 2 Perfil da amostra na validação clínica (n = 145) Variáveis
n
(%)
Sexo
Masculino Feminino
22 123
15,2 84,8
Faixa etária
18-40 41-60
113 32
77,9 22,1
Tempo de Experiência
7 a 11 meses 1 a 4 anos 5 a 10 anos 11 a 20 anos 21 anos ou mais
26 53 50 9 7
17,9 36,6 34,5 6,2 4,8
Vínculo de Emprego
Estatal Vínculo sem carteira assinada Vínculo com carteira assinada
20 119 6
13,8 82,1 4,1
Carga horária semanal de serviço
20 horas semanais 21 a 39 horas 40 a 59 horas 60 a 79 horas 80 horas por semana ou mais
8 79 35 17 6
5,5 54,5 24,1 11,7 4,1
Categoria profissional
Médico Médico residente Enfermeiro Técnico de enfermagem Farmacêutico Nutricionista Fisioterapeuta Terapeuta Ocupacional Fonoaudiólogo Assistente social
8 3 49 51 3 2 23 2 2 2
5,5 2,1 33,8 35,2 2,1 1,4 15,9 1,4 1,4 1,4
Título Académico
Técnico Graduação Especialização Mestrado Doutorado
51 16 71 5 2
35,2 11,0 49,0 3,4 1,4
A avaliação do alfa de Cronbach geral da RSC versão brasileira foi de 0,91. Na avaliação por domínio, identificou-se que quatro domínios alcançaram alfa acima de 0,70. O domínio Competências foi o que apresentou a melhor consistência interna (0,80). E três domínios, Consciência
(0,31), Envolvimento da equipa (0,33) e Gerenciamento de sistemas de segurança (0,48) apresentaram valores inferiores aos índices preconizados. A Tabela 3 apresenta a descrição dos valores obtidos no questionário geral e por domínios.
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Tabela 3 Consistência interna do questionário e dos dominíos da RSC versão brasileira Domínios da Resilience Safety Culture (RSC)
Nº itens
Itens
Alfa de Cronbach
RSC versão brasileira
0,94
Gerenciamento das mudanças
6
1,2,3,4,5,6
0,69
Cultura justa
7
17,18,20,21,22,23,24
0,79
Cultura de aprendizagem
6
57,58,59,60,61,62
0,72
Gerenciamento de risco
5
9,11,12,15,16
0,67
Preparação
4
49,50,51,53
0,70
Flexibilidade
6
33,42,44,45,46,47
0,66
Cultura relatora
4
25,29,30,31
0,63
Compromisso da gestão
6
34,35,36,37,38,40
0,76
Consciência
3
41,43,48
0,31
Gerenciamento de sistemas de segurança
3
52,54,56
0,48
Investigação de acidentes
3
10,13,14
0,61
Envolvimento da equipa
3
27,28,32
0,33
Competência
3
63,64,66
0,80
Itens sem domínio
7
7,8,19,26,39,55,65
0,59
O valor de KMO foi de 0,81 e no teste de esfericidade de Bartlett, o valor de X² foi 5987,6; gl = 2145 e p < 0,000. Portanto, tais resultados, revelam que a amostra é adequada para análise fatorial. Na AFE, para extração dos fatores foi utilizada análise de componentes principais. Evidenciaram-se 13 componentes que explicaram 60,7% da variância total assumida por
cada fator, sendo que 23,4% foram explicadas no primeiro fator. A matriz de correlação foi rotacionada pelo método ortogonal Varimax, usando os 66 itens que identificaram as cargas nos seus devidos fatores. Observou-se que, para cada fator, houve agrupamento de itens de diversos domínios da escala original. Os agrupamentos dos itens nos componentes são apresentados na Tabela 4.
Tabela 4 Resultado da matriz de rotação dos componentes Fatores
Itens
1
Cultura Justa (itens 21,23,24), Flexibilidade (item 44) e Cultura Relatora (item 25)
2
Todos os itens do domínio Competência (itens 63,64,66), Cultura de Aprendizagem (item 62) e 1 item que não pertencia a nenhum domínio na escala original (item 65)
3
Todos os itens do domínio Investigação de Acidentes (itens 10,13,14) e Gerenciamento de Risco (itens 11,15)
4
Preparação (itens 50,51,53) e Sistema de Gerenciamento da Segurança (item 52)
5
Compromisso da Gestão (itens 38,40), Gerenciamento de Riscos (item 16) e itens que não pertenciam a nenhum domínio (itens 39,28)
6
Cultura Relatora (item 35), Flexibilidade (item 33) e Cultura Justa (item 20)
7
Gestão da Mudança (itens 1,2,4) e 1 item não pertencente a um domínio (item 8)
8
Flexibilidade (item 42) e 1 não pertencente a um domínio (item 19)
9
Cultura de Aprendizagem (itens 57,58) e Cultura Relatora (item 34)
10
Cultura Justa (itens 17,18) e Sistema de Gerenciamento Seguro (item 56)
11
Um item que não pertencia a nenhum domínio (item 26)
12
Um item do domínio Preparação (item 48)
13
Um item do domínio Flexibilidade (item 45)
Na AFC, realizou-se a especificação de três modelos de equações estruturais (SEM), na tentativa de verificar o modelo de ajuste mais adequado nos critérios teóricos e metodológicos. O primeiro modelo contempla todos
os itens da RSC versão brasileira, independentemente da carga fatorial, agrupando todas as cargas em apenas um fator, considerando a escala unidimensional devido à variância explicada do primeiro fator em relação aos
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demais. Este modelo, apesar de apresentar um valor de RMSEA satisfatório (0,017), os demais índices SRMR e CFI, TLI (0,093, 0,922 e 0,919, respectivamente) foram insuficientes para adequar o modelo. O segundo modelo contempla apenas os itens com carga fatorial acima de 0,5, novamente todas as cargas em apenas um único fator. O segundo modelo, por sua vez, ao contrário do primeiro, apresentou índices insuficientes no X²/gl e no RMSEA (12,2 e 0,032, respetivamente). O terceiro modelo origina-se na AFE, elencando cargas fatoriais acima de 0,5. Inicialmente, foram propostos 13 componentes seguindo o modelo do instrumento original,
porém, os fatores 11, 12 e 13 saturaram com apenas um item no componente, o que tornou inviável a estimação do modelo. Portanto, para solucionar este impedimento, foi necessário realocar os itens de acordo com a literatura pertinente. O item 48 foi alocado no fator 4, o item 26 foi alocado no fator 5 e o item 45 foi alocado no fator 8. O último modelo testado apresentou valores adequados em todos os índices, aproximando-se dos valores obtidos na escala original. Este foi o modelo escolhido como sugestão para a versão adaptada da RSC para português do Brasil e para a área da saúde. Os dados relativos às modelagens na AFC são apresentados na Tabela 5.
Tabela 5 Resumo dos resultados da AFC para os 3 modelos e os índices de ajuste X²/d.l*
+SRMR
±TLI
±CFI
+RMSEA
1 º Modelo
5,84
0,093
0,919
0,922
0,017
2º Modelo
12,2
0,073
0,931
0,938
0,032
3º Modelo
5,31
0,079
0,928
0,935
0,019
Nota. SRMS = Standardized Root Mean Square Residual; TLI = Tucker Lewis Index; CFI = Comparative Fit Index; RMSEA = Root Mean Square Error of Approximation. Valores de referência: * X²/d.l: abaixo de 5,00; +SRMR e RMSEA: abaixo de 0,08; ±TLI e CFI: acima de 0,9.
Discussão A utilização de um instrumento, tanto no idioma de origem como num ambiente distinto ao de origem requer um processo de tradução e adaptação transcultural para constatar as equivalências necessárias, e permitir a aplicação de uma escala confiável, que mantém as mesmas características da original. Portanto, no processo de adaptação transcultural do instrumento RSC a composição do grupo de especialistas de diferentes regiões do Brasil, multiprofissional com vasta formação e experiência na temática, contribuiu para a obtenção de uma avaliação integral, criteriosa e de credibilidade do instrumento. Essa diversificação regional dos especialistas é fundamental em estudos desta natureza, devido à heterogeneidade da população brasileira, que utiliza variados termos regionais, os quais podem não ser conhecidos no restante país. Além disso, a formação e a experiência profissional dos especialistas com a temática abordada possibilitam maior legitimidade ao processo (Arthur et al., 2018). Tendo em conta as modificações sugeridas pelos especialistas, foi acrescentada a definição de “gestão da mudança”, palavra não usual no ambiente da saúde, e “incidente” no início do instrumento. O termo “gestão da mudança” refere-se à forma como orientamos, preparamos, equipamos e apoiamos indivíduos para adotarem mudanças com sucesso. As práticas de gestão da mudança são intervenções organizacionais que facilitam a promulgação de mudanças e, quando utilizadas no âmbito da saúde, podem auxiliar a gestão na inserção de novas tecnologias, rotinas ou procedimentos (Machado & Neiva, 2017). Quanto ao termo “incidentes”, em 2009 a Organização Mundial da Saúde desenvolveu a Classificação Internacional de Segurança do Paciente, com o intuito de padronizar
os vocábulos relacionados com segurança do paciente e, desta forma, definiu-se incidente e falhas como “evento ou circunstância que poderia ter resultado, ou resultou, em dano desnecessário ao paciente” (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2014, p. 7). A classificação permite-nos organizar as informações numa estrutura que realça a identificação, prevenção, deteção e a redução de riscos dentro do sistema de saúde. Contudo, a redução de incidentes ainda é um grande desafio para o cuidado em saúde de qualidade. Ainda durante a adaptação transcultural, a padronização do termo “notificar” em substituição do termo “relatar”, foi necessária visto que a notificação de incidentes, eventos adversos e queixas técnicas é considerada um ato obrigatório nas organizações de saúde, portanto, torna-se imperativo a disseminação e estimulação da prática no quotidiano. A inserção de exemplos, como foi realizado em alguns itens, tem sido utilizada por outros investigadores que realizaram estudos de adaptação transcultural (Zambardi et al., 2019; Gonçalves, Arciprete, Barroso, & Pillon, 2018). Por fim, após avaliação do comité de especialistas constatou-se que a escala adaptada para o Brasil apresentou equivalência semântica, idiomática, cultural e conceptual. Medeiros et al. (2015) e Souza, Alexandre, e Guirardello (2017) afirmam a necessidade de associar a validação de conteúdo a outros tipos de validação, sendo assim o instrumento passou pelo processo de validação de constructo. Durante a etapa do pré-teste com a população-alvo, o instrumento não sofreu modificações e foi considerado interessante e relevante mediante a temática abordada e que os itens estavam claros. Na validação clínica do instrumento, a predominância do sexo feminino nos participantes do estudo justifica-se pela maior inserção das mulheres do que homens nas profissões
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da área da saúde, em especial na enfermagem, e porque culturalmente associa-se à mulher os cuidados com os enfermos, que de certa forma, influenciam na decisão das mesmas para profissões com esse fim (Marinho, Paz, Jomar, & Abreu, 2019). Relativamente ao título académico dos participantes, houve predominância de profissionais especialistas, acredita-se que tal resultado se atribui ao nível terciário da instituição, com carácter de referência em cuidados especializados e, portanto, espera-se que os profissionais que atuem em setores específicos possuam o domínio pertinente a cada especialidade atendida no hospital. Esse acréscimo ao currículo profissional deve ser incentivado, pois possibilita o aprimoramento e desenvolvimento pessoal, com consequente aplicabilidade nas práticas do profissional na instituição (Costa et al., 2014). Na análise da confiabilidade, por meio da consistência interna dos itens, a versão adaptada apresentou valor de alfa de Cronbach muito próximo ao apresentado na versão original (Shirali et al., 2018), com variação entre os domínios de 0,31 (Consciência) a 0,80 (Competência). Na versão original da RSC, a variação entre os domínios foi de 0,67 (Competência) a 0,91 (Preparação). Importa salientar que na versão adaptada, o domínio Competência foi o que apresentou maior consistência interna, em oposição ao resultado da versão original, que foi o domínio de menor consistência. Acredita-se que no contexto da saúde os itens que envolvem tal domínio representem, de maneira mais fidedigna, o constructo. Desta forma, considera-se o instrumento homogéneo, com boa consistência e com forte correlação entre os itens. A confiabilidade não é uma propriedade fixa do instrumento, pode variar de acordo com a função do instrumento, da população avaliada, do contexto, inclusivamente, o instrumento pode até não ser considerado confiável segundo as diferentes condições. Nesta aplicação, mesmo com a mudança de contexto na utilização do instrumento, o mesmo mostrou-se consistente (Medeiros et al., 2015). Em referência à análise de constructo, Hair et al. (2009) afirmam que na modelagem de equações estruturais (SEM), o tamanho da amostra pode afetar o modelo, pois a análise das covariâncias baseia-se em teorias com grandes amostras e, com isso, os modelos hipotéticos podem ser subestimados, desta forma, salienta-se que o modelo proposto para a amostra brasileira pode ser reformulado a partir de novos estudos de validação com tamanho amostral maior. Por fim, a diferenciação da estruturação dos fatores da versão brasileira da RSC para a versão original explica-se devido à realocação de itens únicos nas três últimas dimensões, e para tal, utilizando a literatura pertinente ao constructo, foi possível a alocação dos itens nos fatores de maior similaridade e representação. Outros estudos de adaptação transcultural também apresentaram nos seus resultados diferenciação quanto ao número de fatores entre os modelos propostos e a versão original, reiterando que as modificações ocorrem de acordo com a população do estudo (Gonçalves et al., 2018; Stacciarini & Pace, 2017). Como limitação deste estudo, ressalta-se a ausência de estudos quanto ao processo de tradução, adaptação e
validação, inclusivamente de aplicação do instrumento RSC em outros países e em instituições de saúde, dificultando a discussão e comparação de resultados. Outro fator de limitação é o tamanho da amostra na validação externa do instrumento. Como avanço científico, este estudo disponibiliza o primeiro instrumento de avalição de resiliência institucional na área da saúde para a língua portuguesa e este pode, a partir da sua utilização, despertar nas organizações de saúde as características de resiliência e, assim, manter a segurança do paciente.
Conclusão A versão brasileira da RSC é a primeira versão válida e confiável quanto à consistência interna dos itens, capaz de mensurar a resiliência nas instituições de saúde. Na versão adaptada para português do Brasil, o instrumento ficou com 41 itens e seis dimensões. Esta pesquisa finaliza uma das etapas do processo de validação da RSC versão brasileira e para as instituições de saúde, mas o processo não está concluído neste estudo, pelo contrário, pressupõe continuidade e pode ser continuado em outros estudos com ampliação da amostra. Espera-se que este instrumento subsidie a investigação dos pontos de vulnerabilidades e de potencialidades dos profissionais e da gestão, perante o dinâmico cenário da saúde, e assim possa contribuir para o aprimoramento da capacidade adaptativa das organizações, elevando a qualidade e excelência do cuidado prestado. Contribuição de autores Conceptualização: Oliveira, I. C., Almeida, I. L., Aires, S. F., Carvalho, R. E. Análise formal: Oliveira, I. C., Almeida, I. L., Aires, S. F., Sousa, G. J., Oliveira, R. M., Oliveira, S. K., Carvalho, R. E. Redação - rascunho original: Oliveira, I. C., Almeida, I. L., Aires, S. F., Carvalho, R. E. Redação - análise e edição: Sousa, G. J., Oliveira, R. M., Oliveira, S. K., Carvalho, R. E. Referências bibliográficas Alexandre, N. M., & Coluci, M. Z. (2011). Validade de conteúdo nos processos de construção e adaptação de instrumentos de medidas. Ciência & Saúde Coletiva, 16(7), 3061-3067. doi:10.1590/ S1413-81232011000800006 Arthur, J. P., Mantovani, M. F., Ferraz, M. I., Mattei, A. T., Kalinke, L. P., & Corpolato, R. C. (2018). Translation and cross-cultural adaptation of the hypertension knowledge-level scale for use in Brazil. Revista Latino Americana de Enfermagem, 26, e3073. doi:10.1590/1518-8345.2832.3073 Beaton, D. E., Bombadier, C., Guilemin, F., & Ferraz, M. B. (2000). Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine, 25(24), 3186-3191. doi:10.1097/00007632200012150-00014 Braithwaite, J., Hollnagel, E., & Hunte, G. S. (2919). Working across boundaries: Resilient health care. New York, NY: Taylor & Francis.
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Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20065 DOI: 10.12707/RV20065
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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Carga de trabalho numa unidade de internamento hospitalar de acordo com o Nursing Activities Score
Workload in a hospital inpatient unit using the Nursing Activities Score Carga de trabajo en una unidad de internamiento hospitalario según el Nursing Activities Score Camila Pinno 1 https://orcid.org/0000-0001-7758-1833 Carlie da Fontoura Taschetto 1 https://orcid.org/0000-0001-8925-7299 Etiane de Oliveira Freitas 1 https://orcid.org/0000-0002-8589-2524 Lenize Moura Nunes 1 https://orcid.org/0000-0002-4290-760X Jennifer Aguilar Leocadio de Menezes 1 https://orcid.org/0000-0003-3454-3698 Karen Emanueli Petry 1 https://orcid.org/0000-0002-5622-2580 Silviamar Camponogara 1 https://orcid.org/0000-0001-9342-3683
1 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil
Resumo Enquadramento: A elevada carga de trabalho pode estar associada à complexidade clínica dos doentes e à longa permanência na unidade, constituindo um tratamento de enfermagem frequentemente baseado em cuidados semi-intensivos. Objetivo: Avaliar a carga de trabalho de uma equipa de enfermagem de uma unidade de internamento através do Nursing Activities Score (NAS). Metodologia: Estudo exploratório, transversal, quantitativo, realizado com doentes internados numa unidade de internamento hospitalar. A forma de caracterização composta por dados sociodemográficos, clínicos e o NAS foi usada para recolher dados de registos documentados de cuidados de enfermagem. Resultados: O NAS médio foi de 43,2, variando de 59,0 e 54,1 ao primeiro dia e no último dia de internamento, respetivamente, e este é o tempo médio que um doente necessita de um enfermeiro. Além disso, os pacientes que acabaram por morrer e aqueles que mostraram cultura positiva para germes multirresistentes tiveram médias de NAS mais altas no último dia. Conclusão: A carga de trabalho da equipa de enfermagem é elevada, evidenciada pela elevada procura de cuidados. Palavras-chave: carga de trabalho; cuidados de enfermagem; enfermagem; unidades hospitalares Abstract Background: High workload can be associated with patient acuity and long hospital stay, often calling for semi-intensive nursing care. Objective: To assess the workload of a nursing team of a hospital inpatient unit using the Nursing Activities Score (NAS). Methodology: An exploratory, cross-sectional, quantitative study was conducted with patients admitted to a hospital inpatient unit. The sample was characterized using sociodemographic and clinical data, and the NAS was used to collect data from documented nursing records. Results: The mean NAS score was 43.2, ranging from 59.0 to 54.1 for the first day and the last day of hospitalization, respectively, which is the average nursing care time. Patients who died and those who showed a positive culture for multidrug-resistant bacteria had higher mean NAS scores on the last day. Conclusion: The nursing workload is high, evidenced by the high demand for care. Keywords: workload; nursing care; nursing; hospital units
Autor de correspondência Camila Pinno E-mail: pinnocamila@gmail.com
Recebido: 17.04.20 Aceite: 02.10.20
Resumen Marco contextual: La elevada carga de trabajo puede estar asociada a la complejidad clínica de los pacientes y a la larga estancia en la unidad, lo que supone un tratamiento de enfermería a menudo basado en cuidados semiintensivos. Objetivo: Evaluar la carga de trabajo de un equipo de enfermería en una unidad de internamiento hospitalario a través del Nursing Activities Score (NAS). Metodología: Estudio exploratorio, transversal y cuantitativo, realizado con pacientes ingresados en una unidad de internamiento hospitalario. La forma de caracterización compuesta por datos sociodemográficos, clínicos y el NAS se utilizó para recoger datos de registros documentados de cuidados de enfermería. Resultados: El promedio del NAS fue de 43,2, variando entre 59,0 y 54,1 el primer día y el último día de hospitalización respectivamente, y este es el tiempo promedio en que un paciente necesita a un enfermero. Además, los pacientes que terminaron muriendo y aquellos que mostraron un cultivo positivo de gérmenes multirresistentes tuvieron en el NAS medias más altas el último día. Palabras clave: carga de trabajo; atención de enfermería; enfermería; unidades hospitalarias Como citar este artigo: Pinno, P., Taschetto, C. F., Freitas, E. O., Nunes, L. M., Menezes, J. A., Petry, K. E., & Camponogara, S. (2020). Carga de trabalho numa unidade de internamento hospitalar de acordo com o Nursing Activities Score. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20047. doi:10.12707/RV20047
Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20047 DOI: 10.12707/RV20047
pp. 1 - 8
Pinno, P. et al.
Introdução O trabalho de enfermagem constitui-se na articulação entre os requisitos de cuidados e de gestão, envolvendo a prestação de cuidados diretos e indiretos aos doentes. Neste contexto, é essencial associar a condição clínica do doente e a sua dependência da equipa de enfermagem, bem como o tempo que os profissionais passam a realizar as suas atividades para promover uma gestão adequada dos recursos humanos, evitando assim a sobrecarga de trabalho e garantindo a qualidade dos serviços prestados (Reich, Vieira, Lima, & Rabelo-Silva, 2015). Nas unidades de cuidados, o grau de dependência dos doentes em relação à equipa de enfermagem e o tempo gasto na prestação de cuidados é medido através do Sistema de Classificação de Doentes (SCD), padronizado pelo Conselho Federal de Enfermagem, através da Resolução nº 543/2017 (Conselho Federal de Enfermagem [COFEN], 2017). No entanto, na prática, observa-se que as medidas indiretas de avaliação dos horários de enfermagem exigidos pelos doentes nem sempre demonstram a necessidade real ou a complexidade dos seus cuidados (Reich et al., 2015). Neste contexto, destaca-se a importância da quantificação da carga de trabalho, que dará apoio à adequação da equipa de enfermagem em relação às necessidades dos doentes. Ao identificar as características do serviço, contribuirá para a melhoria da qualidade dos cuidados prestados, preservando a saúde e segurança dos doentes, bem como dos trabalhadores (Goulart, Carrara, Zanei, & Whitaker, 2017). Nesta perspetiva, a carga de trabalho consiste no produto da média diária dos doentes assistidos, de acordo com o grau de dependência e o tipo de cuidados, pelo tempo médio de cuidados de enfermagem utilizados pelo doente de acordo com o grau de dependência e cuidados prestados (Fugulin, Gaidzinski, & Castilho, 2010). Por isso, a avaliação dos requisitos de trabalho de enfermagem, juntamente com os fatores que os influenciam, torna-se indispensável para promover a adequação da equipa de enfermagem (Queijo, 2008). O Nursing Activities Score (NAS) reflete a carga de trabalho (em percentagem) dedicada ao cuidado direto a um doente nas 24 horas. Para o efeito, o instrumento avalia sete categorias: Atividades básicas, Apoio ventilatório, Apoio cardiovascular, Apoio renal, Apoio neurológico, Suporte metabólico e Intervenções específicas (Queijo & Padilha, 2009). O NAS foi originalmente desenvolvido para medir o tempo de cuidados de enfermagem numa unidade de cuidados intensivos (UCI), embora possa ser usado em outros contextos de cuidados (Queijo & Padilha, 2009). Isto inclui unidades de internamento, tendo em conta que, por vezes, os doentes internados apresentam condições clínicas graves e uma elevada procura de cuidados, compatíveis com os cuidados intensivos (Silva et al., 2017). No entanto, observou-se que existe uma escassez de estudos utilizando o instrumento em unidades de internamento, especialmente em unidades clínicas médicas, o que é uma lacuna de conhecimento. Assim, considera-se que a aplicação do NAS neste cenário contribuirá para a iden-
tificação do perfil dos doentes internados, bem como as suas especificidades, o que não é possível utilizando apenas o SCD. Além disso, ao medir o tempo gasto na prestação de cuidados de enfermagem, o NAS também possibilita subsídios para a realização da dimensão do pessoal de forma adequada, beneficiando a equipa e os doentes. Assim, o estudo visou avaliar a carga de trabalho de uma equipa de enfermagem de uma unidade de internamento através do NAS.
Enquadramento Para Queijo e Padilha (2009), é necessária e indispensável a utilização de indicadores de cuidados, de forma a garantir a qualidade do serviço de enfermagem prestado e também a prestação de subsídios para o dimensionamento de pessoal nas unidades hospitalares. Os mesmos autores entendem que a avaliação da carga de trabalho de enfermagem é importante para a instituição de saúde, considerando que uma dimensão inadequada do pessoal implica um aumento dos custos para a instituição e, da mesma forma, uma equipa reduzida gera deficiência na qualidade dos cuidados prestados. Um estudo recente conduzido por Reich et al. (2015), avaliou a carga de trabalho numa unidade coronária para preencher uma lacuna de conhecimento nesta população específica, tendo sido utilizado o NAS. O estudo determinou relações importantes da carga de trabalho com a razão do internamento. Além disso, observou-se que o instrumento pode ajudar no dimensionamento da equipa de enfermagem e no planeamento de atividades, atendendo às exigências dos doentes em todos os turnos de trabalho. Na prática, observa-se que turnos específicos requerem uma maior presença do profissional de enfermagem em frente ao doente, questões diferentes podem estar relacionadas com este facto, como as rotinas da unidade e o número de pessoal. Com a utilização do instrumento, pretende-se ter objetivamente a carga de trabalho do profissional de enfermagem de forma a realizar as possíveis intervenções. Associar a condição clínica do doente e a dependência dos cuidados de enfermagem com a carga de trabalho é necessário para planear adequadamente as atividades da unidade em questão, de forma a evitar sobrecargas de trabalho (Reich et al., 2015).
Questão de investigação Qual é a carga de trabalho de uma equipa de enfermagem de uma unidade de internamento?
Metodologia Estudo exploratório e transversal, com abordagem quantitativa, realizado numa unidade de internamento de um hospital universitário público (HU) no sul do Brasil. O HU caracteriza-se como um hospital pedagógico, com
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a sua atenção focada no desenvolvimento do ensino, investigação e cuidados de saúde, servindo 100% dos doentes através do Sistema Único de Saúde (SUS). É o maior hospital público com o único serviço de urgência a servir exclusivamente pelo SUS no interior do Estado e abrange uma população de 1,2 milhões de habitantes, sendo uma referência em complexidade média e alta, e em cuidados de urgência para a população de 45 municípios da região Centro-Oeste do Rio Grande do Sul. O cenário específico justifica-se por ser uma unidade de internamento que atende doentes adultos de diferentes especialidades, e entre elas, um número significativo de doentes após a alta da unidade de cuidados intensivos (UCI) do hospital. Para obter a medição da carga de trabalho dos enfermeiros, foram recolhidos dados dos doentes, de agosto de 2017 a janeiro de 2018, indiretamente, ou seja, os dados foram obtidos exclusivamente a partir dos seus registos médicos, não tendo sido realizada qualquer abordagem direta com os doentes. Para isso, as visitas diárias foram realizadas em horários pré-estabelecidos na unidade de cenário de estudo e a informação recolhida nos registos médicos das últimas 24 horas. Note-se também que os doentes não foram submetidos a qualquer tipo de tratamento ou exame adicional para fins de investigação. Os critérios de inclusão foram: doentes com idade igual ou superior a 18 anos, de qualquer sexo, de qualquer especialidade médica, e que foram admitidos na unidade durante o período estipulado para recolha. E, como critérios de exclusão: doentes cujo tempo de hospitalização foi inferior a 24 horas. Sendo assim, a amostra de estudo incluiu 133 registos de doentes. Foram utilizados dois instrumentos para recolha de dados. O primeiro instrumento, elaborado pelos autores, composto pelos dados sociodemográficos e clínicos dos doentes, com base nos registos referentes às primeiras 24 horas na unidade de internamento, e atualizadas durante o internamento e as variáveis investigadas: género, estado civil, origem (cidade), unidade de origem, tipo de internamento, diagnóstico médico, comorbidades associadas, como diabetes mellitus e/ou hipertensão, cultura para germes multirresistentes e destinos de alta. O segundo instrumento foi o NAS, desenvolvido por Miranda e seus colaboradores, traduzido para o português (Brasil), e transculturalmente adaptado e validado para a realidade brasileira por Queijo e Padilha (2009). Este instrumento marca o tempo despendido pela enfermagem na realização de 23 procedimentos, cujos pesos variam entre 1,2 e 32,0 pontos. A pontuação final resulta da soma das notas dos itens, que variam entre 0 e 176,8%, e indica
a percentagem de tempo despendido pelo enfermeiro nos cuidados dos doentes. Este instrumento foi completado diariamente pelos investigadores, com base no registo das atividades de enfermagem realizadas nas últimas 24 horas de internamento hospitalar, em tempo pré-determinado e fornecendo informações retrospetivas sobre a carga de trabalho de enfermagem. Os dados foram tabulados no Microsoft Excel ® 2010 e analisados através do IBM SPSS Statistics, versão 21.0. Para descrever o perfil dos doentes e a carga de trabalho da equipa de enfermagem, foram utilizadas estatísticas descritivas com a elaboração de frequência absoluta (n) e tabelas percentuais (%) para variáveis categóricas, e cálculo de medidas de posição e dispersão (média, desvio-padrão, valores mínimos e máximos) para variáveis contínuas. O teste t de Student foi usado para comparar os meios entre as diferentes variáveis clínicas. O coeficiente de correlação de Pearson foi usado para avaliar as correlações entre variáveis quantitativas. Em todas as análises, os resultados foram considerados estatisticamente significativos se p < 0,05, com um intervalo de confiança de 95%. Esta investigação cumpriu as determinações da Resolução n.º 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, que prevê o cuidado da investigação com os seres humanos (Ministério da Saúde, 2012). Foi aprovado pela Comissão de Ética de Investigação da universidade participante, com o número CAAE 70575017.8.0000.5346 e com o número de parecer 2.169.349. Os dados que constituem a amostra foram obtidos exclusivamente a partir da consulta dos registos médicos dos pacientes, não tendo sido necessária a utilização do Formulário de Consentimento Gratuito e Informado.
Resultados O estudo incluiu 133 doentes, dos quais 62,4% eram homens, 47,4% casados e 58,9% de origem de Santa Maria. Relativamente ao perfil clínico, 60,2% foram internados nas urgências da instituição, 70,7% com hospitalização do tipo clínico; 18% com diagnóstico médico relacionado com disfunções do sistema neurológico e 18% com disfunções do sistema cardiovascular; e 62,4% dos pacientes tinham diabetes mellitus (DM) e/ou hipertensão arterial sistémica (HAS) como comorbilidades associadas à razão da hospitalização. Além disso, 21,1% tiveram uma cultura positiva para germes multirresistentes (GMR) e 8,3% dos pacientes morreram. Os dados acima descritos são apresentados na Tabela 1.
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Tabela 1 Caracterização dos doentes internados na unidade de internamento hospitalar, segundo as variáveis sociodemográficas e clínicas (N = 133) Variáveis
Absoluta (n)
Sexo Homem Mulher Estado civil Companheiro casado Solteiro sem parceiro Viúvo / divorciado Origem Santa Maria Outra cidade Unidade de origem Sala de emergência Unidade de Terapia Intensiva1 Sala de Recuperação Anestésica Clínica Cirúrgica Outras unidades Tipo de internamento Clínica Cirúrgica Diagnóstico médico Disfunções neurológicas Disfunções cardiológicas Disfunções digestórias Disfunções endócrinas Traumas Disfunções infectocontagiosas Disfunções pneumológicas Disfunções hemato-oncológicas Disfunções nefrológicas Disfunções autoimunes DM e/ou HAS associada Sim Não Cultura positiva para GMR Sim Não Destino Alta Óbito
Frequência Relativa (%)
83 50
62,4 37,6
63 43 27
47,4 32,3 20,3
68 65
51,1 48,9
80 30 11 7 5
60,2 22,6 8,3 5,3 3,8
94 39
70,7 29,3
24 24 23 18 14 12 10 5 1 2
18,0 18,0 17,3 12,3 10,5 9,0 7,5 3,8 0,8 1,5
83 50
62,4 37,6
28 105
21,1 78,9
122 11
91,7 8,3
Nota. DM = diabetes mellitus; HAS = hipertensão arterial sistémica; GMR = germes multirresistentes; NAS = Nursing Activities Score. 1 Doentes provenientes da UTI Adulto e UTI Cardiológica.
A Tabela 2 apresenta as variáveis quantitativas relacionadas com os dados sociodemográficos e clínicos dos doentes
internados na unidade de internamento, bem como a carga de trabalho evidenciada pelo NAS.
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Tabela 2 Medidas descritivas das variáveis sociodemográficas e clínicas e da carga de trabalho (NAS; N = 133) Variáreis
Mínimo
Máximo
Média
DP
Idade (anos)
18,0
97,0
55,1
18,7
Tempo de internamento (dias)
1,0
91,0
15,9
16,1
NAS médio dos pacientes durante a internamento (%)
21,7
89,2
43,2
15,6
NAS médio dos pacientes durante o 1º dia de internamento (%)
25,7
126,7
59,0
19,2
NAS médio dos pacientes durante o último dia de internamento (%)
1,9
144,2
54,1
23,7
Nota. DP = desvio-padrão; NAS = Nursing Activities Score.
A idade média dos doentes hospitalizados foi de 55,1 (±18,7 anos). Permaneceram hospitalizados durante uma média de 15,9 (±16,1) dias. No que diz respeito à carga horária, a pontuação média do NAS durante o período total de internamento dos doentes foi de 43,2% (±15,6) e, no primeiro e último dia de internamento, a pontuação foi de 59,0% (±19,2) e 54,1% (±23,7), respetivamente. Note-se que a percentagem acima descrita indica o tempo médio que um paciente requer de um enfermeiro.
A análise descritiva do NAS, de acordo com as variáveis clínicas, é apresentada na Tabela 3. Assim, verificou-se que os doentes que evoluíram até à morte tinham, significativamente, uma carga média de trabalho mais elevada no último dia de internamento (NAS no último dia). E, os doentes com cultura positiva para GMR tinham NAS mais elevados de trabalho de enfermagem durante a estadia na unidade (NAS médias, primeiro dia e último dia).
Tabela 3 Medidas descritivas do NAS, segundo as variáveis clínicas NAS Médio
p
NAS 1º dia
p
NAS Último dia
p
Alta
42,1
0,07
58,9
0,930
49,4
0,00*
Óbito
55,3
Variáveis Destino
59,5
106,4
Cultura positiva para GRM Sim
56,8
Não
39,5
0,000*
73,1
0,000*
55,2
66,2
0,02*
50,9
DM e/ou HAS Sim
42,6
Não
44,1
0,599
57,8
0,400
60,9
54,1
0,971
54,2
Nota. GRM = germes multirresistentes; DM = diabetes mellitus; HAS = hipertensão arterial sistémica; NAS = Nursing Activities Score. Teste t de Student *p ≤ 0,05.
A existência de correlações entre as variáveis também foi avaliada: média NAS, NAS do 1º dia, NAS do último dia, idade e duração do internamento. De acordo com os dados da Tabela 4, existem correlações positivas entre o NAS médio com o NAS do primeiro e o NAS do último dia de internamento e entre o NAS do último dia de internamento com o NAS do primeiro dia de internamento. Além disso, houve uma correlação positiva entre a idade e o NAS do
último dia, bem como a duração da hospitalização com o NAS médio e o NAS do primeiro dia. A partir destes resultados, verifica-se que a maior carga de trabalho exigida pelo doente é no primeiro e último dia de internamento. Percebe-se também que os doentes mais velhos necessitam de uma maior carga de trabalho no último dia de internamento e que, quanto mais tempo os doentes estiverem internados, maior é a carga de trabalho média.
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Tabela 4 Correlação de Pearson entre o NAS e as variáveis sociodemográficas, clínicas (N = 133) Variáveis
NAS médio
NAS primeiro dia
NAS último dia
Idade
NAS médio
1,000
NAS primeiro dia
0,000*
1,000
NAS último dia
0,000*
0,000*
1,000
Idade
0,059
0,569
0,031**
1,000
0,020**
0,004**
0,139
0,632
Tempo de internamento
Tempo de internamento
1,000
Nota. NAS = Nursing Activities Score. Coeficiente de correlação de Pearson *p ≤ 0,01; **p ≤ 0,05.
Discussão Neste estudo, verificou-se uma predominância de doentes homens (62,4%), na sua maioria clínicos (70,7%), com origem nas urgências (60,2%). Estes dados convergem com estudos recentes com doentes severamente obesos (Santos, Marques, Monteiro, Carvalhal, & Santos, 2019; Siqueira, Ribeiro, Souza, Machado, & Diccini, 2015). Um estudo americano realizado com 1.254 homens mostrou que a população masculina está mais hesitante em procurar serviços de saúde numa base preventiva, o que no futuro resultará em problemas de saúde nestes indivíduos. O estudo revelou ainda que a maioria dos indivíduos eram hipertensos, diabéticos, obesos e tinham problemas cardíacos (Sherman, Patterson, Tomar, & Wigfall, 2020). Outro dado importante apontado na presente investigação está relacionado com a elevada taxa de pacientes com DM e/ou HAS como comorbilidade antes do internamento. Este resultado corrobora um outro estudo encontrado na literatura, que mostrou que os doentes com acidente vascular cerebral tinham estas comorbilidades (Costa et al., 2018). Além disso, cabe ao enfermeiro realizar a monitorização hemodinâmica e neurológica, identificando precocemente possíveis alterações, como o aumento da pressão intracraniana e os edemas cerebrais, intervindo o mais rapidamente possível de forma a reduzir os riscos de sequelas frequentemente observadas na maioria dos casos deste tipo de doentes (Oliveira et al., 2019). Estas ações são essenciais para o sucesso do tratamento do doente e, portanto, geram uma procura considerável de atividades para o enfermeiro. Quanto ao resultado do internamento, a alta prevaleceu, corroborando estudos realizados noutras unidades (Camuci, Martins, Cardeli, & Robazzi, 2014; Siqueira et al., 2015). É importante considerar que a alta hospitalar é um processo iniciado e construído ao longo de todo o internamento, e que requer que a equipa de saúde conduza este processo com cooperação e corresponsabilidade (Silva, Ribeiro, & Azevedo, 2018). Além disso, o processo de alta hospitalar envolve maiores exigências de trabalho de enfermagem principalmente relacionadas com a educação para a saúde, dirigida ao doente e à família. A carga média de trabalho da equipa de enfermagem da unidade investigada, segundo o NAS, correspondeu a 43,2%, o que significa que os doentes ocupam uma média de 43,2% do tempo de um enfermeiro. No contexto atual, um técnico de enfermagem é responsável por seis a 13 doentes por turno,
pelo que se nota que existe uma elevada carga de trabalho dos profissionais na unidade investigada. Assim, acredita-se que a elevada carga de trabalho dos profissionais de enfermagem pode estar associada à complexidade clínica e de cuidados dos doentes, bem como à elevada dependência de doentes neurológicos, constituindo um tratamento de enfermagem frequentemente baseado em cuidados semi-intensivos. Note-se que a instituição não dispõe de uma unidade de cuidados semi-intensivos, tornando esta unidade de hospitalização, o cenário de investigação deste estudo, uma referência para a atribuição de doentes dispensados da UCI (Taschetto et al., 2018). Consequentemente, neste estudo, o NAS médio é inferior aos valores encontrados nas UCIs brasileiras, onde a média variou de 62,14% para 71,43% (Oliveira et al., 2019; Silva & Gaedke, 2019). Além disso, em relação à pontuação do NAS no primeiro e último dia de internamento, verificou-se uma maior carga de trabalho, sendo, respetivamente, de 59,0% e 54,1%. Este resultado pode estar relacionado com as condições em que o doente se encontra no primeiro dia de internamento, o que, devido à situação clínica instável, requer mais cuidados (Trettene et al., 2015). Quanto à média NAS do último dia de internamento, ficou evidente que os doentes que evoluíram até à morte tinham uma carga de trabalho média significativamente mais elevada devido à gravidade do doente e à elevada procura de cuidados pós-morte (Oliveira et al., 2019). Foram observadas correlações significativas entre a carga de trabalho de enfermagem com a idade e a duração da estadia na unidade, demonstrando uma elevada dependência dos pacientes em cuidados de enfermagem, um resultado que difere de um estudo que avaliou a carga de trabalho numa unidade coronária (Reich et al., 2015). Além disso, outro dado relevante deste estudo refere-se à presença de GMR, uma vez que 21,1% dos doentes apresentaram cultura positiva. Foi também identificada uma associação significativa entre os doentes colonizados com GMR e o NAS médio, o NAS no primeiro dia e o NAS do último dia de internamento, respectivamente (56,8 p < 0,000; 73,1 p < 0,000; e 66,2 p < 0,02). Num estudo retrospetivo realizado em nove unidades de cardiologia intensivas, a partir de um hospital público, de elevada complexidade, com uma amostra de 835 doentes (Sherman et al., 2020), observou-se que a carga de trabalho medida pelo NAS não influenciou a ocorrência de infeções relacionadas com cuidados de saúde nas unidades de cardiologia intensivas investigadas.
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Pinno, P. et al.
Conclusão Do estudo, conclui-se que a elevada carga de trabalho dos profissionais de enfermagem pode estar associada à complexidade clínica e de cuidados dos doentes, constituindo um tratamento de enfermagem frequentemente baseado em cuidados semi-intensivos. Também neste estudo, o NAS médio é inferior aos valores encontrados nas UCIs brasileiras. Quanto à pontuação do NAS no primeiro e último dia de internamento, houve uma maior carga de trabalho. Quanto ao NAS do último dia de internamento, era evidente que os pacientes que evoluíram até à morte tinham uma carga de trabalho média significativamente mais elevada devido à gravidade do paciente e à elevada procura de cuidados pós-morte. Acredita-se, portanto, que este estudo pode contribuir para fomentar discussões sobre a importância de um dimensionamento adequado de pessoal para dar resposta à procura de cuidados proveniente de pacientes de forma a valorizar a qualidade e a segurança dos cuidados prestados. Contribuição de autores Conceptualização: Camponogara S., Freitas, E. O., Petry, K. E. Tratamento de dados: Camponogara S., Freitas, E. O., Petry, K. E., Pinno, C., Metodologia: Camponogara, S., Freitas, E. O., Petry, K. E. Redação - rascunho original: Camponogara, S., Freitas, E. O., Petry, K. E., Pinno, C., Taschetto, C. F., Nunes, L. M., Menezes, J. A. Redação - análise e edição: Camponogara, S., Freitas, E. O., Petry, K. E., Pinno, C., Taschetto, C. F., Nunes, L. M., Menezes, J.A. Referências bibliográficas Camuci, M. B., Martins, J. T., Cardeli, A. A., & Robazzi, M. L. (2014). Nursing activities score: Carga de trabalho de enfermagem em unidade de terapia intensiva de queimados. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 22(2), 325-331. doi:10.1590/01041169.3193.2419 Conselho Federal de Enfermagem. (2017). Resolução cofen 543/2017. Recuperado de http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-5432017_51440.html Costa, A. C., Gularte, C. M., Oliveira, C. P., Castro, E .M., Leonardo, R. S., Cola, C. S., ... Boechat, J. C. (2018). Diabetes e hipertensão arterial sistêmica como fator de risco em pacientes acometidos com acidente vascular cerebral na comunidade do Surubi – Itaperuna-RJ. Revista Interdisciplinar Pensamento Científico, 4(2), 299-305. doi: 10.20951/2446-6778/v4n3a27 Fugulin, F. M., Gaidzinski, R. R., & Castilho, V. (2010). Dimensionamento de pessoal de enfermagem em instituições de saúde. Rio de Janeiro, Brasil: Guanabara Koogan. Goulart, L. L., Carrara, F. S., Zanei, S. S., & Whitaker, I. Y. (2017). Carga de trabalho de enfermagem relacionada ao índice de massa corporal de pacientes críticos. Acta Paulista de Enfermagem, 30(1), 31-8. doi: 10.1590/1982- 0194201700006
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ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Conceptualização dos cuidados de enfermagem à pessoa com deglutição comprometida após o acidente vascular cerebral Conceptualization of nursing care to the person with post-stroke dysphagia Conceptualización de los cuidados de enfermería a la persona con problemas de deglución después del accidente cerebrovascular
Isabel de Jesus Oliveira 1, 2 https://orcid.org/0000-0001-6627-3907 Susana Isabel Faria de Almeida 3 https://orcid.org/0000-0002-4631-5222 Liliana Andreia Neves da Mota 1, 4 https://orcid.org/0000-0003-3357-7984 Germano Rodrigues Couto 5, 4 https://orcid.org/0000-0002-5423-7375
Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa, Oliveira de Azeméis, Portugal 1
Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal 2
Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro - Rovisco Pais, Tocha, Portugal 3
Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, Porto, Portugal 4
5 Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal
Autor de correspondência Isabel de Jesus Oliveira E-mail: ijoliveira12@gmail.com
Recebido: 17.02.20 Aceite: 12.09.20
Resumo Enquadramento: O compromisso na deglutição é uma condição clínica que afeta um número significativo de pessoas com acidente vascular cerebral (AVC). As suas complicações estão entre as principais causas de morte após o AVC, apesar de não ser considerada como causa de mortalidade. Objetivo: Compreender como os enfermeiros conceptualizam os cuidados de enfermagem à pessoa com deglutição comprometida após o AVC. Metodologia: Estudo exploratório e descritivo, realizado num serviço de internamento de um centro de reabilitação, usando a técnica de focus group e observação participante, durante o período de abril a julho de 2019. Resultados: Vários fatores influenciam o processo de tomada de decisão em enfermagem, resultando em práticas assentes na lógica da intervenção interdependente. Nas terapêuticas de enfermagem identificam-se constrangimentos na documentação das práticas. Salienta-se o foco na pessoa e família e o seu envolvimento no processo de cuidados. Conclusão: Existem aspetos organizacionais que influenciam negativamente a conceção dos cuidados. Reforça-se a necessidade de melhorar a documentação das terapêuticas de enfermagem. Palavras-chave: acidente vascular cerebral; deglutição; cuidados de enfermagem Abstract Background: Dysphagia is a clinical condition that affects a significant number of stroke patients. Its complications are among the main causes of death after a stroke, although dysphagia is not considered a cause of death. Objective: To understand how nurses conceptualize nursing care to the person with post-stroke dysphagia. Methodology: An exploratory descriptive study was conducted in an inpatient unit of a rehabilitation center, using the focus group and participant observation techniques, between April and July 2019. Results: Several factors influence the decision-making process in nursing, resulting in practices based on interdependent intervention. Constraints were identified in the documentation of nursing therapeutic approaches. The focus on the person and family and their involvement in the care process is highlighted. Conclusion: There are organizational aspects that negatively influence the conceptualization of care. The need to improve the documentation of nursing therapeutic approaches is reinforced. Keywords: stroke; deglutition; nursing care Resumen Marco contextual: El deterioro de la deglución es un cuadro clínico que afecta a un número significativo de personas que han sufrido un accidente cerebrovascular (ACV). Sus complicaciones se encuentran entre las principales causas de muerte después del ACV, aunque no se la considera una causa de mortalidad. Objetivo: Comprender cómo los enfermeros conciben el cuidado de la persona con problemas de deglución después de un ACV. Metodología: Estudio exploratorio y descriptivo realizado en un servicio de internamiento de un centro de rehabilitación, para lo cual se utilizó la técnica de grupos focales y la técnica de observación participante durante el período de abril a julio de 2019. Resultados: Varios factores influyen en el proceso de toma de decisiones en enfermería, lo que da lugar a prácticas basadas en la lógica de la intervención interdependiente. En las terapias de enfermería, las limitaciones se identifican en la documentación de las prácticas. Se destaca el enfoque centrado en la persona y la familia, y su participación en el proceso de atención. Conclusión: Hay aspectos organizativos que influyen negativamente en la conceptualización de la atención. Se refuerza la necesidad de mejorar la documentación de las terapias de enfermería. Palabras clave: accidente cerebrovascular; deglución; atención de enfermería Como citar este artigo: Oliveira, I. J., Almeida, S. I., Mota, L. A., & Couto, G. R. (2020). Conceptualização dos cuidados de enfermagem à pessoa com deglutição comprometida após o acidente vascular cerebral. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20024. doi:10.12707/RV20024
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Introdução O acidente vascular cerebral (AVC) representa, atualmente, uma das principais causas de morte e morbilidade e é a segunda causa de anos de vida saudável perdidos por incapacidade (GBD 2016 Stroke Collaborators, 2019). Uma das complicações mais frequentes após o AVC é a disfagia, cuja presença está associada a um aumento do risco de pneumonia, desidratação e desnutrição, traduzindo-se em piores resultados funcionais e pior qualidade de vida (Cohen et al., 2016). A existência de orientações formais que sistematizem as terapêuticas de enfermagem à pessoa com deglutição comprometida tem um impacte significativo nas complicações decorrentes do compromisso na deglutição, nomeadamente na pneumonia e morte, melhorando os resultados em saúde (Hines, Kynoch, & Munday, 2016). Torna-se assim preponderante a implementação de sistemas de melhoria contínua da qualidade, enquadrados nos Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem, que impulsionem a apropriação, nos contextos de prática clínica, das orientações clínicas existentes para este foco de atenção. Estudos anteriores focados na análise à documentação das terapêuticas de enfermagem revelaram a existência de limitações na mesma, evidenciando a necessidade de pesquisa que clarifique se a documentação encontrada nos processos clínicos corresponde à prática efetiva dos cuidados de enfermagem (Abreu, Barroso, Segadães, & Teixeira, 2015; Oliveira, Couto, & Mota, 2019). Neste contexto, este estudo teve como objetivo compreender como os enfermeiros conceptualizam os cuidados de enfermagem à pessoa com deglutição comprometida após o AVC. Estes resultados serão indispensáveis para o enquadramento do problema como ponto de partida para a implementação de um projeto de melhoria contínua da qualidade dos cuidados de enfermagem, que vise a sistematização das terapêuticas de enfermagem à pessoa com deglutição comprometida.
Enquadramento A enfermagem objetiva a saúde e bem-estar da pessoa, colocando na natureza da prática a relação que se estabelece entre o enfermeiro e a pessoa (Standing, 2014). A prática dos enfermeiros é a expressão do processo de enfermagem e do juízo clínico subjacente à tomada de decisão e, para compreender a forma como conceptualizam os cuidados, é importante conhecer a natureza do raciocínio clínico que orienta o processo de tomada de decisão na avaliação, definição de diagnósticos, determinação dos resultados, planeamento e intervenção de enfermagem (Kuiper, O’Donnell, Pesut, & Turrise, 2017). Cada uma destas fases despoleta diferentes tipos de pensamento relacionados com a pessoa e a sua história, a necessidade de cuidados e a resposta às questões de saúde, que influenciam a forma como o enfermeiro seleciona, enquadra e prioriza os dados, o conhecimento e a evidência existente para o processo de tomada de decisão (Kuiper et al., 2017). O juízo clínico traduz-se numa opinião informada que
relaciona a observação e avaliação da pessoa com a identificação e avaliação de opções terapêuticas de enfermagem (Standing, 2014). São distintos os fatores que influenciam o processo de tomada de decisão do enfermeiro: a cultura da organização, a formação, a consciência da situação da pessoa, a autonomia, o conhecimento científico e evidência disponível e, sobretudo, a sua experiência profissional (Nibbelink & Brewer, 2018; Standing, 2014). De facto, a experiência está profundamente ligada ao desenvolvimento de competências em enfermagem, pressupondo-se que o nível mais elevado de proficiência (perito) se adquire num processo dinâmico que é aprimorado e aprofundado pela experiência (Benner, 2001). Este é um dos requisitos para a prática baseada na evidência (PBE) em enfermagem, que para além da experiência do profissional, integra a sua perícia, os recursos, o estado e contexto clínico, circunstâncias e preferências da pessoa (Chinn & Kramer, 2015). Este é o processo que, usado na tomada de decisão, assegura cuidados de enfermagem de elevada qualidade. Apesar das reconhecidas vantagens da implementação da PBE, são muitas as barreiras que persistem, nomeadamente a falta de conhecimento e competências dos enfermeiros em PBE, falta de ambientes e cultura que suportem a PBE e a limitação de recursos e de instrumentos para a sua implementação (Melnyk, Gallagher-Ford, & Fineout-Overholt, 2017). Urge por isso promover a PBE no sentido de reduzir o hiato existente entre a produção da evidência e a sua integração na prática clínica (Melnyk et al., 2017). Neste contexto, e sabendo que a deglutição comprometida expõe a pessoa após o AVC a um maior risco de pneumonia, incapacidade e morte (Cohen et al., 2016), a intervenção precoce sistematizada na sua identificação e gestão, iniciada por enfermeiros e refletida em protocolos, tem um impacte significativo nos resultados em saúde, nomeadamente maior eficácia na prevenção da pneumonia por aspiração, redução da mortalidade à alta e redução do tempo de internamento (Hines et al., 2016). Em contrapartida, existe evidência que aponta no sentido de que é limitada a sistematização das práticas dos enfermeiros neste contexto, do ponto de vista da análise da documentação (Oliveira et al., 2019). Estes achados foram reforçados em estudos desenvolvidos em outros contextos e com outros focos de atenção (Abreu et al., 2015). Importa por isso clarificar se este fenómeno não é valorizado, não estando por isso refletido na documentação, ou se existem constrangimentos à sua documentação. Nesse sentido, a análise da conceção e implementação dos cuidados permitirá explicitar a intenção para a ação e os elementos utilizados pelos enfermeiros e assim compreender como os enfermeiros conceptualizam os cuidados de enfermagem à pessoa com deglutição comprometida após o AVC.
Questão de investigação Como é que os enfermeiros conceptualizam os cuidados de enfermagem à pessoa com deglutição comprometida após o AVC?
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Oliveira, I. J. et al.
Metodologia Estudo exploratório e descritivo, orientado pelo método para construir uma teoria fundamentada proposto por Charmaz (2006), desenvolvido num serviço de internamento de um centro de reabilitação de Portugal, com recurso a duas técnicas de recolha de dados: focus group e a observação participante, complementada com notas de campo. Participaram neste estudo 20 enfermeiros, que correspondem à totalidade dos enfermeiros do serviço. Os participantes eram maioritariamente do sexo feminino (n = 15), correspondendo a 75% dos profissionais. A idade média era de 36,7 ± 6,2 anos (mínimo de 28 e máximo de 52), a média de tempo de serviço de 12,9 ± 6,5 anos (mínimo de cinco e máximo de 29) e a média do tempo total em exercício de funções naquele serviço era de 6,9 ± 5,0 anos (mínimo de um e máximo de 18). Desta equipa, 45% eram enfermeiros especialistas (n = 9), dos quais dois em enfermagem médico-cirúrgica e sete em enfermagem de reabilitação. O focus group foi realizado com um grupo de enfermeiros do serviço, identificados como informantes-chave e delineado para promover a reflexão sobre as práticas tendo como foco a pessoa com deglutição comprometida após o AVC. A seleção dos participantes para o focus group foi realizada por amostragem teórica, tendo sido selecionados os enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação, a exercer funções de especialistas e enfermeiros com mais experiência profissional no contexto, ou seja, os enfermeiros em exercício de funções há mais tempo no serviço, considerando que estes seriam os mais relevantes para dar resposta ao objetivo do estudo. Foi constituído por cinco enfermeiros, dois do sexo masculino e três do sexo feminino, com uma média de idade de 36,6 ± 8,7 anos (mínimo de 31 e máximo de 52), uma média de tempo de serviço de 13,8 ± 8,5 anos (mínimo de 9 e máximo de 29) e uma média de tempo de exercício de funções naquele serviço de 10,2 ± 4,4 anos (mínimo de 5 e máximo de 17 anos). Destes, três eram enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação, em exercício de funções como enfermeiro especialista. Foram realizados, pelo investigador principal, no serviço, três focus group durante o período de maio a julho de 2019 com a duração aproximada de uma hora em cada um deles. Todos os focus group foram gravados e transcritos integralmente. Outra das técnicas de recolha de dados utilizada foi a observação participante sobre as práticas dos enfermeiros inerentes à intervenção terapêutica à pessoa com deglutição comprometida após o AVC, desde a admissão da pessoa até à alta. Foi utilizada uma grelha de registo para a observação participante, com a informação sobre: 1) o ambiente - onde ocorre a atividade e aspetos relevantes do ambiente; 2) os participantes - quem está presente, quais os seus papéis e quem tem acesso; 3) as atividades desenvolvidas - o que está a ser feito, como comunicam e com que frequência; 4) frequência e duração da atividade - quando começa e termina a atividade, com que frequência se repete; 5) processo - como está a atividade organizada; e 6) resultados - porquê a atividade está a acontecer dessa maneira, quais os resultados. Estas grelhas foram organizadas por momentos/atividades-chave
da prestação de cuidados: admissão/avaliação inicial, alimentação, higiene oral, avaliação para reajuste da planificação dos cuidados e preparação para a alta, seguido de um espaço para notas de campo. A observação participante foi realizada por um dos investigadores associados ao estudo, profissional do contexto de estudo e, por isso, parte integrante da dinâmica da prestação de cuidados. Com a observação participante procuraram-se os aspetos que poderiam não ser explícitos a partir dos dados obtidos no focus group. A observação participante aconteceu durante os meses de abril a junho de 2019, altura em que foi dada por concluída por saturação por redundância de dados, tendo sido observados 12 enfermeiros, num total de 65 observações. Paralelamente, foram sendo registadas notas de campo relevantes e complementares aos dados recolhidos quer através do focus group, quer da observação participante. A análise e tratamento dos dados qualitativos foi realizada com recurso ao QDA Miner 4 Lite, que começou com uma codificação inicial que gerou uma lista de códigos que posteriormente progrediu para uma codificação focada e consequente categorização. A redução dos dados qualitativos foi realizada por meio da análise de conteúdo e a codificação e categorização foram realizadas por dois investigadores independentes. A análise dos dados quantitativos, nomeadamente os dados sociodemográficos dos participantes, foi realizada com recurso ao IBM SPSS Statistics, versão 25.0. Todos os participantes consentiram à participação neste estudo e à gravação áudio do focus group. O Conselho de Administração da instituição autorizou o estudo, que obteve igualmente parecer favorável da Comissão de Ética.
Resultados Da análise dos achados emergiram três categorias, com diferentes subcategorias em cada uma delas (Tabela 1): Conceção dos cuidados de enfermagem, Implementação das terapêuticas de enfermagem e O ambiente de cuidados. Conceção dos cuidados de enfermagem Esta categoria emergiu da reflexão dos participantes sobre o raciocínio clínico envolvido no processo de avaliação, definição de diagnósticos de enfermagem e planificação dos cuidados. Das subcategorias incluídas nesta categoria, a que se salienta pela sua frequência é a documentação das práticas, ao que os participantes deram particular relevância: “não registamos todos da mesma maneira. Os registos é o mais difícil” (enfermeiro [E]5, maio de 2019), “já tinha dito que mesmo no SClínico tem lá a parte de avaliar a deglutição e nós não conseguimos. Nós não conseguimos preencher o quadro que lá está” (E12, maio de 2019), “a escala que está no SClínico ninguém sabe fazer . . . e depois em termos de registos é complicado de fazer esses registos” (E2, maio de 2019), “não sabemos como fazer . . . pomos em notas gerais” (E5, junho de 2019). Os participantes não descuram a importância da documentação, “como registamos também é importante” (E12, maio de 2019), e entendem ser relevante conseguir “colocar nos registos os dados da avaliação, diagnósticos e
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Oliveira, I. J. et al.
intervenções para depois podermos extrair os resultados e informação” (E2, maio de 2019). Registam-se ainda as seguintes observações: As dietas, consistências e restrições alimentares estão registadas num sistema informático de gestão hospitalar de aprovisionamento e farmácia, não sendo realizado qualquer registo no processo clínico. Toda a informação considerada relevante é transmitida oralmente entre os diferentes profissionais, por exemplo a necessidade de estratégias adaptativas ou ajudas técnicas. (nota de campo [NC]7, maio de 2019). Para além disso, todos os dados de evolução são, como referido acima, monitorizados pelas terapeutas da fala e “transmitidos oralmente aos restantes profissionais” (NC18, junho de 2019). Na subcategoria conhecimento/formação, os participantes manifestaram dificuldade na conceção de cuidados de enfermagem à pessoa com deglutição comprometida por considerarem que durante a sua formação pré-graduada esta temática não terá sido abordada, “na formação de base não tive mesmo formação nenhuma sobre disfagia” (E5, maio de 2019). Acrescentam que: “sinto que preciso de formação em termos dos cuidados a ter com o doente com disfagia, quais são as intervenções que devemos ter no sentido de uniformizar” (E2, maio de 2019), “precisamos de melhorar os nossos conhecimentos na parte da fisiopatologia e como avaliar” (E13, maio de 2019). Este facto, relacionam e referem ter reflexo na conceção e planeamento dos cuidados, traduzido na subcategoria a avaliação da pessoa, “tenho alguma dificuldade em avaliar [a pessoa]” (E12, maio de 2019), “e avaliar é importante” (E13, junho de 2019), “não sei o que avaliar nem como avaliar no processo inicial” (E5, junho de 2019). De notar, ainda através da observação que, “não existem dados provenientes da observação que identifique os instrumentos/estratégias para avaliação das intervenções e reformulação do plano de cuidados” (NC2, abril de 2019). No âmbito da equipa multidisciplinar não são consideradas as competências dos enfermeiros no processo de avaliação, “toda a intervenção que se refere à avaliação da deglutição é definida pelo médico que orienta sempre a pessoa para a terapia da fala, não sendo valorizado o resultado das observações dos enfermeiros” (NC5, abril de 2019). “Nós às vezes até achamos que eles até podiam beber já sem espessante, mas mesmo que a gente o faça, não parte de nós fazer essa alteração e dizer “olhe, a partir de hoje pode beber” (E12, maio de 2019), “na maior parte das vezes vêm com uma indicação ou não e os médicos acabam por pedir sempre uma avaliação por parte das terapeutas” (E12, maio de 2019), “depois nós ajudamos na parte da alimentação e colaboramos com elas, mas essa avaliação, até mesmo a nível dos espessantes, são elas” (E13, maio de 2019). “A monitorização da evolução clínica da pessoa com deglutição comprometida é realizada exclusivamente pelas terapeutas da fala” (NC18, junho de 2019). Neste contexto os participantes identificam, ao nível do planeamento, dificuldades na sistematização das práticas, “devíamos padronizar as intervenções de todos os colegas no serviço, para que todos façamos da mesma forma, seria o mais importante” (E13,
junho de 2019), “e todos usarmos a mesma linguagem” (E2, maio de 2019). Estes são os fatores percecionados pelos profissionais como barreiras à conceção de cuidados. Salienta-se, ainda, da análise do corpus textual a preparação para a alta como foco de atenção dos enfermeiros, “quando as famílias vêm cá de tarde ou ao fim de semana, vemos as dificuldades delas e identificamos logo, vê-se o problema e agendamos” (E1, junho de 2019), “Vamos preparar a família para quando o doente for sair” (E5, junho de 2019). Os participantes tomam como alvo dos cuidados a pessoa e a família, “fazemos reunião familiar de 15 em 15 dias, a consulta com a família para estabelecer os objetivos e destino pós alta” (E5, maio de 2019), “regista-se a observação de várias atividades, principalmente nos turnos da tarde e fins de semana, de estratégias promotoras do envolvimento da família no processo de cuidados” (NC18, junho de 2019), com “momentos de interação dos enfermeiros com a pessoa e a sua família na capacitação para o autocuidado e para a utilização de estratégias adaptativas e ajudas técnicas para o autocuidado, tendo em vista a alta” (NC18, junho de 2019). Implementação das terapêuticas de enfermagem Esta categoria emerge da análise do discurso dos participantes em resposta ao como executam os cuidados e que decorreu de duas subcategorias. A primeira subcategoria identificada relaciona-se com a prestação de cuidados. Os participantes referem que “os enfermeiros sabem o que fazer neste e naquele doente” (E5, maio de 2019), “eu acho que todos nós sabemos atuar perante um doente com disfagia” (E2, maio de 2019), no entanto “sabemos como fazer, não fazemos é todos igual” (E12, maio de 2019), verbalizando a perceção de práticas adequadas. As refeições são, na maior parte das vezes, realizadas no refeitório, exceto em cliente com indicação para isolamento ou cuja condição clínica não permita deslocar-se para o refeitório. Assistem ou supervisionam os clientes durante a alimentação, dependendo do grau de dependência, os enfermeiros, os assistentes operacionais e as terapeutas da fala (estas apenas ao almoço em dias úteis), que utilizam como medidas compensatórias os ajustamentos posturais, modificações de consistências alimentares e ajudas técnicas e cuja duração é de cerca de 20 a 30 minutos. (NC 2, abril de 2019) Relativamente ao autocuidado higiene oral “os enfermeiros supervisionam, assistem ou substituem todos os clientes, sendo realizado uma vez por dia, com pasta de dentes fluoretada e colutório à base de benzidamina, durante cerca de 3/4 minutos” (NC 13, maio de 2019). Ainda nesta categoria encontra-se a subcategoria delegação de tarefas, sendo que no contexto da prestação de cuidados à pessoa com deglutição comprometida após o AVC é delegada nas assistentes operacionais a tarefa de alimentar o cliente “não numa fase inicial, mas sim depois quando a situação clínica está mais estável” (E5, maio de 2019), “avaliamos as condições de segurança e vemos se elas [assistentes operacionais] podem dar a alimentação” (E13, maio de 2019), “estamos sempre por perto e supervisionamos” (E12, maio de 2019).
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O ambiente de cuidados A terceira categoria identificada reflete os elementos relevantes do enunciado descritivo A organização dos cuidados de enfermagem, dos Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem (Ordem dos Enfermeiros, 2012). Relativamente à subcategoria metodologia de trabalho, a de maior expressão dentro desta categoria, os participantes referem “o problema é que o circuito aqui é mau” (E13, maio de 2019), “quando entram [clientes] não somos nós que fazemos a avaliação inicial, é feita na consulta externa e não conhecemos logo os doentes e as famílias” (E2, junho de 2019), “a admissão e avaliação inicial do cliente é realizada em outro serviço, por elementos da equipa de enfermagem desse mesmo serviço, sendo o cliente e familiar (acompanhante) posteriormente encaminhado para o serviço de internamento” (NC5, abril de 2019). A segunda subcategoria identificada com maior expressão foi recursos materiais, “não temos clorohexidina para fazer a higiene oral nos doentes com disfagia” (E5, julho de 2019), “copos [com abertura nasal] temos há pouco tempo” (E1, julho de 2019), “esses materiais são importantes para a segurança dos doentes” (E2, julho de 2019). Ainda nesta subcategoria os participantes referem “não temos bombas [para a alimentação entérica]” (E1, julho de 2019), que
identificam como útil pois “quando temos 4 ou 5 sondas na tarde é complicado” (E12, julho de 2019), “não consigo estar tanto tempo . . . meia hora para cada é mais de uma hora” (E5, julho de 2019), “isso resolvia o problema [bomba para alimentação entérica] . . . na altura chegamos a falar para o hospital adquirir, falamos” (E2, julho de 2019). Outra subcategoria, dotações, é abordada pelos participantes como constrangimento na prestação de cuidados, “…não conseguimos alimentar os doentes todos” (E13, maio de 2019), “os disfágicos devíamos de ser sempre nós” (E12, junho de 2019), “precisávamos de mais tempo para alimentar os doentes . . . e tratar da higiene oral” (E5, junho de 2019), “não fazemos a higiene oral com a frequência que devíamos de fazer, não conseguimos, depende de como está o serviço” (E2, junho de 2019). As outras subcategorias identificadas são a motivação, “as pessoas [enfermeiros] andam desmotivadas” (E13, junho de 2019) e “a motivação é importante” (E12, junho de 2019) e a cultura organizacional/corporativismo, “a parte interdisciplinar pode ser mais difícil porque vivemos num contexto muito próprio nesse aspeto” (E13, maio de 2019), “as terapeutas sentem isto como um afrontamento se tivermos ali alguma intervenção direta e aí é mais difícil porque deveríamos funcionar em complementaridade” (E5, maio de 2019).
Tabela 1 Frequência da codificação das unidades de registo para cada subcategoria Categoria
Subcategoria
Conceção dos cuidados de enfermagem
Implementação das terapêuticas de enfermagem
O ambiente de cuidados
Frequência
%
documentação das práticas
98
25,00%
preparação para a alta
51
13,01%
competências dos enfermeiros
44
11,22%
avaliação da pessoa
35
8,93%
sistematização da prática
16
4,08%
conhecimento/formação
28
7,14%
prestação de cuidados
47
11,99%
delegação de tarefas
7
1,79%
metodologia de trabalho
22
5,61%
recursos materiais
21
5,36%
dotações
10
2,55%
cultura organizacional/corporativismo
8
2,04%
motivação
5
1,28%
392
100,00%
Total
Discussão A primeira etapa no processo de enfermagem é a avaliação, que implica a recolha de dados e informação pertinente relacionada com a pessoa/família ou comunidade, informação esta indispensável para a identificação dos diagnósticos de enfermagem (Kuiper et al., 2017). Nesta área os participantes evidenciam a influência de vários fatores no processo de tomada de decisão. A formação é um dos fatores que está positivamente relacionada com a tomada de decisão (Nibbelink & Brewer, 2018). Os participantes reconhecem a importância do desenvolvimento
profissional contínuo enquanto estratégia promotora do desenvolvimento profissional e da qualidade dos cuidados de enfermagem (Ordem dos Enfermeiros, 2012). Neste contexto, os participantes identificam que a avaliação é fundamental na conceção de cuidados como a primeira etapa para o processo de enfermagem (Kuiper et al., 2017), o que contraria achados anteriores que revelam que é baixa a consciência da importância da avaliação da deglutição nos enfermeiros (Abu-Snieneh & Saleh, 2018). Por outro lado, reconhece-se como positivo o foco na pessoa e família na preparação para a alta, verificando-se que os participantes os tomam como alvo dos cuidados, reforçando a
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importância dada pelos enfermeiros no processo de tomada de decisão colaborativo, que coloca a pessoa no centro dos cuidados de saúde (Standing, 2014). No entanto, ao nível da conceção de cuidados, os dois fatores que mais influenciam negativamente o processo de tomada de decisão são a documentação das práticas e a desvalorização das competências dos enfermeiros. Os resultados tornam clara a particular relevância atribuída pelos participantes à documentação das práticas, pelo entendimento que têm que a mesma é fundamental para a avaliação do progresso no sentido da consecução de resultados em saúde. As limitações expressas pelos participantes coincidem com os achados da análise às práticas documentais de clientes a quem, na avaliação inicial, foi identificado o compromisso na deglutição, mas que, no entanto, não ficou refletido nos diagnósticos e intervenções de enfermagem (Oliveira et al., 2019). O relato dos participantes clarifica que este é um foco valorizado na prática, no entanto existem constrangimentos na operacionalização da documentação. Importa compreender se essas limitações são inerentes ao sistema de informação ou aos profissionais, uma vez que neste momento é crescente a evidência da necessidade de melhorar a documentação das práticas (Abreu et al., 2015; Oliveira et al., 2019). Só assim é possível medir os ganhos em saúde dos clientes sensíveis aos cuidados de enfermagem, tornando claro o contributo da enfermagem, no seio da equipa multidisciplinar, para a consecução de resultados em saúde. Este é o mandato social da profissão e a existência de um sistema de registos de enfermagem “que incorpore sistematicamente, entre outros dados, as necessidades de cuidados de enfermagem do cliente” contribui para a máxima eficácia na organização dos cuidados de enfermagem (Ordem dos Enfermeiros, 2012, p. 18). Outro dos fatores que influencia em grande medida o processo de tomada de decisão é a desvalorização das competências dos enfermeiros. Estes resultados evidenciam a atualidade da lógica da hierarquização em que o princípio dominante do trabalho é a oposição entre o comando e a execução, desenvolvendo-se a relação entre enfermeiros e terapeuta da fala numa relação de dominação/subordinação ao invés de cooperação (Carapinheiro, 1998). Esta lógica é potenciada pelas metodologias de trabalho instituídas e por fatores identificados no ambiente de cuidados, como a cultura organizacional. Estes constrangimentos impelem a perda de autonomia dos enfermeiros, passando estes a assumir o papel de executor numa lógica de intervenção interdependente (Decreto-Lei n.º 161/96, de 4 de Setembro), distanciando-se da utilização da metodologia científica que caracteriza o processo de cuidados de enfermagem (Kuiper et al., 2017). Os profissionais, mesmo com vários anos de exercício profissional naquele contexto, que levaria a pressupor um elevado nível de proficiência, não se assumem como peritos nesta área, influenciando negativamente o processo de tomada de decisão. Existem ainda outras subcategorias identificadas no ambiente de cuidados que contribuem negativamente: as dotações e a motivação. Efetivamente, as dotações têm impacte na qualidade e segurança dos cuidados e, mesmo sendo difícil a definição de dotações seguras em enfermagem (Freitas & Parreira, 2013), a evidência mostra que a redução do
rácio cliente/enfermeiro melhora os resultados dos clientes (Aiken, et al., 2011) o que, por sua vez, tem impacte na motivação. É conhecido o efeito do ambiente de cuidados, incluindo a dotação, na motivação profissional (Freitas & Parreira, 2013). Ao nível da prestação de cuidados, na categoria Implementação das terapêuticas de enfermagem, existe por parte dos participantes a perceção de práticas adequadas, traduzida na implementação de estratégias compensatórias. Este conjunto de medidas parece ser o mais eficaz para garantir a segurança da via aérea das pessoas com deglutição comprometida após o AVC (Bath, Sean, & Everton, 2018). Os participantes revelam igualmente valorizar o autocuidado higiene oral na pessoa com deglutição comprometida. De facto, a implementação de protocolos de higiene oral intensificada com utilização de clorohexidina reduz a incidência de pneumonia por aspiração (Sørensen, et al., 2013). Quando os enfermeiros incorporam na sua prática clínica os princípios da PBE, promovem a qualidade dos cuidados e satisfação do cliente, melhoram a saúde das populações, reduzem custos em saúde e aumentam a satisfação profissional (Melnyk et al., 2017). As principais limitações deste estudo relacionam-se com o facto de este ter sido desenvolvido num contexto de prática clínica concreto e com foco na deglutição. Existirão constrangimentos que são próprios deste contexto e outros, nomeadamente relativos aos sistemas de informação e à documentação das práticas, que carecerão de validação em outros contextos de prática cínica através da replicação de estudos desta natureza.
Conclusão O corpus de análise para este estudo foi constituído pela totalidade do conteúdo dos focus group, da observação participante e notas de campo, excluídos os aspetos considerados acessórios. Verifica-se congruência entre o relatado pelos participantes e o que efetivamente desenvolvem. Em resposta à questão de investigação, existem vários fatores que influenciam negativamente o processo de tomada de decisão em enfermagem para a conceção dos cuidados à pessoa com deglutição comprometida após o AVC resultante, por um lado, da perceção dos participantes de não possuírem competências e, por outro, de barreiras organizacionais, o que os leva a desenvolverem as suas práticas assentes na lógica de intervenção interdependente. Relativamente às terapêuticas de enfermagem à pessoa com deglutição comprometida após o AVC tendo por foco nomeadamente a alimentação e o autocuidado higiene oral, os participantes utilizam medidas compensatórias promotoras da segurança da via aérea, reconhecendo, no entanto, espaço para melhorar as suas práticas e a necessidade de formação contínua. Salienta-se o foco na pessoa e família e o seu envolvimento no processo de cuidados, indo ao encontro do exercício de excelência preconizado no mandato social da profissão. Na perspetiva da organização dos cuidados, estes resultados vêm uma vez mais evidenciar a importância de se melhorar a documentação das práticas uma vez que o executado não
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Oliveira, I. J. et al.
corresponde ao documentado e a existência de aspetos organizacionais que têm repercussão na conceção dos cuidados de enfermagem. Ressaltam, como implicações para a prática clínica, o facto de que as práticas assentes numa lógica de intervenção interdependente comprometem negativamente o processo de tomada de decisão, o que se traduz no risco de perda de autonomia da profissão. Para além disso, de salientar a potencial dificuldade de mensuração dos ganhos sensíveis aos cuidados de enfermagem por constrangimentos na documentação, obstaculizando a produção de evidência daquilo que é resultante da intervenção autónoma do enfermeiro. Contribuição de autores Conceptualização: Oliveira, I. J. Metodologia: Oliveira, I. J., Mota, L. N., Couto, G. R. Tratamento de dados: Oliveira, I. J., Almeida, S. F., Couto, G. R. Redação - preparação do rascunho original: Oliveira, I. J., Almeida, S. F. Redação - revisão e edição: Oliveira, I. J., Almeida, S. F., Mota, L. N., Couto, G. R. Referências bibliográficas Abreu, W., Barroso, C., Segadães, M., & Teixeira, S. (2015). Promotion of self-care in clinical practice: Implications for clinical supervision in nursing. International Journal of Information and Education Technology, 5(1), 6-9. doi:10.7763/IJIET.2015.V5.466 Abu-Snieneh, H., & Saleh, M. (2018). Registered nurse’s competency to screen dysphagia among stroke patients: Literature review. The Open Nursing Journal, 12, 184-194. doi:10.2174/1874434601812010184 Aiken, L., Cimiotti, J., Sloane, D., Smith, H., Flynn, L., & Neff, D. (2011). Effects of nurse staffing and nurse education on patient deaths in hospitals with different nurse work environments. Medical Care, 49(12), 1047-1053. doi:10.1097/MLR.0b013e3182330b6e Bath, P., Sean, H., & Everton, L. (2018). Swallowing therapy for dysphagia in acute and subacute stroke. Cochrane Database of Systematic Reviews, 10, CD000323. doi:10.1002/14651858. CD000323.pub3 Benner, P. (2001). De iniciado a perito. Coimbra, Portugal: Quarteto. Carapinheiro, G. (1998). Saberes e poderes no hospital. Porto, Portugal: Edições Afrontamento. Charmaz, K. (2006). Constructing grounded theory: A practical guide
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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Construção e validação de uma Escala de Avaliação de Informação Pré-Operatória Development and validation of a Preoperative Information Assessment Scale Construcción y validación de una Escala de Evaluación de la Información Preoperatoria
Marco António Rodrigues Gonçalves 1, 2, 3 https://orcid.org/0000-0001-7342-8145 Maria da Nazaré Ribeiro Cerejo 2 https://orcid.org/0000-0001-7144-4571
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal 1
Unidade de Investigação em Ciências da Saúde (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal 2
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), Universidade do Porto, Porto, Portugal 3
Resumo Enquadramento: A transmissão de informações no pré-operatório é uma estratégia adotada pelos enfermeiros para controlar os níveis de ansiedade da pessoa que será submetida a cirurgia programada. Uma ferramenta que avalie essa informação contribui para a melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem. Objetivos: Construir e validar uma escala para avaliação da informação pré-operatória. Metodologia: Estudo psicométrico. Foi desenvolvida uma lista de 15 itens com base na revisão da literatura e experiência dos investigadores, na forma de escala tipo likert, aplicada a 200 pessoas no pré-operatório de cirurgia programada. A validade de construto foi estudada pela análise fatorial exploratória, método dos componentes principais, rotação varimax, tipo ortogonal. Resultados: O valor dos testes de Kaiser-Meyer-Olkin e de esfericidade de Bartlett confirmam a adequabilidade do modelo e a prossecução com a análise fatorial exploratória, extraindo-se dois fatores que explicam 53,48% da variância total. O alfa de Cronbach global foi de 0,903. Conclusão: A versão final da escala apresenta boas propriedades psicométricas, permitindo avaliar a perceção da pessoa acerca da informação que possui. Palavras-chave: enfermagem perioperatória; cuidados pré-operatórios; educação em saúde; estudo de validação; análise fatorial Abstract Background: Preoperative information provision is a strategy used by nurses to control elective surgical patients’ anxiety levels. A tool for assessing this information will improve the quality of nursing care. Objective: To develop and validate a preoperative information assessment scale. Methodology: Psychometric study. A Likert-type 15-item scale was developed based on a literature review and the researchers’ experience. The scale was applied to 200 patients undergoing elective surgery in the preoperative period. Construct validity was assessed through exploratory factor analysis, principal components method, Varimax orthogonal rotation. Results: The KMO measure (0.92) and Bartlett’s test of sphericity confirm the model’s suitability. Two factors were extracted with the exploratory factor analysis, explaining 53.48% of the total variance. Cronbach’s alpha for the total scale was 0.903. Conclusion: The final version of the scale has good psychometric properties and allows assessing the patient’s perception of the information received. Keywords: perioperative nursing; preoperative care; health education; validation study; factor analysis
Autor de correspondência Marco António Rodrigues Gonçalves E-mail: enfmarcopbl@esenfc.pt
Recebido: 18.05.20 Aceite: 26.10.20
Resumen Marco contextual: La transmisión de información en el preoperatorio es una estrategia adoptada por los enfermeros para controlar los niveles de ansiedad de la persona que se someterá a una cirugía programada. Una herramienta que evalúa esta información contribuye a mejorar la calidad de la atención de enfermería. Objetivos: Construir y validar una escala para evaluar la información preoperatoria. Metodología: Estudio psicométrico. Se elaboró una lista de 15 ítems, basada en la revisión de la literatura y la experiencia de los investigadores, como una escala de tipo Likert, y se aplicó a 200 personas en el período preoperatorio de una cirugía programada. La validez de constructo se estudió mediante el análisis factorial exploratorio, el método de componentes principales, la rotación varimax, el tipo ortogonal. Resultados: El valor de la prueba de Kaiser-Meyer-Olkin y de esfericidad de Bartlett confirman la adecuación del modelo y la continuación con el análisis factorial exploratorio, extrayendo dos factores que explican el 53,48% de la varianza total. El alfa de Cronbach global fue de 0,903. Conclusión: La versión final de la escala tiene buenas propiedades psicométricas, lo que permite evaluar la percepción de la información que tiene la persona. Palabras clave: enfermería perioperatoria; cuidados preoperatorios; educación en salud; estudio de validación; análisis factorial
Como citar este artigo: Gonçalves, M. A., & Cerejo, M. N. (2020). Construção e validação de uma Escala de Avaliação de Informação Pré-Operatória. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20067. doi:10.12707/ RV20067
Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20067 DOI: 10.12707/RV20067
pp. 1 - 8
Gonçalves, M. A., & Cerejo, M. N.
Introdução A enfermagem desempenha um papel fundamental na satisfação das necessidades dos doentes, nomeadamente nas necessidades de informação quando estes são confrontados com a possibilidade de serem submetidos a uma intervenção cirúrgica (Gomes, 2009). A importância do ensino pré-operatório ao doente cirúrgico tem vindo a ser amplamente reconhecida. De acordo com Gonçalves (2016), cada doente deve ser visto como um indivíduo único com as suas preocupações e necessidades próprias, devendo o ensino ser iniciado pelos enfermeiros, logo que possível, continuando até que o doente chegue ao bloco operatório. De um modo geral, podemos afirmar que o doente sente a necessidade de obter informações sobre diversos aspetos em contexto de saúde, e cabe ao enfermeiro o dever de transmitir dados sobre a sua situação clínica e cuidados de enfermagem (Gonçalves, Cerejo, & Martins, 2017). Neste sentido, considerou-se pertinente a construção de um instrumento que permita avaliar o nível de informação pré-operatória que os doentes submetidos a cirurgia programada possuem, sendo objetivo deste estudo construir e validar uma escala de avaliação da informação pré-operatória.
Enquadramento A cirurgia constitui-se como uma nova realidade que provoca alterações profundas na vida de cada indivíduo, tendo implicações importantes no bem-estar e na saúde, nos padrões basilares da vida ao nível individual e familiar (Gonçalves et al., 2017). A transição de saúde-doença, como é considerada a experiência cirúrgica, está associada a uma mudança súbita no desempenho de papel resultante da alteração da condição de saúde. Esta transição possui determinadas propriedades, como sejam, a consciencialização, o envolvimento e a mudança, às quais o enfermeiro deve prestar uma especial atenção de modo a auxiliar o doente a ultrapassar esta fase de transição de forma tranquila e adaptada, nomeadamente através da educação para a saúde, capacitando a pessoa e ajudando-a a adquirir estratégias de coping que lhe permitam enfrentar da melhor forma a cirurgia (Meleis, 2010). A informação providenciada pelos enfermeiros ajuda a aumentar a satisfação dos doentes, a reduzir a ansiedade e a proporcionar uma rápida recuperação em casa. O fornecimento de informação ao doente cirúrgico tem vindo a alterar-se tanto no conteúdo como na forma. Por vezes, a abordagem ainda é focada na tarefa, havendo oportunidades restritas para o diálogo entre o enfermeiro e o doente, limitando a possibilidade de este colocar questões (Mitchell, 2016). De acordo com Medina-Garzón (2019), uma comunicação empática com o doente cirúrgico, através de uma intervenção informativa, contribuirá para a diminuição da ansiedade pré-operatória em cirurgia programada. Ainda, segundo Alacadag e Cilingir (2018), determinar
as necessidades informativas do doente cirúrgico contribuirá para colmatar a falta de conhecimento e reduzir a ansiedade. Esta avaliação ajudará também os enfermeiros a transmitir informação à pessoa em situação perioperatória, aumentando a sua satisfação e a qualidade dos serviços de saúde. Este é um aspeto que nos conduz à necessidade de uma abordagem estruturada por parte do enfermeiro no pré-operatório, nomeadamente através da realização de uma consulta de enfermagem, dado que o fornecimento de informações que vão ao encontro dos interesses e dúvidas do doente, durante encontros de duração limitada, é um dos desafios da cirurgia programada atual.
Questão de investigação Quais as propriedades psicométricas da Escala de Avaliação de Informação Pré-Operatória?
Metodologia Trata-se de um estudo psicométrico. Começou-se por construir um conjunto de afirmações (itens) tendo por base a experiência dos investigadores e revisão da literatura sobre a temática da informação pré-operatória. Deste processo resultou uma lista de 15 itens perante os quais os indivíduos da amostra tinham de responder se estavam: nada informados, pouco informados, informados o suficiente ou informados demais. Cada afirmação foi pontuada com 0, 1, 3 ou 2 pontos, respetivamente. A pontuação total obtida poderia oscilar entre 0 e 45 pontos, sendo que quanto maior a pontuação, melhor a perceção dos doentes relativamente à informação pré-operatória que possuem acerca do ato anestésico-cirúrgico. A escala é constituída por dois fatores (subescalas), e dado que cada um deles possui número de itens diferente, foi necessário reduzi-los à mesma ordem de grandeza e, para tal, o somatório de cada um foi dividido pelo número de itens. No sentido de considerar como critérios fundamentais a clareza, a compreensão simples e a representatividade temática, dispuseram-se os itens num quadro que se designou de Escala de Avaliação de Informação Pré-Operatória. A escala foi antecedida de um conjunto de instruções de preenchimento, com o seguinte teor: “As afirmações que se seguem estão relacionadas com a informação que tem neste momento acerca da anestesia e cirurgia. Assinale com um (X) o nível de informação que tem”. No início do quadro, era ainda apresentada a expressão: “Estou informado(a) …”, na continuidade da qual deveria ser lido cada um dos itens. A amostra deste estudo foi não probabilística por conveniência ou acidental, constituída por 200 doentes propostos para cirurgia programada internados em serviços de cirurgia geral, ortopedia, ginecologia e urologia de um centro hospitalar da zona centro de Portugal, entre setembro e novembro de 2015. Os critérios de inclusão no estudo (elegibilidade) foram
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os seguintes: ter idade igual ou superior a 18 anos; ter capacidade para ler, interpretar e dar respostas por escrito; ter acuidade auditiva e visual e sem alterações mentais, que possam interferir no autopreenchimento do instrumento; e estar a aguardar uma cirurgia programada no âmbito das especialidades cirúrgicas referidas. Foi aplicado um pré-teste a nove doentes. Na primeira versão da escala, as possibilidades de resposta eram: discordo completamente, discordo, não concordo nem discordo, concordo e concordo completamente. Verificou-se que surgiram dúvidas no preenchimento da escala, tendo-se optado pelo grupo de respostas possíveis, já referido anteriormente. O questionário final aplicado foi constituído por algumas questões acerca de dados sociodemográficos e a Escala de Avaliação de Informação Pré-Operatória. Responderam ao questionário 200 doentes, dos quais 54,5% mulheres e 45,5% homens, com uma média de idades de 53 anos. Após a realização de formação às equipas de enfermagem dos diferentes serviços, contou-se com a sua colaboração na entrega e recolha dos questionários de autopreenchimento aos doentes, não se seguindo um protocolo de informação pré-operatória pré-estabelecido, mas antes o protocolo habitual. O respeito pela autodeterminação de cada participante foi traduzido pela sua participação voluntária e com obtenção de prévio consentimento informado. Foi obtida autorização da administração do centro hospitalar e parecer favorável de Comissão de Ética (Ofício n.º CES/114 e Parecer n.º 268/03-2015).
Resultados A amostra foi constituída maioritariamente por indivíduos do sexo feminino (54,5%), do foro da cirurgia geral (56,0%) e que iriam ser submetidos a grande cirurgia (57,5%). Os inquiridos tinham uma média de idade de 53,17 anos e mediana de 53 anos. O grupo etário dos 51 aos 65 anos foi o mais representativo (32,5%). A maioria dos indivíduos da amostra possuía o 1.º ciclo do ensino básico (35,0%) em relação às habilitações literárias. Quanto à situação profissional, cerca de 51,0% da amostra estava empregado, enquanto que 33,0% era reformado. Relativamente ao estado civil, a maioria (76,5%) era casado ou vivia em união de facto, e cerca de 60,0% residia em meio rural. De modo a proceder ao estudo das suas características psicométricas, analisou-se a escala relativamente à sua confiabilidade global, pela correlação de cada item com o total da escala, a análise do seu impacto no valor de alfa e algumas medidas descritivas. Obteve-se um valor de alfa global de 0,903, que de acordo com Pestana e Gageiro (2014) é considerado muito bom, sendo o valor mais baixo de correlação de um item com o global de 0,121 para o item 2 (Tabela 1). Ainda assim, optou-se por não retirar este item, baseado na experiência e conhecimento dos investigadores acerca da preparação pré-operatória que é efetuada de um modo geral nos serviços cirúrgicos, admitindo-se, no entanto, que em futuras investigações com amostras maiores se possa tornar benéfica a sua eliminação.
Tabela 1 Matriz de correlações dos itens (n = 200) Itens
Correlação de item-total
sem o item
1
Acerca do que me vão fazer antes da operação (Por exemplo: rapar dos pelos, duche, medicação)
0,327
0,905
2
Da necessidade de fazer alguns exames (Por exemplo: eletrocardiograma, análises ao sangue, Raio-X ao Tórax) antes da operação
0,121
0,908
3
Da hora da operação
0,309
0,907
4
Sobre como se processa a anestesia
0,582
0,897
5
Sobre os vários locais por onde vou passar no dia da operação
0,630
0,895
6
Sobre o tipo de material que terei depois da operação (Por exemplo: soro, drenos, pensos, sondas)
0,686
0,893
7
Sobre quando poderei ter visitas depois da operação
0,564
0,898
8
Sobre o que fazer quando tiver dores depois da operação
0,688
0,893
9
Sobre quando me poderei levantar depois da operação
0,746
0,891
10
Sobre como deverei fazer para tossir depois da operação
0,616
0,896
11
Do modo como me deverei movimentar na cama depois da operação
0,703
0,892
12
Sobre quando é que o meu intestino vai começar a funcionar depois da operação
0,687
0,893
13
Sobre quando poderei beber e comer depois da operação
0,758
0,890
14
Sobre quanto tempo poderei ficar internado no hospital
0,571
0,898
15
Acerca dos cuidados a ter depois da alta (esforços, alimentação, pensos)
0,647
0,895
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Na Tabela 2 podem observar-se as medidas estatísticas de cada um dos itens da escala. Tabela 2 Medidas estatísticas por item (n = 200) Itens
Média
Desvio-Padrão
1
2,585
0,8404
2
2,735
0,6137
3
2,155
1,1652
4
1,540
1,2675
5
1,500
1,2955
6
1,540
1,2754
7
1,910
1,2569
8
1,680
1,3177
9
1,275
1,2639
10
0,915
1,1198
11
1,125
1,2276
12
0,905
1,1280
13
1,255
1,2720
14
1,765
1,2954
15
1,355
1,2637
Os valores obtidos até aqui permitiram avançar para a análise da estrutura deste instrumento. Procedeu-se, assim, à realização de análises fatoriais com rotação ortogonal Varimax, com normalização de Kaiser. A medida de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) foi de 0,912, o que se traduz numa boa adequação da amostra para análise. O valor do teste de esfericidade de Bartlett foi de X2 = 1384,083; p = 0,000, o que permitiu prosseguir com a análise fatorial. O próximo passo foi determinar o número de fatores a extrair, sendo que segundo Filho e Júnior (2010), o ob-
jetivo é determinar a quantidade de fatores que melhor representa o padrão de correlação entre os itens. Assim, utilizou-se o critério de variância acumulada para determinar a quantidade de fatores a extrair. Segundo este critério, a extração dos fatores deve fazer-se até que seja alcançado o patamar de 60% de variância acumulada. Neste sentido, foram extraídos 2 fatores que explicam 53,48% da variância total. Pela análise do gráfico de declive (Figura 1), também é possível observar que os dois fatores explicam uma maior variância explicada.
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Figura 1. Gráfico de Declive (Scree Plot).
Feita a análise e extraídos os componentes, pretendeu-se saber que itens constituiriam cada um dos fatores. No final, os dois fatores ficaram constituídos da seguinte forma: 1) No fator 1 saturam os itens 4, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15. Estes itens estão sobretudo relacionados com aspetos inerentes aos cuidados de enfermagem, pelo que se designou este fator de dimensão Cuidados de enfermagem; 2) No fator 2 saturam os itens 1, 2, 3, 5 e 7. São itens que dizem respeito a aspetos organizacionais e logísticos,
pelo que se designou este fator de dimensão Aspetos administrativos/organizacionais. O fator 1 apresenta um valor próprio de 6,549 e 43,66% de variância explicada, enquanto que o fator 2 apresenta 1,473 e 9,82%, respetivamente. Conforme se pode verificar, esta divisão obtida pela análise fatorial propõe um constructo com significado racional (Tabela 3). Todos os fatores apresentam cargas fatoriais elevadas, bem como comunalidades nos itens superiores a 0,40.
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Tabela 3 Matriz de saturação dos itens nos fatores para a solução rodada ortogonal de tipo Varimax com normalização de Kaiser para dois fatores e comunalidades (n = 200) Matriz componente rotativa Itens
Fator
Comunalidades
1
2
1
0,133
0,628
0,558
2
-0,109
0,615
0,708
3
0,119
0,623
0,652
4
0,540
0,374
0,588
5
0,525
0,514
0,596
6
0,694
0,276
0,570
7
0,474
0,481
0,463
8
0,652
0,373
0,565
9
0,750
0,283
0,645
10
0,752
-0,003
0,584
11
0,835
0,014
0,734
12
0,812
0,021
0,668
13
0,842
0,114
0,722
14
0,580
0,258
0,413
15
0,758
0,056
0,645
Na Tabela 4, observam-se alguns valores estatísticos descritivos relativos à globalidade da escala e a cada uma das suas dimensões. Relembra-se que a pontuação dos itens variava entre 0 e 3 pontos, sendo que quanto maior a pontuação, melhor a perceção dos doentes relativamente à informação pré-operatória que possuíam. A média dos
itens para a dimensão Cuidados de enfermagem é de 1,33 pontos, com um desvio-padrão de 0,92 pontos, enquanto que a dimensão Aspetos administrativos/organizacionais apresenta uma média de itens superior (2,17 pontos) e um desvio-padrão de 0,67 pontos. Globalmente, a média é de 1,75 pontos e o desvio-padrão de 0,71 pontos.
Tabela 4 Estatísticas descritivas relativas às duas dimensões e globalidade da escala (n = 200) Dimensão Cuidados de enfermagem
Dimensão Aspetos administrativos/ organizacionais
Global
Média
1,33
2,17
1,75
Mediana
1,30
2,20
1,80
Moda
0,00
3,00
1,50
Desvio-Padrão
0,92
0,67
0,71
Variância
0,86
0,45
0,51
Mínimo
0,00
0,20
0,15
Máximo
3,00
3,00
3,00
Estatísticas
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Analisou-se a distribuição dos valores da escala no seu global e para cada uma das dimensões. Para isso, realizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov com correção de Lilliefors. Os valores obtidos revelam que a distribuição não é normal tanto para a dimensão Cuidados de enfermagem como para a dimensão Aspetos administrativos/organizacionais (p < 0,05), pelo que nos testes seguintes foram utilizadas medidas não paramétricas. Assim, realizaram-se testes de
significância de correlação de Spearman (Tabela 5), procurando relações entre ambas as dimensões e o global da escala. Encontrou-se cada uma das dimensões fortemente correlacionadas com o global, sendo essas correlações estatisticamente significativas. Existe uma relação moderada entre a dimensão Cuidados de enfermagem e a dimensão Aspetos administrativos/organizacionais, sendo também esta estatisticamente significativa.
Tabela 5 Resultados do Teste de Correlação de Spearman entre as dimensões e globalidade da escala (n = 200) Dimensão Cuidados de enfermagem
Dimensão Aspetos administrativos/ organizacionais 0,594*
rs
Dimensão Cuidados de enfermagem
Sig. (2-tailed)
Dimensão Aspetos administrativos/ organizacionais Global
0,000
rs
0,594
Sig. (2-tailed)
0,000
rs
0,937*
0,827*
Sig. (2-tailed)
0,000
0,000
*
Nota. *Correlação significativa para p < 0,01.
Discussão Face aos resultados apresentados, devem considerar-se certas limitações ao estudo, nomeadamente para a sua generalização. A falta de instrumentos de avaliação desta temática, se por um lado contribui para justificar a pertinência da construção e validação da escala, vem por outro lado, impossibilitar o estudo da validade concorrente. Ademais, outras limitações na análise das propriedades da escala prendem-se com o facto de não se ter avaliado a estabilidade temporal, através do teste-reteste. Aponta-se ainda o facto de a escala não ter sido analisada por um conjunto de peritos na área como outra limitação. Deste modo, com o intuito da validação de conteúdo, considera-se que teria sido importante a constituição de um painel de peritos que englobasse enfermeiros que tivessem realizado investigação nesta área de estudo, com formação académica e profissional na área da enfermagem perioperatória, que estivessem ligados à prática dos cuidados à pessoa submetida a cirurgia e docentes investigadores na área, com o intuito de se obter uma versão final de consenso. Ainda assim, o percurso de desenvolvimento e validação inicial da Escala de Avaliação de Informação Pré-Operatória, aparenta ser um ponto forte que contribui para a validação científica dos resultados apresentados, e que indica o potencial de utilização da escala em futuras investigações. O valor de alfa de Cronbach da escala global, com 15 itens, foi de 0,903, o que revela uma boa consistência interna. A análise fatorial, seguida de rotação varimax extraiu duas dimensões. A composição das dimensões sugere os significados: Cuidados de enfermagem e Aspetos administrativos/organizacionais. Nigussie, Belachew, e Wolancho (2014) concluíram no seu estudo que o fornecimento de informação no período pré-operatório consegue reduzir o nível de ansiedade do
doente cirúrgico. Isto é, existe uma correlação inversa na medida em que se aumentamos o fornecimento de informações acerca do ato anestésico-cirúrgico, estamos a diminuir a ansiedade-estado dos doentes no pré-operatório, o que reforça a importância da avaliação da informação pré-operatória. De acordo com Ortiz, Wang, Elayda, e Tolpin (2015), a transmissão de informações ao doente cirúrgico no pré-operatório sobre o tipo de anestesia, opções para o controlo da dor, o que deveriam fazer no dia da cirurgia, entre outros, contribui para a melhoria da sua satisfação face ao conhecimento do processo perioperatório. Como já foi referido anteriormente, a informação fornecida aos doentes antes da cirurgia surge em alguns estudos como fator influenciador da ansiedade pré-operatória. Um estudo transversal com 99 doentes selecionados para cirurgia eletiva, realizado em Espanha, permitiu apurar resultados que vieram corroborar a hipótese de que os doentes que acreditam precisar de mais conhecimento e informações acerca do procedimento cirúrgico, têm níveis de ansiedade pré-operatória mais elevados do que aqueles que se julgam informados e com os conhecimentos suficientes (Marín, Cortés, Sanz, & Serrano, 2015). De um modo geral, pode afirmar-se que o doente sente a necessidade de obter informações sobre diversos aspetos em contexto de saúde, e cabe ao enfermeiro o dever de transmitir dados sobre os cuidados de enfermagem, após uma correta avaliação das suas necessidades informativas.
Conclusão A educação/ensino do doente cirúrgico tem sido identificada como uma forma de reduzir a ansiedade pré-operatória, sendo a informação fornecida aos doentes eficaz na redução da ansiedade em procedimentos cirúrgicos eletivos. Assim,
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os enfermeiros são instigados a desenvolver modelos de fornecimento de informações, no período pré-operatório. De acordo com os resultados deste estudo, pode afirmar-se que no período pré-operatório, a perceção dos doentes acerca da informação que possuem sobre o ato anestésico-cirúrgico é baixa. Ainda assim, percecionam como estando mais bem informados no que toca aos aspetos administrativos, organizacionais e logísticos, comparativamente com os cuidados de enfermagem de que serão alvo ao longo do período perioperatório. Não tendo encontrado na literatura nenhum instrumento que permitisse avaliar a informação que o doente submetido a cirurgia programada possui no pré-operatório, e entendendo que esse seria um aspeto central, propôs-se construir e validar um instrumento destinado a conseguir esse desiderato. Após o processo de análise fatorial exploratória da escala, esta ficou constituída por duas dimensões que na sua totalidade incluem 15 itens, que pelos resultados apresentados abrem o caminho para a sua aplicação numa amostra maior, dando continuidade ao estudo de validação da escala. A avaliação da informação que o doente proposto para cirurgia programada possui, torna-se fulcral para a melhoria contínua da qualidade dos cuidados de enfermagem que são prestados à pessoa em situação perioperatória. Por último, sugere-se a aplicação da escala de forma mais alargada de modo a aumentar a robustez da mesma e a amostras com características de aleatoriedade, para que se possa generalizar os resultados e considerá-la como válida e fiável. Contribuição de autores Conceptualização: Gonçalves, M. A., Cerejo, M. N. Tratamento de dados: Gonçalves, M. A., Cerejo, M. N. Metodologia: Gonçalves, M. A., Cerejo, M. N. Redação - preparação do rascunho original: Gonçalves, M. A. Redação - revisão e edição: Gonçalves, M. A., Cerejo, M. N. Referências bibliográficas Alacadag, M., & Cilingir, D. (2018). Presurgery anxiety and day surgery patients’ need for information. Journal of PeriAnesthesia Nursing, 33(5), 658–668. doi:10.1016/j.jopan.2017.06.125
Filho, D. B., & Júnior, J. A. (2010). Visão além do alcance: Uma introdução à análise fatorial. Revista Opinião Pública, 16(1), 160185. doi:10.1590/S0104-62762010000100007 Gomes, N. C. (2009). O doente cirúrgico no período pré-operatório: Da informação recebida às necessidades expressas (Dissertação de mestrado). Universidade do Porto, Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, Portugal. Recuperado de https://repositorio-aberto. up.pt/bitstream/10216/16187/2/O%20DOENTE%20CIRRGICO%20NO%20PERODO%20PROPERATRIO%20DA%20 INFORMA%c3%83O%20R.pdf Gonçalves, M. A. (2016). Influência da informação de enfermagem na ansiedade pré-operatória (Dissertação de mestrado). Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal. Gonçalves, M. A., Cerejo, M. N., & Martins, J. C. (2017). A influência da informação fornecida pelos enfermeiros sobre a ansiedade pré-operatória. Revista de Enfermagem Referência, 4(14), 17-26. doi:10.12707/RIV17023 Marín, M. D., Cortés, A. L., Sanz, Y. M., & Serrano, R. M. (2015). Aspectos de la información preoperatoria con la ansiedad del paciente programado para cirugía. Revista Enfermería Global, 37, 181-191. Recuperado de http://revistas.um.es/eglobal/article/ download/185281/169021 Medina-Garzón, M. (2019). Effectiveness of a nursing intervention to diminish preoperative anxiety in patients programmed for knee replacement surgery: Preventive controlled and randomized clinical trial. Investigación y Educación En Enfermería, 37(2). doi:10.17533/udea.iee.v37n2e07 Meleis, A. I. (2010). Transitions theory: Middle range and situation-specific theories in nursing research and practice. New York, NY: Springer Publishing Company. Mitchell, M. (2016). Day surgery nurses’ selection of patient preoperative information. Journal of Clinical Nursing, 26(1-2), 225237. doi:10.1111/jocn.13375 Nigussie, S., Belachew, T., & Wolancho, W. (2014). Predictors of preoperative anxiety among surgical patients in Jimma University Specialized Teaching Hospital, South Western Ethiopia. Bio Med Central Surgery, 14(67), 1-10. doi:10.1186/1471-2482-14-67 Ortiz, J., Wang, S., Elayda, M. A., & Tolpin, D. A. (2015). Informação pré-operatória ao paciente: Podemos melhorar a satisfação e reduzir a ansiedade? Revista Brasileira de Anestesiologia, 65(1), 7-13. doi:10.1016/j.bjane.2013.07.009 Pestana, M., & Gageiro, J. (2014). Análise de dados para ciências sociais: A complementaridade do SPSS (6.ª ed.). Lisboa, Portugal: Edições Sílabo.
Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20067 DOI: 10.12707/RV20067
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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Diagnósticos de enfermagem em idosos hospitalizados à luz da teoria do conforto de Kolcaba
Nursing diagnoses in hospitalized elderly patients based on Kolcaba’s Comfort Theory Diagnósticos de enfermería en ancianos hospitalizados según la teoría del confort de Kolcaba Rosane Barreto Cardoso 1 https://orcid.org/0000-0001-8052-8697 Priscilla Alfradique de Souza 2 https://orcid.org/0000-0002-4625-7552 Célia Pereira Caldas 1 https://orcid.org/0000-0001-6903-1778 Graziele Ribeiro Bitencourt 3 https://orcid.org/0000-0002-9130-9307
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil 1
2 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
3 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Autor de correspondência Rosane Barreto Cardoso E-mail: rosane.bcardoso@gmail.com
Recebido: 14.05.20 Aceite: 31.07.20
Resumo Enquadramento:. É fundamental que o enfermeiro incorpore ações para a promoção do conforto ao idoso nas unidades de terapias intensivas (UTI). Objetivo: Identificar os diagnósticos de enfermagem (DE) em idosos hospitalizados numa UTI; categorizar os diagnósticos conforme as dimensões do conforto (Física, Psicoespiritual, Sociocultural e Ambiental) da teoria de Kolcaba. Metodologia: Estudo transversal. Foram analisados 103 registos clínicos de idosos internados entre 01/10/2019 e 31/12/2019 numa UTI de um hospital, localizado na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Resultados: A mediana da idade dos idosos foi de 82 anos e 58,25% eram do sexo feminino. Foi identificada a frequência de 1140 DE distribuídos em 26 títulos e seis domínios da taxonomia NANDA-I. Dos 26 títulos de diagnósticos, 80,77% foram categorizados como pertencentes à dimensão do conforto físico, 11,54% ao conforto sociocultural, 3,58% ao conforto ambiental e 3,58% ao conforto psicoespiritual. Conclusão: A incorporação de teoria ao processo de enfermagem poderá auxiliar o enfermeiro na identificação e implementação de medidas de conforto em todas as dimensões ao idoso hospitalizado. Palavras-chave: teoria de enfermagem; processo de enfermagem; diagnóstico de enfermagem; conforto do paciente; cuidado de enfermagem ao idoso hospitalizado Abstract Background: Nurses should implement actions that promote comfort in elderly patients hospitalized in Intensive Care Units (ICUs). Objective: To identify nursing diagnoses (NDs) in hospitalized elderly patients in an ICU; to categorize diagnoses according to the dimensions of comfort (physical, psychospiritual, sociocultural, and environmental) in Kolcaba’s theory. Methodology: Cross-sectional study. Analysis of the 103 clinical records of elderly patients admitted to an ICU of a hospital located in Rio de Janeiro, Brazil, between 1 January and 31 December 2019. Results: The median age was 82 years, and 58.25% of elderly patients were women. A total of 1,140 NDs were identified and distributed across 26 titles and six domains of NANDA-I Taxonomy. Of the 26 titles, 80.77% were categorized as belonging to the dimension of physical comfort, 11.54% to sociocultural comfort, 3.58% to environmental comfort, and 3.58% to psychospiritual comfort. Conclusion: The integration of a theory into the nursing process may assist nurses in identifying and implementing comfort measures in all dimensions for hospitalized elderly patients. Keywords: nursing theory; nursing process; nursing diagnosis; patient comfort; nurses improving care for health system elders Resumen Marco contextual: Es esencial que el enfermero incorpore acciones para promover el confort de los ancianos en las unidades de tratamientos intensivos (UTI). Objetivo: Identificar los diagnósticos de enfermería (DE) en pacientes ancianos en una UTI; categorizar los diagnósticos según las dimensiones del confort (física, espiritual, sociocultural y ambiental) de la teoría de Kolcaba. Metodología: Estudio transversal. Se analizaron 103 registros clínicos de ancianos internados entre el 01/10/2019 y el 31/12/2019 en una UTI de un hospital localizado en la ciudad de Río de Janeiro, Brasil. Resultados: La edad media de los ancianos era de 82 años y el 58,25% eran mujeres. Se identificó la frecuencia de 1140 DE distribuidos en 26 títulos y seis dominios de la taxonomía NANDA-I. De los 26 títulos de diagnóstico, el 80,77% se clasificó como perteneciente a la dimensión de confort físico, el 11,54% al confort sociocultural, el 3,58% al confort ambiental y el 3,58% al confort psicoespiritual. Conclusión: La incorporación de la teoría en el proceso de enfermería puede ayudar al enfermero a identificar y aplicar medidas de confort en todas las dimensiones para el anciano hospitalizado. Palabras clave: teoría de enfermería; proceso de enfermería; diagnóstico de enfermería; comodidad del paciente; cuidados de enfermería para ancianos hospitalizados
Como citar este artigo: Cardoso, R. B., Souza, P. A., Caldas, C. P., & Bitencourt, G. R. (2020). Diagnósticos de enfermagem em idosos hospitalizados à luz da teoria do conforto de Kolcaba. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20066. doi:10.12707/RV20066
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Introdução O envelhecimento populacional é um fenómeno mundial que se destaca pela sua heterogeneidade e multidimensionalidade. O aumento global do número de idosos vem acompanhado de declínio funcional e vulnerabilidade a condições crónicas (Oliveira et al., 2018). Tal, resulta numa procura crescente por serviços de saúde, principalmente internamentos nas unidades de terapia intensiva (UTI), pois muitas vezes as doenças que atingem os idosos exigem cuidados intensivos com recurso a tecnologias mais complexas (Santos et al., 2018). No Brasil, os idosos são responsáveis por 42 a 52% dos internamentos em UTI. Os idosos consomem 60% das hospitalizações e recursos financeiros disponíveis para UTI no país, com uma taxa de mortalidade que chega a atingir 62%, enquanto o número de óbitos entre indivíduos adultos no setor é de cerca de 25% (Bonfada, Santos, Lima, & Garcia-Altés, 2017). A hospitalização tende a ser uma experiência pouco agradável e pode acentuar a fragilidade do idoso, deixando-o suscetível ao sofrimento e desconforto, o que pode prejudicar a sua recuperação (Carvalho, Valle, Jacinto, Mayoral, & Boas, 2018). É fundamental o equipamento tecnológico nas UTI. Porém, o cuidado aos pacientes ultrapassa esse aspeto uma vez que deve ser considerada e respeitada a necessidade de conforto do idoso (Cardoso, Pacheco, et al., 2019). As medidas de conforto são relevantes para o restabelecimento da saúde do idoso hospitalizado (Faria, Pontífice-Sousa, & Gomes, 2018). Tal acontece uma vez que o conforto é considerado como uma necessidade básica da pessoa humana, um resultado essencial do cuidado de enfermagem, universalmente desejável, relevante em várias taxonomias profissionais e teorias de enfermagem (Kolcaba, 2003; Ponte & Silva, 2015). É um direito do idoso a satisfação das suas necessidades biopsicossociais, o respeito, o bem-estar e o conforto (Cardoso, Pacheco, et al., 2019). Entretanto, estudos apontam carências na assistência ao idoso hospitalizado (Carvalho et al., 2018; Faria et al., 2018; Santos et al., 2018). Promover conforto é um processo que vai além de posicionar o paciente adequadamente, aliviar a dor, assegurar a alimentação ou higiene (Kolcaba, 2003). Trata-se da experiência de prover ajuda e/ou encorajamento, atender às necessidades do paciente em todas as suas dimensões e providenciar medidas para alívio do sofrimento (Kolcaba, 2003; Ponte & Silva, 2015). Para isto, é necessário que o enfermeiro utilize a sua ferramenta metodológica de trabalho, que é o processo de enfermagem (PE), fundamentado numa teoria para identificar as reais necessidades do paciente, promovendo o conforto ao idoso hospitalizado. A aplicação de teoria no campo da promoção do conforto poderá auxiliar o enfermeiro na compreensão das necessidades do idoso hospitalizado e atendimento das dimensões do conforto. E, o referencial de teorias de enfermagem podem auxiliar na operacionalização do PE ao idoso hospitalizado. O objetivo deste estudo foi identificar os diagnósticos de enfermagem (DE) utilizados na assistência a idosos
internados numa UTI; categorizar os DE identificados de acordo com as dimensões do conforto (Física, Psicoespiritual, Sociocultural e Ambiental) da teoria de Kolcaba.
Enquadramento Conforme Kolcaba (2003), nas práticas de enfermagem promover conforto é garantir a satisfação das necessidades de alívio (estado no qual o paciente tem satisfeita uma necessidade específica), tranquilidade (estado de calma e bem-estar) e transcendência (condição de superação dos problemas ou sofrimento) considerando os contextos físico, psicoespiritual, sociocultural e ambiental. Os pressupostos da teoria do conforto de Kolcaba apresentam ferramentas para promover o conforto e cuidados adequados de enfermagem ao idoso hospitalizado, de forma a garantir o atendimento às suas reais necessidades (Cardoso, Caldas, & Souza, 2019; Mendes, Cruz, Rodrigues, Figueiredo, & Fialho, 2016). Sabe-se que as teorias de enfermagem estabelecem uma base de conhecimento científico para orientar a prática profissional, sistematizar o saber e organizar o cuidado (Barbosa & Silva, 2018). Para alicerçar a sua teoria, Kolcaba utilizou obras de outros enfermeiros teóricos. O estado de conforto caracterizado como alívio foi obtido a partir da teoria de Ida Jean Orlando (teoria do processo de enfermagem), que considerou que as enfermeiras aliviam as necessidades expressas dos pacientes. O conceito de conforto denominado como tranquilidade foi obtido por meio do trabalho de Virginia Henderson (teoria dos componentes de cuidados), que descreveu 14 funções básicas dos seres humanos, que necessitam de ser mantidas para a própria manutenção do equilíbrio; e transcendência, formada a partir de proposições da teoria humanista de Josephine Paterson e Loretta Zderad, onde sugerem que os pacientes podem superar as suas dificuldades com a ajuda do enfermeiro (Kolcaba, 2003). Na procura pelo desenvolvimento de um conceito de conforto holístico, Kolcaba acrescentou à teoria do conforto novos constructos, os quais foram descritos como contextos ou dimensões do conforto, a saber: Física (sensações corporais ou mecanismos homeostáticos); Psicoespiritual (significado da vida do indivíduo, consciência interna de si, o que inclui autoestima, autoconceito, sexualidade, além da espiritualidade); Sociocultural (envolve as relações interpessoais, familiares e sociais; engloba ainda aspetos financeiros); e Ambiental (que pertence a base externa da experiência humana, o meio externo, condições e influências, que englobam o ambiente; Kolcaba, 2003). Os princípios da teoria do conforto de Kolcaba asseguram estratégias para promover o conforto ao idoso hospitalizado na UTI, sustentando que: o enfermeiro, em conjunto com os outros membros da equipa multidisciplinar, identifica as necessidades não satisfeitas do idoso e da sua família; o enfermeiro define e coordena as intervenções que vão ao encontro da satisfação dessas necessidades; variáveis intermitentes são consideradas no planeamento das intervenções por serem determinantes para o sucesso das mesmas; quando a intervenção é eficaz, o resultado
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do conforto é alcançado de imediato; se alcançado o conforto, o idoso tem mais probabilidade de se envolver em comportamentos de procura de saúde, que facilitam ainda mais o conforto; o aumento do conforto é atingido quando o idoso intensifica o seu compromisso de procura de comportamentos de saúde; quando os indivíduos (idoso/família/enfermeiro) estão satisfeitos com os cuidados de saúde, poderá ocorrer o reconhecimento público da instituição ao cuidado de saúde (Kolcaba, 2003). O direcionamento do PE, orientado pelas proposições da teoria de Kolcaba, poderá proporcionar um cuidado baseado em evidência, possibilitando a promoção do conforto ao idoso e à sua família, mesmo num ambiente hospitalar hostil como a UTI. O PE é um instrumento metodológico que requer incorporação de perspectivas de teorias de enfermagem para tornar os resultados da assistência operacionalizáveis. Trata-se de um conjunto de ações sistematizadas e inter-relacionadas, que organiza o cuidado profissional de enfermagem, baseado num suporte teórico que orienta as suas etapas, a saber: colheita de dados ou histórico de enfermagem, diagnóstico, planeamento, implementação e avaliação (Conselho Federal de Enfermagem, 2009). O PE favorece a avaliação integral do idoso, possibilitando ao enfermeiro identificar as necessidades que resultam dos processos de envelhecimento e institucionalização, permitindo diagnosticar as situações de desconforto para o planeamento da assistência, com intervenções de enfermagem contextualizadas à realidade desse grupo etário (Mendes et al., 2016; Piccinni, Costa, & Pissaia, 2017). Os DEsão a base para a seleção de intervenções de enfermagem apropriadas para atender as necessidades de conforto do paciente (Herdman & Kamitsuru, 2018). A taxonomia North American Nursing Diagnosis Association Internacional (NANDA-I) define DE como “é um julgamento clínico sobre uma resposta humana a condições de saúde/processos da vida, ou uma vulnerabilidade a tal resposta, de um indivíduo, uma família, um grupo ou uma comunidade” (Herdman & Kamitsuru, 2018, p. 88).
Questão de investigação Qual o perfil dos DE dos pacientes idosos internados numa UTI, considerando as dimensões do conforto da teoria de Kolcaba?
Metodologia Estudo descritivo, transversal de natureza quantitativa. O local de investigação foi uma UTI de um hospital de nível terciário, direcionado para a realização de procedimentos eletivos de média e alta complexidade, localizado na cidade do Rio de Janeiro, RJ/Brasil. O hospital integra diversas especialidades como cardiologia, cirurgia vascular, neurocirurgia, hemodinâmica, cirurgia ortopédica, de coluna, bariátrica, entre outras. A unidade escolhida para colheita de dados possui 34 camas, atende pacientes adultos para tratamento cirúrgico
e clínico e a média da taxa de ocupação foi 86% no ano de 2019. Nesta instituição o PE é informatizado, onde foi adotada a estrutura taxonómica II da NANDA-I. Nesta instituição hospitalar a equipa de enfermagem passa por um processo de integração admissional, recebendo formação referente ao registo do PE. A população do estudo foi constituída por registos clínicos de pacientes idosos, definidos neste estudo como idade igual ou superior a 60 anos. A seleção da amostra foi realizada de forma não probabilística. De 436 registos clínicos de pacientes que estiveram internados na UTI, no período entre 01/10/2019 e 31/12/2019, 333 (76,38%) foram excluídos por não cumprirem os critérios de inclusão, que foram: registos clínicos de pacientes com registo de DE durante a sua permanência na UTI e idade igual ou superior a 60 anos. O critério de exclusão foi: tempo de permanência na UTI inferior a 24 horas. Para a colheita de dados foi necessário consultar os registos clínicos eletrónicos de cada paciente. Esta colheita foi realizada por uma investigadora, usando um formulário que continha informações sobre idade (em anos), sexo (feminino/masculino), dias de permanência na UTI e título de DE. A colheita foi realizada por uma investigadora que tinha conhecimento e experiência a trabalhar com os registos clínicos eletrónicos da instituição. Os DE identificados foram categorizados por consenso entre as investigadoras, conforme as definições dos contextos do conforto (Física, Psicoespiritual, Sociocultural e Ambiental) integradas na teoria de Kolcaba (Kolcaba, 2003). Para a categorização também foi consultada a listagem de diagnósticos pertencentes às classes 1 (conforto físico), 2 (conforto ambiental) e 3 (conforto social), do domínio 12 (conforto) da estrutura taxonómica II da NANDA-I (Herdman & Kamitsuru, 2018). Na taxonomia NANDA-I, os DE estão classificados e categorizados por domínios e classes. Os domínios são considerados esferas de conhecimento, ou seja, são níveis abrangentes de classificação que dividem o fenómeno em grupos principais. Os DE estão distribuídos em 13 domínios, a saber: Promoção da saúde, Nutrição, Eliminação e troca, Atividade/repouso, Percepção/cognição, Autopercepção, Papéis e relacionamentos, Sexualidade, Enfrentamento/tolerância ao stress, Princípios de vida, Segurança/proteção, Conforto e Crescimento/desenvolvimento (Herdman & Kamitsuru, 2018). Já as classes são subcategorias dos domínios, que compartilham características comuns (Herdman & Kamitsuru, 2018). Os dados foram inseridos numa folha de cálculo eletrónica no Microsoft Excel 2013. A análise descritiva das variáveis categóricas foi realizada por meio do cálculo da frequência e de percentagens. Para as variáveis contínuas, calculou-se a média, mediana, mínimo e máximo. Os resultados foram discutidos à luz dos contextos de conforto (Física, Psicoespiritual, Sociocultural e Ambiental) da teoria do conforto de Katharine Kolcaba. O estudo respeitou os princípios éticos de proteção de dados do participante, garantido o sigilo e anonimato das fontes documentais, da divulgação de dados e a fidedignidade. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pes-
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quisa em Saúde da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sob parecer nº 3.091.077 (CAAE: 03773318.2.0000.5282).
Resultados Dos 436 registos clínicos, 106 eram de pacientes com idade ≥ 60 anos. Dos 106 registos clínicos três foram excluídos pela falta de registo de DE. A amostra final foi
constituída por 103 registos clínicos de idosos hospitalizados na UTI. Houve predomínio de pacientes do sexo feminino (58,25%; n = 60). A faixa etária variou entre 60 a 98 anos, sendo 82 anos a mediana de idade entre os idosos do sexo feminino e 81 anos a mediana de idade entre os idosos do sexo masculino. Quanto aos dias de permanência na UTI, a mediana foi de seis dias, sendo cinco dias para idosos do sexo masculino. A Tabela 1 apresenta os resultados das características sociodemográficas e clínicas dos idosos hospitalizados na UTI.
Tabela 1 Características sociodemográficas e clínicas de idosos hospitalizados na UTI (n = 103) Características
n (%)
Sexo Masculino Feminino
43 (41,75%) 60 (58,25%)
Idade (anos) Média Mínimo-máximo Mediana
80,46 60-98 82
Permanência na UTI (dias) Média Mínimo-máximo Mediana
10,3 1-62 6
Quanto aos DE foram identificados 1140 diagnósticos, distribuídos em 26 DE, classificados em seis domínios da taxonomia NANDA-I. A média de diagnósticos identificados por paciente foi de 3,81 durante a permanência na UTI. A Tabela 2 apresenta os 26 DE identificados nos idosos hospitalizados na UTI, classificados por domínios da taxonomia NANDA-I. Os DE mais frequentes (igual ou acima de 50% de frequência) foram: comunicação verbal prejudicada (00051; n = 53; 51,46%); risco de glicemia instável (00179; n = 53; 51,46%); disposição para melhora do
autocuidado (00182; n = 60; 58,25%); padrão respiratório ineficaz (00032; n = 71; 68,93%); mobilidade física prejudicada (00085; n = 75; 72,82%); risco de motilidade gastrintestinal disfuncional (00196; n = 75; 72,82%); integridade da pele prejudicada (00046; n = 93; 90,29%); e risco de infecção (00004; n = 103; 100%). Quanto ao domínio dos DE identificados entre os idosos foram: Nutrição, Eliminação e troca, Atividade/repouso, Percepção/cognição, Enfrentamento/tolerância ao stress, e Segurança/proteção.
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Tabela 2 Distribuição dos DE identificados em pacientes idosos hospitalizados na UTI, de acordo com os domínios da taxonomia NANDA-I (n = 103) Domínio
Diagnósticos de enfermagem
Domínio 2 Nutrição
Volume de líquidos excessivo (00026) Deglutição prejudicada (00103) Risco de desequilíbrio eletrolítico (00195) Risco de volume de líquidos desequilibrado (00025) Risco de glicemia instável (00179)
25 (24,27%) 27 (26,21%) 30 (29,13%) 51 (49,51%) 53 (51,46%)
Domínio 3 Eliminação e troca
Motilidade gastrintestinal disfuncional (00196) Troca de gases prejudicada (00030) Constipação (00011) Eliminação urinária prejudicada (00016) Risco de motilidade gastrintestinal disfuncional (00197)
20 (19,42%) 28 (27,18%) 36 (34,95%) 39 (37,86%) 75 (72,82%)
Domínio 4 Atividade/ repouso
Débito cardíaco diminuído (00029) Risco de perfusão tissular cerebral ineficaz (00201) Ventilação espontânea prejudicada (00033) Disposição para melhora do autocuidado (00182) Padrão respiratório ineficaz (00032) Mobilidade física prejudicada (00085)
26 (23,24%) 26 (23,24%) 41 (39,81%) 60 (58,25%) 71 (68,93%) 75 (72,82%)
Domínio 5 Percepção/cognição
Confusão crónica (00129) Comunicação verbal prejudicada (00051)
35 (33,98%) 53 (51,46%)
Domínio 9 Enfrentamento/ tolerância ao stress
Ansiedade (00146)
27 (26,21%)
Domínio 11 Segurança/ proteção
Hipertermia (00007) Risco de trauma vascular (00213) Risco de aspiração (00039) Risco de choque (00205) Risco de sangramento (00206) Integridade da pele prejudicada (00046) Risco de infeção (00004)
20 (19,42%) 21 (20,39%) 37 (35,92%) 38 (36,89%) 42 (40,78%) 93 (90,29%) 103 (100%)
Quanto às dimensões do conforto, entre os 26 títulos de DE identificados nos registos clínicos, 80,77% (n = 21) foram categorizados pelas investigadoras como pertencentes
n (%)
à dimensão do conforto físico, 11,54% (n = 3) ao conforto sociocultural, 3,85% (n = 1) ao conforto ambiental e 3,85% (n = 1) ao conforto psicoespiritual (Tabela 3).
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Tabela 3 Distribuição dos DE identificados em pacientes idosos hospitalizados na UTI, de acordo com as dimensões do conforto da teoria de Kolcaba Dimensões
Física
Diagnósticos de Enfermagem Confusão crónica (00129) Volume de líquidos excessivo (00026) Deglutição prejudicada (00103) Risco de desequilíbrio eletrolítico (00195) Risco de volume de líquidos desequilibrado (00025) Risco de glicemia instável (00179) Motilidade gastrintestinal disfuncional (00196) Troca de gases prejudicada (00030) Constipação (00011) Eliminação urinária prejudicada (00016) Risco de motilidade gastrintestinal disfuncional (00196) Hipertermia (00007) Risco de trauma vascular (00213) Risco de aspiração (00039) Risco de choque (00205) Risco de sangramento (00206) Integridade da pele prejudicada (00046) Débito cardíaco diminuído (00029) Risco de perfusão tissular cerebral ineficaz (00201) Ventilação espontânea prejudicada (00033) Padrão respiratório ineficaz (00032)
n (%)
21 (80,77%)
Psicoespiritual
Ansiedade (00146)
1 (3,85%)
Ambiental
Risco de infeção (00004)
1 (3,85%)
Sociocultural
Disposição para melhora do autocuidado (00182) Mobilidade física prejudicada (00085) Comunicação verbal prejudicada (00051)
3 (11,54%) 26
Total
Discussão A promoção do conforto implica o fortalecimento de vínculos interpessoais entre paciente/família e profissional para minimizar as condições de sofrimento físico-mental de ambos (Kolcaba, 2003; Mendes et al., 2016). O conforto é o resultado imediato e desejável do cuidado de enfermagem (Ponte & Silva, 2015; Mendes et al., 2016). A teoria do conforto de Kolcaba propõe que o enfermeiro avalie o paciente, em especial o idoso hospitalizado, de forma integral, identificando as necessidades de conforto a partir das dimensões biopsicoespiritual e ambiental (Kolcaba, 2003). A implementação do PE permite uma avaliação geriátrica ampla, possibilitando ao enfermeiro identificar as respostas humanas e diagnosticar as situações de desconforto para o planeamento do cuidado (Mendes et al., 2016; Saraiva et al., 2017). A condução do PE e a qualidade do cuidado está diretamente relacionada com a segunda etapa do processo, que é a etapa de identificação dos DE, uma vez que são a base para as intervenções de enfermagem e para o alcance dos resultados esperados (Herdman & Kamitsuru, 2018), como o conforto ao idoso hospitalizado. O conforto é um dos domínios de diagnósticos da taxonomia NANDA-I, definido como a “sensação de bem-estar
ou tranquilidade mental, física ou social” (Herdman & Kamitsuru, 2018, p. 166). No domínio 12 (conforto) são apresentadas três classes de diagnósticos da taxonomia NANDA-I, a saber: classe 1 - conforto físico; classe 2 conforto ambiental e classe 3 - conforto social. No domínio 12 (conforto) da taxonomia NANDA-I, na classe 1 (conforto físico) estão listados sete DE relacionados com a percepção de bem-estar, tranquilidade e/ou estar livre de dor, a saber: conforto prejudicado (00214); disposição para conforto melhorado (00183); dor aguda (00132); dor crónica (00133); síndrome da dor crónica (00255); dor no trabalho de parto (00256); e náusea (00134; Herdman & Kamitsuru, 2018). Nos registos clínicos analisados não foram identificados registos desses sete DE listados na NANDA-I como relacionados com o conforto físico. Para Kolcaba (2003), o contexto do conforto físico pertence às sensações do corpo, que corresponde a todas as dimensões fisiológicas que permitem a homeostasia do indivíduo. Nos registos clínicos analisados identificou-se o registo de 21 DE categorizados pelas investigadoras como pertinentes para o conforto no contexto físico. Os dados inferem uma preocupação da enfermagem em diagnosticar e atender às necessidades dos idosos relacionadas com o conforto no contexto físico na UTI. Na classe 2 (conforto ambiental) da taxonomia NANDA-I,
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no domínio 12 (conforto), refere-se o conforto no contexto ambiental, definido como a “sensação de bem-estar ou tranquilidade no/com o próprio ambiente” (Herdman & Kamitsuru, 2018, p. 166). Nesta classe estão listados na NANDA-I os DE conforto prejudicado (00214) e disposição para conforto melhorado (00183). Nos registos clínicos analisados foi identificado o registo do DE risco de infecção (00004), que foi categorizado pelas investigadoras como pertencente à dimensão do conforto ambiental pois, para Kolcaba (2003), a dimensão do conforto ambiental engloba o meio envolvente, as condições e influências externas, como por exemplo a temperatura, luz, ruídos, cheiro, cor, decoração e paisagem. Para confortar, é necessário que o enfermeiro promova um ambiente favorável, em que o idoso se sinta cuidado, que seja acolhedor e que propicie alívio, segurança, proteção e bem-estar (Faria et al., 2018; Mendes et al., 2016). Desta maneira, o enfermeiro precisa de proporcionar um ambiente agradável e livre de infeções. Já na classe 3 (conforto social) do domínio 12 (conforto), na taxonomia NANDA-I estão dispostos DE relacionados com o conforto social, caracterizados como a “sensação de bem-estar ou tranquilidade com a própria situação social” (Herdman & Kamitsuru, 2018, p. 167). Nesta classe estão listados na NANDA-I quatro DE, a saber: isolamento social (0053), risco de solidão (00054), conforto prejudicado (00214) e disposição para conforto melhorado (00183; Herdman & Kamitsuru, 2018). Não foram identificados registos destes quatro DE listados na NANDA-I nos registos clínicos dos idosos no período de hospitalização na UTI. Na teoria de Kolcaba (2003), o contexto no qual ocorre o conforto social pertence às relações interpessoais, familiares e sociais. Foi identificado o registo de três diagnósticos categorizados pelas investigadoras que podem estar relacionados com as necessidades de conforto no contexto sociocultural, a saber: disposição para melhora do autocuidado (00182); mobilidade física prejudicada (00085) e comunicação verbal prejudicada (00051). O DE disposição para melhora do autocuidado (00182) refere-se à capacidade de desempenhar atividades para cuidar de si mesmo (Herdman & Kamitsuru, 2018). O DE foi categorizado pelas investigadoras como pertencente da dimensão do conforto sociocultural, por afetar a capacidade funcional do idoso, o que pode interferir nas relações sociais. Este DE é do domínio de promoção da saúde na taxonomia NANDA-I (Herdman & Kamitsuru, 2018). Estudos relatam a importância da incorporação de ações de enfermagem direcionadas para a promoção da saúde no ambiente de UTI, sendo relacionadas com o conforto (Tavares, Grácio, & Nunes, 2018; Castro et al., 2019). As intervenções de enfermagem não podem limitar-se a questões relativas à prevenção, tratamento e cura de doenças no ambiente hospitalar, também é importante a implementação de estratégias transversais e interdisciplinares de conforto independentemente do ambiente onde o cuidado é realizado. Já o DE mobilidade física prejudicada (00085) é definido na taxonomia NANDA-I como “limitação no movimento independente e voluntário do corpo ou de uma ou mais
extremidades” (Herdman & Kamitsuru, 2018, p. 406). Este diagnóstico foi categorizado pelas investigadoras na dimensão do conforto sociocultural. O DE está relacionado com a síndrome geriátrica de instabilidade postural, que afeta a vida dos idosos e pode desencadear outras situações como risco de queda, imobilidade, baixa autoestima, medo, insegurança e isolamento social (Fernandes et al., 2019). É importante que o enfermeiro identifique e trabalhe esse DE ainda no ambiente hospitalar para evitar interferências na vida social do idoso no pós-alta (Tavares et al., 2018). O DE comunicação verbal prejudicada (00051) foi identificado em 51,46% (n = 53) dos registos clínicos analisados. O DE é definido na taxonomia NANDA-I como a “capacidade diminuída, retardada ou ausente para receber, processar, transmitir e/ou usar um sistema de símbolos” (Herdman & Kamitsuru, 2018, p. 503). O DE tem relação com a síndrome geriátrica de isolamento social (Fernandes et al., 2019), sendo categorizado pelas investigadoras na dimensão do conforto sociocultural. A comunicação verbal e não verbal é uma necessidade humana básica que fundamenta todas as relações interpessoais, sendo por meio desta que as pessoas podem expressar o que são, relacionar-se e satisfazer as suas necessidades (Vieira, Santos, & Puggina, 2019). Quanto ao contexto no qual ocorre o conforto psicoespiritual, Kolcaba (2003) considera como a consciência interna de si mesmo, que engloba a autoestima, a identidade, a sexualidade, o significado da vida, a relação com os outros e com um ser supremo. Para a dimensão do conforto psicoespiritual na taxonomia NANDA-I podemos localizar no domínio 10 (princípios da vida) DE referentes ao princípio da vida. Definido na taxonomia como “princípios que subjazem à conduta, ao pensamento e ao comportamento com relação a atos, costumes ou instituições, entendidos como verdadeiros ou com valor intrínseco” (Herdman & Kamitsuru, 2018, p. 163). Nos registos clínicos analisados não foram identificados registos de diagnósticos do domínio 10 da taxonomia NANDA-I. Foi identificado o registo do DE ansiedade (00146) em 26,21% (n = 27) nos registos clínicos analisados. Este diagnóstico pertence ao domínio 9 (enfrentamento/tolerância ao stresse) na taxonomia NANDA-I, definido como “sentimento vago e incômodo de desconforto ou temor, acompanhado por resposta autonômica” (Herdman & Kamitsuru, 2018, p. 614). Deste modo, este DE foi categorizado no contexto do conforto psicoespiritual por estar relacionado com um desconforto espiritual. Quando o PE é operacionalizado utilizando uma teoria como a de Kolcaba é possível a identificação das necessidades de conforto do paciente, assim como a identificação dos DE poderá auxiliar o enfermeiro na implementação de medidas de conforto psicoespiritual (diálogo, estímulos e respeito às atividades religiosas, acolhimento, empatia) no ambiente de terapia intensiva (Veras et al., 2019). Como limitação do estudo, salienta-se que os resultados não podem ser generalizados a todos os contextos assistenciais, por ser um estudo com desenho transversal numa UTI, assim como a possibilidade de duração
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do internamento na UTI interferir na identificação dos DE, podendo incorporar um número mais expressivo de DE e de dimensões do conforto, conforme a duração da hospitalização. No entanto, tais dados podem auxiliar o enfermeiro na escolha de teorias de enfermagem mais adequadas para operacionalização do PE, com vista à implementação de medidas de conforto para pacientes idosos hospitalizados na UTI.
Conclusão Foi possível identificar os DE nos registos clínicos de idosos hospitalizados na UTI, assim como categorizá-los à luz das dimensões do conforto da teoria de Kolcaba. Foi observada a prevalência dos DE relacionados com a dimensão do conforto físico. Tal resultado aponta para a necessidade de se estimular a avaliação e a abordagem às demais dimensões do conforto, enfatizando a importância da utilização de teorias para a operacionalização do PE. Os DE selecionados pelos enfermeiros podem ser compatíveis com as necessidades de pacientes críticos internados em UTI. Entretanto, nomeá-los não garante que o raciocínio clínico esteja direcionado para as prioridades, como o conforto e cuidados individualizados aos idosos. Neste sentido, é fundamental que o enfermeiro utilize o PE fundamentado numa teoria de enfermagem que subsidie a seleção dos DE e a implementação de intervenções adequadas às necessidades do paciente. Contribuição de autores Conceptualização: Cardoso, R. B., Souza, P. A., Caldas, C. P. Tratamento de dados: Cardoso, R. B., Souza, P. A., Caldas, C. P., Bitencourt, G. R. Metodologia: Cardoso, R. B., Souza, P. A. Supervisão: Souza, P. A., Caldas, C. P. Redação - preparação do rascunho original: Cardoso, R. B., Souza, P. A., Caldas, C. P., Bitencourt, G. R. Redação - revisão e edição: Cardoso, R. B., Souza, P. A., Caldas, C. P., Bitencourt, G. R. Referências bibliográficas Barbosa, V. M., & Silva, J. V. (2018). Utilização de teorias de enfermagem na sistematização da prática clínica do enfermeiro: Revisão integrativa. Revista de Enfermagem e Atenção à Saúde, 7(1), 260-271. doi: 10.18554/reas.v7i1.2517 Bonfada, D., Santos, M. M., Lima, K. C., & Garcia-Altés, A. (2017). Análise de sobrevida de idosos internados em Unidades de Terapia Intensiva. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 20(2), 198-206. doi: 10.1590/1981-22562017020.160131 Cardoso, R. B., Caldas, C. P., & Souza, P. A. (2019). Uso da teoria do conforto de Kolcaba na implementação do processo de enfermagem: Revisão integrativa. Revista de Enfermagem e Atenção à Saúde, 8(1), 118-128. doi: 10.18554/reas.v8i1.2758 Cardoso, R. B., Pacheco, S. T., Caldas, C. P., Souza, P. A., Peres, P. L., & Nunes, M. D. (2019). Prática confortadora ao idoso hospitalizado à luz da bioética. Revista Bioética, 27(4), 595-599.
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ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Estudo psicométrico: Questionário de Conhecimentos das Intervenções Autónomas de Enfermagem no Doente com Síndrome Coronário Agudo
Psychometric study of a Knowledge Questionnaire on Autonomous Nursing Interventions in Patients with Acute Coronary Syndrome Estudio psicométrico: Cuestionario de Conocimientos de las Intervenciones Autónomas de Enfermería en el Paciente con Síndrome Coronario Agudo João Carlos Bastos Pina 1, 2, 3 https://orcid.org/0000-0002-0277-9172 Maria Augusta Romão da Veiga Branco 1 https://orcid.org/0000-0002-7963-2291 Maria Madalena Jesus Cunha Nunes 3, 4 https://orcid.org/0000-0003-0710-9220 João Carvalho Duarte 3, 4 https://orcid.org/0000-0001-7082-8012 Cláudia Ribeiro da Silva 5, 6 https://orcid.org/0000-0002-4025-7236
Instituto Politécnico de Bragança, Escola Superior de Saúde, Bragança, Portugal 1
2 Administração Regional de Saúde do Norte, Agrupamento de Centros de Saúde Douro II - Douro Sul, Serviço de Urgência Básico de Moimenta da Beira/Ambulância SIV de Moimenta da Beira - INEM, Viseu, Portugal
3 Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, Viseu, Portugal
Instituto Politécnico de Viseu, Centro de Estudos em Educação, Tecnologias e Saúde (CI&DETS), Viseu, Portugal 4
Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal 5
6 Escola Superior de Saúde de Alcoitão, Alcoitão, Portugal
Autor de correspondência João Carlos Bastos Pina E-mail: joaopina@live.com.pt
Recebido: 19.05.20 Aceite: 01.10.20
Resumo Enquadramento: O reconhecimento da autonomia dos enfermeiros só poderá ser conseguido se esta for corretamente mensurada e validada. Neste sentido, torna-se imperioso avaliar os seus conhecimentos, reconhecendo o seu papel decisivo. Objetivo: Validar e avaliar as propriedades psicométricas do Questionário de Conhecimentos acerca das Intervenções Autónomas de Enfermagem face ao Doente com Síndrome Coronário Agudo. Metodologia: Estudo metodológico, descritivo analítico-correlacional e transversal. Avaliou-se a consistência interna através do alfa de Cronbach e a análise fatorial confirmatória numa amostra de 738 enfermeiros portugueses inscritos na Ordem dos Enfermeiros. Resultados: A média de idades foi de 37,57 anos, sendo 76,0% mulheres. Após o refinamento do questionário, a análise fatorial confirmatória evidenciou uma qualidade de ajustamento aceitável da estrutura fatorial composta por 9 fatores com 44 itens (x2/gl = 2,042; CFI = 0,846; GFI = 0,826; RMSEA = 0,053; RMR = 0,069). A consistência interna global foi de = 0,930, mostrando uma fiabilidade elevada, explicando 56,739% de variância total. Conclusão: O questionário é fiável e válido revelando potencial para investigação, monitorização e avaliação dos conhecimentos dos enfermeiros em contexto formativo e prática clínica. Palavras-chave: autonomia profissional; cuidados de enfermagem; métodos; estudo de validação; síndrome coronário agudo Abstract Background: The recognition of nurses autonomy can only be achieved if it is correctly measured and validated. In this sense, it is imperative to evaluate their knowledge, recognizing their decisive role. Objective: To validate and evaluate the psychometric properties of the Knowledge Questionnaire about Autonomous Nursing Interventions for patients with Acute Coronary Syndrome. Methodology: Methodological, descriptive, analytical-correlational and cross-sectional study. Internal consistency was assessed using Cronbach’s alpha and confirmatory factor analysis in a sample of 738 Portuguese nurses enrolled in the Ordem dos Enfermeiros. Results: The average age was 37.57 years, 76.0% of which were women. After the refinement of the questionnaire, the confirmatory factor analysis showed an acceptable quality of adjustment of the factor structure composed of 9 factors with 44 items (x2/gl = 2.042; CFI = 0.846; GFI = 0.826; RMSEA = 0.053; RMR = 0.069). The overall internal consistency was = 0.930, showing high reliability, explaining 56.739% of total variance. Conclusion: The questionnaire is reliable and valid, revealing the potential for investigation, monitoring and evaluation of nurses’ knowledge in a training context and clinical practice. Keywords: professional autonomy; nursing care; methods; validation study; acute coronary syndrome Resumen Marco contextual: El reconocimiento de la autonomía de los enfermeros solo puede lograrse si esta se mide y valida correctamente. En este sentido, es imperativo evaluar sus conocimientos y reconocer la función decisiva que desempeñan. Objetivo: Validar y evaluar las propiedades psicométricas del Cuestionario de Conocimientos de las Intervenciones Autónomas de Enfermería en el Paciente con Síndrome Coronario Agudo. Metodología: Estudio metodológico, descriptivo, analítico-correlacional y transversal. La consistencia interna se evaluó mediante el alfa de Cronbach y el análisis factorial confirmatorio en una muestra de 738 enfermeros portugueses inscritos en el Colegio de Enfermeros. Resultados: La edad media era de 37,57 años, el 76,0% eran mujeres. Tras el perfeccionamiento del cuestionario, el análisis factorial confirmatorio mostró una calidad de ajuste aceptable de la estructura factorial compuesta por 9 factores con 44 ítems (x2/gl = 2,042; CFI = 0,846; GFI = 0,826; RMSEA = 0,053; RMR = 0,069). La consistencia interna global fue = 0,930, lo que muestra una alta fiabilidad, que explica el 56,739% de la variancia total. Conclusión: El cuestionario es fiable y válido, y revela el potencial de investigación, monitorización y evaluación de los conocimientos de los enfermeros en el contexto formativo y la práctica clínica. Palabras clave: autonomía profesional; atención de enfermería; métodos; estudio de validación; síndrome coronario agudo Como citar este artigo: Pina, J. C., Branco, M. A., Nunes, M. M., Duarte, J. C., & Silva, C. R. (2020). Estudo psicométrico: Questionário de Conhecimentos das Intervenções Autónomas de Enfermagem no Doente com Síndrome Coronário Agudo. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20070. doi:10.12707/RV20070
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Introdução As doenças cardiovasculares (DCV) são vistas como a principal causa de morte no mundo: cada vez mais, morrem mais pessoas anualmente de DCV do que qualquer outra causa. Em 2016, as DCV foram responsáveis por 17,9 milhões de mortes em todo o mundo, ou seja, 31% de todas as mortes globais e 44% das mortes por doenças não transmissíveis. Estima-se ainda que esse número chegue a quase 23,6 milhões em 2030 (World Health Organization, 2018). A ocorrência de óbitos associados a doenças do aparelho circulatório, em Portugal, é cerca de 29,3% (PORDATA, 2017), assumindo-se, assim, como a principal causa de morte em Portugal. Nos últimos anos, constatou-se que dois terços das mortes devido a eventos coronários ocorrem em ambiente pré-hospitalar, especialmente nos casos em que surgiram de forma súbita arritmias fatais desencadeadas pela isquémia (Instituto Nacional de Emergência Médica & Departamento de Formação em Emergência Médica, 2019). Neste sentido, a importância da formação e conhecimento do enfermeiro será determinante na prevenção e no reconhecimento precoce dos eventos coronários nefastos, contribuindo, deste modo, para a diminuição dos índices de mortalidade e comorbilidade. O síndrome coronário agudo (SCA), enquanto flagelo incrivelmente letal, exige um reconhecimento imediato dos sintomas, um comportamento de procura de cuidados e uma intervenção imediata por parte dos profissionais de enfermagem, assumindo-se, assim, como um importante desafio (Patel, Mohanan, Prabhakaran, & Huffman, 2017). Sendo a enfermagem uma ciência que assume como foco de atuação as respostas humanas aos processos de vida e de transição da pessoa no processo de saúde/doença, com ênfase na necessidade de desenvolvimento das práticas, como suporte de um exercício profissional mais crítico-reflexivo, é claramente indispensável que os enfermeiros desenvolvam mecanismos próprios de valorização, tornando visíveis os cuidados que prestam à população (Alves, 2015). No que concerne à tomada de decisão do enfermeiro, também o Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros (REPE), é perentório em afirmar, no artigo 5.º, que os cuidados de enfermagem se caracterizam pela presença e estabelecimento de uma relação de ajuda com o utente (abordagem sistémica e sistemática), cuja interação é objetivamente documentada, em processo de enfermagem, mediante a aplicação de metodologia científica (Ordem dos Enfermeiros [OE], 2015). O planeamento dos cuidados de enfermagem à pessoa em situação crítica, consubstanciado numa metodologia científica inerente ao processo de enfermagem, permite sustentar o processo de tomada de decisão do enfermeiro na implementação das intervenções, incorporando na prática os resultados da investigação. Após a identificação das necessidades, são prescritas intervenções de enfermagem de forma a detetar precocemente complicações e problemas potenciais e resolver ou minorar problemas reais identificados, mediante um paradigma de atuação
preciso, concreto eficiente e em tempo útil (Regulamento nº 429/2018 de 16 de julho, 2018). Falamos, por exemplo, na “apropriada implementação de medidas de suporte avançado de vida” e na “gestão adequada de protocolos terapêuticos complexos” (OE, 2017, p. 13). Corroborando esta linha de pensamento, Facione, Crossetti, e Riegel (2017) acreditam que o pensamento crítico holístico em enfermagem será tão ou mais relevante e fortificado, quanta a importância que for dada nas primeiras fases do processo de enfermagem, permitindo a obtenção de um sólido conhecimento acerca das necessidades do doente e um diagnóstico de enfermagem preciso. Afirmam também que este pensamento será o resultado concomitante de um julgamento reflexivo que se encontra aberto a uma panóplia de habilidades cognitivas intrínsecas ao profissional de enfermagem e que deverão considerar objetivamente no processo formal de tomada de decisão: a forma como os problemas são enquadrados, a qualidade da evidência, a adequação dos métodos, a razoabilidade dos critérios, a aplicabilidade de teorias e princípios, as preferências do doente e o contexto das práticas de cuidados de saúde. Neste sentido, justifica-se a pertinência deste estudo, cujo objetivo principal consistiu em validar e avaliar as propriedades psicométricas do Questionário de Conhecimentos acerca das Intervenções Autónomas de Enfermagem face ao Doente com SCA.
Enquadramento O termo SCA caracteriza-se por uma alteração entre o mecanismo de oferta e de procura de oxigénio pelo miocárdio, tendo sido despoletado pela rotura ou desgaste de uma placa aterosclerótica que, ao entrar na circulação sanguínea, poderá alojar-se num determinado ponto das artérias coronárias, causando a sua isquémia (Macedo & Rosa, 2010; Nikolaou et al., 2015). Para aumentar a sobrevida por episódios isquémicos é importante reduzir o intervalo entre o início dos sintomas e o início do tratamento dirigido, se possível no pré-hospitalar (Instituto Nacional de Emergência Médica & Departamento de Formação em Emergência Médica, 2019). Assim, a rápida intervenção clínica é essencial para o sucesso do tratamento de doentes com SCA devido à necessidade de reduzir ao máximo o risco de arritmias fatais. A obtenção de uma história clínica pormenorizada constitui, sem qualquer dúvida, a pedra basilar no estabelecimento do diagnóstico do SCA, que consiste, regra geral, na presença de dor precordial com irradiação para o dorso, pescoço, mandíbula ou membro superior esquerdo, podendo estar associada a dispneia, náuseas/vómitos, fadiga, palpitações, sudorese ou síncope (Nikolaou et al., 2015; Ibanez et al., 2018). O baixo nível socioeconómico, o fator sexo feminino, os meios de transporte, a automedicação, o não reconhecimento dos sinais e sintomas de um evento cardíaco, a negação em aceitar o evento e o atendimento prévio não especializado, estão associados com o atraso na procura
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Pina, J. C. et al.
do serviço de urgência/emergência (Ouchi, Teixeira, Góes Ribeiro, & Oliveira, 2017). Neste contexto, segundo os mesmos autores, importa salientar a condição sine qua non que indica a necessidade absolutamente fulcral dos profissionais de saúde serem detentores de conhecimentos técnico-científicos específicos, com vista à melhoria dos cuidados, aumentando assim as hipóteses de sobrevivência e minimizando as complicações. Relativamente à tomada de decisão do enfermeiro, também o REPE é categórico em distinguir as intervenções dos profissionais de enfermagem portugueses em autónomas e interdependentes. As intervenções autónomas são: as acções realizadas pelos enfermeiros, sob sua única e exclusiva iniciativa e responsabilidade, de acordo com as respectivas qualificações profissionais, seja na prestação de cuidados, na gestão, no ensino, na formação ou na assessoria, com os contributos na investigação em enfermagem. (OE, 2015, p. 102) As intervenções interdependentes são: as acções realizadas pelos enfermeiros de acordo com as respectivas qualificações profissionais, em conjunto com outros técnicos, para atingir um objetivo comum, decorrentes de planos de ação previamente definidos pelas equipas multidisciplinares em que estão integrados e das prescrições ou orientações previamente formalizadas. (OE, 2015, p. 102) A construção do Questionário de Conhecimentos acerca das Intervenções Autónomas de Enfermagem Face ao Doente com SCA (QCIAEFDSCA) teve como objetivo perceber quais os conhecimentos (inadequados, razoáveis ou bons) sobre as intervenções autónomas no doente com SCA que os enfermeiros portugueses detinham nesta área de atuação.
Metodologia Foi realizado um estudo metodológico, de caráter psicométrico, que teve por base a recolha de dados em corte transversal numa amostra não probabilística por conveniência de 738 enfermeiros inscritos na OE entre novembro de 2019 e janeiro de 2020. A aprovação da Comissão de Ética foi garantida pelo Parecer da Comissão de Ética do Instituto Politécnico de Bragança (Parecer N.º4/2019:RA001-2019/00151). O questionário, após o Parecer de Autorização da OE, foi divulgado no site institucional e na sua mailing list (Ref. SAI-OE/2019/27). Os respondentes, que se disponibilizaram a responder, assinaram o consentimento informado previamente à sua participação individual no estudo, via online na aplicação do Google Forms®. O QCIAEFDSCA foi construído com base nos seguintes documentos: Estatuto da OE (2015) e REPE (decreto-lei n.º 161/96 de 4 de Setembro); Regulamentos da OE (N.º429/2018 de 16 de Julho; N.º140/2019 de 6 de Fevereiro), Padrões de Qualidade dos Cuidados Especializados em Enfermagem Médico-Cirúrgica na Área de Enfermagem da Pessoa em Situação Crítica (25 de
Novembro de 2017), Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem: Enquadramento Conceptual e Enunciados Descritivos (2001), Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (versão 2015) e respetiva literatura científica inerente ao SCA. No que concerne à construção das intervenções de enfermagem face ao doente com SCA, estas foram construídas com base nas seguintes linhas de orientação para a elaboração de catálogos Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE): 1. Têm de incluir um termo do Eixo da Acção; 2. Tem de incluir pelo menos um Termo Alvo. Um termo alvo pode ser um termo de qualquer eixo, excepto do Eixo do Juízo; 3. Podem incluir termos adicionais, de acordo com a necessidade, do Eixo da Acção ou qualquer outro eixo. (OE & ICN, 2008, p.15) Trata-se de um instrumento de autopreenchimento e é constituído por 57 itens estruturados em duas partes: a primeira integra questões de análise aprofundada relativamente ao conceito de intervenções autónomas em enfermagem; a segunda inclui questões de avaliação dos conhecimentos dos enfermeiros relativamente às práticas implementadas face ao doente com SCA, nas várias fases do processo de enfermagem. Este questionário original, idealizado pelo investigador principal João Pina, em Portugal, apresenta uma escala de Likert que inclui os seguintes scores de pontuação: 1 (completamente falso), 2 (parcialmente falso), 3 (não tenho opinião), 4 (parcialmente verdadeiro) e 5 (completamente verdadeiro). Cada questão admite uma única resposta. As análises descritivas, correlacionais e o estudo da consistência interna foram realizados através do software IBM SPSS Statistics®, versão 24.0, pela determinação do coeficiente de correlação de Pearson e do alfa de Cronbach. Para análise da consistência interna foram considerados os seguintes valores de referência: > 0,9 muito boa; 0,8 - 0,9 boa; 0,7 - 0,8 média; 0,6 - 0,7 razoável; 0,5 - 0,6 má; < 0,5 inaceitável (Marôco, 2014). Quanto ao coeficiente de correlação de Pearson, foram assumidas as seguintes associações: r < 0,2 muito baixa; 0,2 ≤ r ≤ 0,39 baixa; 0,4 ≤ r ≤ 0,69 moderada; 0,7 ≤ r ≤ 0,89 alta; 0,9 ≤ r ≤ 1 muito alta (Marôco, 2014). O estudo da validade de constructo através da análise fatorial exploratória em componentes principais foi realizado no software IBM SPSS AMOS, versão 24.0.
Resultados Este estudo incluiu 738 participantes, representando, aproximadamente, cerca de 1% dos enfermeiros portugueses com registo na OE, com idades compreendidas entre 21 e 67 anos e uma média idades de 37,57 anos (Desvio Padrão [DP] ± 9,83 anos), maioritariamente do género feminino (76%), com grau de bacharelato/licenciatura (75,1%) e com grau de mestre/doutoramento (25,4%). O tempo de exercício profissional foi em média de 14,28 anos (DP ± 9,77 anos). Relativamente aos títulos profissionais atribuídos pela OE, apura-se que 61,2% detêm o
Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20070 DOI: 10.12707/RV20070
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Pina, J. C. et al.
título de enfermeira(o) e 38,8% o título de enfermeira(o) especialista. Os enfermeiros exercem funções maioritariamente na unidade de cuidados intensivos polivalentes, representando 66,1% da amostra. A maioria dos enfermeiros especialistas detém a especialidade em enfermagem médico-cirúrgica (42,7%). Constatou-se também que mais de metade da amostra exerce neste momento funções de enfermeiro generalista (67,6%), sendo de realçar que 22,5% exercem funções de enfermeiro especialista. Ao analisarem-se os resultados da fiabilidade do QCIAEFDSCA, as estatísticas (médias e desvios-padrão) e as correlações obtidas entre cada item e o valor global, patentearam uma visão sobre a forma como o item se combina com o valor global. Pelos índices médios, assinala-se que as médias oscilam entre 3,06 (item 25) e 4,91 (item 41). Através do estudo da consistência interna, constata-se um alfa de Cronbach global classificado de bom ( = 0,892), verificando-se que nenhum dos itens ao ser eliminado aumenta o alfa de Cronbach da escala, ou seja, nenhum item está a prejudicar a consistência interna da escala. Contudo, observando as correlações de cada item com o total da escala com a exclusão desse item constata-se que há itens com correlações muito baixas com o total da escala, nomeadamente os itens: item 4 (r = 0,054), item 5 (r = 0,077) e item 16 (r = -0,069). A validade de constructo foi estudada recorrendo-se a uma análise fatorial exploratória. Foi utilizado o método medida da adequação da amostragem de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), no sentido de averiguar se os dados eram viáveis em termos de utilização de uma análise fatorial. Apesar de não existir um teste rigoroso para os valores de KMO, de uma maneira geral podem ser classificados da seguinte forma (Pestana & Gageiro, 2008): ≤ 0,50 - inaceitável; ]0,50 - 0,60] - mau, mas ainda assim aceitável; ]0,60 0,70] - medíocre; ]0,70 - 0,80] - média; ]0,80 - 0,90] - boa e ]0,90 - 1,00] - excelente.
No que concerne ao estudo da validade do instrumento, optou-se por primeiramente proceder à realização de uma análise fatorial exploratória, com vista a garantir a validade do conteúdo do instrumento, uma vez que não existia informação prévia sobre a sua estrutura fatorial. Neste sentido, recorrendo ao teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,875) e ao teste de esfericidade de Bartlett’s (x2 = 6747,982; p = 0,000) constatamos que possuíamos bons resultados para prosseguirmos com o processo de validação do questionário e que as variáveis em estudo não estariam correlacionadas, segundo o resultado do teste de Bartlett’s. Os resultados destes testes permitiram o recurso à análise fatorial de componentes principais com rotação varimax. Para determinar o número de dimensões interpretáveis examinou-se o scree plot, considerando-se fatores cujos eigenvalues fossem superiores ou iguais a 1. Os critérios usados para a escolha da melhor estrutura fatorial foram: três ou mais itens por dimensão e alfas de Cronbach superiores a 0,60. Na escolha dos itens para cada fator seguiram-se os seguintes critérios: 1º - Coeficiente de saturação (factor loading) superior a 0,40 num fator; 2º - A diferença entre os coeficientes de saturação dos dois fatores ter um valor igual ou superior a 0,10. De acordo com os critérios referidos anteriormente, optou-se por uma solução fatorial para 9 fatores que equivale a uma variância explicada de 56,739%. Esta solução fatorial levou à eliminação de 14 itens (2; 3; 4; 5; 12; 14; 16; 27; 37; 38; 39; 47; 48; 49) por terem um factor loading abaixo de 0,40 em todos os fatores ou saturarem acima de 0,40 em mais do que um fator com uma diferença abaixo de 0,10 entre cada um deles, sendo considerados, assim, itens ambíguos. Ficaram assim um total de 43 itens, que se distribuíram em 9 fatores. O alfa total da escala com a exclusão dos 14 itens é muito elevado (0,930), o que traduz uma elevada consistência interna.
Tabela 1 Estatística descritiva dos itens por subescala do QCIAEFDSCA Nº Itens Item Fator 1 – Gestão de Cuidados Percecionados para a Autonomia do Cliente (GCPAC)
Média
DP
r/item total
r2
sem item
28
No tratamento do SCA é essencial: … informar o cliente de todos os procedimentos: esclarecer dúvidas e receios e promover o processo de tomada de decisão.
4,85
0,462
0,667
0,570
0,705
29
… manter a dignidade e privacidade do cliente, em todos os momentos.
4,92
0,391
0,647
0,527
0,723
30
… gerir ansiedade no cliente: avaliar presença de mecanismos de coping e/ou implementar técnicas de relaxamento direcionadas.
4,77
0,606
0,600
0,373
0,713
31
… posicionar o cliente com a cabeceira elevada a pelo menos 30º - 45º.
4,40
0,887
0,462
0,219
0,826
32
… gerir a dor/desconforto do SCA.
4,86 0,438 0,641 0,489 Coeficiente alfa Cronbach global
Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20070 DOI: 10.12707/RV20070
0,716 0,774
4
Pina, J. C. et al. Fator 2 – Gestão de Protocolos Terapêuticos Complexos (Fármacos Inibidores de Agregação Plaquetária e Heparina [F.I.A.P. - H]) O tratamento farmacológico inicial de um SCA compreende administrar: 23 3,56 1,324 0,686 0,536 clopidogrel. 24 ticagrelor. 3,46 1,309 0,767 0,624 25 prasugrel. 3,07 1,193 0,803 0,653 26 heparina. 3,31 1,305 0,616 0,457 Coeficiente alfa Cronbach global Fator 3 – Gestão do Risco e Prevenção de Eventos Adversos (GRPEA) Assegurar a prestação de cuidados de enfermagem seguros e de qualidade implica, entre outros: 50 … registar o exame físico, no momento de admissão no SU (p.ex.). 51 … avaliar a perfusão dos tecidos e a integridade da pele. … monitorizar o risco de queda, através da “Escala de Quedas de Morse” (p. 52 ex.). 55 … implementar medidas de prevenção das IACS (p.ex.: técnica asséptica). 56 57
… avaliar a presença de abuso de substâncias ilícitas como drogas ou álcool. … avaliar a presença de sinais e sintomas de infeção.
Fator 4 – Procedimentos Iniciais de Avaliação do Cliente (PIAC) Em presença de suspeita de SCA as Guidelines aconselham ECG de 12 10 derivações (ECG 12D) nos primeiros 10min. O SCA cursa com dor/ desconforto retroesternal provocado por isquémia do 11 miocárdio. 13 A dor do SCA, é verbalizada como “aperto” ou a pior dor jamais sentida. A dor/ desconforto do SCA pode irradiar: 15 … ao longo do membro superior esquerdo. 17 … para o pescoço ou mandíbula. 18 … para a região escapular ou região epigástrica.
0,840 0,806 0,796 0,868 0,865
4,,52
0,840
0,495
0,283
0,735
4,72
0,632
0,564
0,359
0,726
4,20
1,154
0,490
0,288
0,754
4,78
0,564
0,504
0,275
0,741
4,40 0,900 0,486 0,333 4,53 0,830 0,644 0,456 Coeficiente alfa Cronbach global
0,738 0,695 0,766
4,27
0,927
0,399
0,173
0,690
4,29
0,850
0,360
0,144
0,699
4,35
0,811
0,395
0,173
0,686
4,70
0,610
0,513
0,288
0,660
4,51 0,856 0,547 0,369 4,58 0,702 0,499 0,307 Coeficiente alfa Cronbach global
0,637 0,658 0,711
Fator 5 - Gestão de Protocolos Terapêuticos Complexos (Morfina, Oxigénio, Nitratos, Ácido acetilsalicílico [M.O.N.A.]).
19 20 21 22
O tratamento farmacológico inicial de um SCA compreende administrar: O2. Morfina. AAS. Nitratos.
Fator 6 - Gestão Documental da Dor e do Bem-Estar do Cliente (GDDBC) A gestão da dor/desconforto do SCA pressupõe, entre outras, as seguintes intervenções de Enfermagem: 40 … avaliar a dor do cliente, a intervalos regulares, em SOS sempre que considere pertinente, através de uma escala da dor (por ex: a “Escala Visual Analógica” EVA). … caracterizar a dor e questionar o cliente sobre localização, gravidade, intensi41 dade, qualidade, duração, hora de início, fatores precipitantes e de alívio, etc. … monitorizar o controlo da dor: presença/ ausência de melhorias significativas 42 face ao tratamento implementado, em parceria com o médico assistente. … avaliar a presença de sinais e sintomas de desconforto (Status Comprometi43 do). Suspender terapia intravenosa na presença de reações adversas, comunicando ao 54 médico assistente e registando em processo clínico
3,99
1,253
0,608
0,382
0,832
3,99 1,235 0,726 0,536 4,31 1,076 0,650 0,447 4,18 1,099 0,735 0,545 Coeficiente alfa Cronbach global
0,777 0,812 0,776 0.842
4,73
0,623
0,464
0,252
0,737
4,90
0,345
0,670
0,474
0,689
4,81
0,546
0,508
0,319
0,713
4,78
0,525
0,603
0,402
0,678
4,78
0,570
0,464
0,241
0,731
Coeficiente alfa Cronbach global
Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20070 DOI: 10.12707/RV20070
0,747
5
Pina, J. C. et al. Fator 7 - Gestão da Dor e Capacitação do Cliente (GDCC) A gestão da dor/desconforto do SCA pressupõe, entre outras, as seguintes intervenções de Enfermagem: … ensinar o cliente sobre a dor e efeitos secundá44 rios da medicação administrada. … monitorizar o risco de resposta negativa à analgesia controlada pelo enfer45 meiro. … identificar a atitude do cliente face à dor e aos cuidados prestados, explican46 do e esclarecendo os seus direitos (debriefing). … gerir efeitos secundários de medicação: avaliar, por exemplo, o risco de inte53 ração medicamentosa ou ocorrência de eventos adversos passados.
4,71
0,639
0,634
0,428
0,651
4,50
0,875
0,516
0,276
0,722
4,63
0,695
0,604
0,402
0,660
4,67
0,701
0,464
0,232
0,734
Coeficiente alfa Cronbach global
0,749
Fator 8 – Gestão de Intervenções de Enfermagem Autónomas (GIEA) 1 6 7 8 9
As intervenções de enfermagem são autónomas e interdependentes. Os enfermeiros organizam, coordenam, executam, supervisionam e avaliam as intervenções de enfermagem aos três níveis de prevenção. Os enfermeiros decidem sobre técnicas e meios a utilizar na prestação de cuidados de enfermagem. Os enfermeiros em situação de emergência, agem de acordo com a qualificação e os conhecimentos que detêm. Os enfermeiros administram terapêutica prescrita, detectam os respetivos efeitos e atuam em conformidade.
4,61
0,751
0,347
0,122
0,671
4,62
0,696
0,435
0,195
0,632
4,56
0,735
0,476
0,231
0,614
4,42
0,837
0,484
0,254
0,611
4,69
0,605
0,460
0,230
0,627
Coeficiente alfa Cronbach global Fator 9 – Gestão de Intervenções de Enfermagem Interdependentes (GIEI) 33 Gerir a oxigenoterapia. 34 Monitorizar valores de SpO2 com oxímetro de pulso. Colocar no cliente cateter(es) venoso(s), administrando medicação prescrita 35 para alívio sintomático do SCA. Colher amostra de sangue arterial, venoso ou capilar, conforme prescrição 36 médica (análise aos marcadores bioquímicos de necrose miocárdica, p. ex.).
0,682
4,64 4,64
0,767 0,713
0,335 0,444
0,123 0,200
0,609 0,523
4,77
0,619
0,434
0,214
0,538
4,69
0,730
0,414
0,198
0,546
Coeficiente alfa Cronbach global
0,623
Nota. SCA = síndrome coronário agudo; SU = serviço de urgência; IACS = Infeções Associadas aos Cuidados de Saúde; ECG = eletrocardiograma; O2 = oxigénio; AAS = ácido acetilsalicílico; SpO2 = saturação periférica de oxigénio.
A análise inferencial dos conhecimentos acerca das intervenções autónomas de enfermagem face ao doente com SCA para os 9 fatores que o integram possibilitou averiguar a existência de diferenças significativas entre eles. A ANOVA para amostras repetidas revelou um efeito significativo, tendo o teste post hoc revelado a existência
de diferenças significativas entre todas as dimensões entre si (F = 613,449; p = 0,000). A utilização da análise fatorial confirmatória, com recurso a um software de modelização de equações estruturais, IBM SPSS AMOS, permitiu confirmar a estrutura fatorial de nove fatores encontrada com a análise fatorial exploratória (Figura 1).
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Pina, J. C. et al.
Figura 1. Modelo Final AMOS: Conhecimentos dos Enfermeiros Portugueses acerca das Intervenções Autónomas no Doente com SCA.
Conforme recomendado, foram utilizados diferentes índices de ajustamento global, nomeadamente a razão entre o qui-quadrado e os graus de liberdade (x²/gl), o Goodness-of-Fit Index (GFI), o Comparative-of-Fit Index (CFI), o Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA), o Root Mean square Residual (RMR) e o Standardized Root Mean square Residual (SRMR). Assume-se um bom ajustamento dos modelos quando: x²/gl < 3; os valores do GFI e o CFI > 0,90; os valores do RMSEA, RMR e SRMR < 0,06 são considerados ideais, embora valores entre 0,08 e 0,10 sejam aceitáveis (Marôco, 2014). As medidas de ajustamento encontradas para a estrutura de 9 fatores e confrontando com os respetivos valores de referência, constata-se que segundo o X2/gl (2,042) e o CFI e o GFI (0,846; 0,826), o ajustamento é aceitável. Segundo o RMSEA (0,053) o ajustamento é bom e o valor de RMR (0,069) é baixo e próximo de zero. Assim, a estrutura de 9 fatores encontrada através da análise fatorial exploratória é ajustada de acordo com a análise fatorial confirmatória. A fidelidade compósita é superior a 0,70 em quase todos os fatores, sendo a exceção o fator 8 (0,689) e o fator 9 (0,630). Para estudar a validade convergente, que ocorre quando os itens de um fator saturam fortemente nesse fator, Fornell e Larcker (1981) propuseram avaliar a validade
convergente através da variância extraída média (VEM) de cada fator (soma do quadrado dos factor loadings a dividir pelo número de itens), devendo a VEM ser ≥ 0,50. Apenas os fatores 1, 2 e 5 têm valores acima de 0,50. O valor mais baixo da VEM é o referente ao fator 9 (0,259), que também tinha revelado uma fidelidade compósita abaixo de 0,70. Tendo por base a metodologia contextual da análise fatorial confirmatória, a validade discriminante do questionário permite avaliar se os itens que pertencem a um determinado fator não estão correlacionados com outro fator. Esta, pode ser demonstrada pela verificação da seguinte condição: os VEM dos fatores serem iguais ou superiores ao quadrado da correlação entre esses fatores. Observando o quadrado das correlações entre os pares de fatores, constata-se que quase todos são inferiores aos VEM dos fatores respetivos, o que atesta a validade discriminante desta escala.
Discussão Este estudo comporta algumas limitações, sendo a mais evidente a não existência de estudos científicos acerca da problemática estudada, o que não permitiu a confrontação dos resultados, de modo a discutir e comparar as
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Pina, J. C. et al.
inferências descritas. Todavia, é de salientar pela positiva: a construção e o estudo psicométrico do instrumento de medida QCIAEFDSCA, e a análise da problemática numa amostra de 738 enfermeiros(as) originários de todo o território português, nos vários contextos de prestação de cuidados, pese embora, só representem cerca de 1% do corpo de profissionais de enfermagem registados na OE em Portugal, sensivelmente. Os valores de alfa de Cronbach por subescala denotam uma consistência interna a oscilar entre o razoável e o bom, nomeadamente: Fator 1 - Gestão de cuidados percecionados para a autonomia do cliente (GCPAC; = 0,774); Fator 2 - Gestão de protocolos terapêuticos complexos (F.I.A.P. - H.; = 0,865); Fator 3 - Gestão do risco e prevenção de eventos adversos (GRPEA; = 0,766); Fator 4 – Procedimentos iniciais de avaliação do cliente (PIAC; = 0,711); Fator 5 - Gestão de protocolos terapêuticos complexos (M.O.N.A.; = 0,842); Fator 6 - Gestão documental da dor e do bem-estar do cliente (GDDBC; = 0,747); Fator 7 - Gestão da dor e capacitação do cliente (GDCC; = 0,749); Fator 8 - Gestão de intervenções de enfermagem autónomas (GIEA; = 0,682); Fator 9 - Gestão de intervenções de enfermagem interdependentes (GIEI; = 0,623). Por sua vez, a eliminação de um conjunto de 14 itens, perfazendo um total de 43 itens, permitiu melhorar a consistência interna do QCIAEFDSCA de = 0,892 para = 0,930, sendo classificada de muito boa ou elevada. Do exposto, conclui-se que o QCIAEFDSCA parece revelar-se adequado nesta amostra, pelo que poderá constituir-se como um recurso valioso para estudos futuros, particularmente em amostras ainda maiores.
Conclusão O questionário evidencia propriedades psicométricas adequadas para avaliar conhecimentos acerca das intervenções autónomas de enfermagem face ao doente com SCA, revelando uma consistência interna muito boa ou elevada ( = 0,930), explicando 56,739% de variância total. Relativamente às implicações para a prática, dos nove fatores avaliados, os enfermeiros aplicam maioritariamente o conjunto de intervenções que se interrelacionam com a gestão de intervenções de enfermagem interdependentes, a gestão dos protocolos terapêuticos complexos e a gestão de cuidados percecionados para a autonomia do cliente, sendo as restantes intervenções menos valorizadas. Este questionário possui uma abordagem muito concreta e objetiva: avaliação dos conhecimentos dos enfermeiros acerca das intervenções autónomas de enfermagem no doente com SCA. Objetiva-se, em primeira linha, a identificação das lacunas de conhecimentos dos enfermeiros permitindo, em seguida, delinear um adequado planeamento das sessões de formação contínua, alicerçadas numa prática de cuidados baseados em evidências. A adoção e a promoção de uma metodologia crítico-reflexiva apoiará, de forma significativa os enfermeiros, fazendo valer a sua importância e demonstrando o seu
papel decisor na autonomia dos cuidados como, por exemplo, na participação, desenvolvimento e/ou atualização de normas de serviço, Guidelines, protocolos de atuação, manuais de qualidade e estudos científicos que ambicionem, concomitantemente, projetar os melhores e mais adequados níveis de evidência e graus de recomendação no atendimento ao doente com SCA. Desta forma, o presente questionário pode constituir um contributo, ainda que humilde, para futuros estudos sobre esta temática e a equipa de investigação reconhece que este instrumento poderá ser aplicado nas mais diversas realidades de prestação de cuidados de enfermagem, desde as instituições de saúde até às instituições académicas/ formativas. Contribuição de autores Conceptualização: Pina, J. C., Branco, M. A., Nunes, M. M. Tratamento de dados: Pina, J. C., Duarte, J. C., Silva, C. R. Metodologia: Pina, J. C., Branco, M. A., Nunes, M. M. Redação – preparação do rascunho original: Pina, J. C., Branco, M. A., Nunes, M. M., Duarte, J. C., Silva, C. R. Redação – revisão e edição: Pina, J. C., Branco, M. A., Nunes, M. M., Duarte, J. C., Silva, C. R. Referências bibliográficas Alves, T. M. (2015). A pessoa em situação crítica em contexto de urgência: Dos cuidados de enfermagem prestados aos cuidados de enfermagem documentados (Dissertação de mestrado). Recuperado de http:// hdl.handle.net/20.500.11960/1342 Facione, P. A., Crossetti, M. G., & Riegel, F. (2017). Pensamento crítico holístico no processo diagnóstico de enfermagem. Revista Gaúcha de Enfermagem, 38(3), e75576. doi: 10.1590/19831447.2017.03.75576 Fornell, C., & Larcker, D. F. (1981). Evaluating structural equation models with unobservable variables and measurement error. Journal of Marketing Research, 18(1), 39-50. doi: 10.2307/3151312 Ibanez, B., James, S., Agewall, S., Antunes, M. J., Bucciarelli-Ducci, C., Bueno, H., . . . ESC Scientific Document Group. (2018). ESC Guidelines for the management of acute myocardial infarction in patients presenting with ST-segment elevation: The Task Force for the management of acute myocardial infarction in patients presenting with ST-segment elevation of the European Society of Cardiology (ESC). European Heart Journal, 39(2), 119-177. doi: 10.1093/eurheartj/ehx393 Instituto Nacional de Emergência Médica, & Departamento de Formação em Emergência Médica. (2019). Manual de suporte avançado de vida. Lisboa, Portugal: Autor. Macedo, A., & Rosa, F. (2010). O síndrome coronário agudo nos cuidados de saúde primários. Acta Médica Portuguesa, 23(2), 213-222. Marôco, J. (2014). Análise estatística com o SPSS Statistics (6.ª ed.). Pêro Pinheiro, Portugal: ReportNumber. Nikolaou, N. I., Arntz, H.-R., Bellou, A., Beygui, F., Bossaert, L. L., & Cariou, A. (2015). European Resuscitation Council Guidelines for Resuscitation 2015: Section 8: Initial management of acute coronary syndromes. Journal of the European Resuscitation Council, 95, 264-277. doi: 10.1016/j.resuscitation.2015.07.030
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ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Impacto da COVID-19 nas dinâmicas sociofamiliares e académicas dos estudantes de enfermagem em Portugal Impact of COVID-19 on the family, social, and academic dynamics of nursing students in Portugal Impacto de la COVID-19 en las dinámicas sociofamiliares y académicas de los estudiantes de enfermería en Portugal
Beatriz Xavier 1 https://orcid.org/0000-0002-1787-4586 Ana Paula Camarneiro 1 https://orcid.org/0000-0003-3432-9261 Luís Loureiro 1 https://orcid.org/0000-0002-2384-6266 Eva Menino 1 https://orcid.org/0000-0002-6761-9364 Aliete Cunha-Oliveira 1 https://orcid.org/0000-0001-8399-8619 Ana Paula Monteiro 1 https://orcid.org/0000-0002-1037-8299
1 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal
Autor de correspondência Beatriz Xavier E-mail: bxavier@esenfc.pt
Recebido: 01.07.20 Aceite: 22.09.20
Resumo Enquadramento: Devido à pandemia COVID-19 encerraram-se estabelecimentos de ensino e confinaram-se os estudantes. Objetivos: Conhecer as mudanças sociofamiliares, académicas e comportamentais dos estudantes de enfermagem, provocadas pela pandemia COVID-19; caracterizar perceções de saúde, informação e adesão às medidas veiculadas. Metodologia: Estudo quantitativo descritivo-correlacional com 425 estudantes de enfermagem. Utilizou-se o COVID-19 International Student Well-Being Study (C19 ISWS). Cumpriram-se pressupostos éticos. Resultados: Suspensas aulas presenciais, os estudantes regressaram ao domicílio familiar, reduziram contactos com amigos e privilegiaram comunicações online. Manifestaram stress face às mudanças no ensino e à possibilidade de não concluírem o ano letivo. Reportaram aumento de materiais online, mas não identificaram acréscimo de trabalho académico. Referiram menos recursos financeiros. Consideraram informações da Direção-Geral da Saúde atempadas e compreensíveis e aderiram fortemente às medidas implementadas. Os consumidores, diminuíram significativamente consumos de tabaco, álcool e outros. Conclusão: A pandemia COVID-19 trouxe alterações à vida dos estudantes de enfermagem, marcadas por retorno à casa da família, preocupações com sucesso escolar e afastamento das sociabilidades académicas, aderindo massivamente às medidas sanitárias recomendadas. Palavras-chave: pandemia; covid-19; estudantes de enfermagem; confinamento; isolamento social; ensino superior Abstract Background: Due to the COVID-19 pandemic, education institutions were closed, and students were confined to their homes. Objectives: To identify the social, family, academic, and behavioral changes related to the COVID-19 pandemic in nursing students; to characterize their perceptions of health, information, and compliance with the measures. Methodology: Quantitative descriptive-correlational study with 425 nursing students. The COVID-19 International Student Well-Being Study (C19 ISWS) was used. All ethical requirements were met. Results: With the suspension of presential classes, students returned to their family homes, reduced their contacts with friends, and gave priority to online forms of communication. They experienced stress due to the changes in the teaching methods and about the possibility of not successfully completing the academic year. Students reported an increase in online materials but did report an increase in academic workload. They reported fewer financial resources and considered that the information from the Directorate-General of Health was clear and provided in due time. They also reported having complied with the measures. Students significantly decreased their consumption of tobacco, alcohol, and others. Conclusion: The COVID-19 pandemic has changed the nursing students’ lives, due to their return to their family homes, the concerns about their academic success, the distancing from social activities, with strict compliance with the recommended sanitary measures. Keywords: pandemic; covid-19; nursing students; confinement; social isolation; higher education Resumen Marco contextual: Debido a la pandemia de COVID-19, se cerraron los establecimientos educativos y se confinó a los estudiantes. Objetivos: Conocer los cambios sociofamiliares, académicos y de comportamiento de los estudiantes de enfermería causados por la pandemia de COVID-19; caracterizar las percepciones de la salud, la información y el cumplimiento de las medidas comunicadas. Metodología: Estudio cuantitativo descriptivo-correlacional con 425 estudiantes de enfermería. Se utilizó el COVID-19 International Student Well-Being Study (C19 ISWS). Se cumplieron los supuestos éticos. Resultados: Con la suspensión de las clases presenciales, los estudiantes volvieron al domicilio familiar, redujeron el contacto con sus amigos y dieron prioridad a la comunicación en línea. Manifestaron estrés ante los cambios en la enseñanza y la posibilidad de no completar el año académico. Informaron de un aumento de los materiales en línea, pero no identificaron ningún aumento en el trabajo académico. Indicaron que disponían de menos recursos financieros. Consideraron que la información de la Dirección General de Salud era adecuada y comprensible, y se comprometieron firmemente con las medidas aplicadas. Los consumidores disminuyeron significativamente el consumo de tabaco, alcohol y otros productos. Conclusión: La pandemia de COVID-19 trajo consigo cambios en la vida de los estudiantes de enfermería, marcados por el regreso a la vivienda familiar, la preocupación por el éxito académico y el distanciamiento de la sociabilidad académica, cumpliendo así ampliamente con las medidas sanitarias recomendadas. Palabras clave: pandemia; covid-19; estudiantes de enfermería; confinamiento; aislamiento social; educación superior Como citar este artigo: Xavier, B., Camarneiro, A. P., Loureiro, L., Menino, E., Cunha-Oliveira, A., & Monteiro, A. P. (2020). Impacto da COVID-19 nas dinâmicas sociofamiliares e académicas dos estudantes de enfermagem em Portugal. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20104. doi:10.12707/RV20104
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Introdução A pandemia da COVID-19 traduziu-se em restrições significativas aos quotidianos das populações. Os governos, no interesse de manter o controlo da circulação e transmissão do vírus, e sob aconselhamento das entidades de saúde, implementaram medidas cujos efeitos alteraram rotinas familiares, trabalho e sociabilidades. As mudanças foram céleres e imprevisíveis, dado o curto espaço de tempo que decorreu desde que, em dezembro de 2019, se tomou conhecimento de um novo vírus na cidade chinesa de Wuhan. A 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o novo coronavírus como pandemia (World Health Organization [WHO], 2020a) e dinamizou o Plano Estratégico de Preparação e Resposta à COVID-19, enfatizando a importância da articulação internacional face ao surto, focada na interrupção da transmissão humano-a-humano do vírus e no atendimento eficaz às pessoas afetadas (WHO, 2020b). Os primeiros casos da COVID-19 em Portugal foram registados a 26 de fevereiro de 2020 pela Direção-Geral da Saúde (DGS, 2020) e o Governo português decretou, a 12 de março de 2020, o fecho de todos os estabelecimentos de ensino públicos e privados. Contudo, duas semanas antes, algumas universidades em Portugal, por iniciativa dos seus reitores, tinham já abolido as aulas presenciais e confinado, antes de todos, os estudantes às suas casas. O Presidente da República Portuguesa declarou estado de emergência a 18 de março de 2020, renovado até 2 de maio de 2020, que assentou numa estratégia de combate à disseminação do vírus através do recolhimento geral da população e da prática do distanciamento social, trazendo ainda mais restrições (Decreto nº 20-A/2020 de 17 de abril). Investigações prévias, realizadas em Hong Kong durante a epidemia Severe Acute Respiratory Syndrome (SARS) em 2003, indicaram que os estudantes do ensino superior se encontram entre os mais afetados em termos psicológicos (Wong, Gao, & Tam, 2007), tornando-se relevante estudar o impacto da crise pandémica nos estudantes deste nível de ensino, particularmente nos estudantes de enfermagem, considerando a seu contacto direto com o contexto clínico, no âmbito da componente prática do curso. São objetivos deste estudo: conhecer as mudanças decorrentes da crise pandémica nas dinâmicas sociofamiliares e académicas dos estudantes de enfermagem; analisar as mudanças provocadas pelo surto COVID-19 nos comportamentos destes estudantes; caracterizar as perceções dos estudantes de enfermagem relativamente à incerteza associada à sua saúde, à informação veiculada pelos agentes sanitários e à adesão às medidas sanitárias.
Enquadramento As quarentenas têm efeitos negativos no bem-estar e saúde mental das populações (Brooks et al., 2020). Para as gerações atuais, o confinamento foi uma situação inédita, obrigando ao desenvolvimento de estratégias adaptativas e a um novo equilíbrio pessoal e social. Contudo,
dada a ocorrência de situações anteriores, vários estudos internacionais avaliaram o impacto da pandemia e do confinamento, ou medidas de quarentena, nos estilos de vida e saúde mental da população em geral, revelando que, embora toda a população seja afetada, os seus efeitos são claramente diferenciados nos vários grupos socias (Wong et al., 2007). Os estudantes do ensino superior têm sido reportados como um dos grupos especialmente afetados nas situações pandémicas, quer em surtos epidémicos anteriores, como os surtos recentes e Middle East Respiratory Syndrome (MERS) e de SARS (Gu et al., 2015; Huremović, 2019; Wong et al., 2007), quer no contexto da COVID-19, com maior risco em termos de saúde mental e mudanças dos estilos de vida (Kaparounaki et al., 2020; Wang et al., 2020; Zhang & Ma, 2020). Com as atividades letivas presenciais suspensas e as medidas implementadas pelos estabelecimentos de ensino superior a serem estabelecidas de forma sequencial, em ambiente de incerteza, a pandemia obrigou a que se adaptassem os contextos pessoais e familiares ao novo quotidiano. Em Portugal, os estudos disponíveis sobre o impacto da pandemia COVID-19 em estudantes do ensino superior são ainda escassos e parcelares. Particularmente, os estudantes de enfermagem portugueses poderão estar a enfrentar desafios acrescidos devido à interdição dos ensinos clínicos que constituem, obrigatoriamente, 50% do seu currículo académico. O Observatório de Políticas de Educação, Formação e Ciência (Benavente, Peixoto, & Gomes, 2020), ao analisar o impacto da COVID-19 no sistema de ensino português para a subamostra constituída por estudantes do ensino superior (n = 860), concluiu que, na sua maioria (59,4%), ponderadas as questões financeiras, pedagógicas e relacionais, os estudantes declararam que a situação de ensino não presencial os deixou numa situação globalmente desfavorável em comparação com o ensino presencial. Para estes estudantes, o nível de participação nas aulas diminuiu bastante, bem como o interesse pelas mesmas. Os estudantes referem que o ensino não presencial dá demasiado trabalho e poucos são os que não estão preocupados com as avaliações finais. Neste estudo, 40% dos estudantes referiram experienciar maiores níveis de ansiedade com o confinamento/isolamento. No Reino Unido, uma investigação com estudantes dos 13 aos 25 anos, reportou que 83% dos jovens concordaram que devido ao encerramento de escolas e universidades, perda de rotinas académicas, isolamento e restrição de conexões sociais, a pandemia piorou as suas condições de saúde mental (YoungMinds, 2020). Na China, níveis de ansiedade elevada diretamente relacionada com o surto de COVID-19, foram encontrados em 24,9% de estudantes do ensino superior (Cao et al. 2020). Num estudo realizado na Índia, 76,44% de estudantes do ensino secundário e superior manifestaram ansiedade em níveis severos e 23,66% em níveis moderados. Associados a este quadro estavam as aulas online e a duração das mesmas, assim como o nível educacional, mas a ansiedade não esteve relacionada com o tipo de aulas online ou presenciais (Dangi & George, 2020). Para estudantes chineses, viver em áreas urbanas, coabitar com os pais e ter uma renda
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familiar estável foram fatores protetores face à ansiedade experienciada durante o surto de COVID-19. Mas ter um parente ou um conhecido infetado com SARS-CoV-2 era fator de risco independente para níveis elevados de ansiedade (Cao et al., 2020). Outros stressores relacionados com a pandemia COVID-19, tais como económicos, efeitos no quotidiano e atrasos nos percursos académicos e falta de apoio social foram associados à presença de sintomas intensos de ansiedade (Cao et al., 2020). Dos estudantes inquiridos na Índia, uma pequena parte (4%) não aceitou as aulas online facultadas. Dos que tiveram aulas online, 22,4% referiram estudar 1 a 2 horas por dia e 26% necessitaram de dados extra de internet. Quanto à COVID-19, 40% dos estudantes afirmaram pensar no coronavírus enquanto estudavam e 61,2% afirmam ter cumprido o confinamento e que sabem como prevenir a doença (Dangi & George, 2020). Estes estudos reforçam a necessidade de conhecer de modo mais aprofundado as alterações que a COVID-19 trouxe à vida dos estudantes do ensino superior e, em particular, aos do curso de enfermagem.
Questão de investigação De que modo o surto da pandemia COVID-19 se refletiu nas dinâmicas académicas, nos quotidianos e comportamentos dos estudantes de enfermagem?
Metodologia O presente estudo é de natureza quantitativa descritivo-correlacional. Este estudo faz parte do COVID-19 International Student Well-Being Study (C19 ISWS). C19 ISWS é o resultado de um projeto de investigação, protocolo de estudo e questionário desenvolvido por uma equipa da Universidade de Antuérpia, Bélgica (Sarah Van de Velde, Veerle Buffel e Edwin Wouters; University of Antwerp, Centre for Population Family and Health, 2020). A amostra é constituída por 425 estudantes de enfermagem de uma escola portuguesa, sendo 88% (n = 374) do sexo feminino e 12% (n = 51) do sexo masculino. A média de idades é de 21,37 anos (DP = 4,25; Min. = 18 anos; Máx. = 46 anos). Frequentam o curso de licenciatura 96,7% (n = 411) da amostra e, destes, 31,4% estão matriculados pela primeira vez no ensino superior e os restantes 68,6% têm mais do que uma matrícula. Frequentam cursos de mestrado/pós-licenciatura 3,3% (n = 14). Apenas um estudante foi infetado com SARS-CoV-2, com confirmação laboratorial. Contudo, 24,9% (n = 106) conheceram alguém infetado na sua rede pessoal, dos quais a maioria, 59,4% (n = 63), tinha apresentado sintomas ligeiros, seguido de 22,6% (n = 24) que apresentavam sintomas severos sem hospitalização, e 8,5% (n = 19) apresentavam sintomas severos com hospitalização, mas sem necessidade de cuidados intensivos. Sintomas severos, com hospitalização em cuidados intensivos ocorreu em 4,7% e tinham falecido 4,7%.
Neste estudo foi utilizado o International COVID-19 student well-being questionnaire, traduzido para português por Xavier e Hilário (2020). O questionário é constituído por diferentes blocos temáticos de questões, entre os quais foram selecionados para análise os seguintes: questões sociodemográficas; dinâmicas sociofamiliares; dinâmicas académicas; perceção de risco de contrair infeção. Relativamente aos procedimentos, em Portugal, tal como em cada país parceiro, foi realizada a tradução e adaptação cultural do questionário e feito um pré-teste. O questionário foi difundido via e-mail, com o respetivo convite ao preenchimento pelos estudantes em formato Google Doc. Os procedimentos éticos foram cumpridos. O estudo foi submetido e aprovado para Portugal pela Comissão de Ética do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (Ref. 2020/10). Aos participantes foi pedido o consentimento informado, livre e esclarecido, prévio ao preenchimento do questionário, sem o qual não era possível avançar no preenchimento do mesmo. A recolha de dados decorreu na plataforma Qualtrics, entre os dias 27 de abril e 18 de maio de 2020. A análise estatística foi efetuada com recurso ao programa IBM SPSS Statistics, versão 24.0. Foram calculadas as distribuições de frequências absolutas e percentuais e as medidas estatísticas resumo (média, mediana; desvio padrão e amplitude interquartis). Foram aplicados os testes de hipóteses McNemar, t de student para grupos emparelhados e sinais por postos de Wilcoxon. As associações foram analisadas com recurso às medidas Gamma (G) e D de Sumers. Medida de tamanho de efeito a três medidas, nomeadamente g (McNemar), d (t de student) e r (sinais por postos de Wilcoxon) de Cohen. Para a interpretação dos resultados, utilizaram-se os seguintes valores de referência: para o g, os valores são considerados pequenos se g = 0,5; médios se g = 0,15, e grandes se g ≥ 0,25. Para o d, são considerados pequenos se (0,20 ≤ d < 0,50); médios se (0,50 ≤ d < 0,80) e grandes se (d ≥ 0,80). Para o r, são considerados pequenos se (0,10< r < 0,30); médios se (0,30 < r < 0,80) e grandes se (r > 0,50).
Resultados Seguindo a ordem das variáveis/domínios referidos nos objetivos do estudo, os resultados serão apresentados sequencialmente. Mudança nas dinâmicas sociofamiliares A primeira grande mudança decorrente da COVID-19 foi o regresso quase massivo dos estudantes para junto das suas famílias. Como se pode observar na Tabela 1, no momento de resposta ao questionário e comparando com os valores prévios, ainda que 28,9% já vivesse com os pais, esse valor aumentou para 88,2% após a implementação das medidas de confinamento. Este aumento tem significado estatístico (2 = 238,640; p = 0,000; g = 0,48) sendo o valor do effect size (tamanho de efeito) elevado/grande. Quando comparadas as médias do número de pessoas com quem viviam os estudantes antes e depois de iniciadas as
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medidas, observa-se um decréscimo de 2,92 pessoas para 2,74 pessoas. Esta diferença é estatisticamente significativa, com valor effect size muito pequeno (t = 2,259; p = 0,024; d = 0,13), como se observa na Tabela 2. O número de contactos (offline e/ou online) com quem os participantes pudessem discutir assuntos pessoais/íntimos depois de iniciadas as medidas de confinamento, no que se refere à família aumentaram para 35,3%, mantiveram-se iguais para 29,2% e diminuíram para 35,5%. Relativamente aos contactos com amigos, estes aumentaram para 15,8%, mantiveram-se iguais para 20,2% e 64% afirmam que diminuíram os contactos com os amigos para discutir assuntos pessoais/íntimos. A perceção de recursos financeiros disponíveis para fazer face às despesas mensais, comparativamente, antes da COVID-19 e durante o confinamento, num formato de resposta tipo Likert de 1 (discordo totalmente) a 5 pontos (concordo totalmente), e como se pode observar na Tabela 2, a média diminuiu de 4,30 para os 3,88 pontos, sendo esta diferença estatisticamente significativa (t = 10,906; p = 0,000; d = 0,52) e é grande o tamanho de efeito. Comportamentos sociais e de saúde A frequência dos comportamentos associados ao consumo de tabaco, álcool e outras substâncias, assim como o exercício físico, são questionados com possibilidade de resposta tipo Likert (1- nunca ou quase nunca, a 5diariamente/quase diariamente). Quanto à frequência de consumo de tabaco (cigarros, cigarrilha, cigarros eletrónicos), foi aplicado o teste de sinais por postos de Wilcoxon, retirando da análise 80,7% (n = 343) que são aqueles que assinalaram a opção nunca ou quase nunca e que correspondem a não fumadores. Assim, a análise foi efetuada com 82 estudantes. Como se pode observar na Tabela 1, a mediana do consumo era de 4 pontos antes do surto, isto é, mais de uma vez por semana, passando para 1 ponto (nunca ou quase nunca) durante a última semana, sendo as diferenças estatisticamente significativas (z = - 6,114; p = 0,000; r = 0,68). O valor da medida de tamanho de efeito r aplicado à estatística z do teste revela uma mudança grande. A comparação efetuada quanto ao número médio de cigarros fumados (apenas 66 indicou o n.º de cigarros), indica um decréscimo nas medianas de 4 cigarros para 0 cigarros, sendo a diferença estatisticamente significativa (z = - 5,173; p = 0,000; r = 0,64) com um r grande. Procedimento igual foi aplicado ao estudo do consumo
de álcool, primeiro a frequência de consumo (n.º de copos por semana) e posteriormente a análise dos consumos médios. Em termos comparativos da frequência de consumo, foram excluídos os que afirmavam não beber álcool (zero copos), que são 186 estudantes (43,8%). A análise comparativa das medianas, realizada a partir do cálculo do teste de sinais por postos de Wilcoxon, mostrou diferenças estatisticamente significativas (z = - 11,214; p = 0,000; r = 0,72) e um tamanho de efeito grande. A mediana inicial antes do surto era de 4/semana, passando para 0/semana. Em termos da frequência do consumo de seis ou mais bebidas numa única ocasião, 46,8% (n = 199) da amostra refere que nunca ou quase nunca o fez. Procedeu-se ao cálculo do teste dos sinais por postos de Wilcoxon para a restante amostra (n = 226), antes do surto e na última semana. Acerca do consumo de cannabis, antes do surto e na última semana, efetuou-se a análise retirando os que referiram que nunca ou quase nunca o faziam e que são 92,9% (n = 395). Realizou-se o teste aos restantes 30 estudantes, tendo revelado um decréscimo estatisticamente significativo com tamanho de efeito grande (z = - 4,183; p = 0,000; r = 0,76), passando a mediana de 2 (menos de uma vez por semana) para 1 (nunca/ou quase nunca) na última semana. Quando questionados acerca da frequência de atividade física intensa, como levantar pesos, correr, aeróbica ou ciclismo, pelo menos cerca de 30 minutos, 44,9% (n = 191) refere que nunca ou quase nunca o fazia, sendo excluídos do cálculo estatístico. O teste revelou diferenças estatisticamente significativas (z = 3,214; p = 0,000; r = 0,21), contudo o tamanho de efeito é pequeno. Efetuada análise semelhante à questão relativa à atividade física moderada (ex. andar de bicicleta), comparados os valores referentes aos dois momentos, o teste aplicado a 289 estudantes (retirados os que afirmam nunca ou quase nunca o fazer) não indicou diferenças estatisticamente significativas (z = - 0,704; p = 0,482; r = 0,21). Nas questões relativas às atividades realizadas na última semana, pode-se observar (Tabela 1) que a maioria privilegia falar com amigos ou familiares por videochamada (87,3%), por telefone (85,4%) e online (excluindo os anteriores; 61,2%). De seguida, é referido o passeio com outra pessoa (53,7%), conversar na rua com amigos (48%), participar em atividades lúdicas online (39,1%) e jogar ou responder a um quiz online com amigos (28,9%). As restantes atividades apresentam valores inferiores a 10%.
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Tabela 1 Distribuições percentuais e estatísticas resumo relativas às questões associadas à vida social, familiar e académica Antes do surto (%)
Variáveis Vivia com o(s) meu(s) pai/mãe (pais) Outra (residência/arrendamento individual/grupo)
Última semana (%)
28,9 71,1
88,2 11,8 Média (DP Média (DP(c)) (c) )
Número de pessoas com quem vives Perceção de disponibilidade de Recursos financeiros para despesas mensais
Frequência consumo de tabaco (cigarros, cigarrilha, cigarros eletrónicos) (n = 66) Média de cigarros fumava por dia (n = 66) Média do consumo de álcool/semana (n = 239) Consumo de seis ou mais bebidas numa única ocasião (n = 226) Frequência usava cannabis (marijuana, erva, haxixe) (n = 30) Frequência atividade física intensa (ex. correr) (n = 234) Frequência atividade física moderada (ex. andar de bicicleta) (n = 289) Atividades realizadas na última semana Dar um passeio com outra pessoa, respeitando as medidas …. Andar de bicicleta com outra pessoa, respeitando as medidas… Tomar uma bebida ou fazer um picnic com amigos ou familiares respeitando Falar com amigos ou familiares na rua respeitando as medidas …. Participou numa atividade lúdica online (como por exemplo, uma aula de yoga) Jogar ou responder a um quiz online com amigos ou familiares Falar com amigos ou familiares por videochamada Falar com amigos ou familiares por telefone Falar com amigos ou familiares online (excluindo …telefonemas) Nenhuma das situações acima mencionadas
χ2(a)
p
g(b)
238,640
0,000
0,48a
t(d)
p
d (e)
0,024 0,000
0,13 0,52
2,92 (1,39) 4,30 (0,79)
2,74 (1,21) 3,88 (0,99)
2,259 10,906
Mediana (AIQ(f ))
Mediana (AIQ(7))
z(g)
4,00 (2,00) 4,00 (6,00) 3,00 (3,00) 2,00 (1,00) 2,00 (3,00) 3,00 (2,00) 3,00 (2,00)
1,00(4,00) 0,00(3,00) 0,00 (1,00) 1,00 (0,00) 1,00 (0,00) 4,00 (2,00) 4,00 (3,00)
-6,114 -5,173 -11,214 -12,892 -4,183 3,214 -0,704
0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,482
0,68 0,64 0,72 0,86 0,76 0,21 0,02
---------------------
53,65 9,18 6,12 48,00 39,06 28,94 87,29 85,41 61,18 0,24
---------------------
---------------------
---------------------
r(h)
Nota. (a) Estatística do teste de McNemar; (b) medida de tamanho de efeito “g” de Cohen; (c) DP = desvio padrão; (d) Estatística do teste t emparelhado; (e) medida de tamanho de efeito “d” de Cohen; (f ) amplitude interquartis; (g) Estatística z do teste de sinais por postos de Wilcoxon; (h) medida de tamanho de efeito “r” associada ao teste de Wilcoxon emparelhado.
Dinâmicas académicas A análise efetuada às variáveis relativas ao tempo despendido e eventuais alterações, nomeadamente aos níveis de: a) materiais de ensino disponíveis offline (por exemplo, aulas presenciais, seminários, laboratórios, testes, etc.); b) materiais de ensino disponíveis online (por exemplo, aulas, seminários, laboratórios, testes realizados através da internet, etc.); c) tempo pessoal de estudo (como, por exemplo, preparar as aprendizagens, ler, escrever, fazer trabalhos de casa, etc.) e d) trabalho pago (não incluindo trabalhos temporários durante as férias), foram analisadas procedendo-se primeiro à recodificação dos valores em grupos/intervalos (Tabela 2) e, posteriormente, aplicou-se o teste de sinais por postos de Wilcoxon e calculou-se a medida de tamanho de efeito. Na Tabela 2 encontram-se, além do teste, as distribuições percentuais para cada questão, incluindo ainda as diferenças aplicando o teste do sinal no sentido de poder
verificar se existe um aumento, diminuição ou se manteve o tempo despendido. Relativamente aos materiais de ensino disponíveis offline (ex. aulas), verificou-se uma diminuição estatisticamente significativa nas horas despendidas (z = -13,292; p < 0,001; r = 0,65) com um tamanho de efeito considerado grande. Essa diminuição é reportada por 65,4% da amostra, enquanto 24% refere que se manteve igual. Em termos de materiais de ensino disponíveis online (ex. aulas, seminários) há um aumento estatisticamente significativo (z = 9,127; p < 0,001; r = 0,44) com tamanho de efeito moderado, como reportado por 48%, enquanto 36,7% refere que é idêntico entre antes do surto e a situação atual, e apenas 15,3% refere uma diminuição. Nos casos do tempo pessoal de estudo (z = 1,816; p > 0,05) e trabalho pago (z = 0,583; p > 0,05), as diferenças não são estatisticamente significativas em ambos os casos.
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Tabela 2 Distribuições percentuais relativas ao tempo em cursos offline, online, estudo e trabalho pago, antes do surto e durante a última semana (n = 425) Antes do surto (%)
Última semana (%)
Materiais de ensino disponíveis offline (ex. aulas presenciais, etc…) 0h - 4h 5h - 9h 10h - 14h 15h - 19h 20h - 24h 25h - 29h 30h - 3 h > 34 h Materiais de ensino disponíveis online (ex. seminários, etc…)
26,8 12 3,1 2,6 7,3 4 15,5 28,7
79,0 4,3 5,4 2,1 2,6 0,9 2,1 3,5
0h - 4h 5h - 9h 10h - 14h 15h - 19h 20h - 24h 25h - 29h 30h - 34 h > 34 h
72,6 12,3 6,8 1,4 2,4 0,7 1,2 2,6
45,7 13,8 6,4 6,1 9,2 1,7 4,9 12,2
Tempo pessoal de estudo (ex. fazer trabalhos…) 0h - 4h 5h - 9h 10h - 14h 15h - 19h 20h - 24h 25h - 29h 30h - 3 h > 34 h Tempo gasto em trabalho remunerado
25,4 19,8 18,4 11,1 11,1 3,3 5,7 5,4
41,2 14,2 14,7 4,3 7,6 1,9 6,6 9,5
Variáveis
0h - 4h 5h - 9h 10h - 14h
86,6 8,9 4,5
89,6 4,7 5,7
z(a)
-13,292*** (0,65)(b)
-9,127*** (0,44)(b)
-1,816ns
-0,583 ns
Diferenças (a-d)
n.º (%)
Negativas (aumento) Positivas (diminuição) Empates (igual)
45 (10,6) 278 (65,4) 102 (24)
Negativas (aumento) Positivas (diminuição) Empates (igual)
204 (48) 65 (15,3) 156 (36,7)
Negativas (aumento) Positivas (diminuição) Empates (igual)
125 (29,4) 153 (36) 144 (33,9)
Negativas (aumento) Positivas (diminuição) Empates (igual)
21 (4,9) 33 (7,8) 371 (87,3)
Nota. a) Estatística do teste de sinais por postos de Wilcoxon; *** p < 0,001; (b) medida de tamanho de efeito (r); ns – não significativa.
Em termos de perceção do aumento do trabalho académico (Tabela 3), os estudantes apresentam um valor médio de 2,82 pontos, situando-se próximo do valor neutro, ou seja, percecionam as mudanças como não implicando um aumento do trabalho. Ao nível das preocupações relacionadas com o curso, resultante do somatório dos itens aplicados na questão, o valor médio obtido é 3,77 pontos, próximo da concordância (Tabela 3). A análise separada mostra que os valores mais elevados se situaram no item “estou preocupado(a) com a possibilidade de não conseguir completar com sucesso o ano letivo devido ao surto
de COVID-19”, com a média de 4,02 pontos. “A mudança nos métodos de ensino resultantes do surto de COVID-19 causaram-me muito stresse”, apresentou valor médio de 3,84 pontos. Ao nível da perceção de apoio institucional, o valor médio dos itens respondidos nesta questão foi de 3,20 pontos. Relativamente à qualidade da informação veiculada pelas ações da DGS em termos de disponibilização atempada da informação, a opinião em termos médios situa-se nos 3,43 pontos. No que concerne à compreensão dessa informação, os estudantes concordam que é compreensível (3,72 pontos).
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Tabela 3 Estatísticas resumo relativas às questões académicas, percepção de apoio institucional, perceção da informação governativa, nível de adesão às medidas (n = 425) Itens/factores
Média
DP
O meu trabalho académico aumentou significativamente desde o surto de COVID-19
2,82
1,48
Factor 1: preocupações relacionadas com o curso (a) Factor 2: percepção de apoio institucional (a)
3,77 3,20
0,79 0,89
O governo proporcionou atempadamente informação sobre o surto de COVID-19(a) O governo proporcionou informação compreensível acerca do surto de COVID-19(a) Aderi às medidas implementadas pelo governo face ao COVID-19(b)
3,43 3,72 8,91
1,10 0,90 1,17
Qual é a probabilidade de vir a ser infetado(a) com COVID-19 (c) Qual o seu nível de preocupação quanto a ficar infetado(a) com COVID-19(d) Qual o seu nível de preocupação quanto a ficar gravemente doente devido à infeção por COVID-19(d)
4,22 6,63 6,95
2,27 2,44 3,05
(a)
Nota. DP = desvio-padrão. (a) 1 (discordo completamente) a 5 (concordo completamente); (b) 0 (não aderi de todo) a 10 (sigo estritamente); (c) 0 (muito improvável) a 10 (muito provável); (d) 0 (nada preocupado) a 10 (muito preocupado).
Adesão às medidas e preocupação com a saúde em clima de incerteza Em termos da adesão às medidas implementadas pelo governo português face à COVID-19, num formato de resposta de 0 (não aderi de todo) a 10 (sigo estritamente), o valor médio é 8,91, indicativo de uma adesão quase total às medidas estabelecidas. Em termos da perceção que os estudantes de enfermagem têm do risco de ser infetados, com o mesmo formato de resposta, o valor médio é de 4,22. Se convertido para percentual, representa 40% de perceção de risco de ser infetado. Em termos de preocupação em ficar infetado e ficar gravemente doente, os valores são de 6,63 e 6,95. O cálculo das medidas de associação gamma (assimétrica) foi efetuado da seguinte forma: verificou-se se existia associação entre o nível de preocupação em ficar infetado e a preocupação em ficar gravemente doente. O valor obtido (G = 0,57; p < 0,001) indica uma associação forte entre as variáveis. Para o estudo da associação entre a adesão às medidas e a perceção do risco de vir a ser infetado, utilizou-se a medida d de Somers (simétrica) tendo-se obtido um valor de d = 0,008 (p = 0,870), indicando não haver associação entre as variáveis.
Discussão As estratégias adotadas pelos governos para controlo da pandemia tiveram efeitos diretos nas instituições de ensino superior e nos estudantes. Neste estudo, foi analisado o impacto da crise pandémica nas dinâmicas sociofamiliares e académicas, nos comportamentos e saúde dos estudantes de enfermagem. Para os estudantes que no período letivo se encontravam afastados da sua residência de família, o primeiro impacto foi o regresso à casa dos pais. Tal mudança pode ter tido consequências várias para os jovens adultos, tal como a perda de alguma autonomia e independência nos comportamentos sociais. De facto, como salienta Fuchs (2020), a convergência dos espaços sociais no espaço da casa, provocada pelo confinamento, é acompanhada pela
sobreposição dos diferentes tempos dedicados às distintas atividades que se cumprem no quotidiano e nas quais os indivíduos desempenham diferentes papéis e tarefas. Tal situação pode resultar numa sobrecarga para o indivíduo, na gestão de todos esses papéis agora restringidos ao espaço doméstico. No que respeita aos estudantes de enfermagem, observa-se a diminuição significativa de consumos de álcool, tabaco e outras substâncias, comportamentos estes, em regra, associados a comportamentos de socialização académica. Porém, coabitar com os pais, tal como constatado noutras investigações, pode ter um efeito protetor face à ansiedade devida ao surto (Cao et al., 2020). O afastamento do convívio habitual com colegas e amigos foi muito sentido, tendo havido uma diminuição dos contactos, incluindo por via online. Nas atividades diárias, a maioria dos estudantes privilegiou conversar com amigos ou familiares por videochamada e/ou telefone, ou por outras formas online. A normalidade da vida académica e das sociabilidades académicas juvenis foi interrompida de modo abrupto pela pandemia de SARS-CoV-2, tal como referido pelo relatório do Observatório de Políticas de Educação, Formação e Ciência (Benavente et al., 2020). O contexto institucional do ensino de enfermagem foi alterado, criando aos estudantes em estudo uma situação de preocupação e stress face à situação presente e futura. A sua grande preocupação é a possibilidade de não completarem com sucesso o ano letivo em curso, devido à pandemia. A alteração dos métodos de ensino é também reportada pelos estudantes como fonte de stress elevado. As mudanças introduzidas, de ensino online, suspensão de ensinos clínicos, novos elementos de avaliação, entre outros, obrigaram a que os estudantes da amostra integrassem estas alterações no seu tempo de trabalho, com maior dispêndio de tempo em atividades online. No entanto, e contrariamente ao referenciado por outros estudantes do ensino superior em Portugal (Benavente et al., 2020), tal facto não foi relatado pelos estudantes de enfermagem como um aumento significativo de trabalho académico, havendo um número elevado de estudantes (65%) a referir a diminuição significativa de horas despendidas nas atividades académicas, apesar de o aumento significativo
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de material de estudo disponível online. Considerando estes dados, pode-se admitir a hipótese de ter havido por parte da instituição uma moratória até à imposição do novo ritmo académico devido à impossibilidade de os estudantes retomarem os ensinos clínicos, inesperadamente interrompidos e sem alternativas viáveis num futuro próximo. Provavelmente, terá sido a situação da mudança e incerteza causada pelas medidas institucionais introduzidas no ensino e no curso, e a falta de certezas relativamente ao futuro provocada pela própria pandemia, a refletir-se numa grande preocupação com a possibilidade de não conseguirem completar com sucesso o ano letivo em curso. O enquadramento institucional das situações de crises é importante na gestão das mesmas e do stress causado (Pearlin, 1989). As medidas de informação e indicações institucionais são geralmente bem-recebidas, dando sentido de segurança e confiança. No que se refere à saúde, sendo todos atingidos pela incerteza em relação ao desenrolar do surto pandémico, o stress sentido pelos indivíduos é muito condicionado pelos fatores contextuais e posição social em que estes se encontram (Pearlin,1989). Os estudantes mostraram-se muito preocupados por poderem vir a ser infetados pelo vírus e ficarem gravemente doentes, preocupação essa que aumentava quando se reportava à sua família. Os estudantes de enfermagem demonstraram compreensão e adesão às medidas tomadas pela instituição de ensino e pelo governo, corroborando o que também foi manifestado, em geral, por outros estudantes do ensino superior em Portugal ao serem de opinião que os responsáveis pelas instituições de ensino portuguesas responderam positivamente à situação criada pela pandemia (Benavente, et al., 2020). O facto de este ser um estudo transversal pode constituir uma limitação.
Conclusão A pandemia da COVID-19 causou uma rutura na vida social e pessoal dos estudantes de enfermagem. Os jovens adultos não foram os mais afetados em termos de perigosidade, mas o confinamento e as suas consequências na vida social e das instituições de ensino têm, para estes estudantes, efeitos importantes ao nível do bem-estar. Houve uma forte sobreposição dos espaços do quotidiano, unificando espaços de trabalho, de estudo e a casa. O distanciamento social mudou as interações e práticas de comunicação, passando das situações presenciais e comunicação direta, a formas mediadas nas relações e comunicações à distância, com um grande aumento dos contactos online. As questões de saúde relacionadas com a pandemia causaram grande preocupação, levando a forte adesão às medidas sanitárias estabelecidas. Para os estudantes de enfermagem, tal como para todos os jovens no ensino, a COVID-19 alterou muito a forma de aceder às aulas e o contacto com professores e colegas. É uma experiência marcada pelo receio, pela perda de liberdade, afastamento dos outros e das rotinas do quotidiano e angústia relativamente ao futuro.
Contribuição de autores Conceptualização: Xavier, B., Camarneiro, A. P., Loureiro, L., Menino, E., Cunha-Oliveira, A., Monteiro, A. P. Tratamento de dados: Camarneiro, A. P., Loureiro, L. Análise formal: Xavier, B., Camarneiro, A. P., Loureiro, L., Investigação: Xavier, B., Camarneiro, A. P., Menino, E., Cunha-Oliveira, A., Monteiro, A. P. Metodologia: Xavier, B., Camarneiro, A. P. Administração do projeto: Xavier, B. Software: Loureiro, L. Supervisão: Xavier, B. Validação: Camarneiro, A. P. Redação - rascunho original: Xavier, B., Camarneiro, A. P., Loureiro, L., Menino, E., Cunha-Oliveira, A., Monteiro, A. P. Redação - análise e edição: Xavier, B., Camarneiro, A. P., Menino, E. Referências bibliográficas Benavente, A., Peixoto, P., & Gomes, R. M. (2020). Impacto da Covid-19 no sistema de ensino português: Resultados parciais a 15 abril de 2020: Parte 4. Recuperado de http://www.op-edu.eu Brooks, S. K., Webster, R. K., Smith, L. E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N., & Rubin, G. J. (2020). The psychological impact of quarantine and how to reduce it: Rapid review of the evidence. The Lancet, 395(10227), 912-920. doi: 10.1016/S01406736(20)30460-8 Cao, W., Fang, Z., Hou, G., Xu, M. H., Dong, J., & Zheng, J. (2020). The psychological impact of the COVID-19 epidemic on college students in China. Psychiatry Research, 287, 112934. doi: 10.1016/j.psychres.2020.112934 Dangi, R., & George, M. (2020). Psychological perception of students during COVID-19 outbreak in India. High Technology Letters, 26(6), 142-148. Recuperado de https://ssrn.com/abstract=3625571 Decreto nº 20-A/2020 de 17 de abril. Diário da República n.º 76/2020 (1º Supl.) – I Série. Presidência da República. Lisboa, Portugal. Direção-Geral da Saúde. (2020). SARS-CoV-2/COVID-19: Relatório de situação-1. Recuperado de https://covid19.min-saude.pt/wp-content/uploads/2020/03/Relato%CC%81rio-de-Situac%CC%A7a%CC%83o-1.pdf Fuchs, C. (2020). Everyday life and everyday communication in coronavirus capitalism. Triple C: Communication, Capitalism & Critique, 18(1), 375-399. doi: 10.31269/triplec.v18i1.1167 Gu, J., Zhong, Y., Hao, Y., Zhou, D., Tsui, H., Hao, C., . . . Lau, J. T. (2015). Preventive behaviors and mental distress in response to H1N1 among university students in Guangzhou. Asia-Pacific Journal of Public Health, 27(2), NP1867-NP1879. doi: 10.1177/1010539512443699 Huremović, D. (Ed.). (2019). Psychiatry of pandemics: A mental health response to infection outbreak. doi: 10.1007/978-3-030-15346-5 Kaparounaki, C. K., Patsali, M. E., Mousa, D-P., Papadopoulouet, E. V., Papadopoulou, K. K., & Fountoulakis, K. N. (2020). University students’ mental health amidst the COVID-19 quarantine in Greece. Psychiatry Research, 290, 113111. doi: 10.1016/j. psychres.2020.113111 Pearlin, L. I. (1989). The sociological study of stress. Journal of Health and Social Behavior, 30(3), 241-256. doi: 10.2307/2136956
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Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20104 DOI: 10.12707/RV20104
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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Motivações para a experiência transicional das estudantes do curso de especialização em enfermagem
Motivations for the transitional experience of students in the nursing specialization degree Motivaciones para la experiencia de transición de las estudiantes de especialización en enfermería Rosana Maria de Oliveira Silva1 https://orcid.org/0000-0003-3371-6550 Josicelia Dumêt Fernandes1 https://orcid.org/0000-0003-2946-5314 Maria Deolinda Antunes Luz Lopes Dias Maurício2 https://orcid.org/0000-0002-6565-1694 Lázaro Souza da Silva1 https://orcid.org/0000-0003-1841-751X Gilberto Tadeu Reis da Silva1 https://orcid.org/0000-0002-0595-0780 Ana Lúcia Arcanjo Oliveira Cordeiro1 https://orcid.org/0000-0002-0375-7709
1 Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil
2 Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Lisboa, Portugal
Resumo Enquadramento: A experiência transicional de especialistas de enfermagem ocorre por meio de mudanças intencionais motivadas pela possibilidade de qualificar o exercício profissional. Objetivo: Analisar as motivações para a experiência transicional das egressas do curso de especialização em enfermagem de um município do Nordeste do Brasil. Metodologia: Estudo transversal e exploratório realizado com 40 enfermeiras egressas do curso de especialização em enfermagem na modalidade de residência. Para a colheita dos dados foi utilizada a técnica de entrevista semiestruturada com roteiro norteador. Os dados obtidos foram analisados à luz da análise de conteúdo. Resultados: O estudo possibilitou a construção da categoria motivações para a experiência transicional, que discute as motivações para a experiência transicional, o que resultou em três subcategorias temáticas - necessidade de aprofundar o conhecimento e vivenciar a prática; insuficiência da graduação; e experiência prévia em cenários de prática. Conclusão: A realização do curso de especialização é uma experiência transicional motivada pelas possibilidades de qualificar o exercício profissional de enfermeiras. Palavras-chave: educação de pós-graduação em enfermagem; especialização; enfermagem Abstract Background: The transitional experience of nurse residents occurs through intentional changes motivated by the possibility of enhancing their practice. Objective: To analyze the motivations for the transitional experience of former students of the nurse residency program in a municipality in Northeast Brazil. Methodology: Cross-sectional exploratory study carried out with 40 former students of the nurse residency program. The semi-structured interview technique with a guide was used for data collection. Data were analyzed through content analysis. Results: The category Motivations for the transitional experience emerged, which discusses the motivators influencing the transitional experience. Three subcategories also emerged: Need to enhance knowledge and experience clinical practice; Undergraduate training is insufficient; and Previous experience in practical settings. Conclusion: The completion of the nurse residency program is a transitional experience motivated by the possibilities of improving nurses’ practice. Keywords: education, nursing, graduate; specialization; nursing
Autor de correspondência Rosana Maria de Oliveira Silva E-mail: rosanaosilva@hotmail.com
Recebido: 10.02.20 Aceite: 02.11.20
Resumen Marco contextual: La experiencia de transición de las residentes de enfermería se produce a través de cambios intencionales motivados por la posibilidad de cualificarse en su ejercicio profesional. Objetivo: Analizar las motivaciones de la experiencia de transición de las estudiantes de especialización en enfermería en un municipio del noreste de Brasil. Metodología: Estudio transversal y exploratorio realizado con 40 enfermeras de los estudios de especialización en enfermería, en la modalidad de residencia. Para recopilar los datos se utilizó la técnica de la entrevista semiestructurada con guion dirigido según el análisis de contenido. Resultados: El estudio hizo posible la construcción de la categoría “motivaciones de la experiencia de transición”, en la que se examinan las motivaciones de la experiencia de transición, lo que dio lugar a tres subcategorías temáticas, necesidad de profundizar en el conocimiento y experimentar la práctica; la insuficiencia de la graduación, y la experiencia previa en los escenarios de la práctica. Conclusión: La realización de los estudios de especialización es una experiencia de transición motivada por las posibilidades de las enfermeras para cualificarse en su ejercicio profesional. Palabras clave: educación de posgrado en enfermería; especialización; enfermería
Como citar este artigo: Silva, R. M., Fernandes, J. D., Maurício, M. D., Silva, L. S., Silva, G. T., & Cordeiro, A. L. (2020). Motivações para a experiência transicional das estudantes do curso de especialização em enfermagem.. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20021. doi:10.12707/RV20021
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Introdução O curso de especialização em enfermagem, é desenvolvido por meio da parceria entre a universidade e os serviços de saúde, é a experiência de pós-graduação projetada para desenvolver competências e conhecimento inerentes à prática de enfermagem, numa determinada área de atuação, visto que, possibilita às enfermeiras a vivência no quotidiano do trabalho em saúde (Cline, La Frentz, Fellman, Summers, & Brassil, 2017; Oliveira et al., 2017). Atualmente, existem, em todo o Brasil, um total de 973 cursos de especialização para enfermeiras em 273 programas, o que revela a importância destes cursos para a qualificação de enfermeiras e das práticas assistenciais no Sistema Único de Saúde. A experiência transicional vivenciada por estas profissionais nos espaços da prestação do cuidado, na procura por saberes e desenvolvimento de competências, é processual e evidenciada ao longo do processo de formação. O curso proporciona um aprofundamento do conhecimento técnico/científico, permite o desenvolvimento de conhe cimento e de segurança para a realização das técnicas assistenciais, da prestação de assistência de forma integral e humanizada. Permite ainda o desenvolvimento do raciocínio clínico e da capacitação do profissional para a tomada de decisão, possibilitando crescimento e, por conseguinte, levando a melhores condições de trabalho e maior inserção no mercado de trabalho (Showalter et al., 2017; Silva, Cordeiro, Fernandes, Silva, & Teixeira, 2014) ao possibilitar o desenvolvimento de marketing pessoal e profissional. Os cursos de especialização foram projetados prio ritariamente para a capacitação de enfermeiras recém graduadas, no sentido de promover com sucesso a transição para enfermeiras especialistas, tornando-as competentes e confiantes no seu papel como profissionais (Scherzer, Dennis, Swan, Kavuru, & Oxman, 2017). Neste sentido, o estudo de Cline et al. (2017) mostra que os recém graduados procuram estes cursos para obterem as competências necessárias para o desenvolvimento de uma assistência qualificada, desenvolverem confiança na execução das suas tarefas como profissionais e para uma maior inserção no mercado de trabalho. No entanto, observa-se a existência de outras motivações que impulsionam o profissional a planear ingressar num curso de especialização, os quais passamos a citar: expectativas relativamente ao aumento do salário, à ocupação de um melhor cargo no trabalho, à valorização curricular e à possibilidade de ampliar a rede de relações com pessoas que tem a mesma afinidade/área de atuação. Destacam-se também, as influências das mudanças do contexto político e social do país. Neste sentido, o aumento do número de vagas no curso de graduação em enfermagem, aliado ao crescente desemprego nesta categoria profissional, parece influenciar na elevada procura por uma vaga nesta modalidade de curso, assim como o financiamento de bolsas para os estudantes de especialização e a possibilidade de inserção imediata no mercado de trabalho. Baseado nestas considerações, investigar quais são as motivações para a experiência transicional das egressas
do curso de especialização em enfermagem justifica-se, principalmente, pela possibilidade dos seus resultados fornecerem conhecimento científico para a compreensão do contexto e para nortear o desenvolvimento de ações que promovam a ampliação de vagas e criação de novos programas. Estas ações visam responder às necessidades das enfermeiras e melhorar a estruturação dos cursos de especialização. Frente ao exposto, definiu-se como objetivo deste estudo analisar as motivações para a experiência transicional das egressas do curso de especialização em enfermagem de um município do Nordeste do Brasil.
Enquadramento A experiência transicional significa a mudança ocorrida entre dois períodos impassíveis, direcionando o indivíduo a mover-se por diferentes etapas dinâmicas, marcos e pontos de mudança. Esta transição é complexa e multidimensional e apresenta propriedades como consciencialização, comprometimento, mudança e diferença, intervalo de tempo, pontos e eventos críticos. Estudos na literatura de enfermagem, referentes à transição, resultaram na organização de quatro tipos de transição: desenvolvimental, saúde-doença, organizacional e situacional (Meleis, 2017). Neste sentido, as motivações para a experiência transicional, vivenciada por enfermeiras ao realizar o curso de especialização, são permeadas por mudanças advindas de uma experiência transicional situacional, partindo do pressuposto que a mesma foi intencional e planeada (Meleis, 2017). Quanto à tipificação intencional da experiência transicional, a decisão de procurar e trilhar um caminho e viver uma experiência transicional no curso de especialização, pretende promover mudanças na situação ou na realidade vivenciada, para outra que melhor responda às inquietações quanto à profissão e ao ser enfermeira (Meleis, 2017; Silva et al., 2017). Ao visar a experiência da transição situacional, é necessário planear a vida pessoal e profissional, o que leva à conclusão de que esta transição possa ser, ainda, adjetivada de transição planeada. A experiência transicional tem origem em motivações que possam gerar mudanças, o que, neste estudo, foi a realização do curso de especialização em enfermagem. O curso de especialização em enfermagem, é um curso de especialização, caracterizado pela imersão direta do profissional na assistência ao utente visto que dá a oportunidade às enfermeiras de vivenciarem o quotidiano do trabalho em saúde, além do aprofundamento teórico/ científico no processo do cuidar (Oliveira et al., 2017). Sabe-se que a enfermeira mobiliza competências profissionais específicas, durante a realização do seu trabalho, procurando aliar conhecimento técnicocientífico, domínio da tecnologia, humanização, e, consequentemente, qualidade na assistência prestada. Acompanhar a complexidade dos sistemas de saúde requer a atualização contínua para a transformação da prática e desenvolvimento de competências que a auxiliem na
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dinâmica do seu processo de trabalho, nomeadamente na capacidade para enfrentar possíveis desafios (Leal, Soares, Silva, Bernardes, & Camelo, 2018). As competências profissionais do enfermeiro abrangem ações para: identificar as necessidades em saúde da população; formular e processar problemas de saúde; elaborar, executar e avaliar a implementação do plano de cuidados e monitorizar os seus desfechos, garantir a continuidade da atenção à saúde, assim como, participar na organização e no acompanhamento do processo de trabalho em saúde (Leal et al., 2018).
Questão de Investigação Quais são as motivações para a experiência transicional das egressas do curso de especialização em enfermagem de um município do Nordeste do Brasil?
Metodologia Trata-se de um estudo transversal, descritivo-exploratório, fundamentado na Teoria de Transição de Médio Alcance de Afaf Meleis que enfatiza a importância do conceito e do processo de transição e as implicações para a prática da Enfermagem na promoção, prevenção e intervenção, e para o aumento do conhecimento específico da ciência da enfermagem (Meleis, 2017). As participantes deste estudo foram 40 enfermeiras especialistas do curso de especialização em enfermagem, que atenderam aos critérios de inclusão: morar no estado da Bahia e estar a concluir o curso no período de 1996 a 2009. Como critérios de exclusão: participantes que se encontravam de férias ou de licença durante o período de recolha de dados. Foi utilizado o método snowball sampling (bola de neve), no qual os primeiros indivíduos selecionados foram incumbidos de indicar outros indivíduos e assim sucessivamente (Atkinson & Flint, 2001). Foram explicados os critérios de inclusão às participantes identificadas e solicitada a indicação de outras enfermeiras especialistas dos cursos de especialização que atendessem aos critérios estabelecidos. A colheita de dados foi realizada de janeiro a março de 2012, pela primeira autora, no desenvolvimento da pesquisa matriz “Trajetória profissional de enfermeiros egressas dos programas de residência multiprofissional em saúde e em área profissional da saúde do estado da Bahia”, financiado pela Universidade Federal da Bahia por meio de recurso do Programa de Apoio a Jovens Doutores (PROPESQ). Foi utilizada a entrevista semiestruturada com roteiro norteador, contendo questões que permitiram perceber as motivações para a experiência transicional das egressas. As entrevistas ocorreram dentro das unidades hospitalares onde as participantes trabalhavam, em local escolhido pelos entrevistados, evitando-se a possibilidade de interrupção por terceiros. No momento inicial da entrevista foram explicitados os objetivos, as possíveis repercussões do processo de
investigação e garantido aos participantes o seu anonimato e o do local da entrevista. A carta convite para participação da pesquisa foi apresentada aos participantes e foi solicitado o preenchimento e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias, ficando uma para o investigador e a outra para os participantes. Para o registo da entrevista, foi solicitado o consentimento das participantes para a gravação por meio de um gravador digital. Cada entrevista teve duração média de 90 minutos. Foram concluídas 94 horas e 42 min de transcrição. Nesta etapa utilizou-se o software profissional Express Scribe 5.20, para controlo do playback do áudio e consideraram-se as etapas: transcrição absoluta, textualização e conferência pelos participantes. Considerando a existência de diferenças entre o que foi narrado e o que foi escrito, foi necessário que o participante lesse o que foi transcrito e autorizasse a sua utilização. As narrativas foram submetidas à análise de conteúdo temático, o que permitiu fazer inferências sobre as informações encontradas, no contexto do qual as mesmas estavam inseridas, permitindo que a análise ultrapassasse o caráter meramente descritivo e alcançasse caráter analítico. A investigação seguiu as três etapas da análise de conteúdo: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados: a inferência e a interpretação (Bardin, 2009). Na pré-análise o material proveniente das entrevistas foi organizado e posteriormente realizada a leitura flutuante. Na segunda etapa ou de exploração do material, foram feitas releituras de todo o conteúdo do corpus da investigação, iniciando com a identificação e apreensão das unidades de contexto - frases, ou seja, parágrafos do corpus que representavam as condições favoráveis e desfavoráveis da experiência transicional na trajetória das egressas do curso. A terceira e última etapa - a inferência e a interpretação, foi realizada mediante a interpretação dos resultados, considerando o referencial da Teoria de Transição de Afaf Meleis. Para preservar a identidade dos egressos, optou-se pela utilização do sistema alfanumérico por meio do codinome E., relativo à entrevistada, seguido da numeração arábica, conforme ordem de ocorrência das entrevistas (E.1, E.2, E.3... E.40). Com o objetivo de assegurar os direitos e deveres no que diz respeito à comunidade científica, aos participantes da pesquisa e ao Estado, o estudo foi realizado segundo a Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, atendendo às diretrizes e normas regulamentadoras de investigações que envolvem seres humanos e que englobam os princípios básicos da bioética, (Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde, 2012). O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da Instituição de Ensino Superior (IES), sob parecer nº 35/2010.
Resultados Com base na análise das entrevistas de egressas no programa de especialização em enfermagem, foi possível identificar e analisar as motivações para a experiência transicional, as quais foram dispostas em três subcategorias:
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Necessidade de aprofundar o conhecimento e vivenciar a prática, Insuficiência da graduação e Experiência prévia em cenários de prática. Necessidade de aprofundar o conhecimento e vivenciar a prática Nesta subcategoria as participantes relatam a necessidade de aprofundar o conhecimento e vivenciar a prática como motivos para realizarem o curso. Como pode ser exemplificado pelas falas: “Necessidade de um conhecimento que fosse mais aprofundado pra embasar a minha prática” (E.1; janeiro de 2012). “Era uma aluna que buscava sempre conhecimento, mas sentia que precisava de algo mais profundo, que me desse mais prática” (E.4; janeiro de 2012). Os relatos expressam a necessidade das enfermeiras em aprofundar o seu conhecimento como um dos motivos que as conduziram ao curso de especialização, caracterizado, marcantemente, pela elevada carga horária de estágio em ambientes concretos de trabalho, subsidiado por conteúdo teórico em determinada área do saber. A decisão de fazer o curso de especialização como meio de aquisição de conhecimentos específicos foi motivada pelas possibilidades oferecidas por este curso e expectativas das enfermeiras, como forma de suprir necessidades, de experienciar vivências de práticas profissionais. “ao procurar saber como era a proposta do curso, e o que o curso me daria, eu percebi que teria estágios” (E.4; janeiro de 2012). O curso de especialização possibilita a associação da prática com a teoria, fomentando a construção e reconstrução destes elementos. Desta forma, as alunas adquirem conhecimentos mais sólidos para atuarem nas áreas especializadas. Insuficiência da graduação A insuficiência da graduação para atuar em área de especialidade foi relatada pelas entrevistadas ao destacar o pouco tempo nos campos de estágio, considerando-se o propósito de se tornarem profissionais diferenciadas. Como se pode exemplificar através das seguintes falas: “Você termina a graduação e fica um pouco perdida porque você passa pelos campos de estágio e é tudo tão rápido, pouco tempo e poucas horas” (E.27; março de 2012). A graduação é muito pouco, oferece pouco, o tempo é pouco, é mínimo, é preciso muito mais na nossa área, é muito mais complexo e é uma área que cresce e que muda muito e que você nunca pode parar de estudar. (E.3; janeiro de 2012) As enfermeiras também revelaram: “A gente sai da graduação com pouco conhecimento, não é nem pouco, é um conhecimento que não é suficiente para nossa atuação” (E.3; janeiro de 2012). “O motivo para fazer a Residência foi uma questão pessoal, eu estava me sentindo ainda muito despreparada pro mercado” (E.6; janeiro de 2012). Experiência prévia em cenários de prática A experiência prévia com a área foi um dos motivos
mencionados pelas enfermeiras egressas para realizarem o curso de especialização. É possível verificar através das seguintes declarações: “Na graduação eu fiz um período de estágio numa UTI, foi uma coisa que me direcionou pra isso” (E.2; janeiro de 2012). Fui pra UTI do Hospital público X e aí me encantei, fui conhecendo a vivência, a rotina da unidade, como eram os pacientes críticos, lá é trauma e fui me encantando, e aí desde então me apaixonei pela, pela UTI. (E.7; janeiro de 2012) Percebe-se que as egressas despertaram para a possibilidade de realizar o curso de especialização após frequentarem estágios nas áreas afins do curso de especialização, durante a sua formação inicial, de acordo com os relatos das que saíram direto da graduação para a especialização; ou a partir da experiência profissional nas áreas de cirurgia ou de terapia intensiva. Quando eu vim fazer a seleção para a prova do curso eu já havia tido contato com a UTI em Feira de Santana. Tinha gostado e tinha me interessado pela UTI, apesar de que lá era uma semi e tinha surgido esse sentimento de fazer UTI. (E.22; março de 2012) Quando tive acesso, como bolsista do curso de especialização, . . . foi quando parei, olhei, para aqueles enfermeiros, daquele curso e olhei para os materiais que eu tinha nas mãos e disse que era isso o que eu queria fazer. Fiz a seleção. (E.15; fevereiro de 2012). Os relatos das experiências prévias em cenários de prática são considerados modalidades de aprendizagem ao possibilitar a aprendizagem em contextos reais de trabalho, permitindo ao profissional refletir sobre o seu modo de ser e estar na profissão.
Discussão A necessidade de aprofundar o conhecimento e vivenciar a prática foi um dos motivos que levou as enfermeiras a fazer o curso. Desta forma, na continuidade da formação profissional, através de uma especialização, a enfermeira planeia transitar do perfil generalista, tendo origem na sua formação e definido pelas Diretrizes Curriculares do Curso de Enfermagem, para o perfil da enfermeira especialista, o que significa imergir num processo sistematizado de aprendizagem. Frente a isto, torna-se necessário que o indivíduo procure novos conhecimentos e habilidades ao fazer uma transição de uma função para outra (Meleis, 2017). A perceção das enfermeiras para a necessidade de aprofundar o conhecimento e vivenciar a prática demonstra o comprometimento das egressas com a formação profissional. O comprometimento é entendido como o grau de envolvimento demonstrado pelo indivíduo com a experiência transicional. O indivíduo só se compromete se tiver consciência da transição que está a viver. Um dos exemplos de comprometimento é a procura por informações e conhecimentos (Meleis, 2017). A formação por meio de um curso de especialização
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favorece o aprofundamento do conhecimento à medida que articula os dois campos de formação, a universidade e os serviços prestadores de assistência à saúde, que, ao se comprometerem com a formação, facultam condições para que a profissional mobilize conhecimentos numa dada especialidade (Oliveira et al., 2017). O curso de especialização, na sua conceção, parte do pressuposto de que a aprendizagem depende da vontade e capacidade da aluna para construir uma formação otimizada e em realizar-se profissionalmente. O paradigma do saber é priorizado, colocando o indivíduo numa posição de sujeito da sua própria aprendizagem e corresponsável pela qualidade da sua formação. É no processo de associar o conhecimento teórico-prático com as questões políticas, sociais e culturais inerentes ao ser humano e aos valores ético-morais da profissão, que se deve fundamentar a formação da enfermeira especialista (Yama, Hodgins, Boydell, & Schwartz, 2018). Outro motivo referido pelas enfermeiras egressas foi a insuficiência da graduação já que o tempo para o desenvolvimento das práticas é insuficiente. Ao se discutir sobre a educação da enfermagem no Brasil, uma das perspectivas para a graduação é a garantia da formação de profissionais autónomos na atenção à saúde da população, com qualidade para assegurar a integralidade da atenção à saúde e ao cuidado humanizado (Fernandes et al., 2020). Soma-se a isto, o cenário da formação inicial das enfermeiras, as quais são protagonistas de um perfil generalista em que, como alunas precisam de conteúdos multidisciplinares, numa carga horária mínima, exigida em períodos curtos, com poucas oportunidades, nos diversos cenários de práticas, que, muitas vezes, não lhes permitem desenvolver todas as competências necessárias ao alcance de segurança para atuar, conforme comumente se observa na prática. Estudo realizado no Brasil, com 21 profissionais de saúde que concluíram a graduação e especialização, aponta que as profissionais ao saírem da graduação ainda se senteminseguras, despreparadas e inexperientes, pelo facto de a assistência em saúde requerer habilidades para lidar com a gestão em saúde, emoções, tomadas de decisões e conhecimentos do próprio profissional, e das pessoas, objetos da sua assistência, principalmente, nas áreas de especialidades oferecidas no programa da especialização das egressas (Ramos & Rennó, 2018). Isto é até compreensível, dado ao facto da saída dos cursos de graduação para ingressar no mundo do trabalho ser cada vez mais competitivo. Deste modo, entende-se que a enfermeira se sinta insegura no que diz respeito à execução das suas tarefas, tornando-se vital a procura por cursos de capacitação, o que podemos dizer tratar-se de uma transição situacional. A conscientização da transição pode ser percebida quando as egressas reconhecem, relembram a sua trajetória de graduandas para enfermeiras e percebem que a graduação forma enfermeiros generalistas. Esta consciência relacionase com a perceção do conhecimento e do reconhecimento de uma experiência transicional pelo indivíduo e influencia o nível de envolvimento da egressa, na transição (Meleis,
2017). A egressa, ao ser colocada no mercado de trabalho, acaba por ser submetida a uma nova formação, a partir da sua experiência pessoal, somada à cultura e à filosofia da instituição onde é inserido. Sendo assim, a frágil relação entre formação e a prática profissional gera insegurança, medo e procura colmatar as lacunas da graduação (Jesus, Sena, Souza, Pereira, & Santos, 2015). Deste modo, ao competir por uma vaga no mundo do trabalho, a profissional procura um curso de especialização para se diferenciar e atender aos pré-requisitos exigidos pelo mercado. Neste momento, o curso torna-se para a profissional, muitas vezes, a única possibilidade de suprir estas necessidades e facilitar a sua inserção no mercado de trabalho, podendo ser considerado um marco para a redefinição desta profissional, principalmente com a perceção de que uma formação generalista não as habilitaria para atuar com completa destreza e conhecimento científico em qualquer área da enfermagem (Jesus et al., 2015). Não distante desta realidade, outra motivação para a experiência transicional foi a necessidade de ter uma experiência prévia em cenários de prática já que, durante a sua formação inicial, sentiram a necessidade de realizar estágios para uma melhor preparação para a inserção do mercado de trabalho. Em virtude das transições serem processuais e ocorrerem ao longo do tempo, a menção da experiência prévia em cenários de prática, por algumas enfermeiras, é um indicador de processo de transição (Meleis, 2017). Estes são importantes, pois através deles é possível descobrir e esclarecer os comportamentos advindos da transição, que, conforme elucidado nesta categoria, a experiência prévia orientou a escolha da especialização. A entrada no mundo do trabalho possibilita, à recémformada, a aquisição de conhecimentos novos e específicos, reflexão sobre o seu desempenho profissional, além da reconstrução da identidade profissional, a perceção dos valores éticos morais, a identificação das fragilidades da sua formação, no que tange a áreas de atuação específicas, despertando, a necessidade de dar continuidade ao seu processo formativo. Deste modo, as experiências prévias influenciam as expectativas do indivíduo em relação ao resultado da vivência da experiência transicional (Meleis, 2017). É válido ressaltar que durante a graduação as enfermeiras no processo de especialização têm uma carga horária prática e de estágio que lhes dá oportunidade para frequentar diversos cenários de prática com o objetivo de vivenciarem situações reais de trabalho e se desenvolverem como ser humano e profissional. As diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Enfermagem, regulamentada através da Resolução do Conselho Nacional de Educação e Câmara de Educação Superior nº 3, de 07 de novembro de 2001, registam no seu artigo sétimo, a obrigatoriedade dos Cursos de Graduação incluírem nos seus projetos político pedagógicos, além do conteúdo teórico-prático, o estágio supervisionado. Este deve ser desenvolvido, nos dois últimos semestres, em organizações hospitalares gerais e especializadas, redes
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básicas de saúde e em comunidades (Conselho Nacional de Edução, Câmara de Educação Superior, 2001). Neste sentido, o processo de formação na contemporaneidade aponta, pois, para a capacitação do profissional para o exercício das competências gerais e específicas, além de habilidades pautadas nas conceções do aluno como sujeito do seu próprio processo de formação, da articulação entre teoria e prática e da diversificação dos cenários de aprendizagem, evidenciadas pelos estágios em diversos setores da assistência em saúde (Silva, Fernandes, Teixeira, & Silva, 2010). No momento em que a formação possibilita, por meio dos estágios, aprendizagem em situações reais de trabalho, permite que se efetivem as relações de multi e transdisciplinaridade, identifique e vivencie o jogo de poderes, conheça a dinâmica das unidades, a estrutura organizacional e as normas ético-legais, que envolvem as relações interprofissionais e com o usuário do serviço de saúde, seja ele o cliente e/ou os seus familiares, e, permite a tomada de decisão perante imprevisível. Neste contexto, destacam-se aqueles que estão relacionados com a aquisição, desenvolvimento e avaliação das competências e das habilidades, dos conteúdos essenciais, das práticas e estágios, pois são exatamente essas competências que irão suprir as necessidades e os objetivos da formação do profissional (Silva et al., 2010). Deste modo, a experiência prévia em cenários de prática com a área de especialização escolhida, também deu oportunidade à aluna, de conhecer essa mesma área e de se identificar ou não com ela. De certo modo, reduzem-se as incompatibilidades, as insatisfações e a aceitação de um vínculo de trabalho com uma área inconciliável com a aptidão, como profissional. Assim, a experiência prévia foi um dos estímulos externos que fizeram com que as enfermeiras fossem impelidas de frequentar o curso de especialização e, consequentemente, experienciar a transição. Considera-se como limitação deste estudo a impossibilidade de generalizar o universo dos egressos de programas de especialização, visto que foi desenvolvido numa determinada realidade do Nordeste brasileiro. No entanto, as participantes e o contexto escolhido para este estudo podem ser considerados representativos a nível regional. Este estudo proporciona conhecimento sobre a experiência transicional de egressas dos programas de especialização no estado da Bahia. Além disso, contribui para o incentivo à realização de novas investigações sobre as motivações para a experiência transicional em outros espaços de ensino que desenvolvam programas de especialização.
Conclusão A partir do presente estudo, ficou evidenciado, através da entrevista e análise temática, que as motivações para a experiência transicional das egressas do curso de especialização, são estimuladas pela experiência prévia em cenários de áreas afins do programa e pela necessidade de aprofundar o conhecimento e vivenciar a prática, por forma a suprir a insuficiência da licenciatura. As experiências prévias em cenários de prática podem
nortear as escolhas das especialidades, podendo ser consideradas como uma aprendizagem, pela possibilidade do graduando refletir sobre a forma de ser e estar na profissão, subsidiando e guiando a trajetória profissional. Aprofundar o conhecimento e vivenciar a prática é uma motivação entendida pela estrutura pedagógica do curso de especialização, conhecido tradicionalmente, pela elevada carga horária de estágio em ambientes concretos de trabalho, e pela experiência de associar a prática com a teoria, proporcionando conhecimentos mais sólidos para atuarem nas áreas especializadas. A insuficiência de conhecimento na graduação como motivação para a experiência transicional é traduzida pelo sentimento de inexperiência e insegurança, causada pela incongruência entre as expectativas das participantes, ao iniciar a sua formação com as vivenciadas quando finalizada, ou seja, quando graduada. Importa ressaltar que as motivações para a experiência transicional das estudantes de especialização favorecem o processo de transição situacional por ser intencional e planeada com vista a mudanças no âmbito profissional. Neste sentido, recomendam-se outros estudos sobre as motivações dos profissionais em relação às suas escolhas e experiências, visando orientar projetos de formação profissional em cursos de especialização em enfermagem. Torna-se necessário, também, aumentar a oferta de cursos neste formato, visto que, os mesmos, atendem às expectativas de enfermeiros no desenvolvimento das competências para melhorar a qualidade do trabalho. Contribuição de autores Conceptualização: Silva, R. M. O., Fernandes, J. D., Maurício, M. D. A. L. L. D., Silva, L. S., Silva, G. T. R., Cordeiro, A. L. A. O. Tratamento de dados: Silva, R. M. O. Análise Formal: Silva, R. M. O., Fernandes, J. D., Maurício, M. D. A. L. L. D. Metodologia: Silva, R. M. O., Fernandes, J. D., Maurício, M. D. A. L. L. D., Silva, L. S., Silva, G. T. R., Cordeiro, A. L. A. O. Redação - preparação do rascunho original: Silva, R. M. O, Fernandes, J. D. Redação - revisão e edição: Silva, R. M. O., Fernandes, J. D., Maurício, M. D. A. L. L. D., Silva, L. S., Silva, G. T. R., Cordeiro, A. L. A. O. Referências bibliográficas Atkinson, R., & Flint, J. (2001). Accessing hidden and hard-to-reach populations: Snowball research strategies. Social Research UPDATE, 33, 1-4. Recuperado de http://sru.soc.surrey.ac.uk/SRU33.pdf Bardin, L. (2009). Análise de conteúdo (5ª ed.). Lisboa, Portugal: Edições 70. Cline, D., La Frentz, K., Fellman, B., Summers, B., & Brassil, K. (2017). Longitudinal outcomes of an institutionally developed nurse residency program. Journal of Nursing Administration, 47(7– 8), 384–390. doi:10.1097/NNA.0000000000000500 Fernandes, J. D., Silva, R. M., Teixeira, G. A., Florêncio, R. M., Silva, L. S., & Freitas, C. M. (2020). Educação em enfermagem:
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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Qualidade de vida nos profissionais de enfermagem que exercem funções na estratégia saúde da família
Quality of life of nursing professionals working in the family health strategy Calidad de vida de los profesionales de enfermería que desempeñan funciones en la estrategia de salud familiar Karla Gualberto Silva 1 https://orcid.org/0000-0002-7870-0600 Pedro Miguel Santos Dinis Parreira 2 https://orcid.org/0000-0002-3880-6590 Samira Silva Santos Soares 1 https://orcid.org/0000-0001-9133-7044 Viviane Brasil Amaral dos Santos Coropes 1 https://orcid.org/0000-0003-0799-3466 Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza 3 https://orcid.org/0000-0002-2936-3468 Sheila Nascimento Pereira de Farias 1 https://orcid.org/0000-0001-5752-265X
Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil 1
Unidade de Investigação em Ciências da Saúde (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal 2
3 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Resumo Enquadramento: Qualidade de vida (QV) é um constructo complexo, multidimensional e marcado pela subjetividade. Investigar a QV nos profissionais de enfermagem da atenção primária à saúde é importante para a contribuição para a promoção da saúde destes profissionais, repercutindo-se na população. Objetivos: Analisar a QV dos profissionais de enfermagem no contexto da estratégia saúde da família. Metodologia: Estudo exploratório, transversal e descritivo de abordagem quantitativa. A amostra constituiu-se por 85 profissionais de enfermagem pertencentes à estratégia saúde da família do município de Macaé/RJ/Brasil. Os dados foram recolhidos através do WHOQOL-BREF proposto pela Organização Mundial da Saúde, contemplando informações acerca do perfil sociodemográfico. Resultados: O domínio Relações sociais evidenciou o score médio mais elevado para os enfermeiros. No domínio Psicológico, apenas os técnicos de enfermagem evidenciaram os scores médios mais elevados, sendo que o domínio Ambiente evidenciou o score médio mais baixo para toda a categoria de enfermagem estudada. Conclusão: Recomenda-se aos gestores que atuam na atenção primária à saúde um maior investimento em ações direcionadas para a promoção da saúde e QV destes profissionais. Palavras-chave: qualidade de vida; profissionais de enfermagem; enfermagem; estratégia saúde da família Abstract Background: Quality of life (QoL) is a complex, multidimensional construct that is characterized by subjectivity. It is important to investigate the QoL of nursing professionals in primary health care because it contributes to the promotion of their health, with an impact on the population. Objectives: To analyze the QoL of nursing professionals working in the family health strategy. Methodology: Exploratory, cross-sectional, and descriptive study with a quantitative approach. The sample consisted of 85 nursing professionals working in the family health strategy in the municipality of Macaé/RJ/Brazil. Data were collected using the WHOQOL-BREF developed by the World Health Organization, which included information about the sociodemographic profile. Results: For nurses, the highest mean score was found in the Social relationships domain. In the Psychological domain, only nursing technicians had the highest mean scores. All of the professionals had the lowest mean scores in the Environment domain. Conclusion: Primary health care managers should invest more in interventions aimed at promoting these professionals’ health and QoL. Keywords: quality of life; nurse practitioners; nursing; family health strategy
Autor de correspondência Karla Gualberto Silva E-mail: karlagualberto@hotmail.com
Recebido: 21.02.20 Aceite: 07.07.20
Resumen Marco contextual: La calidad de vida (QV, en portugués) es un constructo complejo, multidimensional y subjetivo. La investigación de la QV en los profesionales de enfermería de atención primaria es importante para contribuir a la promoción de la salud de estos, lo que repercute en la población. Objetivos: Analizar la QV de los profesionales de enfermería en el contexto de la estrategia de salud familiar. Metodología: Estudio exploratorio, transversal y descriptivo, de enfoque cuantitativo. La muestra estuvo compuesta por 85 profesionales de enfermería pertenecientes a la estrategia de salud familiar del municipio de Macaé/RJ/Brasil. Los datos se recopilaron por medio del WHOQOL-BREF, propuesto por la Organización Mundial de la Salud, incluida la información sobre el perfil sociodemográfico. Resultados: El dominio Relaciones sociales mostró la mayor puntuación media de los enfermeros. En el dominio Psicológico, solo los técnicos de enfermería mostraron las puntuaciones medias más altas, mientras que el dominio Ambiente mostró la puntuación media más baja para toda la categoría de enfermería estudiada. Conclusión: Se recomienda que los gestores que actúan en la atención primaria de la salud inviertan más en acciones dirigidas a la promoción de la salud y la QV de estos profesionales. Palabras clave: calidad de vida; enfermeras practicantes; enfermería; estrategia de salud familiar
Como citar este artigo: Silva, K. G., Parreira, P. M., Soares, S. S., Coropes, V. B., Souza, N. V., Farias, S. N. (2020). Qualidade de vida nos profissionais de enfermagem que exercem funções na estratégia saúde da família. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20028. doi:10.12707/RV20028
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Introdução A avaliação do constructo qualidade de vida (QV) afirma-se como bastante complexo por contemplar a subjetividade, que se relaciona com uma diversidade de dimensões como bem-estar geral, saúde, realização pessoal e profissional, sentimentos, satisfação das necessidades básicas, económicas e sociais (Borges & Bianchin, 2015). Nesse sentido, a QV tem vindo a suscitar grande interesse e discussões nomeadamente pelo conceito complexo no campo da saúde e da enfermagem, pretendendo-se compreender e integrar a sua perspetiva e diversidade multidimensional, no qual é possível identificar aspetos da subjetividade humana (Almeida-Brasil et al., 2017). Todavia, cabe considerar que no Brasil, a atenção primária à saúde (APS) é considerada a porta de entrada dos cidadãos no Sistema Único de Saúde (SUS), com ações destinadas ao indivíduo, família e coletividade, sendo representada pela consolidação da estratégia saúde da família (ESF; Almeida-Brasil et al., 2017; Kahl, Meirelles, Lanzoni, Koerich, & Cunha, 2018). Nesta perspetiva, a ESF é vista como um planeamento e ação prioritária de expansão e consolidação da APS, assumindo um papel de coordenadora da continuidade da atenção aos cidadãos. As suas atividades abrangem todos os ciclos de vida com ações através de visitas domiciliárias, gestão da doença crónica, promoção da saúde e orientação para estilos de vida saudáveis (Arantes, Shimizu, & Hamann, 2016). Ao refletir sobre os impactos na qualidade de vida nos profissionais de enfermagem da ESF, constata-se a necessidade de envolvimento no contexto social no qual os profissionais estão inseridos, contemplando ainda o contexto profissional. O contexto social, caracterizado frequentemente pela falta de tempo para atividades de lazer, sono, repouso e alimentação saudável, para além de dever estar em consonância com o contexto profissional e desempenho das atividades inerentes à profissão, implica ainda que estes profissionais sejam confrontados com a ausência de recursos humanos e materiais, sobrecarga das atividades, situações de violência na comunidade, além de violência verbal e física, desgaste físico-psíquico e baixa remuneração, com influência significativa na QV (Freire & Costa, 2016; Silva & Farias, 2018). Cabe considerar que no contexto da ESF, os profissionais de enfermagem vivenciam as mais diversas realidades, que não se restringem apenas à esfera laboral de atividades inerentes à profissão, territórios e serviços onde atuam, integrando ainda questões do âmbito pessoal e familiar que podem interferir direta ou indiretamente na QV destes profissionais. Nesta perspetiva, ressalta-se a importância dos gestores da APS instituírem ações direcionadas para a promoção da saúde dos profissionais de enfermagem da ESF perspetivando assim um impacto positivo na saúde e QV destes, com reflexos na população assistida, sendo determinante reforçar a importância da (re)definição de políticas públicas destinadas a estes profissionais (Fernandes, Miranzi, Iwamoto, Tavares, & Santos, 2010). Assim, as medidas adotadas pelos gestores dirigidas à saúde dos
seus profissionais também incluem o investimento na QV, com repercussões na melhoria dos cuidados prestados à população. Neste contexto, este estudo pretende contribuir com a produção de conhecimento nesta temática, perspetivando mais investimento na saúde no que respeita ao planeamento de estratégias e ações dirigidas a estes profissionais, visando a melhoria na gestão da APS com repercussões na QV destes profissionais. O presente estudo teve como objetivo analisar a QV dos profissionais de enfermagem no contexto da ESF.
Enquadramento A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu o termo QV como a compreensão do indivíduo sobre a sua posição na vida e na sociedade, incluindo as expectativas e anseios em relação ao futuro (World Health Organization, Center for Health Development, 2004). O termo QV foi utilizado pela primeira vez em 1964 pelo presidente dos Estados Unidos da América, Lyndon Johnson, ao mencionar que os objetivos não poderiam ser medidos através do balanço dos bancos, mas sim através da qualidade de vida que proporcionam às pessoas. Foi a partir deste momento que o conceito se tornou alvo de interesse da comunidade científica, em especial na área da saúde (Fleck et al., 1999). A sua conceptualização assinala uma dimensão notoriamente humana que se relaciona com a satisfação individual, com o contexto social, familiar, de trabalho, relacionada com a cultura de cada sociedade (Minayo, Hartz, & Buss, 2000). Pode-se também inferir que a conceptualização se relaciona com aspetos subjetivos, tendo em consideração as vivências e experiências de cada indivíduo. O interesse pela temática tem vindo a ganhar destaque, sobretudo na comunidade científica, ao evidenciar as implicações da avaliação da QV através de instrumentos, até à sua aplicabilidade no quotidiano. Desta forma, a OMS desenvolveu por meio do Grupo de Qualidade de Vida dois instrumentos a fim de avaliar a QV, sendo eles: World Health Organization Quality of Life - 100 (WHOQOL-100) e o WHOQOL-BREF (Fleck et al., 2000). O WHOQOL-100 foi desenvolvido tendo como foco o aspeto transcultural, instrumento elaborado em conjunto por diversos países. O conceito de QV assinala a sua multidimensionalidade refletida nos seis domínios de avaliação, sendo eles: domínio Físico, domínio Psicológico, Nível de independência, Relações sociais, Meio ambiente e Espiritualidade/religião/crenças pessoais (Fleck et al., 2000). No entanto, foi sentida a necessidade da criação de uma versão abreviada do WHOQOL-100, denominado de WHOQOL- BREF por parte do Grupo de Qualidade de Vida da OMS, reduzindo o tempo para o seu preenchimento. Este instrumento é composto por 26 questões, duas de carácter geral e as demais representam as 24 facetas que compõem o instrumento original, contemplando quatro domínios: Físico, Psicológico, Relações sociais e Ambiente (Minayo et al., 2000; Fleck et al., 2000).
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Por meio do WHOQOL-BREF é possível identificar diversas facetas subjetivas, o que espelha a sua multidimensionalidade, englobando aspetos alusivos à saúde física e psicológica, assim como aspetos presentes no ambiente no qual o indivíduo se encontra inserido (Almeida-Brasil et al., 2017). Nesta perspetiva, a sua utilização relaciona-se com vários segmentos da sociedade, abrangendo aspetos objetivos e subjetivos na procura do equilíbrio do ser humano relacionado com a realização pessoal, profissional e social (Moraes, Matino, & Sonati, 2018), abarcando o contexto de vida que integra desde a vertente social e familiar até à vertente laboral. Ressalta-se que avaliar a QV permite conhecer os fatores multidimensionais e a sua inter-relação, dando-nos uma indicação do impacto na saúde dos profissionais de enfermagem, sendo possível planear ações de promoção de bem-estar para estes profissionais (Ascef et al., 2017). Face à sua complexidade e subjetividade, compreender a QV culmina em melhorias significativas para aqueles que prestam cuidados no âmbito da APS e, consequentemente, a toda a comunidade que vivencia o processo saúde/doença.
Questão de investigação Qual a avaliação da QV dos profissionais de enfermagem, a partir dos domínios Físico, Psicológico, Relações sociais e Ambiente, estabelecidos pela OMS?
Metodologia De acordo com a questão de investigação formulada, foi desenvolvido um desenho de abordagem quantitativo, exploratório, de natureza descritiva e de carácter transversal, realizado com profissionais de enfermagem da ESF do município de Macaé/RJ/Brasil, no período de fevereiro a maio de 2019. O referencial teórico-metodológico sustentou-se no conceito de QV e na linha de pesquisa da WHOQOL da OMS. O município apresenta 40 unidades de ESF, cada uma delas integra um enfermeiro e um ou dois técnicos de enfermagem. Optou-se por realizar um estudo do tipo censo, de abrangência municipal, com a finalidade de englobar a totalidade dos profissionais de enfermagem do município. A população do estudo constituída por enfermeiros e técnicos de enfermagem, totalizou 100 profissionais. Estabeleceram-se como critérios de inclusão para participar no estudo: ser profissional de enfermagem (enfermeiros ou técnicos de enfermagem), a exercer funções nas ESF há pelo menos 6 meses no município. E, como critério de exclusão, definiu-se: profissionais de enfermagem (enfermeiros ou técnicos de enfermagem) em licença médica, atestado e/ou férias. Contudo, limitações inerentes ao campo de investigação impossibilitaram a participação de todos os potenciais participantes, ficando a amostra, desta forma, constituída por 85 profissionais de enfermagem, dada a recusa na participação por alguns elementos da população, par-
ticipantes não encontrados após mais de três tentativas e razões alusivas a violência urbana. Destaca-se que as perdas por violência urbana se deram em função da alta criminalidade, impedindo a investigadora de entrar em algumas comunidades. A recolha de dados foi realizada através do instrumento de avaliação de qualidade de vida WHOQOL-BREF, contemplando o formulário de informações do perfil sociodemográfico dos profissionais de enfermagem da ESF. As questões apresentam-se em escala tipo Likert, com diferentes graus de intensidade (nada a extremamente), capacidade (nada a completamente), frequência (nunca a sempre) e avaliação (muito insatisfeito a muito satisfeito; muito má a muito bom). As pontuações de cada domínio foram transformadas numa escala de 0 a 100 e expressas em termos de médias, conforme preconiza o manual produzido pela equipa do WHOQOL, sendo que médias mais altas sugerem melhor percepção de QV. Ressalta-se que o desenvolvimento do estudo está em consonância com a Resolução n.º 466 de 12 de dezembro de 2012, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde, e da Resolução n° 580, de 22 de março de 2018, tendo em conta que foi realizada numa instituição integrante do SUS, não tendo ocorrido interferência nas atividades profissionais dos trabalhadores no serviço. O estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery – Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis (EEAN/ HESFA), conforme parecer nº 3.074.589 e CAEE nº 04185218.4.0000.5238. Os dados foram organizados e analisados através da estatística descritiva, com distribuição de frequências simples e absolutas apresentadas em forma de tabelas, sob supervisão de um consultor de estatística. Os dados sociodemográficos foram analisados e alvo de tratamento estatístico por meio de análise univariada a partir da estatística descritiva, com valores brutos e percentuais. A análise do WHOQOL-BREF foi realizada segundo a sintaxe disponibilizada pela OMS. As respostas foram agrupadas e categorizadas para construção da base de dados, utilizando-se o programa estatístico IBM SPSS Statistics, versão 23, seguindo as orientações da OMS para o questionário do WHOQOL- BREF. As análises bivariadas do WHOQOL-BREF foram elaboradas com base na análise de variância (ANOVA) para variáveis contínuas. Adotou-se o nível de significância estatística de 5% (p < 0,05). Quando a ANOVA evidenciou significância estatística, aplicou-se o teste de comparações múltiplas de Tukey. Assim, quanto maior a média no domínio analisado, melhor a perceção na QV.
Resultados Fizeram parte da presente investigação 85 profissionais de enfermagem, sendo 39 enfermeiros e 46 técnicos de enfermagem. Predominou o sexo feminino (80%), a idade variou de 25 a 62 anos com média de 38 anos, e 64,71% afirmam terem companheiro(a). Verificou-se que em relação ao vínculo de trabalho,
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77,65% eram enfermeiros habilitados e 22,35% eram contratados; 68,24% afirmaram ter um vínculo de trabalho, ao passo que 31,76% afirmaram ter dois vínculos de trabalho.
Quanto à avaliação da QV, a maioria dos participantes (71,8%) considerou boa a sua QV, enquanto que 17,6% consideraram nem má nem boa e 2,4% consideraram muito má (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição pelas categorias relativas à avaliação da QV dos profissionais de enfermagem da ESF
Avaliação da Qualidade de Vida
Ao analisar os itens do questionário WHOQOL-BREF, os scores dos domínios evidenciaram valores médios mais elevados para o domínio Relações sociais para a categoria de enfermagem e enfermeiros, e valores médios mais elevados para o domínio Psicológico para os técnicos de enfermagem. Verificaram-se scores médios mais baixos para o domínio Ambiente para o grupo profissional enfermagem. Os scores para a categoria de enfermagem obtiveram uma média de 65,55 ± 15,62 no domínio Físico, 69,85 ± 15,16 no domínio Psicológico, 70,10 ± 20,63 no domínio de Relações sociais e 53,53 ± 16,01 no domínio Ambiente. Ao observar os dados apenas para os scores dos enfermeiros, estes apresentaram uma média de 62,27 ± 17,08 no
Dados
n
%
Muito má
2
2,4
Má
3
3,5
Nem má nem boa
15
17,6
Boa
61
71,8
Muito boa
4
4,7
Total
85
100
domínio Físico, 69,23 ± 12,26 no domínio Psicológico, 69,87 ± 18,89 no domínio de Relações sociais e 50,64 ± 17,10 no domínio Ambiente. Os scores apenas para os técnicos de enfermagem evidenciaram valores médios de 68,32 ± 13,85 no domínio Físico, média de 70,38 ± 17,35 no domínio Psicológico, média de 70,29 ± 22,20 no domínio Relações sociais e média de 55,98 ± 14,76 no domínio Ambiente. Nota-se que houve diferença significativa entre as médias dos scores dos domínios, evidenciando o score mais baixo para o domínio ambiente quando observado os enfermeiros, técnicos de enfermagem e para o total de profissionais. Apresentam-se, na Tabela 2, a descrição e comparação entre os domínios para os enfermeiros, técnicos de enfermagem e para o total de profissionais.
Tabela 2 Descrição e comparação dos scores médios entre os domínios para os enfermeiros, técnicos de enfermagem e total de profissionais Domínio
Enfermeiros (n = 39)
Técnicos de enfermagem (n = 46)
Categoria profissional (n = 85)
Mínimo
Máximo
Mediana
Média
Desvio-padrão
Físico
21,43
96,43
64,29
62,27b
17,08
Psicológico
41,67
87,50
70,83
69,23b
12,26
Relações sociais
25,00
100,00
75,00
69,87b
18,89
Ambiente
9,38
81,25
50,00
50,64a
17,10
Físico
39,29
96,43
67,86
68,32b
13,85
Psicológico
12,50
91,67
70,83
70,38b
17,35
Relações sociais
25,00
100,00
75,00
70,29b
22,20
Ambiente
28,13
87,50
56,25
55,98a
14,76
Físico
21,43
96,43
67,86
65,55b
15,62
Psicológico
12,50
91,67
70,83
69,85b
15,16
Relações sociais
25,00
100,00
75,00
70,10b
20,63
Ambiente
9,38
87,50
53,13
53,53a
16,01
Valor p*
0,001
0,001
0,001
Nota. *ANOVA com testes de comparações múltiplas de Tukey; ab - Letras diferentes indicam diferenças entre as médias.
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Silva, K. G. et al.
Discussão Das características verificadas no estudo, destaca-se a predominância do sexo feminino, o qual está mais relacionado com aspetos culturais e históricos da profissão (Moraes et al., 2018). Tal facto reafirma a feminização do trabalho de enfermagem na ESF (Lima et al., 2016) ressaltando a ideia de que a profissão é exercida maioritariamente por mulheres. No que toca às condições do trabalho, 31,76% afirmaram ter dois vínculos de trabalho, ressaltando que o duplo vínculo de trabalho ainda é uma prática exercida pela enfermagem devido às baixas remunerações, destacando-se que consequentemente há impacto negativo para a QV destes trabalhadores (Moraes et al., 2018). Os resultados da autoavaliação da QV evidenciam uma perceção positiva por parte dos profissionais de enfermagem. É necessário continuar a avaliar e identificar o perfil das equipas, pois espelham as vivências de cada indivíduo em termos da educação básica, serviços de saúde, renda, trabalho, atividades de lazer, alimentação adequada, atividade física, habitação, transporte, saneamento básico, integrando ainda as questões físicas, psicológicas e emocionais, o ambiente social e familiar (Godoy & Adami, 2019; Gomes, Mendes, & Fracolli, 2016). A partir dos domínios avaliados, fez-se uma análise descritiva de cada um deles, destacando-se o score médio mais elevado no domínio Relações sociais para os enfermeiros, indicando estarem satisfeitos com os aspetos sociais da sua vida. Estes resultados corroboram um estudo realizado com enfermeiros e técnicos de enfermagem nas ESF num município no interior de Minas Gerais que também destacam este domínio das relações sociais, que envolve todo o apoio social recebido dos amigos, colegas, familiares e satisfação com a vida sexual (Marques et al., 2015). Os técnicos de enfermagem, no domínio Psicológico, apresentaram o valor médio mais elevado. Estes resultados corroboram um estudo realizado com técnicos de enfermagem de Palmas-Tocantins, nas unidades de pronto atendimento, no qual o domínio Psicológico obteve o maior score (Silva, Silva, Barbosa, Quaresma, & Maciel, 2018). No que se refere ao domínio Psicológico, este espelha o modo como o indivíduo aproveita a sua vida, como vivencia os sentimentos, a concentração, autoestima, imagem corporal e aparência. No entanto, o domínio Psicológico surge com a segunda maior média para os enfermeiros. Dentre os domínios analisados, os scores da categoria de enfermagem, observando os enfermeiros e técnicos de enfermagem, foram menores para o domínio Ambiente, quando comparado com os restantes domínios. Deve ser considerado que o domínio Ambiente está relacionado com o local em que o indivíduo reside e a sua satisfação com o mesmo, e ao acesso aos serviços de saúde, lazer e transporte (Gomes et al., 2016). Estudos realizados com profissionais de enfermagem por meio do WHOQOL-BREF, confirmam os dados apresentados nesta investigação, também com scores médios mais baixos no domínio Ambiente dos domínios de QV (Gomes et al., 2016; Silva et al., 2018; Ferigollo, Fedosse, & Santos Filha, 2016). Todavia, a partir destes estudos, assinalam-se alguns hipotéticos aspetos que possam ter influenciado o baixo score no domínio Ambiente para os profissionais de enfermagem: recursos humanos, materiais e ambientais, condições de trabalho e organização do processo de trabalho (Gomes et al., 2016; Lopes &
Macedo, 2013). Convém considerar que aspetos presentes no domínio Ambiente como segurança diária, ambiente saudável, dinheiro e recursos financeiros, informações do dia-a-dia, oportunidades de atividades de lazer, e o acesso aos serviços de saúde acabam por interferir na QV desses profissionais. Comummente, são diversos os fatores que interferem na QV dos profissionais de enfermagem, o que denota a importância dada às questões laborais, aos aspetos da segurança e proteção, dinheiro e recursos financeiros, acesso aos serviços de saúde e, consequentemente, ao próprio cuidado, oportunidade de atividades de lazer e transporte (Ferigollo et al., 2016). Por sua vez, ao analisar o domínio Físico, verifica-se que os scores apresentam-se na mesma posição quando observada toda a categoria de enfermagem, com a segunda menor média, sendo o domínio Ambiente aquele que obteve a menor média. Ressalta-se que o domínio Físico está relacionado com a dor física, tratamento médico, energia para o desenvolvimento das atividades, locomoção, sono e repouso e desempenho das atividades diárias. Note-se que este domínio se relaciona com as necessidades básicas do ser humano, compreendendo os aspetos físicos inerentes ao indivíduo (Gomes et al., 2016). Relativamente à QV, foi possível constatar, ao comparar os scores obtidos pelos enfermeiros e técnicos de enfermagem, diferenças no domínio Relações sociais e domínio Psicológico, no qual os enfermeiros no domínio Relações sociais apresentaram valores médios mais elevados e estatisticamente significativos. Por sua vez, os técnicos de enfermagem apresentaram os valores médios mais elevados no domínio Psicológico. Os demais domínios, Físico e Ambiente, apresentaram semelhanças na mesma ordem de médias encontradas. A QV envolve toda a multidimensionalidade, integrando questões laborais e ambiente social e familiar, pelo que será necessário compreendê-la sem dissociar uma parte da outra. Nota-se, portanto, que a QV não está ligada apenas a questões laborais, mas também a toda a inserção cultural e história familiar, ambiente social, político e redes sociais de amigos. Ora, faz-se necessário um olhar voltado para o todo, pois, se o profissional não apresenta os meios para o desenvolvimento das suas atividades devido às condições do trabalho, como poderão prestar cuidados de qualidade aos cidadãos? Qual será o reflexo na sua vida social e familiar? Será necessário implementar ações políticas e de gestão governamentais que possibilitem a garantia da QV dos profissionais de enfermagem, daí a importância no fortalecimento de políticas públicas instituídas e dirigidas para os profissionais no âmbito da APS. Assinala-se que a multidimensionalidade da QV é espelhada através do instrumento WHOQOL-BREF, subdividido nos seus domínios Físico, Psicológico, Relações sociais e Ambiente, denotando o perfil dos profissionais de enfermagem que atuam na ESF. Dentro das limitações do estudo, ressaltam-se as questões inerentes ao campo de investigação, que impossibilitaram a captação de todos os potenciais participantes.
Conclusão Considerando os resultados, ficou evidente a maior média encontrada para o domínio Relações sociais para os enfermeiros, e para os técnicos de enfermagem a maior
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Silva, K. G. et al.
média para o domínio Psicológico. Por sua vez, o domínio Ambiente obteve a menor média encontrada para toda a categoria estudada. Observou-se a importância do domínio Ambiente, uma vez que este domínio obteve a menor média de QV. Diante destes achados, recomenda-se a necessidade por parte dos gestores que exercem funções na APS de instituírem ações voltadas para a promoção da saúde e qualidade de vida dos profissionais de enfermagem, a fim de trazer benefícios aos prestadores do cuidado para que estes promovam a sua própria saúde e, desta forma, que isso se reflita numa melhor assistência prestada à população. Avaliar a QV permite trazer uma avaliação sobre a saúde, e associá-la tendo como base o perfil dos profissionais de enfermagem da ESF, possibilitando reflexões para o desenvolvimento de novas pesquisas no âmbito da APS. Contribuição de autores Conceptualização: Silva, K. G., Farias, S. N. Tratamento de dados: Silva, K. G., Farias, S. N. Metodologia: Silva, K. G., Parreira, P. M., Soares, S. S., Coropes, V. B., Souza, N. V., Farias, S. N. Redação - rascunho original: Silva, K. G., Parreira, P. M. Soares, S. S., Coropes, V. B., Souza, N. V., Farias, S. N. Redação - análise e edição: Silva, K. G., Parreira, P. M., Farias, S. N. Referências bibliográficas Almeida-Brasil, C. C., Silveira, M. R., Silva, K. R., Lima, M. G., Faria, C.D., Cardoso, … Ceccato, M. G. (2017). Qualidade de vida e características associadas: Aplicação do WHOQOL-BREF no contexto da Atenção Primária à Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 22(5), 1705-1716. doi:10.1590/141381232017225.20362015 Ascef, B. O., Haddad, J. P., Álvares, J., Guerra Junior, A. A., Costa, E. A., Acurcio, F. A., … Silveira, M. R. (2017). Qualidade de vida relacionada à saúde dos usuários da atenção primária no Brasil. Revista de Saúde Pública, 51(Supl.), 2-22s. doi: 10.11606/ S1518-8787.2017051007134 Arantes, L. J., Shimizu, H. E., & Hamann, E. M. (2016). Contribuições e desafios da Estratégia Saúde da Família na Atenção Primária à Saúde no Brasil: Revisão da literatura. Ciência & Saúde Coletiva. 21(5), 1499-1509. doi:10.1590/141381232015215.19602015 Borges, T., & Bianchin, M. A. (2015). Qualidade de vida dos profissionais de enfermagem de um hospital universitário do interior de São Paulo. Arquivos de Ciência da Saúde, 22(1), 53-58. doi:10.17696/2318-3691.22.1.2015.29 Ferigollo, J. P., Fedosse, E., & Santos Filha, V. A. (2016). Qualidade de vida de profissionais da saúde pública. Cadernos de Terapia Ocupacional UFSCar, 24(3), 497-507. doi:10.4322/0104-4931. ctoAO0722 Fernandes, J. S., Miranzi, S. S., Iwamoto, H. H., Tavares, D. M., & Santos, C. B. (2010). Qualidade de vida dos enfermeiros das equipes de saúde da família: A relação das variáveis sociodemográficas. Texto & Contexto Enfermagem, 19(3), 434-42. doi:10.1590/S0104-07072010000300004.
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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Vivências de adolescentes com diabetes mellitus tipo 1 Experiences of adolescents with type 1 diabetes Experiencias de adolescentes con diabetes mellitus tipo 1
Elisangela Argenta Zanatta 1 https://orcid.org/0000-0002-7426-6472 Maira Scaratti 1 https://orcid.org/0000-0002-3790-4308 Carla Argenta 1 https://orcid.org/0000-0002-9729-410X Ângela Barichello 2 https://orcid.org/0000-0002-7295-3295
Universidade do Estado de Santa Catarina, Chapecó, Santa Catarina, Brasil 1
Hospital Regional do Oeste, Chapecó, Santa Catarina, Brasil 2
Resumo Enquadramento: A diabetes mellitus tipo 1 é uma doença crónica que afeta frequentemente adolescentes, exigindo maturidade, responsabilidade, aceitação e cuidados constantes. Objetivos: Compreender como é para os adolescentes viver com diabetes mellitus tipo 1 e descrever o perfil sociodemográfico dos adolescentes com diabetes mellitus tipo 1. Metodologia: Pesquisa exploratória, descritiva, quantiqualitativa, com 61 adolescentes, diagnosticados com diabetes mellitus tipo 1, seguidores da página do facebook Diabética tipo Ruim. Resultados: A maioria dos participantes é do sexo masculino (78,68%), cor da pele branca (60,65%), estudante (80,16%), residente na região sudeste do Brasil (40,98%), com idade entre 15 e 18 anos (60,65%). Os sentimentos em relação ao diagnóstico foram medo (31,66%), tristeza (22,95%) e revolta (14,75%). Os dados qualitativos foram discutidos em três categorias: Impacto do diagnóstico de diabetes mellitus na vida dos adolescentes; Aceitar a doença para viver melhor; Família, amigos e profissionais de saúde como rede de apoio. Conclusão: A diabetes mellitus produz um grande impacto na rotina do adolescente, requerendo autocuidado e rede de apoio constituída por família, amigos e profissionais de saúde. Palavras-chave: adolescente; diabetes mellitus tipo 1; enfermagem; doença crónica Abstract Background: Type 1 diabetes is a common chronic disease in adolescents and requires maturity, responsibility, acceptance, and constant care. Objectives: To understand how adolescents live with type 1 diabetes and describe their sociodemographic profile. Methodology: A quantitative/qualitative exploratory, descriptive research was conducted with 61 adolescents diagnosed with type 1 diabetes who followed the Facebook page Diabética tipo Ruim. Results: The majority of the participants were male (78.68%), White (60.65%), students (80.16%), aged 15 to 18 years (60.65%), and lived in Southeastern Brazil (40.98%). They reported feelings of fear (31.66%), sadness (22.95%), and anger (14.75%) toward the diagnosis. Qualitative data were divided into three categories: Impact of the diagnosis of diabetes on the adolescents’ lives; Accepting the disease to live better; Family, friends, and health professionals as a support network. Conclusion: Diabetes has a major impact on the daily lives of adolescents, requiring self-care and a support network composed of family, friends, and health professionals. Keywords: adolescent; diabetes mellitus, type 1; nursing; chronic disease
Autor de correspondência Elisangela Argenta Zanatta E-mail: elisangela.zanatta@udesc.br
Recebido: 09.04.20 Aceite: 08.10.20
Resumen Marco contextual: La diabetes mellitus tipo 1 es una enfermedad crónica que suele afectar a los adolescentes y que requiere madurez, responsabilidad, aceptación y cuidados constantes. Objetivos: Comprender cómo es para los adolescentes vivir con diabetes mellitus tipo 1 y describir el perfil sociodemográfico de los adolescentes con diabetes mellitus tipo 1. Metodología: Investigación exploratoria, descriptiva y cuantitativa con 61 adolescentes diagnosticados con diabetes mellitus tipo 1, seguidores de la página de Facebook Diabética Tipo Ruim. Resultados: La mayoría de los participantes es del sexo masculino (78,68%), de piel blanca (60,65%), estudiantes (80,16%), que viven en la región sudeste de Brasil (40,98%), con edades comprendidas entre 15 y 18 años (60,65%). Los sentimientos respecto al diagnóstico fueron miedo (31,66%), tristeza (22,95%) y rabia (14,75%). Los datos cualitativos se examinaron en tres categorías: Impacto del diagnóstico de la diabetes mellitus en la vida de los adolescentes; Aceptar la enfermedad para vivir mejor; Familia, amigos y profesionales de la salud como red de apoyo. Conclusión: La diabetes mellitus produce un gran impacto en la rutina del adolescente, ya que requiere autocuidado y una red de apoyo formada por la familia, los amigos y los profesionales de la salud. Palabras clave: adolescente; diabetes mellitus tipo 1; enfermería; enfermedad crónica
Como citar este artigo: Zanatta, E. A., Maira, M. S., Barichello, A., & Argenta, C. (2020). Vivências de adolescentes com diabetes mellitus tipo 1. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20044. doi:10.12707/ RV20044
Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20044 DOI: 10.12707/RV20044
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Zanatta, E. A. et al.
Introdução A diabetes mellitus (DM) tipo 1 é uma condição crónica caracterizada por altos níveis de glicose na corrente sanguínea decorrente de uma falha do organismo que deixa de produzir insulina, ou não produz o suficiente (Defronzo et al., 2015). Dados da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) revelam que a DM1 afeta 5% a 10% dos casos totais de DM, ficando entre as doenças crónicas mais frequentes da infância e adolescência, responsável por 90% dos casos, desses, 50% são diagnosticados antes dos 15 anos (SBD, 2019). Mundialmente, cerca de 1.106.200 crianças e adolescentes vivem com DM tipo 1, sendo o Brasil o terceiro país com maior número de casos nesta faixa etária, totalizando 88.300 casos. Estima-se que mundialmente 132.600 novos casos sejam diagnosticados anualmente, 9.600 destes no Brasil (International Diabetes Federation, 2017). As dificuldades em relação à DM tipo 1 na adolescência são mais intensas, pois a doença exige do adolescente maturidade, responsabilidades e autocuidado face à cronicidade. Ainda, requer que o adolescente compreenda que precisa viver com algumas limitações e restrições, uma vez que o diagnóstico de DM tipo 1 implica a adaptação a novos estilos de vida (Silva, Amorim, Valença, & Souza, 2018). Face ao diagnóstico, os adolescentes precisam de modificar os seus hábitos e estilo de vida, principalmente, no que diz respeito ao controlo da glicemia e ao “estabelecimento de hábitos de vida saudáveis, como alimentação balanceada, prática de exercícios físicos regulares e conformidade ao tratamento medicamentoso, quando necessário” (Silva, Amorim, Valença, & Souza, 2018, p. 96). Esta situação requer suporte da família e dos profissionais de saúde, pelo que se torna fundamental compreender como o adolescente convive com a DM tipo 1 para, a partir dessa compreensão, traçar estratégias que possam ir ao encontro das suas necessidades e, com isso melhorar a sua qualidade de vida (Cavini, Gonçalves, Cordeiro, Moreira, & Resck, 2018; Flora & Gameiro, 2016). A pesquisa realizada em bases de dados permitiu evidenciar que os estudos realizados com o objetivo de compreender como o adolescente convive com a DM são escassas, as existentes estão direcionadas para aspetos de epidemiologia e sintomatologia. Desta forma, justifica-se a importância do presente estudo na perspectiva de revelar elementos que possam orientar as práticas de cuidado dos profissionais de saúde, especialmente, de enfermeiros direcionadas para adolescentes que vivem com a DM tipo 1, bem como na construção de estratégias de promoção da saúde que visem a assistência integral, humanizada e eficaz. Este estudo faz parte do projeto DM tipo 1: ótica de adolescentes e pais, e foi conduzido tendo em conta os seguintes objetivos: Compreender como é para os adolescentes viver com DM tipo 1 e descrever o perfil sociodemográfico dos adolescentes com DM tipo 1.
crónicas, uma das mais prevalentes no mundo. Dentre as grandes preocupações com a DM está o custo económico, representando cerca de 12% das despesas globais, com previsão de aumento de gastos para o indivíduo, família e sistemas de saúde, devido ao crescimento maciço dessa patologia (Borges & Lacerda, 2018). Segundo a SBD, a classificação da DM baseia-se na sua etiologia, contudo “os fatores causais dos principais tipos de DM – genéticos, biológicos e ambientais – ainda não são completamente conhecidos” (SBD, 2019, p. 19). É classificada em DM tipo 1, DM tipo 2 e DM gestacional. A DM tipo 1 subdivide-se em DM tipo 1A (deficiência de insulina por destruição autoimune das células comprovada por exames laboratoriais) e DM tipo 1B (deficiência de insulina de natureza idiopática). A DM tipo 2 ocorre pela perda progressiva de secreção de insulina de células , refletindo-se na resistência à insulina; a DM gestacional é diagnosticada no segundo ou terceiro trimestre da gravidez (SBD, 2019). O termo tipo 2 é usado para designar uma deficiência relativa de insulina, isto é, há um estado de resistência à ação da insulina, associado a um defeito na sua secreção, o qual é menos intenso do que o observado na DM tipo 1. Após o diagnóstico, a DM tipo 2 pode evoluir por muitos anos antes de requerer insulina para controlo. O seu uso, nesses casos, não visa evitar a cetoacidose, mas alcançar o controlo do quadro hiperglicémico. Dentre os tipos de DM, o tipo 1 é o que mais afeta crianças e adolescentes. O diagnóstico dessa doença pode ocasionar sentimentos conflituosos, especialmente na adolescência, contribuindo para tornar essa fase mais complexa, pois a adolescência é marcada por transformações biológicas, psicológicas e sociais, e concomitante ao diagnóstico de DM quase sempre representa ansiedade, já que é de etiologia incerta, provoca mudanças na rotina e pela falta de maturidade emocional pode ocasionar dificuldade de aceitação da doença (SBD, 2019). O diagnóstico de DM implica construir novos hábitos de vida, com restrições e controlos severos, requerendo que os adolescentes exercitem a sua autossuficiência para que consigam aderir ao tratamento entre as opções possíveis (Silva et al., 2018). Nesse contexto, os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros, possuem a missão de estimular o autocuidado e a autonomia do adolescente, oferecendo-lhe atendimento integral visando sempre o seu bem-estar, fornecendo suporte à família e atendimento aos possíveis riscos que essa doença possa acarretar para a sua vida (Flora & Gameiro, 2016).
Questões de investigação Como é para os adolescentes viver com diabetes mellitus tipo 1? Qual o perfil sociodemográfico dos adolescentes em estudo?
Enquadramento
Metodologia
Atuar diante de casos de DM é um dos maiores desafios de saúde pública do século XXI, por ser, dentre as doenças
Pesquisa exploratória, descritiva, com abordagem quantiqualitativa realizada com 61 adolescentes membros da pá-
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Zanatta, E. A. et al.
gina do facebook Diabética tipo Ruim. Para a seleção destes, solicitou-se autorização da administradora da página para a realização do estudo. Após autorização da administradora, foi lançado um convite para todos os membros da página. Aguardou-se pelas manifestações de interesse em formato de comentários à publicação. Aos interessados em participar foi enviado, individualmente, via facebook, um link com o termo de consentimento para leitura, aceitação e posterior acesso ao questionário. Foram realizadas três tentativas de contato com reenvio do link para resposta ao questionário e, após estas, foram excluídos do estudo os participantes que não responderam. A composição da amostra seguiu os critérios de inclusão: idade entre 12 e 18 anos, ter DM tipo 1 e ser membro da página do facebook Diabética tipo Ruim, formada por 20.485 membros. Os critérios de exclusão foram: não manifestar interesse, em forma de comentário, no convite no facebook no prazo pré-determinado de 20 dias e não preencher o questionário na sua totalidade, sendo que este último critério determinou a exclusão de cinco participantes. A amostragem foi feita por conveniência e deu-se pela quantidade de respostas no prazo estipulado para a colheita de dados. A colheita de dados foi realizada de dezembro de 2017 a abril de 2018, por meio de um questionário com questões descritivas, com respostas dicotómicas e de escolha múltipla, via Google Forms. Os dados quantitativos foram analisados pela estatística descritiva efetuada no programa estatístico Epi Info™. A análise qualitativa seguiu os preceitos da análise de conteúdo (Bardin, 2011), organizada em três etapas: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Na pré-análise foi realizada a transcrição literal das respostas dos adolescentes no questionário enviado via Google Forms. Posteriormente, foi realizada uma leitura inicial para obter as primeiras impressões em relação ao material transcrito. Na sequência, ocorreram leituras exaustivas,
com destaque para excertos das respostas dos adolescentes, com a técnica cromática, as ideias semelhantes foram sendo agrupadas por cores, ocorrendo, então, a constituição de material empírico para análise detalhada. Na exploração do material, ocorreu a seleção de informações destacadas, por cores, no material empírico e a especificação dos núcleos de sentido, ou seja, palavras, frases e expressões que deram significado ao conteúdo das falas dos participantes, ocorrendo o agrupamento dos núcleos de sentido que culminaram na constituição das categorias. Na fase de tratamento dos resultados obtidos e interpretação foi possível discutir os resultados, extraídos do material empírico, com a literatura científica nacional e internacional, visando dar significado e validade aos dados brutos discutidos em três categorias: Impacto do diagnóstico de DM na vida dos adolescentes; Aceitar a doença para viver melhor; e Família, profissionais de saúde e amigos como rede de apoio. A pesquisa seguiu as normativas da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS, 2012) para investigação envolvendo seres humanos e os princípios da bioética, autonomia, não-maleficência, beneficência, justiça e equidade, tendo sido aprovada pelo Comité de Ética local, sob o Parecer nº. 2.443.357. Para preservar o anonimato, os adolescentes foram identificados pela letra A (adolescente), seguido por um número ordinal, atribuído conforme a ordem de retorno das respostas.
Resultados Os dados quantitativos respeitantes ao perfil sociodemográfico dos adolescentes, estão ilustrados na Tabela 1. Dentre os participantes, a maioria é do sexo masculino, cor da pele branca, estudantes, na faixa etária entre 15 e 18 anos.
Tabela 1 Caracterização dos adolescentes participantes conforme variáveis sociodemográficas Variáveis Sexo Masculino Feminino Não declara Faixa etária 12 a 14 anos 15 a 18 anos Não declara Altura Peso Raça/cor Branca Parda Negra Não declara Ocupação Estudante Jovem Aprendiz Nenhuma Não declara
N
%
48 11 2
78,68 18,03 3,27
11 37 13
18,03 60,65 21,31 ± 1,59 ± 61,5
Média ± DP Média ± DP 37 12 4 8
60,65 19,67 6,55 13,11
55 1 3 2
80,16 1,63 4,91 3,27
Nota. DP = desvio-padrão. Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20044 DOI: 10.12707/RV20044
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Em relação à residência dos adolescentes, observa-se que a maioria (n = 25; 40,98%) reside no estado de São Paulo, região sudeste, e os demais distribuídos em 11 estados brasileiros, a saber: Minas Gerais (n = 6; 9,83%), Rio Grande do Sul (n = 6; 9,83%), Santa Catarina (n = 6; 9,83%), Rio de Janeiro (n = 6; 9,83%), Paraná (n = 2; 3,27%), Rondônia (n = 1; 1,64%), Pernambuco (n = 1; 1,64%), Paraíba (n = 1; 1,64%), Pará (n = 1; 1,64%), Espírito Santo (n = 1; 1,64%) e Goiás (n = 1; 1,64%), não declararam estado de residência (n = 4; 6,55%). Impacto do diagnóstico de DM na vida dos adolescentes A maior parte dos adolescentes (n = 28; 45,90%) foi diagnosticada com DM tipo 1 com idade entre os 11 e 18 anos, referindo ter procurado os serviços de saúde a partir de sintomas característicos como poliúria (n = 31; 50,81%), emagrecimento (n = 29; 47,54%) e sede intensa (n = 29; 47,54%). Em relação ao impacto da descoberta da doença, destacam-se os sentimentos de medo (n = 19; 31,14%), a tristeza (n = 14; 22,95%) e a revolta (n = 9; 14,75%). Quando questionado aos adolescentes como foi receber o diagnóstico da doença, as respostas foram as seguintes: “Na hora não sabia o que pensar. A doença não era tão conhecida como hoje. Naquele momento não tinha ideia de como seria minha vida dali em diante” (A6, janeiro de 2018); “Medo, sensação de não saber o que está acontecendo com a própria vida!” (A36, janeiro de 2018). Observou-se que a primeira reação face ao diagnóstico foi o choque, seguido da não aceitação/negação em relação à nova realidade. Inicialmente, o adolescente age como se a doença não existisse ou minimiza a sua gravidade, adiando os cuidados necessários e recusando-se a geri-la, como pode ser observado nos excertos das entrevistas que se seguem: “Foi um choque, porque não sabia como lidar e o que era. Achei que minha vida tinha acabado!” (A37, janeiro de 2018); “ainda não a aceito, o que fica muito difícil pra mim no meu dia a dia, não vou mentir falando que levo uma vida maravilhosa” (A6, janeiro de 2018); “penso que ainda não aceitei, pois não faço o tratamento corretamente” (A11, janeiro de 2018). Depois do primeiro momento de impacto, surgiu o sentimento de revolta dos adolescentes questionarem-se o porquê de isto estar a acontecer, uma vez que os eventos não esperados geram raiva, revolta e rebeldia, tendo impacto na aceitação da doença e, consequentemente, na adesão ao tratamento. Tal, foi observado nas respostas dos adolescentes identificados como A36 e A23 “não é fácil estar na pele de alguém jovem sabendo que tem uma doença que levará para o resto da vida. Às vezes revolta, ainda mais em uma fase de mutação como a adolescência” (A36, janeiro de 2018); “Tenho fases de rebeldia, não aceito, não controlo, não faço nada certo” (A23, janeiro de 2018). O inconformismo também se manifesta na dificuldade em conviver com indivíduos da mesma faixa etária que não tenham restrições impostas pela doença, fazendo com que se sintam diferentes dos demais, o que se observa nos excertos das entrevistas: “É difícil em alguns momentos sair para comer ou para festas com amigos que não tem
o mesmo problema que eu” (A2, janeiro de 2018); “Não acho que tenho uma vida normal. Aliás, é bem diferente da vida de outras pessoas comuns” (A54, janeiro de 2018). Aceitar a doença para viver melhor Após o impacto de ser diagnosticado com DM1, os adolescentes deparam-se com uma nova situação de vida e, diante disso, precisam de criar estratégias de enfrentamento da nova realidade. A aceitação ocorre com o passar do tempo e, aos poucos, os adolescentes vão aderindo ao novo estilo de vida, adequando-se às restrições alimentares, desenvolvendo a autonomia na gestão da doença, enfrentando os desafios diários, como pode ser observado nos excertos que se seguem: “Hoje convivo bem, já aceitei o DM, tento manter um bom controle e sou feliz” (A12, janeiro de 2018); “Atualmente vivo bem com ela, procuro controlá-la bastante, mas não deixo de comer, apenas como pouco. Tem dias que são um pouco revoltantes, mas passa!” (A19, janeiro de 2018); “Hoje em dia é mais tranquilo, mas não é fácil. Cada dia é um desafio” (A49, janeiro de 2018). Com o passar do tempo, os adolescentes passam a conhecer mais sobre a DM tipo 1 e como viver com essa doença, desde que tenham alguns cuidados. Depois de anos com a doença eu pude perceber que existem formas de viver naturalmente com ela. Hoje, depois de tantos anos eu sou uma pessoa normal, vivo tal qual e sou feliz com isso. Amo minha insulina, sem ela eu não vivo (A45, janeiro de 2018). Ao apropriar-se da doença, ao externalizar os seus sentimentos e enfrentar os conflitos, os adolescentes criam uma nova concepção de si mesmos. A tomada de decisão e o modo de gerir as situações impostas pela adolescência e a condição crónica, proporcionam a busca por uma nova identidade, redescobrindo o seu modo de ser como adolescente que convive com uma doença crónica: Conviver com uma doença crónica não é nada fácil, pois você sabe que ela sempre estará ali e que a melhor alternativa é fazer o controle adequado . . . não é normal e natural tudo isso para mim, porém, se torna parte do que somos. (A23, janeiro de 2018) “Essa doença definiu tudo que sou. Minha profissão, minha escolha em relação a amizades, amor. Enfim, ela guiou minha vida” (A22, janeiro de 2018). Mesmo aceitando a doença, muitos adolescentes expressam insegurança quanto ao futuro. Como já mencionado, a adolescência é uma fase em que se destaca a construção social a partir das experiências vividas, em que o adolescente é cercado por descobertas, anseios, escolhas e desafios, e quando associado à condição crónica, o futuro apresenta-se como uma constante incerteza. Tal, é corroborado pelos excertos das entrevistas de A13 e A20: “Insegurança e medo do futuro. Sentir-se diferente das pessoas da minha idade” (A13, janeiro de 2018); “Com a doença eu lido bem. Difícil lidar com os possíveis problemas futuros. Vivo assombrada!” (A20, janeiro de 2018). Os principais receios dos adolescentes estão relacionados com as possíveis implicações relacionadas com a DM, bem
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como o impacto das consequências impostas pela doença a longo prazo, que podem comprometer diretamente a sua qualidade de vida. Este turbilhão de sentimentos enfrentados pelo adolescente com doença crónica são proporcionais às mudanças impostas pela DM tipo 1, como a restrição alimentar, dependência de terceiros, uso de medicamentos, ou mesmo, medo da morte, que fica evidente nos excertos das entrevistas que se seguem: É muito difícil. Confesso que me fez uma pessoa melhor, a ideia de morrer de repente ou necessitar da ajuda das pessoas nos modifica consideravelmente. Também vivo com os monstros dos pensamentos das possíveis consequências das neuropatias. Eu poderia definir como estar constantemente em uma montanha russa. (A22, janeiro de 2018) “Insegurança de um futuro saudável, limitações impostas pelo controle alimentar e tristeza” (A10, janeiro de 2018). Família, amigos e profissionais de saúde como rede de apoio Perante uma doença de características crónicas, a família tem um papel importante para auxiliar o adolescente no enfrentamento da DM tipo 1 e na gestão da sua nova condição, cabendo a ela grande parte do apoio emocional, mental e afetivo. Este suporte familiar favorece as mudanças relacionadas com as rotinas e hábitos, principalmente alimentares, a fim de facilitar a adesão ao tratamento. Quando questionados se recebiam apoio familiar, 55 (90,16 %) responderam que sim e todos consideram esse apoio fundamental, o que pode ser observado nas suas entrevistas: “Sim, porque eles auxiliam no cotidiano e também nas alterações glicêmicas” (A1, janeiro de 2018); “Os familiares têm que apoiar e saber como funciona a doença para ajudar em caso de necessidade e também para incentivar no controle” (A7, janeiro de 2018); “Considero esse apoio muito importante pois, às vezes, fico revoltada e não tenho interesse em manter os cuidados com a diabetes e eles sempre estão lá pra me incentivar e me ajudar” (A2, janeiro de 2018); “É importante sim, porque não é uma coisa fácil, é cansativo, é chato, furar dedo, aplicar insulina, comer certinho. Acho que o apoio familiar é importante, pois não deixa a pessoa se descuidar porque tem sempre alguém apoiando” (A56, janeiro de 2018). Apesar de o apoio familiar ser positivo, os adolescentes esperam que os profissionais de saúde integrem a sua rede de apoio, os apoiem, os entendam e os orientem com a gestão da doença e das dificuldades impostas ao longo do percurso. Contudo, no decurso das entrevistas, os adolescentes ressaltaram a necessidade desses profissionais não julgarem, de terem paciência e entenderem como ocorre esse processo de aceitação, adaptação e mudança de hábitos. Não critiquem. Não julguem. Não indaguem. Só deixem a gente falar! Não temos com quem dividir e não é qualquer um que compreende. Perdi as contas de quantas vezes fui desabafar e até chorar com amigos e eu ouvi: quem mandou você comer muito doce? Agora tá doente pra sempre. É difícil explicar que não é sua culpa. (A20, janeiro de 2018)
Espero que tenham paciência! Nós realmente sabemos o que temos que fazer, mas nem sempre temos disposição para isso. Diabetes é uma doença que cansa e é necessário compreender que, às vezes, precisamos dar um pause. Precisamos viver as coisas que adolescentes comuns vivenciam. É papel dos profissionais de saúde esclarecer, mostrar os caminhos, as possíveis sequelas. Mas, se não compreenderem que nem sempre vamos seguir tudo à risca, jamais conseguirão ajudar efetivamente. Nós desejamos profissionais amigos. (A23, janeiro de 2018) “Não devem impor condições de tratamento. Mas sim, conversar com o paciente e, em conjunto, definir quais as melhores saídas e opções para um melhor desenvolvimento do tratamento. Nenhum adolescente gosta de ser obrigado as coisas”. (A26, janeiro de 2018) As restrições e cuidados com a doença geram a necessidade de construção de novos valores, mudanças na formação de identidade e nas relações interpessoais, levando os adolescentes a aproximarem-se de outros grupos com quem se identificam e que os apoiam. Os dados demonstram a necessidade e a importância da troca entre os pares, uma vez que conviver com outros adolescentes diabéticos lhes permite sentir-se mais à vontade para expor as necessidades, dúvidas, aflições e perceber que não são os únicos a terem que lidar com as situações impostas pela doença e pela sua gestão. “É sempre bom ter apoio de quem também tem a doença, pois eles entendem como é conviver com o Diabetes” (A12, janeiro de 2018). É importante conversar com alguém na mesma situação para tirar dúvidas, receber dicas e se sentir à vontade para falar do seu dia a dia com pessoas que vão entender o que você passa e vão te ajudar a lidar com as dúvidas e a insegurança. (A2, janeiro de 2018) Da mesma forma, um desejo expresso pelos adolescentes A8 e A10, foi de que gostariam que familiares, amigos e profissionais de saúde tivessem DM, pois acreditam que vivenciar a doença, a rotina imposta por ela e a necessidade de manter cuidados diários, iria ajudá-los a entender as dificuldades vivenciadas no quotidiano. Eu gostaria que os profissionais de saúde tivessem diabetes ou que os filhos deles tivessem para eles verem como é, porque o que eles passam como recomendação é difícil de fazer no dia a dia, eu tento, mas é muito chato e muito ruim viver desse jeito então me cobrar muito não me ajuda porque eles não sabem como é (A8, janeiro de 2018) “A teoria ajuda muito no tratamento, mas só a convivência diária permite o real conhecimento da patologia” (A10, janeiro de 2018).
Discussão O presente estudo revelou que o impacto do diagnóstico de DM tipo 1 provoca sentimentos de medo, tristeza e revolta, e com isso, os adolescentes passam a viver mo-
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mentos difíceis, enfrentando dificuldades para lidar com esses sentimentos, especialmente o medo e a insegurança, por se tratar de uma situação inesperada e, também, pelo pouco conhecimento acerca da patologia. Vivenciam, assim, o inconformismo, a negação e a necessidade de mudar hábitos. Estas limitações e o impacto decorrente da doença crónica, também, podem levar o adolescente à não adesão aos cuidados, tendo como consequência o insucesso do tratamento, tornando o enfrentamento da doença crónica um processo lento e doloroso (Gomes et al., 2019; Conte & Riveros, 2018). A dificuldade na aceitação do DM1, foi relacionada pelos adolescentes ao facto de que a doença os priva de atividades prazerosas, devido ao grande tempo dedicado aos cuidados e às restrições impostas pela doença, interferindo diretamente na sua vida social, fazendo com que se sintam diferentes dos demais indivíduos da mesma faixa etária. Flora e Gameiro (2016, p. 33) entendem que esse momento requer dos “adolescentes e suas famílias uma atitude autônoma e responsável na gestão da doença”, pois inúmeras dificuldades irão surgir ao longo do processo de adaptação, mas vão sendo amenizadas e incorporadas na medida em que os adolescentes se envolvem no controlo da doença, adotando os cuidados necessários e entendendo que as mudanças nos hábitos de vida são cruciais para o controlo da doença. O presente estudo revelou que com o passar do tempo os adolescentes apropriam-se do que é a DM e como conviver com ela, passam, então, pelo processo de adaptação e aprendem a conviver com a doença e com as suas limitações, conseguindo aceitá-la como parte da sua vida. A conscientização e aceitação são indispensáveis para que os adolescentes e a família consigam enfrentar as dificuldades e ter uma melhor qualidade de vida (Pfrimer, Afonso, Lima, & Abe, 2018). Os dados deixam evidente a importância de estimular a convivência do adolescente com pessoas e grupos que vivenciam as mesmas preocupações. Acredita-se que convivência com os amigos é imprescindível para auxiliar os adolescentes a enfrentar a sua doença e conviver com ela, uma vez que compartilhar experiências favorece o entendimento e reflexão de que os seus medos e dificuldades não são únicos. Ainda, a partilha entre os adolescentes contribui para a aceitação da doença e favorece a ressignificação da doença crónica (Pfrimer et al., 2018; Nass et al., 2019). O envolvimento dos amigos e da família no processo terapêutico favorece a autoconfiança do adolescente e o entendimento acerca da necessidade da adesão ao tratamento. Contudo, o estudo apresenta a necessidade de criar um espaço em que não ocorram imposições quanto aos cuidados com a DM tipo 1 e reprovação de atitudes, pelos familiares, amigos e profissionais de saúde, mas sim, um espaço ancorado na compreensão do adolescente como um ser em transformação, aprendendo a viver com as limitações e cuidados impostos pela doença. Para o adolescente com DM tipo 1, a gestão da doença relaciona-se diretamente com a forma como ele interpreta a sua condição de saúde e as obrigações referentes ao tratamento, vindas da família, dos amigos e, incluídos aqui, os profissionais de saúde. No que diz respeito, especial-
mente, à atuação do enfermeiro, Malaquias et al. (2016) e Cruz et al. (2018), destacam a importância de conhecer o significado do adolescer com uma doença crónica para poder proporcionar a assistência da maneira mais adequada, voltada para o enfrentamento das dificuldades e desafios impostos pela doença crónica, considerando as necessidades e expectativas do adolescente. Os resultados da presente investigação sobre como os adolescentes convivem com DM1 tipo 1 estão de acordo com os encontrados por Malaquias et al. (2016), Cruz et al. (2018) e Gomes et al. (2019) a respeito da afirmação de que o desempenho dos enfermeiros e equipas de saúde melhora quando eles sabem que cada adolescente recebeu o diagnóstico e aceitou a doença. Essa compreensão favorecerá a criação de vínculos que poderão contribuir para o planeamento de estratégias que supram as necessidades e mudanças exigidas pela DM tipo 1. Nesta linha de pensamento, Cruz et al. (2018) e Collet, Batista, Nóbrega, Souza, e Fernandes (2018), enfatizam a importância do fortalecimento das redes de suporte para que o adolescente conte com o apoio da sua família, amigos e profissionais de saúde, a fim de que se estabeleça um ambiente acolhedor e de troca de conhecimentos e experiências, em que o adolescente se sinta confortável ao compartilhar as suas necessidades. Essa abordagem favorece o empoderamento do adolescente na manutenção do autocuidado e exalta a sua responsabilidade pelo controlo da sua terapêutica. Além disso, os profissionais de saúde precisam de demonstrar interesse pelas necessidades, ansiedades e medos dos adolescentes e familiares, estabelecendo uma relação de confiança que irá auxiliar na gestão da doença e na eficácia terapêutica. As repreensões do profissional baseadas nas possíveis consequências decorrentes da falha na adesão terapêutica têm pouca efetividade, pois desmotivam o adolescente (Amado, Leal, & Saito, 2014). Além das considerações tecidas, destaca-se que a presente investigação revelou que os adolescentes, mesmo no auge das incertezas e, por vezes de rebeldia e medo, especialmente da morte, provocados pelo diagnóstico de DM tipo 1, reconhecem que a doença crónica exige mudanças que impactam a sua rotina. Manifestam a necessidade de ter uma rede de apoio, formada pela família, amigos e profissionais de saúde, contudo, enfatizam a necessidade de serem compreendidos sem julgamentos, pois compreendem que as ações constituídas por essa rede beneficiam o seu autocuidado, auxiliando nas dificuldades que a doença crónica impõe e na orientação aos cuidados direcionados à patologia.
Conclusão Os resultados deste estudo indicam que o diagnóstico de DM tipo 1 produz um grande impacto na rotina dos adolescentes, tornando a fase do adolescer ainda mais turbulenta, exigindo que ele tenha maturidade e responsabilidade face ao autocuidado e limitações impostas pela doença crónica. Ao aceitar a DM tipo 1, o adolescente compreende a im-
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portância do autocuidado e da rede de apoio composta por familiares, amigos e profissionais de saúde, pois eles auxiliam-no a enfrentar as dificuldades do quotidiano, compreender melhor a doença crónica e aderir ao tratamento. Este estudo permitiu entender como os adolescentes convivem com a DM tipo 1 e, com isso, revelou elementos para a comunidade científica e para os profissionais de saúde que são capazes de orientar o planeamento de ações que auxiliam no processo de autocuidado. Ao longo do estudo surgiram algumas limitações que determinaram os resultados, como a dificuldade de sensibilizar o adolescente a participar na investigação. A pouca adesão, possivelmente, impediu a identificação de outros elementos intrínsecos à doença que possam ser úteis na elaboração de estratégias de cuidado. Recomenda-se, portanto, a realização de outros estudos, utilizando diferentes tipos de abordagens. Contribuição de autores Conceptualização: Zanatta, E. A., Barichello, A., Argenta, C. Tratamento de dados: Zanatta, E. A., Barichello, A. Análise formal: Zanatta, E. A., Scaratti, M. Aquisição de financiamento: Zanatta, E. A. Metodologia: Zanatta, E. A., Barichello, A., Argenta, C. Administração do projeto: Zanatta, E. A. Supervisão: Zanatta, E. A. Validação: Zanatta, E. A., Argenta, C. Visualização: Zanatta, E. A., Argenta, C. Redação - rascunho original: Zanatta, E. A., Scaratti, M., Barichello, A., Argenta, C. Redação - revisão e edição: Zanatta, E. A., Scaratti, M., Barichello, A., Argenta, C. Financiamento Esta pesquisa é financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina - FAPESC. Referências bibliográficas Amado, C. R., Leal, M. M., & Saito, M. I. (2014). Adolescência Prevenção e Risco (3ª ed). São Paulo, Brasil: Atheneu. Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo, Brasil: Edições 70. Borges, D., & Lacerda, J. T. (2018). Actions aimed at the diabetes mellitus control in primary health care: A proposal of evaluative model. Saúde em Debate, 42(116), 162-178. doi:10.1590/01031104201811613 Cavini, F. L., Gonçalves, K. A., Cordeiro, S. M., Moreira, D. S., & Resck, Z. M. (2016). Experiences of diabetic adolescents: A phenomenological approach. Journal of Nursing UFPE on-line, 10 (Supl. 2), 805-813. doi:10.5205/reuol.6884-59404-2-SM1.1002sup201615
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ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
Vivências dos adolescentes com doença hemato-oncológica na fase diagnóstica: estudo de cariz fenomenológico
Experiences of adolescents with cancer and blood diseases at the time of diagnosis: a phenomenological study Experiencias de adolescentes con enfermedad hematooncológica en la fase de diagnóstico: estudio fenomenológico Sónia Maria de Matos Figueira 1 https://orcid.org/0000-0002-9775-1104 Manuel Gonçalves Henriques Gameiro 2 https://orcid.org/0000-0002-3630-161X
1 Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Coimbra, Portugal
Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Coimbra, Portugal 2
Resumo Enquadramento: As doenças hemato-oncológicas representam uma importante causa de morbilidade e mortalidade para os adolescentes, pelo que exigem cuidados de enfermagem positivamente diferenciadores e dirigidos. Objetivos: Compreender as vivências dos adolescentes com doença hemato-oncológica na fase diagnóstica. Metodologia: Investigação empírica de tipo qualitativo, de cariz fenomenológico interpretativo (método processual de Giorgi). Foram entrevistados 9 adolescentes portugueses, em tratamento na unidade de oncologia pediátrica. Resultados: Emergiram 3 temas centrais relativos ao fenómeno (antecipando doença grave; confrontando-se com notícia do diagnóstico e entrando na doença como contingência existencial). Conclusão: Os adolescentes vivenciam a doença oncológica de forma particular, devido à sua fase de desenvolvimento; percebem o diagnóstico como ameaça aos seus planos e sonhos; confrontam-se com a contingência pessoal e a ameaça de finitude antecipada. Importa que os profissionais de saúde cuidem dos adolescentes de forma ajustada a cada momento identificado na sequência vivencial e que os incentivem a expressarem os seus estados e expectativas, de modo a ajudá-los a integrar proativamente a sua doença na vida quotidiana. Palavras-chave: enfermagem pediátrica; enfermagem oncológica; adolescente; diagnóstico; acontecimentos que mudam a vida Abstract Background: Cancer and blood diseases are a leading cause of morbidity and mortality in adolescents and require positively differentiated and targeted nursing care. Objective: To understand the experiences of adolescents with cancer and blood diseases at the time of diagnosis. Methodology: Empirical qualitative study with an interpretative phenomenological approach (Giorgi’s method of analysis). Nine Portuguese adolescents undergoing treatment in the pediatric oncology unit were interviewed. Results: Three central themes related to the phenomenon emerged from the analysis (anticipating a serious disease, dealing with the news of the diagnosis, and accepting the disease as a life contingency). Conclusion: Adolescents experience cancer in a particular way because of their developmental stage. They perceive the diagnosis as a threat to their life plans and dreams as they face personal contingencies and the threat of premature death. Health professionals should adjust their way of caring for adolescents to each moment identified in the sequence of experiences and encourage them to express their emotions and expectations while helping them to proactively adapt their everyday lives to their disease. Keywords: pediatric nursing; oncology nursing; adolescent; diagnosis; life change events
Autor de correspondência Sónia Maria de Matos Figueira E-mail: soniammfigueira@esenfc.pt
Recebido: 04.05.20 Aceite: 26.10.20
Resumen Marco contextual: Las enfermedades hematooncológicas representan una importante causa de morbilidad y mortalidad para los adolescentes y, por lo tanto, requieren una atención de enfermería especializada y dirigida. Objetivos: Comprender las experiencias de los adolescentes con enfermedades hematooncológicas en la fase de diagnóstico. Metodología: Investigación empírica, cualitativa, de carácter fenomenológico interpretativo (método procesual de Giorgi). Se entrevistó a nueve adolescentes portugueses que estaban siendo tratados en la unidad de oncología pediátrica. Resultados: Surgieron 3 temas centrales en relación con el fenómeno (anticipación de una enfermedad grave; confrontación con la información del diagnóstico, e introducción en la enfermedad como contingencia existencial). Conclusión: Los adolescentes experimentan la enfermedad oncológica de forma particular, debido a su fase de desarrollo; perciben el diagnóstico como una amenaza para sus planes y sueños; se enfrentan a la contingencia personal y a la amenaza de la finitud anticipada. Es importante que los profesionales de la salud atiendan a los adolescentes de manera adecuada en cada momento identificado en la secuencia experimental y que los alienten a expresar sus estados y expectativas, a fin de ayudarlos a integrar de forma proactiva su enfermedad en la vida cotidiana. Palabras clave: enfermería pediátrica; enfermería oncológica; adolescente; diagnóstico; acontecimientos que cambian la vida Como citar este artigo: Figueira, S. M. M., & Gameiro, M. G. H. (2020). Vivências dos adolescentes com doença hemato-oncológica na fase diagnóstica: estudo de cariz fenomenológico. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20058. doi:10.12707/RV20058
Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20058 DOI: 10.12707/RV20058
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Figueira, S. M. M., & Gameiro, M. G. H.
Introdução O período entre a notícia de diagnóstico e o início de tratamento constitui um período crítico para o adolescente e para a sua família, ao qual corresponde uma experiência difícil, marcada por elevado sofrimento emocional, determinante na modulação das estratégias de coping e na tomada de decisões posteriores (Chien, Chang, & Huang, 2018). A investigação orienta-se para a consecução do seguinte objetivo: Compreender as vivências dos adolescentes com doença hemato-oncológica na fase diagnóstica. Tendo em conta que o foco de estudo é a essência das vivências dos sujeitos na situação em análise, a opção metodológica foi a de um estudo de investigação empírica de tipo qualitativo, de cariz fenomenológico interpretativo.
Enquadramento Segundo a World Health Organization (WHO, 2018), a adolescência (deriva do latim adolescere, que significa crescer) compreende a faixa etária entre os 10 e os 19 anos. É caracterizada por um período de mudanças biológicas, cognitivas e psicossociais, para as quais os adolescentes não estão preparados, em particular para enfrentar doenças, perdas e lutos, acabando, assim, por criar barreiras para se protegerem desse sofrimento. Embora o conceito de morte esteja totalmente estabelecido, nesta idade, a ideia da própria morte é algo difuso. Os adolescentes falam desse acontecimento sem pensar muito, sendo que, para eles, não ocorrerá nesta fase da vida. Os adolescentes pensam na morte como fim, mas não sobre que forma ela poderá acontecer. Esse pensamento parece distante e impessoal, mesmo após a perda de um ente querido. Cognitivamente, os adolescentes podem compreender a morte e as suas características; contudo, emocionalmente, não consideram a própria morte como possibilidade próxima, uma vez que estão no auge da vida, voltados para a construção do mundo, não possuindo, portanto, muito espaço para pensarem nessas questões (Sisk, Canavera, Sharma, Baker, & Johnson, 2019). Segundo Cardoso, Feres-Carneiro, e Giovanetti (2009), entende-se por vivência a ressonância que se dá na subjetividade da pessoa, em consequência da interação entre a consciência e a realidade, sendo pré-reflexiva (anterior à elaboração racional) e uma referência fundamental na orientação da vida. Os dados estatísticos portugueses evidenciam que todos os anos há cerca de 350 novos casos de cancro entre os 0 e os 19 anos (exclusive), verificando um predomínio dos tumores hemato-oncológicos: linfomas e leucemias, como tumores de maior incidência na faixa etária dos 1519 anos. Apesar da taxa de sobrevivência ser de cerca de 75%, o cancro é a primeira causa de morte não acidental na população infantojuvenil (Direção-Geral da Saúde, 2015, 2018; Roreno, 2016).
Questão de investigação Face à problemática apresentada, pretende-se dar resposta empírica à seguinte questão de investigação: quais as
vivências essenciais da doença hemato-oncológica dos adolescentes, após a notícia do diagnóstico?
Metodologia Tendo em conta o foco de estudo, a opção metodológica incidiu num estudo de investigação empírica de tipo qualitativo, de cariz fenomenológico interpretativo, descrito por Giorgi e Sousa (2010). Justifica-se a lógica interpretativa no sentido em que se procura o desvelar dos significados atribuídos às experiências vividas, indo, portanto, para além da descrição das estruturas fundamentais das experiências. Acredita-se que o método fenomenológico permitirá uma maior familiarização com o fenómeno em estudo (procura alcançar a estrutura e o significado da experiência) ao descrevê-lo no contexto de uma situação, utilizando a retrospetiva do acontecimento. A abordagem metodológica que, focando a compreensão abrangente e profunda do fenómeno, coloca em relevo a essência das experiências significativas para os adolescentes; e para a enfermagem, no sentido de uma melhor compreensão e capacidade empática com os que o vivenciam. O primeiro passo (epoché) exige que se leia a descrição na íntegra, de modo a que se possa obter um sentido de totalidade, que ajudará a discriminar as partes que serão estabelecidas no segundo passo (redução fenomenológica). Após estabelecer o sentido geral, no terceiro passo (análise eidética), o investigador realiza a descrição dos significados psicológicos, bem como torna explícito o que, por vezes, se mantém em recesso. Esta operação é realizada com informações contidas na totalidade dos testemunhos, não apenas nas unidades tidas individualmente (Giorgi & Sousa, 2010). No presente estudo, procurámos enfatizar os critérios de rigor científico (credibilidade, transferibilidade e confirmabilidade) no âmbito da abordagem fenomenológica. Foi obtido um parecer favorável da Comissão de Ética (Parecer n.º P144-03/2013) e respeitados os princípios éticos fundamentais a considerar em investigação com seres humanos (Princípios de Helsínquia), no que respeita a autodeterminação, intimidade, anonimato e confidencialidade, tratamento justo e equitativo, isenção de exploração e consentimento informado (Sisk et al., 2019). Foram, ainda, cumpridas as recomendações emanadas na Declaração da World Medical Association de Taipei sobre as considerações éticas referentes a bancos de dados de saúde e biobancos (World Medical Association, 2017). Os participantes foram selecionados através do método qualitativo de amostragem proposicional representativa do fenómeno, com critérios de intencionalidade no sentido de obter testemunhos ricos, no contexto de ambulatório e/ou internamento de oncologia pediátrica português, selecionados utilizando o método de amostragem. Foram entrevistados aqueles que demostraram capacidade e vontade de relatar a sua experiência, até se ter atingido a saturação das informações e que preencheram os critérios de inclusão previamente estabelecidos para a participação neste estudo: adolescentes com doença hemato-oncológica que apresentam estado clínico e anímico favorável, de ambos os géneros e com idades compreendidas entre
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os 14 e os 18 anos inclusive; com um período mínimo de 24 horas entre o diagnóstico e o início do tratamento oncológico; em fase de tratamento, mas com um mínimo de um mês de tratamento. Na operacionalização desta investigação, foi utilizado o inquérito através de entrevistas individuais, pouco estruturadas e em profundidade, usando um guião elaborado para o efeito com questões convite ao testemunho sobre o tema a abordar. As entrevistas (com uma duração entre os 20 e os 40 minutos, decorreram de outubro a dezembro de 2013) foram gravadas pela investigadora em suporte áudio, depois de solicitado e obtido o seu consentimento informado escrito, bem como o dos respetivos responsáveis legais e explicado o objetivo da investigação. Foi fechada a amostragem do estudo, com a 9ª entrevista, quando os investigadores consideraram que atingiram a saturação de informação, sendo que a 8ª e a 9ª entrevistas pouco acrescentaram à informação obtida nas entrevistas anteriores. Este número de entrevistas está em concordância com a previsão efetuada inicialmente, com base noutros estudos centrados em fenómenos de natureza idêntica. Para a análise dos dados, assumiu-se um procedimento analítico indutivo, com o método processual de Giorgi, com o programa NVIVO7 de análise qualitativa. Procurou-se uma interpretação fenomenológica compreensível e relevante para a enfermagem. A primeira etapa metodológica, relativa ao sentido do todo, implicou a transcrição das entrevistas tais quais foram verbalizadas, e posteriormente a leitura e releitura repetida das transcrições com o objetivo de apreender o sentido do todo, buscando um insight da experiência vivida pelos adolescentes na situação em estudo. Numa segunda etapa, foi efetuada a discriminação de unidades significativas focadas no fenómeno em estudo, procuramos tanto quanto possível adquirir uma interpretação ingénua, isto é, ponto entre parêntesis todo o conhecimento prévio acerca do fenómeno em estudo. Do ponto de vista operacional, esta etapa correspondeu ao fracionamento dos testemunhos, destacando as unidades significativas. As unidades significativas correspondem a mudanças de significado no verbantim dos adolescentes acerca do fenómeno em estudo, reconhecidas tendo em
conta não só a descrição textual, mas considerando em simultâneo o seu contexto, permitindo assim um primeiro nível interpretativo (elaboração de códigos). Ao usar o programa informático, a cada unidade de significação fizemos corresponder um código (primeiro nível interpretativo), que foram agregados em unidades com identidade de significado, criando códigos diferentes para unidades com significados diferentes. Para facilitar o processo de interpretação, a linguagem coloquial de cada unidade dos testemunhos foi transformada, como recomenda Giorgi, na linguagem do analista, com sentido no contexto da sua área científica, neste caso, a Enfermagem. Entrámos, de seguida, na terceira etapa metodológica, que correspondeu à organização das unidades de significação (códigos) em unidades temáticas (temas) e, finalmente, na organização desses temas numa estrutura essencial compreensiva. A estrutura é essencial, porque reúne as componentes fundamentais (mais relatadas) da experiência, e compreensiva, porque permite uma leitura de síntese, captando a natureza da vivência em estudo. Tradicionalmente, este processo é designado por redução fenomenológica no sentido em que refina (reduz) os testemunhos, extraindo os elementos essenciais da experiência vivida. De seguida procedeu-se à transformação das unidades de significado em unidades de significado transformadas, os constituintes essenciais da experiência, que constituem a estrutura do fenómeno obtida.
Resultados A estrutura essencial referente ao fenómeno Vivências dos adolescentes com doença hemato-oncológica, na fase diagnóstica, obtida de forma indutiva após a operacionalização dos passos do método de Giorgi evidenciou uma organização sequencial dos fenómenos em três dimensões experienciais comuns nos adolescentes com doença hemato-oncológica, esquematizada na Figura 1. Esta sequência pode não ser em todos os casos linear, mas integra os temas seguintes: antecipando uma doença grave; confrontando-se com a notícia do diagnóstico; entrando na doença como contingência existencial.
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Figura 1. Esquema compreensivo do fenómeno: estrutura essencial das vivências dos adolescentes com doença hemato-oncológica, na fase diagnóstica.
A cada um destes temas experienciais correspondem diferentes conteúdos essenciais e diferentes vivências específicas, que procuramos descrever numa linguagem com consistência científica, mas tão próximo quanto possível dos testemunhos e sustentada por excertos textuais representativos. Antecipando uma doença grave O primeiro momento experiencial, decorre do aparecimento de alterações no funcionamento ou no aspeto corporal, que são identificadas como sintomas de possível doença que levam os adolescentes a recorrer a serviços de saúde e, nessa sequência, à realização de exames clínicos e, até, em alguns casos, ao internamento hospitalar. Como a situação se mantém ou agrava, mesmo após vários exames e tratamentos, os adolescentes tendem a antecipar que sofrem de uma doença grave. Os adolescentes referem alterações e disfuncionalidades corporais sentidas que, por serem persistentes desencadeiam a procura dos cuidados de saúde. Experienciam sintomatologia de doença, com evolução demorada e, na maior parte dos casos, discreta, sentindo estranheza perante a mesma, uma vez que, até há pouco tempo, se sentiam bem de saúde e viviam a sua vida sem quaisquer restrições ou indícios de doença, o que os leva, inicialmente, à desvalorização dos sintomas, “comecei a ficar um bocadinho preocupado, mas também não muito . . . pudesse até não ser nada (E4, agosto, 2013); “só tinha dado uma dor... eu não tinha sintomas” (E5, agosto, 2013). Na sequência dos sintomas de doença, os adolescentes, acompanhados pelos pais, experienciam a procura e o contacto com os serviços de saúde. Independentemente do percurso de origem e do encaminhamento pelos recursos de saúde é transversal a todos os adolescentes
a sujeição a diversos exames auxiliares de diagnóstico, cuja duração temporal é enfatizada como um período moroso, de alguma forma cansativo, percebida como contrastante com o seu sentimento de bem-estar anterior, levando-os a questionar a necessidade deste tipo de medida, estranheza perante exames desconhecidos e receio, “metem-me a dormir . . . não gosto dessas coisas!” (E5, agosto, 2013); “exames e mais exames” (E7, novembro, 2013). Perante as circunstâncias, os adolescentes, antevendo uma doença grave, equacionam a possibilidade de que algo adverso e sério esteja a acontecer consigo mesmos, desencadeando sentimentos de medo, “estivemos à espera . . . descansadinho ou não . . . interessava saber era se havia mesmo algum problema de grave ou não, tinha medo de que fosse alguma coisa grave que eu não soubesse . . . comecei a ficar um bocadinho preocupado” (E4, agosto, 2013); “não era normal, quando se está em Coimbra é mesmo grave” (E7, novembro, 2013). Em alguns adolescentes, a experiência da permanência em contextos oncológicos (ambulatório ou internamento de oncologia), desencadeia a suspeita pessoal de diagnóstico oncológico. Surge a experiência de autoquestionamento do “porquê eu estar aqui?” e a antecipação diagnóstica de cancro como uma possibilidade também para eles. Assim, desde cedo, um hipotético pré-diagnóstico oncológico pode colocá-los um passo à frente dos acontecimentos seguintes, ponderando antecipada e hipoteticamente o diagnóstico oncológico para si mesmos e, de alguma forma, experienciando uma espécie de preparação mental para a confirmação de uma possível má notícia, “comecei a ver a palavra oncologia a pensar que também eu tinha e com medo só de saber que estava nesse serviço . . . já estava assim numa coisa mais grave” (E2, abril, 2013); “palavra [cancro/oncologia] mete medo . . . só via meninos carecas . . . tenho algo de grave” (E7, novembro, 2013).
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Confrontando-se com a notícia do diagnóstico A comunicação de um diagnóstico oncológico desencadeia nos adolescentes a vivência do confronto com algo estranho e temido. Os adolescentes evidenciam a experiência de se depararem com uma doença, que não sendo conhecida em concreto, tem o nome associado a algo assustador, “disse que eu tinha leucemia . . . por aquelas palavras: cancro no sangue” (E1, abril 2013); “disse-me que tinha um tumor” (E3, julho 2013). A comunicação diagnóstica aos adolescentes desencadeia o sentir de emoções de conotação negativa, o choque aparece como a primeira vivência no pós-notícia, “parecia tudo horrível, caiu assim o mundo” (E2, abril, 2013); “no dia em que se recebe é um choque, é sempre um choque receber uma notícia destas” (E9, dezembro, 2013). Nos minutos que se seguem imediatamente ao diagnóstico, parece surgir a vivência de frieza e afastamento, como se os adolescentes quisessem afastar a realidade que estão a vivenciar e é igualmente notória no desinteresse manifestado por alguns adolescentes relativamente às informações acerca do cancro, “preferia não falar” (E3, julho, 2013); “não queria ouvir falar no assunto, não queria saber de informação relacionada com tratamentos” (E8, dezembro, 2013). Todavia, este afastamento não será comum a todos os adolescentes, dado que no testemunho de dois adolescentes são mencionadas questões sobre a sua real situação e sobre o que devem esperar no futuro, mostrando o seu interesse sobre o que lhes irá acontecer, “então, mas o que vai acontecer?” (E5); “o que tinha a ver diretamente comigo, com a doença . . . quis saber” (E8, dezembro, 2013). A vivência da notícia de diagnóstico de cancro desencadeia emoções negativas manifestadas pelo choro, “quando soube, chorei . . . é normal nos primeiros dias” (E1, abril, 2013); “comecei a chorar” (E3, julho, 2013). De um modo geral, os adolescentes valorizam a presença dos pais no momento da notícia de diagnóstico, enfatizando o papel positivo que os mesmos tiveram ao nível dos esclarecimentos que prestaram sobre o diagnóstico recebido, “perguntei o que era, e ela [mãe] disse-me . . . cancro no sangue” (E1, abril, 2013); “eu não sabia bem o que era . . . depois cá fora é que a minha família me explicou melhor” (E2, abril, 2013). Em sentido inverso, vivenciando sentimentos de constrangimento pela presença dos pais, alguns adolescentes optam voluntariamente pela solidão nos momentos que se seguem ao diagnóstico. Estes referem, nesse período, necessidade de isolamento e algum contragosto sentido pela presença de pessoas (onde se incluem também os pais), variando entre os minutos, horas ou até mesmo dias, “não queria falar com ninguém” (E6, novembro, 2013); “tentar manter-me um pouco a margem [dos pais] . . . tentar eu própria entender primeiro para depois saber o que lhes havia de dizer” (E8, dezembro, 2013). Entrando na doença como contingência existencial Após o impacto do confronto com o diagnóstico oncológico, os adolescentes experienciam outras vivências, nomeadamente sentimentos de injustiça da doença (questionando-se sobre o porquê de ser ele/ela a ter cancro e
não outra pessoa), “porque eu? porque eu? há tanta pessoa que faz mal às outras pessoas . . . porquê eu, que não faço mal a ninguém?” (E1, abril, 2013), de insegurança sobre o que será o seu futuro, sobre a integração da sua realidade de doente, o seu percurso de tratamento e as respetivas condicionalidades, e sobre as mudanças inerentes nas suas vidas. A palavra tumor/cancro é proferida como se essa doença vinculasse obrigatoriamente um prognóstico trágico, por si só, dada a conotação negativa social da palavra, desencadeando sentimentos de receio pela gravidade da situação, vivenciando sentimentos de insegurança face à incerteza, “o que me preocupava mais era se conseguia curar” (E1, abril, 2013); “fiquei super assustada, com medo do desconhecido... pensava em algo assustador” (E2, abril, 2013); “quão grave pudesse ser?” (E8). À questão da gravidade associa-se intrinsecamente o desencadeamento de sentimentos de angústia perante a probabilidade/dúvida de cura ou da possibilidade de morte, “perguntei se tinha probabilidade de morrer” (E5, agosto, 2013); “pensei que não tinha cura” (E9, dezembro, 2013). Os adolescentes percebem e reconhecem a componente tempo como preponderante na auto-consciencialização e integração da sua condição de doença, “se fores aceitando devagarinho é melhor . . . 15 dias entre ir ao centro de saúde e o hospital ajudou a digerir o assunto” (E5, agosto, 2013); “é mais fácil dar um bocado de tempo” (E9, dezembro 2013). O tempo permite-lhes que sejam eles próprios a querer saber sobre a sua doença, e começam depois gradualmente a integrar a sua nova condição de adolescentes portadores de uma doença, começando a questionar voluntariamente sobre assuntos relacionados com a sua realidade. Gradualmente, a postura mental de enfrentamento pelos adolescentes vai-se tornando mais pró-ativa: depois do choque do confronto é chegado o momento de sentir a necessidade de seguir em frente, integrando progressivamente a doença no quotidiano, “pensei: tem que ser, tenho que ir para a frente, tenho de me habituar” (E6, novembro, 2013); “consciencializei que tinha aquilo e que tinha de lutar para sair . . . que iria passar por coisas más, mas que ia ter coragem para enfrentar tudo” (E7, novembro, 2013). Percebendo as conotações e as representações sociais associadas ao cancro, os adolescentes referem o desconforto antecipatório com as eventuais ideias do que consideram que as pessoas pensam ao saberem do diagnóstico, associando ter cancro à tristeza e morte. Lá fora o que se ouve é muito mais alarmante . . . as pessoas veem muito pior . . . cancro é logo relacionada com morte e tristeza constante . . . lá fora têm pena e pensam que nos vai acontecer uma coisa horrível. (E2, abril, 2013). Os adolescentes associam o seu caso com o de outras pessoas que também viveram a doença oncológica, relacionando a sua experiência com casos conhecidos através de recordações prévias ou contactos do momento, “falei com a M., porque ela já estava nisto há mais tempo . . . sentimo-nos mais à vontade a falar com pessoas da nossa idade do que com pessoas mais velhas” (E9, dezembro,
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2013). Uma antecipação comum refere-se aos diferentes tipos de tratamento, hipoteticamente a quimioterapia, a radioterapia, o transplante e a recidiva posterior da doença “pensava que ia fazer radioterapia . . . em princípio não era necessário transplante” (E1, abril, 2013); “pensava que iam ser precisos outros métodos para curar . . . a quimio . . . ia fazer radioterapia” (E4, agosto, 2013). Sobressai a antecipação das alterações corporais, como a queda do cabelo, apontadas pela maioria, como experiência futura inevitável “sabia que caia o cabelo... será que eles [os amigos] vão gozar comigo?” (E1, abril, 2013); “ia ficar carequinha . . . custou-me muito . . . eu adoro o meu cabelo” (E7, novembro, 2013). O pós-diagnóstico tem inerente a perceção de uma alteração da vida atual dos adolescentes e das suas rotinas, antecipando perturbação no desempenho de papéis, antecipam condicionantes noutras atividades e papéis, e na relação com a família e os amigos, face à possibilidade de terem de se afastar destes grupos relacionais. Ao longo dos testemunhos surge, ainda, a valorização da continuidade da relação com os amigos, “deixar os meus amigos, a minha família” (E3, julho, 2013); “pensei que me fosse afastar dos meus amigos”(E4, agosto, 2013); “ia afetar a vida . . . a minha rotina” (E8, dezembro, 2018).
Discussão O percurso decorrido entre a vivência dos sintomas e o momento do diagnóstico influencia a vivência da notícia da doença oncológica por parte dos adolescentes. O contacto com os serviços de saúde, na busca da clarificação diagnóstica, desperta nos adolescentes estranheza e aborrecimento perante a sujeição a diversos exames auxiliares de diagnóstico. A este propósito, Melo, Caires, Machado, e Pimenta (2013) reconheceram o confronto com procedimentos e/ou equipamentos médicos e a adaptação a um ambiente desconhecido como vivências ameaçadoras para os adolescentes. Esta fase corresponde, assim, a uma vivência morosa onde a sintomatologia é facilmente menosprezada pelos adolescentes, o que não facilita um diagnóstico precoce da patologia oncológica. Estes dados são consistentes com os relatos da experiência de cancro de um estudo de Santos (2013), onde os indivíduos vivenciam o período prévio ao diagnóstico como sendo lento, de início silencioso, de limites mal definidos e sintomatologia pouco específica, sem espelhar, portanto, a identidade da doença por si só, mas que à medida que a doença evolui parece aumentar. Os adolescentes contactam com dísticos de oncologia e com crianças e adolescentes com alopécia, contexto este que desencadeia um raciocínio associativo de suspeita pessoal de diagnóstico oncológico, autoquestiondo-se sobre o “porquê eu estar aqui?”. Segundo Carvalho, Sá, Preto, Ferreira, e Gaspar (2013), a simples ida de um adolescente a uma consulta desencadeia em 22% dos casos sentimentos de medo imediato de ter uma doença grave. A investigação revela uma componente emocional e cognitiva negativa vivida pelos adolescentes. São explícitas, nos
testemunhos, emoções de conotação negativa revestidas de sofrimento, como o choque, o stresse, a ansiedade e sentimentos de revolta, raiva, apreensão, medo, tristeza e desespero. A notícia da doença oncológica pediátrica é considerada como uma crise difícil de suportar ou até mesmo uma experiência traumática para aqueles que a enfrentam. Jesus (2012), invocando a Psicologia da Doença, refere estas vivências como significações quentes, porque despertam emoções ou têm um significado emocional para os sujeitos. Relativamente à frieza e ao afastamento, os adolescentes vivenciaram lapsos de memória dos acontecimentos de índole negativa e desinteresse relativo às informações acerca do cancro. Estas vivências são consideradas por Jesus (2012) como significações frias, isto é, que suscitam emoções e sentimentos menos pronunciados e intensos que as primeiras. Gameiro (2012) vai mais longe e refere que na fase pós-diagnóstico, o recurso à negação, à minimização cognitiva e à solicitação de apoio afetivo permite-lhes ganhar forças para enfrentar a doença e diminuir o mal-estar emocional. Santos (2013) realça, ainda, como positivas as estratégias de coping centradas no desabafo de emoções negativas que são desencadeadas na sequência desta experiência, como é exemplo a manifestação de choro, que vimos também relatada nos testemunhos. A partilha da notícia do diagnóstico com os pais emerge como um elemento significativo na vivência dos adolescentes, uma vez que o choque da notícia se estende, também, à sua família. Por um lado, a presença parental representa uma função coadjuvante na comunicação e vivência, que é valorizada pelos adolescentes. Segundo Azevedo (2010), os adolescentes, ao vivenciarem a doença, como que regridem no desenvolvimento cognitivo e afetivo, manifestando fragilidade emocional, através de reações de negação, fantasias e da necessidade da presença materna ou de outro acompanhante significativo. Por outro lado e no sentido inverso, alguns adolescentes sentem a necessidade de isolamento e vivenciam sentimentos de constrangimento e algum contragosto pela presença dos pais. Este dado contraria o apontado por Ferreira, citado por Azevedo (2010), quando argumenta que os adolescentes desejam o acompanhamento parental permanentemente. Contudo, pode ser associado ao referido por McGoldrick e Walsh, citados por Rezende, Schall, e Modena (2011), que sublinham que associado ao trauma da doença surgem experiências de rebeldia nos adolescentes que dificultam o relacionamento com os seus pais. Alguns adolescentes vivenciam o diagnóstico como castigo e autojulgamento por condutas pessoais anteriores. As vivências por personalização, isto é, estado em que os adolescentes se assumem como culposos pela doença por efeito de acontecimentos pessoais anteriores negativos. Os sentimentos de tristeza vivenciados pelos adolescentes não foram muito explicitados nos testemunhos, sendo um aspeto a aprofundar em próximas investigações. Não foram registados nos testemunhos manifestações de depressão, mas que se pode justificar por o nosso estudo se reportar a uma fase inicial da experiência de doença. Tomando consciência da doença, os adolescentes discriminam a sua vivência de forma distinta relativamente
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a idades anteriores, referindo que, no seu entender, a aceitação da doença nas suas idades é mais difícil do que quando comparados com as crianças. A este propósito, Barros (2008) afirma que a vivência de doença, desde a interpretação, à atribuição de causalidade e à antecipação das consequências, é limitada pelo nível de desenvolvimento cognitivo, emocional e social do sujeito em causa, em sintonia com os dados enunciados. Segundo Rezende et al. (2011), esse desenvolvimento é apontado como fator explicativo da maior consciência do significado da doença e prognóstico e também dos medos relacionados com a aceitação social e com o decurso da doença e do seu futuro, quando comparado com as crianças. Seattle Children’s Hospital (2014) realça a discriminação patente nestas vivências de adolescente e crianças nas implicações cuidativas distintas que devem ser tidas em conta pelos profissionais, na prestação de cuidados também diferenciados. Integrando a sua condição de doença no quotidiano, os adolescentes constroem uma noção de controlabilidade. Esta experiência de relativização gradual da gravidade da doença encontra paralelismo na vivência de controlo pessoal da doença mutável ao longo do tempo referida por Santos (2013). Percebendo as conotações e as representações sociais associadas ao cancro, os adolescentes experienciam um desconforto antecipatório, associado às ideias de senso comum, que naturalmente comungam, sentindo a negatividade que as pessoas externas associam ao diagnóstico oncológico. Fonseca e Lopes (2012) fundamentam estes dados ao referir que as vivências dos adolescentes se reportam a representações sociais apreendidas a partir dos contextos sociais. Este equacionar de possibilidades acerca do seu percurso pessoal, antecipando tratamentos e efeitos e procurando obter informações sobre a doença, é um aspeto identificado por Santos (2013) como facilitador do restabelecer de uma sensação de controlo da situação de doença, com resultados em termos de saúde para os indivíduos. Ainda segundo o mesmo autor, os adolescentes com patologia oncológica antecipam uma condição aguda e restrita no tempo para a sua doença, como prevalência do otimismo característico deste grupo populacional (Santos, 2013). Antecipando perturbação no desempenho de papéis, os adolescentes temem consequências nas suas vidas, ao nível familiar, social, educativo e desportivo. O inevitável absentismo escolar forçado e o afastamento do grupo de pares surgem como experiências previsíveis de perdas de cariz sociorrelacionais significativas para os adolescentes. Melo et al. (2013), embora descrevam todas estas vivências de antecipação, caracterizam-nas depois como vivências de vulnerabilização afetiva, cognitiva, comportamental e social. De um modo geral, os adolescentes experienciam sentimentos de pertença em relação ao grupo de crianças e adolescentes com cancro e respetivos pais, valorizando o relacionamento estabelecido com estes para a vivência do pós-diagnóstico. A valorização desta pertença a grupos com experiências similares, no intercâmbio de ideias e no estabelecimento de relacionamentos de ajuda entre adolescentes, surge também descrito num estudo fran-
cês com adolescentes com cancro (Corradini, Laurence, Dreno, Picherot, & Marec-Berard, 2011). A valorização de uma atitude pessoal positiva, relativa ao desfecho favorável da doença, foi já anteriormente descrita na investigação de Manix, Feldman, e Mody, citado por Gameiro (2012), quando estes investigadores se referiam ao ajustamento à doença e ao otimismo dos adolescentes, contudo sem aprofundamento. O presente estudo detalha a estrutura vivencial da fase diagnóstico-oncológica dos adolescentes, identificando as fases da mesma e facilitando, por esta via, a prestação dos cuidados de enfermagem. Assim, o/a enfermeiro/a poderá efetuar intervenções diferenciais e dirigidas, consoante cada um dos momentos que o adolescente está a experienciar. Sublinhe-se, ainda, que este estudo identifica, pela primeira vez, para a área assistencial oncológica-pediátrica, a sequência vivencial da doença hemato-oncológica desde o diagnóstico até ao desfecho; nos estudos anteriores, algumas destas vivências já eram descritas, mas nunca foram sequenciadas. É imperioso reconhecer que não existem métodos perfeitos, e o método fenomenológico não é exceção. Assim, as limitações técnicas e metodológicas deste processo de investigação dizem respeito ao facto de: todo o processo parecer estar dependente da subjetividade dos investigadores (não isento de lacunas interpretativas); pouco diversificadas população dada a mesma unidade hospitalar (desconhecendo eventuais divergências com alterações contextuais hospitalares e culturais dos informantes); por limitação temporal, não se fez a validação (confirmação) por apresentação da estrutura essencial aos informantes, inicialmente prevista, o que pode representar uma lacuna relevante do estudo.
Conclusão Face aos resultados conseguidos, o recurso à metodologia de investigação do tipo qualitativo, de cariz fenomenológico interpretativo (assumindo um procedimento analítico indutivo, seguindo o método processual de Giorgi), revelou-se adequada para o desenvolvimento e concretização do objetivo inicialmente delineado. Assim, a metodologia possibilitou o descobrimento das vivências, através dos testemunhos dos adolescentes entrevistados para o efeito, e a explicitação dessas vivências que tendem a ficar encobertas na descrição natural das pessoas que experienciam o fenómeno. Concretizado o objetivo inicial de conhecer e compreender as vivências da doença hemato-oncológica dos adolescentes, na fase diagnóstica, após a síntese compreensiva e discussão dos dados, foi possível elaborar, de forma sistematizada, um conjunto de conclusões reflexivas que emergem do fenómeno estudado (com base nas três dimensões essenciais emergentes: antecipando uma doença grave; confrontando-se com a notícia do diagnóstico e entrando na doença como contingência existencial) que apresentamos de seguida, resumidamente. Conhecer as essências, relativas ao fenómeno, permite aos enfermeiros deter antecipadamente bases para identificar e influenciar positivamente as vivências dos adolescentes.
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Figueira, S. M. M., & Gameiro, M. G. H.
Ao serem confrontados com a notícia do diagnóstico, os adolescentes têm a perceção de que são acometidos por algo estranho e temido. Essa experiência de crise por parte dos adolescentes deve despertar nos profissionais de saúde uma particular atenção, ao nível da promoção e encorajamento para a expressão das emoções e sentimentos negativos vivenciados e na identificação de eventuais experiências de stresse, ansiedade e depressão. Contribuição de autores Conceptualização: Figueira, S. M. M. Tratamento de Dados: Figueira, S. M. M., Gameiro, M. G. H. Supervisão: Gameiro, M. G. H. Referências bibliográficas Azevedo, A. (2010). Processo de transição do adolescente hospitalizado numa unidade de adolescentes (Dissertação de mestrado). Universidade do Porto, Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, Portugal. Recuperado de https://repositorio-aberto.up.pt/ bitstream/10216/26622/2/Processo%20de%20transio%20do%20 adolescente%20hospitalizado%20numa%20Unidade%20de%20 Adolescentes.pdf Barros, S. (2008). O contributo do enfermeiro no processo adaptativo do adolescente e a uma doença oncológica (Dissertação de mestrado). Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Porto, Portugal. Recuperado de https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/7184/2/trabalho20finalSC3B3nia20C.pdf Cardoso, C., Feres-Carneiro, T., & Giovanetti, J. (2009). Um estudo fenomenológico sobre a vivência de família em uma comunidade popular. Psicologia: Ciência e Profissão, 29(4),780-795. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/pcp/v29n4/v29n4a10.pdf Carvalho, J., Sá, A., Preto, C., Ferreira, N., & Gaspar. E. (2013) Os Adolescentes na Consulta e no Internamento. In Secção de Medicina do Adolescente (Org). Boletim Adolescentes e Adolescência. (pp. 4-10). Lisboa: Sociedade Portuguesa de Pediatria. Recuperado de https://www.spp.pt/UserFiles/file/Seccao_Medicina_Adolescente/ Boletim_SPMA_Dez_2013.pdf Chien, C.-H., Chang, Y.-Y., & Huang, X.-Y. (2018). The Lived Experiences of Adolescents With Cancer: A Phenomenological Study. Clinical Nursing Research, 29(4), 217–225. Doi: 10.1177/1054773818799226 Corradini, N., Laurence, V., Dreno, L., Picherot, G., & Marec-Berard P. (2011). Adolescents et cancer: Une prise en charge spécifique pour ne plus être lost in transition. Oncologie, 13(4), 157-164. doi:10.1007/s10269-011-2003-2 Direção-Geral da Saúde. (2015). Portugal: Doenças oncológicas em números. Recuperado de https://www.dgs.pt/estatisticas-de-saude/ estatisticas-de-saude/publicacoes/portugal-doencas-oncologicas-em-numeros-2015-pdf.aspx
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Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20058 DOI: 10.12707/RV20058
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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA (ORIGINAL)
Enfermeiros e escolas de enfermagem nos anuários da Universidade de Coimbra, de 1866 a 1956
Nurses and nursing schools in the yearbooks of the University of Coimbra, from 1866 to 1956 Enfermeros y escuelas de enfermería en los anuarios de la Universidad de Coímbra, de 1866 a 1956 Paulo Joaquim Pina Queirós1 https://orcid.org/0000-0003-1817-612X Antonio José de Almeida Filho2 https://orcid.org/0000-0002-2547-9906 Sagrario Gómez-Cantarino3 https://orcid.org/0000-0002-9640-0409 Tânia Cristina Franco Santos2 https://orcid.org/0000-0003-2325-4532 Maria Angélica de Almeida Peres2 https://orcid.org/0000-0002-6430-3540 Manuel Carlos Rodrigues Fernandes Chaves1 https://orcid.org/0000-0002-8018-9581 Blanca Espina-Jerez3 https://orcid.org/0000-0001-9961-072X
1 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Coimbra, Portugal
2 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem. Universidade de Castilla-La Mancha, Ciudad Real, Espanha 3
Autor de correspondência Paulo Joaquim Pina Queirós E-mail: pauloqueiros@esenfc.pt
Recebido: 06.05.20 Aceite: 07.07.20
Resumo Contexto: O final do século XIX e o início do século XX é um período de profundas transformações nas instituições de assistência e nos seus profissionais. Objetivo: Conhecer este período da história da enfermagem em Portugal. Analisar os anuários da Universidade de Coimbra, considerando-os como fonte primária. Metodologia: Análise descritiva histórica de 73 anuários, com levantamento de fontes e construção de síntese descritiva e interpretativa. Resultados: Verificámos a concentração de material nos anos 1896 a 1927. A análise, sintetizou 4 tópicos: 1) nomes e funções dos enfermeiros; 2) os enfermeiros, no decreto de reforma dos Hospitais da Universidade de Coimbra, em 1911, o quadro e os vencimentos em 1915-16; 3) enfermeiros hípicos e militares em 1915-16 e 1917-18; 4) a escola de enfermagem de 1919-20 a 1926-27 e os professores universitários. Conclusão: Encontrámos 104 nomes de enfermeiros, com funções definidas, considerados pessoal auxiliar e não pessoal clínico. O enfermeiro chefe surge com destaque. Aparece a escola de enfermagem dos hospitais da universidade, com a identificação dos professores universitários regentes. Palavras chave: história da enfermagem; escolas de enfermagem; enfermeiros; enfermagem Abstract Background: The end of the 19th century and the beginning of the 20th century combine a period of profound transformations in care institutions and their professionals. Objective: To know this period of nursing history in Portugal, analyze the yearbooks of the University of Coimbra, considering them as the primary source. Methodology: Descriptive historical analysis of 73 yearbooks, with a survey of sources and construction of descriptive and interpretative synthesis. Results: The available material was centered on the years 1896 to 1927. The analysis synthesized 4 topics: 1) names and functions of nurses; 2) nurses, in the decree of the reform of the Hospitals of the University of Coimbra, in 1911, the staff and salaries in 1915-16; 3) equine veterinary nurses and military nurses in 1915-16 and 1917-18; 4) the nursing school from 1919-20 to 1926-27 and university professors. Conclusion: We found 104 names with defined functions, considered as auxiliary staff and non-clinical personnel. The head nurse comes out prominently. The nursing school of the university hospitals appears, with the identification of the university head teachers. Keywords: history of nursing; nursing schools; nurses; nursing Resumen Contexto: El final del siglo XIX y el comienzo del siglo XX es un período de profundas transformaciones en las instituciones de asistencia y en sus profesionales. Objetivo: Conocer este período de la historia de la enfermería en Portugal. Analizar los anuarios de la Universidad de Coímbra, considerándolos como una fuente primaria. Metodología: Análisis descriptivo histórico de 73 anuarios, con estudio de las fuentes y construcción de síntesis descriptivas e interpretativas. Resultados: Comprobamos la concentración de material de los años comprendidos entre 1896 y 1927. El análisis resumió 4 temas: 1) nombres y funciones de los enfermeros; 2) los enfermeros en el decreto de reforma de los Hospitales Universitarios de Coímbra en 1911, el equipo y los sueldos en 1915-16; 3) los enfermeros ecuestres y militares en 1915-16 y 1917-18; 4) la escuela de enfermería de 1919-20 a 1926-27 y los profesores universitarios. Conclusión: Encontramos 104 nombres de enfermeros, con funciones definidas, considerados personal auxiliar y no personal clínico. El enfermero jefe aparece destacado. Aparece la escuela de enfermería de los hospitales universitarios, con la identificación de los profesores universitarios a cargo. Palavras clave: historia de la enfermería; faculdades de enfermería; enfermeros; enfermería Como citar este artigo: Queirós, P. J., Filho, A. J., Gómez-Cantarino, S., Santos, T. C., Peres, M. A., Chaves, M. C., & Espina-Jerez, B. (2020). Enfermeiros e escolas de enfermagem nos anuários da Universidade de Coimbra, de 1866 a 1956. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20061. doi:10.12707/RV20061
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Queirós, P. J. et al.
Introdução Na enfermagem europeia, o fim do século XIX e o início do século XX, corresponde a um período de forte estruturação como profissão. Em Portugal, dão-se os primeiros passos para um ensino organizado, abrem-se várias escolas de enfermagem. O percurso da enfermagem é feito de forma não homogénea, antes por caminhos diversos, “a evolução em Lisboa, Porto e Coimbra e a evolução no restante país. Nestes dois caminhos a dinâmica organizacional e as funções dos enfermeiros eram bastantes diferentes” (Santos, 2012, p. 3). Nos hospitais centrais de Lisboa, Porto e Coimbra, sente-se a presença de enfermeiros e enfermeiras em percursos profissionais estruturados com categorias bem definidas, com a realização da formação nos hospitais, bem documentada pela presença de praticantes (estudantes de enfermagem). Por esta ocasião, as primeiras escolas deixam, significativamente, de ser designadas de enfermeiros para serem designadas de enfermagem. O vocábulo enfermagem expande-se e é cada vez mais utilizado para designar o coletivo de enfermeiros/as, que através da sua formação, tentam responder à crescente complexidade de cuidados às pessoas que recorrem aos hospitais, como resultado da institucionalização dos tratamentos médicos (Chaves, 2017; Nunes, 2003). O controlo médico e das faculdades de medicina está presente sobre esta profissão e sobre o seu ensino. A atividade de enfermeiros e enfermeiras, ainda se mantem fortemente laica. Pires, afirma que: “Nos principais hospitais do país os cuidados eram prestados por enfermeiros e enfermeiras laicas.” (Pires, 2012, p. 59). E ainda, sem a presença da enfermagem religiosa, que é sobretudo mais tardia, com o Estado-Novo, e mesmo assim, com forte resistência e fraca presença, ou nenhuma, até aos dias de hoje, nos hospitais centrais. Lopes, argumenta que: “quando no último quartel do século XIX muitos médicos se opuseram à enfermagem hospitalar religiosa, não se batiam contra a sua reintrodução, mas contra a sua entrada, a qual configurava uma novidade absoluta no nosso país” (Lopes, 2019, p. 155). Para Silva, “a enfermagem religiosa voltaria a ser um tema de discussão em Portugal nos anos 1920-30, em parte devido à situação política do país que permitiria o regresso de várias ordens religiosas aos pequenos hospitais”, (Silva, 2014, p. 73). Analisando sem preconceitos e objetividade, a enfermagem é uma atividade equilibrada, entre ambos os sexos, e a feminização é também um fenómeno mais tardio, acentuado após os anos 30 do século XX. Uma enfermagem civil, a par de uma enfermagem militar, com desenvolvimento próprio e naturalmente pontos comuns. Ferreira, lembra-nos que já “em 1642 D. João IV . . . manda que haja um hospital portátil nos acampamentos dos exércitos quando este andava em campanha bem como enfermeiros para os doentes e feridos” (Ferreira, 2012, p. 7). Pretende-se desenvolver um trabalho de pesquisa histórica, com vista ao enriquecimento do conhecimento, que a historiografia da enfermagem em Portugal tem sintetizado, para um período que necessita de forte aprofundamento e que pode ser caracterizado como decisivo na estruturação profissional, da antiga atividade de enfermeiros e
enfermeiras. A pesquisa, através da análise dos anuários da Universidade de Coimbra, assenta no desocultar de fontes. Identificados os anuários, verificar-se-á o que consta, sobre enfermeiros e enfermeiras, escolas de enfermagem e materiais com eles relacionados. Esta pesquisa, abrange um horizonte temporal entre 1866/67 e 1955/56, aproximadamente 90 anos. O período estreita-se para os anos 1896 a 1927, após a utilização de descritores, como explicaremos na metodologia. Basicamente abrange o fim da monarquia, instauração da república, primeira república, revolução de 1926, e início da ditadura militar a que se sucede em 1933 com o Estado-Novo. Um período também de afirmação do positivismo, do desenvolvimento das ciências, de revoluções, de crises económicas, do retomar da questão religiosa, da 1ª grande-guerra e do surto pandémico de 1918-19 (gripe pneumónica). Ao longo do século XIX, modificam-se e transformam-se os hospitais, os utentes e as pessoas que neles trabalham. Partimos do início do século XIX, em que: Os hospitais eram instituições de caridade, pois só os pobres pediam o internamento. Isto é, aqueles que não tinham meios para pagar a visita médica domiciliária, para comprar medicamentos e as imprescindíveis galinhas. Aliás, nos inícios do século XIX era vulgar pensar-se que, com os progressos da civilização, os hospitais desapareceriam à medida que a miséria das populações se atenuasse: Ninguém, previa, naturalmente, a revolução médico-científica que se avizinhava. (Lopes, 2010, p. 73-74) Esta pesquisa tem como objetivo geral: conhecer melhor, o período da história da enfermagem em Portugal dos finais do século XIX e início do século XX. Como objetivo específico, dentro do propósito geral, analisar os anuários da Universidade de Coimbra, considerando-os como fonte primária. Respondendo à interrogação: em que medida os anuários da Universidade de Coimbra, dão dados, para a História da Enfermagem em Portugal e em Coimbra.
Metodologia Nesta pesquisa, utilizou-se a metodologia histórica. Foi norteada pelo exame do passado através das suas marcas, a representação mental que resulta desse exame, e por fim a produção de texto escrito que permita a comunicação (Mattoso, 1997). Numa perspetiva em que a produção historiográfica, não é uma simples narrativa, mas uma descrição, análise e explicação (Rüsen, 2001). Procurou-se o acesso a fontes primárias, materializada na exploração dos anuários da Universidade de Coimbra. Com o objetivo de verificação e de publicação do material, que nesta série de anuários seja de interesse para a História da Enfermagem. Os Anuários da Universidade de Coimbra estão disponíveis em Universidade de Coimbra: Anuários da Universidade de Coimbra de 1866 a 1956. Recuperado de http://bdigital.sib.uc.pt/ republica/UCBG-8-118-1-3/ rosto.html. Neste endereço encontrámos cópias digitais de 73 anuários, entre 1866/67 e 1955/56. Série com algumas inter-
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rupções, em alguns anos letivos. Utilizou-se, para localizar o material de interesse para este estudo, em todos os números da série, os descritores de pesquisa: Bissaia Barreto; Ângelo da Fonseca; Costa Simões; enfermagem; escola de enfermagem; serviços de enfermagem; enfermeiro(s); enfermeira(s); parteira. Verificou-se a existência de material concentrado entre os anos 1896 e 1927. Extraída a informação, procedeu-se à sua análise e síntese, reuniu-se o encontrado em quatro tópicos descritivo-analíticos: 1) nomes e funções dos enfermeiros; 2) os enfermeiros no decreto de reforma dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) em 1911, o quadro e os vencimentos em 1915-16; 3) enfermeiros hípicos e militares em 1915-16 e 1917-18; 4) a escola de enfermagem de 1919-20 a 192627 e os professores universitários. Por fim produzimos uma síntese com a visão de conjunto.
Resultados e discussão Da pesquisa efetuada, nas fontes descritas, foi possível identificar um número considerável de enfermeiros e enfermeiras. Os seus nomes constam por anos letivos ao longo dos anuários, com a indicação da sua situação, função, categoria laboral. Da totalidade da série de anuários analisados, de 1866 a 1956, a presença de nomes de enfermeiros restringe-se ao período de 1896 a 1927. E ainda assim, com alguma descontinuidade, como seja: na distribuição feminina um primeiro grupo de 1896-97 a 1900-01 e um segundo de 1919-20 a 1926-27; no caso masculino a série de nomes inicia-se em 1911-12 e segue um contínuo até 1926-27. Analisando os dados femininos, temos na primeira concentração, referência à senhora Maria do Carmo Teixeira Marques que frequenta a 10ª cadeira do curso de parteira (1896-97), e outras duas senhoras: Maria Florinda da Costa, que no ano letivo 1899-90 é aluna do 1º no do curso de parteira, passando no ano seguinte para o 2º ano; e Maria Assumpção Macedo, que em 1900-01 é aluna do 1º curso. Se na primeira referência Maria do Carmo frequenta uma cadeira do curso universitário, nos dois anos seguintes, para a Maria Florinda e Maria de Assumpção, há já a identificação de um curso, específico, com 1º e 2º ano. Esta área de atividade, obstetrícia, está ainda presente, com a identificação da enfermeira contratada, Maria das Neves Rangel Perdigão, entre 1921-22 e 1924-25, para a Clínica Dr. Daniel de Matos.
Neste segundo período, de 1919-20 a 1926-27, encontraram-se as seguintes categorias: enfermeira-chefe; enfermeira-chefe interina; enfermeira subchefe; Enfermeira de 1º classe; enfermeira de 2º classe. A que se segue a identificação de praticantes do período pós-escolar; praticantes do período escolar. Refira-se que foi possível identificar quatro enfermeiras-chefes: Cristina Augusta Júlio; Olinda Augusta Júlio; Ermelinda de Matos e Maria do Carmo Duarte. A enfermeira-chefe interina Emília Simões, surge também como subchefe, a que se juntam outras quatro enfermeiras subchefe com o nome: Maria Pilar; Ernestina Conceição Sousa; Teresa da Conceição Silva; Augusta do Nascimento. Conforme se pode verificar da análise da Tabela 1, os HUC, pelo menos nas enfermarias adstritas à Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra nos anos 1924-25 a 1926-27, contariam com oito enfermeiras de 1ª classe e seis enfermeiras de 2ª classe. Verifica-se ainda a presença de nove praticantes do período pós-escolar, duas que transitam do período escolar para o pós-escolar, e nove praticantes do período escolar. Deduz-se, pela observação dos quadros e pela permanência das enfermeiras praticantes, pelo menos, que o período escolar contaria com 2 anos e, o período pós-escolar, podia reter estas aspirantes a enfermeiras por 3 anos. Ainda no setor feminino, surge, nos anos 1922-23 a 1924-25, Delfina Dias, como enfermeira contratada no Laboratório de Radiologia e Eletrologia. E como enfermeiras do Instituto de Medicina Legal, Mariana Dias, de 1919-20 a 1921-22, e Maria José Marques de Almeida Pessanha de 1924-25 a 1926-27. Palmira de Jesus é a enfermeira massagista com registo nos anos 1924-25 a 1926-27. No total, identificaram-se 51 nomes femininos de enfermeiras, parteiras, alunas do curso de partos e praticantes. O que compara, de forma equilibrada, com 53 nomes de enfermeiros e praticantes de enfermagem. No conjunto 104 nomes concretos. Um ligeiro aumento para o sexo masculino, em linha com o que os estudos da história de enfermagem em Portugal vêm acentuando: o facto de pelo menos nos hospitais centrais, como é o caso dos HUC, a existência de uma enfermagem masculina forte, senão mesmo preponderante até ao início do século XX. A feminização da enfermagem acentua-se, como em outras profissões, sobretudo após 1926 com a ditadura militar e 1933 com o Estado-Novo, mesmo no limite do recorte desta série.
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Queirós, P. J. et al.
Tabela 1 Mulheres enfermeiras, parteiras, alunas e praticantes nos HUC de 1896 a 1927 Nome
Anos e categorias
Maria do Carmo Teixeira Marques Maria Florinda da Costa Maria de Assumpção Macedo Mariana Dias Cristina Augusta Júlia (Júlio) Olinda Augusta Júlia (Júlio) (Maria) Emília Simões Maria das Neves Rangel Perdigão Delfina Dias Mª José Marques de Almeida Pessanha Ermelinda de Matos Maria do Carmo Duarte Maria Pilar Ernestina da Conceição Sousa Teresa da Conceição Silva Augusta do Nascimento Palmira de Jesus Júlia da Conceição Maria do Carmo e Sousa Maria da Luz Ermelinda da Conceição Celeste da Conceição Ana de Moura Hall Amélia Duarte Ferreira Teresa de Jesus Pereira Marcelino Otília Martins Velindro Rita Augusta Júlio Otília Ribeiro Ana Pereira de Figueiredo Júlia da Conceição. Elvira Rosa Mesquita Maria José Marques de Oliveira Maria da Anunciação Madeira Maria Emília Soares Dias Maria Glória Narciso Laura Mesquita da Cruz Maria Aurélia Mesquita Maria Glória dos Santos Celeste dos Santos Maria José Duarte Ferreira Júlia da Conceição Quaresma Felicidade Joaquina Paulos Diolinda Duarte Rafael Aurora da Silva Borges Maria Augusta de Sousa Esmeralda da Silva Temudo Maria da Natividade Maria José Palmira Augusta Mendes Raquel Mendes Campante
1896-97 1899-00 1900-01 1919-20 1919-20 1919-20 1920-21 1921-22 1922-23 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1924-25 1925-26 1925-26 1925-26 1925-26 1925-26 1925-26 1926-27 1926-27 1926-27 1926-27
frequenta 10ª cadeira do curso de Parteira aluna 1º ano curso de parteiras 1900-01 aluna 2º ano curso de parteiras aluna 1º ano curso de parteiras 1920-21 1921-22 Enfermeira no Instituto de Medicina Legal 1920-21 1921-22 1924-25 1925-26 1926-27 1920-21 1921-22 1924-25 1925-26 1926-27 1921-22 Enfermeira-chefe (interina) 1924-25 1925-26 1926-27 Enfer.-subchefe 1922-23 1923-24 1924-25 Enferª contratada Clínica Dr Daniel de Matos 1923-24 1924-25 Enfermeira cont., Lab. de Radiologia e Electrologia 1925-26 1926-27 Enfermeira no Instituto de Medicina Legal 1925-26 1926-27 Enfermeira-chefe 1925-26 1926-27 Enfermeira-chefe 1925-26 1926-27 Enfermeira-subchefe 1925-26 1926-27 Enfermeira-subchefe 1925-26 1926-27 Enfermeira-subchefe 1925-26 1926-27 Enfermeira-subchefe 1925-26 1926-27 Enfermeira-massagista 1925-26 1926-27 Enfermeira de 1º classe 1925-26 1926-27 Enfermeira de 1º classe 1925-26 1926-27 Enfermeira de 1º classe 1925-26 1926-27 Enfermeira de 1º classe 1925-26 1926-27 Enfermeira de 1º classe 1925-26 1926-27 Enfermeira de 1º classe 1925-26 1926-27 Enfermeira de 1º classe 1925-26 1926-27 Enfermeira de 1º classe 1925-26 1926-27 Enfermeira de 2ª classe 1925-26 1926-27 Enfermeira de 2ª classe 1925-26 1926-27 Enfermeira de 2ª classe 1925-26 1926-27 Enfermeira de 2ª classe 1925-26 1926-27 Enfermeira de 2ª classe 1925-26 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1925-26 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1925-26 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1925-26 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1925-26 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1925-26 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1925-26 1926-27 Praticantes do período pot-escolar Praticantes do período escolar 1925-26 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1925-26 Praticantes do período pos-escolar (?) 1926-27 Prat. do período escolar 1925-26 Enfermeira de 2ª classe 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1926-27 Praticantes do período escolar 1926-27 Praticantes do período escolar 1926-27 Praticantes do período escolar 1926-27 Praticantes do período escolar Praticantes do período escolar Praticantes do período escolar Praticantes do período escolar Praticantes do período escolar
Da observação pormenorizada da lista masculina de nomes de enfermeiros, Tabela 2, consta-se a mesma distribuição por categorias e funções, tal como nas atividades femininas, como
sejam: chefe de enfermeiro; enfermeiro-chefe; enfermeiro de 1ª classe, enfermeiro de 2ª classe, praticantes do período pós-escolar e praticantes do período escolar. Ainda temos
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também na versão masculina, um enfermeiro massagista, Luiz Lopes Rodrigues, presente nos anuários de 1924-25, 1925-26 e 1926-27. Diversa é a presença de praticantes contratados no ano 1924-25. José Ferreira dos Santos abre a lista em 1911-12 e é identificado como chefe de enfermeiros até 1917-18. Seguem-se cronologicamente, para os anos até 1926-27 dois enfermeiros-chefes, Manuel Duarte e António Santos Apóstolo. Nos anos 1924-25 a 1926-27, identificaram-se como subchefes os enfermeiros Joaquim Carvalho, José António Agostinho, Aires Gonçalves Barata, Francisco dos Santos Apóstolo, António Fernandes Ferraz e José Pinto Teles (figura de destaque em anos posteriores). A lista apresenta sete enfermeiros de 1ª classe, e sete enfermeiros de 2ª classe a que acresce, no biénio 1915-26 e 1926-27, outros dois de 2ª classe, que anteriormente eram praticantes do período pós-escolar. Como praticantes do período pós-escolar somamos mais 10 nomes, e 17 como praticantes do período escolar. Destes últimos, seis anteriormente surgiam como praticantes contratados. Uma nota resultante da análise destes dados, é que a estrutura mais central de funções: enfermeiro-chefe, enfermeiro subchefe, enfermeiro de 1ª classe e de 2ª classe, permanece nos HUC, e na enfermagem portuguesa até 1983, altura em que é publicada uma nova carreira de enfermagem. Outra constatação relevante é a presença de um e uma enfermeira massagista, num período bem longe daquilo que viria a ser a enfermagem de reabilitação dos finais da década de 60. Por outro lado, a presença, e na série dos dois sexos, de praticantes escolares e pós-escolares deixa antever a existência
de formação escolarizada e de forte componente prática em contexto hospitalar (praticantes). Outro aspeto, sugerido pela simples análise dos nomes, relaciona-se com os hipotéticos laços familiares entre os diversos enfermeiros. Seria muito interessante, realizar um estudo biográfico, no âmbito de uma investigação complementar. Repare-se, a título de exemplo, na listagem masculina, com o apelido Santos Apóstolo, temos um António, um Francisco e um Júlio. Na listagem feminina, com o apelido Augusta Júlia, temos uma Rita, uma Cristina e uma Olinda, mas também com o apelido Duarte Ferreira, uma Amélia e uma Maria José, e também uma Delfina Dias e Mariana Dias. Ainda, um José Paulos e uma Felicidade Joaquina Paulos. E ainda possíveis ligações, dos que tem apelido: da Conceição; e dos Santos. Olhando para o conjunto de nomes, encontramos personalidades que sabemos terem-se constituído como marcantes no desenvolvimento da enfermagem, tais como José Pinto Teles, que surge aqui como enfermeiro subchefe. Não cabendo neste estudo a análise de pormenor do percurso de cada um/uma, referimos, no entanto, alguns desenvolvimentos. Por exemplo, o então enfermeiro subchefe, nos anos 1924 a 27, Aires Barata, é em 1929, o delegado em Coimbra do Grémio dos Enfermeiros de Terra e Mar do Norte de Portugal. Na lista dos enfermeiros de Coimbra que primeiro se inscreveram nesse Grémio, seguindo a informação de Silva (2008), dos que constam na Tabela 2, temos: José António Agostinho, José Pinto Teles, Francisco dos Santos Apóstolo, Manuel Dias de Santo António, João Ferreira da Costa, António Fernandes Ferraz, Eduardo Carvalho e Armando Costa.
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Tabela 2 Homens enfermeiros e praticantes nos HUC de 1911 a 1927 nome José Ferreira dos Santos Manuel Duarte António dos Santos Apóstolo Joaquim Carvalho José António Agostinho Aires Gonçalves Barata Francisco dos Santos Apóstolo António Fernandes Ferraz José Pinto Teles Luiz lopes Rodrigues José Carvalho António Carlos António Pimenta dos Reis Júlio dos Santos Apóstolo António Alves Eduardo Silva Francisco de Matos António Marques António Paulos António Augusto Cardoso José Rodrigues Castela Adolfo Costa José Silvério Pita Carlos Augusto Larcher José Duarte Álvaro Lopes Gumersindo Lourenço Paixão Eduardo Carvalho Francisco Alves José Domingues José Paulos (Paulo) Manuel António Pereira António Esteves Môcho Elísio Gonçalves do Carmo José Braz Adriano dos Santos João Ferreira da Costa Arnaldo Alves dos Santos Álvaro Rodrigues da Paz Armando da Costa Antonio Botinas Manuel Ferraz de Carvalho José dos Santos Gil Augusto Correia Abel de Matos Aníbal Rodrigues José da Costa Pereira Júnior José Roque dos Reis Manuel Marta Joaquim Correia de Frias Fernando Augusto Diniz Carvalho Joaquim Rib.Soares Pereira de Menezes Manuel Dias de Santo António
Anos e categoria 1911-12 1912-13 1913-14 1914-15 1915-16 1916-17 1917-18 1918-19 Chefe de enferºs 1919-20 1920-21 1921-22 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiro-chefe 1919-20 1920-21 1921-22 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiro-chefe 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiros sub-chefes 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiros sub-chefes 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiros sub-chefes 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiros sub-chefes 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiros sub-chefes 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiros sub-chefes 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiro massagista 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiro de 1º classe 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiro de 1º classe 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiro de 1º classe 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiro de 1º classe 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiro de 1º classe 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiro de 1º classe 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiro de 1º classe 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiro de 2º classe 1924-25 1925-26 Enfermeiro de 2º classe 1924-25 1925-26 Enfermeiro de 2º classe 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiro de 2º classe 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiro de 2º classe 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiro de 2º classe 1924-25 1925-26 1926-27 Enfermeiro de 2º classe 1924-25 Praticantes do período pos-escolar 1925-26 1926-27 Enfermeiro de 2º classe 1924-25 1925-26 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1924-25 1925-26 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1924-25 1925-26 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1924-25 1925-26 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1924-25 1925-26 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1924-25 1925-26 Praticantes do período pos-escolar 1924-25 Praticantes do período pos-escolar 1925-26 1926-27 Enfermeiro de 2º classe 1924-25 Praticantes do período pos-escolar 1924-25 1925-26 Praticantes do período escolar 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1924-25 Praticantes do período escolar 1925-26 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1924-25 Praticantes do período escolar 1925-26 1926-27 Praticantes do período pos-escolar 1924-25 1925-26 1926-27 Praticantes do período escolar 1924-25 1925-26 Praticantes do período escolar 1924-25 1925-26 Praticantes do período escolar 1924-25 1926-27 Praticantes do período escolar 1924-25 Praticantes contratados 1925-26 Praticantes do período escolar 1924-25 Praticantes contratados 1925-26 1926-27 Praticantes do período escolar 1924-25 Praticantes contratados 1925-26 1926-27 Praticantes do período escolar 1924-25 Praticantes contratados 1925-26 1926-27 Praticantes do período escolar 1924-25 Praticantes contratados 1925-26 1926-27 Praticantes do período escolar 1924-25 Praticantes contratados 1925-26 1926-27 Praticantes do período escolar 1925-26 1926-27 Praticantes do período escolar 1925-26 1926-27 Praticantes do período escolar 1925-26 1926-27 Praticantes do período escolar 1925-26 1926-27 Praticantes do período escolar 1926-27 Praticantes do período escolar 1926-27 Praticantes do período escolar 1926-27 Praticantes do período escolar
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O anuário de 1910-11 fornece para análise o Decreto, com força de lei de 27 de abril de 1911 (Universidade de Coimbra, 2010), relativo à Reforma dos Hospitais da Universidade, publicado no Diário do Governo, nº 100, de 1 de maio de 1911. Releva em termos de enfermagem, o expresso no artigo 6º que estipula caber ao administrador apresentar ao conselho fiscal as propostas de nomeação do pessoal de enfermagem, e no artigo 7º a pertença ao conselho fiscal julgar as propostas de nomeação. O artigo 10º estabelece que o pessoal hospitalar se divide em clínico e auxiliar. No artigo 11º diz-se que o pessoal clínico compreende: os professores das cadeiras de clínica, os
primeiros assistentes, os segundos assistentes e alunos de medicina em tirocínio prático complementar. No artigo 12º identifica-se o pessoal auxiliar: de enfermagem - chefe de enfermeiros, enfermeiros, ajudantes e praticantes; de farmácia - chefe, ajudante e praticantes; de secretaria - chefe, oficial e amanuenses; guarda e serviços subalternos - chefe da rouparia, chefe da despensa, porteiros e criados. O artigo 26º estabelece o vencimento do chefe de enfermeiros, no mesmo grupo com o administrador, os clínicos, os chefes de farmácia e secretaria, o tesoureiro, os chefes da despensa e da lavandaria, os restantes terão os vencimentos definidos no orçamento anual (Tabela 3).
Tabela 3 Vencimentos anuais do pessoal dos HUC estabelecidos no decreto de 27 de abril 1911 (Universidade de Coimbra, 2010) Função
Vencimento
Administrador, com residência facultativa nos hospitais
300$000
Professores das clínicas
300$000
Primeiros assistentes
600$000
Segundos assistentes
300$000
Chefe de farmácia, com residência nos hospitais
350$000
Chefe da secretaria
420$000
Tesoureiro
200$000
Chefe de enfermeiros
300$000
Chefe de despensa
250$000
Chefe da rouparia e lavandaria
250$000
No anuário de 1915-16, é apresentado o quadro do pessoal identificado como auxiliar dos HUC, e referidos também os seus vencimentos. Na página 23, surge uma primeira secção com o pessoal de enfermagem, dividido pelo sexo masculino e feminino, e na página 24 a secção VI com referência ao estabelecimento hidroterápico. Identificaram-se as seguintes categorias profissionais: Chefe de enfermeiro, enfermeiro massagista (aqui só masculino), enfermeiros e enfermeiras, ajudantes de enfermaria, praticantes e criados (de ambos os sexos), e no estabelecimento hidroterápico enfermeiro e enfermeira duchista. Os vencimentos decrescem pela ordem apresentada no parágrafo anterior, no topo o enfermeiro-chefe e o enfermeiro massagista, com mais ou
menos, respetivamente 90 centavos e 98 centavos diários, mas a vencer ao ano 300 escudos, e na base os criados com 28 centavos e criadas com 22 centavos diários. Nota-se a posição remuneratória de prestígio do enfermeiro massagista, perto, eventualmente superior ou igual à do enfermeiro-chefe, mas vencendo ao dia. Silva, 2008, realça também a posição de prestígio dos enfermeiros massagistas e duchista: “a julgar pelo vencimento, que no caso do enfermeiro era igual ao do enfermeiro chefe” (p. 119). Substancial diferença entre o grupo masculino e feminino, por exemplo as enfermeiras ganha diariamente menos 12 centavos que os seus colegas homens e menos 2 centavos, que os ajudantes de enfermaria (Tabela 4).
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Tabela 4 Anuário de 1915-16, quadro do pessoal auxiliar dos HUC e seus vencimentos. (Universidade de Coimbra, 2010) Página 23 I — Pessoal de enfermagem Sexo masculino 1 Chefe de enfermeiro, 300$ anuais. [+ ou -$90 diários] 6 Enfermeiros, a $60 diários. 1 Enfermeiro-massagista, a $98 diários. 6 Ajudantes de enfermaria, a $48 diários. 7 Praticantes, a §40 diários. 12 Criados, a $28 diários. Sexo feminino 6 Enfermeiras, a $46 diários. 6 Ajudantes, a $38 diários. (24) 7 Praticantes, a $34 diários. 2 Criadas, a §22 diários. Página 24 VI — Estabelecimento hidroterápieo 1 Porteiro, a $38 diários 1 Bilheteiro, a $50 diários. 1 Enfermeiro duchista (vai descrito no pessoal das enfermarias). 1 Enfermeira duchista, a $46 diários. 1 Criado, a $28 diários. 2 Criadas, a $22 diário.
O anuário de 1915-16 refere a existência de enfermeiros hípicos no âmbito do Decreto nº 2:384 de 12 de maio de 1916 (Universidade de Coimbra, 2010), regulando sobre a situação de alunos da Faculdade de Medicina e de Medicina Veterinária. Os alunos entre 20 e os 30 anos, são obrigados a apresentarem-se, no prazo de 5 dias, após o termino do período de exames, nas companhias de saúde ou no hospital veterinário militar. Os alunos do 4º e 3º ano, serão promovidos a aspirantes a oficiais médicos ou veterinários, e os alunos do 2º e 1º anos frequentarão nas companhias de saúde ou nos hospitais militares uma escola de sargentos enfermeiros ou um curso de enfermeiros hípicos. Neste período de incorporação militar, em palco da 1º guerra mundial 1914-18, e não menos importante do início da pneumónica, temos como relevante, a referência a uma escola de sargentos enfermeiros e, no âmbito veterinário, de enfermeiros hípicos. Também o anuário de 1916-17, apresenta o Decreto nº 2:620 de 13 de setembro de 1916 (Universidade de Coimbra, 2010), onde refere que aqueles alunos de medicina e veterinária, que não tiverem as habilitações exigidas para o posto de aspirantes a oficial, frequentarão um curso prático de enfermeiros ou de enfermeiros hípicos. O anuário de 1917-18, publica a Lei nº 778 de 21 de agosto de 1917 (Universidade de Coimbra, 2010). Nesta lei, estabelece-se que são transferidos para as companhias de saúde e promovidos a primeiros sargentos enfermeiros, os militares que estiverem cursando as cadeiras correspondentes aos quatro primeiros anos do antigo curso da Faculdade de Medicina e Escolas Cirúrgicas de Lisboa e Porto; e a segundos sargentos enfermeiros, os militares que tiverem o segundo grau
da escola de enfermeiros, ou as cadeiras correspondentes aos dois primeiros anos do antigo curso da Faculdade de Medicina e Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto, ou ainda, a profissão de enfermeiro em um dos hospitais de Lisboa, Porto ou Coimbra, devidamente comprovada. Na Lei nº 779 de 22 de agosto, também publicada no anuário de 1917-18 (Universidade de Coimbra, 2010), estabelece-se que: para a promoção a primeiro sargento enfermeiro cadete é necessário estar habilitado com exames de anatomia, histologia e fisiologia de alguma das Faculdades de Medicina; para a promoção a segundo sargento enfermeiro cadete, é necessário ter o exame de anatomia de alguma das Faculdades de Medicina; e para a promoção a primeiro cabo enfermeiro cadete, ter o 1.º grau duma escola de enfermeiros. Nestes anos os anuários referem: o enfermeiro hípico ligado às atividades veterinárias; escola(s) de enfermagem militar; curso prático de enfermeiros; primeiros e segundos sargentos enfermeiros (cadetes). Havia a preocupação em ter certo conhecimento para praticar, o que se observa na exigência de ter cursado determinadas disciplinas antes de ser promovido. Os Anuários da Universidade de Coimbra, dos anos 1919-20 a 1921-22 e de 1924-25 a 1926-27, referem a Escola de Enfermagem. O Decreto nº 5.736 de 10 de maio de 1919 (Universidade de Coimbra, 2010), em quatro artigos, regulamenta a reorganização dos serviços dos HUC, refere a organização de uma escola de enfermagem, explicando o seu objetivo, plano geral do curso e pessoal docente. A escola “destina-se à habilitação do pessoal de enfermagem, sendo o seus diplomas exigidos para a nomeação definitiva dos quadros do pessoal dos Hospitais da Universidade de Coimbra” (Silva, 2008, p.
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110). Os docentes eram nomeados pelo diretor dos HUC de entre os médicos da instituição e podiam contar com o apoio dos enfermeiros chefes para o ensino prático (Silva, 2008). Verificamos que em três anuários, de 1919-20 a 192122, são apresentados como professores da escola o Dr.
Adelino Vieira de Campos de Carvalho e Dr. Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa. Em outros 3 anos, de 192425 a 1926-27, não é referido o Dr. Adelino Carvalho, e passa para primeira referência o Doutor Bissaia Barreto e entra, como professor, o Doutor Egídio Aires de Azevedo (Tabela 5).
Tabela 5 Professores da Escola de Enfermagem de 1919-20 a 1921-22 e de 1924-25 a 1926-27 Anuário
pág.
Professores da Escola de enfermagem (Estabelecimentos anexos às faculdades)
1919-20
71
Dr. Adelino Vieira de Campos de Carvalho Dr. Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa
1920-21
28
Dr. Adelino Vieira Campos de Carvalho Dr. Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa
1921-22
29
Dr. Adelino Vieira Campos de Carvalho Dr. Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa
1924-25
131
Doutor Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa Doutor Egídio Aires de Azevedo
1925-26
129
Doutor Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa Doutor Egídio Aires de Azevedo
1926-27
125
Doutor Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa Doutor Egídio Aires de Azevedo
Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa é figura conhecida, investigada e biografada. Esteve na origem em 1971, e deu nome, à Escola de Enfermagem de Bissaia Barreto. Os anuários mostram-nos, a sua indicação como professor da Escola de Enfermagem, nos 6 anos letivos desta série temporal, de 1919-20 a 1926-27. Menos conhecidos, são os professores também referenciados, Adelino Vieira de Campos Carvalho e Egídio da Costa Aires de Azevedo. Ambos professores da Faculdade de Medicina e clínicos dos HUC. Adelino Carvalho, nasceu em Calvos - Póvoa de Lanhoso, em 1867, e faleceu em Coimbra em 1935. Inaugurou nos HUC, em 1928, com a colaboração do Dr. Ângelo da Fonseca, o primeiro dispensário anti-tuberculoso de Coimbra, e impulsionou a criação do curso de enfermeiras visitadoras. Por sua vez, Egídio Aires de Azevedo, nasceu em Nogueira, Vila Real, em 1887 e faleceu em 1957. Ocupou diversos cargos na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Regeu diversos cursos da Faculdade, e foi professor da Escola de Enfermagem. Aires de Azevedo, em 1950, juntamente com Bissaia Barreto, faz parte do júri dos exames de aptidão ao Curso Complementar da Escola de Enfermagem, e leciona as disciplinas de Patologia, Higiene e Epidemiologia do 2º ano do Curso Geral. A Epidemiologia já era lecionada, por Aires de Azevedo, no ano letivo 1949-50. (Silva, 2008). Refira-se que o curso da Escola de Enfermagem dos Hospitais da Universidade de Coimbra, já em 1920, tinha sido dividido, em Curso Geral com dois anos, e em Curso Complementar com um ano (Soares, 1997). São várias as referências a outros professores da Faculdade de Medicina de Coimbra, com ligação à enfermagem e às escolas de enfermagem desta cidade. Alguns que a investigação já demonstrou e consolidou: Augusto Costa Simões, que criou, nos HUC, a primeira escola de
enfermagem em 1881, de iniciativa particular e curta duração, com a colaboração do clínico Inácio Rodrigues da Costa Duarte, responsável pela parte “técnica ou prática de enfermar doentes” (Silva, 2008, p. 61). Ângelo da Fonseca, que em 1931, vê o seu nome atribuído à escola de enfermagem dos HUC, em resultado de uma petição dos enfermeiros da instituição, num processo que necessita ainda de aprofundamento histórico (Silva, 2008), e Bissaia Barreto, já referido. Para além destes professores, encontraram-se outros com ligação à enfermagem e seu ensino, tais como: Doutor João Maria Porto, e Doutor Álvaro Fernando de Novais e Sousa; e o assistente Dr. João José Lobato Guimarães. O anuário de 1954-55, reporta a nomeação em 31-3-1955, dos doutores João Porto e Novais e Sousa, como vogais da comissão encarregue de estudar a constituição dos quadros do pessoal clinico e de enfermagem dos hospitais centrais. Já no anuário de 1955-56, encontramos o Dr. Lobato Guimarães, nomeado vogal da comissão encarregue de proceder ao estudo de um programa de fomento da enfermagem, do serviço social e outro pessoal auxiliar. O doutor João Porto, nasceu em Nisa em 1891 e faleceu em Coimbra em 1967. Foi Diretor de Clínica Pediátrica em 1928; da Faculdade de Medicina de 1936 a 1941; e dos HUC de 1942 a 1950. Foi Diretor da Escola de Enfermagem Dr. Ângelo da Fonseca. João Porto “tomou a cargo a direção dos Hospitais da Universidade de Coimbra e a da Escola de Enfermagem em 1942, aquando a morte de Ângelo da Fonseca” (Silva, 2008, p. 185-6). Em 1961, João Porto, atingiu o limite de idade para funções públicas e deixa a direção da escola. A escola, ficou dirigida por Mário da Gândara Norton, por toda a década de sessenta. Novais e Sousa, nasceu em 1886 e faleceu em 1962. Foi Diretor da Maternidade Escolar, dos Hospitais da Universidade de 1926 a 1930, e da Faculdade de Medicina
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em 1940. Regeu o Curso de Parteiras em 1916. Aquando do funeral de Ângelo da Fonseca, em 1942, é Novais e Sousa que faz o elogio fúnebre (Silva, 2008). João José Lobato Guimarães, nasceu em 1916 e faleceu em 1975, foi deputado, professor da Universidade de Coimbra e docente das Escolas de Enfermagem em Coimbra. Foi Bastonário da Ordem dos Médicos. No ano letivo 1949-50, Lobato Guimarães é o regente de Terapêutica e Farmacologia das Escolas Ângelo da Fonseca e Rainha Santa (Silva, 2008). O conjunto de material dos anuários possibilitou, identificar nomes concretos, confrontar com outros dados, outros investigadores, e outras fontes. Nesse sentido torna-se relevante para o processo de construção da história da enfermagem em Portugal. Verifica-se o interesse em preparar enfermeiros/as nos hospitais, sem indícios de que havia qualquer reconhecimento de um conhecimento próprio de enfermagem. A formação era conduzida por médicos da faculdade de medicina. No período investigado não consta a presença de professores enfermeiros, somente a contribuição de enfermeiros chefes no ensino prático.
Conclusão Os anuários da Universidade de Coimbra, no período entre 1896/97 e 1926/27, referem homens e mulheres enfermeiros, parteiras, dos HUC e seus anexos, num total de 104 nomes. Constata-se uma distribuição equilibrada por sexo, ainda assim com mais homens, 53, que compara com as 51 mulheres. A análise dos nomes leva a supor a existência de redes familiares, que estudos posteriores podem aprofundar. Verifica-se a existência de funções definidas, hierarquizadas, indiciando a existência de uma carreira estabelecida, contudo sempre subordinada aos médicos. Aparecem bastantes praticantes (estudantes em contexto hospitalar), em diferentes períodos, o que está em consonância com o facto dos hospitais serem os locais de aprendizagem e formação dos enfermeiros, no período mais voltados para competências práticas. Surgem designações, que, entretanto, desapareceram, como enfermeiro duchista, enfermeiro massagista, referência a enfermeiros hípicos - num outro contexto, o da veterinária, e a enfermeiros militares. Não há registo de enfermeiras/os religiosos nos HUC, pois efetivamente não existiam. Os enfermeiros são considerados pessoal auxiliar e não pessoal clínico. O enfermeiro-chefe surge com lugar de destaque, com diferenciação salarial. As mulheres vencem menos que os homens. A oficialização da escola de enfermagem dos HUC, está presente nos anuários, com a identificação dos professores universitários regentes. Constata-se ao longo de toda a série, professores universitários ligados à escola e à formação dos enfermeiros.
Contribuição de autores Conceptualização: Queirós, P. J., Almeida-Filho, A. J., Espina-Jerez, B., Peres, M. A. Tratamento de dados: Queirós, P. J., Chaves; M. Metodologia: Queirós, P. J., Santos, T. F., Gomez-Cantarino, S. Redação - preparação do rascunho original: Queirós, P. J., Espina-Jerez, B., Chaves, M. Redação - revisão e edição: Queirós, P: Espina-Jerez, B., Chaves; M. Referências bibliográficas Chaves, M. (2017). Costa Simões e a necessidade de enfermeiros preparados. Revista de Enfermagem Referência, Supl.15(4), 92-98. Ferreira, J. (2012). A missão e a acção dos enfermeiros militares portugueses: Da guerra da restauração à grande guerra (Tese de doutoramento). Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal. Recuperado de https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/12371/1/Tese.pdf Lopes, M. A. (2010). Proteção social em Portugal na idade moderna: Guia de estudo e de investigação. Coimbra, Portugal: Imprensa da Universidade de Coimbra. Lopes, M. A. (2019). Enfermeiros e enfermeiras nos hospitais portugueses dos séculos XVIII e XIX: Continuidades e ruturas. In A. Esteves (Org.), Homens, instituições e políticas (séculos XVI-XX) (pp. 154-173). Braga, Portugal: Lab2PT. Mattoso, J. (1997). A escrita da história: Teoria e métodos. Lisboa, Portugal: Editorial Estampa. Nunes, L. R. (2003). Um olhar sobre o ombro: Enfermagem em Portugal (1881-1998). Loures, Portugal: Lusociência. Pires, A. (2012). Ser enfermeira em Portugal da I República à instauração do Estado Novo (1910-1933) (Tese de doutoramento). Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal. Recuperado de https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/12101/1/TESE%20 FINAL%20%20WORD_17_Out_2012.pdf Rüsen, J. (2001). Razão histórica. Brasília, Brasil: Universidade de Brasília. Santos, L. (2012). Uma história da enfermagem em Portugal (11431973): A constância do essencial num mundo em evolução permanente (Tese de doutoramento). Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal. Recuperado de https://repositorio.ucp. pt/bitstream/10400.14/12265/1/TD%20-%20Dezembro%20 2012%20-%20Final.pdf Silva, A. (2008). A arte de enfermeiro: Escola de enfermagem Dr. Ângelo da Fonseca. Coimbra, Portugal: Imprensa da Universidade. Silva, H. (2014). Influências estrangeiras nos hospitais portugueses: O caso da enfermagem religiosa (finais do século XIX). Cultura, espaço e memória: revista do CITCEM, 5, 63-75. Soares, I. (1997). Da blusa de brim à touca branca: Contributo para a história do ensino de enfermagem em Portugal (1880-1950). Lisboa, Portugal: Educa/Associação Portuguesa de Enfermeiros. Universidade de Coimbra. (2010). Anuários da universidade de Coimbra de 1866 a 1956. Recuperado de https://digitalis-dsp.uc.pt/ republica/UCBG-8-118-1-3/rosto.html
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ARTIGO TEÓRICO/ENSAIO
Análise da teoria de Jean Watson de acordo com o modelo de Chinn e Kramer An analysis of Jean Watson’s theory according to Chinn and Kramer’s model Análisis de la teoría de Jean Watson según el modelo de Chinn y Kramer
Carla Braz Evangelista 1 https://orcid.org/0000-0001-7063-1439 Maria Emília Limeira Lopes 1 https://orcid.org/0000-0003-2391-6399 Maria Miriam Lima da Nóbrega 1 https://orcid.org/0000-0002-6431-0708 Monica Ferreira de Vasconcelos 1 https://orcid.org/0000-0002-7856-1890 Ana Claúdia Gomes Viana 2 https://orcid.org/0000-0002-3008-0537
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba, Brasil
Resumo Enquadramento: A teoria do cuidado humano, por ser de grande alcance, envolve aspetos abstratos que devem ser analisados para sustentar as investigações e a assistência prestada pelo profissional da enfermagem. Objetivo: Analisar a teoria do cuidado humano de Jean Watson, segundo o modelo de descrição elaborado por Chinn e Kramer. Principais tópicos em análise: Descrição da teoria do cuidado humano de Jean Watson, a partir de obras da autora, livros e artigos de outros estudiosos e de uma análise detalhada dos conceitos, definições, relações, estruturas e pressupostos da obra. Conclusão: A partir da descrição da teoria de Jean Watson verificou-se que esta permite que o enfermeiro realize um cuidado mais efetivo, direcionado também para os seus aspetos transcendentes. A descrição dos conceitos, definições, relações e estruturas podem facilitar a compreensão da obra, permitindo que a teoria do cuidado humano possa ser aplicada em diferentes contextos. Palavras-chave: enfermagem; teoria de enfermagem; cuidados de enfermagem
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2 UNIESP Centro Universitário, João Pessoa, Paraíba, Brasil
Abstract Background: Being a grand theory, the Theory of Human Caring involves abstract concepts that should be analyzed to support research and nursing care delivery. Objective: To analyze Jean Watson’s Theory of Human Caring according to Chinn and Kramer’s model description. Main topics under analysis: A description of Jean Watson’s Theory of Human Caring based on her works, books and articles from other scholars, and a detailed analysis of the concepts, definitions, relationships, structures, and assumptions of her work. Conclusion: The description of Jean Watson’s theory showed that it helps nurses provide a more effective care while considering its transcendent dimensions. The description of concepts, definitions, relationships, and structures can facilitate the understanding of her work, allowing the Theory of Human Caring to be applied to different contexts. Keywords: nursing; nursing theory; nursing care
Autor de correspondência Carla Braz Evangelista E-mail: carlabrazevangelista@gmail.com
Recebido: 13.04.20 Aceite: 12.09.20
Resumen Marco contextual: La teoría del cuidado humano, por ser de gran alcance, implica aspectos abstractos que deben ser analizados para apoyar las investigaciones y la asistencia prestada por el profesional de enfermería. Objetivo: Analizar la teoría del cuidado humano de Jean Watson, según el modelo de descripción elaborado por Chinn y Kramer. Principales temas en análisis: Descripción de la teoría del cuidado humano de Jean Watson, basada en las obras de la autora, libros y artículos de otros académicos y un análisis detallado de los conceptos, definiciones, relaciones, estructuras y presupuestos de la obra. Conclusión: A partir de la descripción de la teoría de Jean Watson se constató que esta permite al enfermero realizar una atención más eficaz, dirigida también a sus aspectos trascendentes. La descripción de conceptos, definiciones, relaciones y estructuras puede facilitar la comprensión de la obra, lo que permite que la teoría del cuidado humano se aplique en diferentes contextos. Palabras clave: enfermería; teoría de enfermería; atención de enfermería
Como citar este artigo: Evangelista, C. B., Lopes, M. E., Nóbrega, M. M., Vasconcelos, M. F., & Viana, A. C. (2020). Análise da teoria de Jean Watson de acordo com o modelo de Chinn e Kramer. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20045. doi: 10.12707/RV20045
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Introdução
Desenvolvimento
As teorias são estruturações criativas e rigorosas de ideias. Projetam uma visão experimental, intencional e sistemática dos fenómenos. Baseiam-se em pressupostos, valores, escolhas e no julgamento do teórico (Chinn & Kramer, 2018). De acordo com Watson (1999, 2012), a teoria é um conjunto imaginativo de conhecimentos, ideias e experiências, a qual procura explicar um determinado fenómeno. A análise, a avaliação e a crítica são métodos utilizados por investigadores para analisar teorias de enfermagem. É o primeiro passo na aplicação de trabalhos teóricos de enfermagem e de grande relevância para investigadores que pretendem analisar e ampliar as obras de teóricos (Alligood, 2018). Tais métodos devem ser realizados com o propósito de investigar conceitos, definições, objetivos e outros componentes teóricos que possibilitem um maior entendimento da obra. Para a realização deste estudo optou-se pela análise da teoria do cuidado humano, desenvolvida por Jean Watson. Tal teoria, alude a reciprocidade entre o profissional e o paciente, tendo como meta o cuidado holístico, no qual a pessoa é vista na sua totalidade, independentemente da enfermidade que venha a possuir (Watson Caring Science Institute, 2016). Logo, por ser uma teoria de grande alcance, a qual envolve aspetos abstratos, pode ser de difícil aplicação na prática, tornando-se necessária a sua análise, de modo que sustente as investigações e a assistência realizada pelo profissional de enfermagem. Tendo em vista que os profissionais devem conhecer e utilizar as teorias para apoiar a prática de enfermagem, permitindo a consolidação da fundamentação teórica e, deste modo, uma prática sistematizada e sustentada cientificamente (Ribeiro, Martins, Tronchun, & Silva, 2018). Face ao exposto, o presente estudo teve como objetivo analisar a teoria de Jean Watson segundo o modelo de descrição elaborado por Chinn e Kramer. O modelo de avaliação de teorias, segundo Chin e Kramer, aborda a descrição e a análise crítica da teoria (Chinn & Kramer, 2018). Neste estudo, utilizou-se o modelo de descrição da teoria que envolve seis elementos: finalidade, conceitos, definições, relações, estrutura e pressupostos (Chinn & Kramer, 2018). Trata-se de um recorte da tese da autora principal, cuja escolha e leitura do modelo de Chinn e Kramer se deu durante a disciplina Análise Crítica de Teorias de Enfermagem do Programa de Pós-graduação em Enfermagem, do Doutorado em Enfermagem do Programa de Pós-graduação em Enfermagem, da Universidade Federal da Paraíba, como uma proposta de atividade da referida disciplina. Optou-se pelo modelo em questão pela sua relevância e atualidade e por auxiliar na compreensão e na análise cautelosa das teorias de enfermagem. Cumpre assinalar que a análise da teoria foi realizada principalmente a partir de obras (Watson, 1999, 2008, 2012, 2018; Sitzman & Watson, 2013), capítulos de livro (Watson, 2011, 2013; Nelson, DiNapoli, Turkel, & Watson, 2011), e artigos (Watson, 2007; McDowell, Williams, & Kautz, 2013).
A finalidade, conceitos, definições, relações, estrutura e pressupostos da teoria de Jean Watson serão apresentados a seguir. Finalidade A teórica baseou-se nas ideias de Carl Rogers, Hegel, Marcel, Whitehead, Kierkegaard e Sally Gadow, Nightingale e nas suas próprias inspirações. Pensamentos sobre a definição do eu, ideal moral, intersubjetividade e dignidade humana auxiliaram-na na elaboração da teoria (Watson, 1999, 2008, 2012). A teoria do cuidado humano envolve a abordagem à pessoa na sua totalidade, a partir do atendimento das questões espirituais e existenciais, deixando de lado os cuidados tradicionais, que se centram apenas na dimensão física e cujo objetivo principal é a cura da doença (Watson, 1999, 2012). A sua finalidade principal envolve o cuidado por parte da equipa de enfermagem que auxilia a pessoa a ganhar um grau mais elevado de harmonia entre a mente, corpo e alma, o que pode levar ao autoconhecimento, autorrespeito, autocura e autocuidado (Watson, 1999, 2012). A aplicação desta teoria tem vindo a ser realizada no domicílio (Rodrigues et al., 2016), em ambiente hospitalar (Elbahnasawy, Lawend, & Mohammed, 2016), com crianças (França et al., 2017), pacientes com cancro (França et al., 2017; Mendonça, Pereira, Barreto, & Silva, 2018), com idosos (Maygua, Arévalo, Granizo, Herrera, & Jimbo, 2017), familiares (Santos, Souza, Misko, Silva, & Szylit, 2018) e pacientes em cuidados paliativos (França et al., 2017). Tal facto, demonstra a ampla utilização da teoria e a sua aplicabilidade em diversos contextos de saúde e com populações distintas. Conceitos e definições Para uma melhor avaliação dos componentes da descrição, uma investigação sobre os conceitos e definições presentes à teoria de Jean Watson foi realizada, conforme preconizado por Chinn e Kramer (2018). Neste estudo, os conceitos e as definições foram apresentados no mesmo tópico, de modo a facilitar a discussão sobre ambos. A teoria de Jean Watson apresenta, explicitamente, três dos quatros conceitos do metaparadigma da enfermagem: saúde, enfermagem e pessoa. A saúde diz respeito a harmonia entre a mente, o corpo e a alma. Está associada ainda ao grau de equivalência entre o eu percebido com o eu experienciado (Watson, 1999, 2012). A enfermagem, por sua vez, é vista pela teórica como um conceito filosófico, dinâmico e mutável que sugere carinho e possui diversos significados (Watson, 1999, 2012). O enfermeiro, nas relações de cuidado, é visto como o coparticipante do processo. Ele ajuda as pessoas a encontrar significado, mesmo diante de uma desarmonia e sofrimento, desse modo, auxiliando nas decisões relacionadas com o estado em que se encontra o paciente (Watson, 1999, 2012). A pessoa é compreendida como um ser-no-mundo, espiritual, magnífico, parte da natureza, não sendo apenas
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matéria. Possui três dimensões (mente, corpo e alma) influenciadas pelo eu. A pessoa e o eu são congruentes quando a pessoa é equivalente ao self verdadeiro, o que ocorre diante da harmonia entre as dimensões humanas (Watson, 1999, 2012). O conceito de meio ambiente, embora não esteja presente explicitamente, assim como a sua definição, é bastante enfatizado pela autora nos seus livros, inclusivamente, é mencionado num dos 10 elementos do fator caritativo e do Processo Caritas (Watson, 2008). O fator caritativo e Processo Caritas são, respetivamente, a antiga e a nova denominação dos 10 passos propostos pela teórica para se prestar um cuidado transpessoal. O oitavo fator caritativo diz respeito à provisão de um ambiente de apoio, proteção e neutralização mental, física, sociocultural e espiritual; e o oitavo Processo Caritas refere-se à criação de um ambiente de cura em todos os níveis, o que demonstra a semelhança entre ambos. Deste modo, o meio ambiente, embora seja implícito, é bastante importante na teoria, pois envolve o ambiente físico, e o não físico como promotor de cuidado (Watson, 2008). Outros conceitos como harmonia-desarmonia, mal-estar, metafísica, alma, tempo, ocasião do cuidado, campo fenomenológico, cuidado transpessoal, dimensão espiritual, assim como elementos do Processo Caritas, estão presentes na teoria e ajudam os investigadores a entender a obra da teórica. Os conceitos de harmonia-desarmonia, assim como as suas definições, apresentam-se explicitamente. Segundo a teoria, quando existe uma separação entre o eu, como é percebido e experienciado, existe desarmonia da mente, corpo e alma, o que conduz a sensações negativas, ameaça, ansiedade, perturbação, desespero, mal-estar e doença. Logo, quando existe uma congruência ocorre a harmonia e, quanto mais cada pessoa for capaz de experienciar o eu verdadeiro, mais harmonia existirá, portanto, um grau mais elevado de saúde (Watson, 1999, 2012). Quando a alma está perturbada devido ao sofrimento, tristeza, perda, desespero, stress, tudo isso pode levar ao mal-estar. Este mal-estar pode causar o adoecimento. Para Watson, o mal-estar é uma inquietação ou desarmonia, consciente ou inconsciente, do ego interior ou das dimensões do ser. Denota uma incompatibilidade entre o eu percebido e o eu experienciado (Watson, 1999, 2012). O tempo possui definição implícita. Segundo a autora, não pode haver distinção entre o tempo passado e presente, embora o presente seja mais subjetivo e o passado mais objetivo. No momento do cuidado, enfermeiro e paciente reúnem-se e o passado, presente e futuro deles fundem-se (Watson, 1999, 2012). A metafísica apresenta grande destaque na teoria de Watson e permite a exploração de modelos explicativos da cura para além do corpo físico. É um ramo da filosofia que envolve a visão de mundo e a realidade não física (Watson, 2018). O enfermeiro, no momento do cuidado, ao abranger a metafísica, poderá explicar e experienciar um facto, incluir os mistérios da vida, o desconhecido, e até descobrir algo novo, mas não poderá predizer todas as coisas (Watson, 1999, 2012). O cuidado transpessoal é metafísico, uma vez que toda a consciência de cuidado
e amor ocorre num momento que é único e vai além do tempo e espaço físico (Watson, 2018). Jean Watson define, explicitamente, o conceito de transpessoal. O cuidado transpessoal diz respeito a uma relação intersubjetiva, neste caso, entre o enfermeiro e o cliente, no qual ambos influenciam e são influenciados pelo outro. Cada pessoa traz consigo uma história de vida, um campo fenomenológico e, a partir do momento de efetivação do cuidado, acabam por partilhar um campo fenomenológico em comum e são influenciados por uma transação, que se torna parte da história de vida de ambos (Watson, 1999, 2012), dando a ideia de algo que vai além do ambiente físico, que transcende o plano físico. O cuidado transpessoal vai além do ego e irradia para a dimensão espiritual, e envolve a busca de conexão com o espírito do outro, mediante relação autêntica, cuja união é recíproca e capaz de transcender o momento (Watson Caring Science Institute, 2016). O campo fenomenológico também possui definição explícita e diz respeito ao modo como as pessoas se comportam no mundo. É o quadro de referência, que não poderá ser conhecido por outra pessoa. É uma realidade subjetiva, que vai definir como uma pessoa compreende e responde diante das circunstâncias que lhe são impostas naquele momento (Watson, 1999, 2012). A dimensão espiritual também é um conceito de grande relevância na teoria, tendo em vista o destaque teórico para o mundo não físico e para as questões existenciais, espirituais e para o atendimento às necessidades humanas do paciente. Entretanto, não apresenta definição explícita. De acordo com a autora, a espiritualidade varia de uma pessoa para outra, de uma cultura para outra e no próprio interior de cada um (Watson, 1999, 2012). A alma, também denominada de ser interior e ser espiritual, refere-se ao espírito, ao eu interior ou à essência da pessoa. A alma está conectada a um elevado grau de consciência, a uma fonte superior do infinito, a uma força que se move no interior de cada ser, ao cosmos, e a um poder que pode permitir a transcendência (Watson, 1999, 2012). Por sua vez, a definição do conceito ocasião real de cuidar é baseada nas noções de evento formuladas por Whitehead. Envolve duas pessoas (enfermeiro e paciente) com as suas histórias e os seus campos fenomenológicos numa transação de cuidar. Portanto, um evento é uma ocasião real de cuidar. Se essa ocasião for de facto transpessoal e permitir a presença espiritual dos envolvidos, o evento tem a capacidade de expandir as potencialidades humanas (Watson 1999, 2012). A definição dos elementos do Processo Caritas será apresentada a seguir: 1. Cultivar a prática de bondade amorosa com equanimidade para si e outros (Nelson et al., 2011; Watson, 2012, 2018) envolve ouvir e respeitar os outros, honrar a dignidade humana, reconhecer vulnerabilidades em si e outros e ser empático (Nelson et al., 2011). É um estado natural de ser e viver, porquanto o facto de sentir de maneira plena, traz alegria e paz para a vida de todos os que os rodeiam (Watson, 2008). 2. Estar autenticamente presente, capacitar, sustentar
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e honrar a fé-esperança, honrando o mundo subjetivo de si e o do outro (Nelson et al., 2011; Watson, 2012, 2018). Mesmo que não haja mais nada a fazer por meio de tratamento farmacológico, a enfermeira alimenta a fé e a esperança do paciente em algo ou alguém além de si mesmo (Watson, 2007). 3. Ser sensível a si e aos outros, cultivando crenças e práticas individuais (Nelson et al., 2011; Sitzman & Watson, 2013; Watson, 2018). Neste contexto, autores definem a espiritualidade como a procura de significado e conexão, o que pode ou não envolver a religião (Nelson et al., 2011). 4. Desenvolver e sustentar relações de ajuda, confiança, amor e carinho (Nelson et al., 2011; Watson, 2018). Numa relação de cuidado humano transpessoal, a enfermeira entra na experiência do paciente e vice-versa (Watson, 2007). Para se construírem relações de cuidado, é necessário ser compassivo, consciente e despertar para os problemas do outro (McDowell et al., 2013). 5. Promover e aceitar a expressão de sentimentos positivos e negativos; ouvir de modo autêntico a história da outra pessoa (Nelson et al., 2011; Sitzman & Watson, 2013; Watson, 2012, 2018). Ao ouvirmos e conhecermos, e honrarmos os sentimentos de outra pessoa, honramos a história que contém significado e importância para ela e para a sua cura. Ouvir a história de outra pessoa pode ser o maior ato de cura que pode ser oferecido (Watson, 2007). 6. Usar criativamente o eu e todos os caminhos do conhecimento como parte do processo de cuidar (Nelson et al., 2011; Watson, 2012, 2018). Uma abordagem criativa reconhece que os enfermeiros usam todas as formas de conhecer/estar /fazer para se envolver em cuidados (Watson, 2007). 7. Envolver-se na experiência genuína de ensino-aprendizagem que atende à unidade do ser e ao significado subjetivo (Nelson et al, 2011; Watson, 2012, 2018), inclui uma relação de cuidado como contexto para qualquer ensino-aprendizagem. O processo do ensino-aprendizagem genuíno torna-se transpessoal, uma vez que a experiência, o relacionamento, o significado e o significado da experiência afetam o enfermeiro e o paciente, na perspetiva do encontro de seres (Watson, 2008). 8. Criar um ambiente de cura em todos os níveis (Nelson et al, 2011; Watson, 2012, 2018). Para que isso ocorra, deve-se ter em atenção a redução de ruído, a iluminação e ventilação adequada, organização e limpeza do ambiente, conforto e segurança do paciente, realização de práticas integrativas e complementares. Além disso, devem fornecer-se informações úteis e manter o ambiente limpo, dentre outros (Nelson et al., 2011; Watson, 2008). 9. Administrar atos sagrados de cura e cuidar, com tendência para as necessidades humanas básicas (Nelson et al., 2011; Watson, 2012, 2018). Tal facto diz respeito a auxiliar o outro no atendimento das suas necessidades básicas, com uma consciência intencionalmente cuidadosa, administrando-se os elementos essenciais do cuidado humano, os quais permitem o alinhamento da mente, com o corpo e com o espírito, integridade e unidade da pessoa (Watson, 2008; McDowell et al., 2013). Todas as necessidades são unificadas e interdependentes, igualmente importantes. Todas devem ser valorizadas para a cura/
cuidado do cliente (Watson, 2007). 10. Abertura e atenção ao campo espiritual, ao existencial e mistérios (Nelson et al., 2011; Watson, 2012, 2018). Envolvem o que não pode ser explicado cientificamente, através da mente ocidental da medicina moderna. Honram os significados cheios de espírito, as crenças culturais, os mitos e as metáforas e o mundo da vida interior e subjetiva do enfermeiro e dos pacientes e familiares, permitindo até curas milagrosas (Watson, 2007). Dentro da teoria de Jean Watson, os conceitos cuidado transpessoal, Processo Caritas e ocasião real de cuidar apresentam-se como principais e encontram-se interligados. A maior parte dos conceitos presentes na teoria de Jean Watson são abstratos por envolver questões ligadas ao mundo não físico. Conceitos como alma, ser interior e ser espiritual são equivalentes, assim como evento e ocasião de cuidado. Os conceitos presentes na teoria expressam ideias diferentes, embora, na sua maioria, sejam relacionados e interdependentes. Um exemplo disso ocorre com os conceitos de saúde, harmonia-desarmonia e mal-estar. Destaca-se que as definições dos conceitos presentes na teoria são gerais uma vez que se trata de uma teoria de grande alcance. Nem as definições, nem os conceitos e nem a própria teoria são específicos de uma determinada população, ambiente de cuidado ou de grupos. Logo, esta pode ser realizada em qualquer circunstância que exija o cuidado de enfermagem. Relações Ante aos conceitos apresentados, verifica-se a relação entre os conceitos da teoria. A teórica apresenta a dinâmica da maneira com que ocorre o cuidado transpessoal e apresenta a relação entre a ocasião real do cuidar, campo fenomenológico, eu, tempo, enfermeiro, paciente e cuidado transpessoal (Watson, 1999, 2012). Estas relações são descritivas, tendo em vista que descrevem relações, sem fazer predições. Entretanto, a própria autora relata que alguns dos ideais da teoria são descritos como possivelmente prescritivos (Watson, 1999, 2012). Estrutura O paciente e o enfermeiro constituiem personagens centrais da estrutura. Logo, se ambos não estiverem presentes no momento do cuidado, não será possível realizar o cuidado transpessoal. O momento do cuidado oferece a ambos a oportunidade de decidir o que fazer naquele momento. Tal momento, se for transpessoal, permite a presença do espírito dos envolvidos. Assim, enfermeiro e paciente, com passados e presentes individuais, fundem-se no momento do cuidado, a partir do Processo Caritas. Neste momento, conseguem planear o futuro (Watson, 1999, 2012). Pressupostos Os pressupostos estão explícitos nos livros da teórica e em outras obras (Watson, 1999, 2008, 2011, 2012, 2013) e enfatizam, na maioria, os conceitos do metaparadigma, enfermagem, pessoa, e o cuidar, que é um elemento de destaque na teoria.
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Destacam-se alguns pressupostos presentes às obras da teórica: o cuidar pode ser demonstrado e praticado eficazmente apenas de forma interpessoal (Watson, 1999, 2011, 2012, 2013); cuidar consiste no Processo Caritas, o que facilita a cura, a honra e a integridade e contribui para a evolução da humanidade; o cuidar efetivo promove saúde e crescimento individual e familiar; as respostas (resultados) aceitam as pessoas como elas são e como podem ser; o ambiente de cuidado (relação de cuidado) oferece o desenvolvimento potencial, e permite que a pessoa escolha a melhor ação para si mesma, num determinado momento; a ciência do cuidado é complementar à ciência da cura (Watson, 2008, 2011, 2013); e a prática do cuidado é central na enfermagem (Watson, 1999, 2008, 2011, 2012, 2013). A teoria do cuidado humano/transpessoal, desenvolvida por Jean Watson, traz contribuições para a saúde, com destaque para a enfermagem. A realização dos 10 elementos do cuidado pode auxiliar no processo de recuperação do paciente. Embora tenha destaque na enfermagem, algumas definições dos conceitos da teoria estão implícitas nas obras de Watson, o que pode dificultar a compreensão de profissionais e investigadores que procuram esta teoria para orientar a sua prática.
Conclusão O estudo destaca a menção a aspetos como alma, ser espiritual, cuidado transpessoal, metafísica e campo fenomenológico. Estes elementos embutidos na teoria podem auxiliar os profissionais de enfermagem a prestar um cuidado holístico e assim atender todas as dimensões do paciente. A integração destas dimensões poderá promover um cuidado mais efetivo do que quando voltado apenas para a cura, que nem sempre é possível. Assim, as contribuições desta reflexão teórica permitirão subsidiar o conhecimento já existente no campo da enfermagem sobre a teoria de Jean Watson, auxiliando investigadores e enfermeiros docentes na produção e disseminação do conhecimento, contribuindo para a formação do enfermeiro e para a prática assistencial. Tendo em vista que este modelo de análise permitiu a descrição da finalidade, principais conceitos, definições, relações, estrutura e pressupostos da teoria, poderá facilitar o entendimento de investigadores, enfermeiros e estudantes de enfermagem sobre a teoria em destaque, sobre o cuidado transpessoal e o modo como este modelo ocorre. Com isso, facilitará o estudo da teoria durante a graduação e a sua aplicação pelos enfermeiros no seu ambiente de trabalho, para que possam de facto trabalhar a teoria de Jean Watson dentro da sua área de conhecimento. Portanto, as implicações para a educação em enfermagem, prática assistencial e comunidade científica incluem a descrição de uma teoria que poderá auxiliar no atendimento holístico de enfermagem, deixando de lado um pensamento ainda presente na prática profissional, voltado de forma predominante para o tratamento e cura das doenças. Sugere-se que outros estudos de reflexão crítica sejam rea-
lizados, pautados no modelo de análise da teoria segundo Chinn e Kramer, para avaliar a clareza, a generalização, a importância, a simplicidade e a acessibilidade da teoria investigada, possibilitando um conhecimento aprofundado sobre a teoria do cuidado humano, tendo em vista a importância desta teoria para o cuidado de enfermagem. Contribuição de autores Conceptualização: Evangelista, C. B., Lopes, M. E., Nóbrega, M. M. Redação - rascunho original: Evangelista, C. B., Lopes, M. E., Nóbrega, M. M., Vasconcelos, M. F., Viana, A. C. Redação - análise e edição: Evangelista, C. B., Lopes, M. E., Vasconcelos, M. F., Viana, A. C. Referências bibliográficas Alligood, M. R. (2018). The structure and analysis of specialized nursing knowledge. In M. R. Alligood (Ed.), Nursing theorists and their work (9th ed., pp. 44-48). St-Louis, MO: Elsevier. Chinn, P. L., & Kramer, M. K. (2018). Knowledge development in nursing: Theory and process. St-Louis, MO: Elsevier. Elbahnasawy, H. T., Lawend, L., & Mohammed, E. (2016). Application of Watson Caring Theory for nurses in pediatric critical care unit. IOSR: Journal of Nursing and Health Science, 5(4), 56-67. Recuperado de https://www.iosrjournals.org/iosr-jnhs/papers/ vol5-issue4/Version-4/J0504045667.pdf França, J. R., Silva, E. C., Machado, K. O., Oliveira, T. C., Silva, M. F., & Freire, M. E. (2017). Vivência de crianças com câncer sob assistência paliativa em uma casa de apoio. Revista Mineira de Enfermagem, 21, e-1065. doi: 10.5935/1415-2762.20170075 Maygua, M. A., Arévalo, T. J., Granizo, Y. E., Herrera, E. G., & Jimbo, C. R. (2017). Virginia Henderson y Jean Watson vs adulto mayor con deterioro de la eliminación urinaria e incapacidad visual. Revista Eugenio Espejo, 11(1), 37-47. doi: 10.37135/ee.004.02.05 McDowell, J. B., Williams, R. L., II, & Kautz, D. D. (2013). Teaching the core values of caring leadership. International Journal for Human Caring, 17(4), 43-51. Recuperado de https://libres.uncg. edu/ir/uncg/f/D_Kautz_Teaching_2013.pdf Mendonça, A. B., Pereira, E. R., Barreto, B. M., & Silva, R. M. (2018). Counseling and spiritual assistance to chemotherapy patients: A reflection in the light of Jean Watson’s theory. Escola Anna Nery, 22(4), e20180081. doi: 10.1590/2177-9465-ean-2018-0081 Nelson, J., DiNapoli, P., Turkel, M., & Watson, J. (2011 Concepts of caring as construct of Caritas hierarchy in nursing knowledge: Conceptual-theoretical-empirical (CTE). In J. Nelson & J. Watson (Eds.), Measuring Caring: International research on Caritas as healing (pp. 3-18). New York, NY: Springer Publishing Company. Ribeiro, O., Martins, M., Tronchin, D. M., & Silva, J. M. (2018). Exercício profissional dos enfermeiros sustentado nos referenciais teóricos da disciplina: Realidade ou utopia. Revista de Enfermagem Referência, 4(19), 39-48. doi: 10.12707/RIV18040 Rodrigues, J. A., Lacerda, M. R., Favero, L., Gomes, I. M., Méier, M. J., & Wall, M. L. (2016). Modelo de cuidado transpessoal de enfermagem domiciliar de Favero e Lacerda: Relato de caso. Revista Gaúcha de Enfermagem, 37(3), e58271. doi: 10.1590/19831447.2016.03.58271 Santos, M. R., Souza, T. C., Misko, M. D., Silva, L., & Szylit, R. (2018). Integrando a Teoria do Cuidado Humano à prática de
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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883
ARTIGO DE REVISÃO SISTEMÁTICA
Avaliação da cultura de segurança do doente em cirurgia ambulatória pelos enfermeiros: protocolo de scoping review Nurses’ assessment of patient safety culture in ambulatory surgery: scoping review protocol Evaluación de la cultura de seguridad del paciente en la cirugía ambulatoria por parte de los enfermeros: protocolo de scoping review
Joana Raquel Luís Pinto 1 https://orcid.org/0000-0003-1095-0088 Ana Cristina Rafael Matias 2 https://orcid.org/0000-0001-5601-3132 Luís Leitão Sarnadas 3 https://orcid.org/0000-0002-7022-7062
1 Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal; Hospital da Luz Coimbra, Coimbra, Portugal
2 Hospital Distrital De Leiria, Leiria, Portugal
Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Coimbra, Portugal
Resumo Enquadramento: A enfermagem perioperatória tem por base uma abordagem dinâmica e global do doente, transversal à cirurgia ambulatória. Associada a este paradigma e no sentido de avaliar a qualidade dos cuidados de enfermagem e a segurança dos mesmos, é pertinente considerar a cultura de segurança do doente. Objetivo: Mapear a evidência disponível sobre a avaliação da cultura de segurança do doente em cirurgia de ambulatório pelos enfermeiros. Método de revisão: Metodologia proposta pelo Joanna Briggs Institute. A estratégia de pesquisa será adequada a cada base de dados/repositório na identificação de estudos relevantes. Proceder-se-á à análise de títulos e resumos, excluindo aqueles que não apresentem os critérios delineados. Os artigos incluídos serão alvo de extração de dados. Este processo será executado por dois revisores independentes. Apresentação e interpretação dos resultados: Os resultados serão apresentados de forma narrativa e de tabelas. Conclusão: Esta scoping review contribuirá para identificar a perspetiva dos enfermeiros sobre a cultura de segurança do doente em cirurgia de ambulatório, reforçando o potencial impacto na segurança dos cuidados de enfermagem. Palavras-chave: procedimentos cirúrgicos ambulatórios; segurança do paciente; gestão da segurança; enfermagem; revisão
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Abstract Background: Perioperative nursing is based on a dynamic and holistic approach to the patient that extends to ambulatory surgery. With this paradigm, it is essential to consider patient safety culture in the assessment of the quality and safety of nursing care. Objective: To map the evidence on nurses’ assessment of patient safety culture in ambulatory surgery. Review method: Methodology proposed by the Joanna Briggs Institute. The search strategy will be adapted to each database/repository to identify relevant studies. Titles and abstracts will be screened, and those that do not meet the inclusion criteria will be excluded. The included articles will be subject to data extraction by two independent reviewers. Presentation and interpretation of results: The results will be presented in narrative and tabular form. Conclusion: This scoping review will contribute to identifying nurses’ perspectives on patient safety culture in ambulatory surgery, reinforcing the potential impact on the safety of nursing care. Keywords: ambulatory surgical procedures; patient safety; safety management; nursing; review
Autor de correspondência Joana Raquel Luís Pinto E-mail: joanaraqp@esenfc.pt
Recebido: 05.05.20 Aceite: 02.09.20
Resumen Marco contextual: La enfermería perioperatoria se basa en un enfoque dinámico y global del paciente, transversal a la cirugía ambulatoria. Asociada a este paradigma y con el objetivo de evaluar la calidad de la atención de enfermería y la seguridad, es pertinente considerar la cultura de seguridad del paciente. Objetivo: Mapear las pruebas disponibles sobre la evaluación de la cultura de seguridad del paciente en la cirugía ambulatoria por parte de los enfermeros. Método de revisión: Metodología propuesta por el Instituto Joanna Briggs. La estrategia de investigación será adecuada a la identificación de los estudios relevantes en cada base de datos/repositorio. Se procederá a analizar los títulos y resúmenes, excluyendo los que no presenten los criterios indicados. Los artículos incluidos estarán sujetos a la extracción de datos. Este proceso será realizado por dos revisores independientes. Presentación e interpretación de los resultados: Los resultados se presentarán en forma narrativa y en tablas. Conclusión: Esta revisión exploratoria (scoping review) contribuirá a identificar la perspectiva de los enfermeros sobre la cultura de seguridad del paciente en la cirugía ambulatoria, lo que reforzará el potencial impacto en la seguridad de la atención de enfermería. Palabras clave: procedimientos quirúrgicos ambulatorios; seguridad del paciente; gestión de la seguridad; enfermería; revisión Como citar este artigo: Pinto, J. R., Matias, A. C., & Sarnadas, L. L. (2020). Avaliação da cultura de segurança do doente em cirurgia ambulatória pelos enfermeiros: protocolo de scoping review. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20059. doi:10.12707/RV20059
Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4: e20059 DOI: 10.12707/RV20059
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Pinto, J. R. et al.
Introdução A cirurgia de ambulatório (CA) é um modelo organizativo de prestação de cuidados cirúrgicos, por excelência centrado no doente, sendo por isso relevante para a melhoria da eficiência, efetividade e qualidade dos cuidados de saúde e organização hospitalar (Despacho n.º 1380/2018; Pinto & Sarnadas, 2020). Neste regime cirúrgico, após o doente ser admitido na instituição hospitalar, é realizada a intervenção cirúrgica programada e este tem alta num período inferior a 24 horas. A CA tem múltiplas vantagens internacionalmente reconhecidas em relação à cirurgia eletiva com internamento. A nível organizacional permite uma reorganização de toda a estrutura hospitalar, por exemplo, através da utilização do internamento para situações mais complexas, assim como redução do tempo de espera para cirurgia e criação de programas centrados no doente. Por outro lado, apresenta vantagens económicas diretas através da redução dos custos hospitalares e indiretas pela menor morbilidade que lhe está associada. À CA estão associadas menores taxas de complicações pós-operatórias e menor probabilidade de infeções associadas aos cuidados de saúde. Ao nível social, a realização de procedimentos cirúrgicos em ambulatório apresenta um impacto muito positivo para o doente pois este pode recuperar em ambiente familiar, havendo uma menor rutura sociofamiliar, ao mesmo tempo que permite uma integração socioprofissional mais célere (Comissão Nacional Para o Desenvolvimento da Cirurgia de Ambulatório, 2008; Despacho n.º 1380/2018; Pinto & Sarnadas, 2020). A prática da CA tem sofrido um forte crescimento neste início de século a nível mundial e nacional. Portugal constitui-se como um exemplo de referência ao nível da expansão da CA. No ano de 2000 apenas 10% do total de cirurgias ambulatorizáveis eram realizadas neste regime e em 2006 pouco mais de um quarto da produção cirúrgica nacional foi realizada em ambulatório. Atualmente, mais de 83% do total de cirurgias programadas realizadas no nosso país decorrem em regime de ambulatório (Administração Central do Sistema de Saúde, 2017; Despacho n.º 1380/2018; Serviço Nacional de Saúde, 2020). Este desenvolvimento da CA nas últimas décadas em Portugal deve-se essencialmente aos incentivos e às orientações institucionais e governamentais desenvolvidas (Pinto & Sarnadas, 2020). Tendo por base o perfil inovador da CA em relação à cirurgia eletiva com internamento e com o propósito de maximizar as suas vantagens, é necessário realizar um “diagnóstico da situação, identificando áreas que, apesar do crescimento, carecem ainda de desenvolvimento” (Despacho n.º 1380/2018, p. 4511). Assim, com o Despacho n.º 1380/2018, de 8 de fevereiro, o Governo estabeleceu a criação de um grupo de trabalho para o acompanhamento do desenvolvimento da CA, com o objetivo de realizar a sua avaliação nos últimos 10 anos em Portugal, identificando eventuais constrangimentos ao seu crescimento (estruturais, de recursos humanos, de formação ou outros). Alguma literatura internacional aponta possíveis constrangimentos ao desenvolvimento da CA. Por exemplo, apesar
de mais de dois terços da produção cirúrgica nos Estados Unidos da América, o que corresponde, anualmente, a mais de 25 milhões de cirurgias, serem realizada em regime de ambulatório, pouco se sabe sobre segurança do doente e qualidade dos cuidados neste contexto (Aston, 2014; Molina et al., 2017; Nelson, 2018). A segurança do doente, como referem Pinto e Sarnadas (2020), é um indicador relevante da qualidade dos cuidados de saúde e a promoção de uma cultura de segurança nos ambientes de prestação de cuidados é, atualmente, um meio para a sua obtenção e eventual melhoria. A cultura de segurança de uma organização de saúde é um conceito transversal desde a liderança administrativa até aos prestadores de cuidados, e esta pode ser definida como o conjunto dos valores individuais e de grupo, das suas atitudes, perceções, competências e comportamentos que determinam o seu empenho e compromisso para a prosperidade organizacional e a sua gestão segura (Smith, Sorra, Franklin, Rockville, & Behm, 2015). Esta assenta na premissa de que competências não técnicas como o trabalho em equipa, comunicação e reporte de eventos adversos são essenciais para uma prática de cuidados de saúde de qualidade e segura, sabendo que defeitos nestes aspetos podem lesar os doentes, tanto como os erros técnicos. Assim, um estilo de comunicação baseado na confiança mútua, perceções partilhadas sobre a importância da segurança e a aposta na eficácia de medidas preventivas são características de organizações com uma cultura de segurança positiva (Attree & Newhold, 2009; Fan et al., 2016; Smith, Sorra, Franklin, Rockville, & Behm, 2015). Tendo em conta o fenómeno de expansão mundial da CA, a Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) desenvolveu, em 2014, um questionário intitulado Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture (Smith et al., 2015) especificamente para Unidades de Cirurgia de Ambulatório (UCAs) e avalia várias dimensões da Cultura de Segurança do Doente (CSD), nomeadamente a comunicação relacionada com informação do doente, abertura comunicacional, equipa, pressão e ritmo de trabalho, trabalho em equipa, conhecimento dos profissionais das tarefas a executar, aprendizagem organizacional com vista à melhoria contínua, resposta ao erro e apoio que os administradores/ superiores hierárquicos dão para a segurança do doente. Este questionário encontra-se traduzido e validado para a população portuguesa por Pinto e Sarnadas (2020). O objetivo da avaliação da CSD é permitir às organizações conhecer as características da sua cultura de segurança, identificando os seus pontos fortes e áreas a melhorar, sensibilizar os profissionais, criar planos de intervenção e realizar benchmarking dos resultados (Pinto & Sarnadas, 2020; Smith et al., 2015). A enfermagem perioperatória em contexto de CA é, então, recente e tem forte influência na forma como se prestam cuidados de saúde aos doentes cirúrgicos (Davidson, 2014). De facto, a tendência crescente das cirurgias realizadas em regime de ambulatório quer a nível mundial, quer em Portugal, confirmam que mais e melhores cuidados de enfermagem serão necessários neste contexto (Davidson, 2014). O papel do enfermeiro é indubitavelmente de relevo, uma
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Pinto, J. R. et al.
vez que a sua presença é transversal em todos os momentos da CA. O enfermeiro depara-se com desafios únicos e assume um papel que ultrapassa a gestão e prestação de cuidados: encontra-se numa posição em que tem de assegurar que todos os procedimentos e atividades são realizadas em segurança, ao mesmo tempo que acompanha o doente desde a sua entrada até ao momento da alta (Davidson, 2014; Nelson, 2018). O conhecimento da forma como os enfermeiros avaliam a CSD na UCA onde desenvolvem a sua atividade profissional poderá, assim, ter implicações profundas ao nível da liderança direta, assim como a nível da liderança de topo, concorrendo para um melhor ambiente de prática de cuidados perioperatórios. Foi realizada uma pesquisa preliminar nas bases de dados JBI Database of Systematic Reviews and Implementation Reports, Cochrane Central Register of Controlled Trials, CINAHL, MEDLINE e PROSPERO, não tendo sido identificada nenhuma revisão de literatura no âmbito desta temática. Assim, os autores consideraram pertinente a realização de uma scoping review, tendo por base as orientações metodológicas sugeridas pelo Joanna Briggs Institute (Peters et al., 2020). Esta scoping review tem como objetivo mapear a evidência existente relativa à avaliação da cultura de segurança do doente em cirurgia de ambulatório pelos enfermeiros. Mais especificamente, com esta revisão pretende-se dar resposta à seguinte questão de investigação: Como avaliam os enfermeiros a cultura de segurança do doente em cirurgia de ambulatório?
Método de revisão sistemática A opção pela realização de uma scoping review teve por base o principal objetivo deste tipo de revisão de literatura: mapear os conceitos-chave nos quais se baseia uma determinada área de conhecimento. Assim, com a scoping review pretende-se identificar quais os tipos de evidência disponível em áreas de conhecimento específicas, fornecendo uma visão geral e ampla do que já foi estudado, identificar e analisar lacunas de investigação existentes e justificar outros trabalhos científicos mais específicos na área em estudo, como por exemplo revisões sistemáticas de literatura (Peters et al., 2020). Estratégia de pesquisa e identificação dos estudos A scoping review proposta será conduzida de acordo com a metodologia proposta pelo Joanna Briggs Institute, identificando critérios de inclusão e exclusão para Participantes, Conceito e Contexto (PCC), tendo em conta os componentes da questão de investigação. Assim sendo, esta revisão considerará estudos que incluam como participantes enfermeiros a exercer funções em unidades de cirurgia de ambulatório, de instituições públicas ou privadas independentemente do seu vínculo laboral, idade e tempo de profissão. Relativamente ao conceito serão considerados estudos que avaliem a cultura de segurança do doente em unidades de cirurgia ambulatória e as dimensões que a constituem,
tendo em vista a identificação de áreas problemáticas assim como implicações que possam ter na segurança do doente. Quanto ao contexto, serão incluídos estudos realizados em unidades de cirurgia ambulatória, integradas ou não em hospitais, públicas ou privadas. Esta scoping review incluirá estudos quantitativos, qualitativos e de métodos mistos. Serão considerados estudos primários, assim como revisões sistemáticas, dissertações, textos de opinião e literatura cinzenta, de acordo com as três etapas definidas para scoping reviews pelo Joanna Briggs Institute (Peters et al., 2020). Não serão considerados limites temporais geográficos ou culturais, tendo em conta que se pretende um entendimento de como a CSD é investigada e percebida em diversos contextos culturais. Na primeira será realizada uma pesquisa inicial limitada para identificar artigos sobre o tema em questão nos motores de busca PUBMED e EBSCO com interface para as bases de dados CINAHL Complete, MEDLINE Complete, Nursing & Allied Health Collection: Comprehensive; Cochrane Central Register of Controlled Trials e MedicLatina, recorrendo aos descritores MESH ‘safety culture; organizational culture; safety management’ ‘patient safety’; ‘ambulatory surgery’; ‘outpatient surgery’ ‘ambulatory surgical procedures’; ‘nursing’. Serão analisados os títulos, os resumos e os termos de indexação dos resultados selecionados, de forma a identificar termos e palavras-chave alternativos e específicos. Na segunda etapa, os termos de indexação e palavras-chave identificados serão utilizados para a realização de nova pesquisa nos motores de busca e bases de dados já identificados, pesquisando também de forma conjugada com linguagem natural. Na terceira etapa, serão analisadas as referências bibliográficas de todas as publicações selecionadas para identificação de fontes de informação adicionais. Caso haja necessidade de algum esclarecimento adicional ao que está publicado, os revisores procurarão entrar em contacto com os autores do material em análise. Após a pesquisa, a seleção dos resultados relevantes iniciar-se-á com a análise dos títulos e resumos, com base nos critérios de inclusão para a revisão já descritos e por dois revisores independentes. O texto completo dos estudos selecionados será avaliado em detalhe com base nos critérios de inclusão. Os motivos da exclusão de estudos, após análise do texto integral, que não atendam aos critérios de inclusão serão registados e relatados na scoping review. Quaisquer divergências que surjam entre os revisores serão resolvidas por meio de discussão e consenso ou com recurso a um terceiro revisor. Não será realizada a avaliação da qualidade metodológica dos estudos incluídos por se tratar de uma scoping review (Peters et al., 2020). O processo de pesquisa será apresentado na íntegra sob forma narrativa e esquemática na scoping review, através de um diagrama de fluxo (PRISMA), detalhando a forma como a pesquisa foi realizada, seleção dos resultados utilizados, eliminação de duplicados e o que foi acrescentado com a terceira etapa da pesquisa (Liberati et al., 2009; Peters et al., 2020). Todas as referências bibliográficas identificadas serão agrupadas e geridas no software Mendeley 1.19.4 /2019 (Mendeley Ltd., Elsevier, Holanda).
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Extração de dados A extração dos dados para a scoping review será realizada por dois revisores independentes, após confirmação da pertinência das publicações previamente selecionadas. Esta será aferida pela utilização de um instrumento de extração de dados desenvolvido pelos investigadores, alinhado com o objetivo e questão de revisão (Figura 1). O instrumento que se apresenta é preliminar, podendo
sofrer alterações pertinentes, mediante as necessidades resultantes da leitura e análise das publicações elegíveis. Para que os investigadores se familiarizem com o instrumento de extração de dados, será realizado um teste piloto com o número necessário de publicações. Caso seja necessário algum esclarecimento adicional durante este processo, os autores das publicações em análise poderão ser contactados.
Figura 1. Instrumento de extração de dados. Síntese dos dados Os dados extraídos das publicações incluídas na revisão serão apresentados de forma narrativa, prevendo-se o recurso a tabelas e/ou figuras. Esta síntese será alinhada com o âmbito e objetivo da scoping review. Este processo terá por base o consenso de dois revisores independentes e o apoio de um terceiro revisor para resolver alguma divergência. Apresentação e interpretação dos resultados Os dados recolhidos serão apresentados em forma narrativa e, eventualmente, em tabela ou esquema, por forma a mapear a evidência disponível relativa à avaliação da CSD no âmbito de CA pelos enfermeiros. Serão também apresentados quadros resumo dos artigos incluídos na revisão. A identificação, caracterização e síntese do conhecimento nesta área procurará estar alinhada com o objetivo e questão de revisão que se propõe. A scoping review que se propõe, irá contribuir para a disseminação do conhecimento numa área emergente na enfermagem perioperatória e com grande impacto em
todo o mundo. Por outro lado, dotará de elementos importantes e valiosos para tomadas de decisão enfermeiros com funções de liderança e/ou gestão de UCAs, assim como a gestão intermédia e de topo destas unidades, de aspetos que contribuem para uma melhor segurança dos doentes na sua organização e de outros que devem ser melhorados, de forma a criar uma CSD a nível organizacional que promova melhores e mais seguros cuidados de enfermagem.
Conclusão Tendo em consideração todas as vantagens que estão associadas à CA, o seu crescimento marcado a nível mundial e nacional, assim como a necessidade de prestar cuidados de enfermagem neste contexto cirúrgico assentes na segurança e na qualidade, a avaliação da CSD do doente em CA é um imperativo. Perceber quais os pontos fortes e os aspetos que podem ser impulsionadores de uma melhoria da cultura de segurança neste ambiente de prática de
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enfermagem tão complexo, é urgente. Espera-se que os contributos para a prática clínica desta scoping review sejam evidentes e marcados, pois poderão ser úteis na criação de intervenções de melhoria organizacional nas UCAs. Ao nível da investigação futura, espera-se que esta scoping review constitua um primeiro exercício que fundamente a elaboração de questões mais específicas para a realização de uma revisão sistemática da literatura. Contribuição de autores Conceptualização: Pinto, J. R., Matias, A. C., Sarnadas, L. L. Metodologia: Pinto, J. R., Matias, A. C. Supervisão: Pinto, J. R., Sarnadas, L. L. Redação - preparação do rascunho original: Pinto, J. R., Matias, A. C. Redação - revisão e edição: Pinto, J. R. Referências bibliográficas Administração Central do Sistema de Saúde. (2017). Atividade cirúrgica do SNS atinge o valor mais elevado de sempre em 2016. Recuperado de http://www.acss.min-saude.pt/2017/08/29/atividade-cirurgica-do-sns-atinge-o-valor-mais-elevado-de-sempre-em-2016/ Aston, G. (2014). Measuring quality and safety in outpatient surgery. Hospitals & Health Networks, 88(9),1068-8838, pp. 34-37. Attree, M., & Newbold, D. (2009). Risk, safety, and reliability. From cult to culture? Journal of Nursing Management, 17(2), 145-150. doi:10.1111/j.1365-2834.2009.01000.x/epdf Comissão Nacional para o Desenvolvimento da Cirurgia Ambulatório. (2008). Relatório final: Cirurgia de ambulatório: Um modelo de qualidade centrado no utente. Recuperado de http://www.apca. com.pt/documentos/relatorio_final_CNADCA_20Out08.pdf Davidson, J. (2014). Why a column on ambulatory best practices? AORN Journal, 99(5), 612-615. doi:10.1016/j.aorn.2014.01.018 Despacho n.º 1380/2018 de 8 de fevereiro. Diário da República N.º 28/2018 - II Série. Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e
da Saúde. Lisboa, Portugal. Fan, C., Pawlik, T., Daniels, T., Vernon, N., Banks, K., Westby, P., . . . Makary, M. (2016). Association of safety culture with surgical site infection outcomes. American College of Surgeons, 222(2), 122-128. doi:10.1016/j.jamcollsurg.2015.11.008 Liberati, A., Altman, D., Tetzlaff, J., Mulrow, C., Gøtzsche, P., Ioannidis, J., . . . Moher, D. (2009). The PRISMA statement for reporting systematic reviews and meta-analyses of studies that evaluate health care interventions: Explanation and elaboration. PLoS Med, 6(7), e100100. doi:10.1371/journal.pmed.1000100 Molina, G., Singal, R., Haynes, A., Mahishi, V., Davis, K., Foster, G., . . . Berry, W. (2017). Perception of safety of surgical practice among healthcare professionals who work in an operating room in ambulatory surgery centers in the United States: A retrospective analysis of survey data. Perioperative Care and Operating Room Management, 8, 12-18. doi:10.1016/j.pcorm.2017.07.002 Nelson, R. (2018). Ambulatory surgery centers: Are they safe? American Journal of Nursing, 118(10), 15-16. Recuperado de https://www. nursingcenter.com/pdfjournal?AID=4799481&an=00000446201810000-00011&Journal_ID=54030&Issue_ID=4799451 Peters, M., Godfrey, C., McInerney, P., Munn, Z., Tricco, A., & Khalil, H. (2020). Chapter 11: Scoping reviews. In M. Z. Aromataris (Ed.), Joanna Briggs Institute Reviewer’s Manual, JBI (Cap. 11). Recuperado de https://reviewersmanual.joannabriggs.org/ Pinto, J., & Sarnadas, L. (2020). Tradução e adaptação do Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture para a população portuguesa. Revista de Enfermagem Referência, 4(1), 1-10. doi:10.12707/RIV19062 Serviço Nacional de Saúde. (2020). % de episódios GDH ambulatórios cirúrgicos para procedimentos ambulatorizáveis. Recuperado de https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZjJiMTgyNmUtYWIxZS00MTgyLTlmNjMtYTdlYjg4N2IxY2IyIiwidCI6IjIyYzg0NjA4LWYwMWQtNDZjNS04MDI0LTYzY2M5NjJlNWY1MSIsImMiOjh9 Smith, S., Sorra, J., Franklin, M., Rockville, W., & Behm, J. (2015). Ambulatory surgery center survey on patient safety culture: User’s guide. Recuperado de https://www.ahrq.gov/sites/default/files/ wysiwyg/professionals/quality-patient-safety/patientsafetyculture/ asc/userguide/ascguide.pdf
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Pinto, J. R. et al.
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UNIDADE DE INVESTIGAÇÃO (UICISA: E)
RESEARCH UNIT ( U I C I S A : E )
October/November/December 2020 UICISA: E DEVELOPMENT STRATEGIC AXES TOWARDS HORIZON 2030 AXIS OF RESEARCHERS’ TRAINING
Researchers’ training, from initiation to advanced research Advanced Research Trainees currently undertaking advanced research courses at UICISA: E: Kátia Celich, Federal University of Fronteira do Sul, Brazil - Post-doctoral project: “Metodologia de cuidado humanitude: ferramenta promotora de gestão do cuidar na atenção integral ao idoso em tempos de pandemia de COVID-19”. Leoni Zenevicz, Federal University of Fronteira do Sul, Brazil - Post-doctoral project: “Contribuições da metodologia do cuidado humanitude na assistência interdisciplinar a pessoa em fase terminal de vida em tempos de pandemia”. Andréa Temponi, Federal University of Rio Grande do Norte, Brazil - Post-doctoral project: “Processo de implementação da Metodologia de Cuidado Humanitude em uma residência para idosos de Portugal: das estratégias utilizadas aos ganhos obtidos”.
Research initiation
Research Initiation Rotation (RIR) 2020/2021 academic year Vacancies available - 58 Researchers involved in guidance - 32 Figure 1. Young Researcher Window
Registrations - 47 Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº 4
pp. 1 - 12
Past Activities International Seminars for Researchers’ Training
4th International Seminar for Researchers’ Training – 24 November 2020 Presenters: 𝗞á𝘁𝗶𝗮 𝗖𝗲𝗹𝗶𝗰𝗵, Universidade Federal da Fronteira do Sul, Brazil - Post-doctoral project: “Metodologia de cuidado humanitude: ferramenta promotora de gestão do cuidar na atenção integral ao idoso em tempos de pandemia de COVID-19”. 𝗟𝗲𝗼𝗻𝗶 𝗭𝗲𝗻𝗲𝘃𝗶𝗰𝘇, Universidade Federal da Fronteira do Sul, Brazil - Post-doctoral project: “Contribuições da metodologia do cuidado humanitude na assistência interdisciplinar a pessoa em fase terminal de vida em tempos de pandemia” Moderator: 𝗠𝗮𝗿𝗶𝗮 𝗠𝗮𝗻𝘂𝗲𝗹𝗮 𝗙𝗲𝗿𝗿𝗲𝗶𝗿𝗮, Viseu Higher School of Health - Polytechnic Institute of Viseu
Figure 2. 4th International Seminar for Researchers’ Training
Webinar Going virtual: Tips on How to Organize Scientific Events in Nursing Sciences – 26 November 2020 https://sigma.esenfc.pt/SIGMAnov2020
Figure 3. Webinar: Going virtual
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AXIS FOR SCIENCE SYNTHESIS AND IMPLEMENTATION
Portugal Centre for Evidence Based Practice: a JBI Centre of Excellence (PCEBP) Website: http://www.esenfc.pt/en/uicisa/pcebp_jbi New postgraduate course at the Nursing School of Coimbra – Academic year 2020-2021
Figure 4. Postgraduate course in evidence-informed healthcare.
Past Activities Training 1st week of the 1st Evidence Implementation Training Program Portugal Centre for Evidence Based Practice (PCEBP) organized the 1st Evidence Implementation Training Program – EITP (course accredited by the Joanna Briggs Institute - University of Adelaide) at the Health Sciences Research Unit: Nursing (UICISA: E) of the Nursing School of Coimbra (ESEnfC). The 1st week of the course took place from 28 September to 2 October 2020 in a hybrid format (face-to-face and Zoom sessions) due to the COVID-19 pandemic. The 2nd week will be run on 24-28 May 2021. Participants: 10 participants (2 teachers from ESEnfC, 4 nurses from the Coimbra Hospital and University Center, 2 nurses from the Portuguese Institute of Oncology in Coimbra and 2 nurses from the District Hospital of Figueira da Foz. Trainers: Rogério Rodrigues (Deputy Director of PCEBP) and Daniela Cardoso (Core Staff of PCEBP)
Figure 5. Participants of the 1st EITP.
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During the course, participants will be prepared to: Develop skills to actively lead change in clinical practice; Identify the best clinical practices in their area of expertise; Conduct impartial clinical audits and participate in processes to improve the quality of care; Learn to apply the evidence in clinical practice through the use of supporting software (eg., JBI PACES); Design and execute strategies to implement evidence-based practice in clinical contexts. In the next months, participants will be supported in the development of an implementation project by trainers accredited by JBI (researchers from UICISA: E). Five implementation projects are being developed on the following topics: Nutritional Screening: Community Settings; Chronic Disease Self-Management; Nursing - Clinical Supervision; Cancer: Non-Pharmacological Pain Management; and Person-centered Falls Prevention and Management (Hospital Setting). 11th Comprehensive Systematic Review Training Program (CSRTP) PCEBP organized the 11th CSRTP. It took place from November 16 to 20 2020. Due to COVID-19 pandemic, it was ran in online sessions. Participants: 14 Trainers: João Apóstolo (Director of PCEBP), Rogério Rodrigues (Deputy Director of PCEBP) and Ana Filipa Cardoso (Core Staff of PCEBP). The participants were from Portuguese educational and health institutions.
Figure 6. Participants of the 11th CSRTP.
Upcoming Activities Events Global Evidence Summit (GES) postponed to 2-6 October 2023 Due to the continued global spread and impact of COVID-19, the organization of the GES has decided to cancel the Global Evidence Summit on 5-8 October 2021. It was postponed to 2-6 October 2023. For more information: https://www.globalevidencesummit.org/
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Figure 7. Logo of the Global Evidence Summit.
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AXIS OF EXPERIMENTAL AND APPLIED RESEARCH IN HEALTHCARE TECHNOLOGIES
Activities September Focus group with nurses to discuss the characteristics of an innovative face shield (22 September). October Participation in an educational session on a pedographic platform (Pedar & Emed) from Novel.de, in association with the Faculty of Human Kinetics of the University of Lisbon (27 October). Webinar of SeringaDUO project (28 October). November Submission to the American Nurses Association (ANA) innovation awards of the project entitled «SafeNeedles» - Innovative sharp container. PrevInf - Capacitating Asia’s Nursing Students on Innovative and Sustainable Prevention and Control of Healthcare-associated Infections. Cooperation for innovation and the exchange of good practices. (KA2) project approval. Capacity Building in the field of higher education. Call 2020 – EAC/A02/2019. Funding 905.176,00€. https://ec.europa.eu/programmes/erasmus-plus/projects/eplus-project-details/#project/618396EPP-1-2020-1-PT-EPPKA2-CBHE-JP Participation in the FCT’s Ciencia2020 meeting, with a health innovation demo about a smart walker with dynamic monitoring of balance (3-4 November). https://www.youtube.com/watch?v=VJDJI2orRM8
Figure 8. Smart walker.
Focus group with nurses within the 4noPressure project (4, 5 and 10 November). Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº 4
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December European Recognition of Nursing Excellence in Research during COVID-19 awarded by Sigma Theta Tau International I International Workshop & I International DigiNurse Seminar http://www.esenfc.pt/event/diginurse
Figure 9. I International Workshop & I International Diginurse Seminar
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AXIS FOR PUBLICATION AND DISSEMINATION OF SCIENTIFIC KNOWLEDGE
Journal of Nursing Referência Interoperability of the Journal of Nursing Referência platform with social media Development of the Rede BVS Enfermagem Portugal webpage Indexing of the articles of the Journal of Nursing Referência and master dissertations published in 2020 in BDENF Journal of Nursing Referência indexed in the RCAAP repository Past activities Scientific events To celebrate the International Day of Informal Carers, we organized the webinar “Technologies and Capacity Building for Informal Caregivers” to share research results on this topic (5 November 2020) - https://cutt.ly/dhSNVTM
Figure 10. Webinar: Technologies and Capacity Building for Informal Caregivers
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Symposium on History of Nursing (20 November 2020) Organization and scientific partnership: ESEnfC and History and Epistemology of Health and Nursing Structuring Project (UICISA: E); Associação Nacional de História da Enfermagem (ANHE); and Sociedade Portuguesa de História da Enfermagem (SPHE) - http://www.esenfc.pt/event/simposiohistoria2020
Figure 11. Symposium on History of Nursing
International Seminar - Erradicação da Violência sobre as Mulheres - Um desafio para todos/as! (25 November 2020) Organization: ESEnfC and White Ribbon project https://www.esenfc.pt/event/event/home/index. php?target=home&event=500&defLang=1
Figure 12. International Seminar - Erradicação da Violência sobre as Mulheres - Um desafio para todos/as!
IX Encontro Mais Contigo (30 September 2020) Webinar with outstanding experts from Scotland, Brazil and Portugal https://www.esenfc.pt/event/event/ home/index.php?target=home&defLang=1&event=473
Figure 13. IX Encontro Mais Contigo
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Upcoming activities Scientific events 6th Congress on Nursing Research of Ibero-American and Portuguese-speaking Countries and 2nd International Symposium on Evidence-Based Health Care. NEW DATE - 8-9 JUNE 2021
Figure 14. 6th Congress on Nursing Research of Ibero-American and Portuguese-speaking Countries.
3rd International Workshop “Humanitude care methodology: caring tool that promotes the autonomy, self-care, and well-being of the cared-for person and the caregiver” - POSTPONED UNTIL 2021 – NEW DATES AVAILABLE SOON
Figure 15. 3rd International Workshop “Humanitude care methodology”.
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AXIS FOR ETHICS
Ethics Committee The Ethics Committee meets monthly and assesses the requests received the month before. You can request an opinion to the Ethics Committee of UICISA: E at: https://www.esenfc.pt/en/page/100004222/455 Recommendation of the National Council of Ethics for the Life Sciences - Integrity in scientific research, February 2018 – available on: https://www.esenfc.pt/pt/download/4838/wMoLY47p52qJ4oYP900T
Open Science Policy on open access to publications arising from FCT-funded research available on: https://www.fct.pt/documentos/PoliticaAcessoAberto_Dados.pdf
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AXIS FOR EXTENSION AND SOCIETY ENGAGEMENT
SCIENCE AND TECHNOLOGY WEEK 2020 The Health Sciences Research Unit: Nursing of the Nursing School of Coimbra, UICISA: E, took on the important mission of disseminating the best available evidence in health, adapted to the citizen, through the creation of appealing summaries on specific topics. Since June 2020, 10 summaries have been produced and disseminated on social networks, seven of which gather evidence on various aspects of COVID-19. UICISA: E participated in the Science and Technology Week 2020 by creating an online quiz contributing to the citizen’s literacy about COVID-19. The quiz (https://cutt.ly/GhSPSLt) is based on the evidence summaries mentioned above, which can be found on UICISA: E’s official Facebook page at https://www.facebook.com/UICISAE
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AXIS FOR NATIONAL AND INTERNATIONAL COLLABORATION
Projects Networks Some applications submitted to project funding programs in 2020 were already approved for funding under which partnerships were established with various national and international institutions:
Table 1 2020 Funded Projects with national and international collaboration Program
Project Acronym
Partner Organisations _University of Minho (U. Minho), Portugal
Portugal2020
4NoPressure
_International Iberian Nanotechnology Laboratory (INL), Portugal _Nursing School of Coimbra (ESEnfC), Portugal _Impetus Portugal - Têxteis, S.A (IMPETUS), Portugal _Nursing School of Coimbra (ESEnfC), Portugal
Erasmus+
MulticulturalCare
_UC LIMBURG, Belgium _Universidad de Castilla - La Mancha, Spain _Nursing School of Coimbra (ESEnfC), Portugal _Savonia University of Applied Sciences, Finland
Erasmus+
PrevInf
_Nam Dinh University of Nursing, Vietnam _Hai Duong Medical Technical University, Vietnam _Bolyno International Group Co. Ltd, Cambodia _Bolyno Institute, Cambodia _Université de Liège / Centre de Simulation, Belgium _Haute Ecole Libre Mosane, HELMo Paramédical, Belgium _Initiatives pour une Formation Efficace ASBL, Belgium
Erasmus+
E-Safe
_Centre Hospitalier de Luxembourg, Luxembourg _Nursing School of Coimbra (ESEnfC), Portugal _Universite de Caen Normandie, Centre de simulation Normandie Simulation en Santé (NorSimS), France _Universitatea de Medicina si Farmacie “iuliu Hatieganu” Cluj – Napoca, Romania
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_Universita Degli Studi di Genova, Italy _Universidad Complutense de Madrid, Spain Erasmus+
aCT - Coopera-
_Federacion Red Artemisa, Spain
tively Transmediate
_Associazione San Marcellinoonlus, Italy _Associação Centro Ciência Viva de Bragança, Portugal _Instituto Politécnico de Bragança, UICISA: E Cluster, Portugal _University of Salamanca, Spain _Gerencia Regional de Salud de Castilla y León, Spain
INTERREG VA Spain-Portugal
NEUROQUALYFAM
_Agrupación estratégica innovadora (AEI) Clúster SIVI: Soluciones inovadoras para la vida independiente, Spain _Diputación Provincial de Salamanca, Spain _Instituto Politécnico da Guarda, Portugal _ADM Estrela – Associação Social e Desenvolvimento, Portugal _Instituto Politécnico de Bragança, UICISA: E Cluster, Portugal
FCT
PandIA
_Instituto Politécnico de Bragança, UICISA: E Cluster, Portugal _Universidade de Aveiro, Portugal _REQUIMTE - Rede de Química e Tecnologia - Associação (REQUIMTE-P), Portugal _Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), Portugal _Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FE/UP), Portugal
FCT
Biofirex
_Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP/UP), Portugal _Instituto Politécnico de Bragança, UICISA: E Cluster, Portugal _Unidade Local de Saúde do Nordeste, E.P.E. (ULSNE), Portugal _Laboratório Associado para a Química Verde - Tecnologias e Processos Limpos (REQUIMTE), Portugal
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AXIS FOR OPTIMIZATION OF THE UICISA: E CROSS-CUTTING MODEL
Recognition Congratulations to the Nursing Team of the Health Sciences Research Unit from Coimbra, Portugal, (Pedro Parreira, Rafael Bernardes, João Graveto, Anabela Salgueiro Oliveira, Beatriz Serambeque, Liliana Sousa, & Paulo Costa) on being awarded the European Recognition of Nursing Excellence in Research during COVID-19 for the significant impact of their research on the Nursing profession through the development and implementation of several projects on infection control and ICT Supported Patients
Figure 16. UICISA: E/TecCare Nursing Team Scientific Employment In 2020, four junior PhD researchers join the UICISA: E team. 1. Science DiabetICC Footwear - Development of Innovative therapeutic footwear for diabetic feet 2. 4NoPressure - Development of smart clothing for pressure ulcer prevention 3. UICISA: E Strategic Axis for Science Synthesis and Implementation 4. UICISA: E Strategic Axis for Extension and Society Engagement
Funding programs and open calls Call for Project Grants in all Scientific Domains FCT published notice for application submission Applications open on 28 January 2021 https://www.fct.pt/apoios/projectos/concursos/ICDT/index.phtml.pt?fbclid=IwAR2WED0OiSJei_ssSEjGP72niGv5pmOQrHU9De17KcnLV0d6kwidBtae97Y
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Looking back at the UICISA: E’s path
In 2020:
18th birthday of the UICISA:E 22nd birthday of the Journal of Nursing Referência 10th birthday of the Portugal Centre for Evidence Based Practice: A JBI Centre of Excellence 10th birthday of the Ethics Committee 7th birthday of the Research Initiation Rotation training program 6th birthday of the TecCare axis
The 1st Congress on Nursing Research of Ibero-American and Portuguese-speaking Countries took place 13 years ago. The 1st funded projects were implemented 10 years ago. The 1st monograph was published 8 years ago. The 1st cluster joined the UICISA: E 6 years ago. The 1st 3D printer was acquired 3 years ago.
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NORMAS DE PUBLICAÇÃO
Princípios: A Revista de Enfermagem Referência (RER) cumpre os critérios de uma revista de divulgação internacional, indexada e divulgada em formato eletrónico em diversas bases de dados nacionais e internacionais. O interesse dos autores em submeterem artigos científicos de elevada qualidade prestigia a Revista, pelo que damos a maior atenção aos processos de revisão, de forma a salvaguardar princípios científicos e éticos de edição e divulgação. O conteúdo dos artigos é da exclusiva responsabilidade de todos os seus autores, aos quais compete respeitar os princípios éticos da investigação e cumprir as normas e orientações de edição da Revista. Ao publicar na Revista, os autores transferem os direitos autorais para a mesma. A Revista segue as normas da American Psychological Association (APA; 6ª edição, 2010). Consideram-se as regras do novo acordo ortográfico, pelo que o Editor salvaguarda o seu direito de modificar termos de Português do Brasil para português de Portugal. Os artigos são organizados de acordo com as normas APA e guiões de análise crítica, em função de uma categoria específica (Artigos de Investigação; Teóricos/Ensaios; Revisões Sistemáticas; Investigação Histórica). As Revisões Sistemáticas a publicar na Revista deverão, preferencialmente, cumprir as exigências de síntese da evidência recomendadas por instituições reconhecidas internacionalmente na área, como por exemplo o Joanna Briggs Institute ( JBI) e a Cochrane (Site JBI: http://joannabriggs.org/; Site Cochrane – Revisões: http://www.cochrane.org/ cochrane-reviews). Os artigos Teóricos/Ensaios e as Revisões Sistemáticas são publicados em número restrito. Por decisão do Editor-Chefe poderão ainda ser publicados artigos de outro tipo, por exemplo, recensões teóricas, biografias, protocolos de revisão sistemática, etc.. De acordo com o desenho de estudo, os artigos deverão seguir as guidelines internacionais, por exemplo: CONSORT para estudos randomizados controlados (https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/consort/); STROBE para estudos observacionais (https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/strobe/); COREQ para estudos qualitativos (https://academic.oup.com/intqhc/ article/19/6/349/1791966); PRISMA para revisões sistemáticas (https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/prisma/). Além dos guiões que ajudam na construção do manuscrito, os autores procedem ao preenchimento de checklist geral e à assinatura da declaração do termo único ético e legal. O termo único integra: a declaração de originalidade dos artigos submetidos; a declaração da não submissão/publicação a qualquer outro periódico, capítulo de livro, entre outros; a declaração da responsabilidade dos autores; a declaração de cedência de direitos de autor; a declaração de existência de parecer de comissão de ética (obrigatório para artigos de investigação e se aplicável para restantes tipologias de artigos); a declaração de existência de autorização institucional (se aplicável); e a declaração de conflito de interesses. A Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem apoia as políticas de ensaios clínicos da Organização Mundial de Saúde
(OMS) e do International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) - http://www.icmje.org/. Os autores de artigos de ensaios clínicos deverão, preferencialmente, seguir o procedimento de registo disponível em http://www.who.int/ictrp/en/. O Processo de submissão dos artigos processa-se online, através da página web http://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=login&fromRegister=1. O processo de revisão por pares, double blind, tem 10 fases (Pré-análise, Checklist, Revisão por pares, Gestão de artigo, Tratamento técnico e documental, Revisão final, Tradução, Maquetização e atribuição de DOI, HTML, Divulgação digital). A RER aceita artigos em inglês, espanhol e português. A publicação é bilingue pelo que uma vez aceites para publicação são traduzidos para inglês ou português. A tradução é da responsabilidade da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e os autores assumem o compromisso de pagar as despesas do serviço de tradução a 15 por página a traduzir, incluindo página de resumos e referências. 1 - O ARTIGO Os artigos submetidos para publicação na Revista de Enfermagem Referência devem obedecer aos seguintes critérios: 1.1 – Tipo: Devem ser artigos originais e versarem temas de saúde, enfermagem e educação, estruturados de acordo com o guião adequado à sua tipologia. 1.2 – Título: Deverá ser informativo e sucinto, redigido na afirmativa, em português, inglês e espanhol (máximo de 16 palavras), sem abreviaturas, nem indicação da localização da investigação. 1.3 – Autores: Devem ser em número não superior a 7, devidamente identificados, com o nome e respetivas habilitações, identificador ORCID, categoria profissional, instituição onde exercem funções, país, contactos (morada, e-mail, telefone), contribuição dos autores nos artigos, e fontes de financiamento do estudo (se for o caso). 1.4 – Resumo: O resumo do trabalho deve ser apresentado em português, inglês e espanhol, não deve exceder 170 palavras. Deve ser estruturado de acordo com os tópicos de análise crítica específicos de cada artigo. 1.5 – Palavras-chave: O artigo deve apresentar, no máximo, 6 palavras-chave, transcritas de acordo com os descritores MeSH e/ou DeCS, em português, inglês e espanhol (Pesquisar em: http://www. nlm.nih.gov/mesh/MBrowser.html e/ou http://decs.bvs.br/). Quando não se encontrar um descritor para uma palavra-chave, considerada relevante no estudo, esta pode ser incluída por decisão do autor. 1.6 – Texto: Estrutura do texto: Os Artigos de Investigação Empírica devem conter as seguintes secções: Título, Resumo, Palavras-chave, Introdução, Enquadramento/ Fundamentação Teórica, Questões de Investigação/Hipóteses, Me-
Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4
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Formato: O texto deve ser apresentado em formato Word, letra Arial, tamanho 11, espaço 1,5, sem justificação, com numeração contínua de linha, páginas em formato A4 (margens superior e inferior de 2,5cm e margens esquerda e direita de 3cm), em coluna única, sem notas de rodapé. O artigo não deverá ultrapassar as 15 páginas incluindo títulos, resumos e palavras-chave (português, inglês e espanhol), referências bibliográficas, tabelas e figuras (gráficos, imagens, etc). NB: Os autores devem dar a maior atenção aos aspetos morfológicos e sintáticos do discurso, evitando erros, redundâncias, jargão...
todologia, Resultados, Discussão e Conclusão, respeitando os Tópicos de análise crítica de um artigo de Investigação Empírica disponíveis em http://esenfc.pt/rr/?module=rr&target=page&id=11681. O autor deve dar atenção a todos os itens e validá-los na checklist a submeter junto com o artigo. Os Artigos Teóricos/Ensaios devem conter as seguintes secções: Título, Resumo, Palavras-chave, Introdução, Desenvolvimento/Dissertação e Conclusão, respeitando os Tópicos de análise crítica de um artigo Teórico/Ensaio disponíveis em http://esenfc.pt/rr/?module=rr&target=page&id=11681. O autor deve dar atenção a todos os itens e validá-los na checklist a submeter junto com o artigo.
1.7 – Tabelas e figuras (gráficos, imagens, etc): Apenas devem ser incluídos os que sejam absolutamente necessários para a compreensão do artigo. Devem ser referidos no texto e estar numerados por ordem de inclusão, em função de cada tipo. Os comentários aos dados e resultados apresentados devem anteceder as respetivas tabelas e figuras (gráficos, imagens, etc). As tabelas devem apresentar o número e título em cabeçalho e as figuras (gráficos, imagens, etc) devem apresentar o número e título no respetivo rodapé. Quaisquer abreviaturas usadas em figura/tabela devem ser descritas no rodapé da mesma.
Os Artigos de Revisão Sistemática devem conter as seguintes secções: Título, Resumo, Palavras-chave, Introdução, Método de Revisão Sistemática, Apresentação dos Resultados, Interpretação dos Resultados e Conclusão, respeitando os Tópicos de análise crítica de um artigo de Revisão Sistemática disponíveis em http://esenfc.pt/rr/?module=rr&target=page&id=11681. O autor deve dar atenção a todos os itens e validá-los na checklist a submeter junto com o artigo.
1.8 – Citações: As citações podem ser diretas ou indiretas. Na citação direta, ou textual, a transcrição ipsis verbis do texto original deve ser apresentado entre aspas e acompanhada do autor, data de publicação e número da página. A citação indireta, ou paráfrase, deve ser acompanhada do autor e data de publicação. A citação no texto deve seguir as normas da American Psychological Association (APA 6ª edição, 2010) conforme os exemplos apresentados na Tabela 1. Todos os autores citados deverão constar da lista de referências bibliográficas e vice-versa.
Os Artigos de Investigação Histórica devem conter as seguintes secções: Título, Resumo, Palavras-chave, Introdução, Seleção do Tema, Enfoque e Formulação de Questões ou Hipóteses, Levantamento da Documentação e a Recolha de Dados, Análise Crítica e Interpretação dos Dados, Resultados e Conclusão, respeitando os Tópicos de análise crítica de um artigo de Investigação Histórica disponíveis em http://esenfc.pt/rr/?module=rr&target=page&id=11681. O autor deve dar atenção a todos os itens e validá-los na checklist a submeter junto com o artigo. Tabela 1 Estrutura Básica de Citação – Citar referências no texto segundo a APA Tipo de Citação no texto
Citação Direta e Indireta
Citação entre parêntesis
1ª Citação
Citações seguintes
1ª Citação
Citações seguintes
Borges (2018)
Borges (2018)
(Borges, 2018)
(Borges, 2018)
Obra de 2 autores
Polit & Beck (2019)
Polit e Beck (2019)
Polit & Beck (2019)
Polit & Beck (2019)
Obra de 3 autores
(Baskind, Osborn, & Roach (2019)
Baskind et al. (2019)
(Baskind, Osborn, & Roach, 2019)
(Baskind et al., 2019)
Obra de 4 autores
Rima, Kerbyson, Jones e Schmid (2020)
Rima et al. (2020)
(Rima, Kerbyson, Jones e Schmid, 2020)
(Rima et al., 2006)
Obra de 5 autores
Webster, Sanders, Ricci, Kyle e Carman (2020)
Webster et al. (2020)
( Webster, Sanders, Ricci, Kyle, & Carman, 2020)
( Webster et al., 2020)
Obra de 6, ou mais, autores
Santos et al. (2018)
Santos et al. (2018)
(Santos et al., 2018)
(Santos et al., 2018)
Grupos como autores (identificados anteriormente com abreviatura)
National Institute of Mental Health (NIMH, 2003)
NIMH (2003)
(National Institute of Mental Health [NIMH], 2003)
(NIMH, 2003)
Grupos como autores (sem abreviatura)
University of Pittsburgh (2005)
University of Pittsburgh (2005)
(University of Pittsburgh, 2005)
(University of Pittsburgh, 2005)
Obra de 1 autor
Fonte: http://www.apastyle.org/
A citação de recursos do(s) mesmo(s) autor(es), publicados na mes- 1.9 - Referências bibliográficas: As referências selecionadas devem ma data, deve ser realizada de acordo com este exemplo. ser preferencialmente primárias. Devem colocar em evidência as puExemplo: Vários artigos ( Webster, 2020a, 2020b, 2020c; Webster & blicações mais representativas do Estado da Arte da problemática, em Sanders, 2020) referem que (…). particular as dos últimos 5 anos. As fontes devem ser localizadas, priviNota: Deve indicar-se também o número de página, no caso de cita- legiando a pesquisa em bases de dados de revistas nacionais e internação textual, tal como nos exemplos: Pereira (2009, p. 20) ou (Pereira, cionais indexadas. As referências bibliográficas devem estar elaboradas 2009, p. 20). de acordo com as normas da American Psychological Association (APA Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº4
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6ª edição, 2010). Todas elas deverão estar citadas no artigo. A lista de referências bibliográficas não deverá exceder 20 títulos. Normas da American Psychological Association (APA) 6ª Edição (2010) - Exemplos Livros - Um autor Borges, E. (2018). Enfermagem do trabalho: Formação, investigação e estratégias de intervenção. Lisboa, Portugal: Lídel. - Dois autores Polit, D. F., & Beck, C. T. (2019). Fundamentos de pesquisa em enfermagem: A avaliação de evidências para a prática da enfermagem (9ª ed.). Porto Alegre, Brasil: Artmed. - Três, quatro ou cinco autores Hach, S., Kaufman, D., Dawson, M., Wyndham, M., & Page, M. (2018). Medical symptons: A visual guide. New York, NY: DK Publishing. - Seis ou mais autores NB: Incluir na bibliografia os nomes até sete autores Santos, A., Gregório, M. J., Sousa, S. M., Anjo, C., Martins, S., Bica, M., & Graça, P. (2018). A importância do potássio e da alimentação na regulação da pressão arterial. Lisboa, Portugal: Direção Geral da saúde. NB: Quando tem oito ou mais autores, incluir os nomes dos seis primeiros autores, seguido de reticências e adicionar o último autor Franci, A., Braunwald, E., Kasper, D., Hauser, S., Longo, D., Jameson, J., . . . Houston, B. (2018). Harrison’s principles of internal medicine: Self assessment and board review. New York, NY: McGraw-Hill Education. Obras do mesmo autor no mesmo ano Netter, F. H. (2019a). Atlas of human anatomy (7th ed.) Philadelphia, PA : Elsevier. Netter, F. H. (2019b). Atlas of human anatomy with latin terminology (7th ed.). Philadelphia, PA: Elsevier. Obra traduzida Yin, R. K. (2015). Estudo de caso: Planejamento e métodos (5ª ed.). (C. M. Herrera, Trad.). Porto Alegre, Brasil: Bookman. (Obra original publicada em 1984). Autor coletividade (organismo, instituição…) Conselho Internacional de Enfermeiros. (2016). CIPE versão 2015: Classificação internacional para a prática de enfermagem. Lisboa, Portugal: Ordem dos Enfermeiros. Direcção-Geral da Saúde. (2019). Plano de ação para a literacia em saúde: Portugal: 2019-2021. Lisboa, Portugal: Autor. Editor literário Dudeck, T. R., & McClure, C. (Eds.) (2018). Applied improvisation: Bleading, collaborating and creating beyond the theatre. London, England: Methuen Drama. Capítulo de Livros Egry, E. Y., & Fonseca, R. M. (2016). Acerca da qualidade nas pesquisas qualitativas em enfermagem. In A. P. Costa (Ed.), Investigação qualitativa: Inovação, dilemas e desafios (4ª ed., Vol. 2, pp. 75-102). Oliveira de Azeméis, Portugal: Ludomedia. Teses e dissertações Braga, L. (2017). Práticas de enfermagem e a segurança do doente
no processo de punção de vasos e na administração da terapêutica endovenosa (Tese de doutoramento). Universidade de Lisboa, Portugal. Artigos de Publicações Periódicas Fernandes, A. S., & Sá, L. (2019). Riscos psicossociais dos profissionais de socorro: A violência em contexto pré-hospitalar. Revista de Enfermagem Referência, 4(21), 131-141. doi: 10.12707/RIV18067 Lee, D. J., Ding, J., & Guzzo, T. J. (2019). Improving operating room efficiency. Current Urology Reports, 20(6), 28. doi: 10.1007/s11934019-0895-3 Hilkner, S. H, Beck, A. R., Tanaka, E. Z, & Dini, A. P. (2019). Perceções de irmãos de crianças hospitalizadas por doença crónica. Revista de Enfermagem Referência, 4(20), 77-86. doi: 10.12707/RIV18074 Morrissey, L., Lurvey, M., Sullivan, C., Challinor, J., Forbes, P. W., Abramovitz, L., . . . Day, S. (2019). Disparities in the delivery of pediatric oncology nursing care by country income classification: International survey results. Pediatric Blood & Cancer, 66(6), 1-9. doi: 10.1002/pbc.27663 Documentos legislativos Decreto-Lei nº 5/20 de 14 de Fevereiro. Diário da República nº 32/2007 - I Série. Presidência do Conselho de Ministros. Lisboa, Portugal. Regulamento nº 4299/20 de 8 de Abril. Diário da República nº 70/20 - II Série. Ministério da Saúde, Gabinete da Ministra. Lisboa, Portugal. Documentos eletrónicos Livros Pickering, G., Zwkhalen, S., & Kaasalainen (2018). Pain management in older adults: A nursing perspective. Recuperado de https:// ehu.on.worldcat.org/search?queryString=no%3A1045796874#/ oclc/1045796874 Sem autor Behaviour modification. (2007). Recuperado de http://www.educational-psychologist.org.uk/behaviour.html Sem data Society of Clinical Psychology. (n.d.). About clinical psychology. Recuperado de http://www.apa.org/divisions/div12/ aboutcp.html Artigos de Publicações Periódicas Sánchez-Migallón, P. D. (2020). Cambios en el control metabólico y en el uso de medicación antidiabética en los pacientes diabéticos tipo 2 en un Centro de Salud. Revista Clínica de Medicina Familiar, 13(1), 22-31. Recuperado de http://scielo.isciii.es/pdf/albacete/ v13n1/1699-695X-albacete-13-01-22.pdf Clark, C. S. (2020). Medical cannabis: The oncology nurse’s role in patient education about the effects of marijuana on cancer palliation. Journal of Oncology Nursing, 22(1), E-1-E-6. doi: 10.1188/18.CJON. E1-E6 Teses Base de dados institucional: Pereira, J. S. (2017). Enfermagem forense no centro hospitalar de Leiria: Realidade dos serviços de urgência (Dissertação de mestrado). Recuperado de https://iconline.ipleiria.pt/handle/10400.8/3064 Consultada na internet: Pereira, J. S. (2017). Enfermagem forense no centro hospitalar de Leiria: Realidade dos serviços de urgência (Dissertação de mestrado, Instituto Politécnico de Leiria). Recuperado de https://iconline. ipleiria.pt/bitstream/10400.8/3064/1/JoanaPereira5140008.pdf
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NOTA: Caso os documentos possuam DOI (Digital Object Identifier) este deve ser apresentado na referência, exemplos: Documento impresso com DOI Lopes, I., Delgado, B. M., Mendes, M. E., Preto, L. S., & Novo, A. F. (2018). Impacto de um programa de exercício físico domiciliário na capacidade funcional da pessoa com doença cardíaca isquémica. Revista de Enfermagem Referência, 4(19), 71-80. doi: 10.12707/RIV18036 Documento eletrónico com DOI Gomes, J., Martins, M., Tronchin, D., & Fernandes, C. S. (2019). Validation of an instrument to measure the results of quality assistance in the operating room. Quality Management in HealthCare, 3(2), 352367. doi: 10.1097/QMH.0000000000000205 Rima, S., Kerbyson, G., Jones, E., & Schmid, M. C. (2020). Advantage of detecting visual events in the right hemifield is affected by reading skill. Vision Research, 169, 41-48. doi: 10.1016/j.visres.2020.03.001 2 - PROCEDIMENTOS DE SUBMISSÃO DO ARTIGO E DOCUMENTOS A JUNTAR 1º Passo: Entrar no site da Revista: http://www.esenfc.pt/rr/. 2º Passo: Clicar no Menu do lado esquerdo em “Autores Registo” e registar-se como autor, caso já se encontre registado efetuar login. 3º Passo: Preenchimento dos dados solicitados (nomeadamente informação sobre autores).
4º Passo: Preenchimento e submissão automática dos documentos obrigatórios, a saber: Checklist de tópicos de análise crítica, selecionando e submetendo apenas a checklist correspondente ao tipo de artigo submetido: a) Tópicos de Análise Crítica de Artigo de Investigação b) Tópicos de Análise Crítica de Artigo Teórico/Ensaio c) Tópicos de Análise Crítica de Artigo de Revisão Sistemática d) Tópicos de Análise Crítica de Artigo de Investigação Histórica Checklist geral de autoverificação, preenchida na totalidade; Termo único (ético-legal, responsabilidade e conflito de interesses); Parecer de comissão de ética (obrigatório para artigos de investigação e se aplicável para restantes tipologias de artigos); Autorização Institucional (se aplicável). 5º Passo: Fazer upload do artigo (sem elementos que façam referência aos autores) construído de acordo com os tópicos de análise crítica específicos de cada tipo de artigo. 6º Passo: Fazer upload da página de título, em formato Word, a qual deve conter obrigatoriamente os seguintes elementos de cada um dos autores: - Nome dos autores, pela ordem em que deverão aparecer no artigo - Identificador ORCID - Instituição, Cidade, Estado (se aplicável), e País - Contribuição no artigo, de acordo com a CRediT – Contributor Roles Taxonomy, disponível em https://casrai.org/credit/ e conforme a Tabela 2.
Tabela 2 CRediT - Taxonomia de Contribuição de Autor Contribuições de Autor
Definição da função
Conceptualização
Formulação ou evolução de ideias, objetivos e metas de investigação abrangentes.
Tratamento de dados
Gestão de atividades para anotar (produzir metadados), limpar e manter dados de investigação (incluindo códigos de software, onde é necessário interpretar os dados em si) para uso inicial e posterior reutilização.
Análise formal
Aplicação de técnicas estatísticas, matemáticas, informáticas ou outras técnicas formais para analisar ou sintetizar dados do estudo.
Aquisição de financiamento
Aquisição do apoio financeiro para o projeto que gerou esta publicação.
Investigação
Condução de um processo de pesquisa e investigação, especificamente a realização de experiências ou recolha de dados/evidências.
Metodologia
Desenvolvimento ou desenho metodológico; criação de modelos.
Administração do projeto
Responsabilidade pela gestão e coordenação do planeamento e da realização da investigação.
Recursos
Fornecimento de materiais de estudo, reagentes, materiais, doentes, amostras laboratoriais, animais, instrumentos, recursos informáticos ou outras ferramentas de análise.
Software
Programação, desenvolvimento de software; conceção de programas informáticos; implementação do código informático e algoritmos de suporte; realização de testes a componentes de código existentes.
Supervisão
Responsabilidade de supervisão e liderança do planeamento e da execução das atividades de investigação, incluindo tutoria externa para a equipa principal.
Validação
Verificação, como parte da atividade ou separadamente, da replicação/reprodutibilidade geral dos resultados/ experiências e outros resultados de investigação.
Visualização
Preparação, criação e/ou apresentação do trabalho publicado, especificamente visualização/apresentação de dados.
Redação - rascunho original
Preparação, criação e/ou apresentação do trabalho publicado, especificamente a escrita do rascunho inicial (incluindo tradução substantiva).
Redação - análise e edição
Preparação, criação e/ou apresentação do trabalho publicado por membros do grupo original de investigação, especificamente análise crítica, comentário ou revisão - incluindo fases pré- e pós-publicação.
Fonte: https://casrai.org/credit/
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A página de título deve ainda incluir a identificação do autor de correspondência, com apresentação do respetivo endereço de e-mail. Caso se aplique, de forma a manter o processo de revisão cega, devem ainda ser incluídos na página de título: - Se aplicável, Agradecimentos (Os autores devem identificar instituições ou pessoas que colaboraram ou contribuíram para a realização da investigação/artigo, de acordo com as normas do ICMJE, conforme consta nas políticas editoriais da Revista de Enfermagem Referência). - Se aplicável, Financiamento (Os autores devem identificar as instituições que prestaram apoio financeiro para a realização da investigação/artigo). - Conflito de Interesses: Os autores devem referir a existência ou não de conflitos de interesses (pessoais, comerciais, académicos, políticos ou financeiros). 3 - PROCESSO DE REVISÃO
de artigo, peritos de língua, documentação e estatística - são anonimizados). Processo de revisão dos artigos submetidos à Revista de Enfermagem Referência e tempo limite de resposta em http:// rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=page&id=11899. A decisão final acerca da oportunidade de publicação dos artigos é da responsabilidade do Editor-Chefe da Revista. A publicação de Artigos Teóricos/Ensaios, Revisão e Investigação Histórica é limitada. Endereço: Revista de Enfermagem Referência Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Avenida Bissaya Barreto s/n 3004 - 011 Coimbra
Os artigos propostos são apreciados num processo double blind (duplamente cego, i.e., os intervenientes - autores, revisores, gestores
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TERMO ÚNICO
(ético-legal, responsabilidade e conflito de interesses) A Direção da Revista de Enfermagem Referência assume uma política editorial de responsabilidade, no sentido de salvaguardar todos os princípios ético legais inerentes ao processo de gestão, revisão, publicação e divulgação, protegendo os direitos das pessoas, instituições, com garantia da utilidade e verdade científica do conhecimento que divulga.
DECLARAÇÕES DE AUTOR: Declaro que o artigo que se submete à Revista de Enfermagem Referência é original e não se encontra publicado ou em apreciação, na íntegra ou em partes por outro periódico, livro de atas ou capítulo de livro. Declaro que os direitos de autor deste artigo são transferidos para a Revista de Enfermagem Referência, assim que ele for aceite para publicação eletrónica ou impressa. Declaro que o texto do artigo não tem plágio e cumpre com rigor os processos de referenciação e citação. Declaro que o artigo descreve com precisão, na metodologia, o cumprimento de todos os aspetos ético legais para realização da investigação. Declaro que sou responsável, bem como os demais autores, por qualquer má prática inerente aos princípios acima descritos, ou quaisquer outros que prejudiquem a dignidade científica da Revista e os princípios de rigor da comunidade científica. Apresento autorização institucional (se aplicável). Apresento Parecer de Comissão de Ética (obrigatório para artigos de investigação e se aplicável para restantes tipologias de artigos). Referente ao manuscrito, declaro que não possuo conflitos de interesse de ordem pessoal, comercial, académico, político ou financeiro. Declaro que todos apoios financeiros e materiais recebidos para desenvolvimento da investigação estão descritos no texto. Comprometo-me a suportar as despesas obrigatórias de tradução, uma vez aceite para publicação. (Nota: O formato bilíngue da Revista será para divulgação em bases de dados.)
Título do artigo: Nome do(s) Autor(es/as): Assinatura legível do Autor Principal: Local e data: Validação do Editor Chefe:
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CHECKLIST DE AUTOVERIFICAÇÃO
(Preencher e enviar à Revista, juntamente com o artigo e a checklist/tópicos de análise crítica específica do artigo) 1. ESTRUTURA DO ARTIGO ( RV___________ ) Tipo É um artigo original. Título É informativo e sucinto (em português, inglês e espanhol). Máximo de 16 palavras, sem abreviaturas,nem indicação da localização da investigação. Autores A identificação dos autores não consta do artigo, encontrando-se em ficheiro separado. O número de autores não é superior a 7. Estão indicados os nomes e respectivas habilitações, categorias profissionais, instituições onde exercem funções (cidade, distrito/estado, país), contactos pessoais (morada, e-mail e telefone) e fontes de financiamento do estudo (se for o caso). Resumo Está apresentado em português, inglês e espanhol. Não excede 170 palavras. Inclui descrição das secções relativas ao tipo de artigo escrito (Artigos de Investigação Empírica; Artigos Teóricos/Ensaios; Artigos de Revisão Sistemática). Palavras-chave São apresentadas, no máximo, 6 palavras-chave. Estão transcritas de acordo com os descritores MeSH (pesquisa em http://www.nlm.nih.gov/mesh/MBrowser.html e/ou http://decs.bvs.br/) Encontram-se em português, inglês e espanhol. Formatação do texto O texto apresenta uma estrutura com todas as secções, conforme está descrito na Revista, em função do tipo de artigo: tópicos de análise crítica de um artigo de investigação, tópicos de análise crítica de um artigo teórico/ensaio, tópicos de análise crítica de um artigo de revisão sistemática, tópicos de análise crítica de um artigo de história e memória, incluindo todos os itens que integram cada secção. O texto tem o máximo de 15 páginas, incluindo referências, tabelas, quadros, gráficos e figuras. Está escrito sem erros semânticos ou morfológicos. Está escrito em coerência com o acordo ortográfico. Na apresentação de dados estatísticos, em português a separação das casas decimais deverá ser feita com vírgula e em inglês com ponto final. Está em formato Word, letra Arial, tamanho 11, espaço 1,5. Página sem justificação, formato A4, em coluna única, com margens superiores e inferiores de 2,5cm e margens esquerda e direita de 3cm.
Sem negritos e sublinhados, nem variação de tipo de letra, fundos de cor, etc. Sem notas de rodapé. Tabelas e figuras São apenas as absolutamente necessárias para a compreensão do artigo. As tabelas e figuras estão apresentadas de acordo com estilo APA (6ª Edição, 2010). Estão numeradas por ordem de inclusão no texto, em função de cada tipo. As tabelas apresentam o título em cabeçalho e as figuras apresentam o título por baixo. Os comentários aos dados e resultados antecedem as respetivas tabelas e figuras. Está correta a forma de apresentação gráfica das tabelas. É clara a apresentação dos dados e resultados, bem como o formato dos símbolos da linguagem estatística. As figuras são legíveis e com indicação da fonte (o formato deverá ser em JPG ou TIF e ter no mínimo 200 DPI de resolução). Citações Todos os autores citados constam da lista de referências bibliográficas. Todas as citações literais e paráfrases cumprem as normas American Psychological Association (APA, 6ª edição, 2010). O conteúdo das citações e paráfrases expressam de forma clara e precisa as fontes citadas. Referências bibliográficas Foram elaboradas de acordo com as Normas da APA 6ª edição (2010; ver os exemplos) e estão ordenadas por ordem alfabética de apelido do autor. Todas estão citadas no texto. São, no máximo, 20 e permitem colocar em evidência as publicações mais representativas do “estado da arte” da problemática (últimos 5 anos). Foi feita pesquisa a bases de dados de revistas indexadas internacionais, incluindo a base de dados da Revista de Enfermagem Referência. 2 – PROCEDIMENTOS DE SUBMISSÃO DO ARTIGO Efetuado registo no site da Revista e submissão electrónica do artigo concluída com êxito. Submeti, na plataforma, os seguintes documentos: Artigo integral; Checklist de autoverificação de verificação genérica; Checklist de análise crítica do tipo de artigo submetido; Página de título; Termo único (ético-legal, responsabilidade e conflito de interesses e os documentos comprovativos).
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COMO CITAR REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA HOW TO CITE REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA APA Marques, P. A. O., Sousa, P. A. F., & Silva, A. A. P. (2013). Confusão Aguda no idoso: Dados para a decisão do enfermeiro. Revista de Enfermagem Referência, 3 (9), 37-43. Recuperado de http://www. scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0874-02832013000100004&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
no idoso: dados para a decisão do enfermeiro. Revista de Enfermagem Referência [Em linha]. Série 3, nº 9 (2013), p. 3743. [Consult. 31 jan. 2014]. Disponível em WWW: <http:// www. scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_ abstract&pid=S0874-02832013000100004&lng=pt& nrm=iso&tlng=pt>. ISSN 0874-0283.
APA - Artigo com DOI (Digital Object Identifier) Marques, P. A. O., Sousa, P. A. F., & Silva, A. A. P. (2013). Confusão Aguda no idoso: Dados para a decisão do enfermeiro. Revista de Enfermagem Referência, 3(9), 37-43. doi: 10.12707/ RIII1292
ISO - Artigo com DOI MARQUES, Paulo Alexandre Oliveira ; SOUSA, Paulino Artur Ferreira de ; SILVA, Abel Avelino de Paiva - Confusão Aguda no idoso: dados para a decisão do enfermeiro. Revista de Enfermagem Referência. Série 3, nº 9 (2013), p. 37-43. doi: 10.12707/ RIII1292. ISSN 0874-0283.
Vancouver - Formato Documento Eletrónico Marques PAO, Sousa PAF, Silva AAP. Confusão Aguda no idoso: dados para a decisão do enfermeiro. Rev Enf Ref [Internet]. 2013 Mar [acesso 2014 Jan 31]; 3(9):37-43. Disponível em: http://www. scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0874-02832013000100004&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt Vancouver - Artigo com DOI Marques PAO, Sousa PAF, Silva AAP. Confusão Aguda no idoso: dados para a decisão do enfermeiro. Rev Enf Ref. 2013 Mar; 3(9):37-43. doi: 10.12707/RIII1292 ISO - Formato Documento Eletrónico MARQUES, Paulo Alexandre Oliveira ; SOUSA, Paulino Artur Ferreira de ; SILVA, Abel Avelino de Paiva - Confusão Aguda
ABNT - Formato Documento Eletrónico MARQUES, P. A. O.; SOUSA, P. A. F.; SILVA, A. A. P. Confusão Aguda no idoso: dados para a decisão do enfermeiro. Revista de Enfermagem Referência, Coimbra, s. 3, n. 9, mar. 2013. Disponível em:<http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_ abstract&pid=S0874-02832013000100004&lng=pt& nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 31 jan. 2014. ABNT - Artigo com DOI MARQUES, P. A. O.; SOUSA, P. A. F.; SILVA, A. A. P. Confusão Aguda no idoso: dados para a decisão do enfermeiro. Revista de Enfermagem Referência, Coimbra, s. 3, n. 9, mar. 2013. doi: 10.12707/RIII1292
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Ficha Técnica/Technical Board Propriedade/Ownership: Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Unidade de Investigação em Ciências da saúde: Enfermagem Avenida Bissaya Barreto s/n - 3004-011 Coimbra / Portugal Telefs. - 239 487 255 / 239 487 200 (ext. 2077) E.mail: referencia@esenfc.pt (Revista de Enfermagem Referência) investiga@esenfc.pt (Unidade de Investigação) URL: http://www.esenfc.pt/rr (Revista de Enfermagem Referência) URL: http://www.esenfc.pt/ui (Unidade de Investigação) Título de Registo de Marca Nacional / Trade Mark Registry: INPI-402077 Depósito Legal / Legal Deposit: 119318/98 ISSNe (electronic version): 2182.2883 ISSNp (print version): 0874.0283 Projeto gráfico e maquetização / Graphic Design: Eurico Nogueira Maquetização / Layout: FIG - Indústrias Gráficas S.A. fig@fig.pt www.fig.pt Tratamento Documental e Metadados / Documentary Support and Metadata: Serviço de Documentação ESEnfC Desenvolvimento e manutenção da plataforma da Revista/ Platform development and maintenance Serviço de Informática da ESEnFC Periodicidade / Periodicity: Publicação contínua/Rolling pass publication
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«Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto Refª UIDB/00742/2020».
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Eixo Estratégico de Desenvolvimento para a Edição e Disseminação do Conhecimento Científico
SÉRIE V - N.º4
PUBLICAÇÃO CONTÍNUA | 2020
EDITORIAL / EDITORIAL Ensino de Enfermagem Num Novo Tempo Nursing Education in a New Time ARTIGOS DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL) / RESEARCH ARTICLES (ORIGINAL) Aceitação de um programa mHealth para prevenção da obesidade em adolescentes: estudo misto sequencial Acceptance of an mHealth program for obesity prevention in adolescents: mixed sequential study Aceptación de un programa de mHealth para la prevención de la obesidad en adolescentes: estudio mixto secuencial Adaptação transcultural brasileira do Resilience Safety Culture Brazilian cross-cultural adaptation of the Resilience Safety Culture Adaptación transcultural brasileña de Resilience Safety Culture Carga de trabalho numa unidade de internamento hospitalar de acordo com o Nursing Activities Score Workload in a hospital inpatient unit using the Nursing Activities Score Carga de trabajo en una unidad de internamiento hospitalario según el Nursing Activities Score Conceptualização dos cuidados de enfermagem à pessoa com deglutição comprometida após o acidente vascular cerebral Conceptualization of nursing care to the person with post-stroke dysphagia Conceptualización de los cuidados de enfermería a la persona con problemas de deglución después del accidente cerebrovascular Construção e validação de uma Escala de Avaliação de Informação Pré-Operatória Development and validation of a Preoperative Information Assessment Scale Construcción y validación de una Escala de Evaluación de la Información Preoperatoria Diagnósticos de enfermagem em idosos hospitalizados à luz da teoria do conforto de Kolcaba Nursing diagnoses in hospitalized elderly patients based on Kolcaba’s Comfort Theory Diagnósticos de enfermería en ancianos hospitalizados según la teoría del confort de Kolcaba Estudo psicométrico: Questionário de Conhecimentos das Intervenções Autónomas de Enfermagem no Doente com Síndrome Coronário Agudo Psychometric study of a Knowledge Questionnaire on Autonomous Nursing Interventions in Patients with Acute Coronary Syndrome Estudio psicométrico: Cuestionario de Conocimientos de las Intervenciones Autónomas de Enfermería en el Paciente con Síndrome Coronario Agudo Impacto da COVID-19 nas dinâmicas sociofamiliares e académicas dos estudantes de enfermagem em Portugal Impact of COVID-19 on the family, social, and academic dynamics of nursing students in Portugal Impacto de la COVID-19 en las dinámicas sociofamiliares y académicas de los estudiantes de enfermería en Portugal Motivações para a experiência transicional das estudantes do curso de especialização em enfermagem Motivations for the transitional experience of students in the nursing specialization degree Motivaciones para la experiencia de transición de las estudiantes de especialización en enfermería Qualidade de vida nos profissionais de enfermagem que exercem funções na estratégia saúde da família Quality of life of nursing professionals working in the family health strategy Calidad de vida de los profesionales de enfermería que desempeñan funciones en la estrategia de salud familiar Vivências de adolescentes com diabetes mellitus tipo 1 Experiences of adolescents with type 1 diabetes Experiencias de adolescentes con diabetes mellitus tipo 1 Vivências dos adolescentes com doença hemato-oncológica na fase diagnóstica: estudo de cariz fenomenológico Experiences of adolescents with cancer and blood diseases at the time of diagnosis: a phenomenological study Experiencias de adolescentes con enfermedad hematooncológica en la fase de diagnóstico: estudio fenomenológico ARTIGOS DE INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA (ORIGINAL) / HISTORICAL RESEARCH ARTICLES (ORIGINAL) Enfermeiros e escolas de enfermagem nos anuários da Universidade de Coimbra, de 1866 a 1956 Nurses and nursing schools in the yearbooks of the University of Coimbra, from 1866 to 1956 Enfermeros y escuelas de enfermería en los anuarios de la Universidad de Coímbra, de 1866 a 1956 ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES ARTIGOS TEÓRICOS-ENSAIOS / THEORETICAL ARTICLES-ESSAYS Análise da teoria de Jean Watson de acordo com o modelo de Chinn e Kramer An analysis of Jean Watson’s theory according to Chinn and Kramer’s model Análisis de la teoría de Jean Watson según el modelo de Chinn y Kramer Avaliação da cultura de segurança do doente em cirurgia ambulatória pelos enfermeiros: protocolo de scoping review Nurses’ assessment of patient safety culture in ambulatory surgery: scoping review protocol Evaluación de la cultura de seguridad del paciente en la cirugía ambulatoria por parte de los enfermeros: protocolo de scoping review UNIDADE DE INVESTIGAÇÃO / RESEARCH UNIT Newsletter