Vª Série - Edição Nº 3

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ISSNe: 2182.2883 / ISSNp: 0874.0283

SÉRIE V

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PUBLICAÇÃO CONTÍNUA | 2020


Editor/Editor Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem/Health Sciences Research Unit: Nursing Escola Superior de Enfermagem de Coimbra/Nursing School of Coimbra Editora Chefe/Editor-in-Chief Tereza Barroso, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra/Nursing School of Coimbra Editora Adjunta/Deputy Editor Isabel Gil, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra/Nursing School of Coimbra Editores Sénior/Senior Editors Aida Cruz Mendes, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra/Nursing School of Coimbra Manuel Alves Rodrigues, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra/Nursing School of Coimbra Conselho Editorial Nacional/National Editorial Board Aliete Cunha Oliveira, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Anabela Pereira, Universidade de Aveiro Ananda Maria Fernandes, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra António Salgueiro Amaral, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Arménio Cruz, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Carolina Graça Henriques, Instituto Politécnico de Leiria Clara Ventura, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Fernando Ramos, Universidade de Coimbra João Alves Apóstolo, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra João Malva, Universidade de Coimbra Manuel José Lopes, Universidade de Évora Maria dos Anjos Dixe, Instituto Politécnico de Leiria Paulo Queirós, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Susana Duarte, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Vítor Rodrigues, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Wilson Correira Abreu, Escola Superior de Enfermagem do Porto Conselho Editorial Internacional / International Editorial Board Afaf Meleis, University of Pennsylvania, Estados Unidos da América do Norte Alacoque Lorenzini Herdemann, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Alan Pearson, University of Adelaide, Austrália António Almeida Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Arja Holopainen, Nursing Research Foundation, Finlândia Carl von Baeyer, University of Saskatchewan, Canadá Christine Webb, University of Plymouth, Reino Unido Dalmo Machado de Lima, Universidade Federal Fluminense, Brasil Danélia Gómez Torres, Universidade Autónoma do Estado de México, México Deborah Finnell, Johns Hopkins School of Nursing, Estados Unidos da América do Norte Eufemia Jacob, University of California, Estados Unidos da América do Norte Francisco Durán, Universidad de Extremadura, Espanha Francisco Félix Lana, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Gilberto Reis da Silva, Universidade Federal da Bahia, Barsil Heidi Parisod, University of Turku, Finlândia Isabel Costa Mendes, Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde, Brasil Jane Salvage, International Council of Nurses Global Nursing, Reino Unido Joakim Öhlén, Universidade de Gothenburg, Suécia Lam Nogueira Bernice, Instituto Politécnico de Macau, Macau Manuel Amezcua, Fundação Índex, Espanha Márcio Tadeu Francisco, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil María Castañeda Hernández, Centro Médico Nacional Siglo XXI, México Maria de Lourdes de Souza, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Miloslav Klugar, University of Adelaide, Austrália Miwako Honda, Tokyo Medical Center, Japão Nancy Reynolds, Johns Hopkins University School of Nursing, Estados Unidos da América do Norte Pirkko Kourri, Savonia University of Applied Sciences, Finlândia Rattikorn Mueannadon, Boromarajonani College of Nursing, Tailândia Rodrigo Chácon Ferrera, Universidad de las Palmas de Gran Canaria, Espanha Zoe Jordan, University of Adelaide, Austrália Conselho Consultivo/Consultive Board Comissão Administrativa e Comissão Externa de Aconselhamento e Comissão de Ética da Unidade de Investigação / Administrative Commission, External Advisory Committee and Ethics Committee of the Research Unit A Revista de Enfermagem Referência apresenta-se em versão eletrónica (ISSNe: 2182.2883). Todo o processo de gestão, da submissão à publicação realiza-se em plataforma web: http://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=articleSubmission, por forma a garantir o controlo de qualidade em todas as fases. / The Journal of Nursing Referência is available in electronic version (ISSNe: 2182.2883). The entire management process, from submission to publication is carried out on a web platform: https://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=articleSubmission Os artigos publicados neste número foram traduzidos para versão inglesa por Técnicos Especializados do Gabinete de Projetos da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. Antes da publicação, a versão inglesa foi validada pelos autores. / The articles published in this edition of the Journal of Nursing Referência were translated into English version by a specialized Technical Projects Offise of the Nursing School of Coimbra. Before publication, the English version was validated by the authors. O Corpo de Revisão e Apoio Técnico e de Redação está acessível em: https://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=page&id=11672 https://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=page&id=11674 The Review Board and Technical Sheet is available at: https://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=page&id=11672 https://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=page&id=11674 Contactos/Contacts Escola Superior de Enfermagem de Coimbra / Nursing School of Coimbra Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem /Health Sciences Research Unit: Nursing Avenida Bissaya Barreto s/n - 3004-011 Coimbra / Portugal Tel. 239 487 255 / 239 487 200 (ext. 2077) E-mail: referencia@esenfc.pt (Revista de Enfermagem Referência / Referência Journal of Nursing) – Secretariado Editorial / Editorial Secretariat (Susana Oliveira) investiga@esenfc.pt (Unidade de Investigação / Research Unit) URL: https://rr.esenfc.pt/rr/ (Revista de Enfermagem Referência – disponível em texto integral / Journal of Nursing Referência – available in full text) https://rr.esenfc.pt/ui/ (Unidade de Investigação/Research Unit)


Ficha Catalográfica REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA. Coimbra, 2010- . Revista de Enfermagem Referência / prop. Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. - Série III, nº1 (jul. 2010) - nº12 (dez. 2013); Série IV, nº1 (fev. 2014) - nº23 (dez. 2019)- . Coimbra: Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem. - 27 cm. - Trianual.- A partir da Série IV a periodicidade é trimestral. - A partir da Série V a periodicidade é em sistema de publicação em fluxo contínuo. Continuada de: Referência: Revista de Educação e Formação em Enfermagem, iniciada em 1998. ISSNe: 2182.2883 / ISSNp: 0874.0283

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Objetivos e Contexto A Revista de Enfermagem Referência é uma revista científica, peer reviewed, editada pela Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem. Esta Unidade de Investigação é acolhida pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e acreditada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. O objetivo da revista é divulgar conhecimento científico produzido no campo específico das ciências da enfermagem, com uma abordagem interdisciplinar englobando a educação, as ciências da vida e as ciências da saúde. É requisito que todos os artigos sejam cientificamente relevantes e originais e de um claro interesse para o progresso científico, a promoção da saúde, a educação em saúde, a eficácia dos cuidados de saúde e tomada de decisão dos profissionais de saúde. Cerca de 80% dos artigos são publicados como artigos científicos originais e cerca de 20% dos artigos são artigos de revisão (revisão sistemática), artigos teóricos e ensaios. O processo de revisão por pares, double blind, inclui 10 fases, da submissão à disseminação (Pré-análise; Checklist; Revisão por pares; Gestão de artigo; Tratamento técnico e documental; Revisão final; Tradução; Maquetização e atribuição de DOI; HTML; Divulgação pelas bases de dados). Os seguintes documentos estão disponíveis aos autores: checklist, termo único e tópicos de análise crítica para ajudar a escrita de artigos científicos de acordo com o seu tipo específico. Os revisores podem aceder a estruturas sistemáticas de avaliação. A gestão do processo de revisão é totalmente automatizada. Isto permite uma ação efetiva de controlo, regulação e avaliação (gestão de autores, revisores e artigo). A revista tem uma extensão internacional e é publicada em formato bilingue (é obrigatória a versão em Inglês). É dirigido a estudantes, investigadores e profissionais das ciências da vida, ciências da saúde e área da educação. Políticas editoriais definidas de acordo com os critérios do Directory of Open Access Journals – DOAJ. Acessível em open access em www. esenfc.pt/rr Sistema de publicação em fluxo contínuo, divulgação em formato digital. Nossa missão: Compartilhar a luz do conhecimento

Aims and Scope The Journal of Nursing Referência is a peer-reviewed scientific journal published by the Health Sciences Research Unit: Nursing. This Research Unit is hosted by the Nursing School of Coimbra and accredited by the Foundation for Science and Technology. The objective of the journal is to disseminate scientific knowledge produced in the specific field of nursing science with an interdisciplinary approach covering the areas of education, life sciences and health sciences. All papers are required to be scientifically relevant and original and to show a clear significance for the scientific progress, health promotion, health education, health care effectiveness and health professionals’ decision-making. Around 80% of the articles published are scientific and original articles, and around 20% of the articles are review papers (systematic review), theoretical papers and essays. The double-blind review process includes 10 stages from submission to dissemination (Pre-analysis; Checklist; Peer review; Article management; Technical and documentary support; Final review; Translation; Layout and DOI Assignment; HTML; Database dissemination). The following documents are available to authors: checklist, author’s statement, and critical analysis topics to help prepare the scientific papers according to its specific type. Reviewers can access systematic assessment structures. The management of the review process is fully automated. This allows for an effective control, regulation and evaluation (authors, reviewers and article management). The Journal has an international dissemination and is published in a bilingual version (the English version is mandatory). It is directed at students, researchers and professionals from the areas of life sciences, health sciences and education. Editorial policies defined according to criteria of Directory of Open Access Journals – DOAJ. Available in open access at www.esenfc.pt/rr Rolling pass publishing system, digital dissemination. Our mission: Sharing the light of Knowledge


EDITORIAL

Programas de autocuidado y rol de la enfermería para mejorar los resultados clínicos en pacientes con insuficiencia cardiaca sobre la terapia o el tratamiento, educación sobre aspectos La insuficiencia cardiaca (IC) ha sido descrita como un clínicos y educación sobre promoción de la salud (Strömproblema de salud pública global, por sus altos costos berg, 2005). La educación es una parte fundamental en de tratamiento, con un gasto de 108 billones de dólares el proceso de aprender a mantener el bienestar físico y estadounidenses anuales; el impacto social por su incre- emocional en los pacientes con IC, mediante el cual se mento en la población mayor, y el hecho de pertenecer al puede dar a conocer los elementos más importantes regrupo de las enfermedades no transmisibles, principales lacionados para la práctica del autocuidado, entendiendo causantes de muertes en el mundo, lo que genera una esta como toda acción positiva que realiza el paciente para millonaria carga económica anual en el sector sanitario, mejorar sus condiciones de salud, de manera consciente representada en el 1-2% del presupuesto destinado a la y perdurable, y convirtiendo estos actos en una conducta atención médica (Lesyuk, Kriza, & Kolominsky-Rabas, aprendida para hacer frente a su enfermedad de manera 2018). Cabe señalar que la tasa de prevalencia de la en- eficaz y con el fin de llevarla de la mejor manera posible fermedad es de 124 por cada 10.000 personas, siendo (Olivella, Bonilla, & Bastidas, 2012). 9,2 veces más frecuente en adultos mayores de 65 años; La educación a los pacientes es uno de los roles profey la tasa de incidencia oscila entre 24 y 38 por cada sionales de los enfermeros. Los enfermeros tienen un 10.000 habitantes (Lesyuk et al., 2018). Se ha estimado gran potencial para ofrecer educación a pacientes con que en 2016 había más de 26 millones de personas en el enfermedades crónicas, por lo que se convierten en los mundo afectadas con este síndrome crónico, de las cuales proveedores primarios del cuidado de la salud de las 5,7 millones correspondían a Estados Unidos. Se espera personas. La educación del paciente por el profesional que para 2030, la cifra en este país ascienda a más de 8 de enfermería sigue dos orientaciones: una, de acción instrumental, que influye en la actitud y el comportamillones de personas (Savarese & Lund, 2017). La IC trae como consecuencia que disminuya la calidad miento del paciente; la otra, de protección, que tiene de vida y se pierdan muchos años de vida productiva, pues la intención de minimizar la aprehensión del paciente esta enfermedad no le permite al paciente continuar con con el tratamiento. El proceso de educación puede ser su vida cotidiana, debido a que se le dificulta más de lo descrito en cinco pasos: 1) evaluación del conocimiento normal realizar tareas básicas como alimentarse, desplazar- previo, la cognición, las actitudes, la motivación y los se o actividades rutinarias dentro de su entorno familiar, errores cometidos por los pacientes en su tratamiento; laboral y social; además del componente psicológico, que 2) identificar lo que se debe enseñar, considerando las puede verse afectado, llegando al punto de tener que potenciales barreras para el aprendizaje; 3) planificación depender de un cuidador, lo cual puede ser atendido a del contenido de la educación, con participación del través de programas educativos y de seguimiento donde paciente para definir objetivos individuales y escoger se fomente la adquisición de habilidades de autocuidado las mejores intervenciones para alcanzarlos; 4) planifi(Cañon-Montañez et al., 2013). cación del modo como la educación será brindada; 5) la En este contexto, es importante mencionar que la edu- evaluación crítica del proceso de educación establecida cación al paciente puede ser definida como un proceso (Strömberg, 2005; Rabelo, Aliti, Domingues, Ruschel, que mejora el conocimiento y las habilidades que influyen & Brun, 2007). en las actitudes que el paciente requiere para mantener El compromiso del enfermo en el proceso educativo es un comportamiento adecuado en bien de su salud. La un factor primordial para asegurar la adherencia al trataeducación dirigida a los pacientes incluye: educación miento. Cuando los pacientes entienden los factores que Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3

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ayudan a su recuperación y cómo pueden ser modificados por ellos mismos en sentido favorable, es más eficaz la terapia (Cañon-Montañez et al., 2013). La instrucción básica comprende informar al enfermo y a su cuidador sobre qué es la IC, qué ha causado que su corazón falle, cómo aliviar el trabajo cardiaco controlando el peso, la ingesta de sal y los líquidos, cuáles son los signos precoces de descompensación y qué hacer cuando aparecen (Rabelo et al., 2007; Strömberg, 2005). De manera que es muy importante que la educación que se brinde al paciente se base en su capacidad de entendimiento, además de que se repita de forma reiterativa para afianzar el logro de habilidades de

autocuidado (Rabelo et al., 2007), y también es crucial tener en cuenta las barreras de aprendizaje que se puedan presentar en el paciente, como edad, comorbilidades, limitaciones funcionales o cognitivas (Strömberg, 2005). Desde luego, es ideal que se realice un plan de cuidado personalizado, donde se promuevan los hábitos de vida saludable de acuerdo con su cultura, género, condición, comorbilidades y condiciones socioeconómicas, y de esta manera favorecer la adaptación a los nuevos cambios y evitar que este plan sea abandonado en el transcurso del tiempo. La figura 1 relaciona posibles estrategias para mejorar el autocuidado en pacientes con IC.

Figura 1. Estrategias para mejorar el autocuidado en pacientes con insuficiencia. cardiaca.

Con todo lo anterior, es fundamental recalcar que las intervenciones educativas del profesional de enfermería deben estar enfocadas a la detección temprana de signos de alarma, a la educación sobre estilos de vida saludable, a la elaboración de un plan de cuidado de acuerdo con las necesidades de cada persona, la resolución de cualquier duda que tenga el paciente o su familia con respecto a la enfermedad, el acompañamiento físico y emocional en cada etapa y, sobre todo, es vital que realice un segui-

miento después del alta hospitalaria, con el fin de reducir los efectos negativos que puedan surgir al no seguir las indicaciones del equipo multidisciplinario de atención, como reingresos hospitalarios, disminución de la calidad de vida y la muerte. La tabla 1 muestra estudios de intervención recientes sobre programas de autocuidado de enfermería con resultados significativos para la mejoría de desenlaces clínicos en pacientes con IC.

Tabla 1 Recientes estudios sobre programas de intervenciones de enfermería de autocuidado para mejorar resultados clínicos en pacientes con insuficiencia cardiaca Autores/año

Intervenciones de enfermería de autocuidado

Desenlaces

Dinh, Bonner, e Ramsbotham (2019)

Intervención individual de autogestión en el alta (insuficiencia Mayor mantenimiento de autocuidado en el cardiaca y sus causas, como manejar los síntomas, restricciones grupo de intervención: (β = 1 0,8, IC 95%: de sal, el manejo de la ingesta de líquidos, ejercicio, uso de me4,7–16.9, p = 0,001). dicamentos, pasos para medir el peso diario y señales de alarma).

Van Spall et al. (2019)

Educación en el alta de autocuidado sobre insuficiencia cardiaca Mayor nivel de preparación para el alta en el para el paciente y el cuidador informal, y visitas domiciliarias di- grupo de intervención: (β = 2,65, IC 95%, rigidas por enfermeras después del alta. 1,37-3,92; p < 0,001)

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Negarandeh, Zolfaghari, Bashi, e Kiarsi (2019)

Seguimiento telefónico personalizado que incluyó la evaluación del estado de autocuidado del paciente, recomendaciones y edu- Conducta de autocuidado fue mejor en el cación necesarias para realizar comportamientos de autocuidado, grupo de intervención: (p < 0,001). monitoreo y reevaluación.

Cui et al. (2019)

Los puntajes de habilidad en medicamentos, modificación de la dieta, apoyo social y conIntervención basada en la teoría de autogestión relacionada con trol de síntomas de la insuficiencia cardiaca las medidas de gestión del autocuidado. fueron mejores en el grupo de intervención: (p < 0,01).

Amaritakomol et al. (2019)

El conocimiento sobre la insuficiencia carIntervención educativa interactiva que enseña a los pacientes y sus diaca y las conductas de autocuidado solo cuidadores sobre el tratamiento de la insuficiencia cardiaca y da mejoró en el grupo de intervención: (p < consejos sobre el manejo de la enfermedad en la vida cotidiana. 0,001).

Nota. Β = coeficiente beta de regresión linear; IC = intervalo de confianza. La mayoría de las intervenciones fueron realizadas en escenarios de programas multidisciplinarios (clínicas de insuficiencia cardiaca) con estrategias de visita domiciliaria y/o educación prealta en el hospital. Los programas educativos fueron centrados en conocimiento, desarrollo de habilidades y conductas de autocuidado (Amaritakomol et al., 2019; Cui et al., 2019; Dinh et al., 2019; Negarandeh et al., 2019; Van Spall et al., 2019). Se puede concluir que es importante conocer las intervenciones de seguimiento, cuidado y educación que se están realizando en torno al cuidado de los pacientes con IC, que buscan alcanzar oportunidades de mejora y, de esta manera, aumentar la calidad de vida de esta población. Sin embargo, aún hay poca evidencia que evalúe el efecto combinado de las intervenciones educativas centradas en programas de autocuidado. La realización de una síntesis actualizada de la evidencia podría contribuir a comprender mejor el impacto de estos estudios para mejorar los resultados clínicos de los pacientes con IC. Referencias Amaritakomol, A., Kanjanavanit, R., Suwankruhasn, N., Topaiboon, P., Leemasawat, K., Chanchai, R., . . . Phrommintikul, A. (2019). Enhancing knowledge and self-care behavior of heart failure patients by interactive educational board game. Games for Health Journal, 8(3), 177-186. doi:10.1089/g4h.2018.0043 Cañon-Montañez, W., & Oróstegui Arenas, M. (2013). Intervenciones educativas de enfermería en pacientes ambulatorios con falla cardiaca. Enfermería Global, 12(3), 52-67. doi:10.6018/eglobal.12.3.160411 Cui, X., Zhou, X., Ma, L.-l., Sun, T.-W., Bishop, L., Gardiner, F. W., & Wang, L. (2019). A nurse-led structured education program improves self-management skills and reduces hospital readmissions in patients with chronic heart failure: A randomized and controlled trial in China. Rural and Remote Health, 19(2), 5270. doi:10.22605/RRH5270 Dinh, H. T., Bonner, A., Ramsbotham, J., & Clark, R. (2019). Cluster randomized controlled trial testing the effectiveness of a self‐management intervention using the teach‐back method for people with heart failure. Nursing & Health Sciences, 21(4), 436-444. doi:10.1111/ nhs.12616 Lesyuk, W., Kriza, C., & Kolominsky-Rabas, P. (2018). Cost-of-illness studies in heart failure: A systematic review 2004–2016. BMC Car-

diovascular Disorders, 18(1), 74. doi:10.1186/s12872-018-0815-3 Negarandeh, R., Zolfaghari, M., Bashi, N., & Kiarsi, M. (2019). Evaluating the effect of monitoring through telephone (tele-monitoring) on self-care behaviors and readmission of patients with heart failure after discharge. Applied Clinical Informatics, 10(2), 261-268. doi:10.1055/s-0039-1685167 Olivella, M., Bonilla, C. P., & Bastidas, C. V. (2012). Fomento del autocuidado en la insuficiencia cardiaca. Enfermería Global, 11(25), 282-286. doi:10.4321/S1695-61412012000100017 Rabelo, E. R., Aliti, G. B., Domingues, F. B., Ruschel, K. B., & Brun, A. O. (2007). What to teach to patients with heart failure and why: The role of nurses in heart failure clinics. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 15(1), 165-170. doi:10.1590/S0104-11692007000100024 Savarese, G., & Lund, L. H. (2017). Global public health burden of heart failure. Cardiac Failure Review, 3(1), 7-11. doi:10.15420/cfr.2016:25:2 Strömberg, A. (2005). The crucial role of patient education in heart failure. European Journal of Heart Failure, 7(3), 363-369. doi:10.1016/j. ejheart.2005.01.002 Van Spall, H. G., Lee, S. F., Xie, F., Oz, U. E., Perez, R., Mitoff, P. R., … Connolly, S. J. (2019). Effect of patient-centered transitional care services on clinical outcomes in patients hospitalized for heart failure: The PACT-HF randomized clinical trial. Journal of the American Medical Association, 321(8), 753-761. doi:10.1001/jama.2019.0710

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Wilson Cañon-Montañez Facultad de Enfermería Universidad de Antioquia Medellín, Colombia E-mail: wilson.canon@udea.edu.co Mónica López de Ávila Facultad de Enfermería Universidad de Antioquia Medellín, Colombia Alba Luz Rodríguez-Acelas, Facultad de Enfermería Universidad de Antioquia Medellín, Colombia

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Self-care programs and the role of nursing in improving clinical outcomes in patients with heart failure Heart failure (HF) has been described as a global public health problem due to its high treatment costs, with an annual expenditure of $108 billion, the social impact due to the increase in population aging, and the fact that it is a non-communicable disease, the main cause of death in the world, thus generating a millionaire annual economic burden in the health sector, represented by 1-2% of the budget allocated to medical care (Lesyuk, Kriza, & Kolominsky-Rabas, 2018). It should be noted that the prevalence rate of this disease is 124 per 10,000 people, being 9.2 times more frequent in older adults over 65. The incidence rate varies between 24 and 38 per 10,000 inhabitants (Lesyuk et al., 2018). It has been estimated that, in 2016, more than 26 million people in the world suffered from this chronic syndrome, of which 5.7 million were located in the United States. It is expected that, by 2030, the figure in this country will be more than 8 million people (Savarese & Lund, 2017). HF results in a decrease in quality of life and the loss of many years of productive life. This disease does not allow the patient to continue with his/her daily life because carrying out basic tasks becomes more difficult, such as feeding, moving, or routine activities within the family, work and social context. Besides, the psychological component may be affected, possibly leading to dependence on a caregiver, a need which can be met through educational and monitoring programs that encourage the acquisition of self-care skills (Cañon-Montañez et al., 2013). Within this scope, it should be noted that patient education can be defined as a process that improves the necessary knowledge and skills for the patient to maintain an appropriate behaviour to his/her health. Patient education focuses on therapy or treatment, clinical aspects, and health promotion (Strömberg, 2005). Education is a key part of the process of learning how to maintain the physical and emotional well-being of patients with HF, providing information on the most important ele-

ments related to self-care. Self-care is considered as any positive action that the patient carries out to improve his/her health conditions, consciously and lastingly, converting these acts into a learned behaviour to deal with his/her illness effectively and to manage it in the best possible way (Olivella, Bonilla, & Bastidas, 2012). Patient education is one of the responsibilities of the nursing profession. Nurses are well-placed to provide education to patients with chronic diseases as they become the health professionals that provide primary care to people. Nurse-led patient education follows two guidelines: one of effective action, which influences the patient’s attitude and behaviour; the other of protection, aiming to minimize the patient’s apprehension about treatment. The educational process can be described in five steps: 1) assessment of prior knowledge, cognition, attitudes, motivation, and mistakes made by patients in their treatment; 2) identification of what should be taught, considering the potential barriers to learning; 3) planning of educational content, with the participation of the patient to define individual goals and choose the best interventions to achieve them; 4) planning how the education will be provided; 5) critical evaluation of the established educational process (Strömberg, 2005; Rabelo, Aliti, Domingues, Ruschel, & Brun, 2007). The patient’s commitment to the educational process is essential to ensure adherence to treatment. When patients understand the factors that help their recovery and how they can change them in their favor, therapy is more effective (Cañon-Montañez et al., 2013). Basic education includes informing the patient and his/ her caregiver about what HF is, what has caused his/her heart to fail, how to relieve the cardiac workload with weight control, salt restrictions, and fluid intake management, what the early signs of decompensation are, and what to do when they appear (Rabelo et al., 2007; Strömberg, 2005). Therefore, patient education should

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take into account his/her capacity to understand and be reinforced and continuous to promote the acquisition of self-care skills (Rabelo et al., 2007). It is also crucial to consider the learning barriers that the patient may face, such as age, comorbidities, functional or cognitive limitations (Strömberg, 2005). Indeed, developing a personalized care

plan is paramount so that healthy living habits are promoted according to the patient’s culture, gender, health status, comorbidities, and socioeconomic conditions, favouring adaptation to new changes and preventing abandonment of the care plan over time. Figure 1 shows possible strategies for improving self-care in patients with HF.

Figure 1. Strategies to improve self-care in patients with heart failure.

Therefore, it should be noted that nurses’ education should focus on early detection of warning signs, education about healthy lifestyles, development of a care plan according to the needs of each person, solving the patient’s and family’s doubts relating to the disease, physical and emotional monitoring at each stage. Above all, it is vital that the patient post-discharge follow-up care

to reduce the negative effects that may result from disregarding the indications of the multidisciplinary care team, such as hospital readmissions, reduced quality of life, and death. Table 1 shows recent intervention studies on nursing self-care programs with significant results for the improvement of clinical outcomes in patients with HF.

Table 1 Recent studies on self-care nursing intervention programs to improve clinical outcomes in patients with heart failure Authors/year

Self-care nursing interventions

Outcomes

Dinh, Bonner, and Ramsbotham (2019)

Individual self-management intervention at discharge (heart failure and Improved self-care maintenance in its causes, symptom management, salt restrictions, fluid intake managethe intervention group: (β = 10.8, ment, exercise, medication use, steps to measure daily weight, and warnHF 95%: 4.7–16.9, p = 0.001). ing signs).

Van Spall et al. (2019)

Higher level of preparation for disSelf-care education on heart failure at discharge for the patient and infor- charge in the intervention group: mal caregiver, and nurse-led home visits after discharge. (β = 2.65, HF 95%, 1.37-3.92; p < 0.001)

Negarandeh, Zolfaghari, Bashi, and Kiarsi (2019)

Personalized telemonitoring that included assessment of the patient’s selfSelf-care behaviour was better in the care status, necessary recommendations and education to adopt self-care intervention group: (p < 0.001). behaviours, monitoring and re-assessment.

Cui et al. (2019)

Scores for medication adherence, dietary modifications, social support, Intervention based on the self-management theory related to self-care and heart failure symptom control management measures were higher in the intervention group: (p < 0.01).

Amaritakomol et al. (2019)

Interactive educational intervention in patients and their caregivers about Knowledge of heart failure and selfheart failure treatment, providing advice on disease management in ev- care behaviours improved only in the eryday life. intervention group: (p < 0.001).

Note. Β = linear regression beta coefficient; CI = confidence interval

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Most interventions were conducted in multidisciplinary program settings (heart failure clinics) with home visiting strategies and/or pre-discharge education. The educational programs focused on knowledge, skill development, and self-care behaviours (Amaritakomol et al., 2019; Cui et al., 2019; Dinh et al., 2019; Negarandeh et al., 2019; Van Spall et al., 2019). In conclusion, it is important to know which follow-up, care, and educational interventions are being carried out regarding the care to patients with HF, with a view to promoting opportunities for improvement and thus increasing the quality of life of this population. However, there is still little evidence that allows assessing the combined effect of educational interventions focused on self-care programs. An updated synthesis of the evidence could contribute to a better understanding of the impact of these studies so as to improve the clinical outcomes of patients with HF. References Amaritakomol, A., Kanjanavanit, R., Suwankruhasn, N., Topaiboon, P., Leemasawat, K., Chanchai, R., . . . Phrommintikul, A. (2019). Enhancing knowledge and self-care behavior of heart failure patients by interactive educational board game. Games for Health Journal, 8(3), 177-186. doi:10.1089/g4h.2018.0043 Cañon-Montañez, W., & Oróstegui Arenas, M. (2013). Intervenciones educativas de enfermería en pacientes ambulatorios con falla cardiaca. Enfermería Global, 12(3), 52-67. doi:10.6018/ eglobal.12.3.160411 Cui, X., Zhou, X., Ma, L.-l., Sun, T.-W., Bishop, L., Gardiner, F. W., & Wang, L. (2019). A nurse-led structured education program improves self-management skills and reduces hospital readmissions in patients with chronic heart failure: A randomized and controlled trial in China. Rural and Remote Health, 19(2), 5270. doi:10.22605/RRH5270 Dinh, H. T., Bonner, A., Ramsbotham, J., & Clark, R. (2019). Cluster randomized controlled trial testing the effectiveness of a self‐management intervention using the teach‐back method for people with heart failure. Nursing & Health Sciences, 21(4), 436-444. doi:10.1111/nhs.12616 Lesyuk, W., Kriza, C., & Kolominsky-Rabas, P. (2018). Cost-ofillness studies in heart failure: A systematic review 2004–2016. BMC Cardiovascular Disorders, 18(1), 74. doi:10.1186/s12872018-0815-3

Negarandeh, R., Zolfaghari, M., Bashi, N., & Kiarsi, M. (2019). Evaluating the effect of monitoring through telephone (tele-monitoring) on self-care behaviors and readmission of patients with heart failure after discharge. Applied Clinical Informatics, 10(2), 261-268. doi:10.1055/s-0039-1685167 Olivella, M., Bonilla, C. P., & Bastidas, C. V. (2012). Fomento del autocuidado en la insuficiencia cardiaca. Enfermería Global, 11(25), 282-286. doi:10.4321/S1695-61412012000100017 Rabelo, E. R., Aliti, G. B., Domingues, F. B., Ruschel, K. B., & Brun, A. O. (2007). What to teach to patients with heart failure and why: The role of nurses in heart failure clinics. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 15(1), 165-170. doi:10.1590/ S0104-11692007000100024 Savarese, G., & Lund, L. H. (2017). Global public health burden of heart failure. Cardiac Failure Review, 3(1), 7-11. doi:10.15420/ cfr.2016:25:2 Strömberg, A. (2005). The crucial role of patient education in heart failure. European Journal of Heart Failure, 7(3), 363-369. doi:10.1016/j.ejheart.2005.01.002 Van Spall, H. G., Lee, S. F., Xie, F., Oz, U. E., Perez, R., Mitoff, P. R., … Connolly, S. J. (2019). Effect of patient-centered transitional care services on clinical outcomes in patients hospitalized for heart failure: The PACT-HF randomized clinical trial. Journal of the American Medical Association, 321(8), 753-761. doi:10.1001/jama.2019.0710

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Wilson Cañon-Montañez Faculty of Nursing University of Antioquia Medellín, Colombia E-mail: wilson.canon@udea.edu.co Mónica López de Ávila Faculty of Nursing University of Antioquia Medellín, Colombia Alba Luz Rodríguez-Acelas, Faculty of Nursing University of Antioquia Medellín, Colombia

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SUMÁRIO

EDITORIAL / EDITORIAL Programas de autocuidado y rol de la enfermería para mejorar los resultados clínicos en pacientes con insuficiencia cardiaca Self-care programs and the role of nursing in improving clinical outcomes in patients with heart failure Wilson Cañon-Montañez; Mónica López de Ávila; Alba Luz Rodríguez-Acelas

ARTIGOS DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL) / RESEARCH ARTICLES (ORIGINAL) Conhecimentos, satisfação e autoconfiança em profissionais de saúde: simulação com manequim versus paciente-ator Knowledge, satisfaction, and self-confidence in health professionals: simulation with manikin versus simulated patient Síntia Nascimento Reis; Ciara Cristina Neves; Diego Alcântara Alves; Raquel Rabelo de Sá Lopes; Kleyde Ventura de Souza; Liliane da Consolação Campos Ribeiro; Helisamara Mota Guedes

Construção e validação da Escala de Empowerment Individual no contexto da doença crónica Development and validation of the Individual Empowerment Scale in the context of chronic disease Elisabete Lamy da Luz; Fernanda dos Santos Bastos; Margarida Maria Vieira

Cuidador informal de pessoa dependente no autocuidado: fatores de sobrecarga Informal caregiver of dependent person in self-care: burden-related factors Maria dos Anjos Coelho Rodrigues Dixe; Ana Isabel Fernandes Querido

Deteção precoce do cancro infantojuvenil nos cuidados de saúde primários: possibilidades e limitações Early detection of childhood and adolescent cancer in Primary Health Care: possibilities and limitations Thainá Karoline Costa Dias; Jael Rúbia Figueiredo de Sá França; Maria de Fátima Oliveira Coutinho Silva; Evelyne de Lourdes Neves Oliveira; Hanna Louise Macedo Marinho; Adriana Pereira de Goes

Efetividade de um programa de formação na gestão emocional dos enfermeiros perante a morte do doente Effectiveness of a training program for nurses’ emotional management of patient death Nelson Jacinto Pais; Cristina Raquel Batista Costeira; Armando Manuel Marques Silva; Isabel Maria Pinheiro Borges Moreira

Estudo preliminar da Escala do Medo do Parto antes da Gravidez numa amostra de estudantes universitários Preliminary study of the Portuguese version of the Childbirth Fear Prior to Pregnancy Scale in a sample of university students Marlene de Jesus da Silva Ferreira; Zélia de Macedo Teixeira

Hospitalização na gravidez de alto risco: representações sociais das gestantes Hospital admission in high-risk pregnancies: the social representations of pregnant women Antonia Regynara Moreira Rodrigues; Dafne Paiva Rodrigues; Maria Adelaide Moura da Silveira; Antonia de Maria Gomes Paiva; Ana Virgínia de Melo Fialho; Ana Beatriz Azevedo Queiroz

Prevalência e fatores de risco associados ao acidente vascular cerebral em pessoas com hipertensão arterial: uma análise hierarquizada Prevalence and risk factors associated with stroke in hypertensive patients: a hierarchical analysis Erisonval Saraiva da Silva; José Wicto Pereira Borges; Thereza Maria Magalhães Moreira; Malvina Thais Pacheco Rodrigues; Ana Célia Caetano de Souza

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Protocolo de intervenção individual baseado na terapia de reminiscência em idosos com perturbação neurocognitiva Individual intervention protocol based on reminiscence therapy for older people with neurocognitive disorders Susana Isabel Justo-Henriques; Enrique Pérez-Sáez; João Luís Alves Apóstolo

Segurança do doente: potenciais interações medicamentosas favorecidas pela sobreposição de medicamentos programados pelo enfermeiro Patient safety: potential drug-drug interactions caused by the overlapping of medications agreed by the nurse Andressa Aline Bernardo Bueno; Célia Pereira Caldas; Flavia Giron Camerini; Cintia Silva Fassarella; Aline Affonso Luna

Vivências dos adolescentes acerca das substâncias psicoativas e sua interface com género, políticas e media Adolescents’ experiences of psychoactive substances and their interface with gender, politics, and the media Camila Souza de Almeida; Francisco Carlos Félix Lana

Vivências maternas em situação de morte fetal Mothers’ experiences of fetal death Ana Maria Casalta Miranda; Maria Otília Brites Zangão

Vivências paternas na realização da posição canguru com recém-nascidos de baixo peso Fathers’ experiences using the kangaroo position with low-birth-weight infants Luisamara Leal Lopes; Alessandra Vaccari; Fernanda Araújo Rodrigues; Silvani Herber

ARTIGOS DE INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA (ORIGINAL) / HISTORICAL RESEARCH ARTICLES (ORIGINAL)

Enfermeiros entre os funcionários dos Hospitais da Universidade de Coimbra, 1779 a 1797: particularidades e implicações Nurses in the staff of the Coimbra University Hospitals, 1779-1797: particularities and implications Paulo Joaquim Pina Queirós; Patricia Domínguez-Isabel; Blanca Espina-Jerez; Elisabete Pinheiro Alves Mendes Fonseca; Sagrário Gómez-Cantarino

ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES

Estudos realizados em Portugal no âmbito do cateterismo venoso periférico: protocolo de scoping review Studies carried out in Portugal in the area of peripheral venous catheterization: scoping review protocol Paulo Jorge dos Santos-Costa; Liliana Baptista Sousa; Inês Alexandra Figueira Marques; Anabela de Sousa Salgueiro-Oliveira; Pedro Miguel Dinis Parreira; Margarida Maria da Silva Vieira; João Manuel Garcia Nascimento Graveto

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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Conhecimentos, satisfação e autoconfiança em profissionais de saúde: simulação com manequim versus paciente-ator

Knowledge, satisfaction, and self-confidence in health professionals: simulation with manikin versus simulated patient Conocimiento, satisfacción y autoconfianza en los profesionales de la salud: simulación con maniquí frente a paciente-actor Síntia Nascimento Reis 1 https://orcid.org/0000-0003-4235-5398 Ciara Cristina Neves 2 https://orcid.org/0000-0002-0187-7467 Diego Alcântara Alves 2 https://orcid.org/0000-0002-5427-1629 Raquel Rabelo de Sá Lopes 1 https://orcid.org/0000-0002-8221-1404 Kleyde Ventura de Souza 3 https://orcid.org/0000-0002-0971-1701 Liliane da Consolação Campos Ribeiro 1,2 https://orcid.org/0000-0003-1828-8914 Helisamara Mota Guedes 1,2 https://orcid.org/0000-0001-9848-4936

1 Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Mestrado Profissional Ensino em Saúde, Diamantina, Minas Gerais, Brasil 2 Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Departamento de Enfermagem, Diamantina, Minas Gerais, Brasil 3 Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

Autor de correspondência: Helisamara Mota Guedes E-mail: helisamaraguedes@gmail.com

Recebido: 12.03.20 Aceite: 25.05.20

Resumo Enquadramento: A associação de diferentes estratégias de ensino na saúde que articulem teoria e prática tem sido apontada como um mecanismo eficaz no ensino. Objetivo: Comparar o conhecimento, satisfação e autoconfiança de profissionais de saúde em relação à simulação clínica com manequim de alta fidelidade versus paciente-ator. Metodologia: Estudo quase experimental que ocorreu por meio de aplicação de prova de conhecimentos e Escala de Satisfação dos Estudantes e Autoconfiança na Aprendizagem durante um curso teórico-prático com a temática pré-natal para profissionais da saúde. Procedeu-se a análise estatística e inferencial. Resultados: Dos 44 participantes, a média de respostas corretas na primeira prova de conhecimentos foi de 7 e na segunda prova de conhecimentos de 8. O conhecimento aumentou após exposição teórica e simulação (p < 0,000). Pôde observar-se que não houve diferença significativa entre os grupos “Ator” e “SimMan” (p > 0,05) dos dois domínios que abordam a satisfação e a autoconfiança. Conclusão: A média geral da satisfação e autoconfiança foi maior no grupo com atores comparando com o “SimMan”. Palavras-chave: simulação; reeducação profissional; aprendizagem; treinamento com simulação de alta fidelidade; simulação de paciente Abstract Background: Combining various teaching strategies that merge theory and practice has been considered an efficient method in health education. Objective: To compare health professionals’ knowledge, satisfaction, and self-confidence regarding clinical simulation with a high-fidelity manikin or a simulated patient. Methodology: A quasi-experimental study was carried out through the application of a theoretical knowledge test and the Student Satisfaction and Self-confidence in Learning Scale during a theoretical-practical course in prenatal care for health professionals. An inferential statistical analysis was performed. Results: Considering the 44 participants in the study, the mean of correct answers was 7 in the first theoretical knowledge test, and 8 in the second. Knowledge increased after theoretical explanation and simulation (p < 0.000). There was no significant difference between the “Actor” and “SimMan” simulation groups (p > 0.05) in the two dimensions concerning satisfaction and self-confidence. Conclusion: The overall mean of satisfaction and self-confidence was higher in the “Actor” group than in the “SimMan” group. Keywords: simulation; professional retraining; learning; high fidelity simulation training; patient simulation Resumen Marco contextual: La asociación de diferentes estrategias de enseñanza de la salud que articulan la teoría y la práctica se ha señalado como un mecanismo eficaz en la enseñanza. Objetivo: Comparar los conocimientos, la satisfacción y la autoconfianza de los profesionales de la salud en relación con la simulación clínica con un maniquí de alta fidelidad frente a un paciente-actor. Metodología: Estudio casi experimental realizado mediante la aplicación de la prueba de conocimientos y la Escala de Satisfacción de los Estudiantes y Autoconfianza en el Aprendizaje durante un curso teórico-práctico sobre el tema prenatal para los profesionales de la salud. Se realizó un análisis estadístico e inferencial. Resultados: De los 44 participantes, la media de respuestas correctas en la primera prueba de conocimientos fue de 7 y en la segunda prueba de conocimientos, de 8. El conocimiento aumentó después de la exposición teórica y la simulación (p < 0,000). Se pudo observar que no había una diferencia significativa entre los grupos “Actor” y “SimMan” (p > 0,05) de los dos dominios que abordan la satisfacción y la autoconfianza. Conclusión: La media general de la satisfacción y la autoconfianza fue mayor en el grupo con actores en comparación con el “SimMan”. Palabras clave: simulación; reentrenamiento en educación profesional; aprendizaje; enseñanza mediante simulación de alta fidelidade; simulación de paciente

Como citar este artigo versão portuguesa: Reis, S. N., Neves, C. C., Alves, D. A., Lopes, R. R., Souza, K. L., Ribeiro, L. C., & Guedes, H. M. (2020). Conhecimentos, satisfação e autoconfiança em profissionais de saúde: simulação com manequim versus paciente-ator. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20034. doi:10.12707/RV20034

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Reis, S. N. et al.

Introdução A simulação é vista como um método efetivo e inovador que amplia as relações entre a teoria e a prática do estudante num ambiente controlado e isento de riscos, oferecendo melhores oportunidades de aprendizagem e treinamento, contribuindo para a formação profissional (Baptista, Martins, Pereira, & Mazzo, 2014). O uso da simulação realística na capacitação dos profissionais de saúde contempla a prática de habilidades necessárias num ambiente que permite erros e crescimento profissional, sem colocar em risco a segurança do paciente. Assim, é possível aprimorar habilidades sem prejudicar o paciente durante o processo de aprendizagem em que o conhecimento é construído a partir de situações programadas, simuladas em cenários protegidos e controlados (Negri et al., 2017). Os avanços tecnológicos têm contribuído para a implementação de estratégias de simulação. Existem no mercado simuladores de baixa, média e alta fidelidade, sendo que a fidelidade está relacionada com os recursos tecnológicos que o mesmo possui, e não às características do cenário simulado. Os simuladores de baixa fidelidade visam o treinamento de habilidades, possuem baixo custo e a sua manutenção é simples. O modelo é parecido com a anatomia humana, pode ser de corpo completo ou parcial, permite movimentos bruscos e não apresenta qualquer tipo de respostas às intervenções efetuadas. O simulador de média fidelidade vai além dos aspetos anatómicos, permite uma interação com os estudantes num cenário simples para o desenvolvimento de competências específicas, envolvendo atividades de média complexidade. Além de aspetos anatómicos, apresenta sons respiratórios e cardíacos, pulsos e condução elétrica cardíaca que pode ser monitorizada. Os manequins de alta fidelidade são fisiologicamente semelhantes a uma pessoa, possuem movimentação e respostas a ações realizadas durante a atividade, sons e ruídos, verificação de sinais vitais e monitorização hemodinâmica, possibilitando a realização de uma grande quantidade de cenários reais com diversas intervenções. O seu funcionamento é gerido por um computador (Martins et al., 2012). Toda esta tecnologia exige manutenção especializada, e torna o seu custo elevado, o que dificulta a sua aquisição. Oliveira, Prado, e Kempfer (2014), num estudo de revisão, afirmam que a simulação contribui para um aumento da confiança e da autoeficácia, melhora a comunicação, o desempenho e o conhecimento, além de permitir um feedback rápido, com aprendizagem ativa e reflexiva. Favorece o trabalho em equipa, a tomada de decisão e julgamento clínico, associados à satisfação dos alunos. O estudo realizado por Ferreira, Guedes, Oliveira, e Miranda (2018) revelou um aumento na satisfação e autoconfiança dos estudantes após a simulação e, desta forma, este estudo pretende saber se a satisfação e autoconhecimento dos profissionais de saúde mudam quando existe paciente-ator e manequim de alta fidelidade. Organizar formações para profissionais de saúde não é uma tarefa simples, uma vez que estes profissionais possuem uma carga horária extensa no trabalho e muitas vezes

não são dispensados das suas atividades para frequentar estas formações. A associação de diferentes estratégias de ensino na saúde que articulem teoria e prática tem sido apontada como um mecanismo eficaz no ensino, capaz de formar profissionais mais críticos, reflexivos e preparados para a atuação profissional, providos com a maturidade esperada pela sociedade (Negri et al., 2017). O presente estudo justifica-se pela possibilidade de inserção e análise de novas modalidades ativas e estratégias de ensino e aprendizagem para os profissionais de saúde através da educação permanente. A utilização de estratégias de ensino aceites pelos profissionais de saúde tende a aumentar a adesão destes aos cursos de capacitação. Este estudo objetivou comparar o conhecimento, satisfação e autoconfiança de profissionais de saúde em relação à simulação clínica com manequim de alta fidelidade versus paciente-ator.

Enquadramento A simulação realística tem sido assunto de estudos recentes e tem demonstrado ser um método eficaz no processo de ensino-aprendizagem, com maior ênfase ao estudo dos discentes. A metodologia com simulação realística aproxima o aluno do real, onde se é permitido errar, refazer as suas ações, propor intervenções e realizar um atendimento ao paciente sem riscos, o que no ambiente real poderia causar danos com aumento do tempo de internamento e gastos hospitalares (Rohrs, Santos, Barbosa, Schulz, & Carvalho, 2017). Ao descrever a importância da simulação e das suas dimensões, o estudo de Negri et al. (2017) destaca que a simulação é frequentemente utilizada na formação tanto de estudantes como de profissionais experientes, e pode ser aplicada em todo o processo de formação, desde a universidade até às instituições de saúde. No ambiente de simulação, os educadores devem ter habilidades e conhecimentos específicos para preparar os estudantes antes de os inserir na atividade, considerando o nível de experiência e aprendizagem. A estruturação do cenário é uma etapa importante para garantir a eficácia da simulação, a qual inclui montagem do ambiente que se pretende reproduzir, caracterização do manequim ou ator e definição de objetivos claros. Neste processo, erros e falhas podem ocorrer e, se não forem trabalhados corretamente pelo professor, comprometem o sucesso da estratégia e a qualidade do ensino. Todo este cuidado irá colaborar com a partilha e adaptação dos cenários aos diferentes contextos de ensino para favorecer a aprendizagem (Silva & Oliveira-Kumakura, 2018). A ferramenta de simulação paciente-padrão, neste estudo chamado de paciente-ator, consiste em atores treinados para atuar e reproduzir comportamentos de utentes em diversas situações e estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde. Os atores são preparados a partir de reuniões realizadas com os investigadores para esclarecer e definir as formas de atuação e as falas (Costa, Medeiros, Coutinho, Mazzo, & Araújo, 2020). Os manequins de alta fidelidade são programados por um software e apresentam

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as respostas previstas pelo sistema operacional. Estudos apontam que a junção de diferentes estratégias de ensino, como a tradicional (aula expositiva e treino de habilidades), com a simulação, promovem a satisfação e autoconfiança na aprendizagem dos estudantes (Costa et al., 2020; Ferreira et al., 2018). Espera-se que, desta forma, estudantes satisfeitos e autoconfiantes sejam capazes de dominar os conteúdos que lhes são apresentados, desenvolvendo competências e habilidades, estando aptos a executar o que foi aprendido no ambiente clínico e mudando a realidade no ambiente onde estão inseridos (Costa et al., 2020).

Hipótese de investigação A simulação de alta fidelidade realizada com profissionais de saúde apresenta resultados melhores no respectivo conhecimento, satisfação e autoconfiança, comparado com a simulação com paciente-ator.

Metodologia Trata-se de um estudo quase-experimental realizado com profissionais de saúde dos cuidados de saúde primários que realizam consultas de pré-natal. O estudo foi desenvolvido durante o Curso de Pré-Natal Baseado em Evidências Científicas (PRENABE) oferecido no Departamento de Enfermagem em parceria com o Programa de Pós Graduação em Ensino em Saúde (EnSa) da Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). O curso teve uma carga horária de 40 horas. A parte teórica foi conduzida por um obstetra do Hospital Sofia Feldman (HSF). As aulas teóricas expositivas e interativas foram baseadas em casos clínicos, as práticas foram realizadas nos laboratórios, utilizando como estratégia a resolução de cenários complexos em ambiente realístico. O evento foi divulgado de forma online, no site da UFVJM, redes sociais, cartazes impressos nos serviços de saúde, nas reuniões e e-mail dos gestores municipais. Foram disponibilizadas 60 vagas distribuídas entre enfermeiros e médicos. Aos inscritos, uma semana antes do curso foi enviado material de estudo para leitura prévia sobre os temas a serem abordados no evento. No momento da inscrição, os participantes preencheram, via online, um formulário contendo o nome, informações referentes ao atendimento de consulta pré-natal, idade, município e profissão. Antes do início das atividades presenciais do curso, os participantes foram convidados a participarem no estudo. A recusa em participar na investigação não excluiu os participantes de realizar as atividades do PRENABE. Para avaliar o conhecimento dos participantes foi aplicada uma prova de conhecimentos teórica com a temática pré-natal com um total de 10 questões, antes (pré-teste) e após (pós-teste) o curso. A prova de conhecimentos foi constituída por questões de concursos brasileiros disponíveis na internet. Tanto a

prova de conhecimentos como os estudos de caso utilizados na simulação com a temática pré-natal passaram por uma validação de cinco juízes da área. Os juízes foram selecionados utilizando os critérios de Fehring (1987). As questões da prova de conhecimentos e os casos clínicos foram avaliados quanto à clareza, objetividade e pertinência dos itens de avaliação. As sugestões foram acatadas respeitando-se o limite de índice mínimo de concordância de 80% para cada item, de acordo com o teste de Kappa. O índice de concordância deste estudo foi de 100% em cada item. Compareceram no curso 44 profissionais. Após as aulas teóricas, os participantes foram divididos em dois grupos: um grupo participou na simulação de alta fidelidade com paciente-ator (22 participantes) e outro grupo com manequim de alta-fidelidade, o SimMan 3G (22 participantes). A estratificação dos participantes foi por sorteio de cada categoria profissional, tendo cada grupo sido composto por médicos e enfermeiros na mesma proporção. O somatório da participação nos três cenários foi de 63 participações para as simulações com paciente-ator e de 53 participações para a simulação com manequins de alta fidelidade. Por motivos profissionais, nem todos os profissionais de saúde puderam participar em todos os cenários. O tempo de cada cenário foi de aproximadamente 30 minutos, sendo 5 minutos de reconhecimento do cenário, 15 para o desenvolvimento e 10 minutos de debriefing. Os cenários tiveram como temas: hemorragia de primeiro trimestre, vacinas, e diabetes mellitus gestacional. A escolha dos temas surgiu de outro estudo realizado pelos autores, que identificou uma prática inadequada dos profissionais identificados nos registos dos cartões de pré-natal. A construção dos cenários seguiu as orientações de design de simulação quanto aos objetivos de ensino-aprendizagem, à fidelidade, à resolução de problemas, ao apoio ao estudante e ao debriefing (Lemos, 2011). Os cenários foram construídos com base na revisão da literatura e colaboração de experts na área clínica. Com o intuito de verificar a satisfação e autoconfiança dos estudantes com o método aplicou-se a Escala de Satisfação dos Estudantes e Autoconfiança na Aprendizagem (ESEAA), validada na língua portuguesa por Almeida et al. (2015). Trata-se de uma escala desenvolvida para mensurar a satisfação e autoconfiança do indivíduo adquirida através da simulação de alta fidelidade, composta por 13 itens do tipo Likert de 5 pontos, dividida em duas dimensões (Satisfação - item 1 ao 5 e Autoconfiança na aprendizagem - item 6 ao 13). Os dados foram organizados no Microsoft Excel e analisados no software estatístico IBM SPSS Statistics, versão 23.0. e no R, versão 3.5.1. Na análise descritiva das variáveis categóricas de caracterização da amostra foram utilizadas as frequências absolutas e relativas. Já na descrição das variáveis numéricas e dos itens dos constructos foram utilizadas medidas de posição, tendência central e dispersão, sendo uma das medidas utilizadas o intervalo percentílico bootstrap com 95% de confiança. Os indicadores foram criados a partir da média dos seus respetivos itens, sendo que para o teste da igualdade de resposta entre grupos de respondentes, paciente-ator e

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SimMan, foi utilizado o teste de Mann-Whitney, para um nível de significância de 5%. Para o teste de igualdade entre grupos emparelhados foi utilizado o teste de Wilcoxon. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (CEP/UFVJM), sob o Parecer n° 2.781.672.

Resultados Dos 44 participantes, 25 (55,6%) eram do sexo feminino, 13 (28,9%) do sexo masculino e 7(15,5%) não informaram este dado. A idade média foi 32,80 anos (DP = ± 8,25 anos). Vinte e dois (50%) eram enfermeiros e 22 (50%) eram médicos. O tempo de formação médio dos indivíduos foi 7,78 anos (DP = ± 7,20 anos). A média de respostas corretas na primeira prova de conhecimentos (pré-teste) foi de 7 (mínimo de 4 e máximo de 9) e na segunda prova de conhecimentos (pós-teste), após aula teórica e simulação, de 8 (mínimo de 6 e máximo de 9). Houve diferença estatisticamente significativa entre as pontuações obtidas nas duas provas de conhecimentos

(p < 0,000), o conhecimento aumentou após exposição teórica e simulação. Todos os itens do questionário de satisfação dos estudantes e autoconfiança na aprendizagem apresentam média acima de 3, o que indica que todos os respondentes concordaram com os itens do questionário. No domínio Satisfação com a aprendizagem atual, o item que apresentou média mais próxima de concordo totalmente, para o paciente-ator foi o item questão (QS) 1 (Os métodos de ensino utilizados foram úteis e eficazes) e para o SimMan foi o item QS5 (A forma como o meu professor ensinou através da simulação foi adequada para a forma como eu aprendo). No domínio A autoconfiança na aprendizagem, o item que apresentou média mais próxima de concordo totalmente, para o paciente-ator foi o item QS11 (Eu sei como obter ajuda quando eu não entender os conceitos abordados na simulação) e para o SimMan foi o item QS10 (É minha responsabilidade como aluno aprender o que eu preciso saber através da atividade de simulação). A Tabela 1 apresenta a descrição e comparação dos itens do questionário da ESEAA no cenário (Paciente- Ator e SimMan).

Tabela 1 Descrição dos itens do questionário ESEAA Constructo

Satisfação com a aprendizagem atual

A autoconfiança na aprendizagem

Itens

Paciente-Ator

SimMan*

n

Média

DP

IC - 95%¹

n

Média

DP

IC - 95%¹

QS1

63

4,30

0,50

[4,19; 4,43]

53

3,89

0,89

[3,64; 4,13]

QS2

63

3,95

0,87

[3,73; 4,16]

53

3,79

0,88

[3,55; 4,02]

QS3

63

4,11

0,60

[3,97; 4,27]

53

4,08

0,73

[3,89; 4,26]

QS4

63

3,92

0,79

[3,71; 4,11]

53

3,89

0,95

[3,62; 4,13]

QS5

63

4,10

0,71

[3,92; 4,27]

53

4,09

0,71

[3,91; 4,28]

Geral

63

4,08

0,59

[3,94; 4,21]

53

3,95

0,71

[3,75; 4,15]

QS6

63

4,05

0,73

[3,87; 4,22]

52

4,21

0,72

[4,00; 4,40]

QS7

63

4,03

0,80

[3,81; 4,22]

53

3,92

0,90

[3,70; 4,17]

QS8

63

4,24

0,53

[4,11; 4,37]

53

4,13

0,76

[3,92; 4,30]

QS9

63

4,14

0,53

[4,02; 4,27]

53

4,06

0,66

[3,89; 4,21]

QS10

63

4,25

0,69

[4,08; 4,41]

53

4,32

0,64

[4,15; 4,49]

QS11

63

4,27

0,57

[4,14; 4,40]

53

4,15

0,72

[3,94; 4,32]

QS12

63

4,19

0,59

[4,05; 4,33]

53

4,09

0,71

[3,91; 4,28]

QS13

63

3,90

0,84

[3,68; 4,11]

53

3,77

1,07

[3,47; 4,04]

Geral

63

4,13

0,44

[4,03; 4,24]

52

4,07

0,56

[3,92; 4,23]

Nota. *SimMan = manequim de alta fidelidade; QS = questão; DP = desvio-padrão; IC = intervalo de confiança. ¹Intervalo de confiança Bootstrap.

A Tabela 2 apresenta a comparação entre as respostas da Escala de Satisfação dos Estudantes e Autoconfiança na Aprendizagem no cenário (Paciente-Ator e SimMan), quanto aos indicadores do questionário.

Pode-se observar que não houve diferença significativa entre os grupos Paciente-Ator e SimMan (p > 0,05) dos dois domínios que abordam a satisfação e a autoconfiança.

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Reis, S. N. et al.

Tabela 2 Comparação dos grupos simulados paciente-ator e manequim SimMan quanto ao questionário ESEAA Constructo Satisfação com a aprendizagem atual A autoconfiança na aprendizagem

Grupo

n

Média

EP

1º Q.

2º Q.

3º Q.

Paciente-Ator

63

4,08

0,07

3,80

4,00

4,40

SimMan

53

3,95

0,10

3,60

4,00

4,20

Paciente-Ator

63

4,13

0,06

3,94

4,00

4,38

SimMan

53

4,07

0,08

3,69

4,00

4,44

Valor-p¹ 0,369 0,575

Nota. EP = Erro-Padrão; Q. = quadrante. ¹Teste de Mann-Whitney.

Discussão Em relação à caracterização dos sujeitos, dos 44 participantes, a maioria era do sexo feminino (55,6%), dado também encontrado noutro estudo de simulação em que a maioria dos participantes eram do sexo feminino (84,3%; Ferreira et al., 2018). A idade média de 32,8 anos foi divergente dos estudos encontrados na literatura, o que pode ser justificado pela maioria dos estudos serem realizados com alunos de graduação (Nascimento & Magro, 2018). A média das notas das prova de conhecimentos, tanto no pré-teste como no pós-teste foi considerada boa, sendo de 7 e 8, respectivamente, numa escala de 1 a 10 e tendo em vista que a amostra é de profissionais que já atuam na área e que a leitura prévia do material bibliográfico contribuiu para o desempenho na prova de conhecimentos. A utilização da simulação como metodologia de ensino aplica-se à educação permanente em saúde, na qual a problematização se baseia na realidade da prática profissional. Desta forma, há uma interligação entre o ensino e a prática e, por consequência, uma atualização das habilidades técnicas e da ciência (Miccas & Batista, 2014). A satisfação com a simulação nos dois cenários apresentou scores médios de 4,08 para o paciente-ator e de 3,95 para o SimMan. Estudos mostram que os estudantes de graduação manifestaram estar muito satisfeitos com a aprendizagem utilizando a simulação de alta fidelidade, com scores médios entre 4,1 e 4,6 (Kuznar, 2007; Smith & Roehrs, 2009; Swenty & Eggleston, 2010). Dados semelhantes foram encontrados em relação à análise de cada item no Instrumento de Satisfação, indicando que os alunos concordam com todas as declarações relacionadas com a satisfação na aprendizagem através do uso da simulação. Um estudo utilizou o Instrumento de Satisfação, e ao aplicar em 68 estudantes de enfermagem, estes relataram satisfação em aprender usando a simulação (Média = 4,5; Smith & Roehrs, 2009). Os estudantes revelam satisfação com a prática simulada de alta fidelidade, por ser uma estratégia de ensino-aprendizagem recente e porque conseguem perceber objetivamente a sua evolução, aumentando a consciência do seu desempenho (Baptista et al., 2014). Outro estudo recente reforça que, apesar das fragilidades e potencialidades no uso da simulação como metodologia de ensino, é possível perceber a satisfação dos alunos com a atividade, o nível de conhecimento adquirido e a participação responsável durante o desenvolvimento da prática, reforçando os

seus benefícios para a qualidade do trabalho, ensino e aprendizagem (Souza, Silva, & Silva, 2018). Oliveira e colaboradores (2014), num estudo de revisão, afirmam que a simulação contribui para um aumento da confiança e da autoeficácia, melhora a comunicação, o desempenho e o conhecimento, além de permitir um feedback rápido, com aprendizagem ativa e reflexiva. Favorece o trabalho em equipa, a tomada de decisão e o julgamento clínico, associados à satisfação dos alunos. Destaca-se ainda que essas contribuições ocorreram em ambientes seguros e realistas, com reflexo na prática clínica, mas sem riscos para os pacientes. A autoconfiança é um sentimento constantemente associado às experiências repetidas e à reflexão realista sobre as limitações e potencialidades particulares de cada indivíduo, proporcionadas pela simulação clínica. A autoconfiança é a perceção da capacidade de executar tarefas com êxito. Expectativas de autoconfiança são pré-requisitos necessários para mudanças positivas do comportamento e das ações do estudante. As reações e sentimentos podem influenciar diretamente a construção da autoconfiança, pois estimulam a coragem de agir em relação às habilidades, valores e metas. As experiências vivenciadas na formação contribuem para a autoconfiança académica positiva e sensibilizam os estudantes para padrões adequados de comportamento durante o processo educacional. Portanto, enfermeiros e médicos com níveis maiores de autoconfiança têm melhores perspetivas de serem bem-sucedidos nas suas intervenções, pois conseguem prontamente testar e aplicar as suas competências, saberes e terão a coragem de assumir maior responsabilidade perante a profissão (Hicks, Coke & Li, 2009; Baptista et al., 2014). Além disso, estudos como este mostra que estudantes após vivenciarem simulação realística apresentam melhora da autoconfiança (Ferreira et al., 2018; Nascimento & Magro, 2018; Smith & Roehrs, 2009). Diferentes estudos referem que os participantes apresentaram níveis elevados de autoconfiança (Smith & Roehrs, 2009; Kimhi, Reishtein, Cohen, Hurvitz, & Avraham, 2016). Nos estudos analisados que utilizaram escalas tipo Likert, com valores situados entre o nível 1 (nada confiante) e o nível 5 (extremamente confiante), os estudantes apresentaram níveis de autoconfiança que variaram entre os scores médios de 3,81 e 4,5. Estes dados corroboram resultados encontrados no presente estudo, em que os scores médios encontrados foram de 4,13 para paciente-ator e 4,08 para o SimMAN. Um estudo revelou que a simulação favorece a autoconfiança em estudantes de

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Reis, S. N. et al.

enfermagem mesmo entre aqueles que já experienciaram situações clínicas reais (Kimhi et al., 2016). Os resultados apresentados na Tabela 2, a qual apresenta as respostas atribuídas às duas dimensões da ESEAA, demonstram que não houve diferença estatisticamente significativa no cenário, demostrando que é possível utilizar paciente-ator com baixo custo, garantindo uma simulação de alta fidelidade. Dudley (2012) corrobora o presente estudo ao relatar que a simulação clínica com uso de atores pode ser uma estratégia viável para se repensar a forma como se ensinam os estudantes. Trata-se de uma estratégia de ensino com um custo relativamente baixo e a participação de atores pode dar mais realismo às cenas que explorem a comunicação, e assim, favorecer o processo de simulação clínica. A média geral da satisfação foi maior no grupo com pacientes-atores (4,08) comparado com o SimMan (3,95). Também foi maior a autoconfiança com pacientes-atores (4,13) comparado com o SimMan (4,08). A simulação com manequins de alta fidelidade tem um custo alto de aquisição e também para manutenção destes equipamentos, e, somado a isto, é sabido que a universidade pública brasileira tem enfrentado grandes cortes nos orçamentos, e, desta forma, a utilização de pacientes-atores torna-se viável. Com os avanços das tecnologias e o uso da internet têm sido um desafio os cursos de capacitação de profissionais, devido à facilidade de acesso aos artigos e aplicativos. Desta forma, a metodologia tradicional tende a não ser atrativa para profissionais, principalmente com carga horária extensa. A utilização de envio de material teórico seguido de uma abordagem tradicional com discussão de casos clínicos baseados em evidências científicas e simulação clínica mostraram ser ferramentas de ensino eficientes para se utilizar com profissionais de saúde. Uma limitação do estudo foi a adesão dos profissionais de saúde durante toda a carga horária do curso. Por se tratar de profissionais de saúde que trabalham, não houve 100% de adesão nas três simulações.

Conclusão O estudo mostrou que a utilização de diferentes estratégias de ensino é aceite pelos profissionais de saúde e contribui para o aumento do conhecimento. As simulações permitiram o processo de ensino-aprendizagem, auxiliou na vivência dos profissionais em cenários que poderiam ser encontrados na prática na unidade básica de saúde. O nível de satisfação dos profissionais foi elevado, assim como a autoconfiança. Este resultado é importante para a educação permanente, mostrando que capacitações com simulação são benéficas para a prática. O estudo mostrou que a simulação com paciente-ator pode ser uma ferramenta de baixo custo apresentando dados positivos na aprendizagem, satisfação e autoconfiança dos alunos. Constatou-se também com este estudo que as simulações possibilitaram aos profissionais de saúde maior segurança e confiança para a realização dos procedimentos, permitindo a identificação e a reconstrução das suas condutas.

Sendo assim, embora tenha muitos trabalhos de métodos ativos na formação académica, existe uma carência desses estudos para profissionais de saúde com enfoque na educação permanente. Desta forma sugerimos novas investigações com profissionais de saúde, o uso da simulação realística como dispositivo de qualificação das práticas da saúde e fortalecimento do trabalho multi/ interprofissional. Contribuição de autores Conceptualização: Lopes, R. R. S., Reis, S. N., Ribeiro, L. C. C. Análise formal: Souza, K. V., Ribeiro, L. C. C. Investigação: Reis, S. N., Ribeiro, L. C. C.; Neves, C. C., Alves, D. A., Guedes, H. M. Redação - preparação do rascunho original: Reis, S. N., Guedes, H. M. Redação - revisão e edição: Reis, S. N., Guedes, H. M. Supervisão: Reis, S. N Administração do projeto: Guedes, H. M. Referências bibliográficas Almeida, R. G. , Mazzo, A., Martins, J. C., Batista, R. C., Girão, F. B., & Mendes, I. A. (2015). Validation to portuguese of the scale of student satisfaction and self-confidence in learning. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 23(6), 1007-1013. doi:10.1590/0104-1169.0472.2643 Baptista, R. C., Martins, J. C., Pereira, M. F., & Mazzo, A. (2014). Simulação de alta-fidelidade no Curso de Enfermagem: Ganhos percebidos pelos estudantes. Revista de Enfermagem Referência, 4(1), 135-144. doi:10.12707/RIII13169. Costa, R. R., Medeiros, S. M., Coutinho, V. R., Mazzo, A., & Araújo, M. S. (2020). Satisfação e autoconfiança na aprendizagem de estudantes de enfermagem: Ensaio clínico randomizado. Escola Anna Nery, 24(1), e20190094. Dudley, F. (2012). The simulated patient handbook: A comprehensive guide for facilitators and simulated patients. Boca Raton, FL: CRC Press. Fehring, R. J. (1987). Methods to validate nursing diagnoses. Heart & Lung, 16(6), 625-629. Recuperado de https://epublications.marquette.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1026&context=nursing_fac Ferreira, R. P., Guedes, H. M., Oliveira, D. W., & Miranda, J. L. (2018). Simulação realística como estratégia de ensino no aprendizado de estudantes da área da saúde. Revista de Enfermagem do Centro-Oeste Mineiro, 8, e2508. doi:10.19175/recom.v8i0.2508 Hicks, F. D., Coke, L., & Li, S. (2009). Report of findings from the effect of high-fidelity simulation on nursing students’ knowledge and performance: A pilot study. Chicago, IL: NCSBN Research Brief. Lemos, S. I. (2011). Análise da satisfação de estudantes num curso em e-learning no ensino superior (Dissertação de mestrado). Universidade de Lisboa, Instituto de Educação, Portugal. Kimhi, E., Reishtein, J. L, Cohen, H., Hurvitz, N., & Avraham, R. (2016). Impact of simulation and clinical experience on self-efficacy in nursing students: Intervention study. Nurse Educator, 41(1), E1-E4. doi:10.1097 / NNE.0000000000000194 Kuznar, K. A. (2007). Associate degree nursing students’ perceptions of learning using a high-fidelity human patient simulator. Teaching and Learning in Nursing, 2(2), 46-52. doi:10.1016/j. teln.2007.01.009

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ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Construção e validação da Escala de Empowerment Individual no contexto da doença crónica

Development and validation of the Individual Empowerment Scale in the context of chronic disease Construcción y validación de la Escala de Empoderamiento Individual en el contexto de la enfermedad crónica Elisabete Lamy da Luz 1, 2 https://orcid.org/0000-0002-4841-5251 Fernanda dos Santos Bastos 2 https://orcid.org/0000-0003-3097-7114 Margarida Maria Vieira 3 https://orcid.org/0000-0002-9439-2804

1 Agrupamento de Centros de Saúde de Lisboa Central, Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados Lapa, Lisboa, Portugal

Escola Superior de Enfermagem do Porto, Porto, Portugal

2

Universidade Católica Portuguesa, Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde, Instituto de Ciências da Saúde, Porto, Portugal 3

Autor de correspondência: Elisabete Lamy da Luz E-mail: luzelisabete10@gmail.com

Recebido: 15.02.20 Aceite: 07.07.20

Resumo Enquadramento: A avaliação do empowerment poderá ser um indicador determinante para a obtenção de ganhos em saúde. Objetivos: Construir e validar uma escala de empowerment individual no contexto da pessoa com doença crónica. Metodologia: O instrumento foi construído e aplicado a uma amostra de conveniência de 271 pessoas com doença crónica, com idades compreendidas entre os 18 e os 65 anos residentes em Lisboa. Para avaliar as propriedades métricas da escala recorreu-se à validação da fiabilidade do instrumento. Resultados: Obteve-se uma escala de 25 itens com 7 dimensões: Autoperceção; Participação nas decisões em saúde; Mestria; Determinação; Identidade; Autonomia e poder; Relação com os profissionais de saúde. A análise fatorial (componentes principais-Varimax) revelou que os que os 25 itens se organizaram em 7 fatores com uma variância explicada total de 65,28% e alfa de Cronbach total de 0,803. Conclusão: A criação de uma medida válida e fiável de empowerment no contexto da doença crónica poderá ajudará os profissionais de saúde a explorar o impacto deste resultado na autogestão dos regimes terapêuticos. Palavras-chave: doença crónica; empoderamento para a saúde; escalas Abstract Background: The assessment of empowerment can contribute to obtaining gains in health. Objectives: To develop and validate a scale for assessing the individual empowerment of chronically ill people. Methodology: The instrument was developed and applied to a convenience sample of 271 chronically ill people, between 18 and 65 years old, residing in Lisbon. The validation of the reliability of the instrument was carried out to assess the metric properties of the scale. Results: A 25-item scale was developed with 7 dimensions: Self-perception, Participation in health-related decisions, Mastery, Determination, Identity, Autonomy and power, and Relationship with health professionals. The factor analysis (principal components analysis with Varimax rotation) revealed that the 25 items were organized into seven factors with a total variance explained of 65.28% and a total Cronbach’s alpha of 0.803. Conclusion: The creation of a valid and reliable measure of the empowerment of chronically ill people may assist health professionals in exploring the impact of this outcome on treatment regimen self-management. Keywords: chronic disease; empowerment for health; scales Resumen Marco contextual: La evaluación del empoderamiento puede ser un indicador determinante para obtener beneficios en la salud. Objetivos: Construir y validar una escala de empoderamiento individual en el contexto de la persona con enfermedad crónica. Metodología: El instrumento se construyó y se aplicó a una muestra de conveniencia de 271 personas con enfermedad crónica y con edades comprendidas entre los 18 y los 65 años que vivían en Lisboa. Para evaluar las propiedades métricas de la escala, se recurrió a la validación de la fiabilidad del instrumento. Resultados: Se obtuvo una escala de 25 ítems con 7 dimensiones, Autopercepción; Participación en las decisiones de salud; Dominio; Determinación; Identidad; Autonomía y poder; Relación con los profesionales de la salud. El análisis factorial (componentes principales-Varimax) reveló que los 25 artículos se organizaron en 7 factores, con una varianza explicada total del 65,28% y un alfa de Cronbach total de 0,803. Conclusión: La creación de una medida válida y fiable de empoderamiento en el contexto de la enfermedad crónica podrá ayudar a los profesionales de la salud a explorar el impacto de este resultado en la autogestión de los regímenes terapéuticos. Palabras clave: enfermedad crónica; empoderamiento para la salud; escalas

Como citar este artigo: Luz, E. L., Bastos, F. S., & Vieira, M. M. (2020). Construção e validação da Escala de Empowerment Individual no contexto da doença crónica. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20025. doi:10.12707/RV20025

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3: e20025 DOI: 10.12707/RV20025

pp. 1 - 10


Luz, E. L. et al.

Introdução O empowerment como resultado no contexto de autogestão do regime terapêutico é um fator que parece ser determinante para a obtenção de ganhos em saúde. Pessoas mais empoderadas são pessoas mais capacitadas para participarem nas decisões e interagirem com os profissionais de saúde. Uma compreensão da condição de saúde e a perceção de se manterem no controlo da sua própria vida promove o autocuidado e uma gestão mais eficaz do regime terapêutico. Potencialmente, apresentam maior nível de mestria e envolvimento e, portanto, uma gestão da sua condição mais eficaz. Um investimento na promoção do empowerment contribui para melhorar indicadores como o número de internamentos e diminuição das complicações ou morbilidades associadas, contribuindo desta forma para a diminuição no consumo dos serviços e cuidados de saúde. Não se encontrou nenhum instrumento validado para o contexto da doença crónica de forma global, nem para o contexto dos cuidados de saúde primários. Uma ferramenta que permita avaliar o empowerment enquanto resultado é importante para a investigação, mas também para a clínica, pela sua utilidade para avaliação da concretização de objetivos e melhoria na qualidade dos cuidados prestados. Porque pessoas mais empoderadas serão pessoas mais capacitadas na tomada de decisão em relação ao seu regime terapêutico e autocuidado, no contexto da doença crónica. Assim, sentiu-se a necessidade de construir um instrumento que permitisse avaliar o empowerment, e as suas dimensões, para identificar o seu papel na gestão da doença crónica em contexto de cuidados de saúde primários. Com este estudo pretendeu-se construir e validar uma escala de avaliação do empowerment individual no contexto da doença crónica.

Enquadramento Em 2012, a Organização Mundial da Saúde (OMS; World Health Organization Regional Office for Europe, 2012) apresentou o relatório com as principais estratégias para a saúde em 2020, sendo que um dos objetivos é o empowerment em saúde do cidadão. O relatório da OMS refere-se ao empowerment como elemento-chave para melhorar a saúde, a satisfação com os cuidados de saúde, a comunicação entre cliente e profissionais de saúde, aumentar a adesão ao regime terapêutico e uso eficiente dos cuidados de saúde primários (Cerezo, Juvé-Udina, & Delgado-Hito, 2016). O conceito de empowerment é utilizado em múltiplos contextos, como ensino, gestão, etc.. No âmbito da saúde, a expressão teve o seu início na área da promoção da saúde e foi utilizada como estratégia promotora de saúde, sendo que, atualmente é utilizada na gestão da doença crónica. O empowerment é um processo com o objetivo de aumentar a capacidade de pensar criticamente e agir de forma autónoma (Santis, Hervas, Weinman, & Bottarelli, 2018). Por outro lado, pode ser percecionado como uma meta complexa que envolve três conceitos centrais: bem-estar, saúde e

qualidade de vida. Neste contexto, o empowerment é um resultado (Santis et al., 2018). Apesar de existir consenso em assumir a complexidade e multidimensionalidade do conceito em estudo, a controvérsia começa nas suas dimensões e na operacionalização do empowerment; ou seja, a construção e aplicação das escalas é realizada geralmente em contextos específicos (Barr et al., 2015; Fumagalli, Radaelli, Emanuele, Bertele, & Masella, 2015; Small, Bower, Chew-Graham, Whaley, & Protheroe, 2013; Wang et al., 2016) implicando uma variedade de instrumentos de avaliação do constructo. Os instrumentos de avaliação disponíveis na literatura sobre escalas de avaliação do empowerment revelaram fragilidades ao nível da fiabilidade e validade na sua aplicação e operacionalização das variáveis em diferentes contextos (Barr et al., 2015; Cerezo et al., 2016 ; McAllister, Dunn, Payne, Davies, & Todd, 2012; Small et al., 2013). Um estudo secundário refere ter identificado 50 escalas de avaliação de empowerment, porém apenas duas apresentavam critérios de evidência de validade e fiabilidade aceitáveis, todas as outras careciam de dados que comprovassem a sua robustez (Herbert, Gannon, & Rennick, 2009). Também Cerezo et al. (2016) identificaram numa revisão da literatura 10 escalas de avaliação de empowerment, porém, de acordo com os autores, só seis escalas apresentam robustez: Anderson, Funnell, Fitzgerald e Marrero (2000); Bulsara, Styles, Ward e Bulsara (2006); Faulkner (2001); McAllister et al. (2012); Small et al. (2013). A nível nacional, Almeida e Ribeiro (2010) publicaram um estudo preliminar de adaptação da Empowerment Scale, porém os resultados revelaram fragilidades na sua aplicabilidade à população portuguesa. A construção de uma escala de avaliação de empowerment pressupõe a identificação do conceito de empowerment, das suas dimensões e do contexto onde foram aplicadas e testadas. Tanto no contexto internacional como nacional, a revisão da literatura permitiu identificar escalas de empowerment, mas específicas para determinadas situações ou doenças, como por exemplo, a diabetes, doença mental: esquizofrenia, doenças raras, doenças cardiovasculares, doenças reumáticas, mas nenhuma global para a doença crónica em geral. Small et al. (2013) apresentou a construção de uma escala com as dimensões para as condições crónicas de saúde, porém com algumas limitações ao nível das propriedades psicométricas. A finalidade da construção da escala de empowerment individual foi permitir a quantificação deste constructo enquanto variável dependente e identificar os fatores preditivos da mesma. O estudo englobou ainda a aplicação conjunta de outras duas escalas: a escala de interferência da doença crónica (Luz, Bastos, Vieira, & Mesquita, 2017) e de caracterização do estilo de gestão do regime terapêutico (Bastos, 2015; Mota, Bastos, & Brito, 2017).

Metodologia Trata-se de um estudo de investigação metodológico cuja finalidade é a construção de uma escala para avaliar o empowerment enquanto resultado dos cuidados de

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Luz, E. L. et al.

saúde, num contexto da doença crónica. Considerando o princípio referido, realizou-se uma revisão da literatura identificando as diferentes teorias empoderadoras, bem como as escalas desenvolvidas pelos autores das mesmas. As escalas identificadas não podem ser comparáveis, porque não medem ou avaliam as mesmas dimensões do conceito, cada uma é desenvolvida de acordo com a finalidade que o autor pretende no seu estudo (Barr et al., 2015; Cerezo et al., 2016; McAllister et al., 2012; Köhler, Tingström, Jaarsma, & Nilsson, 2018). Destacam-se quatro escalas que foram selecionadas devido ao facto de três delas terem

sido testadas e validadas em pessoas com doença crónica e uma referir-se à avaliação das intervenções de enfermagem que foram percecionadas pelos clientes idosos, em situação de internamento hospitalar, como empoderadoras e não empoderadoras (Tabela 1). A seleção das dimensões teve como objetivo identificar as necessárias para avaliação do resultado empowerment nas pessoas com doença crónica. As dimensões selecionadas foram as seguintes: Autodeterminação; Autonomia e poder; Sentimentos; Mestria; e Participação nas decisões em saúde.

Tabela 1 Resumo das características das escalas selecionadas e propriedades psicométricas Condições específicas/ genéricas

Dimensões

Autores

The Empowerment Scale

Condições Específicas: Doença mental

Autoeficácia e autoestima Poder Autonomia e Activismo comunitário Ira ou indignação justificada Optimismo e controlo face ao futuro (clientes) (n = 261; Alfa de Cronbach - 0,86)

Rogers, Chamberlin, Ellison, & Crean (1997)

Diabetes Empowerment Scale

Condições Especificas: Diabetes

Auto eficácia (clientes) (n = 351; Alfa de Cronbach - 0,96).

Anderson et al. (2000)

Patient Empowerment Scale

Condições Genéricas: Contexto hospitalar

Promoção da autonomia Independência e mestria Limitar a participação nos cuidados, domínio e indiferença (clientes) (n = 101; Alfa de Cronbach -0,84)

Faulkner (2001)

The Patient Empowerment Scale

Condições Específicas: Cancro

Mecanismos de coping (clientes) (n = 100; Alfa de Cronbach -0,92)

Bulsara et al. (2006)

Escalas

A seleção das dimensões foi realizada com base na literatura e por consenso entre os investigadores, sendo estes peritos em enfermagem e tendo por área de interesse o empowerment. Foi realizado um pré-teste a 30 pessoas com doença crónica, utilizadores das unidades funcionais do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) onde o estudo decorreu. As 28 questões foram avaliadas quanto à sua compreensão, clareza e aplicabilidade. Foram efetuadas pequenas alterações sintáticas e dois itens deixaram dúvidas quanto à sua compreensão. Contudo, por esta dificuldade ter sido sentida por apenas alguns participantes optou-se por mantê-los na escala e avaliar

posteriormente. As dimensões identificadas foram as seguintes: Autodeterminação; Autonomia e poder; Sentimentos; Mestria; e Participação nas decisões em saúde. Deste processo resultou uma lista de 28 itens que foi organizada num formato que permite apenas uma alternativa de resposta, onde a pessoa tinha de se posicionar numa escala tipo Likert, de quatro pontos, em que cada ponto representa o nível de concordância da pessoa: discordo completamente (1); discordo (2); concordo (3); e concordo completamente (4; Tabela 2).

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Tabela 2 Dimensões e questões da escala de empowerment Dimensão

Itens

Autodeterminação

- Eu tenho o direito de tomar as minhas decisões, mesmo que estas não favoreçam a melhoria da minha saúde/doença - Eu tenho o direito de viver a minha própria vida da forma que quero - Consigo sempre ultrapassar as barreiras

Autonomia

-.Sou capaz de fazer tudo sozinho -.Quando preciso de ajuda para gerir o meu regime terapêutico, peço

Poder

- Eu vejo-me como uma pessoa capaz - As pessoas não têm o direito de se sentirem zangadas só porque não gostam de alguma coisa

Mestria

- Sou capaz de identificar sinais e sintomas da minha doença e sei o que fazer, não necessito de ir a correr ao médico - Sei precisamente o que fazer quando estou pior da minha doença - Sou capaz de informar e educar outras pessoas com o mesmo problema que eu - Sou capaz de gerir o meu regime terapêutico com serenidade - O meu regime terapêutico faz parte da minha vida

Sentimentos

- Quando faço planos, em relação à minha saúde e tratamento, quase sempre tenho a certeza que os consigo cumprir - Eu sinto-me uma pessoa de valor, igual aos outros nem mais nem menos - Eu sinto que sou capaz de fazer as coisas tão bem como a maioria das pessoas - Eu sinto que tenho qualidades positivas - Estou optimista com o futuro - Sentir-me irritado sobre alguma coisa é frequentemente o primeiro passo para a mudança - Sinto-me feliz com a minha vida, apesar de tudo

Participação nas decisões em saúde

- Os profissionais de saúde informam-me sobre os cuidados a ter - Os profissionais de saúde valorizam os meus medos, dúvidas, anseios em relação aos cuidados e explicam o que me vão fazer e porquê - Os profissionais de saúde envolvem-me nos cuidados e estabelecem comigo os objetivos do meu regime terapêutico - Os profissionais de saúde ouvem a minha opinião e valorizam-na em relação ao meu regime terapêutico - Os profissionais de saúde acreditam nas minhas capacidades - Eu confio no profissional de saúde que transmite a informação - Eu acredito nos profissionais de saúde - Quando os profissionais de saúde querem envolver-me na gestão do regime terapêutico, eu não estou à altura - Os profissionais de saúde estão em melhor posição para decidir o que preciso de fazer ou aprender

Amostra A escala foi aplicada a uma amostra de conveniência de 271 participantes que cumpriam os critérios de elegibilidade e que compareciam nas unidades funcionais do ACES para as consultas de Enfermagem e Medicina Geral e Familiar. O preenchimento do questionário foi realizado durante o contacto presencial na unidade funcional na qual a pessoa estava inscrita e demorou em média 25 minutos, os participantes foram selecionados pelos enfermeiros de acordo com os critérios previamente estabelecidos no estudo. Todos os questionários foram preenchidos pelo investigador que assegurou que as questões foram compreendidas pelas pessoas. O tratamento de dados foi realizado com recurso ao IBM SPSS Statistics, versão 22.0. Foram incluídos na amostra os participantes que corresponderam aos critérios de inclusão do estudo (elegibilidade): terem diagnóstico documentado no seu processo clínico de pelo menos uma das seguintes doenças crónicas: diabetes, hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crónica, lupus, artrite reumatóide, acidente vascular cerebral, asma; serem adultos, com idade compreendida entre os 18-65 anos; serem residentes na zona metropolitana de Lisboa; não apresentarem problemas cognitivos ou de comunicação; serem independentes nas suas atividades de vida diária.

Aspetos formais e éticos Foram garantidos todos os pressupostos éticos de participação voluntária no estudo, garantido o anonimato dos dados e parecer favorável da Comissão de Ética em Saúde (Processo 020/CES/INV/2014) da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Instituto Público. Fidelidade Procedeu-se à realização de análises fatoriais com rotação ortogonal Varimax com normalização de Kaiser. Realizada a análise fatorial, obteve-se um valor de KMO = 0,803 e o teste de esfericidade de Bartlett obteve um valor de 2850,868 (p < 0,001), sendo considerado um bom nível, de acordo com Marôco (2014). Em seguida realizou-se análise fatorial, para o estudo dos componentes principais, seguida de rotação Varimax para conhecer as dimensões subjacentes e independentes entre si. Os resultados desta análise revelaram que os 28 itens se organizaram em oito fatores com uma variância explicada total de 63,88% e um alfa de Cronbach total de 0,802. Para a seleção do número de fatores seguiram-se os critérios recomendados (Marôco, 2014), valores próprios ou específicos (eigenvalues > 1), exclusão de saturações fatoriais inferiores a 0,30 e aplicação do princípio da descontinuidade. Posteriormente, foram avaliados os 28 itens relativamente ao seu conteúdo, observaram-se as comunalidades de todos os outros itens

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e excluíram-se os itens 26 (”Quando os profissionais de saúde querem envolvê-lo na gestão do regime terapêutico não se sente capaz”) e 27 (“Os profissionais de saúde estão em melhor posição para decidir o que precisa de fazer ou aprender”), e o item 28 (“As pessoas não têm direito a sentirem-se zangadas só porque não gostam de alguma coisa”), por estar pouco claro o seu significado, suscitando dúvidas aos participantes, na sua grande maioria. Os motivos de exclusão são os seguintes: apresentarem valores abaixo dos 0,20, relativamente aos pesos fatoriais das comunalidades; os mesmos não apresentam afinidade estatística com os outros fatores. Assim sendo, obteve-se uma escala com 25 itens, em que a consistência interna, avaliada pelo alfa de Cronbach foi de 0,803, considerada como boa (Marôco, 2014), que foi submetida de novo à análise fatorial considerando os critérios supracitados. Os itens organizaram-se em torno de sete fatores com uma variância explicada total de 65,28%. Deste modo, o primeiro fator é constituído por seis itens e explica 21,76% da variância total. O segundo fator é constituído por cinco itens e explica 14,34% da variância; o terceiro fator é constituído por três itens, representando 8,48% da variância explicada; o quarto fator é constituído por dois itens, com uma variância explicada de 6,27%; o quinto fator é constituído por três itens, com uma variância explicada de 5,24%; o sexto fator é constituído por três

itens, que explica 4,88% da variância total e, por último, o sétimo fator é constituído por dois itens, com uma variância explicada de 4,31% . A construção teórica da escala teve por base seis dimensões, pelo que se forçou uma análise nesse sentido, porém o nível de fiabilidade baixava, pelo que se optou pelo modelo fatorial de sete dimensões.

Resultados Obteve-se uma escala com 25 itens, em que a consistência interna, avaliada pelo alfa de Cronbach foi de 0,803, considerada como boa (Marôco, 2014) que foi submetida de novo à análise fatorial considerando os critérios supracitados. A análise fatorial resultante revelou algumas dimensões esperadas e outras não esperadas, como a identidade. O constructo Sentimentos, considerado na construção teórica do instrumento, após a análise da matriz dos dados, ficou designado como Autoperceção. Em sintese, denominaram-se os sete fatores como: Autoperceção; Participação nas decisões em saúde; Mestria; Determinação; Identidade; Autonomia; Relação com os profissionais de saúde. Conforme se pode verificar, esta divisão obtida pela análise fatorial propõe um constructo com significado racional (Tabela 3). Todos os fatores apresentaram cargas fatoriais (factorial loadings) elevadas.

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Tabela 3 Matriz de componentes principais após rotação Varimax dos 25 itens da Escala de Empowerment Individual

Itens

Matriz de componentes principais após rotação Varimax dos 25 itens da EEI Fatores

h2

1 2 3 4 5 6 7 4. Eu sinto-me uma pessoa de valor, igual aos outros 0,780 0,66 nem mais nem menos 5. Eu vejo-me como uma pessoa capaz 0,862 0,79 6. Eu sinto que sou capaz de fazer as coisas tão bem 0,843 0,73 como a maioria das pessoas 7. Eu sinto que tenho qualidades positivas 0,725 0,65 8. Consigo sempre ultrapassar as barreiras 0,718 0,53 9. Sou capaz de fazer tudo sozinho 0,655 0,51 18. Sinto-me feliz com a minha vida, apesar de tudo 0,554 0,54 19. Os profissionais de saúde informam-me sobre os 0,781 0,64 cuidados a ter 20. Os profissionais de saúde valorizam os meus medos, dúvidas, anseios em relação aos cuidados e 0,841 0,75 explicam o que me vão fazer e porquê 21. Os profissionais de saúde envolvem-me nos cuidados e estabelecem comigo os objetivos do meu 0,816 0,677 regime terapêutico 22. Os profissionais de saúde ouvem a minha opinião e valorizam-na em relação ao meu regime tera0,833 0,71 pêutico 23. Os profissionais de saúde acreditam nas minhas 0,679 0,56 capacidades 13. Sou capaz de identificar sinais e sintomas da minha doença e sei o que fazer, não necessito de ir a 0,828 0,73 correr ao médico 14. Sei precisamente o que fazer quando estou pior 0,859 0,76 da minha doença 15. Sou capaz de informar e educar outras pessoas 0,670 0,49 com o mesmo problema que eu 1. Eu tenho o direito de tomar as minhas decisões, mesmo que estas não favoreçam a melhoria da minha 0,848 0.77 saúde/doença 2. Eu tenho o direito de viver a minha própria vida 0,805 0,74 da forma que quero 3. Quando faço planos, em relação à minha saúde e tratamento, quase sempre tenho a certeza que os 0,557 0,41 consigo cumprir 16. Sou capaz de gerir o meu regime terapêutico com 0,570 0,64 serenidade 17. O meu regime terapêutico faz parte da minha 0,727 0,61 vida 10. Quando preciso de ajuda para gerir o meu regi0,774 0,70 me terapêutico, peço 11. Estou otimista com o futuro 0,357 0,59 12. Sentir-me irritado sobre alguma coisa é frequen0,624 0,67 temente o primeiro passo para a mudança 24. Eu confio nos profissionais de saúde que trans0,583 0,78 mitem a informação 25. Eu acredito nos profissionais de saúde 0,544 0,69 Variância por Fator 21,76 14,34 8,48 6,27 5,24 4,88 4,31 Alfa de Cronbach 0,860 0,871 0,735 0,711 0,436 0,294 0,845 0,803 F1- Autoperceção; F2- Participação nas Decisões em Saúde; F3- Mestria; F4- Determinação; F5- Identidade; F6- Autonomia e Poder; F7- Relação com os Profissionais de Saúde. Nota. EEI = Escala de Empowerment Individual; ** h2 = Comunalidade. Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3: e20025 DOI: 10.12707/RV20025

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Começámos por analisar a escala, no que se refere à sua confiabilidade global, através da correlação de cada item com o total da escala, o seu efeito sobre o valor de alfa e as medidas descritivas de resumo. Obteve-se uma elevada correlação de praticamente todos os itens com o total da escala, o que demonstra o seu bom funcionamento como

um todo e que contribui para um moderado valor de alfa (0,845). A correlação entre itens apresenta um valor superior a 0,734. Na Tabela 4 verificam-se correlações entre fraca (0,062) e média-alta (0,582) estatisticamente significativas para um p < 0,05, entre as várias dimensões e entre estas e o total da escala (0,596; p < 0,05; Tabela 4).

Tabela 4 Correlação interdimensões Correlação Pearson

Autoperceção

Participação decisões em saúde

Mestria

Determinação

Identidade

Autonomia e poder

Relação com os profissionais saúde

Empowerment individual

1

0,169**

0,166**

0,239**

0,225**

0,211**

0,171**

0,563**

1

0,119

0,165**

0,145*

0,179**

0,582**

0,540**

1

0,125* 1

0,172** 0,232**

0,209** 0,062

0,121* 0,094

0,596** 0,547**

1

0,089

0,121*

0,483**

1

0,191**

0,530**

1

0,515**

Autoperceção Participação decisões em saúde Mestria Determinação Identidade Autonomia e poder Relação com profissionais saúde Empowerment Individual

1

Nota. *p < 0,01; **p < 0,05

Foram comparadas médias de forma emparelhada entre o empowerment global e o empowerment por fatores, verificando-se uma pequena diferença de médias (0,032-0,09) e uma elevada correlação entre ambas (T = 0,977) e estatisticamente significativa (p < 0,001). Assim sendo, a média global de todos os fatores (n = 271) é de 3,2575, desvio-padrão (DP) de 0,46489, valor máximo de 4,00 e mínimo de 0,84 e Kurtosis Std (0,295) = 3,111. A média global de empowerment é de 3,2993, DP = 0,46516, valor máximo de 4,00, valor mínimo de 1 e Kurtosis Std (0,295) = 2,677. A categorização da escala de empowerment entre os mais empoderados e menos empoderados foi realizada conside-

rando os quartis de distribuição da média de empowerment, tendo sido convencionado que o ponto de corte da escala seria 3,58, ou seja, os inquiridos que pertençam ao 4º quartil são os mais empoderados. Consideram-se assim, como mais empoderados, os 25% dos participantes com valores superiores na escala, relativamente aos restantes 75% (n = 203), que pertencem ao grupo dos menos empoderados. No global, as médias por dimensão mostram um valor mais elevado em dimensões como a Relação com os profissionais de saúde e Participação nas decisões em saúde e menor nas dimensões Mestria e Autonomia e poder (Tabela 5).

Tabela 5 Caracterização da Escala de Empowerment Individual Média 3,2993 3,4460 3,5926 2,6285 3,1863 3,5166 2,7257 3,7066

Empowerment global Autopercepção Participação das Decisões em Saúde Mestria Determinação Identidade Autonomia e Poder Relação com os profissionais de Saúde

DP 0,46516 0,77093 0,66929 1,21233 1,06517 0,66391 0,94401 0,65101

Min 1,00 0,14 0,40 0,00 0,00 0,00 0,00 0,50

Max 4,00 4,00 4,00 4,00 4,00 4,00 4,00 4,00

Nota. DP = Desvio-padrão; Min = Valor mínimo; Max = Valor máximo.

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A caracterização do nível de empowerment permitiu identificar os sujeitos do estudo com empowerment mais elevado e assim relacionar com outras variáveis para verificar o nível discriminatório do instrumento e fatores que interferem no empowerment. No que diz respeito à relação das variáveis sociodemográficas com o nível de empowerment em relação à faixa etária, os resultados observados no teste ANOVA permitiram identificar diferenças estatisticamente significativas ao nível da Identidade (F(270,2) = 4,82; p = 0,009) e Autonomia e poder (F(270,2) = 7,94; p < 0,001), dimensões que avaliam a escala de Empowerment Individual relativamente aos grupos dos 18-50 anos e 61-65 anos. Quanto ao agregado familiar, foram ainda encontrados resultados estatisticamente significativos entre a variável supracitada com o nível de empowerment (F (270,3) = 4,08; p < 0,001) nas dimensões Autoperceção (F (270,3) = 2,57; p = 0,027) e Identidade (F (270,3) = 3,23; p = 0,007). Foram também encontradas diferenças estatisticamente significativas no nível de empowerment (t (269) = 2,10; p = 0,037), Autoperceção (t = 2,30; p = 0,023) e Identidade (t (269) = 2,10; p = 0,038) (269) com resultados mais baixos nos sujeitos do estudo que não têm companheiro relativamente aos que têm companheiro. Foram encontrados resultados estatisticamente significativos entre os diferentes graus de escolaridade, no nível da Mestria (F (270,3) = 3,02; p = 0,030), Autonomia e poder (F (270,3) = 3,90; p = 0,009). O nível de interferência da doença crónica associou-se com o empowerment (X2 (1) = 7,51; p = 0,006). Níveis de interferência mais elevados relacionam-se com menor empowerment (83,6%). A regressão linear múltipla permitiu identificar o impacto da interferência da doença crónica no empowerment, tendo sido encontradas correlações estatisticamente significativas nas três dimensões: Atividades instrumentais (r = -0,374; p < 0,001), Intimidade (r = -0,357; p < 0,001) e Relacionamento e desenvolvimento pessoal (r = -0,298; p < 0,001). Verificou-se que as Atividades instrumentais ( = -0,11; p < 0,001; IC95% = [-0,15; -0,06]) e o Relacionamento e desenvolvimento pessoal ( = -0,11; p < 0,001; IC95% = [-0,20; -0,03]) tiveram um impacto negativo e estatisticamente significativo que pode ser traduzido numa diminuição no nível de empowerment, tão mais elevada quando maior a interferência da doença crónica nos domínios citados. Estas variáveis explicaram 16,1% da variação total do empowerment. O modelo linear ajustou-se bem aos dados (F(270,2) = 25,70; p < 0,001), confirmando a tendência linear dos mesmos. Assim sendo, a escala de interferência da doença crónica permite verificar a relação com o nível de empowerment (Luz et al., 2017) e a escala de empowerment é sensível a esse fator, bem como aos estilos de autogestão do regime terapêutico. Quanto mais complexo for o regime terapêutico, maior será a interferência da doença crónica na vida das pessoas, menor empowerment e preponderância do estilo de gestão formalmente guiado e negligente. O controlo da doença crónica e estabilização da mesma está relacionado com maior nível de empowerment e predomínio do score responsável.

Discussão Os resultados apresentados neste trabalho refletem a primeira aplicação da escala em pessoas com doença crónica, nos cui-

dados de saúde primários. Verificou-se que a escala discrimina níveis de empowerment e que esta variável está relacionada com outras variáveis. Apesar da construção da escala ter por objetivo principal a sua utilização na investigação e no processo de avaliação dos cuidados de saúde, a discriminação que permite por níveis de Empowerment tem utilidade clínica na identificação do potencial de empowerment individual e de maior vulnerabilidade. Como expectável, o nível de escolaridade é superior nas pessoas mais empoderadas, o que é coerente com o estudo de Barr et al. (2015), apesar de esta não ser uma variável sensível aos cuidados de enfermagem, ela é determinante na intencionalidade da ação do enfermeiro. Clientes com baixo nível educacional tendem a demonstrar menor nível de participação nas decisões em saúde por se sentirem menos competentes na obtenção e interpretação da informação. O suporte social e familiar favorece o nível de empowerment e para os clientes que carecem deste tipo de apoio devem ser encontradas alternativas de suporte, nomeadamente profissional (Bastos, 2015). Este instrumento permite também demonstrar que o nível de empowerment está relacionado com a gravidade da doença crónica; decorre daqui que a promoção de empowerment não é um objetivo para todos os clientes. Bastos (2015) identificou o estilo de gestão do regime terapêutico responsável como o mais favorável ao desenvolvimento de empowerment e com melhores resultados na autogestão do regime. Esta escala permite comprovar essa relação entre as características individuais, que engloba traços identitários e comportamento, e o nível de empowerment (Bastos, 2015; Mota et al., 2017). Relativamente às propriedades psicométricas da escala, a fidelidade de escala foi avaliada pela consistência interna, cujo resultado revelou uma boa consistência interna, valor de alfa de Cronbach de 0,803, com 25 itens. A análise fatorial, seguida de rotação varimax extraiu sete dimensões: Autoperceção; Participação nas decisões em saúde; Mestria; Determinação; Identidade; Autonomia; Relação com os profissionais de saúde. Estas dimensões agrupam-se de forma diferente das escalas encontradas na revisão realizada (Cerezo et al., 2016; Barr et al., 2015; Köhler et al., 2018), o que poderá estar relacionado com o contexto português e a sua aplicação local (região Lisboa). Contudo, não se afastam concetualmente das mesmas. Small et al. (2013) e Barr et al. (2015) referem que o empowerment é um conceito mensurável tal como a qualidade de vida, e igualmente difícil, dada a diversidade de fatores que a influenciam e o carácter pessoal do conceito. As dimensões Identidade e Autonomia e poder apresentam alfas baixos, porém não foram excluídas porque são dimensões determinantes na avaliação do empowerment individual e referidas por alguns autores (Small et al., 2013; Barr et al., 2015), e contribuindo para o valor global de empowerment. Não se aconselha, contudo, a sua utilização individual para avaliação da dimensão. Ou seja, haverá outros instrumentos mais indicados para avaliar individualmente a Identidade, Autonomia e poder, mas quando a intencionalidade é a avaliação global do empowerment, estas dimensões são relevantes. A avaliação da validade baseou-se em hipóteses de associação entre a nova medida e relações com outras variáveis como as variáveis sociodemográficas, interferência da doença crónica e estilos de autogestão do

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regime terapêutico. De uma forma global, a escala apresentou um alfa de Cronbach de 0,803, o que traduz um bom nível de validade, permitindo identificar diferentes níveis de empowerment. A avaliação dos resultados não pode deixar de ter em conta algumas limitações do estudo, impondo-se prudência na sua interpretação e generalização. Uma das limitações reside no facto de a amostra ser de conveniência.

Conclusão A avaliação do nível de empowerment nas pessoas com doença crónica permite-nos medir o impacto dos cuidados de saúde na autogestão do regime terapêutico, sendo um indicador da qualidade dos cuidados e serviços de saúde. Nas situações de cronicidade os ganhos em saúde são complexos e difíceis de mensurar, porque o estado de saúde das pessoas tende a manter-se ou mesmo a agravar-se. A construção da escala foi realizada a partir da revisão da literatura através da identificação de dimensões comuns a escalas de avaliação do empowerment no contexto da doença crónica. Apesar das limitações, foi possível construir uma escala que permite avaliar o empowerment nas pessoas com doença crónica associado à perceção do impacto da doença crónica, autogestão do regime terapêutico e estilo de gestão do mesmo. O resultado final foi uma escala com 25 itens divididos por sete dimensões: Autoperceção; Participação nas decisões em saúde; Mestria; Determinação; Identidade; Autonomia; Relação com os profissionais de saúde. Estas sete dimensões foram obtidas por análise fatorial. No seu conjunto, a escala apresenta boas propriedades psicométricas com valores de alfa superiores a 0,70 no seu global e em cada uma das dimensões, exceto nas dimensões Identidade e Autonomia e poder, que apresentaram valores inferiores. Uma escala válida e fiável que avalia o nível de empowerment no contexto da doença crónica, em cuidados de saúde primários, poderá ajudar os profissionais de saúde a explorar o impacto deste resultado na autogestão do regime terapêutico, nos indicadores de controlo da doença e na qualidade de vida. Contribuição de autores Conceptualização: Luz, E, Bastos, F. Tratamento de dados: Luz, E, Bastos, F. Metodologia: Luz, E, Bastos, F. Redação - preparação do rascunho original: Luz, E, Bastos, F. Redação - revisão e edição: Luz, E, Bastos, F. Vieira, M. Referências bibliográficas Almeida, C., & Ribeiro, P. (2010). Empowerment em adultos na comunidade: Estudo preliminar de adaptação de uma escala para a população portuguesa. Porto, Portugal: Núcleo de Investigação em Saúde e Qualidade de Vida, Escola Superior de Enfermagem do Porto. Recuperado de https://sigarra.up.pt/fpceup/pt/pub_geral.pub_view?pi_ pub_base_id=85143 Anderson, R. M., Funnell, M. M., Fitzgerald, J. T., & Marrero, D. G. (2000). The diabetes empowerment scale: A measure of psychosocial self-efficacy. Diabetes Care, 23(6), 739-743. doi:10.2337/ diacare.23.6.739 Barr, P. J., Scholl, I., Bravo, P., Faber, M. J., Elwyn, G., & McAllister, M.

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Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3: e20025 DOI: 10.12707/RV20025

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ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Cuidador informal de pessoa dependente no autocuidado: fatores de sobrecarga

Informal caregiver of dependent person in self-care: burden-related factors Cuidador informal de personas dependientes en el autocuidado: factores de sobrecarga Maria dos Anjos Coelho Rodrigues Dixe1 https://orcid.org/0000-0001-9035-8548 Ana Isabel Fernandes Querido2 https://orcid.org/0000-0002-5021-773X

1 Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde, ciTechCare, Leiria, Portugal 2 Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde, ciTechCare, Leiria, CINTESIS, Universidade do Porto, Portugal

Resumo Enquadramento: As alterações societais conduziram ao crescendo das pessoas dependentes no autocuidado, com necessidade de apoio de um cuidador familiar/informal (CI). O desempenho deste papel pode conduzir à sobrecarga e exaustão. Objetivos: Avaliar a sobrecarga do CI da pessoa dependente e identificar fatores relacionados com essa sobrecarga. Metodologia: Estudo observacional, transversal, numa amostra de conveniência de 164 CI de pessoas dependentes no autocuidado. O questionário incluiu dados da pessoa dependente: sociodemográficos e clínicos; e do cuidador: sociodemográficos, familiares, profissionais, experiência, informação recebida e sobrecarga (Escala de Zarit). Resultados: A maioria dos CI são mulheres (82,9%), vivem com a pessoa cuidada (70,1%), 62,2% têm ajuda para cuidar, gastando em média 105,65h (± 54)/semana. Mais de metade apresenta sobrecarga intensa (57,7; ± 13,9), relacionada com a preparação para o cuidar, áreas e tempo de dependência. Mais informação sobre a doença e como cuidar da pessoa dependente está relacionado com menores níveis de sobrecarga. Conclusão: Os CI evidenciam sobrecarga elevada e os fatores relacionados sugerem o investimento em intervenções preventivas por parte dos enfermeiros. Palavras-chave: sobrecarga; cuidadores informais; família; autocuidado Abstract Introduction: Societal changes have led to an increasing number of people dependent for self-care, with the need for support from a family member/informal caregiver. The performance of this role can lead to burden and exhaustion. Objectives: To assess the burden of the dependent person’s informal caregiver and to identify factors associated with caregiver burden. Methodology: An observational cross-sectional study was conducted with a convenience sample of 164 informal caregivers of people dependent for self-care. The questionnaire included data on the dependent person (sociodemographic and clinical) and the caregiver (sociodemographic, family, professional, experience, information received, and burden using the Zarit Burden Interview). Results: Most caregivers were women (82.9%), living with the dependent person (70.1%), 62.2% of them had help and spent an average of 105.65 (± 54) hours/week in caring. More than half of the caregivers were severely burdened (57.7; ± 13.9), which was associated with the preparation to provide care and the areas and duration of dependence. More information about the illness and how to care for the dependent person were associated with lower levels of burden. Conclusion: The factors associated with the severe burden experienced by informal suggest that nurses should invest in preventive interventions. Keywords: burden; informal caregivers; family; self-care

Autor de correspondência: Maria dos Anjos Coelho Rodrigues Dixe E-mail: maria.dixe@ipleiria.pt

Recebido: 18.01.20 Aceite: 25.05.20

Resumen Marco contextual: Los cambios sociales dieron lugar a un aumento de las personas dependientes en el autocuidado y, con ello, de la necesidad de apoyo de un cuidador familiar/informal (CI). El desempeño de esta función puede llevar a la sobrecarga y al agotamiento. Objetivos: Evaluar la sobrecarga del CI de la persona dependiente e identificar los factores relacionados con esta sobrecarga. Metodología: Estudio observacional, transversal, sobre una muestra de conveniencia de 164 CI de personas dependientes en el autocuidado. El cuestionario incluyó datos de la persona dependiente: sociodemográficos y clínicos; y del cuidador: sociodemográficos, familiares, profesionales, experiencia, información recibida y sobrecarga (Escala de Zarit). Resultados: La mayoría de los CI son mujeres (82,9%), viven con la persona cuidada (70,1%), el 62,2% tiene ayuda para cuidados y gasta de media 105,65 h (± 54)/semana. Más de la mitad tiene una sobrecarga intensa (57,7; ± 13,9), relacionada con la preparación para el cuidado, las áreas y el tiempo de dependencia. Más información sobre la enfermedad y cómo cuidar a la persona dependiente está relacionada con niveles más bajos de sobrecarga. Conclusión: Los CI muestran una elevada sobrecarga y los factores relacionados sugieren invertir en intervenciones preventivas por parte de los enfermeros. Palabras clave: sobrecarga; cuidador informal; família; autocuidado

Como citar este artigo: Dixe, M. A., & Querido, A. I. (2020). Cuidador informal de pessoa dependente no autocuidado: fatores de sobrecarga. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20013. doi:10.12707/RV20013

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3: e20013 DOI: 10.12707/RV20013

pp. 1 - 8


Dixe, M. A. & Querido, A. I.

Introdução O cuidador informal (CI) principal é a pessoa, da rede social da pessoa dependente, com relação significativa que cuida de outra, numa situação de doença crónica e/ ou deficiência e que assume a responsabilidade maioritária do cuidado, vivenciando um grau de envolvência maior que os restantes membros da família, sem ter treino para tal e sem ser retribuído pela sua função (Naiditch, Triantafillou, Di Santo, Carretero, & Durrett, 2013). A nível Europeu estima-se que 32 milhões de cuidadores informais prestam cuidados a um idoso ou familiar com deficiência (Anderson, Mikuliç, Vermeylen, Lyly-Yrjanainen, & Zigante, 2009). Vários são os estudos que referem que estes cuidadores apresentam níveis elevados de sobrecarga emocional (Sequeira, 2013; Rodríguez-González et al., 2017). Face a este número e à escassez de programas de apoio ao cuidador (Dixe et al., 2019) há necessidade de avaliar a sobrecarga do CI da pessoa dependente e identificar os fatores relacionados com a sobrecarga do CI da pessoa dependente, a fim de identificar as melhores estratégias para prevenir a sobrecarga dos mesmos.

Enquadramento As características e necessidades da pessoa que recebe os seus cuidados assim como a evolução da sua condição estão relacionadas com o nível e a natureza dos cuidados prestados sendo que as suas qualidades e motivação para o cuidar dependem da sua capacitação, informação, apoio psicológico, relação entre o trabalho e o cuidar, apoio acessível adequado e atempado (Carretero, Stewart, & Centeno, 2015; Bouget, Spasova, & Vanhercke, 2016). Cuidar de outro requer um esforço contínuo ao nível cognitivo, emocional e físico, podendo ter impacto negativo na saúde e bem-estar do cuidador informal (Cabral, Ferreira, Silva, Jerónimo, & Marques, 2013) e em custos económicos para as famílias e sociedade sendo que maior nível de dependência, maior número de horas de cuidados prestados pelos cuidadores informais (Oliva-Moreno, Aranda-Reneo, Vilaplana-Prieto, González-Domínguez & Hidalgo-Veja, 2013). Identificar os fatores que estão relacionados com a sobrecarga é importante para serem definidas intervenções preventivas. A literatura tem descrito vários fatores relacionados com os cuidadores e fatores relacionados com a pessoa dependente que levam à sobrecarga. Relativamente a estes fatores foram identificados grau de dependência, saúde psicológica, e caraterísticas sociodemográficas. Quanto aos fatores relacionados com o cuidador, podemos salientar caraterísticas sociodemográficas, tipo de necessidades, tempo de cuidado, grau de parentesco e saúde psicológica do cuidador (Zhu & Jiang, 2018). Para avaliar a sobrecarga do cuidador existem vários instrumentos sendo a escala de Zarit apontada como a que reúne melhores condições de aplicação, sendo utilizada em vários países e em várias populações (Sequeira, 2013; Crespo & Rivas, 2015).

Descanso do cuidador, intervenções psicoeducativas, terapia cognitivo-comportamental, capacitação do cuidador, informações sobre como efetuar os cuidados e sobre o estado do doente, são estratégias promotoras da autoeficácia e da melhoria da comunicação entre a pessoa dependente e cuidador informal, previnem a sobrecarga e exaustão do cuidador (Vandepitte et al., 2016) comportamentos agressivos, abusos, maus tratos e abandono da pessoa dependente por parte do cuidador (Carretero & Garcés, 2011). Numa revisão sistemática (Vandepitte et al., 2016) foi verificado que intervenções psicoeducativas promovem resultados positivos nos cuidados e atrasam a institucionalização da pessoa dependente; terapia cognitiva diminui a disfuncionalidade do cuidador e a terapia ocupacional diminui problemas comportamentais das pessoas dependentes e melhora a autoeficácia dos cuidadores informais.

Questões de investigação/Hipóteses Quais são os fatores que estão relacionados com a sobrecarga do CI que cuida da pessoa dependente no autocuidado? H1: Existe correlação positiva e significativa entre os níveis de sobrecarga do CI e a sua idade, idade da pessoa dependente, tempo de dependência e número de horas de cuidado e informações recebidas pelo cuidador informal e número de dependências. H2: Existem diferenças com significado estatístico entre os níveis de sobrecarga do CI e o facto de morar com a pessoa de quem cuida, ter ajuda no cuidar e a relação de parentesco.

Metodologia Este estudo correlacional, transversal, desenvolvido num Centro Hospitalar da Zona centro de portugal, de junho de 2018 a fevereiro de 2019. Os dados foram colhidos por meio de amostragem por conveniência a 164 cuidadores informais com idade igual ou superior a 18 anos. Os critérios de inclusão foram: ser previamente CI, independentemente do tempo de cuidador, ser responsável por uma pessoa dependente em pelo menos uma área do autocuidado e com alta para o domicílio de um serviço de internamento. A aplicação dos critérios e seleção dos cuidadores foi efetuada pelos enfermeiros da referida Unidade Hospitalar. Para avaliar o grau de dependência os enfermeiros aplicaram a escala de Barthel. Nos dias agendados para a colheita de dados os enfermeiros do referido serviço indicavam os cuidadores informais que cumpriam os critérios para o estudo. Os dados foram colhidos através de um questionário hétero-preenchido, com duração média de 10 minutos, realizada por estudantes de mestrado em enfermagem, no dia da alta hospitalar. Este era constituído por: (a) Dados socioprofissionais e clínicos da pessoa dependente (referidos pelo CI) nomeadamente idade, sexo, número de dias de internamento, dependência prévia ao internamento, número de áreas de dependência (mínimo 0 máximo 10, de acordo com

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as áreas de dependência do índice de Barthel) e tempo de dependência; (b) Dados socioprofissionais e familiares do cuidador informal, experiência de cuidador, nivel de informação recebida pelo cuidador, profissional que forneceu a informação; (c) Nivel de informaçao fornecida ao cuidador informal, realizada durante o internamento da pessoa dependente. Esta variável foi avaliado através de 11 indicadores com quatro opções de resposta: as necessárias (1); algumas, mas não suficientes (2); nenhumas (3) e não aplicável (4). De seguida enumeram-se os 11 indicadores: Informação acerca da doença, informações sobre tomar banho, informações sobre vestir e despir, informações sobre alimentação, informações sobre o uso do sanitário, informações sobre transferência, informações sobre mobilidade, informações sobre a toma da medicação, informações sobre o equipamento auxiliar, informações sobre apoios económicos, e informações sobre os serviços comunitários. Os 11 indicadores foram construídos tendo por base o referenciado na literatura e validado o seu conteúdo por cinco profissionais de enfermagem com doutoramento, publicações e experiência na área: (a) Profissional que forneceu a informação em cada um dos 11 indicadores acima referidos com resposta multipla: médico, enfermeiro, outro (qual). Se respondessem qual eram convidados a indica-los; (b) Sobrecarga do cuidador: Escala de sobrecarga do cuidador de Zarit (Sequeira, 2013), constituída por 22 itens, organizados em quatro fatores: impacto da prestação de cuidados, relação interpessoal, expectativa face ao cuidar e perceção da autoeficácia. Cada item é pontuado de acordo com uma escala de resposta tipo Likert: nunca (1); quase nunca (2); às vezes (3); frequentemente (4) e quase sempre (5), obtendo-se um score global que varia entre 22 e 110, em que um maior score corresponde a um maior nível de sobrecarga, de acordo com os seguintes pontos de corte: sem sobrecarga (< 46); sobrecarga ligeira (46-56); sobrecarga intensa (> 56). O projeto foi aprovado pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (n.º 3289/ 2017) e Comissão de Ética do Centro Hospitalar onde o estudo foi realizado (04 - 2017/05/02). Todos os participantes foram informados sobre o direito de não participar e de desistir durante o estudo, do anonimato e confidencialidade dos dados tendo sido obtido o seu consentimento livre e esclarecido. Foi assegurado um local apropriado para a realização da entrevista. Os dados foram tratados através IBM SPSS Statistics software, versão 24.0 para o Windows 10, tendo sido realizadas análises descritivas para as variáveis numéricas e frequências absoluta e relativa para as variáveis qualitativas.

Na análise bivariada, e em virtude das variáveis não terem distribuição normal (avaliado através do teste de Kolmogorov–Smirnov), realizaram-se os testes não-paramétricos de Mann-Whitney quando aquelas eram dicotómicas, Kruskal-Wallis, quando as variáveis apresentaram três ou mais classes e coeficiente de correlação de Spearman para a análise da correlação entre as variáveis quantitativas independentes. Para todos os testes estatísticos utilizados, foi fixado o valor de p < 0,05 para rejeição da hipótese nula.

Resultados Neste estudo, 82,9% dos cuidadores informais são mulheres, na maioria filhos (57,9%) seguindo-se o cônjuge (25%) e outro familiar (17,1%). A maioria (50,6%) dos cuidadores não tem a escolaridade obrigatória (9º ano de escolaridade), 23,8% tem o 9º ano de escolaridade, 13,4% o 12º ano de escolaridade e os restantes 12,2% um curso superior. Relativamente à situação laboral 34,7% dos cuidadores eram reformados, 22% domésticos, 39% ativos e 4,3% estudantes. A maioria vive com a pessoa de quem cuida (70,1%) e 62,2% tem ajuda no cuidar. Em média estes cuidadores gastam 105,65 ± 54 horas por semana a cuidar da pessoa dependente, ou seja, 15 horas por dia. Apesar do cuidador da pessoa dependente ter em média menos anos (57,7 ± 13,4) que a pessoa dependente (81,2 ± 9,9) a diferença não tem significado estatístico (rs = 0,095; p = 0,227). Não há diferenças relativamente ao sexo da pessoa dependente pois o sexo masculino e feminino apresenta a mesma percentagem e número (50%; 82). Antes da vinda aos cuidados de saúde hospitalar a totalidade das pessoas já era dependente em pelo menos uma área do autocuidado sendo a média de dias de permanência da pessoa dependente na unidade hospitalar de 3,55 ± 5 dias. A pessoa estava dependente em pelo menos uma das atividades do autocuidado em média há 16,85 ± 30,2 anos. Relativamente às áreas de dependência, no momento da alta hospitalar, verificamos que 79,9% (131) das pessoas eram dependentes em oito áreas (para um máximo de 10); 19,5% (32) em mais do que uma área e apenas uma (0,6%) pessoa era dependente em apenas uma das áreas e tomam em média 8,4 ± 3,7 medicamentos por dia. Relativamente às informações prestadas aos cuidadores informais verificámos que foi na área da doença e da toma de medicação que foram prestadas informações ao maior número de cuidadores (Tabela 1).

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Tabela 1 Distribuição das respostas da amostra quanto ao nível de informação recebida pelo cuidador informal e profissional que a forneceu Informações Sobre:

As Necessárias

Não As Suficientes

%

%

Doença

110

67,1

54

32,9

Tomar Banho

51

31,1

5

Vestir E Despir

49

31,2

Alimentar-Se

56

Usar O Sanitário

Nenhumas

Não Aplicável

%

%

3,0

103

62,8

5

3,0

3

1,9

101

64,3

4

2,5

37,6

5

3,4

86

57,7

2

1,3

50

34,2

2

1,4

80

54,8

14

9,6

Transferir-Se

47

33,1

2

1,4

79

55,6

14

9,9

Andar

48

32,9

3

2,1

81

55,5

14

9,6

Tomar A Medicação

117

71,3

29

17,7

16

9,8

2

1,2

Equipamento Auxiliar

36

22,0

13

7,9

70

42,7

45

27,4

Serviço Comunitário

52

31,7

38

23,2

63

38,4

11

6,7

APOIOS ECONÓMICOS

31

18,9

25

15,2

91

55,5

17

10,3

Nota. *o n não e sempre igual pois deste número foram excluídos os não aplicáveis. Com exceção da informação prestada ao cuidador relativa à toma de medicação verificamos que foram vizinhos,

amigos ou outros familiares que as prestaram (Tabela 2).

Tabela 2 Distribuição das respostas da amostra quanto ao profissional que forneceu a informação ao cuidador informal Informações sobre:

Médico

Enfermeiro

Médico e Enfermeiro

%

%

%

146

89,0

4

2,4

14

8,5

Tomar banho

20

35,7

Vestir e despir

16

30,8

Alimentar-se

21

34,4 28,8

Doença

Usar o sanitário

4

6,6

Outro Nº

%

33

64,3

36

69,2

36

59,0

36

70,3

1

1,9

15 13

26,5

36

73,4

Andar

1

2,0

14

27,5

36

70,6

Tomar a medicação

63

43,2

29

19,9

25,4

Transferir-se

Equipamento auxiliar

2

4,1

13

26,5

Serviços comunitários

2

2,2

18

20,0

Apoios económicos

3

5,4

4

7,1

17

11,6

37 34

69,3

1

1,1

69

76,6

49

87,5

Nota. *o n não e sempre igual pois deste número foram excluídos os não aplicáveis. Os cuidadores informais que participaram no estudo apresentam uma média de 57,7 ± 13,9 de sobrecarga, sendo que 52,4% (86) apresentam sobrecarga intensa; 28% (46) sobrecarga ligeira e 19,5% (32) não apresentam sobrecarga. Podemos ainda referir que dos 22 indicadores os que apresentaram maior valor de sobrecarga foram: “Acredita que o seu familiar é dependente de si?” (4,51 ± 0,90) e “Acredita que o seu familiar/doente espera que você cuide dele como se fosse a única pessoa com quem

ele(a) pudesse contar?” (4,06 ± 1,27). De referir ainda que em 12 dos referidos indicadores os valores apresentados foram inferiores ao valor da mediana. Os resultados apresentados na Tabela 3 indicam que não há diferenças com significado estatístico entre a idade da pessoa dependente, idade do cuidador e número de horas de cuidado e os níveis de sobrecarga, no entanto, os cuidadores que cuidam de pessoas mais novas apresentam maiores índices de expectativas e autoeficácia (p

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< 0,05). Maior tempo de dependência está relacionado com menor índice de sobrecarga. Relativamente ao nível de informação, verificamos que os cuidadores que referiram ter recebido as informações necessárias para cuidar apresentam menor índice global de sobrecarga e de impacto no cuidar. Os cuidadores

que receberam informações sobre os apoios económicos apresentam melhores resultados de autoeficácia, ou seja, melhor opinião face ao seu desempenho. Cuidar de pessoas dependentes em menos áreas do autocuidado provoca menos sobrecarga no cuidador informal.

Tabela 3 Correlação de Spearman entre a sobrecarga do cuidador informal e a sua idade, idade da pessoa dependente, tempo de dependência e número de horas de cuidado e informações recebidas pelo cuidador informal e número de dependências Total de sobrecarga

Impactoa)

Relações interpessoais

Expetativas do CI

Autoeficácia

-0,089

-0,054

-0,083

-0,168

*

-0,168*

Idade da pessoa dependente Idade do CI

-0,064

0,113

0,103

0,033

0,033

Tempo de dependência

-0,240**

-0,109

-0,204**

-0,155*

-0,155*

Nº de horas de cuidado

0,112

0,067

0,153

-0,006

-0,00

-0,205

*

-0,198

-0,104

-0,120

-0,068

Doença

0221**

0,281**

0,059

0,123

-0,127

**

*

Nº de dependência

**

Informações sobre: Tomar banho

0,137

0,252

-0,174

-0,024

0,030

Vestir e despir

0,231**

0,362**

-0,128

0,063

0,014

Alimentação

0,216

0,314

**

-0,109

0,073

0,054

O uso do sanitário

0,287

0,411**

-0,117

0,095

0,034

Transferência

0,372

0,491

-0,088

0,131

0,098

Mobilidade

0,323

0,450

**

-0,101

0,092

0,027

Toma da medicação

0,271**

0,296**

0,084

0,209**

0,022

Equipamento auxiliar

0,091

0,194*

-0,084

-0,019

-0,104

Apoios económicos

0,047

-0,018

0,045

-0,014

0,287**

Serviços comunitários

-0,032

-0,060

-0,085

-0,018

0,150

** ** **

**

**

Nota. a) = Impacto da prestação de cuidados. *Correlação muito significativa (p < 0,01); **correlação significativa (p < 0,05).

Ser cuidador mulher ou a pessoa dependente ser mulher não são protetores para a sobrecarga (p > 0,05). Apenas a sobrecarga do cuidador informal ao nível das expectativas

face ao cuidar está relacionada com o ter ajuda no cuidar, sendo que os cuidadores informais com ajuda no cuidar apresentam menos índices de sobrecarga (Tabela 4).

Tabela 4 Resultados da aplicação do teste Mann-Whitney entre a sobrecarga do cuidador informal e o facto de morar com a pessoa de quem cuida e o ter ajuda no cuidar Sim

Sobrecarga global Morar com a pessoa

Ajuda para o cuidar

Não

M

DP

Posto médio

M

DP

Posto médio

U

p

57,2

13,3

80,71

58,7

15,2

86,70

2611,500

0,459

Impacto na PC

27,2

9,3

79,61

29,1

9,7

89,28

2485,500

0,233

Relações interpessoais

10,2

3,3

80,90

10,7

3,6

86,24

2634,000

0,508

Expetativas CI

15,3

2,7

86,73

14,3

3,2

72,56

2330,500

0,078

Autoeficácia

4,4

1,8

81,13

4,6

1,9

85,70

2660,500

0,563

Sobrecarga global

56,6

13,2

78,17

59,4

14,8

89,62

2720,500

0,134

Impacto na PC

27,1

9,0

79,22

28,9

10,1

87,90

2827,500

0,256

Relações interpessoais

10,4

3,3

84,08

10,3

3,6

79,90

3001,000

0,583

Expetativas CI

14,7

2,8

76,50

15,5

3,1

92,37

2550,000

0,037

Autoeficácia

4,3

1,9

79,16

4,7

1,8

88,00

2821,000

0,236

Nota. M = média; DP = Desvio Padrão; U = teste de Mann-Whitney; p = nível de significância Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3: e20013 DOI: 10.12707/RV20013

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Dixe, M. A. & Querido, A. I.

A relação de parentesco com a pessoa dependente (cônjuge, filho, outro familiar) não está relacionada com os níveis de sobrecarga (Kruskal-Wallis = 0,656; p > 0,05).

Discussão As mulheres continuam a ser os principais cuidadores, tal como observado noutros estudos (Sequeira, 2013, Pérez-Cruz, Muñoz-Martínez, Parra-Anguita, & del-Pino-Casado, 2017) casados, esposas ou filhos e com baixo nível de qualificações (Dixe et al., 2019; Pérez-Cruz et al., 2017; Rocha & Pacheco, 2013) A maioria dos cuidadores tem ajuda no cuidar e vive com a pessoa dependente (Pérez-Cruz et al., 2017; Dixe et al., 2019). As pessoas de quem cuidam são idosas e estão dependentes em média há 16,85 ± 30,2 anos, valor mais elevado do que o encontrado no estudo de Mendes, Fortes Figueiredo, Santos, Fernandes, e Fonseca (2019). Os cuidadores informais gastam em média (15 horas por dia) mais horas por dia a cuidar do seu familiar que os cuidadores de outros estudos (Pérez-Cruz et al., 2017) mas um número de horas similares a outros (Alves, Teixeira, Azevedo, Duarte, & Paúl, 2015) e são dependentes há mais anos (Pérez-Cruz et al., 2017, Mendes et al., 2019). Este número leva a que os cuidadores informais tenham muito pouco tempo para se cuidar e um aumento da sobrecarga (Mendes et al., 2019). Ao termos presente o número de horas gastas a cuidar, verificamos que das 24 horas diárias restam apenas 8 horas para dormir, levando a que não haja lugar a descanso do cuidador pelo que há necessidade de desenvolvimento de mais estruturas de apoio ao descanso do cuidador. Mais de metade dos cuidadores informais apresenta níveis de sobrecarga intensa, tal como já tinha sido verificado noutros estudos (Rodríguez-González et al., 2017), contrariando os valores encontrados por Rodríguez-Medina e Landeros-Pérez (2014). Os indicadores que mais concorreram para estes valores de sobrecarga foram “Tem receio pelo futuro destinado ao seu familiar/doente?” e “Acredita que o seu familiar/doente espera que você cuide dele como se fosse a única pessoa com quem ele(a) pudesse contar?” diferentes de outros realizados noutros países (Rodríguez-González et al., 2017). Dado que os instrumentos utilizados foram os mesmos, esta divergência poderá dever-se a diferentes tipologias de amostras ou a estratégias de apoios utilizados pelos CI para promover a sua saúde. Apesar do valor da sobrecarga ser intensa estes cuidadores não se envergonham do comportamento do seu familiar e não se sentem pouco à vontade em convidar amigos para o visitar devido ao seu familiar dependente, apresentando nestes indicadores valores entre nunca e quase nunca. Relativamente às informações prestadas aos CI sobre como cuidar da pessoa dependente, verificamos que maioritariamente as mesmas não foram suficientes, sendo que as necessidades de informação são das necessidades mais apontadas pelos cuidadores informais noutros estudos, nomeadamente no de Dixe et al. (2019) e Plöthner, Schmidt, de Jong, Zeidler, e Damm (2019) no período da transição de cuidados do hospital para casa para os apoiar no cuidar. O CI ter recebido informações necessárias

sobre apoios económicos está igualmente relacionado com menores níveis de autoeficácia. As informações sobre a doença e sobre a toma de medicação, fornecidas, maioritariamente, pelos médicos foram as informações prestadas ao maior número de cuidadores. Por outro lado, verificamos que foi na área de autocuidado tomar banho, vestir e despir, onde menor número de cuidadores recebeu informações. Para a prevenção e definição de intervenções preventivas há necessidade de perceber quais as variáveis identificadas como promotoras de sobrecarga. Receber informações necessárias sobre a doença e sobre a forma como cuidam da pessoa dependente é importante para os níveis de sobrecarga, principalmente na área do autocuidado vestir e despir, alimentação, uso do sanitário, transferência, mobilidade e toma da medicação, alguns dos quais também identificados por outros autores (Zhu & Jiang, 2018). O número de áreas de dependência é promotor de sobrecarga no cuidador tal como noutros estudos (Rodríguez-Medina & Landeros-Pérez, 2014; Zhu & Jiang, 2018). O sexo do cuidador, sexo da pessoa dependente no autocuidado, morar com a pessoa dependente e ter ajuda no cuidar não foi identificado como fator promotor da saúde do cuidador, ao contrário do verificado noutros estudos (Zhu & Jiang, 2018; Ramón-Arbués, Martínez-Abadía, & Martín-Gómez, 2017). Por outro lado, e ao contrário do verificado no estudo de Zhu e Jiang (2018), o tempo de dependência não é promotor de maior índice de sobrecarga, podendo dever-se ao facto destes cuidadores já apresentarem um elevado nível de sobrecarga. Tendo como objetivos avaliar a sobrecarga do cuidador informal da pessoa dependente e determinar os fatores relacionados com a sobrecarga, este estudo tem como principal limitação o facto de ser transversal, não permitindo estabelecer relações causais, pelo que a realização de estudos longitudinais prospetivos é necessária. A recolha de dados ter ficado restrita a uma área geográfica e ter sido uma amostragem não probabilística não permite a generalização dos resultados. Os dados terem sido colhidos no momento da alta hospitalar da pessoa dependente poderá ter igualmente introduzido um viés, aumentando os níveis de sobrecarga.

Conclusão Como principais conclusões podemos salientar que os cuidadores informais apresentam um nível intenso de sobrecarga e não receberam as informações necessárias para cuidar do seu familiar em casa. Os resultados deste estudo permitem alertar os enfermeiros para a necessidade de apostar ainda mais na informação/formação do CI de como cuidar do seu familiar, a fim de prevenir a sua sobrecarga e melhorar a qualidade de cuidados. Para além deste aspeto relacionado com a informação, é de realçar a importância da preparação destes cuidadores ao longo do internamento para o cuidar da pessoa indepen-

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Dixe, M. A. & Querido, A. I.

dente no autocuidado, assim como o acompanhamento e monitorização da sua saúde pelos enfermeiros dos cuidados de saúde primários. A identificação dos cuidadores informais com elevados níveis de sobrecarga, assim como a identificação dos fatores que estão relacionados com a mesma, tem implicações na prática de cuidados pois permitirá definir as intervenções adequadas a cada um, sendo, contudo, necessário desenvolver mais estudos sobre a eficácia das mesmas com estudos quasi/experimentais. É importante realçar a importância da preparação destes cuidadores ao longo do internamento para o cuidar da pessoa independente no autocuidado. Contribuição de autores Conceptualização: Dixe, M. A., & Querido, A. I Tratamento de dados: Dixe, M. A., & Querido, A. I Metodologia: Dixe, M. A., & Querido, A. I Redação - preparação do rascunho original: Dixe, M. A., & Querido, A. I Redação - revisão e edição: Dixe, M. A., & Querido, A. I Referências bibliográficas Alves, S., Teixeira, L., Azevedo, M. J., Duarte, M., & Paúl, C. (2015). Effectiveness of a psychoeducational programme for informal caregivers of older adults. Scandinavian Journal of Caring Sciences, 30(1), 65-73. Recuperado de https://pubmed.ncbi.nlm. nih.gov/25856726/ Anderson, R., Mikuliç, B., Vermeylen, G., Lyly-Yrjanainen, M., & Zigante, V. (2009). Second European Quality of Life Survey-Overview. Dublin, Ireland: Office for Official Publications of the European Communities. Recuperado de https://www.eurofound. europa.eu/sites/default/files/ef_publication/field_ef_document/ ef0902en_7.pdf Bouget, D., Spasova, S., & Vanhercke, B. (2016). Work-life balance measures for persons of working age with dependent relatives in Europe: A study of national policies 2016. Brussels, Belgium: European Commission. Directorate-General for Employment, Social Affairs and Inclusion. European Social Policy Network Cabral, M., Ferreira, P., Silva, P., Jerónimo, P., & Marques, T. (2013). Processos de envelhecimento em Portugal: Usos do tempo, redes sociais e condições de vida. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos Carretero, S., & Garcés, J. (2011). Psychological interventions to fight against the burden of the informal caregivers. European Psychiatry, 26, 1173. doi.org/10.1016/S0924-9338(11)72878-4 Carretero, S., Stewart, J., & Centeno, C. (2015). Information and communication technologies for informal carers and paid assistants: benefits from micro-, meso-, and macro-levels. European Journal of Ageing, 12(2), 163–73. doi:10.1007/s10433-015-0333-4 Crespo, M., & Rivas, T. (2015). La evaluación de la carga del cuidador: Una revisión más allá de la escala de Zarit. Clínica y Salud, 26(1), 9-16. doi.org/10.1016/j.clysa.2014.07.002 Dixe, M. A., Teixeira, L. F., Areosa, T. J., Frontini, R. C., Peralta, T., & Querido A. I. (2019). Needs and skills of informal caregivers to care for a dependent person: A cross-sectional study. BMC Geriatrics, 19, 255. doi:10.1186/s12877-019-1274-0 Mendes, P. N., Fortes Figueiredo, M. L., Santos, A. M., Fernandes, M.

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Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3: e20013 DOI: 10.12707/RV20013

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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Deteção precoce do cancro infantojuvenil nos cuidados de saúde primários: possibilidades e limitações Early detection of childhood and adolescent cancer in Primary Health Care: possibilities and limitations Detección precoz del cáncer infantojuvenil en la atención primaria de salud: posibilidades y limitaciones

Thainá Karoline Costa Dias1 https://orcid.org/0000-0002-7265-1350 Jael Rúbia Figueiredo de Sá França1 https://orcid.org/0000-0001-8880-6786

Maria de Fátima Oliveira Coutinho Silva1 https://orcid.org/0000-0003-0296-9256 Evelyne de Lourdes Neves Oliveira 1 https://orcid.org/0000-0001-7332-2500 Hanna Louise Macedo Marinho 2 https://orcid.org/0000-0002-9809-2745 Adriana Pereira de Goes 3 https://orcid.org/0000-0002-9942-7703

Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil

1

Faculdade Nova Esperança, Paraíba, Brasil

2

Faculdade Maurício de Nassau, Paraíba, Brasil

3

Resumo Enquadramento: A deteção precoce do cancro tem grande impacto na vida de crianças e adolescentes, uma vez que estes iniciam o tratamento em melhores condições, influenciando, assim, no seu prognóstico e na sobrevida. Objetivo: Investigar as possibilidades e limitações no que diz respeito à deteção precoce do cancro infantojuvenil, a partir de relatos de profissionais que atuam nos Cuidados de Saúde Primários. Metodologia: Estudo exploratório, desenvolvido em 3 unidades básicas de saúde. Participaram no estudo 11 profissionais de saúde. A colheita de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada. O material empírico foi analisado qualitativamente, de acordo com a Técnica de Análise de Conteúdo. Resultados: Apresentaram-se como possibilidades – a contextualização e interpretação dos resultados clínicos, além de uma assistência sistematizada e interdisciplinar. Como limitações – a falta de especificidade dos sinais e sintomas do cancro infantojuvenil, não observância do princípio de acessibilidade, assim como a necessidade de formação/capacitação. Conclusão: Sendo assim, constatou-se que este estudo possibilitará uma melhor atuação destes profissionais a respeito do diagnóstico precoce do cancro em crianças e adolescentes assistidos nos CSP. Palavras-chave: diagnóstico precoce; neoplasias; pediatria; atenção primária à saúde Abstract Background: The early detection of cancer has a major impact on the lives of children and adolescents because they start treatment in better conditions, thus influencing their prognosis and survival. Objective: To investigate the possibilities and limitations regarding the early detection of childhood and adolescent cancer, based on reports from professionals working in Primary Health Care. Methodology: Exploratory study conducted in three basic health units. Eleven health professionals participated in the study. Data were collected through semi-structured interviews. The empirical material was qualitatively analyzed based on the Content Analysis Technique. Results: The possibilities found were contextualization and interpretation of clinical findings, as well as systemized and interdisciplinary care. The limitations found were lack of specificity of the signs and symptoms of childhood and adolescent cancer, non-compliance with the principle of accessibility, and need for training/capacity building. Conclusion: This study will contribute to improving the performance of these professionals regarding the early diagnosis of cancer in children and adolescents receiving care in PHC. Keywords: early diagnosis; neoplasms; pediatrics; primary health care

Autor de correspondência Thainá Karoline Costa Dias E-mail: thaiinakaroline@gmail.com

Recebido: 05.05.20 Aceite: 23.07.20

Resumen Marco contextual: La detección precoz del cáncer tiene un gran impacto en la vida de los niños y adolescentes, ya que estos comienzan el tratamiento en mejores condiciones, lo que influye en el pronóstico y la supervivencia. Objetivo: Investigar las posibilidades y limitaciones respecto a la detección precoz del cáncer infantojuvenil, a partir de informes de profesionales que trabajan en la atención primaria de salud. Metodología: Estudio exploratorio, desarrollado en tres unidades básicas de salud. Once profesionales de la salud participaron en el estudio. La recopilación de datos se llevó a cabo mediante una entrevista semiestructurada. El material empírico se analizó cualitativamente, de acuerdo con la técnica de análisis de contenido. Resultados: Se presentaron como posibilidades, la contextualización e interpretación de los hallazgos clínicos, así como la asistencia sistemática e interdisciplinaria. Como limitaciones, la falta de especificidad de los signos y síntomas del cáncer infantojuvenil, el incumplimiento del principio de accesibilidad, así como la necesidad de formación/capacitación. Conclusión: Por lo tanto, se constató que este estudio permitirá un mejor desempeño de estos profesionales en cuanto al diagnóstico precoz del cáncer de niños y adolescentes atendidos en los CSP. Palabras clave: diagnóstico precoz; neoplasias; pediatria; atención primaria de salud Como citar este artigo: Dias, T. K., França, J. R., Silva, M. F., Oliveira, E. L., Marinho, H. L., & Goes, A. P. (2020). Deteção precoce do cancro infantojuvenil nos cuidados de saúde primários: possibilidades e limitações. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20060. doi:10.12707/RV20060

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3: e20060 DOI: 10.12707/RV20060

pp. 1 - 8


Dias, T. K. et al.

Introdução O cancro é uma doença crónica ameaçadora da vida, caracterizada pela produção descontrolada de células anormais que invadem tecidos e órgãos. Tal patologia afeta, principalmente, as células do sistema sanguíneo, o sistema nervoso e os tecidos de sustentação, acometendo não só adultos, mas também crianças e adolescentes, o que demonstra a relevância de um olhar voltado para a oncopediatria, visto que essa patologia é temida por oferecer risco à vida (Ministério da Saúde, 2019). De acordo com os estudos do Observatório Global de Cancro, destacam-se o surgimento de novos casos bem como um número elevado de óbitos, até 2040, devido a 36 tipos de cancro. Além disso, constata-se que a incidência das neoplasias irá crescer em 63% em cerca de 20 anos, caso não se consiga obter um controle, o que equivale a 21 milhões de novos casos por ano. No que concerne a esta estimativa, sabe-se que 3% do número geral desta população é representada por crianças e adolescentes, podendo culminar em até 630 mil novos casos de cancro infantojuvenil anualmente (International Agency for Research on Cancer, 2018). No Brasil, o cancro é a principal causa de óbitos de crianças e adolescentes, sendo responsável por cerca de 8% das mortes na faixa de 1 a 19 anos. Em 2014, foram registados e consolidados os dados acerca do cancro infantojuvenil no país, totalizando 2.724 óbitos (Ministério da Saúde, 2017a). Com base neste levantamento, observa-se que existem diferenças no acesso à deteção precoce e no tratamento adequado para o cancro no país. Assim, considerando a questão proposta, o objetivo geral deste estudo é investigar as possibilidades e limitações no que diz respeito à deteção precoce do cancro infantojuvenil, a partir de relatos de profissionais que atuam nos cuidados de saúde primários (CSP).

Enquadramento Desta forma, a deteção precoce do cancro tem grande impacto na vida de crianças e adolescentes, uma vez que estes iniciam o tratamento em melhores condições, influenciando, assim, no seu prognóstico e na sua sobrevida, além de proporcionar uma redução significativa na taxa de mortalidade (Instituto Ronald McDonald, 2018). Por ser considerado um problema de saúde pública, o Ministério da Saúde preconiza que os profissionais encaminhem os casos suspeitos e confirmados de cancro infantojuvenil numa linha de assistência integral, com definição de caminhos e ações desde os CSP, com o auxílio do Protocolo de Diagnóstico Precoce do Cancro Pediátrico. Vale ressaltar que os CSP alcançam 46,6% da população brasileira, da qual, desta percentagem, faz parte um número significativo de crianças e adolescentes (Ministério da Saúde, 2017b). Com base neste entendimento, os CSP devem apresentar respostas compatíveis com as necessidades de saúde da população, apresentando soluções satisfatórias. Para isso, deve promover ações que tragam resultados positivos a fim

de detetar precocemente o cancro infantojuvenil. Devem ser criados meios para identificar sinais e sintomas clínicos na fase inicial da doença, com iniciativas que vislumbrem ampliar o conhecimento dos profissionais da área de saúde e da comunidade, de modo geral, sobre o impacto desta patologia na vida de crianças e adolescentes, promovendo, assim, maior índice de cura (Handayani et al., 2016). Portanto, tornam-se necessários outros estudos tendo em conta que é imprescindível discutir acerca do cancro infantojuvenil, pois ele envolve um conjunto de elementos biológicos, espirituais, emocionais e sociais, sendo ainda mais extenuante devido ao facto desta patologia acometer crianças e/ou adolescentes, além de apresentar limitações que concernem à assistência integral do referido grupo (Oliveira & Kruse, 2017). É importante destacar que na literatura brasileira é incipiente o número de estudos acerca da importância de se detetar precocemente o cancro infantojuvenil nos CSP Sendo assim, é fundamental a realização de pesquisas que contribuam para a produção de novos conhecimentos sobre a temática em destaque a partir de profissionais dos CSP.

Questão de investigação Quais as possibilidades e limitações, segundo profissionais da CSP, acerca da importância da deteção precoce do cancro infantojuvenil?

Metodologia Trata-se de um estudo de caráter exploratório, de natureza qualitativa. Este tipo de estudo permite ao investigador dar início a um processo de sondagem, que tem como objetivo principal o aprimoramento, a ampliação e a elucidação de conceitos, propondo-se a construção de hipóteses para elaboração de estudos futuros (Gil, 2019). A pesquisa foi desenvolvida em três Unidades Básicas de Saúde (UBS), localizadas no município de João Pessoa - PB, pertencentes ao Distrito Sanitário V, do 1º Núcleo Regional de Saúde da Paraíba, após uma avaliação diagnóstica destas unidades via Secretária Municipal de Saúde, mediante apresentação dos objetivos e finalidade da investigação. A pesquisa foi realizada no período de outubro de 2019 a novembro de 2019, e contou com a participação de 11 profissionais dos CSP que atuam nas UBS selecionadas para o estudo. Este número justifica-se por ser uma investigação de natureza qualitativa. Para a seleção da amostra, foram adotados os seguintes critérios de inclusão: ser profissional de saúde de nível superior; e estar em atividade profissional nas UBS selecionadas para o estudo, num período superior a 1 ano. Contudo, foram excluídos da pesquisa os participantes que exerciam atividade, contudo recusaram-se a participar na investigação. A colheita de dados foi realizada mediante a técnica de entrevista semiestruturada. Esta modalidade não obedece

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3: e20060 DOI: 10.12707/RV20060

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a uma ordem rígida de questões, pois articula perguntas fechadas e abertas de forma flexível, facilitando a compreensão do entrevistado (Manzini, 2012) . Vale ressaltar que este estudo está articulado ao projeto de pesquisa intitulado “Cuidados Paliativos em Pediatria: um olhar no âmbito da atenção básica, hospitalar e redes de apoio”, o qual foi aprovado pelo Comissão de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW), sob o Parecer de n º 1.268.255 e CAE: nº 48333415.3.0000.5183. Portanto, foram respeitados os princípios éticos no que diz respeito ao desenvolvimento da pesquisa envolvendo seres humanos, estabelecidos na Resolução COFEN nº 564/2017, instituídos no Código de Ética dos profissionais de Enfermagem (Conselho Federal de Enfermagem, 2017), conforme o artigo 57 referente aos deveres de cumprimento da legislação vigente para investigações que envolvem seres humanos. Os excertos das entrevistas dos participantes envolvidos na pesquisa foram codificados a partir da categoria profissional, com a finalidade de se manter o anonimato. Desta forma, foram atribuídos códigos aos depoimentos dos participantes, por exemplo: enfermeiro “E”; dentista “D”; e médico “M”. Com a finalidade de destacar o profissional responsável pelo depoimento, no item dos resultados, além do código, foi acrescido o número correspondente da entrevista. Deste modo, o primeiro enfermeiro entrevistado foi codificado por “E01”; o segundo, “E02”; e assim sucessivamente. O material empírico foi analisado a partir da Técnica de Análise de Conteúdo. A referida técnica tem como finalidade descrever o conteúdo de mensagens e obter indicadores quantitativos e/ou qualitativos que levem o pesquisador a uma reanálise do processo de comunicação, permitindo, assim, a compreensão dos conceitos, através de um conjunto de procedimentos sistemáticos (Bardin, 2017). Para a sua operacionalização: Bardin (2017) denomina as fases da análise em: pré-análise, codificação, inferência e interpretação dos dados. Na pré-análise, foram escolhidos os documentos e definidos os objetivos e indicadores que fundamentam a interpretação final. É a fase da organização propriamente dita, consistindo na leitura flutuante, escolha dos documentos e a preparação do material. A fase da codificação, é uma etapa em que ocorre a efetivação das decisões tomadas na pré-análise. Nesta fase, os dados brutos são organizados e agregados em unidades, os quais permitem uma descrição das características pertinentes aos excertos das entrevistas. A última fase de inferência e interpretação, versa sobre a apreciação estatística dos resultados obtidos, bem como o seu condensamento, a fim de evidenciar os dados necessários para a análise à luz da literatura pertinente ao tema.

Resultados

Para melhor compreensão, inicialmente serão apresentadas informações voltadas para a caracterização dos participantes. Em seguida, serão abordadas as categorias oriundas

dos excertos das entrevistas do estudo proposto. Do total da amostra foi observado que a faixa etária dos profissionais entrevistados variou dos 32 aos 60 anos. No que diz respeito ao sexo, nove são do sexo feminino e dois do sexo masculino. Quanto à profissão, quatro são enfermeiros, quatro odontólogos e três médicos. Em relação ao tempo de atuação profissional no serviço, três referiram de 1 a 5 anos, dois entre 6 e 10 anos e seis acima de 10 anos. Sendo assim, após a análise dos depoimentos, emergiram duas categorias: Assistência sistematizada por especialidade à criança e ao adolescente nos CSP; e Dificuldades enfrentadas por profissionais dos CSP, na deteção precoce do cancro infantojuvenil. Nestas categorias, serão destacados os conhecimentos e competências técnicas e científicas dos profissionais dos CSP, bem como as dificuldades enfrentadas por eles, no que tange à deteção precoce do cancro infantojuvenil. No que toca à primeira categoria, foram obtidos dados em relação à atuação dos profissionais dos CSP na deteção precoce do cancro infantojuvenil, em que nas falas dos participantes foram evidenciadas as contribuições e importância da assistência sistematizada e contínua de cada especialidade profissional, realizadas seja por médicos, enfermeiros ou odontólogos, como revelam os relatos a seguir: “O papel do enfermeiro é fazer o acompanhamento principalmente na puericultura . . . a gente faz um acompanhamento de saber como a criança está.” (E01; outubro, 2019); “Vamos vendo os pontos de fragilidades, desenvolvimento da criança e o seu crescimento, tudo dentro da puericultura já vai demonstrando para alguma coisa que esteja fora da curva da normalidade” (E02; outubro, 2019). Como o trabalho da gente na parte de anamnese é vê como um todo, então a gente procura saber qual é a queixa, o que está havendo em relação à criança e ao adolescente. . . . é um processo que requer que a gente seja atento a tudo a qualquer queixa, pela mínima que seja. (E03; outubro, 2019) “Nas consultas eu sempre oriento as mães para que estejam vigilantes, alerta aos sinais . . . falo da importância da boa alimentação, e assim, alguns sinais de que a criança/ adolescente pode apresentar caso estejam doentes” (E04; outubro, 2019); “Se chegar um paciente, eu vou avaliar na consulta médica, se tiver alteração, eu já peço biopsia, encaminho” (M01; outubro, 2019). O procedimento médico é solicitar exames, avalia-los, encaminhar para o especialista, fazer a referência, a gente também solicita pra que esse paciente traga a contrarreferência do especialista . . . E uma outra estratégia é pedir mensalmente pra está vindo aqui, pra gente está reavaliando clinicamente. (M02; outubro, 2019) “Foi na consulta médica, quando eu apalpei o abdômen, já achei estranho aquela massa . . . através dessa consulta inicial é que posteriormente fechamos o diagnóstico.” (M03; outubro, 2019); “Eu tenho sempre muito cuidado em não só olhar os dentes, mas a cavidade bucal de modo geral. As bochechas, o palato, o autoexame completo, sou muito cuidadosa com essa parte.” (D01; outubro, 2019); “A gente aqui presta assistência, acompanha, faz visita, dá

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suporte a família, dá as orientações. A gente examina, faz anamnese . . . a cada paciente promovemos o autoexame, tendo sempre essa preocupação em observar as lesões.” (D02; outubro, 2019); “A função da gente nas consultas odontológicas é buscar sempre fazer as descobertas. E encaminhar para os setores competentes. Porque a gente trabalha com prevenção.” (D04; outubro, 2019). Os relatos dos profissionais inseridos neste estudo deixam transparecer a importância da assistência sistematizada como estratégia para deteção precoce do cancro infantojuvenil, a partir do exame físico, o acompanhamento das crianças e adolescentes por meio da avaliação periódica, solicitação de exames, orientação aos acompanhantes, bem como o encaminhamento aos especialistas quando necessário. Neste sentido, identificou-se, também, nos discursos dos profissionais participantes da pesquisa, a importância da interdisciplinaridade, ou seja, partilha de conhecimento entre os profissionais da equipa dos CSP, no sentido de viabilizar de modo eficaz a deteção precoce de cancro infantojuvenil, como se pode verificar nos excertos a seguir: “A criança sempre passa pela enfermagem, mas também fazemos esse rodízio com o médico.” (E01; outubro, 2019); “No momento que ocorresse uma consulta com a odontologia ou com a médica, na puericultura que fazemos juntas, a gente estaria sempre muito atentas . . . a gente já levanta as hipóteses para alguma coisa diferente.” (E02; outubro, 2019). Quem diagnosticou, precisamente, foi a médica da minha equipe . . . Então, quando eu faço a consulta de enfermagem, eu já procuro sinalizar pra onde ele deveria ir, porque às vezes a comunicação com os especialistas é difícil. É um trabalho, que eu dependo da médica, da odontologia, do setor do NASF, entendeu? E isso aqui interligando, é um olhar mais acurado de toda a equipe. (E03; outubro, 2019) A equipe ela é bem preparada em relação à percepção, as queixas dos pacientes. O que tem muito aqui na unidade, que a equipe faz, são grupos, salas de espera, medicina, enfermagem . . . normalmente a gente faz esse tipo de esclarecimento aqui. (M01; outubro, 2019) “Quando a gente suspeita de algo, a gente pega os protocolos, faz exame, faz visita domiciliar, sempre acompanhando, sempre pedindo pra o ACS está acompanhando também, trazendo o feedback pra gente” (M02; outubro, 2019); “Inclusive foi diagnosticado pela gente lá . . . achei a palpação muito esquisita, ai eu juntamente com um colega a gente diagnosticou. . . . A gente faz reunião em cima de reunião, para ver acolhimento” (M03; outubro, 2019); “Juntamente com os profissionais da minha equipe, a gente levanta as suspeitas do diagnóstico, então encaminhamos” (D01; outubro, 2019); “A gente chama a equipe, dialoga com os médicos, as dentistas, a enfermeira, os agentes, tentamos fazer um projeto terapêutico singular, se responsabiliza também na questão dos encaminhamentos” (D03); “Existe muito empenho, tanto dos colegas como o meu. Todos os casos a gente encaminha para os serviços especializados conjuntamente” (D04; outubro, 2019).

As falas dos profissionais ressaltam a importância da interdisciplinaridade, visto que a contribuição de cada profissional, a partir da sua especialidade, é fundamental para a tomada de decisão, tanto no que diz respeito à deteção precoce do cancro infantojuvenil, como também para a promoção de uma assistência integral à criança e ao adolescente com suspeita de cancro. Os depoimentos de alguns profissionais entrevistados, referentes à segunda categoria, revelam a falta de preparação para identificar casos de cancro em crianças e adolescentes que recorrem aos CSP, como também as dificuldades enfrentadas em relação ao encaminhamento, quando necessário, para serviços especializados, além da falta de comunicação entre os demais níveis dos cuidados de saúde. Isto implica que haja um elevado número de encaminhamentos de crianças e adolescentes para o núcleo especializado num estado crítico da doença, em que a possibilidade de cura é muito reduzida (Friestino, Corrêa, & Moreira Filho, 2017), como se pode observar na fala de alguns dos participantes: “Como é uma situação atípica, que a gente não convive, a gente tem o foco mais pra o que a gente vê mais diariamente” (E01; outubro, 2019). Tinha um paciente que vinha sendo tratado como cisto sebáceo por um tempo, mas na verdade era neoplasia . . . Seria excelente se realmente fosse diagnosticado na Atenção Primária, mas essa não é a realidade. Se suspeita de infeccioso primeiro, depois inflamatório e vem com tratamento bem delongado, passando de médico em médico, e só posteriormente é diagnosticado . . . a gente não tem nenhuma experiência de criança que tenha sido diagnosticada bem rapidamente com câncer. (M03; outubro, 2019) “Ela não estava ainda com o diagnóstico . . . Estava bem, entendeu? Aparentemente bem, a gente não sabia. . . . porém, posteriormente foi diagnosticada com leucemia” (D03; outubro, 2019). Os participantes relataram ainda que o conhecimento insuficiente em relação à temática é justificado pelo pouco contacto com casos de crianças e adolescentes com cancro ou pela ausência de capacitações por meio da educação permanente, tornando-se, portanto, uma dificuldade presente na rotina de trabalho: Quando chegou pra gente uma criança com suspeita de câncer, a gente ainda não tinha tido nenhum treinamento . . . eu tenho um olhar, o olhar do médico já é diferenciado, do odontólogo, mas se a gente tivesse educação permanente, teríamos um olhar direcionado aquilo, aquela ação que a gente vai fazer. Seria ideal uma educação permanente para a equipe toda. (E03; outubro, 2019) “Como é uma situação atípica, que a gente não convive, a gente tem o foco mais pra o que a gente vê mais diariamente, acaba não sabendo muito quando tem algum caso, pois não tivemos esse treinamento” (D02; outubro, 2019). Estes excertos de entrevistas mostram que a deteção precoce do cancro infantojuvenil pode não estar a ser realizada de forma adequada, devido à necessidade de formação e capacitação por parte dos profissionais de saúde que

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prestam assistência às crianças e adolescentes nos CSP. Além disso, outra dificuldade enfrentada pelos participantes refere-se à desarticulação entre os CSP e os serviços especializados, e que é agravada pela má comunicação entre estes serviços, no que concerne à referência e contrarreferência, desembocando na descontinuidade das ações de saúde para o paciente e para a sua família, como pode ser observado nos relatos abaixo: Nós enfrentamos toda dificuldade. De encaminhar, do momento do diagnóstico até que consiga uma primeira consulta, para aquela criança que está assintomática, acaba tendo muito essa dificuldade, do momento do diagnóstico você conseguir uma primeira consulta, para o setor especializado. (E01; outubro, 2019) Antes o hospital de referência não precisava de um encaminhamento para ir para lá, pelo Sistema Nacional de Regulação, agora precisa, então trava um pouco, porque a demanda aumenta . . . como temos cerca de 4 mil habitantes, então não vemos toda essa população. (E02; outubro, 2019) “Uma das dificuldades mais comum na Atenção Primária, poucos são os profissionais que mandam a contrarreferência.” (M02; outubro, 2019); “sempre tem alguns entraves, tem algumas limitações que são inerentes a falta de trabalho integrado e dialogo quanto a referência e contrarreferência. Acaba que todo o resto fica complicado.” (D03; outubro, 2019).

Discussão Nos últimos 20 anos, constatou-se que a deteção precoce do cancro infantojuvenil aumentou 13%. Neste sentido, um estudo desenvolvido num hospital mineiro especializado em oncologia pediátrica, evidencia a importância da atuação dos profissionais de saúde responsáveis por promover ações de deteção precoce, desde os primeiros sinais e sintomas. Sendo assim, a identificação da doença ainda no início da sua manifestação, aumenta a probabilidade de um prognóstico esperançoso quando aliado a um tratamento adequado, visto que em 80% dos casos, pode obter-se a cura do cancro (Silva et al., 2016). Corroborando com a afirmação anterior, uma pesquisa ressalta que cada profissional deve demonstrar estar inteirado quanto à importância das competências e habilidades necessárias no que concerne às implicações e etapas do processo de trabalho exercido, aplicando, desta forma, os seus conhecimentos técnicos, científicos e humanos, bem como o domínio da epidemiologia, dos sinais e sintomas e dos fatores de risco inerentes ao cancro infantojuvenil, tendo como finalidade a promoção do cuidado contínuo e humanizado (Lima, 2018). Vale ressaltar que o conhecimento técnico-científico, aliado a um olhar preciso dos profissionais da equipa multidisciplinar dos CSP, favorece de modo eficiente e ágil a identificação de resultados clínicos, propiciando a investigação e possível deteção precoce do cancro infantojuvenil, com o devido encaminhamento para um especialista, a fim de confirmar ou descartar a hipótese

diagnóstica. Em caso positivo, uma deteção precoce propicia o tratamento de forma mais eficaz, o que aumenta as hipóteses de cura (Lima, 2018). Deste modo, é notório que uma equipa de CSP, capacitada com qualificações técnico-científicas, contribuirá para a redução significativa das neoplasias malignas entre crianças e adolescentes, visto que este nível de cuidado é importante por ser a porta de entrada para crianças e adolescentes nas UBS (Mutti et al., 2018). Neste enfoque, conforme o National Institute for Health and Clinical Excellence, existem recomendações indispensáveis para nortear os casos de hipótese diagnóstica ou casos suspeitos encontrados nos CSP, sendo estas: escuta ativa/qualificada a ser realizada pelos profissionais; orientações assertivas e esclarecedoras sanando todas e quaisquer dúvidas do acompanhante; agendamento de reavaliações em curtos espaços de tempo; e o diálogo com os membros que compõem a equipa multiprofissional da UBS para esclarecimento relativamente à fase em que se encontra o diagnóstico (Van Boven, Koen, Eline, & Els, 2017). Com isto, destaca-se que os CSP almejam a garantia de vínculo mais estreito dos serviços de saúde com os utentes e dos profissionais com a população, bem como ampliação do acesso à rede de saúde. Outro aspeto que os CSP destaca é o aumento da resolutividade dos problemas de saúde mais comuns, bem como tornar possível a continuidade da assistência (Mutti et al., 2018). Deste modo, os depoimentos deixam claro que a atuação, por parte destes profissionais, na implementação de atividades de saúde, seja de natureza individual ou coletiva, vise garantir a integralidade e resolutividade preconizadas pelos CSP face ao cancro infantojuvenil (Handayani et al., 2016). Contudo, as equipas de saúde necessitam de vencer algumas limitações, especialmente nos CSP, no que se refere às dificuldades em identificar os sinais e sintomas presentes nas neoplasias, os obstáculos encontrados para garantir o acesso a uma assistência contínua, perpassando por todos os níveis do Sistema Único de Saúde (SUS), assim como índices que apontam para um rastreio e tratamento tardios (Miranda, Melaragno, & Pina-Oliveira, 2018). Um estudo realizado nos distritos de saúde de Campinas, vai ao encontro de uma revisão realizada por uma universidade canadense, que chama a atenção para uma das maiores dificuldades na deteção precoce de casos oncopediátricos, a qual se caracteriza pelo conjunto de manifestações clínicas pouco diferenciadas de outras doenças benignas, comuns nesta faixa etária, bem como a apresentação de sinais e sintomas gerais com localização inespecífica, o que pode dificultar e retardar o diagnóstico de uma suposta neoplasia (Mutti et al., 2018; Friestino et al., 2017). Portanto, é de fundamental importância que existam capacitações para estes profissionais quanto à deteção precoce do cancro infantojuvenil. Deste modo, é importante que os profissionais de saúde interpretem os resultados clínicos contextualizando-os conforme: a faixa etária, sexo, correlação de sinais e sintomas, tempo em que a patologia evolui e, se necessário, realizar uma investigação de outros dados complementares, possibilitando, desta forma, maior precisão e agilidade, tanto no desfecho do diagnóstico como numa assistência sistematizada

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(Mutti et al., 2018). Sendo assim, embora os casos de cancro infantojuvenil não sejam uma demanda rotineira nos CSP, a desinformação por parte dos profissionais é um ponto frágil da assistência, visto que eles apresentam inúmeras responsabilidades relacionadas com o cuidado de pacientes oncológicos pediátricos. Esta situação contribui para o aumento do período entre o início da doença e o seu tratamento, refletindo diretamente na evolução da doença (Paixão, Farias, Rosas, & Coropes, 2018). Torna-se necessário um diálogo entre os profissionais dos serviços especializados com os profissionais da atenção básica, dando o feedback do que será realizado com o paciente, como se encontra o estágio da doença e o que a equipa especializada recomenda que seja realizado em nível de atendimento na UBS e em nível domiciliar. Neste sentido, é fundamental esta interlocução entre os profissionais da APS e os serviços especializados, para a continuidade de uma assistência eficaz e efetiva (Huesca, Vargas, & Cruz, 2018). Por conseguinte, é indispensável reestruturar as políticas com foco na gestão intersetorial, propiciando um fluxo de atendimento dentro de uma logística operacional partindo da premissa da referência e da contrarreferência para os casos suspeitos ou hipótese diagnóstica de cancro. Sendo assim, a ação conjunta entre a equipa dos CSP e a equipa especializada será o diferencial na redução da mortalidade, no alcance da cura, por meio da assistência compartilhada nestes serviços, evitando, deste modo, uma assistência fragmentada e desarticulada (Oliveira & Kruse, 2017). Dada a complexidade dos procedimentos nos serviços de saúde, que perpassa pelo processo de investigação até ao diagnóstico final, encaminhamento para um especialista/ tratamento, é imperativo que os profissionais dos CSP se capacitem, se qualifiquem e se aprimorem no que concerne ao cancro infantojuvenil nos diferentes níveis dos cuidados de saúde, para que estes possam ter um olhar mais preciso durante a consulta, por meio de anamnese e exame físico minuciosos, de uma avaliação criteriosa, reavaliação em curto espaço de tempo, solicitações de exames mais direcionados, em que o conjunto das ações seja norteado por competências técnico-científicas para levantar hipótese diagnóstica para neoplasia maligna na criança e no adolescente (Paixão et al., 2018). Sob este prisma, constata-se que os profissionais dos CSP são responsáveis pela missão de assistir crianças e adolescentes com cancro, transformando, assim, a atual conjuntura do atendimento à saúde destes indivíduos, visando a deteção precoce do cancro infantojuvenil não mais como um objetivo a ser cumprido, e sim como um processo intrínseco neste nível de cuidado (Huesca et al., 2018). Contudo, vale ressaltar que este estudo apresenta limitações, visto que se trata de uma pesquisa de natureza qualitativa e teve um número reduzido de participantes. Diante disto, os resultados não poderão ser generalizados.

Conclusão O estudo proposto traz contribuições relevantes sobre

possibilidades e limitações no que diz respeito à deteção precoce do cancro infantojuvenil a partir de depoimentos de profissionais de saúde que atuam nos CSP. No que diz respeito às possibilidades, os profissionais de saúde inseridos no estudo revelaram, a partir dos seus relatos, a importância de serem adotadas estratégias no âmbito dos CSP, por exemplo, a contextualização e interpretação dos resultados clínicos, além de uma assistência sistematizada e interdisciplinar. Tais estratégias demonstram a preocupação dos participantes do estudo na deteção precoce do cancro infantojuvenil pelos CSP. Quanto às limitações, os profissionais de saúde entrevistados mencionaram a falta de especificidade dos sinais e sintomas do cancro infantojuvenil atrelada à necessidade de formação e capacitação, assim como a não observância do princípio de acessibilidade preconizado pelo SUS, devido à má comunicação no que se refere à referência e contrarreferência dos casos suspeitos de cancro em crianças e adolescentes usuários dos CSP. Sendo assim, constatou-se que existe a necessidade de se disponibilizarem capacitações e ações de educação permanentes aos profissionais de saúde que atuam nos CSP que permitam a deteção precoce do cancro infantojuvenil. Esta ação possibilitará uma melhor qualificação e atuação destes profissionais a respeito do diagnóstico precoce do cancro em crianças e adolescestes assistidos nos CSP. Diante do exposto, espera-se que este trabalho possa contribuir para a adoção de novos estudos que se possam refletir na prática dos profissionais de saúde que atuam nos CSP, com ênfase na deteção precoce do cancro infantojuvenil, como também possibilitar reflexões para um melhor direcionamento das estratégias a serem adotadas para superação das dificuldades relacionadas com a deteção precoce do cancro em crianças e adolescentes assistidas nos CSP. Contribuição de autores Conceptualização: Dias, T. K. C. Tratamento de dados: Dias, T. K. C., França, J. R. F. S., Silva, M. F. O. C. Metodologia: Dias, T. K. C., Marinho, H. L. M., Goes, H. P. Redação - preparação do rascunho original: Dias, T. K. C. Redação - revisão e edição: França, J. R. F S.; Silva, M. F. O. C., Oliveira, E. L. N. Referências bibliográficas Bardin, L. (2017). Análise de conteúdo. São Paulo, Brasil: Edições 70. Conselho Federal de Enfermagem. (2017). Código de ética dos profissionais de enfermagem. Rio de Janeiro, Brasil: Autor. Recuperado de http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-5642017_59145.html Friestino, J. K., Corrêa, C. R., & Moreira Filho, D. C. (2017). Percepções dos profissionais sobre o diagnóstico precoce do câncer infantojuvenil na atenção primária à saúde. Revista Brasileira de Cancerologia, 63(4), 265-272. doi:10.32635/2176-9745. RBC.2017v63n4.127 Gil, A. C. (2019). Métodos e técnicas de pesquisa social (7ª ed.). São

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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Efetividade de um programa de formação na gestão emocional dos enfermeiros perante a morte do doente Effectiveness of a training program for nurses’ emotional management of patient death Eficacia de un programa de formación en la gestión emocional de los enfermeros ante la muerte de un paciente

Nelson Jacinto Pais1 https://orcid.org/0000-0001-5437-4006 Cristina Raquel Batista Costeira1 https://orcid.org/0000-0002-4648-355X Armando Manuel Marques Silva2 https://orcid.org/0000-0001-5562-584X Isabel Maria Pinheiro Borges Moreira2 https://orcid.org/0000-0002-6371-003X Instituto Português de Oncologia de Coimbra, Coimbra, Portugal

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Unidade de Investigação em Ciências da Saúde (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal

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Resumo

Enquadramento: A morte é uma realidade frequente, em contexto hospitalar, exigindo aos enfermeiros a apropriação de estratégias eficazes de gestão das emoções. Objetivos: Avaliar a efetividade de um programa de formação (PF) na gestão emocional em enfermeiros perante a morte do doente. Metodologia: Estudo pré-experimental de grupo único com avaliação pré e pós intervenção, realizado numa amostra de 20 enfermeiros de serviços de internamentos de oncologia. O instrumento de colheita de dados foi o questionário. Este integrava Escala de Avaliação do Perfil de Atitudes acerca da Morte (EAPAM), Escala de Coping com a Morte (ECM) e Escala de Avaliação de Implementação de Programas (EAIP), aplicado em três momentos distintos. Resultados: O PF levou a mudanças das atitudes nas dimensões: medo e neutralidade (EAPAM) e verificaram-se diferenças significativas no coping com a própria morte e com a morte dos outros (ECM), revelando uma capacitação nesta área. O PF foi classificado como muito bom (EAIP). Conclusão: A implementação do programa evidencia ser uma estratégia interventiva de empoderamento nestes enfermeiros, na autogestão emocional perante a morte. Palavras-chave: enfermeiros; morte; programa de formação; ajuste emocional; educação

Abstract

Background: Death is a common reality in hospital settings, requiring nurses to adopt effective strategies for managing their emotions. Objectives: To assess the effectiveness of a training program for nurses’ emotional management of patient death. Methodology: A one-group pretest-posttest pre-experimental study was conducted in a sample of 20 nurses working in oncology inpatient units. Data were collected using a questionnaire consisting of the Portuguese versions of the Revised Death Attitude Profile (Escala de Avaliação do Perfil de Atitudes acerca da Morte - EAPAM) and the Coping with Death Scale (ECM), and the Program Implementation Assessment Scale (EAIP), applied at three different periods. Results: The training program changed nurses’ attitudes in the dimensions of fear of death and neutral-acceptance (EAPAM). Significant differences were found in coping with one’s own death and the death of others (ECM), revealing improved skills in this area. The training program was rated as very good (EAIP). Conclusion: The implementation of the training program proves to be an effective strategy for improving nurses’ emotional management of death. Keywords: nurses; death; training program; emotional adjustment; education

Resumen

Autor de correspondência: Nelson Jacinto Pais E-mail: paisnelson@hotmail.com

Recebido: 17.02.20 Aceite: 25.05.20

Marco contextual: La muerte es una realidad frecuente en un entorno hospitalario y requiere que los enfermeros se apropien de estrategias eficaces de gestión emocional. Objetivos: Evaluar la efectividad de un programa de formación (PF) en la gestión emocional de los enfermeros ante la muerte de un paciente. Metodología: Estudio preexperimental de un solo grupo con evaluación previa y posterior a la intervención, realizado en una muestra de 20 enfermeros de pacientes oncológicos hospitalizados. El instrumento de recogida de datos fue el cuestionario. Este incluyó la Escala de Evaluación del Perfil de Actitudes ante la Muerte (Escala de Avaliação do Perfil de Atitudes acerca da Morte - EAPAM), la Escala de Coping con la Muerte (ECM) y la Escala de Evaluación de la Implementación de Programas (EAIP), aplicado en tres momentos diferentes. Resultados: El PF provocó cambios de actitud en las dimensiones: miedo y neutralidad (EAPAM) y hubo diferencias significativas en el afrontamiento (coping) de la muerte propia y de la de los demás (ECM), lo que reveló una capacitación en esta área. El PF fue clasificado como muy bueno (EAIP). Conclusión: La implementación del programa resulta ser una estrategia de intervención de empoderamiento en estos enfermeros en la autogestión emocional ante la muerte. Palabras clave: enfermeros; muerte; programas de capacitación; ajuste emocional; educación Como citar este artigo: Pais, N. J., Costeira, C. R., Silva, A. M., & Moreira, I. M. (2020). Efetividade de um programa de formação na gestão emocional dos enfermeiros perante a morte do doente. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20023. doi:10.12707/RV20023

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Introdução A morte tem sido rejeitada e negada do quotidiano familiar e social deixando de ser encarada como um processo natural inerente à condição humana, sendo remetida para os hospitais em substituição do domicílio (Silva, Lage, & Macedo, 2018). Os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros, pela sua proximidade com a pessoa em fim de vida, vivenciam emoções negativas que exigem um ajustamento eficaz, no entanto, sabe-se que nem todos os enfermeiros lidam adequadamente com a morte (Becker, Wright, & Schmit, 2017). A gestão emocional é considerada um alicerce do desempenho profissional e pessoal, pois as emoções são responsáveis pela adaptação às exigências ambientais, influenciam os processos cognitivos como a perceção, pensamento, tomada de decisão, linguagem, crenças, motivação, aprendizagem, memória, comportamentos, atitudes e intenções (Limonero, Reverte, Gómez-Romero, & Gil-Moncayo, 2018). Estas, condicionam de tal forma a vida das pessoas que o seu percurso diário só é facilitado se adquirirem estratégias de coping eficazes. As aptidões de coping mostram que as pessoas com mais recursos podem sofrer menos efeitos adversos em contextos de stress (Folkman, 1984). Estudos desenvolvidos recentemente salientam que a formação através de programas de capacitação emocional, a partilha de informação e de experiências entre pares são estratégias eficazes de gestão emocional (Carvalho, Lunardi, Silva, Vasques, & Amestoy, 2017; Gómez-Díaz, Delgado-Gómez, & Gómez-Sánchez, 2017; Sulzbacher, Reck, Stumm, & Hildebrandt, 2017). Os enfermeiros, quando consultados, referem que possuem reduzida formação que os ajude a gerir as emoções perante a morte dos doentes (Gómez-Díaz et al., 2017), e que a gestão ineficaz das emoções interfere na qualidade dos cuidados prestados (Becker et al., 2017). Assim, foi implementado um programa de formação com o objetivo de avaliar a sua efetividade na gestão emocional dos enfermeiros perante a morte.

Enquadramento As representações sociais da morte, devido à dificuldade de aceitação e entendimento que o ser humano tem sobre a mesma, levam a que o conceito seja pautado no abstracionismo, na mitologia, no simbolismo, na religião e acima de tudo na subjetividade (Pais, 2019). No passado, a relação com a morte era de naturalidade e proximidade, mais recentemente a morte é experimentada de forma reprimida e distante, e considerada maldita, interdita e repelida (Ariès, 2011). A morte é cada vez mais frequente em ambiente hospitalar e em unidades de cuidados continuados, levando a que os enfermeiros, que não possuem estratégias de gestão emocional, desvalorizem, minimizem ou não diagnostiquem o sofrimento do doente e família (Limonero et al., 2018), prestando cuidados rotineiros e tecnicistas (Silva et al., 2018).

Estudos recentes têm advertido para a importância de programas de formação na área da gestão emocional para capacitação dos enfermeiros (Gómez-Díaz et al., 2017), assim como a importância da criação de espaços físicos nas instituições, para partilha de ideias e sentimentos sobre a morte, esclarecimento de dúvidas, partilha e reflexão sobre questões relacionadas com o processo de morrer, espaços que funcionem de apoio mútuo (Carvalho et al., 2017; Sulzbacher et al., 2017). A literatura sugere como temas a explorar nas sessões dos programas formativos, estratégias eficazes de luto (Tranter, Josland, & Turner, 2016), preparação para a morte (Santos Souza et al., 2017) e investir no desenvolvimento da inteligência emocional e processos de expressividade de emoções (Gómez-Díaz et al., 2017). A formação em educação/gestão emocional é uma estratégia eficaz para os enfermeiros, pois se estes não possuírem ou não desenvolverem competências de gestão emocional, as consequências das vivências dolorosas relacionadas com a morte do doente produzirão danos, modificando o seu bem-estar e interferindo negativamente com a sua vida pessoal e profissional.

Hipótese de investigação O programa de formação contribui de forma positiva para a gestão emocional dos enfermeiros.

Metodologia Trata-se de um estudo de natureza quantitativa, de nível IV, pré-experimental com grupo único e avaliação pré e pós intervenção (Campbell & Stanley, 2005). A população alvo foi constituída por enfermeiros que trabalhavam em unidades de internamento de oncologia da região centro. A escolha desta população residiu no facto de os enfermeiros que cuidam de doentes do foro oncológico serem confrontados com uma elevada taxa de mortalidade, o que implica uma maior gestão emocional por parte destes, quando confrontados com essa vivência (Finley & Sheppard, 2017). O tipo de amostragem foi por conveniência, tendo em conta a voluntariedade para participar no programa, após publicitação da investigação na instituição de saúde. A amostra foi composta por 20 enfermeiras com idades compreendidas entre os 26 e os 58 anos, a idade média foi de 42,65 +/- 9,11 com mediana de 43,50 anos e 70% são casadas ou vivem em união de facto. Todas professam a religião católica. As enfermeiras trabalham em serviços cirúrgicos (n = 11) e serviços médicos (n = 9). Possuem contrato individual de trabalho (CIT; n = 7) ou contrato de trabalho em funções públicas (CTFP; n = 13). Todas são detentoras do título de licenciatura, cinco têm o título de mestre. Seis enfermeiras têm o título de especialista, embora apenas duas exerçam essa função, uma desenvolvia funções de chefia, sete de enfermeiro e 10 de enfermeiro graduado. Nesta amostra, 12 enfermeiras possuem formação em cuidados palia-

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tivos, enquanto oito nunca tiveram formação. Quando inquiridas sobre a sua perceção perante a autogestão da

morte, três responderam não lidar eficazmente com a morte (Tabela 1).

Tabela 1 Distribuição absoluta e percentual das características dos enfermeiros N

%

Solteiro

6

30

Casado/união de facto

14

70

Religião

Católico

20

100

Sexo

Feminino

20

100

CIT

7

35

CTFP

13

65

Cirúrgico

11

55

Médico

9

45

Licenciatura

20

100

Pós-graduação

1

5

Especialidade

6

30

Mestrado

5

25

Enfermeiro

7

35

Graduado

10

50

Especialista

2

10

Chefe

1

5

Sim

12

60

Não

8

40

Sim

17

85

Não

3

15

Variáveis Estado civil

Tipo de contrato Departamento de origem

Habilitações literárias e profissionais

Função que desempenha

Formação em cuidados paliativos Perceção de gestão adequada com a morte

Idade

Média (M)

42,50

Desvio-Padrão (s)

9,11

Mediana (Md) Amplitude

43,50 32 (26-58)

Nota. CIT = Contrato Individual de Trabalho; CTFP = Contrato de Trabalho em Funções Públicas.

Para responder ao objetivo traçado, construiu-se um programa de formação de seis horas, composto por quatro sessões, com hora e meia cada, com frequência de uma vez por semana. O primeiro programa aconteceu em fevereiro de 2018 e o segundo em março de 2018. Todas as sessões formativas foram realizadas às segundas-feiras das 14:30h-16h, sempre no mesmo espaço físico. O número de participantes por grupo foi previamente definido entre um mínimo de seis e um máximo de 12 elementos. O primeiro programa formativo foi constituído por 12 enfermeiros e o segundo por oito. Foram excluídos todos os enfermeiros que não pertencessem a serviços de internamento e com assiduidade inferior a 100% das horas de formação. A construção do programa formativo baseou-se nos pressupostos da andragogia e da inteligência emocional, com recurso a ferramentas de coaching para o desenvolvimento do auto e heteroconhecimento. Os temas abordados foram os definidos de acordo com o recomendado nos estudos de Tranter et al. (2016), Santos Souza et al. (2017) e Gómez-Díaz et al. (2017).

O programa formativo foi desenvolvido por uma formadora com formação pós-graduada na área da psico-antrolopogia da saúde e educação, tendo trabalhado com o investigador principal as estratégias a implementar. O instrumento de colheita de dados utilizado foi o questionário que foi aplicado em três momentos distintos. Antes da 1ª sessão de formação (1º momento), no fim das quatro sessões (2º momento) e follow-up de 2 meses (3º momento). Integrava uma parte de caracterização sociodemográfica e profissional e as Escalas de Avaliação do perfil de Atitudes acerca da morte (EAPAM), de Coping com a morte (ECM) e de Avaliação de Implementação de Programa (EAIP). A EAPAM adaptada e traduzida por Loureiro (2010), da versão revista da Revised Death Attitude Profile (DAP-R) por Wong, Reker, e Gesser (1994), é composta por cinco dimensões: medo, aceitação neutral/neutralidade, aceitação como aproximação, aceitação como escape e evitamento, tendo sido aplicada nos três momentos de colheita de dados.

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A ECM de Camarneiro e Gomes (2015), que avalia dois fatores (coping com a própria morte e coping com a morte dos outros), também foi aplicada nos três momentos de colheita de dados. A EAIP de Jardim e Pereira (2006), que permite avaliar sete dimensões: Apreciação global do programa, Objetivos, Conteúdos, Atividades, Participação, Recursos e Desenvolvimento, foi aplicada no 2º momento de colheita de dados. As escalas selecionadas foram consideradas as mais adequadas para avaliar a efetividade do programa de formação em gestão emocional perante a morte do doente. Para todas as escalas foi estudada a sua consistência interna, apresentando valores de alfa de Cronbach, compreendidos entre ∞ = 0,6-0,9. Os dados sociodemográficos e profissionais foram recolhidos no primeiro momento de colheita de dados (Tabela 1). A opção por recolher os dados em três momentos distintos prendeu-se com a necessidade de identificar as atitudes e as características de coping dos enfermeiros perante a morte, para se poder avaliar a efetividade do programa de formação na gestão das emoções e aferir as mudanças produzidas ao longo do tempo. A qualidade do programa de formação foi avaliada após a conclusão do programa formativo (2º momento). Para a consecução do estudo, foi solicitada autorização ao Conselho de Administração, Comissão de Ética (TI 04/17), Gabinete Coordenador de Investigação e de Formação da Instituição de Saúde onde o mesmo se desenvolveu, tendo tido parecer favorável. Foi solicitada

aos autores das três escalas, autorização para a sua utilização. A garantia do anonimato e da confidencialidade foi assegurada ao não ser solicitado qualquer dado que permitisse a identificação dos participantes. Antes da implementação do programa de formação foi entregue o termo de consentimento informado a cada participante, a quem foi explicado em que consistia o estudo e o que era esperado da sua participação, assim como os benefícios e os riscos do mesmo. Desta forma, assegurou-se que a participação dos enfermeiros assentou no respeito pelo direito à autodeterminação. O tratamento de dados foi realizado através do programa de tratamento estatístico IBM SPSS Statistics, na versão 24.0.

Resultados No tratamento de dados estatísticos recorreu-se à estatística não paramétrica, devido ao tamanho reduzido de amostra (n = 20) e pela não verificação de normalidade das variáveis pelo teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov. Para examinar a significância da associação (contingência) entre a formação em cuidados paliativos e a gestão emocional foi aplicado o teste Exato de Fisher. Os dados evidenciam diferença estatisticamente significativa, as três enfermeiras que apresentaram maiores dificuldades em gerir as suas emoções perante a morte não possuíam qualquer formação em cuidados paliativos (p = 0,04; Tabela 2).

Tabela 2 Distribuição absoluta de características emocionais e formativas dos enfermeiros e resultado de Teste Exacto de Fisher Formação em paliativos

Gestão emocional

Sim

Não

Total

Positiva (n = 17)

n = 12

n=5

17

Negativa (n = 3)

n=0

n=3

3

12

8

20

Total Teste Exacto de Fisher

p = 0,04

Nota. p = Teste de significância.

As enfermeiras que referiram não lidar bem com a morte tinham contrato CIT, que correspondem às enfermeiras mais jovens (32,57 ± 3,78 anos de idade) e com menos

anos de experiência profissional (9,96 ± 1,22 anos; Tabela 3).

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Tabela 3 Distribuição da amostra, idade e tempo de experiência pelo tipo de contrato Tipo de Contrato CIT

CTFP

Estatística

Idade

Tempo de Experiência

Média ( )

32,57

9,96

Desvio-Padrão

3,78

1,22

Amplitude

11 (26-37)

9 (4-13)

Média ( )

48,08

24,84

Desvio-Padrão

5,77

1,52

19 (39-58)

19 (17-36)

Amplitude

Nota. CIT = Contrato Individual de Trabalho; CTFP = Contrato de Trabalho em Funções Públicas.

Na avaliação das atitudes perante a morte através da EAPAM foi utilizado o teste de Friedman para verificar se existia diferença entre os três momentos analisados, por dimensão. Verificou-se que existiam diferenças estatisticamente significativas para as dimensões medo e neutralidade. Em seguida, aplicou-se o teste de Wilcoxon, a que foi aplicado o fator de correção de Bonferroni, em que se compararam os momentos entre si e se verificou em que momentos

existiram diferenças estatisticamente significativas. Assim, para a dimensão medo, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas, entre os resultados obtidos no 1º momento de recolha de dados e os obtidos no 2º, e entre o 1º e o follow-up. Para a dimensão neutralidade, apenas se encontraram diferenças estatisticamente significativas entre o 1º momento e o follow-up (Tabela 4).

Tabela 4 Resultados do teste de Friedman e Wilcoxon para as dimensões da escala EAPAM, nos três momentos de avaliação 1º e 2º Momento Teste de Friedman

1º e 3º Momento

2º e 3º Momento

Teste de Wilcoxon

Aproximação

p = 0,46

Z = -1,07 p = 0,29

Z = -1,18 p = 0,24

Z = -0,53 p = 0,60

Medo

p = 0,00

Z = -2,16 p = 0,03

Z = -2,48 p = 0,01

Z = -0,66 p = 0,51

Evitamento

p = 0,60

Z = -0,54 p = 0,59

Z = -0,43 p = 0,67

Z = -1,03 p = 0,30

Escape

p = 0,68

Z = -0,78 p = 0,43

Z = -0,02 p = 0,98

Z = -1,19 p = 0,23

Neutralidade

p = 0,05

Z = -0,68 p = 0,49

Z = -2,14 p = 0,02

Z = -1,29 p = 0,19

Nota. p = Teste de significância; Z = Valor do teste estatístico.

No que diz respeito ao estudo do coping com a morte, obtido através da aplicação da ECM (Tabela 5), registaram-se diferenças estatisticamente significativas para os dois fatores da escala: coping com a morte dos outros e coping com a própria morte, quando comparados os fatores nos três momentos, pelo teste de Friedman. Em seguida, utilizou-se o teste de Wilcoxon, a que foi aplicado o fator de correção de Bonferroni, para verificar em que momentos existiu diferença estatisticamente sig-

nificativa. Verificou-se que para o fator do coping com a morte dos outros, os resultados evidenciaram diferenças estatisticamente significativas quando comparados o 2º momento e o follow-up, sugerindo efeitos a médio prazo. No fator coping com a própria morte verificaram-se diferenças estatisticamente significativas quando comparados os resultados obtidos antes da frequência do programa de formação (1º momento) com os obtidos nos momentos seguintes (2º e 3º; Tabela 5).

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Tabela 5 Resultados do teste de Friedman e Wilcoxon para os fatores da escala ECM, nos três momentos de avaliação 1º e 2º Momento Teste de Friedman

1º e 3º Momento

2º e 3º Momento

Teste de Wilcoxon

Coping com a morte dos outros

p = 0,00

Z = -1,18 p = 0,24

Z = -0,88 p = 0,38

Z = -2,21 p = 0,02

Coping com a própria morte

p = 0,00

Z = -3,92 p = 0,00

Z = -3,92 p = 0,00

Z = -0,39 p = 0,69

Nota. p = Teste de significância; Z = Valor do teste estatístico.

Na avaliação do programa de formação desenvolvido, utilizou-se a EAIP. Em todos os itens, os resultados mostram uma pontuação ≥ 4, sendo que o valor de escala se situa no intervalo compreendido entre [1,5], considerando-se os resultados médios muito bons. O item com menor cotação média foi o relativo à “duração do programa” ( = 4,10 ± 0,55). Os itens com maior cotação foram: “A adequação das estratégias à consecução dos objetivos foi”; “As atividades realizadas nas sessões presenciais, em geral foram”; “A adequação dos exercícios para desenvolver as competências foi” e “A motivação dos participantes foi”, que apresentavam valores médios de 5. A avaliação máxima do programa de formação foi de 150 pontos e a mínima de 30 pontos, os valores médios obtidos foram 144,70 ± 5,75, o que corresponde a uma avaliação qualitativa de muito bom (4,8 pontos). Salienta-se que o valor atribuído pelos participantes às suas competências no final do programa de formação foi superior ao atribuído antes da sua frequência ( final = 4,45 ± 0,51 face a inicial 3,65 ± 0,88). Também foi referido que os estímulos dados para continuar a aprofundar as competências desenvolvidas foram, em média 4,95 ± 0,22 (sendo o valor máximo de 5).

Discussão Os resultados do estudo apontam que as variáveis idade e experiência profissional interferiram na capacidade dos enfermeiros em gerir as emoções perante a morte dos doentes, sendo que quanto menor é a idade e a experiência, menor é a sua capacidade para gerir as emoções, resultados corroborados pelos estudos de Zheng, Lee, e Bloomer (2016) e de Martins, Chaves, e Campos (2014). A formação em cuidados paliativos ao fornecer aos enfermeiros ferramentas para lidar com o sofrimento ajuda-os a gerir as emoções perante a morte, pois as enfermeiras que referiram lidar menos bem com a morte são as que referiram não terem formação em cuidados paliativos, o que merece reflexão por parte das instituições de saúde e de ensino. É necessário que as instituições de saúde ofereçam aos seus profissionais, particularmente aos que estão em processos de integração, programas de formação em cuidados paliativos que permitam aos enfermeiros prestarem os melhores cuidados à pessoa em fim de vida

e simultaneamente, lhes permita experienciar menos emoções negativas durante e após a trajetória do processo de cuidar da pessoa em fim de vida. Os resultados encontrados atestam a efetividade do programa de formação na área da gestão emocional perante a morte, pois houve alterações nas dimensões medo e neutralidade e no coping com a morte dos outros e com a própria morte. A dimensão medo diminuiu após a frequência no curso de formação. Reconhecendo-se que o medo da morte interfere na qualidade dos cuidados, pode-se dizer que o programa de formação ao contribuir para a minimização/ gestão do medo perante a morte pode contribuir para a melhoria dos cuidados de enfermagem à pessoa em fim de vida (Becker et al., 2017). Outro dado positivo do programa foi a integração da morte como uma parte integrante da vida (neutralidade), o que é atestado pelo aumento dos valores nesta dimensão e que significa que a morte passou a ser entendida como um acontecimento natural (Loureiro, 2010). Os enfermeiros, após frequentarem o processo formativo apresentaram resultados de melhoria no coping com a morte dos outros, o que segundo Camarneiro e Gomes (2015) significa apropriação de melhores competências para comunicar com e/ou ajudar os familiares e doentes terminais. Os resultados positivos obtidos com o programa expressam-se também, no aumento do coping com a própria morte, pois como se observou ocorreram diferenças estatisticamente significativas, antes e depois da formação. O facto de o programa de formação incidir no processo de expressividade de emoções perante a própria morte, pode ter conduzido a níveis de introspeção mais profundos sobre a morte e o morrer. O trabalho interno realizado pelos enfermeiros durante o curso pode ter facilitado o empoderamento dos mesmos para trabalharem a sua própria morte e sentirem menor necessidade de expressarem emoções. O programa de formação em gestão emocional perante a morte foi avaliado com muito bom pelos participantes, e caracterizado como estratégia capaz de melhorar as competências emocionais, motivando os enfermeiros a continuar a aprofundar as suas competências. Estes resultados vão ao encontro aos encontrados por Gómez-Díaz et al. (2017), no que diz respeito à importância dos programas de formação para a capacitação dos en-

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fermeiros em gestão emocional, uma vez que a ineficaz gestão emocional perante a morte trará consequências já acauteladas por vários autores (Göriş et al., 2017; Carvalho et al., 2017; Gómez-Diaz et al., 2017), quer na qualidade dos cuidados prestados, quer na qualidade de vida pessoal do enfermeiro. Importa referir algumas das limitações deste estudo, que decorrem do desenho de investigação, como a não existência de uma amostragem probabilística e controle completo. A existência de uma amostra reduzida (n = 20) é também uma limitação ao estudo, pelo que se sugere que, em aplicações futuras do programa de formação, este se deva dirigir a uma amostra maior, com existência de grupo controlo e uso de amostragem probabilística.

Conclusão O programa de formação sobre a gestão emocional revelou que é efetivo no sentido em que as atitudes de medo e de neutralidade perante a morte foram dimensões em que os enfermeiros apresentaram mudanças, aceitando a morte como uma parte integrante da vida. Os enfermeiros ao apropriarem-se de estratégias que os ajudam a gerir as emoções perante o sofrimento revelaram coping com a morte dos outros e a própria morte, empoderaram-se na gestão das suas emoções perante a morte. Os enfermeiros com mais idade, com mais experiência profissional e com formação em cuidados paliativos foram os que apresentaram resultados de maior controlo na sua gestão emocional perante a morte. O programa de formação contribuiu de forma positiva para a gestão emocional dos enfermeiros, constituindo-se como estratégia facilitadora do autoconhecimento e autogestão emocional. A realização de projetos institucionais de partilha de emoções e experiências, assim como o desenvolvimento de processos formativos nas áreas da inteligência emocional, cuidados paliativos e estratégias de coping perante a morte através de ferramentas de coaching e observância de pressupostos da andragogia, demonstraram ser estratégias que ajudaram os enfermeiros a trabalhar as suas emoções perante a morte e o morrer, melhorando as suas performances no cuidado ao doente a morrer. Face aos resultados obtidos, recomenda-se a aplicação do programa utilizando um desenho experimental com grupo de controlo, dirigido a enfermeiros e estudantes de enfermagem, com estabelecimento de parcerias entre escolas e instituições de saúde. Contribuição de autores Conceptualização: Pais, N. J., Costeira, C. R., Moreira, I. M. Tratamento de dados: Costeira, C. R., Silva, A. M., Metodologia: Pais, N. J., Costeira, C. R., Moreira, I. M. Administração de projeto: Pais, N. J., Moreira, I. M. Supervisão: Moreira, I. M. Redação - preparação do rascunho original: Pais, N. J., Costeira, C. R., Moreira, I. M Redação - revisão e edição: Pais, N. J., Costeira, C. R., Silva, A. M., Moreira, I. M.

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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Estudo preliminar da Escala do Medo do Parto antes da Gravidez numa amostra de estudantes universitários

Preliminary study of the Portuguese version of the Childbirth Fear Prior to Pregnancy Scale in a sample of university students Estudio preliminar de la Escala del Miedo al Embarazo en una muestra de estudiantes universitarios Marlene de Jesus da Silva Ferreira 1 https://orcid.org/0000-0003-4469-7527 Zélia de Macedo Teixeira 1 https://orcid.org/0000-0001-8422-5239

1 Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal

Resumo Enquadramento: O parto é temido por ambos os sexos, conduzindo ao aumento das taxas de cesariana eletiva e medicalização. Embora seja mais temido na gravidez, a sua avaliação em populações não-grávidas contribui para uma intervenção precoce. Objetivo: Traduzir, adaptar e verificar as propriedades psicométricas de um instrumento que se propõe medir o medo do parto antes da gravidez, em população não-grávida. Metodologia: Estudo metodológico, recorrendo à tradução-retroversão e análise das propriedades psicométricas (fidelidade e validade) recorrendo à administração da Escala do Medo do Parto antes da Gravidez (EMPAG) e da Escala de Ansiedade, Depressão e Stress de 21 itens (EADS – 21). Resultados: A versão da escala adaptada, junto de 327 estudantes universitários, cumpriu os critérios de equivalência semântica, idiomática, experiencial e conceitual e apresenta boa consistência interna (α = 0,88) e estabilidade temporal. É constituída por 10 itens e explicada por 3 fatores, não existindo correlação com a EADS-21. Conclusão: O estudo preliminar da EMPAG apresentou boas qualidades psicométricas. Sugere-se o alargamento da amostra para sustentação dos resultados obtidos. Palavras-chave: medo; parto; gravidez; educação; psicometria Abstract Background: Childbirth is feared by both women and men, leading to increased elective caesarean section rates and medicalization. Although it is most feared during pregnancy, its assessment in non-pregnant populations contributes to an early intervention. Objective: To translate, adapt, and test the psychometric properties of an instrument to measure childbirth fear prior to pregnancy in non-pregnant populations. Methodology: Methodological study, forward-backward translation, and psychometric analysis (reliability and validity) of the Portuguese version of the Childbirth Fear Prior to Pregnancy Scale (EMPAG). Both the EMPAG and the Portuguese version of the 21-item Anxiety, Depression and Stress Scale (EADS-21) were applied. Results: The adapted version of the scale, which was applied to 327 university students, met the criteria of semantic, idiomatic, experiential, and conceptual equivalence and had good internal consistency (α = 0.88) and temporal stability. It consists of 10 items and is explained by 3 factors, without correlation with the EADS-21. Conclusion: The preliminary study of the EMPAG showed good psychometric qualities. It is suggested that the sample should be larger to support the results obtained in this study. Keywords: fear; parturition; pregnancy; education; psychometrics

Autor de correspondência: Marlene de Jesus da Silva Ferreira E-mail: marlene.silva.ferreira11@gmail.com

Recebido: 20.12.19 Aceite: 31.05.20

Resumen Marco contextual: Ambos sexos temen el parto, lo que lleva a un aumento de las tasas de cesárea electiva y de medicalización. Aunque se teme más en el embarazo, su evaluación en poblaciones no embarazadas contribuye a la intervención temprana. Objetivo: Traducir, adaptar y verificar las propiedades psicométricas de un instrumento que se propone medir el miedo al parto antes del embarazo en una población no embarazada. Metodología: Estudio metodológico, en el que se recurrió a la traducción-retroversión y al análisis de las propiedades psicométricas (fidelidad y validez) mediante la administración de la Escala del Miedo al Embarazo (EMPAG) y la Escala de Ansiedad, Depresión y Estrés de 21 ítems (EADS-21). Resultados: La versión adaptada de la escala, junto con 327 estudiantes universitarios, cumplió los criterios de equivalencia semántica, idiomática, experiencial y conceptual, y tiene una buena consistencia interna (α = 0,88) y estabilidad temporal. Consta de 10 elementos y se explica por 3 factores, no existe correlación con EADS-21. Conclusión: El estudio preliminar de EMPAG mostró buenas cualidades psicométricas. Se sugiere ampliar la muestra para respaldar los resultados obtenidos. Palabras clave: miedo; parto; embarazo; educación; psicometría Como citar este artigo: Ferreira, M. J., & Teixeira, Z. M. (2020). Estudo preliminar da Escala do Medo do Parto antes da Gravidez numa amostra de estudantes universitários. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20002. doi:10.12707/RV20002

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pp. 1 - 8


Ferreira, M. J. & Teixeira, Z. M.

Introdução O parto é uma experiência multidimensional e única para os seus intervenientes, ainda que fortemente influenciada pelo contexto social envolvente. Deste modo, as expectativas face a este evento de vida podem oscilar entre uma dimensão positiva ou negativa, envolvendo sentimentos de alegria, mas também preocupações, ansiedade e medos (Nilsson et al., 2018). O medo do parto e as preferências da via do nascimento têm sido alvo de estudo em vários países. Contudo, estas investigações incidem essencialmente na figura feminina, descurando daquele que está envolvido em todo o processo da gravidez até ao puerpério e também influenciado pelas experiências e opiniões de terceiros (Stoll et al., 2016). Por outro lado, os estudos apenas se focam em população grávida, não incluindo a geração de futuros pais. Importa assim considerar uma população que, por medo do desconhecido, tende a temer a dor, a perda de controlo, assim como as mudanças físicas e psicológicas (Thomson, Stoll, Downe, & Hall, 2017). Entende-se assim que, ainda que os receios do parto tenham uma maior prevalência no período gestacional, os jovens que planeiam ter filhos são de igual forma influenciados pela partilha de experiências de terceiros, propiciando a formação de crenças positivas ou negativas acerca deste período do ciclo de vida (Stoll et al., 2016; Thomson et al., 2017). Mediante investigações realizadas no âmbito desta problemática junto de população não-grávida, os níveis elevados de medo associam-se ao parto realizado pela via vaginal. Tais resultados justificam-se pela conceptualização da intensidade de dor elevada por parte dos estudantes universitários, conduzindo à preferência pela via transabdominal como forma de escapatória dolorosa (Hauck, Stoll, Hall, & Downie, 2016; Nilsson et al., 2018; Stoll & Hall, 2013; Stoll et al., 2016). Deste modo, o medo do parto contribui para o aumento das cesarianas eletivas e da medicalização, capaz de proporcionar sentimentos de dúvida e incerteza sobre a capacidade de dar à luz uma criança (Størksen, Garthus-Niegel, Adams, Vangen, & Eberhard-Gran, 2015). Subjacente a esta dimensão extrema de medo do parto, surge o termo tokophobia ou maieusiophobia, definindo-se como um distúrbio psicológico que oscila de insignificante a excessivo medo do parto, afetando o ser humano, desde a infância até à velhice, interferindo no funcionamento das rotinas diárias (Demsar et al., 2018). Atendendo ao estudo de Ryding et al. (2015), os estudantes universitários com níveis elevados de medo do parto tendem a sofrer de problemas psicológicos como ansiedade, depressão, e perturbações obsessivo-compulsivas relacionadas com a constante adoção de comportamentos de hipervigilância para não engravidar, comprometendo deste modo a sua qualidade de vida. Assim, lidar com o medo do parto durante a gravidez pode ser tarde demais. É importante avaliar e intervir previamente, em população não-grávida uma vez que é no período gestacional que os medos se tornam mais intensos (Stoll et al., 2016). A adoção de medidas de avaliação e intervenção já foi realizada em vários países através do desenvolvimento

e adaptação de instrumentos psicométricos capazes de avaliar o medo do parto antes da gravidez, bem como através da implementação de programas educacionais em estudantes do ensino médio e superior (Stoll et al., 2016; Thomson et al., 2017). A eficácia destas intervenções pré-natais é evidenciada em vários estudos cujos resultados demonstram que os estudantes que beneficiaram de programas educacionais sobre o parto revelam níveis mais baixos de medo, comparativamente com os jovens que têm contacto com as experiências de terceiros e não obtiveram conhecimento acerca deste evento de vida (McCants & Greiner, 2016; Stoll et al., 2016). Assim, a adoção de medidas de avaliação e intervenção sobre o parto contribuem para a desmistificação de medos e crenças erróneas, contribuindo para o bem-estar e qualidade de vida dos jovens, reforçando os esforços internacionais na redução das taxas de cesarianas eletivas e medicalização (Stoll et al., 2016). Face ao exposto, o objetivo deste estudo visa traduzir, adaptar e avaliar as propriedades psicométricas de um instrumento que se propõe medir o medo do parto antes da gravidez, numa amostra portuguesa de estudantes universitários não-grávidos, uma vez que em Portugal não existem instrumentos disponíveis para esta finalidade.

Enquadramento A versão original da Escala do Medo do Parto antes da Gravidez (EMPAG) foi desenvolvida por Kathrin Stoll e colaboradores (2016). Trata-se de um instrumento de autopreenchimento que tem por objetivo avaliar o medo do parto em jovens adultos, de ambos os sexos, que planeiam ter filhos no futuro, tendo por base três dimensões: O medo da dor do parto, Medo dos danos corporais e Medo das complicações principalmente subjacentes ao bebé. A EMPAG é composta por 10 itens, cujas opções de resposta variam do 1 - discordo fortemente, 2 - discordo, 3 - discordo parcialmente, 4 - concordo parcialmente, 5 -concordo ao 6 - concordo fortemente numa escala tipo likert. A cotação é realizada através do somatório dos itens, sendo que pontuações mais elevadas representam um medo mais intenso em relação ao parto. Após o desenvolvimento da EMPAG, os autores procederam à sua adaptação para vários países como Austrália (N = 654), Canadá (N = 239), Inglaterra (N = 303), Alemanha (N = 206), Islândia (N = 460) e Estados Unidos da América (N = 378), recorrendo à técnica tradução-retroversão. Através da comparação das versões por profissionais de domínio bilingue, procedeu-se à realização de pequenas alterações nas versões finais da escala, devidamente adaptada para cada país. Atendendo às qualidades psicométricas obtidas nos estudos realizados para as populações referidas anteriormente, a EMPAG apresenta uma boa consistência interna, uma vez que apresenta um alfa de Cronbach superior a 0,8. A análise fatorial extraiu três fatores, que correspondem às dimensões do Medo do parto: Medo das complicações do parto (composto pelos itens 5, 7 e 8), Medo das alterações físicas após o nascimento (com-

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posto pelos itens 9 e 10) e Medo da dor e de perder o controlo (composto pelos itens 1, 2, 3, 4 e 6). Recorrendo à administração de outros instrumentos como a Fear of Birth Scale (FOBS) e a Escala de Ansiedade, Depressão e Stress (EADS-21), os autores procederam à análise da validade convergente e divergente. Os resultados obtidos evidenciaram que a EMPAG está altamente correlacionada com uma escala que mede o mesmo constructo (r > 0,7) – validade convergente – apresentando por outro lado fracas correlações com a EADS-21 (r > 0,2) – validade divergente. Face ao exposto, depreende-se que a EMPAG apresenta boas qualidades psicométricas para os países onde já se encontra adaptada, representando um ponto de partida para planeamento de futuras intervenções no âmbito do medo do parto antes da gravidez.

Questões de Investigação A versão traduzida e adaptada da EMPAG demonstra qualidades psicométricas adequadas numa amostra de estudantes universitários da população portuguesa?

Metodologia O presente estudo foi realizado em duas fases: a primeira compreendia a adaptação transcultural do instrumento para português e, após a recolha de dados, a fase da análise das propriedades psicométricas numa amostra de estudantes universitários. Instrumentos de recolha de dados Para a recolha de dados foi administrado um questionário sociodemográfico constituído por itens como sexo, idade, estado civil e habilitações literárias, a EADS-21, para a análise da validade divergente, e a EMPAG, descrita anteriormente no presente artigo. Escala de Ansiedade, Depressão e Stress – EADS-21 A Escala de Ansiedade, Depressão e Stress, versão curta de 21 itens (EADS-21), foi traduzida e adaptada para a população portuguesa por Pais-Ribeiro, Honrado, e Leal (2004), e propõe-se medir os sintomas de ansiedade, depressão e stress. Cada uma destas dimensões compõe uma subescala do instrumento e é composta por 7 itens, perfazendo deste modo o total dos 21 itens. A subescala da Ansiedade engloba itens relacionados com a ansiedade situacional e experiências subjetivas de ansiedade. A subescala da Depressão é composta por itens inerentes a sintomas de disforia, desânimo, desvalorização, anedonia e inércia. E, por último, na subescala do Stress, os itens focam sintomas como a dificuldade em relaxar, a impaciência e irritabilidade. As opções de resposta distribuem-se numa escala tipo Likert, em que o valor 0 corresponde a não se aplicou a mim, o valor 1 corresponde a aplicou-se a mim algumas vezes, o valor 2 corresponde a aplicou-se a mim muitas vezes e o valor 3 corresponde a aplicou-se a mim, a maior parte das vezes, representando a severidade e frequên-

cia dos sintomas experienciados nos últimos 7 dias. A pontuação resulta num somatório dos pontos inerentes a cada opção de resposta oscilando assim entre os 0 e os 21 pontos para cada uma das três subescalas, sendo que os estados afetivos mais negativos estão associados a pontuações mais elevadas. Primeira fase – Tradução e adaptação da EMPAG A adaptação transcultural da EMPAG para português cumpriu as etapas metodológicas sugeridas por Ribeiro (2010) e Borsa, Damásio, e Bandeira (2012). Segundo os autores, o processo de tradução e adaptação de um instrumento para uma nova cultura deve ser realizado em seis etapas. Na primeira etapa existe uma tradução inicial realizada por duas pessoas de forma independente, com domínio bilingue e conhecimentos na problemática em estudo. Esta tradução inicial permite a realização de um esboço da escala, já traduzida para a língua do país alvo da adaptação transcultural. A segunda etapa remonta à retroversão da escala, ou seja, dois outros profissionais com domínio bilingue, sem conhecimento prévio da escala irão traduzir de novo a escala para a língua original. Na terceira etapa, serão comparadas as duas versões com o intuito de discutir e identificar incoerências ou discrepâncias sintáticas e consequentemente realizar reformulações, preservando sempre o sentido original dos itens. A quarta etapa conta com a participação de um painel de peritos com conhecimentos científicos na problemática em estudo, domínio bilingue e experiência em estudos de tradução e adaptação de instrumentos psicométricos. A participação desta multiplicidade de profissionais tem por finalidade a avaliação das versões traduzidas da escala obedecendo aos critérios de equivalência semântica, idiomática, experiencial e conceitual, originando, por fim, a versão final da tradução do instrumento. Mediante esta versão é construído o layout, simples, com instruções claras e objetivas para o participante, dando deste modo origem à quinta etapa. Por último, na sexta etapa é realizada a avaliação pelo público-alvo, com o intuito de verificar a compreensão global do instrumento e realizar alterações, caso sejam assinaladas, antes de efetuar a recolha de dados. Segunda fase – Análise das propriedades psicométricas da EMPAG Foi realizado um estudo metodológico, quantitativo, descritivo, transversal, recorrendo a uma amostragem não probabilística. Para análise das propriedades psicométricas, à vista dos procedimentos estatísticos realizados nos restantes países, optou-se por avaliar a fidelidade (alfa de Cronbach, split-half, correlação do item com o total da escala, teste-reteste) e a validade (validade de constructo, análise fatorial, validade divergente) do instrumento. Delinearam-se critérios de inclusão ser estudante universitário, maior de idade e não ter filhos. Após a autorização dos autores para utilização da escala, o projeto foi submetido e aprovado pela Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa a 23/01/2017. A recolha de dados foi realizada através do Google Docs e divulgada em redes sociais, salvaguardando a voluntariedade da participação, confidencialidade e anonimato.

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Ferreira, M. J. & Teixeira, Z. M.

Técnicas Estatísticas Para o tratamento de dados recorreu-se ao software IBM SPSS Statistics, versão 23. O campo omisso foi preenchido com o valor 999, de forma a assegurar que não existissem coincidências com valores válidos (Martins, 2011). Os valores de interpretação do alfa de Cronbach respeitaram a metodologia de Oviedo e Campo-Arias (2005) considerando uma consistência interna muito boa se α > 0,90, boa se α entre 0,80 e 0,90, razoável se α entre 0,70 e 0,80, fraca se α entre 0,60 e 0,70 e inadmissível se α < 0,60. Do mesmo modo, para a análise dos valores de correlação foram tidos em conta os valores de referência de Ribeiro (2010), que considera que uma correlação forte apresenta um r ≥ 0,80, ainda que possam ser aceites valores com r ≥ 0,60. Foram analisados os pressupostos da normalidade da variável intervalar através dos coeficientes de assimetria e curtose e teste da normalidade de Kolmogorov-Smirnov (sig = 0,08) e Shapiro Wilk (0,11). A análise exploratória de dados revelou estarem cumpridos os pressupostos subjacentes à distribuição normal da variável intervalar.

da área da saúde obstétrica, com domínio bilingue e experiência em tradução e adaptação de instrumentos psicométricos, concluiu que estavam cumpridos os critérios de equivalência semântica, idiomática, experiencial e conceitual. A avaliação pelo público-alvo contou com 10 participantes de ambos os sexos, estudantes universitários, respeitando os critérios de inclusão e exclusão definidos. Não surgiram quaisquer equívocos evidenciados pelos participantes, afirmando tratar-se de um instrumento acessível, de resposta fácil e conciso. Alguns elementos do sexo masculino acrescentaram ainda que as instruções e exemplos para a formulação das suas próprias questões fomentavam uma maior compreensão. Relativamente à avaliação das propriedades psicométricas do instrumento, o estudo é constituído por uma amostra de 327 estudantes universitários, com idades compreendidas entre os 18 e os 35 anos e uma média de 23,68 anos (Desvio-padrão - DP = 3,46), maioritariamente do sexo feminino (80,7%). O estado civil mais prevalente é solteiro (53,2%) e a licenciatura é o grau académico mais representativo (55%).

Resultados

Análise da fidelidade A EMPAG apresenta um alfa global de 0,88, revelando uma boa consistência interna, similar aos países para os quais já se encontra adaptada, tal como é possível compreender na Tabela 1.

No que concerne à fase da tradução e adaptação da EMPAG, após análise das versões da escala provenientes do processo de tradução-retroversão, o painel de peritos

Tabela 1 Análise da fidelidade (alfa de Cronbach) comparativamente com os outros países País

Portugal

Austrália

Canadá

Inglaterra

Alemanha

Islândia

EUA

Alfa de Cronbach

0,88

0,87

0,87

0,88

0,87

0,88

0,86

N

327

654

239

303

206

460

378

O teste das duas metades ou bipartição (split-half), representado na Tabela 2, demonstra que as partes 1 e 2 da escala apresentam um alfa de 0,79 e 0,80 respetivamente. A corre-

lação entre as duas metades é forte (r = 0,72), assim como os valores obtidos no coeficiente de Spearman-Brown (0,83), que se enquadram nas correlações pretendidas (≥ 0,8).

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Ferreira, M. J. & Teixeira, Z. M.

Tabela 2 Resultados obtidos no teste das duas metades (split-half ) Estatísticas de confiabilidade Parte 1 Alfa de Cronbach

Parte 2

Valor

0,792

Nº de itens

5a

Valor

0,806

Nº de itens

5b

Nº total de itens

10

Correlação entre formas Coeficiente de Spearman-Brown

0,720 Comprimento igual

0,838

Comprimento desigual

0,838

Coeficiente das duas metades de Guttman

0,837

Nota. 5a – Agrupa os itens: (1) Preocupa-me que a dor do parto possa ser demasiado forte; (2) Sinto que eu (ou a minha parceira) não vou ser capaz de aguentar a dor do nascimento; (3) Tenho medo que eu (ou a minha parceira) possa entrar em pânico e não saber o que fazer durante o parto; (4) Tenho medo do nascimento; (5) Tenho receio que algo de mal possa acontecer ao bebé; 5b – Agrupa os itens: (6) Tenho medo que eu (ou a minha parceira) possa perder o controlo durante o parto; (7) Tenho receio das complicações durante o parto; (8) O nascimento é algo imprevisível e arriscado; (9) Tenho medo do que o parto e o processo de nascimento possam fazer ao meu corpo (ou ao da minha parceira); (10) Tenho receio que o meu corpo (ou o da minha parceira) nunca mais seja o mesmo depois do parto.

As correlações dos itens com o total da escala obtidas são superiores a 0,45, evidenciando a unidimensionalidade da EMPAG. Comparando os resultados obtidos na amostra do presente estudo com os restantes países para os quais

o instrumento se encontra adaptado, constata-se que, na sua maioria, as correlações são superiores às demais, tal como é possível observar na Tabela 3.

Tabela 3 Resultados da correlação do item com o total da escala comparativamente com os outros países Item

Total da Escala Portugal

Austrália

Canadá

Inglaterra

Alemanha

Islândia

EUA

1

0,62

0,62

0,66

0,66

0,61

0,66

0,61

2

0,71

0,59

0,62

0,67

0,49

0,59

0,60

3

0,76

0,60

0,57

0,66

0,55

0,63

0,61

4

0,71

0,65

0,66

0,74

0,70

0,71

0,65

5

0,62

0,58

0,63

0.49

0,55

0,51

0,48

6

0,73

0,65

0,50

0,58

0,51

0,61

0,61

7

0,69

0,60

0,58

0,51

0,67

0,67

0,56

8

0,67

0,57

0,64

0,52

0,54

0,50

0,52

9

0,74

0,56

0,52

0,58

0,58

0,64

0,53

10

0,69

0,49

0,54

0,63

0,57

0,60

0,48

Os resultados obtidos no teste-reteste, representados na Tabela 4, na amostra do presente estudo, permitem concluir a boa estabilidade temporal da EMPAG. Os scores

totais da primeira e segunda administração do instrumento a um grupo de 25 estudantes universitários apresenta uma forte e significativa correlação (r = 0,79; sig = 0,00).

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Ferreira, M. J. & Teixeira, Z. M.

Tabela 4 Resultados obtidos no teste-reteste através da Correlação de Pearson Correlações Total EMPAG Teste

Total EMPAG Reteste

1

0,793**

Correlação de Pearson Total EMPAG Teste

Sig. (bilateral)

0,000

N

Total EMPAG Reteste

25

25

Correlação de Pearson

0,793**

1

Sig. (bilateral)

0,000

N

25

25

** A correlação é significativa no nível 0,01 (bilateral).

Nota: EMPAG - Escala do Medo do Parto antes da Gravidez. Análise da validade A validade de constructo foi testada recorrendo à técnica de grupos de contraste. A EMPAG foi administrada a um grupo de mulheres sem filhos (N = 25) e a um grupo de mulheres com filhos (N = 25). Os resultados sugerem que, em média são as mulheres com filhos que têm mais medo do parto (μ = 38,6; DP = 9,18), não existindo diferenças significativas entre os grupos em análise (sig = 0,81 ≥ 0,05). O teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o teste de esfericidade de Bartlett indicaram que a técnica da análise fatorial é passível de ser realizada na EMPAG (r = 0,83;

sig = 0,00). A análise das componentes principais extraiu três fatores com autovalores superiores a 1, que explicam cerca de 70% da variância total da escala. Associando uma rotação ortogonal Varimax, compreendemos que o fator 1 é composto pelos itens 1, 2, 3, 4 e 6 e corresponde ao Medo da dor e de perder o controlo; o fator 2 engloba os itens 5, 7 e 8 refere-se ao Medo das complicações do parto, e o fator 3, composto pelos itens 9 e 10 engloba o Medo das alterações físicas após o nascimento. Deste modo, a EMPAG é explicada pelos mesmos fatores que o instrumento original, representados na Tabela 5.

Tabela 5 Análise das componentes principais com rotação ortogonal Varimax e comunalidades Itens

Componentes

h2*

1

2

3

(1) Preocupa-me que a dor do parto possa ser demasiado forte

0,49

0,34

0,23

0,50

(2) Sinto que eu (ou a minha parceira) não vou ser capaz de aguentar a dor do nascimento

0,81

0,06

0,25

0,73

(3) Tenho medo que eu (ou a minha parceira) possa entrar em pânico e não saber o que fazer durante o parto

0,80

0,32

0,12

0,75

(4) Tenho medo do nascimento

0,73

0,15

0,28

0,63

(5) Tenho receio que algo de mal possa acontecer ao bebé

0,21

0,83

0,05

0,74

(6) Tenho medo que eu (ou a minha parceira) possa perder o controlo durante o parto

0,63

0,53

0,06

0,68

(7) Tenho receio das complicações durante o parto

0,24

0,83

0,19

0,78

(8) O nascimento é algo imprevisível e arriscado

0,13

0,57

0,50

0,59

(9) Tenho medo do que o parto e o processo de nascimento possam fazer ao meu corpo (ou ao da minha parceira

0,28

0,16

0,90

0,90

(10) Tenho receio que o meu corpo (ou o da minha parceira) nunca mais seja o mesmo depois do parto

0,24

0,11

0,91

0,89

Nota: h2* = Valor das comunalidades.

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Ferreira, M. J. & Teixeira, Z. M.

Os resultados obtidos na correlação entre as subescalas da EADS-21 e os scores totais da EMPAG permitem concluir que não existe correlação significativa entre os dois instrumentos (sig = 0,69 ≥ 0,05), cumprindo deste modo os pressupostos da validade divergente.

Discussão O presente estudo dividiu-se em duas fases, respeitando os objetivos inicialmente delineados: (1) adaptação transcultural da EMPAG e (2) análise das propriedades psicométricas do instrumento numa amostra portuguesa de universitários não-grávidos. A versão traduzida e adaptada da EMPAG seguiu as etapas metodológicas propostas por Ribeiro (2010) e Borsa et al. (2012). Após as etapas de tradução e retroversão, a avaliação do painel de peritos concluiu que a EMPAG cumpria os critérios de equivalência semântica, idiomática, experiencial e conceitual, permitindo manter a estrutura e conteúdo da escala original. Respeitando as etapas metodológicas propostas pelos autores supracitados foi realizado o estudo piloto junto de 10 estudantes universitários que descreveram a EMPAG como um instrumento acessível, de resposta fácil e conciso. Atendendo aos resultados da adaptação para os outros países, constata-se que apenas a Alemanha e a Islândia adaptaram o instrumento recorrendo à técnica da tradução-retroversão (Stoll et al., 2016). Com vista à análise das propriedades psicométricas da versão traduzida e adaptada para o contexto português recorreu-se a uma amostra constituída por 327 estudantes universitários, maioritariamente do sexo feminino (80%), em média com 24 anos, predominantemente solteiros (53%) e licenciados (55%). A caracterização sociodemográfica obtida é semelhante aos estudos realizados nos restantes países, devido particularmente à similaridade dos critérios de inclusão e exclusão para todas as populações (Stoll et al., 2009; Stoll & Hall, 2013; Stoll, Hall, Janssen, & Carty, 2014; Stoll et al., 2016). À vista dos estudos enumerados anteriormente optou-se por avaliar as qualidades psicométricas da EMPAG ao nível da fidelidade e da validade. No que respeita à fidelidade, a escala apresentou boa consistência interna (α = 0,88 > 0,80). Atendendo aos valores do alfa de Cronbach das versões dos restantes países, compreende-se que a versão portuguesa apresenta uma consistência interna mais elevada que a Austrália, Canadá, Alemanha e EUA (Stoll et al., 2016). Do mesmo modo, através do cálculo do coeficiente de Spearman-Brown, procedimento estatístico adotado apenas para a versão portuguesa, observa-se que as duas metades da escala apresentam uma forte correlação, mantendo a boa consistência interna (r = 0,72; α = 0,79; 0,80). A correlação de cada item com o total do teste demonstra a unidimensionalidade da escala, uma vez que todos os itens apresentam uma correlação superior a 0,45. Constata-se que, na sua maioria, as correlações obtidas são superiores às dos restantes países, nomeadamente às da Alemanha e dos EUA (Stoll et al., 2016). O teste-reteste e a técnica de grupos de contraste foram análises estatísticas realiza-

das apenas na versão portuguesa, não existindo por isso resultados para comparação com os demais países. Os resultados conseguidos através do teste-reteste na nossa amostra demonstram a estabilidade temporal do instrumento (r = 0,79; sig = 0,00). Por sua vez, os resultados da técnica de grupos de contraste permitiram concluir que não existem diferenças significativas do medo do parto de mulheres com filhos e mulheres sem filhos (sig = 0,81). Tais resultados vão ao encontro da literatura científica que demonstra que é no período gestacional que os medos se tornam mais intensos, e as experiências condicionam as perceções, atitudes e crenças face ao parto (Stoll et al., 2016; Thomson et al., 2017). Do mesmo modo, o estudo de Larkin, Begley, e Devane (2017) realizado na Irlanda junto de 531 mulheres que já tinham dado à luz, revela que o medo do parto é influenciado pela experiência do mesmo. Assim, mulheres que já tenham tido filhos apresentam níveis mais elevados de medo do parto, principalmente quando este foi realizado por via vaginal, onde a dor é deveras mais sentida. Assim, concordando com os autores, é importante uma avaliação do medo do parto e a implementação de programas educativos o mais precocemente possível (Stoll et al., 2016). Remetendo para a validade da escala, os resultados do teste de KMO (r = 0,83) e do teste de esfericidade de Bartlett (sig = 0,00) indicaram que a análise fatorial podia ser aplicada à EMPAG. A análise de componentes principais, com rotação ortogonal pelo método Varimax, revelou a existência de três fatores, que explicam cerca de 70% da variância do instrumento. O primeiro fator engloba o Medo da dor e de perder o controlo e é composto pelos itens 1,2,3,4 e 6. O segundo fator respeita ao Medo das complicações do parto e é constituído pelos itens 5,7 e 8. O terceiro fator reporta ao Medo das alterações físicas após o nascimento e conjuga os itens 9 e 10. Atendendo à revisão da literatura, os três fatores extraídos reportam aos principais medos dos jovens universitários (Hauck et al., 2016; Nilsson et al., 2018; Stoll & Hall, 2013; Stoll et al., 2016). Todos os itens apresentam valores de comunalidades iguais ou superiores a 0,5, permitindo a perseveração da estrutura original do instrumento, sem que haja supressão de itens. Desta forma, à vista da escala original, a EMPAG é constituída por 10 itens e explicada por três fatores, tal como nos restantes seis países (Stoll et al., 2016). A escala não apresenta uma correlação significativa com as subescalas da EADS-21 (r = - 0,08; sig = 0,70), cumprindo os pressupostos teóricos da validade divergente (Pasquali, 2007). Atendendo aos objetivos previamente enunciados podemos considerar que a EMPAG mostrou ser um instrumento com boas qualidades psicométricas, testadas ao nível da fidelidade e da validade, na amostra que constitui o presente estudo. Não obstante, são necessários mais estudos, com um maior número de participantes, a fim de comprovar e alargar a análise estatística realizada na presente investigação. Por outro lado, apesar das vantagens associadas à recolha de dados online, as respostas ao questionário podem inevitavelmente sofrer enviesamento, impactando nas consequentes análises estatísticas. Finalmente, embora o instrumento se proponha medir

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Ferreira, M. J. & Teixeira, Z. M.

o medo do parto antes da gravidez, a informação que se conseguiu obter não reporta ao medo do momento do parto mas sim a dimensões como o medo da dor, o medo das complicações do parto e o medo das alterações físicas. Deste modo, a maioria dos itens remete para os receios associados ao pós-parto, pelo que seria importante incluir itens que nos permitissem avaliar a dimensão do medo do parto no seu sentido mais restrito.

Conclusão Após a tradução e adaptação transcultural da EMPAG constatou-se que a escala apresentou boas qualidades psicométricas, testadas ao nível da fidelidade e da validade, numa amostra de estudantes universitários não-grávidos. O objetivo proposto no presente estudo foi atingido, contudo, sugere-se a utilização de uma amostra de maior dimensão, representativa da população portuguesa, de modo a possibilitar a generalização dos resultados para o nosso país. De igual modo, uma vez que o score total da EMPAG permite apenas uma leitura geral medo do parto sugere-se a criação de pontos de corte que permitam estratificar os níveis de medo de forma mais precisa. A EMPAG encontra-se assim disponível à comunidade científica podendo servir de ponto de partida a futuros estudos e programas educativos multidisciplinares com vista a uma pré-educação e desmistificação de crenças erróneas, uma vez que, intervir apenas no período gestacional pode ser tarde demais. Contribuição de autores Conceptualização: Ferreira, M., Teixeira, Z. Metodologia: Ferreira, M., Teixeira, Z. Tratamento de dados: Ferreira, M. Redação - preparação do rascunho original: Ferreira, M Redação - revisão e edição: Teixeira, Z. Referências bibliográficas Borsa, J., Damásio, B., & Bandeira, D. (2012). Adaptação e validação de instrumentos psicológicos entre culturas: Algumas considerações. Revista Paidéia, 22(53), 423-432. doi:10.1590/198243272253201314 Demsar, K., Svetina, M., Verdenik, I., Tul, N., Blickstein, I., & Velikonja, V. (2018). Tokophobia (fear of childbirth): Prevalence and risk factors. Journal Perinatal Medicine, 46(2), 151-154. doi:10.1515/jpm-2016-0282 Hauck, Y., Stoll, K., Hall, W., & Downie, J. (2016). Association between childbirth attitudes and fear on birth preferences of a future generation of Australian parents. Women and Birth, 53(2), 1-7. doi:10.1016/j.wombi.2016.05.001 Larkin, P., Begley, C., & Devane, D. (2017). Women´s preferences for childbirth experiences in the Republic of Ireland: A mixed

methods study. BMC Pregnancy and Childbirth, 17(19), 1-10. doi:10.1186/s12884-016-1196-1 McCants, B., & Greiner, J. (2016). Prebirth Education and Childbirth Decision Making. International Journal of Childbirth Education, 31(1), 24-27. Martins, C. (2011). Manual de análise de dados quantitativos com recurso ao IBM SPSS. Braga, Portugal: Psiquilíbrios Edições. Nilsson, C., Hessman, E., Sjöblom, H., Dencker, A., Jangsten, E., Mollberg, M.,… Begley, C. (2018). Definitions, measurements and prevalence of fear of childbirth: A systematic review. BMC Pregnancy and Childbirth, 18(28), 1-15. doi:10.1186/s12884018-1659-7 Oviedo, H., & Campo-Arias, A. (2005). Metodología de investigación y lectura crítica de estudios: Aproximación al uso del coeficiente alfa de Cronbach. Revista Colombiana de Psiquiatria, 34(4), 572-580. Pais-Ribeiro, J. L., Honrado, A., & Leal, I. (2004). Contribuição para o estudo da adaptação Portuguesa das Escalas de Ansiedade, Depressão e Stress (EADS) de 21 itens de Lovibond e Lovibond. Psicologia, Saúde & Doenças, 5(2), 229-239. Recuperado de http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1645-00862004000200007&lng=pt&nrm=iso Pasquali, L. (2007). Validade dos Testes Psicológicos: Será Possível Reencontrar o Caminho?. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 23(4), 99-107. doi: 10.1590/S0102-37722007000500019 Ribeiro, J. (2010). Investigação e avaliação em psicologia e saúde (2ª ed.). Lisboa, Portugal: Placebo. Ryding, E., Lukasse, M., Parys, A., Wangel, A., Karro, H., Kristjansdottir, H., … Schei, B. (2015). Fear of childbirth and risk of cesarean delivery: A cohort study in six European Countries. BIRTH, 42(1), 48 -55. doi:10.1111/birt.12147 Stoll, K., Fairbrother, N., Carty, E., Jordan, N., Miceli, C., Vostrcil, Y., & Willihnganz, L. (2009). “It´s all the rage these days”: University Students´ attitudes toward vaginal and cesarean birth. BIRTH, 36(2), 133-140. doi:10.1111/j.1523-536X.2009.00310.x Stoll, K., & Hall, W. (2013). Attitudes and preferences of young women with low and high fear of childbirth. Qualitative Health Research, 23(11), 1495-1505. doi: 10.1177/1049732313507501 Stoll, K., Hall, W., Janssen, P., & Carty, E. (2014). Why are young Canadians afraid of birth? A survey study oh childbirth fear and birth preferences among Canadian University students. Midwifery, 30(8), 220-226. doi:10.1016/j.midw.2013.07.017 Stoll, K., Hauck, Y., Downe, S., Edmonds, J., Gross, M., Malott, A., … Hall, W. (2016). Cross-cultural development and phychometric evaluation of a measure to assess fear of childbirth prior to pregnancy. Sexual and Reproductive Healthcare, 20(1), 1-6. doi:10.1016/j.srhc.2016.02.004 Størksen, H., Garthus-Niegel, S., Adams, S., Vangen, S., & Eberhard-Gran, M. (2015). Fear of childbirth and elective caesarean section: A population-based study. BMC Pregnancy & Childbirth, 15(221), 1-10. doi:10.1186/s12884-015-0655-4 Thomson, G., Stoll, K., Downe, S., & Hall, W. (2017). Negative impressions of childbirth in a North-West England student population. Journal of Psychosomatic Obstetrics & Gynecology, 38(1), 37-44. doi:10.1080/0167482X.2016.1216960

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3: e20002 DOI: 10.12707/RV20002

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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Hospitalização na gravidez de alto risco: representações sociais das gestantes

Hospital admission in high-risk pregnancies: the social representations of pregnant women Hospitalización en el embarazo de alto riesgo: representaciones sociales de las mujeres embarazadas Antonia Regynara Moreira Rodrigues1 https://orcid.org/0000-0001-7495-2328 Dafne Paiva Rodrigues1 https://orcid.org/0000-0001-8686-3496 Maria Adelaide Moura da Silveira1 https://orcid.org/0000-0001-7290-9991 Antonia de Maria Gomes Paiva1 https://orcid.org/0000-0002-5743-1819 Ana Virgínia de Melo Fialho1 https://orcid.org/0000-0002-4471-1758 Ana Beatriz Azevedo Queiroz2 https://orcid.org/0000-0003-2447-6137

Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil

1

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

2

Resumo Enquadramento: A hospitalização na gravidez de alto risco gera alterações na rotina e na forma de compreender a gravidez, que devem ser consideradas durante o planeamento e execução da assistência. Objetivo: Conhecer as representações sociais de gestantes de alto risco sobre a hospitalização durante o ciclo gravídico. Metodologia: Estudo exploratório, descritivo, norteado pela teoria das representações sociais, realizado em duas maternidades do Ceará com 68 gestantes de alto risco hospitalizadas, entre julho e setembro de 2016, através do teste de associação livre de palavras com análise pelo software Tri-Deux-Mots, versão 5.3. Resultados: A gravidez foi representada pela satisfação de gestar, ancorada na função biológica e social da maternidade, a gravidez de alto risco foi apreendida como situação problemática e de desfecho incerto, envolta em sentimentos negativos. A hospitalização foi interpretada como lugar de dor e solidão, mas também de cuidado e proteção, ampliando possibilidades de evolução favorável. Conclusão: As evocações elucidam conteúdos significativos sobre gravidez com as particularidades do diagnóstico de alto risco e do contexto da hospitalização. Palavras-chave: gestantes; gravidez; gravidez de alto risco; hospitalização; psicologia social Abstract Background: Hospital admission in high-risk pregnancies changes the routine and the way in which pregnancy is experienced. These changes must be taken into account during care planning and delivery. Objective: To identify high-risk pregnant women’s social representations of hospital admission during pregnancy. Methodology: An exploratory, descriptive study, guided by the social representations theory, was carried out in two maternity hospitals in Ceará, involving 68 hospitalized high-risk pregnant women, between July and September 2016. The word association test was used and data were analyzed using the Tri-Deux-Mots software, version 5.3. Results: Pregnancy was represented by the satisfaction to gestate a baby, anchored in the biological and social role of motherhood. High-risk pregnancy was perceived as a problematic situation with an uncertain outcome, surrounded by negative feelings. Hospital admission was interpreted as a place of pain and loneliness, but also of care and protection, expanding the possibilities for a favorable evolution. Conclusion: The evoked words reflect important meanings attributed to pregnancy in a context of a high-risk pregnancy that requires hospital admission. Keywords: pregnant women; pregnancy; pregnancy, high-risk; hospitalization; psychology, social

Autor de correspondência Antonia Regynara Moreira Rodrigues E-mail: regynararodrigues@yahoo.com.br

Recebido: 02.04.20 Aceite: 16.06.20

Resumen Marco contextual: La hospitalización en los embarazos de alto riesgo provoca cambios en la rutina y en la forma de comprender el embarazo, que deben considerarse durante la planificación y la implementación de la atención. Objetivo: Conocer las representaciones sociales de las mujeres embarazadas de alto riesgo sobre la hospitalización durante el ciclo de embarazo. Metodología: Estudio exploratorio y descriptivo, guiado por la teoría de las representaciones sociales, realizado en dos maternidades de Ceará con 68 mujeres embarazadas de alto riesgo hospitalizadas entre julio y septiembre de 2016, mediante la prueba de asociación libre de palabras, analizada con el software Tri-Deux-Mots, versión 5.3. Resultados: El embarazo se representó por la satisfacción del mismo, anclada en la función biológica y social de la maternidad; el embarazo de alto riesgo se percibió como una situación problemática y de resultado incierto, rodeada de sentimientos negativos. La hospitalización se interpretó como un lugar de dolor y soledad, pero también de cuidado y protección, que amplía las posibilidades de evolución favorable. Conclusión: Las evocaciones aclaran contenidos significativos sobre el embarazo, con las particularidades del diagnóstico de alto riesgo y del contexto de la hospitalización. Palabras clave: mujeres embarazadas; embarazo; embarazo de alto riesgo; hospitalización; psicología social

Como citar este artigo: Rodrigues, A. R. M., Rodrigues, D. P., Silveira, M. A., Paiva, A. M., Fialho, A. V., & Queiroz, A. B. (2020). Hospitalização na gravidez de alto risco: representações sociais das gestantes. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20040. doi:10.12707/RV20040

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3: e20040 DOI: 10.12707/RV20040

pp. 1 - 7


Rodrigues, A. R. M. et al.

Introdução

Enquadramento

A gestação é um evento complexo e singular, envolto em modificações físicas, psicológicas e sociais, considerado natural e fisiológico, que transcorre sem intercorrências para a mulher e/ou o feto e para o qual as complicações que podem comprometer a evolução da gravidez estão previstas em apenas 20% dos casos. Nestes casos, denominados como gravidez de alto risco, uma série ampla de condições clínicas ou clínico-obstétricas, que podem ser ocasionadas pela gravidez ou pré-existentes e agravadas pela gestação, ameaçam o bem-estar materno-fetal e expõem o binómio ao risco de desfechos desfavoráveis (Ministério da Saúde, 2012). Apesar da gravidez de alto risco atingir uma parcela minoritária das mulheres, traz amplas implicações a níveis epidemiológicos, emocionais, económicos e sociais. Sabe-se que a gravidez de alto risco se associa a causas de morbimortalidade materna e perinatal, além de um aumento nos gastos para o setor da saúde, pela necessidade de atendimento especializado, custos com procedimentos e internamentos hospitalares (Lawn et al., 2016; Martins & Silva, 2018; Moura, Alencar, Silva, & Almeida, 2018). Além disso, a gestação de alto risco é associada a uma multiplicidade de sentimentos negativos como ansiedade, medo, culpa, insegurança, dificuldades de aceitação, o que provoca vulnerabilidade e instabilidade emocional (Cabral et al., 2018; Wilhelm et al., 2015; Oliveira & Mandú, 2015). No contexto da gravidez de alto risco, a hospitalização é um procedimento necessário para vigilância e acompanhamento da gestação, o que intensifica e particulariza a experiência das gestantes, uma vez que são afastadas do seu convívio doméstico e da sua rotina, inseridas num ambiente novo, passando a conviver com outras gestantes e profissionais de saúde, com avaliações diárias por uma equipa multiprofissional, fármacos, exames e procedimentos, que resultam em stress adicional e necessidades de adaptação (Costa et al., 2019; Piveta, Bernardy, & Sodré, 2016). Frente ao contexto apresentado, importa compreender a gravidez de alto risco no contexto da hospitalização a partir da dinâmica social das gestantes, da sua maneira de conhecer e interpretar as situações da vida, dos seus comportamentos, das suas atitudes, das suas escolhas, valores, crenças, discursos, comunicação e sentidos que agregam valor ao fenómeno para elas próprias. Assim, o referencial teórico das representações sociais foi adotado por possibilitar perceber os indivíduos no seu quotidiano, como ocorrem os seus processos de conhecer, assimilar e compreender os factos e como o conhecimento construído sobre estes factos é expresso nas suas interações, na sua comunicação e nos seus comportamentos (Moscovici, 2013). A teoria das representações sociais reconhece o valor da dimensão subjetiva, o aspeto cognitivo do indivíduo, o que interfere nas atitudes, nas condutas, no conhecimento e no comportamento em relação ao objeto da representação (Moscovici, 2013). Diante disto, objetivou-se conhecer as representações sociais de gestantes de alto risco sobre a hospitalização durante o ciclo gravídico.

O processo gestacional é um fenómeno dinâmico e multidimensional para a mulher, para o seu companheiro e para os seus familiares, devido às características clínicas, sociais, culturais e representacionais deste. Representa, no universo familiar, um processo transformador, envolvido por expectativas, anseios e inseguranças perante o que será vivenciado e pela aquisição de novos papéis e responsabilidades (Cabral et al., 2018). O ciclo gravídico-puerperal, embora consista num período de vivências saudáveis, pode ser acompanhado por condições clínicas, obstétricas e sociais capazes de expor o binómio materno-fetal a maior probabilidade de desfechos desfavoráveis. Esse grupo representa o chamado alto risco, que atualmente corresponde a 20% das gestações no Brasil, cujos diagnósticos mais prevalentes correspondem a infeções, perda de líquido amniótico, hemorragias, alterações metabólicas e da pressão arterial (Ministério da Saúde, 2012). Como consequências, encontra-se na literatura uma forte associação com parto prematuro, baixo peso ao nascer, restrição de crescimento intrauterino, mortalidade perinatal, internamentos em serviços de cuidados intensivos maternos, neonatais e mortalidade materna, tanto no Brasil como no mundo (Lawn et al., 2016; Martins & Silva, 2018; Moura et al., 2018). Destarte, ao receberem o diagnóstico de gravidez de alto risco, passam por uma experiência singular e stressante devido aos riscos a que estão submetidos o feto e a mãe, manifestando sentimentos de culpa, medo, ansiedade, receio, podendo apresentar dificuldades para exercer papéis estabelecidos pela sociedade e, por consequência, sofrer alterações na sua rotina e na sua qualidade de vida (Costa et al., 2019). A gestação de alto risco requer vigilância das situações de gravidade e prontidão para identificar problemas e intervir de maneira a impedir eventuais complicações. Neste contexto, a qualidade da assistência prestada e o acesso a serviços de saúde especializados que possa atender as necessidades das utentes são fundamentais para a prevenção da morbidade e da mortalidade materno-fetais (Sousa, Sales, Oliveira, & Chagas, 2018). Com o objetivo de assegurar a qualidade da assistência a estas gestantes, o Ministério da Saúde do Brasil desenvolveu políticas de atenção à mulher, como o Programa Nacional de Humanização do Pré-Natal e Nascimento, a Política Nacional de Assistência Integral à Saúde da Mulher e a Rede Cegonha, como pacote de ações e medidas que visam estruturar uma rede de cuidados para garantir às mulheres uma atenção qualificada e humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e às crianças o nascimento seguro e o crescimento e desenvolvimento saudáveis, além de redução dos elevados índices de morbimortalidade materno-infantil (Sehnem, Saldanha, Arboit, Ribeiro, & Paula, 2020). De acordo com as recomendações do Ministério da Saúde, o atendimento à gestante de risco deve contemplar uma abordagem integral em todos os níveis de atenção conforme as suas especificidades clínicas, socioeconómicas e demográficas e deve ser constituído por atenção

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3: e20040 DOI: 10.12707/RV20040

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Rodrigues, A. R. M. et al.

multiprofissional e interdisciplinar, com práticas clínicas compartilhadas e baseadas em evidências, com o objetivo principal de reduzir os riscos de eventuais complicações para a mãe e/ou feto (Ministério da Saúde, 2012; Portaria nº 1.020, de 29 de maio de 2013). Em virtude de algumas condições ou iminência maior de complicações, a hospitalização é o procedimento mais adequado para o acompanhamento dessa gestação (Ministério da Saúde, 2012). Os períodos de internamento na gestação de alto risco normalmente são longos, podendo variar de semanas até meses em enfermarias pequenas, tendo que compartilhar espaços reduzidos, numa convivência intensa com outras pacientes, recebendo avaliações diárias dos profissionais de saúde, o que legitima o risco para as gestantes (Coelho, Souza, Torres, & Drezett, 2017; Costa et al., 2019; Gregorio & Mariot, 2019). Atualmente encontram-se estudos que atribuem importância elevada à experiência vivida pelas mulheres internadas com gravidez de alto risco, quer seja pelas dificuldades reveladas sobre o entendimento da situação ou pela morosa adaptação às circunstâncias que conduziram ao internamento, quer pela expectativa frustrada da gravidez ou pelos diversos sentimentos experienciados (Wilhelm et al., 2015; Oliveira & Mandú, 2015). Outros estudos evidenciaram que mulheres com gestações de alto risco são vulneráveis à fragilidade e à instabilidade emocional, uma vez que apresentam sentimentos negativos, o que pode ocasionar sensação de mal-estar e dificuldades de aceitação do diagnóstico de alto risco, que podem exercer um efeito direto sobre a saúde (Coelho et al., 2017; Costa et al., 2019). Desta forma, a complexidade que envolve a gestação de alto risco não deve ser limitada apenas ao aspeto biológico, à determinação das suas causas e consequências e ao tratamento das intercorrências, nem à descrição dos sentimentos, mas compreendê-la na dinâmica social destas mulheres. Assim, este estudo considera a necessidade de conhecer a gravidez de alto risco em processo de hospitalização a partir dos conteúdos significativos para as gestantes de alto risco, de modo a permitir aos profissionais de saúde o desenho de uma assistência efetiva e que contemple a individualidade e a integralidade da atenção a estas mulheres.

Questão de investigação Quais as representações sociais de gestantes de alto risco sobre a hospitalização durante o ciclo gravídico?

Metodologia Estudo exploratório e descritivo, norteado pela teoria das representações sociais. Desenvolvido com 68 gestantes de alto risco hospitalizadas em duas maternidades públicas de referência no estado do Ceará entre os meses de julho a setembro de 2016. As maternidades foram selecionadas por serem serviços terciários especializados, referência para gravidez de alto risco e por realizarem o maior número de partos de alto risco no estado. O número de participantes correspondeu à totalidade de

gestantes que cumpriram os seguintes critérios de inclusão: estar hospitalizada há no mínimo 72 horas cuja razão seja a existência de risco para o desenvolvimento da gestação, independentemente da idade gestacional. Este período de hospitalização foi estabelecido considerando que as representações sociais são concebidas a partir do conhecimento e interação com o fenómeno, pelo que ampliar o contacto das gestantes com o serviço e, consequentemente, o leque de experiências vivenciadas, favorece a elaboração das representações. A aceitabilidade das gestantes em participar no estudo implicou a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para as maiores de 18 anos e assinatura do Termo de Assentimento para as com idade inferior a 18 anos e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos seus pais. Os dados foram colhidos através da aplicação do Teste de Associação Livre de Palavras (TALP), uma técnica projetiva que favorece os indivíduos a revelarem o conteúdo latente da memória em relação a um determinado objeto implícito, muitas vezes, nos seus depoimentos. O TALP é um instrumento adaptado ao campo da psicologia social que tem vindo a enriquecer as pesquisas em representações sociais, e consiste na evocação de ideias a partir de estímulos indutores, que devem ser definidos com base no objeto pesquisado (Coutinho, 2017). Para realização do teste foram escolhidos os estímulos indutores: gravidez, gravidez de risco e internamento, por estarem intimamente ligados ao objeto deste estudo e próximos ao universo vocabular das gestantes. Após a aplicação do teste, elaborou-se um banco de dados composto pelo conjunto de palavras evocadas correspondente a cada estímulo indutor e por variáveis fixas para identificação e caracterização das gestantes, as quais foram: local de internamento (1- Santa Casa de Misericórdia de Sobral; 2 - Hospital Geral César Cals); número de gestações (1 - primigesta; 2 - multigesta) e tipo de risco (1 - decorrente da gestação; 2- pré-existente agravado). Os dados foram analisados com o auxílio do software Tri-Deux-Mots, versão 5.3, que possibilita uma interpretação a partir da análise fatorial de correspondência (AFC), representando graficamente num plano fatorial as correlações entre variáveis fixas (em colunas) e as modalidades ou variáveis de opiniões (em linhas), visualizando as aproximações, afastamentos, confrontos e atrações entre os grupos. A análise pelo software Tri-Deux-Mots permite representar em eixos fatoriais as palavras evocadas e definir as relações de proximidade e distanciamento entre os universos semânticos do campo representacional, tendo como referência as variáveis fixas e as variáveis de opinião ou estímulos indutores. Possibilita ainda examinar as ligações entre os perfis de respostas num dado grupo através das palavras que mais contribuíram para a formação dos eixos, consideradas as modalidades de opiniões ou objetivações. Os aspetos éticos para o desenvolvimento de investigação com seres humanos foram respeitados. A presente investigação recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará e do Hospital Geral Dr. César Cals, com números 1.532.814 e 1.630.695 e CAAE 53573216.0.0000.5534 e 56479316.7.0000.504, respectivamente, assim como autorização da comissão

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científica de pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Sobral.

Foram obtidas 606 palavras evocadas, sendo que destas, 68 eram diferentes, e possibilitaram a aproximação com os conteúdos consensuais compartilhados pelas gestantes no campo das representações sociais sobre a gestação de Resultados alto risco no contexto da hospitalização. A análise pelo Tri-Deux-Mots, por sua permite representar em eixos fatoriais (F1 esoftware F2) como se estruturam asvez, permite representar As participantes do estudo eram gestantes, cujas idades em eixos fatoriais (F1 e F2) como se estruturam as reprerepresentações sobre um dado grupo emum estudo, colocando em em variaram entre 15 e 41 anos,sociais sendo predominante a faixafenómeno sentaçõesno sociais sobre dado fenómeno no grupo etária entre 15-25 anos (47,1%), que frequentaram até ao estudo, colocando em evidência os elementos semânticos evidência os elementos semânticos que constituem o universo comum às gestantes ensino médio (44,2%), com companheiro fixo (77,9%), que que constituem o universo comum às gestantes face aos exerciam atividade e professaram fé diferentes estímulos. face aosremunerada diferentes(51,5%) estímulos. católica (63,2%). Multigestas (64,7%), no terceiro trimestre A Figura 1 representa os dois eixos, eixo F1 (eixo horiFigura 1 representa dois eixos, eixo F1 (eixoehorizontal) eixo F2 (eixo vertical). (82,4%), A sendo o risco decorrente daosgravidez prevalente zontal) eixo F2 (eixoe vertical). As variáveis fixas estão para 82,4% gestantes.fixas estão representadas pelarepresentadas corLOC verde, onde LOC ao local Asdas variáveis cor verde, pela onde refere-se aorefere-se local de Quanto à duração da hospitalização, verificou-se variação en- de internamento, GES ao número de gestações e RIS ao internamento, GES aodias, número de gestações RIS aoAs tipo de risco. As palavras tre 3 e 60 dias, com uma média de 6,9 pelos diagnósticos tipoe de risco. palavras referentes ao Fator 1 encontrammais frequentes: pré-eclâmpsia (20,6%); rotura anteparto -se destacadas pela cor vermelha, enquanto as do Fator referentes ao Fator 1 encontram-se destacadas pela cor vermelha, enquanto as do de membranas ovulares (19,1%); diabetes (11,8%); ameaça 2 pela cor azul, e os números 1, 2 e 3 que acompanham Fator 2 pela cor azul, e osprévia números 1, 2 e 3asque acompanham de parto prematuro (10,3%); e placenta (10,3%). evocações equivalemas ao evocações estímulo indutor. equivalem ao estímulo indutor.

Figura 1. Plano fatorial das evocações de gestantes sobre gravidez, gravidez de alto Figura 1. Plano fatorial das evocações de gestantes sobre gravidez, gravidez de alto risco e risco e hospitalização. hospitalização.

Em relação ao estímulo gravidez, no eixo F1, horizontal, o grupo de gestantes com risco gestacional pré-existente. relação ao estímulo no eixo F1, horizontal, as estímulo, palavrasinternamento, mais as palavrasEm mais representativas e a suagravidez, correspondência Quanto ao terceiro no eixo F1, horizontal, no lado direito, as evocações foram: incerteza por fator representativas (CPF), no lado direito foram: cuidado (CPF: e a sua correspondência por fator (CPF), no lado direito foram: 111) e parto (CPF: 51) relacionado com o grupo de (CPF: 144), relacionado com o grupo de gestantes com cuidado (CPF: 111) e parto (CPF: 51) relacionado com oda grupo de multigestas (CPF: multigestas (CPF: 431) e primigestas (CPF: 247) com risco decorrente gravidez. No lado esquerdo: segurança risco decorrente da gestação (CPF: 205) hospitalizadas (CPF: 70), relacionado com o grupo de mulheres com 247) E, com da gestação (CPF: na Santa 431) Casa edeprimigestas Misericórdia(CPF: de Sobral. no risco lado decorrente risco pré-existente agravado pela gravidez. esquerdo:205) vida hospitalizadas (CPF: 75), sonhona (CPF: 54)Casa e incerteza No eixo F2, noE, queno se lado refere esquerdo: ao estímulo gravidez, Santa de Misericórdia devertical, Sobral. (CPF: 42), relacionado com o grupo de gestantes com as palavras mais representativas no pólo superior foram: vida (CPF: 75), sonho (CPF: 54) e incerteza (CPF:(CPF: 42), 39) relacionado com o grupo degestantes risco pré-existente agravado pela gravidez (CPF: 173) benção e ansiedade (CPF: 81) por hospitalizadas no Hospital Geral pré-existente Dr. César Cals. agravadocom risco gestacional pré-existente. E, no pólo inferior: gestantes com risco pela gravidez (CPF: 173) hospitalizadas No estímulo 2, gravidez de risco, as palavras mais evocadas dificuldade (CPF: 184), família (CPF: 69), maternidade no horizontal, Hospital Geral Dr. César Cals. no eixo F1, lado direito, foram: inesperado (CPF: 48) e filho (CPF: 34), representando o grupo de (CPF: 45), medo (CPF: 34) e doença (CPF: 33), associa- primigestas com risco decorrente da gestação. No estímulo 2, gravidez de risco, as palavras mais evocadas no eixo F1, horizontal, do ao risco gestacional decorrente da gravidez, tanto em Em relação ao estímulo gravidez de risco, no eixo F2, vertical, tem-se noepólo superior as palavras: problema primigestas como em multigestas. E, no lado(CPF: esquerdo: lado direito, foram: inesperado 45), medo (CPF: 34) doença (CPF: 33), preocupação (CPF: 87) e luta (CPF: 53), relacionado com (CPF: 26), representando o grupo de multigestas com associado ao risco gestacional decorrente da gravidez, tanto em primigestas como em Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3: e20040 DOI: 10.12707/RV20040

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Ainda no eixo F2, as evocações emitidas para o terceiro estímulo no pólo superior, foram: sofrimento (CPF:72), representando o grupo de multigestas com risco agravado Rodrigues, A. R. M. et al.

e hospitalizadas na Santa Casa de Misericórdia de Sobral. E, no pólo inferior: prisão (CPF: 69), melhorar (CPF: 50), saudade (CPF: 28), representando as primigestas com risco pré-existente agravado. E, no pólo inferior, a palavra risco decorrente da gestação e hospitalizadas no Hospital morte (CPF: representando o grupo de Geral César Cals. risco 50), decorrente da gestação e primigestas hospitalizadas no Dr. Hospital Geral Dr. César Cals. Os elementos que organizam as representações sociais são com risco decorrente da gestação. Oseixo elementos que organizam as representações sociaise são apresentados e variáveis fixas e as Ainda no F2, as evocações emitidas para o terceiro apresentados discutidos conforme as estímulodiscutidos no pólo superior, foram: características dasdas gestantes com a finalidade conforme assofrimento variáveis(CPF: fixas72), e as características gestantes com a de apreender representando o grupo de multigestas com risco agravado os sentidos atribuídos. A Figura 2, por sua vez, apresenta finalidade de apreender os sentidos atribuídos. A Figura 2, por sua vez, apresenta o sobre a o universo consensual das representações sociais e hospitalizadas na Santa Casa de Misericórdia de Sobral. E, no pólo inferior: prisão (CPF: 69), melhorar (CPF: sociais experiência com de a gravidez de alto risco no universo consensual das representações sobrede a gestantes experiência gestantes 50), saudade (CPF: 28), representando as primigestas com contexto da hospitalização. com a gravidez de alto risco no contexto da hospitalização.

Figura 2. sociaissociais de gestantes sobre gravidez, gravidez de altogravidez risco e hospitalização Figura 2.Representações Representações de gestantes sobre gravidez, de alto no ciclo gravídico. risco e hospitalização no ciclo gravídico.

Discussão As características sociodemográficas e obstétricas das gestantes deste estudo convergem com o perfil de gestantes de alto risco evidenciados em outros estudos realizados em maternidades em diferentes regiões do país ao longo dos anos (Jantsch et al., 2017; Moura et al., 2018). Observa-se a partir das evocações que existe diferença significativa no campo representacional sobre gravidez e gravidez de risco. A primeira, considerada benção, sonho, capacidade de gerar um filho e com forte associação à maternidade, constituição familiar e cuidado, evidenciando sentidos que transpassam os aspetos físicos e orgânicos. A gravidez de risco, no entanto, é percecionada num contexto desafiador, de complicações inesperadas, traduzidas em doença e problema, despertando sensações de medo e preocupação. Estas construções fazem parte do universo consensual e do estereótipo feminino que permeiam os discursos e as crenças sociais ao longo dos anos, percebendo a conotação divina e a forte crença religiosa que permeiam as representações acerca da gravidez e a associação da figura feminina à esfera familiar de reprodução e maternidade, constatando-se a influência da gravidez para a constituição da identidade social da mulher (Coelho et al., 2017; Resende, 2017) e, reforçando o carácter de representação social ao nortear as interpretações e os sentidos que as pessoas têm sobre objetos sociais relevantes. Contudo, essas representações não são únicas e cristalizadas, pois a gravidez passou a representar incerteza e dificuldade, que estavam relacionadas com a condição particular das grávidas deste estudo, o diagnóstico de gravidez de alto risco. Neste contexto, ainda que a gra-

videz seja um sonho, uma construção poetizada, pode despertar na mulher sensações ambivalentes, intercalando contentamento e desafio. Infere-se que essas sensações coexistem como resultado de uma indeterminação do desfecho da gravidez e de uma ameaça à vida e/ou à saúde dessas gestantes e dos seus filhos, presente em todo o período gestacional até ao parto e nascimento (Oliveira & Mandú, 2015; Wilhelm et al., 2015; Cabral et al., 2018; Costa et al., 2019). Para as gestantes cujo diagnóstico de alto risco foi atribuído ao desenvolvimento do ciclo gravídico, a objetivação da gravidez processou-se no parto, no cuidado, em instituições sociais como a família e na figura da maternidade e do filho, que passam a ter significado após a gravidez. A palavra dificuldade revela um contexto percebido por estas gestantes devido ao risco que estavam a vivenciar. Já para as gestantes com risco pré-existente agravado pela gravidez, as evocações benção, sonho e vida revelam o enaltecimento da gravidez, já a ansiedade e a incerteza agregam a representação de que a gravidez é uma condição de descobertas e adaptações na qual a evolução do ciclo gestacional concorre com o desenvolvimento de algum fator agravante existente anteriormente e portanto, para esse grupo de mulheres, a gestação passa a representar a superação da sua condição de risco. A gestação é um processo considerado fisiológico e tende-se a acreditar a priori que tudo transcorrerá de forma natural. De outro modo, a gestação de alto risco foge ao dito normal, esperado ou desejado, portanto é algo não familiar que necessita de ser inserido e interpretado na vida e no saber das gestantes, o que caracteriza uma das funções das representações socais. Nesta lógica, as gestantes elaboraram a gravidez de alto risco e tornaram-na

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compreensível no seu mundo, significando uma experiência envolvida em perigos, complicações, dificuldades e problemas, cuja morte e perda eram possibilidades reais e temidas. Esta representação foi produzida a partir dos saberes compartilhados no quotidiano dos grupos sociais, o conhecimento do senso comum, a partir das interações com outras gestantes, das informações divulgadas, dos diálogos com os profissionais de saúde, de gestações anteriores e do convívio social, a gestação de alto risco passou a ser ancorada em possíveis resultados desfavoráveis e objetivada em sentimentos e sensações desagradáveis. Para o grupo de mulheres cujo risco surgiu após a gestação (RIS1), a gravidez de alto risco foi inesperada, contrária às suas expectativas, pois após a gravidez estas passaram a desenvolver alterações que foram ancoradas na doença, no medo e na morte, que no seu universo consensual seriam consequências da gravidez de alto risco. Mesmo na gestação que evolui normalmente do ponto de vista obstétrico, surgem receios e intuições referentes à morte, mas é na gravidez de risco que se aguçam os medos e a morte se transforma numa ameaça potencial (Cabral et al., 2018; Wilhelm et al., 2015). Já as gestantes que possuíam fator de risco agravado pela gravidez (RIS2) representaram-na como preocupação, luta e problema, uma vez que esse fator pré-existente consiste num desafio para o desenvolvimento do ciclo gravídico. A palavra luta, expressa para as gestantes o duelo entre a gestação versus o fator de risco e essa perceção sobre a sua gravidez tem a objetivação na preocupação. Para essas gestantes, engravidar é a própria superação diante da condição de risco, onde é preponderante o desejo de tornar-se mãe e atender às expectativas quanto ao seu papel reprodutivo, reforçando a imagem da mulher-mãe e retificando esse conteúdo da representação social sobre a gravidez. Quanto ao local de internamento, observa-se que em ambos os cenários as evocações apontam os aspetos positivos e negativos relacionados com a experiência, o que permite inferir que mesmo sendo locais diferentes, as realidades evidenciam-se semelhantes e as representações que giram em torno do processo de hospitalização estão associadas ao próprio fenómeno e às vivências e interações das gestantes. As gestantes de alto risco deste estudo, assim como as do estudo de Ferreira et al. (2019), apreendem o internamento como uma fase de angústia, solidão, sofrimento e saudade, uma vez que constitui uma nova condição, não prevista, que as distancia do seu quotidiano e que requer adaptações emocionais e estruturais, sendo o hospital um local de dor e sofrimento, pois afastava-as da sua vida, da sua casa, do seu trabalho, da sua família e aproximava-as da confirmação da sua condição de risco. Por outro lado, o internamento significou para estas mulheres segurança e possibilidade de melhorar, reconhecendo-o também como um local de proteção, cuidados e suporte para manutenção da gravidez. Estudos de Piveta et al. (2016) e Costa et al. (2019) corroboram esta ideia, afirmando que o reconhecimento da necessidade de monitorização da gravidez contribui para a aceitação

e para a segurança destas mulheres devido à assistência recebida e à vigilância contínua do bem-estar fetal que de outra forma não poderiam receber. Tais perceções sobre a hospitalização coadunam com as representações sobre a gravidez de alto risco, uma vez que a gravidez no contexto do alto risco foi considerada uma doença, uma situação inesperada e problemática, associada à morte, na qual seria o hospital o espaço adequado para tratamento, cuidado e consequente melhora das condições de risco. Este pensamento sustenta a sensação de segurança e conforta as gestantes quanto à necessidade da hospitalização para o acompanhamento e monitorização da gravidez. As representações sociais acerca da hospitalização durante o período gestacional também são produto dos processos de interação e comunicação vivenciados ao longo das suas vidas e durante essa fase, através do contacto com gestantes em condição semelhante e com a equipa de profissionais, sofrendo, assim, o que pode resultar da influência do sistema de valores e ideias presentes na sociedade, que orienta pensamentos, comportamentos e ações. Evidenciam-se como limitações o número de participantes e a restrição a duas maternidades públicas de referência do estado do Ceará, devendo ser ampliado para as demais, incluindo os serviços da rede privada que também atendem gestantes de alto risco, além de investigar o fenómeno sob a ótica de profissionais e familiares que também experienciam a gravidez de alto risco no contexto hospitalar. No entanto, os resultados suscitam reflexões sobre as ações dos profissionais, apresentando contribuições para uma prática clínica que vá ao encontro dos saberes e das experiências das gestantes de alto risco, minimizando as fragilidades e os impactos da hospitalização.

Conclusão Apresentaram-se os elementos consensuais, coletivamente compartilhados, normativos e concretizados em torno dos quais as representações sociais das gestantes sobre gravidez, gravidez de alto risco e hospitalização foram ancoradas e objetivadas. As evocações sinalizam as representações sociais acerca da gravidez, construídas com uma valorização do núcleo familiar, objetivando-a numa permissão divina e na imagem do filho e ancorando-a na função reprodutiva e matriarcal, uma vez que é na família que nasce o encontro com a maternidade e com as crenças e valores que serão bases para o desenvolvimento do papel materno por essas mulheres. Revelam uma multiplicidade de sentimentos e sensações ao tomar consciência de uma gravidez de alto risco. A mulher vive a rutura da gestação idealizada e passa a lamentar e lutar contra o resultado incerto da gravidez, contudo não anula a satisfação de estar grávida, reforçando o papel biológico da mulher representado pela maternidade mesmo sob condições de risco. A hospitalização constituiu-se como numa experiência ímpar na vida da gestante, um evento particular à condição de alto risco, fortaleceu os sentimentos negativos, acentuou o stress, mas também denotou terapêutica, atendimento especializado, cuidado e proteção para o

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binómio mãe-filho, simbolizando a possibilidade de um desfecho favorável para a gestação e nascimento. Verifica-se a necessidade de desenvolver intervenções e estratégias capazes de monitorizar as complicações e reduzir os internamentos hospitalares de gestantes de alto risco, de modo a garantir a segurança materno-fetal e preservar a vida, a rotina, os laços e a experiência familiar positiva da gravidez. Torna-se fundamental oferecer uma assistência respeitadora, individualizada, direcionada para as necessidades da gestante e que englobe os seus modos de compreender o fenómeno e minimize os sofrimentos e angústias sentidos durante esta fase. Contribuição de autores Conceptualização: Rodrigues, A. R. M., Rodrigues, D. P. Investigação: Rodrigues, A. R. M. Análise formal: Rodrigues, A. R. M. Redação - rascunho original: Rodrigues, A. R. M., Silveira, M. A., Paiva, A. M., Fialho, A. V., Queiroz, A. B., Rodrigues, D. P. Revisão - análise e edição: Rodrigues, A. R. M., Silveira, M. A., Paiva, A. M., Fialho, A. V., Queiroz, A. B., Rodrigues, D. P. Referências bibliográficas Cabral, S. A., Alencar, M. C., Carmo, L. A., Barbosa, S. E., Barros, A. C., & Barros, J. K. (2018). Receios na gestação de alto risco: Uma análise da percepção das gestantes no pré-natal. Revista Multidisciplinar e de Psicologia, 12(40), 151-162. Recuperado de https://idonline.emnuvens.com.br/id/article/view/1051/1515 Coelho, D. D., Souza, J. L., Torres, M. M., & Drezett, J. (2017). Gravidez e maternidade tardia: Sentimentos e vivências de mulheres em uma unidade de pré - natal de alto risco em Barreiras, Bahia. Revista das Ciências da Saúde do Oeste Baiano, 2(1), 1-19. Recuperado de http://fasb.edu.br/revista/index.php/higia/article/ view/145 Costa, L. D., Hoesel, T. C., Teixeira G. T., Trevisan, M. G., Backes, M. T., & Santos, E. K. (2019). Percepções de gestantes internadas em um serviço de referência em alto risco. Revista Mineira de Enfermagem, 23, 1199. doi:10.5935/1415-2762.20190047 Coutinho, M. P. (2017). A técnica de associação livre de palavras sobre o prisma do software TRI-DEUX-MOTS (version 5.2). Revista Campo do Saber, 1(3), 219-43. Recuperado de http://periodicos. iesp.edu.br/index.php/campodosaber/article/viewFile/72/58. Ferreira, S. V., Soares, M. C., Cecagno, S., Alves, C. N., Soares, T. M., & Braga, L. R. (2019). Cuidado de enfermagem na ótica das gestantes de alto risco. Revista Família, Ciclos de Vida e Saúde no Contexto Social, 7(2),143-150. Recuperado de http://seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.pdfhp/refacs/article/view/3410/pdf Gregorio, S. B., & Mariot, M. D.(2019). Care in high risk gestation in the perception of nurses, pregnant women and family: An

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ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Prevalência e fatores de risco associados ao acidente vascular cerebral em pessoas com hipertensão arterial: uma análise hierarquizada

Prevalence and risk factors associated with stroke in hypertensive patients: a hierarchical analysis Prevalencia y factores de riesgo asociados con el accidente cerebrovascular en personas con hipertensión arterial un análisis jerarquizado Erisonval Saraiva da Silva 1 https://orcid.org/0000-0003-0286-9124 José Wicto Pereira Borges 1 https://orcid.org/0000-0002-3292-1942 Thereza Maria Magalhães Moreira 2 https://orcid.org/0000-0003-1424-0649 Malvina Thais Pacheco Rodrigues 1 https://orcid.org/0000-0001-5501-0669 Ana Célia Caetano de Souza 3 https://orcid.org/0000-0001-9480-7195

Universidade Federal do Piauí, Floriano, Piauí, Brasil 1

2 Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil 3 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil

Resumo Enquadramento: O acidente vascular cerebral (AVC) causa sequelas permanentes, sendo o descontrolo da hipertensão arterial responsável por 80% desses casos. Objetivo: Analisar prevalência e determinar hierarquicamente fatores de risco associados ao AVC em pessoas com hipertensão arterial. Metodologia: Estudo seccional com 378 pessoas com hipertensão arterial residentes no Sul do Piauí, Brasil, em 2018. Analisaram-se variáveis sociodemográficas, condições de saúde e estilo de vida por regressão múltipla hierárquica organizadas em níveis distal, intermédio e proximal. Resultados: A prevalência foi de 11,6%. Os fatores associados: sexo (ORajustada = 0,47; IC95%: 0,230,95) e idade (ORajustada = 1,03; IC95%: 1,01-1,06) distalmente; familiar com AVC (ORajustada = 2,01; IC95%: 1,00-4,04) e ir à urgência com a pressão arterial alterada (OR = 2,01; IC95%: 1,00-4,05) em nível intermédio; ingerir alimentos com alto teor de gordura (OR = 2,33; IC95%: 1,15-4,72), ingerir doces (OR = 2,37; IC95%: 1,15-4,90) e tempo de fumador (OR = 1,02; IC95%:1,00-1,04) proximalmente. Conclusão: A prevalência foi explicada por uma hierarquia entre os fatores de risco, evidenciando proximalmente aqueles classificados como modificáveis. Palavras-chave: hipertensão; acidente vascular cerebral; atenção primária à saúde; prevalência; fatores de risco Abstract Background: Stroke causes permanent sequelae and is the second leading cause of death worldwide. Poor blood pressure control corresponds to 80% of cases. Objective: To analyze the prevalence and identify the risk factors for stroke in hypertensive patients using a hierarchical analysis. Methodology: Cross-sectional study involving 378 hypertensive patients living in a municipality of Southern Piauí, Brazil, in 2018. Sociodemographic variables, health conditions, and lifestyles were analyzed using hierarchical multiple regression organized at distal, intermediate, and proximal levels, respectively. Results: Stroke prevalence was 11.6%. Associated factors were: gender (AOR = 0.47; 95% CI: 0.230.95) and age (AOR = 1.03; 95% CI: 1.01-1.06) at the distal level; having a relative who has had a stroke (AOR = 2.01; 95% CI: 1.00-4.04) and going to the emergency room with altered blood pressure (OR = 2.01; 95% CI: 1.00-4.05) at the intermediate level; intake of high-fat foods (OR = 2.33; 95% CI: 1.15-4.72), intake of sweets (OR = 2.37; 95% CI: 1.15-4.90), and time as a smoker (OR = 1.02; 95% CI: 1.00-1.04) at the proximal level. Conclusion: Prevalence was explained by a hierarchy of risk factors, thereby evidencing those classified as modifiable proximally. Keywords: hypertension; stroke; primary health care; prevalence; risk factors

Autor de correspondência Erisonval Saraiva da Silva E-mail: erisonval@gmail.com

Recebido: 21.01.20 Aceite: 29.07.20

Resumen Marco contextual: El accidente cerebrovascular (ACV) causa secuelas permanentes y constituye la segunda causa de muerte en el mundo, respecto a la cual la falta de control de la hipertensión corresponde al 80% de los casos. Objetivo: Analizar la prevalencia y determinar jerárquicamente los factores de riesgo asociados con el accidente cerebrovascular en personas con hipertensión arterial. Metodología: Estudio seccional con 378 personas con hipertensión arterial residentes de un municipio del sur de Piauí (Brasil) en 2018. Se analizaron las variables sociodemográficas, las condiciones de salud y el estilo de vida a través de una regresión múltiple jerárquica organizadas en nivel distal, intermedio y proximal, respectivamente. Resultados: La prevalencia del evento fue del 11,6%. Los factores asociados fueron: sexo (ORajustada = 0,47; IC95%: 0,23-0,95) y edad (ORajustada = 1,03; IC95%: 1,01-1,06) en el nivel distal; miembro de la familia con AVC (ORajustada = 2,01; IC95%: 1,00-4,04) y acudir a urgencias con la presión sanguínea alterada (OR = 2,01; IC95%): 1,00-4,05) en el nivel intermedio; ingerir alimentos con alto contenido de grasa (OR = 2,33; IC95%: 1,15-4,72), ingerir dulces (OR = 2,37; IC95%: 1,15-4,90) y tiempo de fumador (OR = 1,02; IC95%: 1,00-1,04) en el nivel proximal. Conclusión: La prevalencia se explicó por una jerarquía entre los factores de riesgo, y se mostraron proximalmente aquellos clasificados como modificables. Palabras clave: hipertensión; accidente cerebrovascular; atención primaria de salud; factores de riesgo Como citar este artigo: Silva, E. S., Borges, J. W. P., Moreira, T. M. M., Rodrigues, M. T. P., & Souza, A. C. C. (2020). Prevalência e fatores de risco associados ao acidente vascular cerebral em pessoas com hipertensão arterial: uma análise hierarquizada. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20014. doi:10.12707/RV20014

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3: e20014 DOI: 10.12707/RV20014

pp. 1 - 8


Silva, E. S. et al.

Introdução O acidente vascular cerebral (AVC) ocupa a segunda posição como causa de morte no mundo, tendo sido responsável por 6,24 milhões de óbitos em 2015 e tende a manter-se nessa posição até ao ano de 2030 (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2015b). A sua prevalência pode variar de acordo com a população e região estudada. Em regiões da Ásia, uma revisão sistemática mostrou prevalências de 9,4% no sul, 6,1% no leste e 9% no sudeste (Venketasubramanian, Yoonb, Pandianc, & Navarrod, 2017). Na América Latina, uma metanálise envolvendo idosos mostrou uma prevalência de 7,6% em Cuba, 8,4% na República Dominicana, 6,8% no Perú e 6,7% no México (Ferri et al., 2011). No Brasil, um inquérito epidemiológico de base domiciliária evidenciou a prevalência de 1,5% na população geral (Bensenor et al., 2015). Em relação à carga de AVC por 100.000 habitantes brasileiros em 2016, houve uma incidência de 138,91, prevalência de 1008.02, mortalidade de 63,15 e 1437,74 anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (disability adjusted life years [DALY]; Santana et al., 2018). O AVC está associado a diversos fatores de risco como a idade, tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas, dislipidemias, sedentarismo, e hipertensão arterial sistémica (HAS; Murakami et al., 2017). A HAS é um dos principais fatores que aumenta o risco do AVC e está associada a piores desfechos (Forouzanfar et al., 2017). Uma revisão que envolveu 154 países mostrou que a pressão arterial (PA) sistólica acima de 140mmHg foi responsável por 2 milhões de óbitos por AVC hemorrágico e 1,5 milhões por AVC isquémico (Forouzanfar et al., 2017). Quase metade das mortes relacionadas com o AVC são atribuíveis a um mau controlo de fatores de risco modificáveis e, portanto, potencialmente evitáveis (Murakami et al., 2017). A ocorrência do AVC é resultante de uma complexa interação entre fatores de diversos tipos. A literatura tem apresentado estratégias analíticas que visam uma compreensão melhor estruturada dos fatores implicados na determinação desse evento (Kummer et al., 2019). Assim, poucos estudos epidemiológicos têm caminhado para a utilização de modelos multiníveis que considerem a natureza hierárquica, intrínseca aos dados, analisando o posicionamento das variáveis e a sua aproximação com o evento, permitindo a elucidação de estruturas teórico-analíticas que possam direcionar uma prática clínica preventiva do AVC (Kummer et al., 2019). Diante do exposto, este estudo procurou contribuir para a compreensão da prevalência do AVC numa população específica e com risco de grande magnitude, a partir de uma análise hierárquica dos fatores de risco distantes, intermédios ou proximais ao AVC. Assim, o presente estudo tem como objetivo analisar a prevalência e determinar hierarquicamente fatores de risco associados ao AVC em pessoas com hipertensão arterial.

Enquadramento O cenário epidemiológico que associa a HAS e o AVC

desafia os sistemas de saúde, principalmente dos países em desenvolvimento, na elaboração de modelos de cuidado que possam enfrentar os fatores de risco para o AVC, diminuindo as probabilidades da ocorrência do evento e, ao mesmo tempo, fornecendo uma estrutura para o acompanhamento dos sobreviventes, que necessitem de tratamentos a longo prazo. Dados da Pesquisa Nacional em Saúde (PNS) mostraram uma alta prevalência desse evento associado a fatores de risco como idade avançada, baixa escolaridade e morar em grandes cidades (Bensenor et al., 2015). O Modelo de Atenção às Condições Crónicas (MACC), proposto pela OMS, procura intervir na saúde da população a partir da compreensão dos riscos individuais e coletivos e incentivando as pessoas a participarem nos próprios cuidados. Este modelo está construído em três colunas: na primeira, está a população total estratificada em subpopulações por estratos de risco; na segunda, encontram-se os diferentes níveis de determinação social da saúde, distribuídos hierarquicamente em determinantes individuais, intermédios e proximais; e na terceira estão os cinco níveis das intervenções de saúde sobre os determinantes e as suas populações: intervenções promocionais (nível 1), preventivas (nível 2) e de gestão da clínica sobre as condições crónicas estabelecidas (níveis 3, 4 e 5; Mendes, 2018). No Brasil, o MACC é estruturado a partir das Redes de Atenção às Pessoas com Doenças Crónicas (RASPDC). Essas redes caracterizam-se pela organização da atenção para subpopulações e procuram estratégias para o enfrentamento das Doenças Crónicas Não Transmissíveis (DCNT), abordando principalmente os fatores de risco e comportamentos de promoção da saúde (Chueiri, Harzheim, Gauche, & Vasconcelos, 2014). O primeiro componente da RASPDC é a atenção básica (AB), sendo esta o espaço para o acompanhamento e cuidado de pessoas com HAS, de modo a que se possam identificar grupos vulneráveis para o desencadeamento de complicações secundárias ao descontrolo da PA, como o AVC.

Questão de investigação Qual a prevalência do AVC e como é que os fatores de risco se organizam hierarquicamente para o seu desenvolvimento em pessoas com HAS atendidos na AB?

Metodologia Trata-se de um estudo seccional analítico realizado em 17 unidades básicas de saúde (UBS) da zona urbana do município de Floriano, Estado do Piauí, Brasil. Para cálculo da amostra aleatória simples, considerou-se uma população de 4.645 pessoas com hipertensão arterial registados no Sistema de Gestão Clínica de Hipertensão Arterial da AB (SIS-HIPERDIA), utilizou-se a prevalência do AVC de 37,9%, intervalo de confiança de 95% e erro amostral de 5%. Assim, após acréscimo de uma margem de segurança de 15% foram abordados 378 participantes.

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Silva, E. S. et al.

Os critérios de inclusão foram: idade igual ou superior a 18 anos; possuir registo de diagnóstico médico de HAS na sua ficha de acompanhamento da UBS; e registo no SIS-HIPERDIA. Foram critérios de exclusão da amostra: as pessoas com transtorno mental descompensado no momento da colheita de dados; grávidas; pessoas hospitalizadas para tratamento ou em endereço diferente do registado na UBS. Os participantes da amostra foram selecionados a partir dos registos de cada UBS. Os registos foram numerados por ordem crescente e sorteados de maneira proporcional ao número de registos de cada unidade até se atingir o quantitativo amostral. Caso o sorteado não fosse encontrado para colheita de dados, considerou-se um próximo indivíduo, selecionado por um novo sorteio a partir do registo, diminuindo as perdas amostrais. Os sorteados foram abordados na própria UBS aquando da consulta de rotina. A colheita ocorreu nos domicílios após agendamento prévio e acompanhamento pelo agente comunitário de saúde. No caso dos indivíduos com dificuldade de comunicação causada pelo AVC, a entrevista foi conduzida com um familiar cuidador que pudesse prestar informações com um maior nível de precisão. A colheita de dados ocorreu por meio de um questionário estruturado em três blocos de variáveis: 1) perfil sóciodemográfico (idade, sexo, raça/cor autodeclarada, escolaridade, renda individual em salários mínimos - R$ 954,00 Reais, vigente no período); 2) condições de saúde (histórico de familiar de 1º grau com AVC, possuir prescrição medicamentosa para tratamento da HAS, ter tido atendimento negado no posto de saúde, número de vezes que foi ao posto de saúde no último ano, e se passou pelo serviço de emergência no último ano devido a alteração da PA); 3) estilo de vida (se fuma, se foi fumador, tempo que fumou, consumo de bebidas alcoólicas, consumo de alimentos com alto teor de gordura, carne vermelha, carne branca, peixe e alimentos ricos em açúcar pelo menos uma vez por semana). O desfecho AVC foi autorreferido e confirmado nos exames solicitados no momento da visita domiciliária. O questionário teve por base as Diretrizes Brasileiras de HAS (Malachias et al., 2016). As análises foram realizadas através do software estatístico IBM SPSS Statistics, versão 22.0, englobando estatística descritiva e testes de associação (qui-quadrado de Pearson

e t de Student). Por fim, foi realizada regressão logística múltipla com técnica hierarquizada. Foram submetidas à regressão as variáveis que apresentaram na análise bivariada um p-valor ≤0,20. Para estimar a força de associação foi calculada a Odds Ratio (OR), com intervalo de confiança de 95%. Considerou-se um nível de significância estatística de 5%. Na aplicação da regressão, a variável dependente foi a ocorrência do AVC. Para construir a hierarquização do modelo, utilizou-se o referencial do MACC que na segunda coluna propõe uma estrutura compreensiva e hierárquica (Mendes, 2018). Assim, para a hierarquização das variáveis, o modelo criado obedeceu à seguinte sequência de entrada dos dados: 1) variáveis situadas no nível hierárquico distal, de menor poder de determinação do AVC (perfil sóciodemográfico); 2) variáveis situadas no nível hierárquico intermédio (condições de saúde de pessoas com hipertensão arterial); 3) variáveis situadas no nível hierárquico proximal (estilo de vida de pessoas com hipertensão arterial). O critério estabelecido nesta etapa de análise para as variáveis permanecerem no modelo teórico final foi a significância estatística com p-valor <0,05. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Piauí, respeitando a legislação sobre pesquisa com seres humanos com aprovação Nº.2.350.946. Os participantes foram informados sobre os riscos e benefícios da investigação e todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da realização da colheita de dados.

Resultados Este estudo mostrou uma prevalência de AVC de 11,6% entre as pessoas com hipertensão arterial que participaram no estudo, estando relacionada hierarquicamente com as variáveis sociodemográficas, de condições de saúde e estilo de vida. As características sociodemográficas mostraram que 68,5% eram mulheres, 71,4% idosos, 22,5% declararam cor da pele preta, 24,9% disseram não saber ler ou escrever, 53,7% ganham até um salário mínimo. Além disto, o sexo masculino apresentou o dobro da prevalência de AVC em relação à ocorrência no feminino (Tabela 1).

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Silva, E. S. et al.

Tabela 1 Associação entre AVC e características sociodemográficas de pessoas com hipertensão registadas nas UBS (n = 378) AVC Variáveis sóciodemográficas Prevalência do AVC Sexo Masculino Feminino Idade < 60 anos ≥ 60 anos Cor da pele Preta Outras Anos de estudo Não sabe ler/ escrever Até 9 anos de estudo >9 anos de estudo Renda > um salário mínimo Até um salário mínimo

p-valor

OR (IC 95%)

n(%)

SIM n(%)

NÃO n(%)

378(100%)

44(11,6%)

334(88,4%)

119 (31,5) 259 (68,5)

21 (17,6) 23 (8,9)

98 (82,4) 236 (91,1)

0,014

0,45 (0,24;0,86)

108(28,6) 270(71,4)

8(7,4) 36(13,4)

100(92,6) 233(86,6)

0,102

1,93 (0,86;4,30)

85 (22,5) 293 (77,5)

36 (12,3) 8 (9,4)

257 (87,7) 77 (90,60

0,467

0,74 (0,33;1,66)

94 (24,9) 174(6,6) 108 (28,6)

12 (12,8) 23(13,1) 9 (8,3)

82 (87,2) 153(86,9) 99 (91,7)

0,446

-

175 (46,3) 203 (53,7)

21 (10,3) 23 (13,1)

182 (89,7) 152 (86,9)

0,398

1,31 (0,69;2,46)

Nota. OR = Razão de chances; IC = Intervalo de confiança.

Relativamente às condições de saúde das pessoas com hipertensão arterial, um terço (34,7%) relatou ter um familiar que sofreu um AVC, quase a totalidade (97,1%) possuía prescrição medicamentosa para a HAS, 18%

procuraram a UBS e não tiveram atendimento e 29,1% procuraram a urgência com a PA alterada. A ocorrência do AVC esteve associada a ir à urgência com a PA alterada (Tabela 2).

Tabela 2 Associação entre AVC e condições de saúde de pessoas com hipertensão registadas nas UBS (n = 378) AVC Variáveis condições de saúde Possui familiar com AVC Não Sim

n(%)

247 (65,3) 131 (34,7)

SIM n(%)

p-valor

NÃO n(%)

OR (IC 95%)

23 (9,3) 21 (16,0)

224 (90,7) 110 (84,0)

0,053

1,85 (0,98; 3,50)

0,101

2,98

Prescrição medicamentosa Sim

367 (97,1)

41 (11,2)

326 (88,8)

Não

11 (2,9)

3 (27,3)

8 (72,7)

Sim

310 (82,0)

39(12,6)

271 (87,40

Não

68 (18,0)

5 (7,40)

63 (92,6)

109 (28,8) 144 (38,1)

1,95* (2,38)**

2,17* (2,30)**

0,246***

0,029

(0,76;11,68)

Não atendimento no serviço

Nº de vezes que foi à UBS Nenhuma Até 2 vezes Mais de 2 vezes

0,223

0,55 (0,20;1,45)

-

125 (33,1)

Emergência com PA alterada Não

268 (70,9)

25 (9,3)

243 (90,7)

Sim

110 (29,1)

19 (17,3)

91 (82,7)

2,02 (1,06;3,86)

Nota. OR = Razão de chances; IC = Intervalo de confiança; *Média; **Desvio padrão; ***teste t de Student

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Silva, E. S. et al.

No que toca às variáveis referentes ao estilo de vida das pessoas com hipertensão arterial, a maioria não fumava e nem consumia bebidas alcoólicas. Porém, 57,1% foram fumadores no passado. O consumo de alimentos com alto teor de gordura foi relatado por

35,2% dos participantes e 46,6% consumiam doces. Dessas, ter sido fumador, tempo de fumador, consumir alimentos com alto teor de gordura e ingerir doces pelo menos uma vez por semana mostraram associação com o AVC (Tabela 3).

Tabela 3 Associação entre AVC e estilo de vida de pessoas com hipertensão arterial registados nas UBS (n = 378) AVC Variáveis estilo de vida Fuma atualmente Não Sim Foi fumador Não Sim Tempo de fumador Até 10 anos Mais de 10 anos Bebe atualmente Não Sim Consumir alimentos com alto teor de gordura Não Sim Consome carne vermelha Não Sim Consome carne branca Sim Não Consome peixe Sim Não Doces 1 vez na semana Não Sim

OR (IC 95%)

n(%)

SIM n(%)

NÃO n(%)

p-valor

336 (88,9) 42 (11,1)

39 (11,6) 5 (11,9)

297 (88,4) 37 (88,10

0,955

1,02 (0,38;2,77)

162 (42,9) 216 (57,1)

16 (7,4) 28 (17,3)

200 (92,6) 134 (82,7)

0,003

2,61 (1,36;5,01)

273 (72,2) 105 (27,8)

15,64* (16,81)**

8,10* (13,18)**

0,001***

-

292 (77,0) 87 (23,0)

36 (12,4) 8 (9,2)

255 (87,6) 79 (90,8)

0,418

0,71 (0,31;1,60)

245 (64,8) 133 (35,2)

21 (8,6) 23 (17,3)

224 (91,4) 110 (82,7)

0,012

2,23 (1,18;4,20)

20 (5,3) 358 (94,7)

1 (5,0) 43 (12,0)

19 (95,0) 315 (88,0)

0,341

2,59 (0,33;19,86)

370 (97,9) 8 (2,1)

42(11,40) 2 (25,0)

328 (88,6) 6 (75,0)

0,234

2,60 (0,50;13,31)

290 (76,7) 88 (23,3)

36 (12,4) 8 (9,1)

254 (87,6) 80 (90,9)

0,395

0,70 (0,31;-1,58)

202 (53,4) 176 (46,6)

14 (6,9) 30 (17,0)

188 (93,1) 146 (83,0)

0,002

2,75 (1,41;5,39)

Nota. OR = Razão de chances; IC = Intervalo de confiança; *Média; **Desvio padrão; ***teste t de Student

Na análise de regressão hierarquizada, permaneceram no modelo final as variáveis sexo e idade referentes às características sociodemográficas; ter um familiar que sofreu um AVC e ter ido à urgência com a PA alterada, relativos às condições de saúde de pessoas com hipertensão arterial, além do consumo de alimentos com alto teor de gordura, ingerir doces e tempo de fumador no que toca ao estilo de vida da população estudada. O modelo foi ajustado pela variável possuir prescrição medicamentosa (Tabela 4).

O modelo revelou variáveis que aumentaram a probabilidade de ocorrência de AVC: consumir alimentos com alto teor de gordura aumenta em 2,33 vezes; ingerir doces eleva em 2,37 vezes; para cada ano a fumar a probabilidade aumenta em uma vez; ter um familiar que sofreu um AVC aumenta em duas vezes; ter ido à urgência com a PA alterada aumenta em duas vezes a probabilidade do evento; para cada ano de vida a probabilidade aumenta uma vez e ser do sexo masculino apresentou 53,0% mais chances de sofrer um AVC em relação ao feminino (Tabela 4).

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Silva, E. S. et al.

Tabela 4 Modelo final de regressão logística hierárquica das variáveis preditoras do AVC em pessoas com hipertensão registadas nas UBS (n = 378) Blocos de Variáveis Bloco 1- Variáveis sóciodemográficas Sexo Idade Bloco 2- Variáveis de condições de saúde Possuir familiar com AVC Possuir prescrição medicamentosa Ter ido à emergência com a PA alterada Bloco 3- Variáveis de estilo de vida Consumir alimentos com alto teor de gordura Consumir doces pelo menos 1 vez por semana Tempo de fumador em anos completos Constante

p-valor

ORaj (IC 95%)

0,037 0,009

0,47 (0,23;0,95) 1,03 (1,01;1,06)

0,049 0,451 0,049

2,01 (1,00;4,04) 1,78 (0,39;7,98) 2,01 (1,00;4,05)

0,019 0,019 0,034 0,000

2,33 (1,15;4,72) 2,37 (1,15;4,90) 1,02 (1,00;1,04) 0,003

Nota. ORaj = Razão de chances ajustada; IC = Intervalo de confiança. 0,103 (R² Cox & Snell); 0,201 (R² Nagelkerke).

Discussão Pensar os cuidados às pessoas com hipertensão arterial e a ocorrência de comorbidades como o AVC deve ir além da responsabilização individual pela autogestão do tratamento. Procurar o entendimento do AVC através da ampliação do foco de investigação, considerando outros determinantes que podem influenciar a sua ocorrência que englobem elementos de foro individual e relativos ao sistema de saúde é um exercício necessário para a compreensão da complexidade da ocorrência de doenças crónicas na população. A investigação do AVC como complicação em pessoas com HAS no âmbito da AB permitiu traçar uma linha explicativa para este evento de morbidade, considerando uma capacidade sócio-individual constituída hierarquicamente por fatores sociodemográficos, condições de saúde e estilo de vida, aliados ao modelo MACC. Observou-se uma prevalência considerável de 11,6% do AVC nos participantes, menor do que a encontrada no estudo realizado em pessoas com HAS numa capital do nordeste brasileiro (Lima, Moreira, Borges, & Rodrigues, 2016). Tal diferença pode ser explicada pelo facto de este estudo ter investigado a ocorrência do AVC em pacientes que já tinham algum tipo de complicação decorrente da HAS (Lima et al., 2016). Considera-se ainda que o AVC é uma complicação potencialmente grave com desfechos muitas vezes fatais que se podem ter refletido na prevalência encontrada. No modelo hierárquico, distalmente a ocorrência do AVC mostrou proporção maior para o sexo masculino e com maior idade. Este resultado corrobora um estudo que indicou maior prevalência do AVC em homens no Brasil (Bensenor et al., 2015). Estes resultados podem ser influenciados pela técnica de colheita de dados. As mulheres relatam mais sintomas do que os homens e isso pode explicar a maior prevalência utilizando o questionário em relação ao diagnóstico feito por uma única pergunta, que não detectou diferenças estatísticas entre homens e mulheres (Bensenor et al., 2015). Na presente

investigação, além do questionamento, foram consultados exames para a confirmação do evento. No Japão, um estudo que avaliou as diferenças nos fatores de risco tradicionais para AVC em idosos em comparação com jovens, concluiu que a ocorrência desta complicação era significativamente maior entre idosos, indicando estratégias de prevenção, conforme essa categoria de idade (Murakami et al., 2017). Assim, os profissionais da AB precisam de direcionar os esforços de monitorização e cuidado para as pessoas idosas com HAS. Assim, ações de vigilância em saúde podem ser delineadas para o acompanhamento das variáveis distais, culminando com o planeamento de intervenções que diminuam o risco da ocorrência do AVC nesta população. O modelo explicativo mostrou que as variáveis ter um familiar que sofreu um AVC e ter ido à urgência com PA alterada foram significativos no nível intermédio para o desfecho. Na Índia, um estudo demonstrou associação entre a díade pai-filho com 1,58 vezes mais probabilidade para o desenvolvimento dessa doença, sugerindo forte associação das condições crónicas em adultos com a hereditariedade (Patel et al., 2017). Tal, mostra que a RASPDC precisa de estruturar o acompanhamento longitudinal não só das pessoas que têm HAS, mas também daquelas que possuem familiares com fatores de risco para o evento. A procura do serviço de urgência com a PA alterada aumenta em duas vezes a probabilidade do AVC. Um estudo de base populacional realizado em Roterdão, na Holanda, mostrou que elevações rápidas de PA estão associados ao alto risco de AVC e morte, enquanto que a PA moderadamente alta está associada apenas ao aumento do risco de AVC (Portegies et al., 2016). Para manter os níveis de PA numa faixa segura e evitar picos hipertensivos que possam desencadear o AVC, é necessária a implementação de uma cultura de educação em saúde que trabalhe a compreensão das pessoas no que toca à adesão ao tratamento da HAS, de forma a evitar níveis perigosos de PA. A AB deve fomentar os serviços de acompanhamento de pessoas com HAS de modo a manter uma monitorização da família desses indivíduos. O trabalho dos agentes

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Silva, E. S. et al.

comunitários de saúde pode ser de grande valia, tendo em conta que estão inseridos na comunidade e conhecem os indivíduos e a sua composição familiar. Programas de educação para a promoção de estilo de vida saudável e controlo da PA devem direcionar esforços para famílias que possuem pessoas com HAS em risco para o AVC. No nível proximal ao desfecho estiveram variáveis relacionadas com o comportamento dos indivíduos, mostrando que a adoção de um estilo de vida não saudável pela pessoa com HAS aumenta a probabilidade da ocorrência do AVC. O consumo de gorduras e doces, e ter sido fumador durante algum tempo na vida mostraram forte associação com o AVC. Os cuidados na AB devem direcionar esforços de promoção da saúde que contemplem ações de promoção de alimentação saudável e o não uso do tabaco. Como se trata da modulação de comportamentos, e estes quando firmados nos indivíduos são muito difíceis de serem remodelados ou redirecionados, é imprescindível que as ações sejam iniciadas precocemente na vida das pessoas. Assim, considera-se que a existência de um programa de saúde escolar é importante para direcionar ações de saúde na população jovem, podendo evitar o surgimento da HAS e mesmo do AVC na vida adulta. Em relação ao uso do tabaco, os anos de exposição ao cigarro permaneceram como fator de risco para o desenvolvimento de AVC, tendo em vista que os seus efeitos parecem cumulativos e diretamente relacionados com os anos de exposição ao vício, conforme o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes de Silva (INCA, 2014). Uma metanálise de estudos de coorte realizados na Europa e na América do Norte, observou aumento do risco de 1,5 vezes para o desenvolvimento do AVC entre os fumadores, sendo que a razão de risco tende a aumentar com o consumo linear de 10 cigarros diários e diminui com o tempo desde a cessação do tabagismo como um efeito dose-resposta (Mons et al., 2015). Importa destacar que nas últimas décadas houve uma redução do uso do tabaco relacionado com as políticas de controlo do cigarro, com o aumento dos impostos, proibição de veiculação de propagandas que estimulem o uso e ampla divulgação sobre os seus malefícios, incluindo o uso de imagens desencorajadoras do seu consumo nas embalagens (INCA, 2014). Para a OMS, políticas intersetoriais necessitam de um alinhamento no sentido de melhorar os efeitos positivos na saúde, tal como a política anti-fumo que atua em várias frentes, incluindo a indústria (OMS, 2015a). Em relação ao padrão alimentar, o consumo de alimentos com alto teor de gordura e a ingestão de doces aumentou a razão de chances para o desenvolvimento do AVC. Tais resultados corroboram o estudo sobre a carga global de doenças e anos de vida perdidos ajustados por incapacidade no Brasil, onde a dieta inadequada lidera a classificação dos fatores de risco, principalmente entre as mulheres (Malta et al., 2017). Um estudo realizado na Dinamarca sobre os efeitos de uma dieta protetora (dieta nórdica) com baixo teor de açúcares e gordura e rica em vegetais constatou uma redução na incidência do AVC isquémico, comparado com o grupo controlo, que não fazia uso desse tipo de alimentação (Hansen et al., 2017).

No entanto, sabe-se que adquirir hábitos alimentares saudáveis passa por diversos fatores, por exemplo da cultura, renda, escolaridade, acesso aos alimentos, dentre outros, que podem dificultar a adesão. Um estudo realizado com idosos com hipertensão arterial no Rio Grande do Sul, detetou que os hábitos alimentares deixaram a desejar em relação aos padrões recomendados e estiveram associados à baixa escolaridade, ser aposentado, baixo rendimento familiar e pouca atividade física (Gandenz & Benvegnú, 2013), características semelhantes às encontradas neste estudo. No geral, constatou-se que a prevalência do AVC pode ser explicada por fatores de risco organizados num modelo hierárquico, sendo que os fatores referentes ao estilo de vida estiveram comprovadamente mais próximos ao desenvolvimento do AVC. Neste sentido, investir no delineamento de ações que possam incentivar a modificação de hábitos, atingindo o controle da PA pode ter impacto na diminuição da ocorrência do AVC em pessoas com HAS. O tratamento a estas condições deve ser reorientado em torno do paciente e família, estendendo-se para além dos limites da clínica e penetrando os ambientes domésticos e do trabalho de forma a minimizar o surgimento dessas condições e os seus efeitos pela deteção precoce, aumento da prática de atividade física, redução do tabagismo e restrição do consumo excessivo de alimentos não saudáveis. O estudo apresentou como limitação a possibilidade de viés de prevaricação quando o paciente era questionado sobre hábitos de vida, pelo que se procurou esclarecer a importância de responder ao questionário com informações verdadeiras, explicando que em nenhum momento eles seriam identificados na pesquisa.

Conclusão Considerando a gravidade da ocorrência do AVC, encontrou-se uma prevalência elevada dessa complicação nas pessoas com HAS. O modelo proposto mostrou existir hierarquia entre os fatores de risco na ocorrência do evento, revelando de maneira proximal os fatores de estilo de vida consumo de alimentos com alto teor de gordura, ingestão de doces e o tempo de fumador, de maneira intermédia as condições de saúde como ter um familiar que sofreu um AVC e procurar a urgência com a PA alterada, e distal ao desfecho estiveram o sexo e a idade. Destaca-se a importância do planeamento de intervenções na AB que levem em consideração a hierarquia desses fatores. Planeamento de atividades que vão desde ações de vigilância em saúde dos fatores de risco distais, acompanhamento das famílias por meio dos equipamentos da AB e produção e implementação de programas de educação para a promoção do estilo de vida saudável com múltiplas estratégias e de modo permanente. Planear e aplicar tais ações implicará futuramente um melhor controlo destes fatores de risco e, assim, pode reduzir-se a ocorrência do AVC em pessoas hipertensas. Os fatores modificáveis destacam-se como contribuintes na ocorrência dessa complicação e constituem pontos alvo para a elaboração de estratégias de intervenção a serem delineadas

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Silva, E. S. et al.

em estudos futuros. Contribuição de autores Conceptualização: Silva, E. S., Borges, J. W. P., Moreira, T. M. M. Tratamento de dados: Silva, E. S., Borges, J. W. P. Moreira, T. M. M. Metodologia: Silva, E. S., Borges, J. W. P., Rodrigues, M. T. P., Souza, A. C. C. Redação – Preparação do rascunho original: Silva, E. S., Borges, J. W. P., Souza, A. C. C. Redação- Revisão e edição: Silva, E. S., Rodrigues, M. T. P. Referências bibliográficas Bensenor, I. M., Goulart, A. C., Szwarcwald, C. L., Vieira, M. L. F. P., Malta, D. C. M., & Lotufo, P. A. (2015). Prevalência de acidente vascular cerebral e de incapacidade associada no Brasil: Pesquisa nacional de saúde: 2013. Arquivos de Neuro-Psiquiatria,73(9), 746-750. doi:10.1590/0004-282x20150115 Chueiri, P. S., Harzheim, E., Gauche, H., & Vasconcelos, L. L. (2014). Pessoas com doenças crônicas, as redes de atenção e a atenção primária à saúde. Divulgação em Saúde Para Debate, 52, 114-124. Recuperado de https://pdfs.semanticscholar.org/ b7d3/83339162729f1dc80b102f6e1fa2d85e717a.pdf Ferri, C. P., Schoenborn, C., Kalra, L., Acosta, D.,Guerra, M., Huang, Y., ... Prince, M. J. (2011). Prevalence of stroke and related burden among older people living in Latin America, India and China. Journal of Neurology, Neurosurgery & Psychiatry, 82, 1074-1082. doi:10.1136/jnnp.2010.234153 Forouzanfar, M. H., Liu, P., Roth, G. A., Birykov, S., Marczak, L., Alexander, L., ... Murray, C. J. (2017). Global burden of hypertension and systolic blood pressure of at least 110 to 115 mm Hg, 19902015. JAMA, 317(2), 165–182. doi:10.1001/jama.2016.19043 Gandenz, S. D., & Benvegnú, L. A. (2013). Hábitos alimentares na prevenção de doenças cardiovasculares e fatores associados em idosos hipertensos. Ciência e Saúde Coletiva, 12, 3523-3533. doi:10.1590/S1413-81232013001200009 Hansen, C. P., Overvad, K., Kyrol, C., Olsen, A., Tjonneland, A., Johnsen, S. P., … Dahm, C. C. (2017). Adherence to a healthy Nordic diet and risk of stroke: A Danish cohort study. Stroke, 48, 259-264. doi:10.1161/strokeaha.116.015019 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes de Silva. (2014). Política nacional de controle do tabaco: Relatório de gestão e progresso 2011-2012. Recuperado de https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti. inca.local/files//media/document//politica-nacional_de-controle-do-tabaco-2014.pdf Kummer, B. R., Hazan, R., Merkler, A. E., Kamel, H., Willey, J. Z., Middlesworth, W., … Boehme, A. (2020). A multilevel analysis of surgical category and individual patient-level risk factors for postoperative stroke. The Neurohospitalist,10 (1), 22-28. doi:10.1177/1941874419848590

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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Protocolo de intervenção individual baseado na terapia de reminiscência em idosos com perturbação neurocognitiva

Individual intervention protocol based on reminiscence therapy for older people with neurocognitive disorders Protocolo de intervención individual basado en la terapia de reminiscencia en personas mayores con trastornos neurocognitivos Susana Isabel Justo-Henriques 1 https://orcid.org/0000-0002-8872-4307 Enrique Pérez-Sáez 2 https://orcid.org/0000-0001-9658-3519 João Luís Alves Apóstolo 3 https://orcid.org/0000-0002-3050-4264

1 Cediara - Associação de Solidariedade Social de Ribeira de Fráguas, Aveiro, Portugal 2 Centro de Referencia Estatal de Atención a Personas con Enfermedad de Alzheimer y Otras Demencias (CREA) - Imserso, Salamanca, Espanha

Unidade de Investigação em Ciências da Saúde (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal 3

Resumo Enquadramento: A literatura sugere que a terapia de reminiscência (TR) é uma das terapias não-farmacológicas com melhores evidências na população idosa com perturbação neurocognitiva (PNC), permitindo estimular a neuroplasticidade e a reserva cognitiva, podendo ter um efeito protetor na pessoa com PNC. Objetivo: Apresentar de forma pormenorizada a estrutura e o conteúdo de um protocolo de intervenção em idosos com PNC, baseado na TR individual. Metodologia: Identificação das fases preliminares ao desenho do protocolo de intervenção. Resultados: Protocolo de intervenção individual baseado na TR, em formato misto, composto por 26 sessões, com frequência bissemanal e com duração aproximada de 50 minutos por sessão, administrado por terapeutas treinados. Conclusão: O programa de TR individual pormenorizado permite uma implementação e replicabilidade adequada, podendo contribuir para atenuar a progressão da PNC. Palavras-chave: demência; idoso; desenvolvimento de programas; disfunção cognitiva; terapia reminiscência; qualidade de vida Abstract Background: The literature suggests that reminiscence therapy (RT) is one of the non-pharmacological treatments with better evidence for older people with neurocognitive disorders (NCD). RT stimulates neuroplasticity and cognitive reserve, and it may have a protective effect on the person with NCD. Objective: To describe in detail the structure and contents of an individual RT intervention protocol applied to older people with NCD. Methodology: Identification of the phases prior to the design of the intervention protocol. Results: Individual RT intervention protocol, in a mixed format, consisting of 26 sessions, twice a week, of approximately 50 minutes each, conducted by trained therapists. Conclusion: The detailed individual RT program can be adequately implemented and replicated, and it may delay the progression of NCD. Keywords: dementia; aged; program development; cognitive dysfunction; reminiscence therapy; quality of life

Autor de correspondência: Susana Isabel Justo Henriques E-mail: cediara.dir.tec@gmail.com

Recebido: 13.04.20 Aceite: 04.06.20

Resumen Marco contextual: La literatura sugiere que la terapia de reminiscencia (TR) es una de las terapias no farmacológicas con mejores resultados en la población anciana con trastorno neurocognitivo (PNC, en portugués), pues permite la estimulación de la neuroplasticidad y la reserva cognitiva, y puede tener un efecto protector en la persona con PNC. Objetivo: Presentar de forma pormenorizada la estructura y el contenido de un protocolo de intervención para personas mayores con PNC, basado en la TR individual. Metodología: Identificación de las fases preliminares al diseño del protocolo de intervención. Resultados: Protocolo de intervención individual basado en la TR, en formato mixto, compuesto por 26 sesiones, con una frecuencia quincenal y una duración aproximada de 50 minutos por sesión, administrado por terapeutas capacitados. Conclusión: El programa de TR individual pormenorizado permite una implementación y una replicabilidad adecuadas, y puede contribuir a suavizar el progreso de la PNC. Palabras clave: demencia; anciano; desarrollo de programa; disfunción cognitiva; terapia de reminiscencia; calidad de vida

Como citar este artigo: Justo-Henriques, S. I., Pérez-Sáez, E. & Apóstolo, J. L. (2020). Protocolo de intervenção individual baseado na terapia de reminiscência em idosos com perturbação neurocognitiva. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20043. doi:10.12707/RV20043

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pp. 1 - 10


Justo-Henriques, S. I. et al.

Introdução Existe necessidade de desenvolver protocolos suficientemente detalhados e ajustados à cultura portuguesa para pessoas idosas com perturbação neurocognitiva (PNC), baseados em terapias não-farmacológicas (TNF) que tenham evidências de efeitos positivos na intervenção com a população-alvo. Um protocolo de intervenção individual com base na terapia de reminiscência (TR) de média duração, em instituições nacionais com respostas sociais na terceira idade ou respostas especializadas na demência, pode melhorar a funcionalidade cognitiva e a qualidade de vida (QdV). O objetivo do presente artigo é apresentar de forma pormenorizada um protocolo de intervenção individual baseado na TR, no formato misto, contemplando os princípios da estimulação cognitiva e adequado à população idosa com PNC a frequentar respostas sociais em Portugal, passível de ser facilmente compreendido, adaptado e administrado pelos profissionais que intervêm no processo terapêutico.

Enquadramento A PNC é uma das principais causas de incapacidade nos idosos e a sua prevalência tem crescido devido ao aumento da população idosa. Estima-se que as perturbações neurocognitivas afetem 44,45 milhões de pessoas em todo o mundo, prevendo-se que este número aumente para 135,46 milhões em 2050 (Prince, Guerchet, & Prina, 2013). Em Portugal, a prevalência de demência na população idosa em 2019 era de 20,8%, e os dados apontam que em 2050 esta percentagem chegará aos 40,5% (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico [OCDE], 2019). Até ao momento, o tratamento da PNC baseia-se em terapias farmacológicas e não-farmacológicas que permitem controlar os sintomas e atrasar a progressão da doença. As TNF favorecem a estimulação da neuroplasticidade e da reserva cognitiva, ao expor as pessoas idosas com diagnóstico de PNC perante novos estímulos (Vemuri et al., 2014). Tanto a neuroplasticidade como a reserva cognitiva podem ter um efeito protetor nos idosos com PNC. A estimulação cognitiva é uma das terapias mais eficazes na PNC, tendo-se verificado os seus benefícios quer ao nível do funcionamento cognitivo, quer na qualidade de vida (QdV) e comunicação, sendo um complemento essencial à terapia farmacológica (Aguirre, Woods, Spector, & Orrell, 2013). Existem estudos que sugerem a eficácia da terapia de estimulação cognitiva individual na população idosa com diagnóstico de PNC (Justo-Henriques, Marques-Castro, Otero, Vázquez, & Torres, 2019). Também a terapia de orientação para a realidade, baseada na apresentação e repetição de informação temporal e espacial ao longo do dia ou em sessões regulares de atividades relacionadas com a orientação, foi associada a melhorias significativas na cognição (Hsiao-Yean, Pin-Yuan, Yu-Ting, & Hui-Chuan, 2018). Outra das TNF mais investigadas é a TR, a qual implica a discussão de atividades, experiências e eventos passados com

o recurso a estímulos despoletadores (p. ex., fotografias, objetos, música) que promovem a recordação (Woods, O’Philbin, Farrell, Spector, & Orrell, 2018). A TR apresenta dois formatos. O primeiro, a reminiscência geral ou simples, consiste em estimular as memórias autobiográficas através de conversas sobre determinados temas do passado, tais como viagens, gastronomia vestuário e profissões, usando materiais que despertem memórias e adequados para terapia individual ou em grupo. O segundo formato é mais estruturado e normalmente aplicado individualmente, denominado a revisão de vida, no qual os participantes são guiados através de experiências significativas da sua vida passada procurando enquadrar o significado e representatividade das mesmas (Subramaniam & Woods, 2012). A literatura sugere que a TR tem efeitos benéficos ao nível da cognição, da QdV, dos sintomas depressivos, do humor e do comportamento nas pessoas com PNC. Na revisão sistemática de Woods et al. (2018) a ensaios clínicos controlados e randomizados de TR para demência, a TR individual foi utilizada em apenas cinco estudos, dos quais quatro (Haight, Gibson, & Michel, 2006; Lai, Chi, & Kayser-Jones, 2004; Morgan & Woods, 2012; Subramaniam, Woods, & Whitaker, 2013) baseados no formato de revisão de vida e um (Van Bogaert et al., 2016) baseado no modelo de SolCos. O número de participantes variou entre 17 (Morgan & Woods, 2012) e 72 (Van Bogaert et al., 2016). A duração dos ensaios variou entre as seis semanas (Haight et al., 2006; Lai et al., 2004) e 12 semanas (Morgan & Woods, 2012; Subramaniam et al., 2013). O número de sessões variou entre seis (Haight et al., 2006; Lai et al., 2004) e 16 (Subramaniam et al., 2013), com sessões entre os 30 e os 60 minutos. O estudo de Van Bogaert et al., 2016 foi o único com duas sessões semanais, os restantes contemplaram apenas uma sessão semanal. Relativamente ao efeito da TR individual na cognição, Haight et al. (2006) verificaram a existência de um efeito significativo, com um tamanho de efeito elevado (d = 0,92). Também Subramaniam et al. (2013) e Morgan e Woods (2012) encontraram um efeito significativo no funcionamento cognitivo, mas com um tamanho moderado (respetivamente, d = 0,47 e d = 0,67). Outros estudos não encontraram um efeito significativo da TR individual no funcionamento cognitivo (Lai et al., 2004; Van Bogaert et al., 2016). No follow-up foram encontrados tamanhos de efeito pequenos (d = 0,31) por Lai et al. (2004) e moderados (d = 0,51) por Morgan e Woods (2012). Quanto ao efeito sobre a QdV, analisada apenas em dois estudos de TR individual, Subramaniam et al. (2013) encontraram uma melhoria significativa na qualidade de vida autorrelatada, com tamanho de efeito elevado (d = 0,8). Lai et al. (2004) não encontraram um efeito significativo da TR individual na qualidade de vida observada, nem após a intervenção nem no follow-up. Em relação à sintomatologia depressiva, o estudo de Van Bogaert et. al. (2016) verificou uma diferença significativa da TR individual nos sintomas depressivos, com um tamanho de efeito pequeno (d = -0,45). Haight et al. (2006) e Morgan e Woods (2012) encontraram um efeito significativo, com um tamanho de efeito moderado no estado de humor (d = -0,53 em ambos os estudos).

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Justo-Henriques, S. I. et al.

No follow-up Morgan e Woods (2012) encontraram um tamanho de efeito elevado da TR individual na depressão (d = -1,63). Por último, no estudo de Subramaniam et al. (2013) o tamanho de efeito encontrado foi pequeno (d = -0,08). Não foram analisados os resultados em follow-up. A maioria dos estudos de TR revistos não descreviam detalhadamente os protocolos (Woods et al., 2018), uma limitação comum na maioria das investigações sobre TNF (Orrell et al., 2017). Tendo em conta a necessidade em detalhar protocolos de intervenção bem definidos de TNF que permitam a sua implementação (Orrell et al., 2017) e considerando as evidências dos benefícios da TOR, da estimulação cognitiva e da TR, especialmente no formato individual (Justo-Henriques et al., 2019; Woods et al., 2018), foi desenvolvido o protocolo apresentado neste artigo, que consistiu em combinar os benefícios das três terapias, destinado a melhorar a cognição e a QdV de idosos com PNC. O protocolo descrito neste artigo foi desenvolvido através de um estudo multicêntrico com um desenho experimental de medidas repetidas (pré e pós-intervenção) aleatório e controlado, para comparar 13 semanas de sessões de TR no grupo de intervenção (n = 131) com 13 semanas de cuidados habituais no grupo de controlo (n = 120). Foram selecionados idosos com PNC em 24 instituições portuguesas como objetivo de avaliar a capacidade da TR individual com um formato misto de reminiscência geral e revisão de vida, para melhorar a função cognitiva global, o estado de humor e a QdV. As 26 sessões de intervenção basearam-se no presente protocolo, estandardizado num manual detalhado e nos princípios da TR, as quais foram dirigidas por um terapeuta previamente treinado. Os resultados evidenciaram um efeito significativo na função cognitiva global, nomeadamente na memória, e na QdV, tanto na amostra geral de PNC (Justo-Henriques, Pérez-Sáez, & Apóstolo, 2020) como na subamostra de idosos com diagnóstico de doença de Alzheimer e demência vascular (Pérez-Sáez, Justo-Henriques, & Apóstolo, 2020). Verificou-se uma elevada adesão à intervenção, um elevado grau de colaboração durante a intervenção e uma baixa taxa de desistências.

Questão de investigação Que estrutura e conteúdos apresenta o programa de TR individual desenvolvido para idosos com PNC a frequentar respostas sociais?

Metodologia O desenvolvimento do protocolo de intervenção teve uma progressão contínua e sustentada em cinco fases. A primeira fase baseou-se na revisão da literatura científica relativa à TR, nomeadamente identificar os formatos mais estudados e respetivos efeitos sobre a cognição, quais os materiais de suporte e características dos beneficiários. Verificou-se que a TR apresentava evidências encorajadoras. Na segunda fase, foi realizada uma pesquisa de materiais

adaptados para a cultura portuguesa e com conteúdos despoletadores de recordações, de forma a estimular os diferentes domínios cognitivos. Contudo, os materiais existentes não reuniam os princípios associados à TR, pelo que gerou a necessidade de iniciar uma nova fase. A terceira fase consistiu numa auscultação junto da população idosa acerca de estilos de vida, factos e figuras públicas mais marcantes na história e cultura do nosso país, suscetíveis de potenciar a revisão pela vida. Posteriormente, ainda nesta fase, elaborou-se um conjunto de materiais em suporte de papel e digital que congregavam os temas mais referenciados pela população idosa. Na quarta fase, definiu-se a estrutura e o conteúdo das sessões, com recurso aos materiais elaborados. Seguidamente, foram convidados a participar nas sessões idosos com PNC, de forma voluntária. As sessões de intervenção decorreram em formato individual, o qual se apresentava mais apropriado para os objetivos terapêuticos, pois permite adequar-se melhor às necessidades e ao ritmo de cada participante (Dreer, Copeland, & Cheavens, 2011), e foram conduzidas por dois terapeutas previamente treinados com os princípios da TR. No final de cada sessão, o terapeuta preenchia a respetiva ficha de registo de sessão, com o objetivo de avaliar o grau de aceitabilidade ao material desenvolvido e o grau de colaboração dos participantes nas sessões. Verificou-se que a adesão e aceitabilidade à intervenção foi boa. A última fase consistiu na revisão dos materiais, realizando melhorias aos existentes e desenvolvimento de materiais complementares, decorrentes do diagnóstico elaborados pelos terapeutas. Os conteúdos da intervenção foram igualmente revistos, para introduzir novas atividades.

Resultados O protocolo de intervenção é composto por 26 sessões, com uma periodicidade bissemanal ao longo de 13 semanas, com uma duração aproximada de 50 minutos cada. Todas as sessões seguem a mesma estrutura (Tabela 1). Nos primeiros 7 minutos é feito o acolhimento ao participante e treinada a orientação para a realidade, onde o participante é incentivado a preencher as informações relativas à data, tempo atual e espaço, através de um quadro temporal. Seguidamente, durante aproximadamente 40 minutos são estimulados os domínios cognitivos, com o recurso a diversos materiais de estimulação cognitiva, nomeadamente ao Livro do Passado e do Presente© (LPP; Justo-Henriques, 2018), que inclui várias temáticas, cada uma das quais distribuídas em duas colunas, uma do passado e outra do presente com imagens alusivas, assim como histórias narradas referentes a várias temáticas do quotidiano e à comparação de vivências do passado com o presente. Os últimos 3 minutos de cada sessão são dedicados ao retorno à calma, com um breve relaxamento e um curto diálogo sobre as dificuldades, interesses e benefícios da sessão. Por último, é realizada a despedida e o participante é recordado da data e hora da próxima sessão. Após concluir a sessão, o terapeuta deve preencher a ficha de avaliação da sessão.

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Tabela 1 Estrutura base do programa de TR individual Duração

Conteúdos

Atividades

Iniciação da sessão

Saudação/cumprimento. Verificação do humor. Comunicar os objetivos da sessão.

Orientação para a realidade

Com o recurso a um quadro temporal, identificar os elementos de ordem temporal e espacial.

7 minutos

40 minutos

3 minutos

Estimulação dos vários domínios cognitivos

Finalização da sessão

Com o recurso a imagens, fichas, histórias e sons, em suporte de papel e digital, explorar materiais de estimulação cognitiva alusivos às temáticas: meios de transporte; eletrodomésticos; habitação; meios de comunicação; profissões; vestuário; atores e apresentadores; política; referências regionais/locais. Análise das dificuldades, interesses e benefícios da sessão. Retorno à calma. Despedida. Avaliação da sessão em impresso próprio.

As sessões de intervenção têm formato individual e devem ser conduzidas por terapeutas com treino prévio no protocolo de intervenção e nos princípios da terapia da reminiscência. As atividades realizadas em cada sessão seguem os conteúdos do programa de TR (Tabela 2). O conteúdo do programa de intervenção, com recurso a atividades em suporte de papel (p. ex., cartões de imagens, fichas) e digital (p. ex., sons, apresentações em power point), está organizado em nove temas gerais relacionados com a TR. Um dos temas é referências regionais/locais que são personalizadas segundo a região onde o participante vive. As sessões são realizadas num local confortável, calmo, privado e que permita que as atividades decorram sem interrupções. Ao longo da sessão, o terapeuta deve seguir os princípios de aplicação da terapia de estimulação cognitiva, formulados por Spector, Thorgrimsen, Woods, e Orrell (2006), nomeadamente, centrada na pessoa (i.e., a terapia deve centrar-se na pessoa), respeito pelo participante (i.e., favorecer a sua identidade e manter a sua dignidade), favorecer a sua participação (i.e., o terapeuta não deve ser a pessoa que mais fale), inclusão (i.e., promover um ambiente em que todas as contribuições do participantes sejam valorizadas), diversão (i.e., promover a aprendizagem num ambiente descontraído e prazeroso, utilizando o sentido de humor), maximizar o potencial do participante (i.e.,

favorecer a aprendizagem com os estímulos adequados, proporcionando o tempo necessário, evitando pressionar e saturar o participante) e construir e fortalecer as relações sociais (i.e., fomentar uma relação de um para um, na qual o terapeuta não se deve sobrevalorizar ao participante). No início de cada sessão, o terapeuta deve saudar o participante, orientar para o insight e transmitir os objetivos da sessão. Posteriormente, recorrendo a um quadro de orientação espaço-temporal (que deve incluir o dia da semana, mês, dia do mês, ano, estação do ano, estado do tempo e relógio), realizar o treino de orientação para a realidade. Seguidamente, e de acordo com a temática definida para a respetiva sessão (Tabela 2), o terapeuta desenvolve a atividade principal de estimulação de vários domínios cognitivos (p. ex., atenção, linguagem, capacidades percetivomotoras, função executiva, memória) e simultaneamente incentiva o participante a partilhar experiências, eventos e atividades da sua história de vida que se enquadrem no tema da sessão. As atividades são desenvolvidas com recurso a suporte de papel (p. ex., cartões de imagens, fichas, cartaz) e digital (p. ex., sons, apresentações power point), para estimular a funcionalidade cognitiva de idosos com PNC. No final de cada sessão, deve ser questionada a opinião do participante acerca da mesma e referir a temática, data e hora da sessão seguinte.

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Tabela 2 Conteúdos das atividades, objetivos e materiais das sessões do programa de intervenção Sessão

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Temática/objetivos/domínios estimulados

Materiais Cartões de imagens relacionadas com as temáticas (meios de transporte, eletrodomésticos, Atividade(s): apresentar os objetivos do programa de intervenção, as temáticas abordadas nas habitação, meios de comunicasessões e respetivo material de suporte; solicitar que mencione o conteúdo das imagens e a sua ção, profissões, vestuário, atorelação com o tema em que se insere. res e apresentadores, política, Objetivo: estimular particularmente a atenção, a linguagem e a memória semântica. referências regionais/locais). Por exemplo, consultar o LPP (pp. 10-27). Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com o recur- Cartões de imagens de meios so à temática meios de transporte, categorizar as imagens por tipo de transporte, associar as imade transporte associadas ao gens ao passado e ao presente, elencar e ordenar os transportes utilizados em cada fase da vida. passado e ao presente (p. ex., Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória semântica e episódica. consultar LPP, pp. 10-11). Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com o recurso à temática meios de transporte, associar as imagens ao passado e ao presente de acordo com a Cartões de imagens de meios formulação de questões relacionadas à mesma; ordenar os meios de transporte segundo diferende transporte associadas ao passado e ao presente (p. ex., tes caraterísticas (p. ex., velocidade, custo). Objetivo: estimular particularmente a atenção, a linguagem, a memória semântica e as funções consultar LPP, pp. 10-11). executivas. Cartões de imagens de eleAtividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; categorizar e associar, com o recurso à temática eletrodomésticos, as imagens ao passado e ao presente; questrodomésticos associadas ao passado e ao presente (p. ex., tionar quais os eletrodomésticos que já teve e como os usava; com recurso a uma história que consultar LPP, pp. 12-13). contenha nomes de eletrodomésticos representativos das imagens apresentadas, solicitar que retire as imagens mencionadas ao longo da história. História relacionada com a temática. Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória semântica e episódica. Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com o recurso à temática eletrodomésticos, associar as imagens ao passado e ao presente de acordo com a Cartões de imagens de eleformulação de questões relacionadas à mesma; ordenar os eletrodomésticos segundo diferentes trodomésticos associadas ao características (p. ex., custo, funcionalidade, peso). passado e ao presente (p. ex., Objetivo: estimular particularmente a atenção, a linguagem, a memória semântica e as funções consultar LPP, pp. 12-13). executivas. Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; categorizar Cartões de imagens de divisões e associar, com o recurso à temática habitação, as imagens de divisões da casa do passado e do de habitação associadas ao presente; questionar o participante sobre a história e a evolução da sua habitação. passado e ao presente (p. ex., Objetivo: estimular particularmente a atenção, a linguagem e memória declarativa. consultar LPP, pp. 14-15). Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com o recurso à temática habitação, associar as imagens ao passado e ao presente de acordo com a formula- Cartões de imagens de divisões ção de questões relacionadas à mesma; sequenciar e associar, com recurso a imagens de relógios de habitação associadas ao analógicos com diferentes horários e de atividades de vida diária (p. ex., levantar-se da cama, passado e ao presente (p. ex., escovar os dentes, preparar o pequeno-almoço, ver televisão), as divisões da casa em que é suconsultar LPP, pp. 16-17). posto estar a cada horário; solicitar que calcule quanto tempo passou entre a primeira e a última Imagens de relógios analógiatividade e pedir para programar o que iria fazer após essa última atividade (p. ex., sair de casa). cos, atividades de vida diária. Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória declarativa e as funções executivas. Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; categorizar Cartões de imagens de meios e associar, com o recurso à temática meios de comunicação, as imagens ao passado e ao presente; de comunicação associados ao questionar acerca dos meios de comunicação que utilizou ou utiliza e que mudanças sofreram passado e ao presente (p. ex., ao longo do tempo e como se adaptou a elas. consultar LPP, pp. 16-17). Objetivo: estimular particularmente a atenção, a linguagem e a memória declarativa. Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com o recurso à temática meios de comunicação, identificar e associar os principais canais televisivos, programas e personalidades televisivas de outrora e atuais, quais as emissoras de rádio e canções de outrora e Cartões de imagens de meios atuais; questionar o número de telefone de casa e o número de alguém próximo e simular a utilide comunicação associados ao zação de um telefone antigo e de um telefone atual, simular uma chamada telefónica; pedir para passado e ao presente (p. ex., distinguir entre uma carta e um telegrama; simulando um telegrama, discutir a sua utilidade no consultar LPP, pp. 16-17). passado e o custo associado, promovendo a conversão de moeda. Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória implícita, semântica e episódica, a linguagem e o cálculo.

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Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; através da temática profissões, associar as imagens ao passado e ao presente; com o recurso a uma imagem representativa da profissão exercida pelo participante, discutir as alterações que a profissão sofreu com o tempo, realizar um resumo das informações fornecidas pelo participante. Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória declarativa e a linguagem. Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com o recurso à temática profissões, discutir as diferenças entre as características passadas e atuais das profissões; com recurso a cartões representativos de remunerações de profissões, ordenar as profissões segundo uma ordem indicada; questionar a diferença salarial entre duas profissões. Objetivo estimular particularmente a atenção, a memória semântica, o cálculo e as funções executivas. Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; categorizar e associar as imagens com recurso ao tema vestuário ao passado e ao presente; questionar acerca de ocasiões onde se usava ou usa cada indumentária e que mudanças sofreram com o tempo. Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória semântica e a linguagem. Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com recurso a imagens de vestuário apropriado para diferentes ocasiões (p. ex., festa de casamento, batizado, jantar de negócios, peça de teatro, baile de formatura), associar as imagens do vestuário ao passado e ao presente, associar o vestuário às diferentes ocasiões; questionar acerca das transformações sociais e culturas de cada indumentária. Objetivo: estimular particularmente a atenção, a linguagem e a memória semântica. Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; nomear, categorizar e associar as imagens de atores e apresentadores ao passado e ao presente; questionar sobre programas televisivos, filmes ou novelas em que as personalidades presentes nas imagens tenham participado. Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória semântica e a linguagem.

Cartões de imagens representativas de profissões ao passado e ao presente (p. ex., consultar LPP, pp. 18-19). Cartões com valores indicativos dos salários das profissões. Cartões de imagens representativas de profissões ao passado e ao presente (p. ex., consultar LPP, pp. 18-19) Cartões de imagens de vestuário associadas ao passado e ao presente (p. ex., consultar LPP, pp. 20-21). Cartões de imagens de vestuário e indumentárias adequadas às diferentes ocasiões.

Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com o recurso a várias imagens de atores e apresentadores, em décadas diferentes, e cartões com datas de nascimento e óbito, associar e identificar as imagens intrusas; ordenar as personalidades por datas de nascimento e de óbito e calcular as suas idades. Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória semântica, o cálculo e as funções executivas.

Cartões de imagens de atores e apresentadores do passado e do presente (p. ex., consultar LPP, pp. 22-23). Cartões de imagens de atores e apresentadores do passado e do presente (p. ex., consultar LPP, pp. 22-23). Imagens de alguns atores e apresentadores emblemáticos de décadas diferentes. Cartões com datas de nascimento e de óbito.

Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com o recurCartões de imagens de polítiso à temática política, nomear, categorizar e associar as imagens ao passado e ao presente; quescos associados ao passado e ao tionar acerca da opinião política e sobre os políticos em questão; relembrar eventos marcantes presente (p. ex., consultar LPP, na vida política. pp. 24-25). Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória semântica e a linguagem. Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com o recurso a imagens de vários políticos e a cartões com espaços delimitados para colocar as imagens Imagens de logotipos dos do logotipo do partido político (p. ex., PS), do líder atual (p. ex., António Costa) e de alguns partidos políticos, dos líderes ex-líderes (p. ex., Mário Soares, José Sócrates), nomear os líderes e os ex-líderes políticos; idenatuais, e de alguns ex-líderes tificar os que já faleceram e associar os restantes líderes ao seu partido político; questionar quem e cartões para o participante são os atuais governantes e quais os seus antecessores. colocar as respetivas imagens. Objetivo: estimular particularmente a atenção, a linguagem, a memória semântica e as funções executivas. Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com recurso a imagens recolhidas previamente pelo terapeuta de personalidades atuais ou de outrora da Imagens de personalidades da região do participante, nomear e associar as imagens das personalidades locais ao passado e ao região passadas e atuais. presente; questionar que recordações tem dessas pessoas e como marcaram a região. Objetivo: estimular particularmente a atenção e a memória declarativa e a linguagem. Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com recurso a imagens de locais da região ilustrativos do passado e do presente, enquadrar as imagens nas respetivas colunas; questionar quais as recordações sobre os referidos locais e que alterações Imagens de locais da região sofreram; questionar quais as alterações que a rua/bairro do participante sofreu ao longo do passados e atuais. tempo. Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória declarativa e a linguagem. Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com recurso História que identifique o cona uma história narrada (p. ex., “Álbum de recordações”), solicitar que à medida que são mencioteúdo das imagens de cartões nadas as imagens na história, o participante as procure e retire do livro, sendo que no final deve de várias temáticas abordadas repor as imagens na mesma posição. nas sessões anteriores (p. ex., Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória de curto prazo, a memória de trabaconsultar LPP, pp. 29-30). lho e a capacidade percetivomotora. Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3: e20043 DOI: 10.12707/RV20043

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Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com o recurso a um cartaz (p. ex., formato A3) com imagens alusivas a programas televisivos, novelas e filmes do passado e do presente, respetivo nome e data de emissão, nomear e associar as personalidades aos programas televisivos; questionar quais as recordações desses programas e filmes; corresponder as imagens das personalidades passadas e atuais às datas de emissão dos programas televisivos; questionar quais os programas preferidos. Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória semântica e episódica e as funções executivas.

Cartaz com imagens alusivas à TV e cinema do passado e do presente. Cartões de imagens de atores e apresentadores do passado e do presente (p. ex., consultar LPP, pp. 22-23).

Apresentação digital (p. ex., apresentação power point, Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com o recurvídeo) sobre as várias fases asso a um suporte digital, apresentar, discutir e associar as imagens sobre as diversas fases associasociadas ao cultivo dos cereais das ao fabrico do pão no passado e no presente (p. ex., meios e equipamentos utilizados para e fabrico do pão. lavrar, para regar, para moer os cereais), corresponder as imagens com atividade agrícola. Cartões de imagens associadas Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória episódica e a linguagem. à agricultura (p. ex., consultar LPP, p. 18). Áudios (p. ex., vozes, genérico Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com recurso de programas televisivos ou de às imagens das temáticas atores e apresentadores e política, identificar e associar os áudios de vorádio) alusivos aos políticos zes e genéricos de programas às imagens da personalidade; questionar qual o contexto da frase e aos atores e apresentadores. ou áudio escutado; solicitar para repor as imagens no local correspondente. Cartões de imagens associadas Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória semântica e a capacidade às respetivas temáticas (p. ex., percetivomotora. consultar LPP, pp. 22-25). Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com o recurApresentação digital (p. ex., so à apresentação parcial de objetos ou pessoas (p. ex., parte do rosto) através de um suporte diapresentação power point) gital, identificar os respetivos objetos ou pessoas; associar e retirar as respetivas imagens do livro com as imagens recortadas de alusivas aos objetos ou pessoas representadas nas temáticas meios de transporte, eletrodomésticos, objetos e pessoas. Cartões de habitação, meios de comunicação, profissões, vestuário, atores e apresentadores e política; solicitar no imagens relativas às temáticas final para repor as imagens no local correspondente. abordadas (p. ex., consultar Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória a curto prazo, a memória semântica e LPP, pp. 10-25). a capacidade percetivomotora. Fichas com nome e imagens Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com recurso das personalidades com desfaas fichas com o nome de uma personalidade e imagens do próprio e de outras personalidades, samento temporal significativo identificar e retirar as imagens do livro da personalidades em questão e na respetiva ficha sinali- (p. ex., em adulto jovem e na zar com cores diferentes a imagem dessa pessoa quando em adulto jovem e a sua imagem atual; atualidade). solicitar a reposição dos cartões de imagens no local prévio. Cartões de imagens relativas Objetivo: estimular particularmente a atenção, a memória semântica e a memória de trabalho. às temáticas abordadas (p. ex., consultar LPP, pp. 22-25). Atividade(s): questionar o participante sobre a atividade realizada na última sessão; com recurso História que identifique o a uma história narrada (p. ex., “Desgarrada do passado e do presente”), selecionar as imagens conteúdo das imagens de carmencionadas ao longo da história e colocá-las no local designado pelo terapeuta; questionar tões de várias temáticas aborqual a primeira e a última imagem mencionada na história. dadas nas sessões anteriores (p. Objetivo: estimular particularmente a atenção, a capacidade percetivomotora, a memória declaex., LPP, p. 30). rativa e a memória de curto prazo.

Nota. LLP = Livro do Passado e do Presente©.

Discussão As intervenções individuais estão associadas a melhores resultados, pois potenciam o acesso à intervenção, permitindo um contacto mais próximo com o participante e fazem uso de atividades personalizadas que podem aumentar a sua adesão à intervenção. Facilitam uma relação terapêutica mais forte e o ritmo da intervenção ajustado ao participante, de acordo com uma abordagem de assistência centrada na pessoa como um indivíduo único (Justo-Henriques et al., 2019; Subramaniam & Woods, 2012). Uma intervenção individual permite orientar os exercícios em função das necessidades, preferências e referências do participante, potenciando a memória declarativa e facilitando a sua colaboração durante a sessão. A descrição detalhada de um protocolo de intervenção,

além de um guia técnico para os terapeutas, poderá atenuar a relevância da heterogeneidade dos participantes e das instituições onde é implementado. O material utilizado na TR está adaptado às caraterísticas do participante (i.e., idoso com declínio cognitivo) e é usado em atividades de estimulação cognitiva para treino de vários domínios cognitivos (p. ex., atenção, memória, linguagem). Parece que recordar o passado regularmente afeta positivamente a capacidade cognitiva porque o participante faz um esforço consciente (Duru Aşiret & Kapucu, 2016). Com base nos princípios da terapia de estimulação cognitiva, da terapia de orientação para a realidade e da TR, foi desenvolvido um programa de intervenção individual dirigido a idosos com diagnóstico de PNC que se encontram a frequentar respostas sociais em instituições portu-

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guesas (p. ex., estrutura residencial para idosos [ERPI], centro de dia, serviço de apoio domiciliário [SAD]). A literatura demonstra que as terapias mencionadas são benéficas nesta população, no que concerne à melhoria do funcionamento cognitivo, humor e QdV. O protocolo de intervenção individual é composto por 26 sessões, com um periodicidade bissemanal e aproximadamente 50 minutos de duração. O principal objetivo deste programa, a ser aplicado pelos terapeutas (p. ex., psicólogos, terapeutas ocupacionais, outros profissionais habilitados) das instituições de apoio a idosos, consiste na diminuição da progressão do declínio cognitivo, através da estimulação dos domínios cognitivos, obtendo assim benefícios não só ao nível cognitivo, mas também do humor e QdV. Não obstante, e ainda que contribua para colmatar uma limitação recorrente da maioria das investigações e os resultados da sua aplicação tenham evidenciado um contributo significativo na função cognitiva global dos participantes com diagnóstico de doença de Alzheimer e demência vascular, é recomendável realizar novas investigações para avaliar a eficácia do protocolo intervenção em diferentes subtipos etiológicos e gravidade da perturbação neurocognitiva.

Conclusão Os resultados sugerem um programa de intervenção com uma estrutura e conteúdos detalhados, de fácil perceção e possível replicabilidade. Este programa de intervenção poderá ter implicações importantes na prática clínica e na investigação, sendo possível a sua implementação em instituições com respostas na área da terceira idade, podendo ainda constituir um ponto de partida para novos programas e estudos científicos. Contribuição de autores Conceptualização: Justo-Henriques, S. I. Análise formal: Justo-Henriques, S. I., Pérez-Sáez, E., Apóstolo, J. L. A. Metodologia: Justo-Henriques, S. I., Pérez-Sáez, E., Apóstolo, J. L. A. Investigação: Justo-Henriques, S. I., Pérez-Sáez, E., Apóstolo, J. L. A. Redação - preparação do rascunho original: Justo-Henriques, S. I., Pérez-Sáez, E. Redação - revisão e edição: Justo-Henriques, S. I., Pérez-Sáez, E., Apóstolo, J. L. A. Agradecimentos Aparsin (Marta Abreu, Natália Carralo); Assoc. Alzheimer Portugal (Bárbara Coutinho, Filipa Gomes, Joana Florêncio); Assoc. de Solidariedade Social de S. Tiago de Rebordões (Ana Rita Fernandes, Maria João Azevedo); Cediara (Ana Elisa Castro, Ana Rita Teixeira); Centro Social de Tolosa (Ana Salomé Jesus, Paulo Parracho); Centro Social Paroquial de Dornelas (Ana Cristina Santos, Cindy Santos); Centro Social Paroquial de Recarei

(Ana Isa Sousa, Ana Soraia Mendes); Centro Social Vale do Homem (Alberta Duarte, Sandra Cerqueira); Centro Zulmira Pereira Simões (Angelina Senra, Débora Fernandes); Delicate Age (Ana Luísa Vicente, Rita Marranita); Irmãs Hospitaleiras (Cátia Gameiro, Marta Dábrio, Sofia Rosado); Lar D. Pedro V (Carmen Gonçalves, Salomé Vasconcelos); Pesqueiramiga (Elsa Matias, Sara Pires); Primavida (Inês Rebelo, Sónia Carvalho); Replicar Socialform (Joana Ribeiro, Rui Maia); Misericórdia de Alcobaça (Ivone António, Tânia Miguel); Misericórdia de Almada (Ana Cristina Coelho, Sónia Andrade); Misericórdia de Castelo Branco (Sofia Fernandes, Vítor Reis); Misericórdia de Coruche (Ana Ferreira, Rita Filipe); Misericórdia de Melgaço (Alexandrina Rodrigues, Diana Domingues); Misericórdia de Ovar (Daniela Martins, Márcia Barbosa); Misericórdia de Vila Velha de Ródão (Marta Pinto, Patrícia Cesário); Misericórdia de Vila Verde (Branca Pimentel, Patrícia Ferreira); Misericórdia de Vouzela (Daniela Tojal, Rui Dionísio); Misericórdia do Alvorge (Maria Solange Santos, Sílvia Lopes).

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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Segurança do doente: potenciais interações medicamentosas favorecidas pela sobreposição de medicamentos programados pelo enfermeiro

Patient safety: potential drug-drug interactions caused by the overlapping of medications agreed by the nurse Seguridad del paciente: potenciales interacciones de los medicamentos favorecidas por la superposición de los medicamentos programados por el enfermero Andressa Aline Bernardo Bueno 1 https://orcid.org/0000-0001-8695-9965 Célia Pereira Caldas 2 https://orcid.org/0000-0001-6903-1778 Flavia Giron Camerini 2 https://orcid.org/0000-0002-4330-953X Cintia Silva Fassarella 2,3 https://orcid.org/0000-0002-2946-7312 Aline Affonso Luna 4 https://orcid.org/0000-0002-7648-8634

1 Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil 2 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Enfermagem, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil 3 Universidade do Grande Rio Professor José de Souza Herdy, Duque de Caxias, Rio de Janeiro, Brasil 4 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Resumo Enquadramento: A terapêutica medicamentosa hospitalar possui potencial para incidentes e, neste sentido, é preciso intercetar situações que possam comprometer a segurança do doente. Objetivo: Investigar as potenciais interações medicamentosas favorecidas pela sobreposição de medicamentos programados por enfermeiros nas prescrições de doentes numa unidade de internamento hospitalar. Metodologia: Estudo descritivo, transversal, de análise documental com abordagem quantitativa, de 260 prescrições medicamentosas de doentes adultos. As potenciais interações medicamentosas foram identificadas por meio da ferramenta Drug Interaction Checker (Medscape®). Resultados: Foram analisadas 3066 doses, com concentração de 4 horários, evidenciando uma padronização institucional de horários. A taxa de erros de omissão foi 5,44%. As interações medicamentosas com gravidade moderada foram as mais frequentes, destacando-se as combinações de lopinavir/ clonazepam e diazepam/tramadol. Conclusão: Os erros de omissão e as interações podem ser minimizados com ferramentas de apoio à decisão clínica e reconfiguração do processo de trabalho. Palavras-chave: segurança do paciente; erros de medicação; interações de medicamentos; sistemas de medicação no hospital; enfermagem Abstract Background: Hospital drug therapy has the potential for incidents, thus it is necessary to identify situations that may compromise patient safety. Objective: To investigate potential drug-drug interactions caused by the overlapping of medications planned by nurses in the patients’ prescriptions at a hospital inpatient unit. Methodology: Descriptive, cross-sectional study of documentary analysis with a quantitative approach, of 260 prescriptions for adult patients. Potential drug- interactions were identified using the Drug Interaction Checker (Medscape®). Results: A total of 3066 doses were analyzed, with a concentration of 4 schedules, showing an institutional standardization of schedules. The omission error rate was 5.44%. Drug-drug interactions of moderate severity were more frequent, especially lopinavir/clonazepam and diazepam/tramadol combinations. Conclusion: Omission errors and interactions can be minimized with tools to support clinical decision and reconfiguration of the work process. Keywords: patient safety; medication errors; drug interactions; medication systems, hospital; nursing

Autor de correspondência: Cintia Silva Fassarella E-mail: cintiafassarella@gmail.com

Recebido: 23.03.20 Aceite: 04.06.20

Resumen Marco contextual: El tratamiento farmacológico hospitalario tiene el potencial de provocar incidentes y, por ello, es necesario interceptar las situaciones que puedan comprometer la seguridad del paciente. Objetivo: Investigar las posibles interacciones de medicamentos favorecidas por la superposición de los medicamentos programados por los enfermeros en las recetas de los pacientes en una unidad hospitalaria. Metodología: Estudio descriptivo, transversal, de análisis documental, con enfoque cuantitativo, de 260 recetas de medicamentos de pacientes adultos. Se identificaron posibles interacciones entre los medicamentos mediante la herramienta Drug Interaction Checker (Medscape®). Resultados: Se analizaron 3066 dosis, con una concentración de 4 horarios, lo que mostró una estandarización institucional de los horarios. La tasa de errores de omisión fue del 5,44%. Las interacciones de medicamentos de gravedad moderada fueron las más frecuentes, de entre las cuales destacaron las combinaciones de lopinavir/clonazepam y diazepam/tramadol. Conclusión: Los errores por omisión y las interacciones pueden reducirse al mínimo con herramientas de apoyo a las decisiones clínicas y la reconfiguración de los procesos de trabajo. Palabras clave: seguridad del paciente; errores de medicación; interacciones de drogas; sistemas de medicación en hospital; enfermería

Como citar este artigo: Bueno, A. A., Caldas, C. P., Camerini, F. G., Fassarella, C. S., & Luna, A. A. (2020). Segurança do doente: potenciais interações medicamentosas favorecidas pela sobreposição de medicamentos programados pelo enfermeiro. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20038. doi:10.12707/RV20038

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Introdução A terapêutica medicamentosa no ambiente hospitalar apresenta-se num contexto em que a probabilidade de incidentes é grande. Assim, torna-se uma intervenção mais desafiadora a interceção de situações que comprometam um cuidado de qualidade, cujo objetivo é ter um efeito benéfico e livre de danos para a pessoa (Al-Ramahi et al., 2016). A administração de um medicamento de forma correta pode configurar-se como uma atividade simples, no entanto, um enfermeiro pode administrar mais de 100 mil fármacos durante toda a sua carreira. Assim, é difícil imaginar que não ocorrerão erros, sobretudo quando não há barreiras ou sistemas de prevenção (Duarte, Stipp, Cardoso, & Büscher, 2018). Vale ressaltar que, no Brasil, a equipa de enfermagem é composta por profissionais de nível superior e médio: enfermeiro e técnico de enfermagem, respetivamente. Ambos participam no processo de preparação e administração de medicação. Forte et al. (2019) analisaram 112 notícias dos erros exibidos nas reportagens jornalísticas e o principal erro apontado foi de medicação, com possível causa atribuída às condições de trabalho. O conteúdo das notícias é pouco explicativo, contribuindo para uma imagem negativa dos profissionais de saúde e deixando a sociedade insegura. Assim, trata-se de uma temática importante e é, de facto, um problema de saúde pública com discussão inadiável, pois possui elevada magnitude e transcendência (Ministério da Saúde, 2014). Nos Estados Unidos da América, estima-se que erros com medicamentos causam, no mínimo, uma morte por dia, envolvendo 1,3 milhões de pessoas anualmente e, em países subdesenvolvidos, estima-se que o impacto é o dobro em termos de número de anos de vida saudável perdidos. O custo desses erros foi estimado em US$ 42 biliões por ano ou quase 1% do total das despesas de saúde globais (Organização Pan-Americana de Saúde [OPAS], 2017). O presente estudo justifica-se por, recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) se ter posicionado quanto ao elevado número de erros de medicação, lançando em 2017 o Terceiro Desafio Global da Segurança do Paciente “Medicação sem Danos”, com o objetivo geral de reduzir em 50% os danos graves e evitáveis associados a medicamentos em todos os países nos próximos 5 anos (OPAS, 2017). Este Desafio Global prevê ações em quatro domínios: a) doente e público; b) profissionais de saúde; c) medicamentos como produtos; e d) sistemas e práticas de medicação para que o sistema de medicação apresente melhorias em cada estágio, incluindo prescrição, distribuição, administração, monitorização e uso. Com isto, a OMS viabiliza estratégias, planos e ferramentas para garantir a segurança do doente nas instituições de saúde (OPAS, 2017). Neste sentido, o objetivo geral deste estudo é investigar as potenciais interações medicamentosas favorecidas

pela sobreposição de medicamentos programados por enfermeiros nas prescrições de doentes numa unidade de internamento hospitalar.

Enquadramento James Reason, um psicólogo britânico, desenvolveu o Modelo do Queijo Suíço ao analisar inúmeros acidentes de aviação e indústrias nucleares, onde os sistemas complexos de aviação e usina nuclear preveem os factos e se antecipam por reconhecer o erro humano como possível. Reason notou que, apenas um erro na fase final de um processo é suficiente para gerar danos. E ainda que, quando ocorre, pode ser fruto de uma cascata de erros latentes nas etapas do sistema e que culminam num erro ativo (Ministério da Saúde, 2014). A relação entre os orifícios do queijo suíço e os erros ocorre quando estas falhas se alinham na trajetória do orifício sem a interrupção ou identificação do dano em potencial, o que aumenta a probabilidade de que uma situação errónea aconteça. Os profissionais são vítimas, tanto quanto os doentes, visto que as falhas latentes se tornam ativas sobre quem está na linha de frente (Ministério da Saúde, 2014). Esta abordagem sistémica foca a análise de cada fase do processo, identificando condições com potencial de erro para que este não se concretize. Sendo assim, o factor humano deixa ser a priori a causa e, portanto, conhecer o indivíduo que errou encontra-se em segundo plano. É preciso que as pessoas que compõem as instituições de saúde saibam reagir e gerir as consequências da pergunta: quem foi? (Correia, Martins, & Forte, 2017; Duarte et al., 2018). O erro, quando revelado numa abordagem sistémica, que entende o processo de medicação como um sistema composto por etapas, deixa de ter carácter punitivo por parte dos gestores e passa a ter carácter educativo, propiciando um ambiente de crescimento intelectual (Ministério da Saúde, 2014). Em grande parte, os erros estão associados a falhas no sistema, porém é preciso considerar que características peculiares dos profissionais geram riscos ao doente, influenciando a ocorrência de eventos adversos. E, diante de um facto considerado como iatrogenia, é preciso analisar de forma sistémica, entendendo as suas falhas, todavia, não desconectando a relação comportamental do indivíduo com a situação. Assim, um ambiente não penalizador não representa tolerância a ações intencionais de risco, onde os profissionais não cumprem as normas de segurança de forma proposital e/ou reincidente (Duarte et al., 2018).

Questão de investigação Quais são as potenciais interações medicamentosas favorecidas pela sobreposição de medicamentos programados por enfermeiros nas prescrições de doentes numa unidade de internamento hospitalar?

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Bueno, A. A. et al.

Metodologia Trata-se de um estudo descritivo, transversal, de análise documental com abordagem quantitativa para delinear o perfil dos horários das medicações prescritas em unidades de internamento hospitalar de um hospital universitário, visando identificar as sobreposições de medicamentos. Este estudo foi realizado em duas unidades de internamento hospitalar de um hospital universitário localizado no Rio de Janeiro, com um total de 26 camas. O perfil clínico-epidemiológico destas unidades inclui doenças infecciosas, doenças crónicas não-transmissíveis e oncológicas. O processo de medicação neste hospital é de unidose e ocorre da seguinte forma: o profissional médico promove a prescrição medicamentosa pré-digitada (prescrições feitas em computador e impressas), em duas vias, até às 10h e entrega ao enfermeiro do setor. Uma via é encaminhada para a farmácia e a outra, o enfermeiro realiza a programação manual dos horários com base na rotina institucional padronizada: 14h, 22h, 6h e 12h, 18h, 24h, 6h para medicações a cada 8 e 6 horas, respectivamente. Vale ressaltar que é prática comum na programação utilizar a prescrição anterior, no entanto, é dada ao enfermeiro a possibilidade de modificar os horários conforme a necessidade do doente, salvo situações em que o prescritor determina o momento da administração. No posto de enfermagem, após a programação, o técnico de enfermagem realiza a separação dos medicamentos numa bandeja, por horário e, em seguida, o enfermeiro administra-os ao doente, monitorizando os efeitos terapêuticos. Na farmácia, o farmacêutico faz a triagem da quantidade de medicamentos a ser enviada e o técnico de farmácia realiza a separação e distribuição das doses unitárias, ainda nas embalagens originais, separadas por doente num recipiente que é entregue nos setores às 14 horas para o período de 24 horas. Comummente, o enfermeiro confere os medicamentos de cada doente, dose a dose, e, quando não o pode realizar por diversos motivos, como o ritmo intenso do processo de trabalho, delega num técnico de enfermagem. Ao encontrar ausência, sobra ou troca de algum medicamento, durante a verificação ou em qualquer horário em que seja notada a não-conformidade, esta situação é sinalizada à farmácia. A amostra foi constituída por prescrições medicamentosas, no qual a unidade de análise foram os horários programados dos medicamentos. Para definição do cálculo amostral deste estudo considerou-se o número total de leitos existentes (26) e a baixa rotatividade dos doentes (100% dos leitos ocupados). Foi utilizada a calculadora estatística do Epi Info 7, versão 1.3.4, para o cálculo amostral com população finita. Adotou-se um nível de confiança de 95%, resultando em 257 prescrições. A seleção da amostra foi por conveniência. Os dados foram recolhidos através de um formulário semiestruturado que reuniu as seguintes variáveis: sexo; unidade de internamento; data de admissão; diagnóstico; medicamento; via de administração; número total

de medicações prescritas; número de medicações; frequência da omissão de dose; motivo da omissão de dose; total de medicamentos suspensos; motivos; presença de rasura na programação dos horários; rasura na prescrição; presença da assinatura do enfermeiro; presença do carimbo do enfermeiro; e tipo de prescrição. As visitas ocorreram durante 12 dias. As prescrições medicamentosas vigentes no dia de recolha de dados não foram consideradas, pois ainda estariam sujeitas a modificação. Assim sendo, a prescrição-alvo foi a do dia anterior à data da recolha, pois a mesma estava disponível no prontuário, para além de ter sido previamente avaliada pela equipa. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva: frequência, média e desvio-padrão. O programa Microsoft Excel®, versão 2010, foi utilizado para consolidação das variáveis, compondo um banco de dados, apresentados por meio de gráficos e tabelas. As potenciais interações medicamentosas foram identificadas a partir de pares de medicamentos programados com sobreposição, ou seja, no mesmo horário, por meio da ferramenta Drug Interaction Checker, disponível na base Medscape®. Este estudo foi aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa do hospital, com o número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 16581119.0.0000.5258. Somente após o deferimento para a execução da pesquisa e aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, se deu início à recolha de dados.

Resultados Esta pesquisa analisou 260 prescrições medicamentosas com um total de 3066 doses, as quais foram distribuídas equilibradamente entre os turnos, no entanto, houve concentração de quatro horários (10h, 18h, 22h e 06h) evidenciando uma padronização institucional de horários. A via oral foi a predominante (74%) seguida da endovenosa (21%). Nas prescrições analisadas, foram encontradas 189 doses omitidas. Os motivos para a omissão de dose foram: em 60,3% (n = 114) sem justificativas; em 22,8% (n = 43) não havia o medicamento ou não era padronizado; e em 5,3% (n = 10) o horário estava ausente. Ao aplicar a fórmula do indicador de taxa de erros na administração de medicamentos, sugerido pelo Programa Nacional de Segurança do Paciente (Portaria n. 529, 2013), foi encontrada uma taxa de erro de 5,44% (nº medicamentos administrados com erro de omissão (167) / nº total de medicamentos administrados (3066) x 100 = 5,44). Quanto ao tipo de prescrição, houve predomínio de prescrições pré-digitadas (n = 194, 74,61%), apenas três (1,15%) foram escritas à mão e 63 (24,23%) foram mistas (parte digitada e parte escrita à mão). Quanto às interações medicamentosas potenciais de menor gravidade destacaram-se os pares: ácido valproico/ isoniazida e carbonato de cálcio/aspirina, ambos com

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Bueno, A. A. et al.

19,7% (n = 12). Para gravidade moderada houve predomínio do lopinavir/clonazepam (11,9%; n = 26) e diazepam/tramadol (7,3%; n = 16). Por fim, as interações medicamentosas potenciais de risco grave foram isoniazida/omeprazol (12,3%; n = 44) e

com 2,8% (n = 10) rifampicina/dexametasona. Foram encontrados 342 pares com potencial para interação medicamentosa. A Tabela 1 demonstra a análise dos pares de medicamentos com potencial para interação medicamentosa mais prevalentes, classificados como menor, moderado e grave risco.

Tabela 1 Distribuição das principais potenciais interações medicamentosas classificadas como risco menor, moderado e grave Risco

Medicamento I

Medicamento II

n

%

Menor (n = 61)

Isoniazida

Ácido valpróico

12

19,7

Carbonato de cálcio

Aspirina

12

19,7

Moderado (n = 201)

Lopinavir

Clonazepam

26

12,9

Diazepam

Tramadol

16

8

Grave (n = 80)

Isoniazida

Omeprazol

44

55

Rifampicina

Dexametasona

10

12,5

Discussão A concentração das doses em quatro horários é um padrão deletério para uma assistência de enfermagem com qualidade, pois dificulta a monitorização das reações indesejadas, aumenta o tempo de preparação, exposição ambiental, atraso na infusão, probabilidades de interação medicamentosa, erros de medicação e a sobrecarga de trabalho. Os horários com elevada carga de doses no início dos turnos (10h e 22h) e no final (18h e 06h), definidos de maneira padronizada pela rotina institucional, repetem-se em diversos estudos (Henrique et al., 2017). Pereira et al. (2018) destacam que com muitas medicações num mesmo horário aumenta-se de forma expressiva o tempo de preparação e administração, comprometendo a estabilidade farmacológica. Outro problema é aumentar a exposição ambiental, com possibilidade de contaminação do interior dos dispositivos utilizados. No caso dos antibióticos, o atraso na infusão gerado pelo número excessivo de medicamentos num mesmo horário, pode comprometer a eficácia, promovendo a resistência do microorganismo ao princípio ativo, pois a posologia considera o tempo de semi-vida e de eliminação para a manutenção dos níveis plasmáticos até à próxima dose (Pereira et al., 2018). Estima-se, também, que a concentração de medicações no mesmo horário, aumenta a probabilidade de erros durante a preparação e administração dos medicamentos (Pereira et al., 2018) e dificulta a consulta de informações sobre os cuidados na preparação e administração de medicamentos. Um estudo identificou associação positiva (p = 0,003) entre a não disponibilidade de orientações impressas e a padronização dos mesmos horários com interações medicamentosas (Pereira et al., 2018). Magalhães et al. (2015) acrescentam que a preparação

de medicamentos ocupa um período de tempo considerável durante o serviço da equipa de enfermagem. Estima-se que 40% do tempo de trabalho da equipa de enfermagem em unidades de internamento hospitalar se refere ao processo de administração de medicamentos. Neste sentido, o elevado gasto de tempo com a terapia medicamentosa, somado à alta demanda de outras tarefas, gera um impacto negativo no cumprimento dos horários programados e nos registos de intercorrências pós-administração de medicamentos. As 114 doses omitidas (60,3%), sem qualquer registo ou sem justificativa da não administração, podem induzir outros erros potencialmente graves, como a administração duplicada do medicamento, e a interpretação equivocada da ação terapêutica que se espera para o medicamento, comprometendo a segurança do doente. A ausência do registo de verificação pode, hipoteticamente, significar duas situações previsíveis: o medicamento não foi administrado ou foi administrado e houve esquecimento de registo. Um estudo analisou 51 incidentes de um hospital privado de São Paulo e verificou que os erros de omissão foram os mais frequentes, ocorrendo em 31,5% dos incidentes notificados (Teixeira & Cassiani, 2014). Outra situação de terapia medicamentosa incompleta, diferente da omissão do registo, foram as 10 doses (5,3%) encontradas com horário ausente. Apesar de ser numa unidade de terapia intensiva, Ribeiro et al. (2018) encontraram resultados semelhantes ao analisar 362 prescrições, sendo 80,5% das programações de horários incompletas. No presente estudo identificou-se que 43 doses (22,8%) não foram administradas pela falta do medicamento na farmácia e/ou por não pertencer à lista padronizada do hospital. As prescrições analisadas foram do dia anterior à colheita de dados, significando que passaram 24h da

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sua validade e a questão não foi resolvida. Há situações clínicas em que é possível substituir o medicamento de primeira escolha por outro com mecanismo de ação semelhante, quando o primeiro é considerado não-padrão na instituição. Teixeira e Cassiani (2014) encontraram 6,9% (n = 119) de medicamentos não administrados por falta na farmácia. Na impossibilidade de distribuir uma medicação prescrita, a comunicação verbal e/ou escrita eficaz entre a equipa interdisciplinar envolvida no processo de medicação faz-se necessária. No caso de falta de um medicamento na farmácia, o farmacêutico deve informar as equipas de enfermagem e médica, bem como estes profissionais deverão retirar qualquer dúvida existente acerca da medicação, prescrita ou a prescrever, junto dos farmacêuticos. Um estudo verificou a comunicação entre 22 profissionais (enfermagem e farmácia, aleatoriamente) relativamente à administração segura de medicamentos de um hospital privado na Bahia e comprovou que 64% dos profissionais não analisam a prescrição a ser dispensada e, quando surgem dúvidas sobre medicações, apenas 50% dos funcionários recorrem ao farmacêutico (Oliveira, Oliveira, Portela, & Soares, 2017). A omissão de dose é um importante indicador de falhas organizacionais, seja na transição do cuidado, quando não é prescrito um medicamento que o paciente usava anteriormente à admissão; na farmácia, com erros na distribuição (atrasos, falta de medicamento na instituição, equipa reduzida, etc), ou na administração de medicamentos (ausência do doente no leito, défice de profissionais na equipa, instruções pouco claras na prescrição, causando má interpretação, ou gerar atraso na procura de informações; Ministério da Saúde, 2014). O indicador de taxa de erros na administração de medicamentos deste estudo foi de 5,44%, o qual pode ser considerado baixo quando comparado com outros estudos nos quais a taxa de erro na administração de medicamentos variou de 14,8% a 17,31% (Teixeira & Cassiani, 2014). Relativamente à estrutura das prescrições estudadas, um estudo verificou que o tipo de prescrição tem influência nos erros de prescrição. O potencial de erro na prescrição foi mais frequente na escrita à mão (2,96 vezes) e na mista (2,5 vezes), quando comparadas com a prescrição digitada. O uso do sistema de prescrição eletrónica, parece ter associação com a diminuição dos fatores de risco para erros de medicação, como ilegibilidade, uso de nome comercial e itens essenciais que proporcionam uma prescrição mais eficaz e segura (Volpe, Melo, Aguiar, Pinho, & Stival, 2016). As interações medicamentosas classificadas como de menor gravidade são quando a interação resulta em efeitos clínicos restritos. As manifestações podem aumentar a frequência ou intensidade dos efeitos adversos, mas geralmente não requerem uma alteração importante na farmacoterapia (Lima & Godoy, 2017; Drug Interaction Checker, 2019). As interações prevalentes nesta classificação foram os pares: ácido valproico/isoniazida e carbonato de cálcio/aspirina, ambos com 19,7% (n = 12). O ácido valproico e a isoniazida são medicamentos

altamente associados à hepatotoxicidade. Um estudo efetuado no banco de dados global da VigiBase da Organização Mundial de Saúde (sistema de notificação de eventos adversos), investigou a frequência de notificações de eventos hepáticos destas medicações na coadministração com outras, concluindo que estas podem modificar a segurança hepática dos medicamentos (Suzuki et al., 2015). A isoniazida pode causar lesão hepatocelular devido a fatores metabólicos e epigenéticos que aumentam com o envelhecimento, já o ácido valpróico causa toxicidade mitocondrial, particularmente em bebés e crianças (Suzuki et al., 2015). Outra interação medicamentosa com gravidade menor, conforme o Medscape®, foi entre o carbonato de cálcio/aspirina, verificando-se que, com essa combinação, os níveis de salicilato aumentam em doses moderadas (Drug Interaction Checker, 2019). Um estudo de coorte retrospectivo avaliou 275 doentes em hemodiálise na Cisjordânia, encontrando-se um total de 930 interações potenciais, sendo mais comuns o carbonato de cálcio e anlodipino (41,5%; n = 114 doentes), seguido de carbonato de cálcio e aspirina (27,6%; n = 76 doentes). Este resultado expressivo de interações potenciais está relacionado com o número de doenças, polifarmácia e idade do doente (Al-Ramahi et al., 2016). Quanto às interações medicamentosas com risco moderado, significa que a interação resulta em exacerbação do problema de saúde do doente e/ou requer uma alteração na farmacoterapia (Lima & Godoy, 2017; Drug Interaction Checker, 2019). A interação do lopinavir/ clonazepam, foi classificada como de risco moderado, o primeiro aumenta os níveis do segundo, afetando o metabolismo da enzima hepática CYP3A4 com potencial para aumento da toxicidade e aumenta o efeito sedativo. A recomendação é diminuir a dose do benzodiazepínico (Drug Interaction Checker, 2019). Outra combinação classificada como de risco moderado refere-se ao diazepam/tramadol, que são depressores do sistema nervoso central e cuja interação prolonga o efeito sedativo do primeiro e causa hipotensão arterial (Fuchs & Wannmacher, 2017). As interações identificadas como de risco grave, representam dano à vida e/ou necessitam de assistência médica para mitigar os efeitos prejudiciais, pelo que o seu uso simultâneo não é recomendado (Lima & Godoy, 2017; Drug Interaction Checker, 2019). A administração concomitante de omeprazol/isoniazida e a associação de rifampicina/omeprazol no presente estudo foram classificadas como de risco grave. O omeprazol é um inibidor da bomba de protões (H+) e da isoenzima hepática CYP2C19 e CYP3A4, na sua biotransformação (Fuchs & Wannmacher, 2017). Já a isoniazida, é um inibidor enzimático fraco da CYP2C19, esta inibição é um processo agudo e imediato e, com isso, aumenta o efeito do omeprazol ao afetar o metabolismo da CYP2C19. Clinicamente, a ação inibitória aguda da isoniazida sobre o omeprazol pode ser evitada caso o enfermeiro administre o medicamento com um intervalo adequado (Xavier, Kumar, Sundaram, Francis, & Shewade, 2016).

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Outra interação classificada como de alto risco, foi a associação da rifampicina e dexametasona. Esta associação acelera o metabolismo hepático deste último e, assim, reduz o efeito farmacológico. A expressão do CYP3A4 nos enterócitos pode ser induzida pela dexametasona e rifampicina. Esta indução por tais medicamentos pode afetar a farmacocinética de medicamentos administrados de forma concomitante por via oral (Negoro et al., 2016). Relativamente às limitações deste estudo, pode referir-se que, apesar do número expressivo de doses medicamentosas analisadas, os resultados obtidos não permitem generalização por serem obtidos em apenas duas unidades de internamento, podendo ocorrer resultados diferentes em outras realidades. Não é possível realizar inferências por ser um estudo descritivo e, também, outras variáveis não foram estudadas, como por exemplo as interações medicamentosas com os alimentos.

Conclusão Entre as 3066 doses medicamentosas analisadas, evidenciou-se uma concentração de quatro horários (10h, 18h, 22h e 06h), evidenciando uma padronização institucional de horários. A taxa de erros de omissão de doses administradas foi de 5,44%, demonstrando-se menor que em outros estudos. As interações medicamentosas com gravidade moderada, foram as mais frequentes, destacando-se as combinações de lopinavir/clonazepam e diazepam/tramadol. Entre as sobreposições classificadas como grave, as de maior frequência foram omeprazol/ isoniazida e a associação de rifampicina/omeprazol. Diante das obrigações legais e da importância da enfermagem para a segurança do utente, é possível adotar condutas que contribuam para a segurança do doente. Neste sentido, a equipa de enfermagem deve considerar o cuidado centrado no doente, uma comunicação verbal e escrita adequada entre os profissionais de saúde e a utilização de bases de dados como ferramenta de apoio à decisão clínica. Recomenda-se evitar a sobreposição medicamentosa, programar horários mais próximos às necessidades individuais, inclusive na preservação do sono, realização da dupla verificação para medicamentos de alto risco, elaboração de um guia de programação dos horários, bem como um ambiente reservado para a sua realização e melhor organização do ambiente de trabalho. Contribuição de autores Conceptualização: Bueno, A. A., Caldas, C. P. Tratamento de dados: Bueno, A. A., Caldas, C. P. Metodologia: Bueno, A. A., Caldas, C. P., Camerini, F. G., Fassarella, C. S. Supervisão: Caldas, C. P. Redação - preparação do rascunho original: A. A., Caldas, C. P., Camerini, F. G., Fassarella, C. S., Luna, A. A. Redação - revisão e edição: Bueno, A. A. B, Fassarella, C. S., Luna, A. A.

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ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Vivências dos adolescentes acerca das substâncias psicoativas e sua interface com género, políticas e media

Adolescents’ experiences of psychoactive substances and their interface with gender, politics, and the media Experiencias de los adolescentes con las sustancias psicoactivas y su relación con el género, la política y los medios de comunicación Camila Souza de Almeida 1 https://orcid.org/0000-0002-7032-0945 Francisco Carlos Félix Lana 2 https://orcid.org/0000-0001-9043-3181

1 Universidade do Estado de Minas Gerais, Divinópolis, Minas Gerais, Brasil

Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil 2

Resumo Enquadramento: O consumo de substâncias psicoativas por adolescentes pode acarretar danos, sendo esses relacionados com as condições socioculturais. Objetivo: Compreender as vivências dos adolescentes sobre os determinantes socioculturais do uso de substâncias psicoativas. Metodologia: Pesquisa de método misto, conduzida com adolescentes de Divinópolis, Minas Gerais. No eixo quantitativo (n = 303) aplicaram-se os módulos de uso de bebidas e drogas ilícitas da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. O eixo qualitativo (n = 18) foi preponderante e seguiu-se ao quantitativo. Realizou-se análise descritiva dos fatores associados para as variáveis quantitativas. No qualitativo analisaram-se os discursos com base na determinação social. Resultados: Os adolescentes que fazem uso de bebidas alcoólicas pretendem após o ciclo escolar continuar a trabalhar e estudar e tendem a fazer amizade com quem também faz uso. Quanto ao sexo, o consumo por mulheres não é socialmente aceite. As políticas públicas e os media não alcançam os adolescentes quando o assunto é substâncias psicoativas. Conclusão: Os adolescentes reproduziram o discurso do seu grupo social, demonstrando os preceitos éticos e morais da sua comunidade. Palavras-chave: comportamento do adolescente; drogas ilícitas; política pública; comportamento social; economia; identidade de género Abstract Background: Psychoactive substance use among adolescents can result in harm linked to sociocultural conditions. Objective: To understand adolescents’ experiences of the sociocultural determinants of psychoactive substance use. Methodology: Mixed-methods study conducted with adolescents from Divinópolis, Minas Gerais. In the quantitative axis (n = 303), the modules on the use of alcohol and illicit drugs from the National School Health Survey were applied. The qualitative axis (n = 18) was predominant and followed the quantitative axis. A descriptive analysis of the associated factors was performed for the quantitative variables. In the qualitative axis, the participants’ narratives were analyzed based on social determination. Results: Adolescents who drink alcohol intend to continue working and studying after finishing school and to have friends who also drink alcohol. As for gender, consumption among women is not socially accepted. Public policies and the media do not reach adolescents when it comes to psychoactive substances. Conclusion: Adolescents reproduced the discourse of their social group, demonstrating the ethical and moral precepts of their community. Keywords: adolescent behavior; illicit drugs; public policy; social behavior; economics; gender identity

Autor de correspondência: Camila Souza de Almeida E-mail: csalmeida_1@hotmail.com

Recebido: 16.03.20 Aceite: 15.06.20

Resumen Marco contextual: El consumo de sustancias psicoactivas por parte de los adolescentes puede causar daños, que están relacionados con las condiciones socioculturales. Objetivo: Comprender las experiencias de los adolescentes en cuanto a los determinantes socioculturales del uso de sustancias psicoactivas. Metodología: Investigación de método mixto, realizada con adolescentes de Divinópolis, Minas Gerais. En el eje cuantitativo (n = 303) se aplicaron los módulos de uso de bebidas y drogas ilícitas de la Encuesta Nacional de Salud Escolar. El eje cualitativo (n = 18) fue predominante y siguió al cuantitativo. Se llevó a cabo un análisis descriptivo de los factores asociados para las variables cuantitativas. En el cualitativo se analizaron los discursos basados en la determinación social. Resultados: Los adolescentes que consumen bebidas alcohólicas tienen la intención de seguir trabajando y estudiando después de la escuela y tienden a hacer amistad con los que también las consumen. En cuanto al sexo, el consumo por parte de las mujeres no está aceptado socialmente. Las políticas públicas y los medios de comunicación no llegan a los adolescentes cuando se trata de una sustancia psicoactiva. Conclusión: Los adolescentes reprodujeron el discurso de su grupo social, demostrando así los preceptos éticos y morales de su comunidad. Palabras clave: conducta del adolescente; drogas ilícitas; política pública; conducta social; economía; identidad de género

Como citar este artigo: Almeida, C. S. & Lana, F. C. (2020). Vivências dos adolescentes acerca das substâncias psicoativas e sua interface com género, políticas e media. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20035. doi:10.12707/RV20035

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Almeida, C. S. & Lana, F. C.

Introdução A adolescência é uma fase de intensas mudanças físicas e psicossociais, em que o adolescente deseja novas sensações e aprendizagens (Faria-Filho, 2014). O uso de substâncias psicoativas (SPA) pode despontar como uma dessas novas sensações. O seu uso encontra-se entre as principais causas de incapacidade e morte prematura no mundo, principalmente o consumo de álcool (Jones, 2016). O que determina o uso de SPA por adolescentes é uma das principais questões que devem ser analisadas quando se investiga sobre o consumo de bebidas alcoólicas e drogas nesta faixa etária. Para tal, deve ter-se em conta que os fenómenos de saúde e doença, e consequentemente do uso de SPA, fazem parte de um só processo, em que os fatores biológicos são influenciados pelas condições socioeconómicas e culturais nas quais os indivíduos estão situados de acordo com a sua inserção nos processos de produção e reprodução social (Almeida & Gomes, 2014). Assim, o fenómeno do uso de SPA deve ser analisado com base nas dimensões geral, particular e singular (Breilh, 2006). Tendo por base o que foi exposto é relevante que se compreendam as determinações do consumo de SPA na visão dos adolescentes, para que os programas governamentais e os meios de comunicação social consigam dialogar com a realidade destes. O presente artigo foi extraído de uma tese de doutoramento que contou com quatro capítulos, na qual se discutiram as determinações sociais do uso de SPA no quotidiano dos adolescentes. O capítulo que originou este artigo teve como objetivo compreender as vivências dos adolescentes sobre os determinantes socioculturais do uso de SPA.

Enquadramento O consumo de SPA ocorre em todas as culturas, sendo o álcool uma das principais substâncias utilizadas, causando graves danos à saúde a curto e a longo prazo (Liu et al., 2018). O seu uso por adolescentes é considerado elevado em países em desenvolvimento, como Brasil e China, sendo que na China, o consumo entre adolescentes de 12 a 17 anos, num período de análise de 30 dias foi de 42,2% (Liu et al., 2018). No Brasil, um estudo conduzido em Belo Horizonte, Minas Gerais, revelou um aumento do consumo de bebidas em binge drinking (consumo excessivo episódico) no período de 2010 a 2012, de 35,6% para 39,9% (Jorge et al., 2017). Ao analisar-se o uso das SPA a nível social, verifica-se que o álcool é permitido pela sociedade, mas o seu uso abusivo não. Já o consumo de drogas ilícitas é condenado e o consumidor estigmatizado socialmente. Tem-se, assim, que o uso abusivo de SPA pode ser tratado tanto como uma doença ou como um desvio moral, a depender da posição social do consumidor (Huang, Soto, Fujimoto, & Valente, 2014). Este facto, transforma o consumo passível de tratamento clínico e cria-se a necessidade da melhoria da saúde, mas culpabiliza apenas o indivíduo pelo seu mal.

Especificamente em relação aos adolescentes, a superexposição dos meios de comunicação social e as exigências da pós-modernidade fizeram com que se tornassem consumidores marcados por conflitos e necessidade de experimentação, ansiando serem aceites socialmente e responder às exigências do mercado consumidor (Souza & Silva, 2006). Assim, o consumo de SPA é um fenómeno multidimensional com vertentes económicas, sociais e culturais, e para analisá-lo é necessário englobar tanto as dimensões macrossociais quanto as singulares da determinação social. Compreende-se a dimensão macrossocial como o processo de saúde-doença a nível coletivo enquanto que a dimensão particular se desenrola nos grupos sociais e os processos singulares ocorrem no quotidiano dos indivíduos, com influência do seu genótipo e fenótipo (Lu et al., 2016). Assim, ao discutir-se o fenómeno do uso de SPA por adolescentes, dados meramente descritivos não conseguem abranger a complexidade do problema. A descrição estatística deve fazer-se acompanhar da compreensão em profundidade da problemática, uma sustentando a outra, considerando os fatores de uso, mas ao mesmo tempo discutindo as suas interfaces com os determinantes socioculturais e económicos em que se desenrola o fenómeno (Abeldaño, Fernández, Ventura, & Estario, 2013).

Questão de investigação Quais as vivências dos adolescentes sobre os determinantes socioculturais do uso de SPA?

Metodologia O presente estudo seguiu o método de investigação misto. Este tipo de investigação analisa tanto dados qualitativos como dados quantitativos. A estratégia adotada foi a exploratória sequencial, em que se priorizou o eixo qualitativo da investigação e os resultados de ambos os eixos foram integrados na interpretação dos dados com base no referencial teórico (Breilh, 2006). Uma forma de minimizar vieses e aumentar a validade do estudo foi através da realização da fase quantitativa primeiro, pois por se se tratar de uma temática sensível e envolta em tabus, muitos alunos poderiam sentir-se desconfortáveis em participar na parte qualitativa, expondo as suas vivências. Com a aplicação do eixo quantitativo primeiramente, criou-se confiança mútua, o que facilitou a realização das entrevistas semiestruturadas. Além disso, esperava-se com a análise dos dados quantitativos reconhecer lacunas e possíveis questões importantes para a fase qualitativa. O estudo foi conduzido com adolescentes que frequentavam o 9º ano do ensino fundamental na cidade de Divinópolis, Minas Gerais, Brasil. Justifica-se a escolha desta amostra por ter sido a mesma faixa etária utilizada pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015, cujos questionários relacionados com as informações gerais e com o uso de álcool e outras drogas foram utili-

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zados no eixo quantitativo do presente estudo (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2016). Quanto ao período de colheita de dados, este decorreu de maio de 2017 a março de 2018. Em relação às questões sobre a experimentação e uso de álcool, a PenSE de 2015 contém oito questões, que se referem ao adolescente já ter experimentado bebidas alcoólicas, se sim, qual foi a idade de experimentação, quantos dias de uso no mês, número de doses consumidas nos últimos 30 dias, forma de aquisição da bebida, problemas relacionados com o uso de álcool e sobre ter amigos que fazem uso de bebidas alcoólicas (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2016). O eixo quantitativo seguiu os mesmos critérios de amostragem da investigação original. O tamanho da amostra foi calculado para fornecer estimativas da prevalência do consumo de álcool nos últimos 30 dias por adolescentes do 9º ano, estimado em cerca de 23% para o Brasil (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2016). Considerando uma população de 3.000 alunos do 9º ano, com um erro amostral máximo de 5%, em valores absolutos, nível de confiança de 95% e efeito do plano amostral (efeito do desenho amostral de conglomerados) de 1,5, estimou-se uma amostra de aproximadamente 375 alunos do 9º ano, já considerando possíveis perdas. Considerando o número médio de 30 alunos por turma, estimou-se uma amostra de aproximadamente 13 escolas (= 375/30), distribuídas proporcionalmente entre os estratos de alocação de escolas públicas e privadas, sendo que aproximadamente 15% das turmas de 9º ano da cidade estavam em escolas privadas, contra 85% em escolas públicas. Desta forma, seguindo a distribuição proporcional, a amostra foi composta por duas escolas privadas e 11 escolas públicas. A escolha deu-se por sorteio simples aleatório. Considerando as recusas e perdas previstas, obteve-se um total de 303 respondentes nas 13 escolas selecionadas. A aplicação dos módulos ocorreu nas próprias instituições, sendo aplicado pela própria investigadora. Como critério de inclusão considerou-se: estar regularmente matriculado no 9º ano do ensino fundamental das escolas sorteadas e encontrar-se presente em sala de aula no dia marcado para a explicação do projeto, assim como no dia da aplicação dos questionários. Os critérios de exclusão foram: não estar presente no momento da explicação do projeto, assim como no dia da aplicação não estar em sala de aula. Para os adolescentes que possuíam alguma limitação para o autopreenchimento do questionário, solicitou-se aos monitores que os auxiliassem em local reservado a este fim, sem interferência de professores. Na análise dos dados quantitativos, primeiramente fez-se uma descrição geral das variáveis dos módulos aplicados, com distribuição de frequência, medidas de tendência central (média), variabilidade (desvio-padrão) e posição (mediana, mínimo e máximo). Num segundo momento associaram-se os fatores de uso de álcool por adolescentes, tendo como base o referencial teórico da determinação social (Breilh, 2006). A variável resposta utilizada foi “Alguma vez na vida você tomou uma dose de bebida alcoólica?”, categorizada em sim ou não. Já as variáveis

explicativas foram agrupadas em categorias de co-variáveis. Como o presente artigo é um recorte de uma tese, as covariáveis aqui analisadas serão: sexo; quando terminar o ciclo escolar o que pretende fazer (somente continuar a estudar/ somente trabalhar/ continuar a estudar e a trabalhar/ seguir outro plano/ não sabe) e possui amigos que bebem? (sim/não). Os dados colhidos foram armazenados e organizados numa folha de cálculo eletrónica e analisados com auxílio do programa estatístico STATA, versão 12.0. Logo depois, realizou-se análise descritiva de todas as variáveis estudadas e foi estimada a prevalência do consumo de álcool na vida com o respetivo intervalo de confiança de 95% (IC95%). Para avaliar possíveis fatores associados ao consumo, na análise univariada, usou-se o teste do qui-quadrado de Pearson. Em seguida, foi utilizado o modelo de Poisson com variâncias robustas, tanto simples como múltiplo. Para a análise das variáveis univariadas utilizou-se como referência um valor-p menor que 0,20. No modelo final permaneceram somente as variáveis com nível de significância igual ou menor do que 5%. Foram estimados os valores de razão de prevalência (RP), com IC95%. Após a análise dos dados quantitativos, seguiu-se a aplicação do eixo qualitativo, que foi o preponderante. Com base no referencial teórico e com as análises do eixo quantitativo já realizadas, elaborou-se um guião semiestruturado. Este, foi dividido em três partes: a primeira abordou a dimensão macrossocial, com questões sobre género, violência, meios de comunicação social e visões gerais sobre o uso de SPA; a segunda parte contou com questões singulares referentes à escola em que estuda, família, amigos, perceção sobre vizinhança e demais contactos sociais, e por último, a terceira parte incluiu questões sobre o próprio adolescente, em que se procurou entender o seu consumo de SPA, os seus sentimentos e vivências. Selecionaram-se as seis escolas com maior número de alunos que participaram na primeira etapa. As escolas que compuseram a seleção foram uma escola pública municipal, quatro escolas públicas estaduais e uma escola particular e logo depois sortearam-se três estudantes por instituição. Esta escolha teve como objetivo aumentar a diversidade dos olhares acerca do fenómeno, e se com os 18 alunos entrevistados não se alcançasse a saturação teórica e de dados, novas entrevistas seriam realizadas, no entanto obteve-se a saturação com o número inicial de entrevistas (Saunders et al., 2018). O critério de seleção dos participantes do eixo qualitativo foi ter participado no eixo quantitativo e encontrar-se na escola no dia marcado para a entrevista semiestruturada, no caso de o estudante sorteado não estar presente, um novo sorteio foi realizado. Os critérios de exclusão foram não estar presente no dia da entrevista ou encontrar-se noutra atividade didática. A colheita de dados ocorreu nas próprias escolas, em horário de aulas, em local privado. O tempo médio de entrevista foi de 25 minutos, utilizou-se gravador, com autorização dos participantes. Como forma de identificar os entrevistados utilizaram-se códigos alfanuméricos, sendo as letras M (masculino) ou F (feminino) seguido pelo número da entrevista. O diário de campo foi uma

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peça importante para a interpretação dos dados da investigação e para a sua discussão. Os resultados qualitativos foram interpretados por meio da hermenêutica-dialética, por compreender-se que o estudo deveria abarcar os sentidos dos adolescentes quanto ao uso de SPA e por se relacionar com o referencial teórico (Alencar, Nascimento, & Alencar, 2012). A trajetória deu-se pela seguinte ordem: ordenação dos dados, classificação e análise final, com todas as etapas dinâmicas e complementares (Alencar et al., 2012). A ordenação dos dados ocorreu com a leitura das entrevistas juntamente com a leitura do diário de campo. A classificação dos dados possibilitou a construção dos núcleos de sentido, em que se realizou a síntese horizontal e a vertical. A síntese horizontal permitiu observar as diferenças e igualdades nas falas dos entrevistados, já na vertical foi possível generalizar e ter uma ideia sobre a perceção de cada entrevistado. Em seguida, realizou-se a leitura transversal de todo o material, confrontando-o com o referencial teórico e o diário de campo. Com base nesta leitura construiram-se as determinações fundamentais, que consistiram num resumo das observações de campo de cada escola juntamente com a análise transversal e horizontal dos núcleos de sentidos. Com estas etapas, construiu-se a determinação geral fundamental de todas as entrevistas. Na análise final utilizou-se a estratégia exploratória sequencial, e os eixos quantitativo e qualitativo foram integrados e interpretados à luz do referencial teórico (Creswell & Clark, 2013). Após estas etapas, estruturaram-se três categorias, que originaram quatro capítulos na tese. O presente artigo discute o segundo capítulo e está estruturado em três subcategorias.

O presente projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (parecer nº 2.007.097). Os indivíduos selecionados assinaram o termo de assentimento livre e esclarecido e por se tratar de estudo envolvendo adolescentes, os responsáveis consentiram com a participação dos mesmos por meio do termo de consentimento livre e esclarecido. A pesquisa atende às determinações da Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde Brasileira.

Resultados O eixo quantitativo teve uma amostra representativa de 303 adolescentes que frequentavam o 9º ano do ensino fundamental em 2017, dos quais 54,7% (n = 158) eram do sexo masculino, com idade média de 14 anos. Quanto aos respondentes do módulo de uso de bebidas alcoólicas, 298 adolescentes responderam se alguma vez na vida tinham consumido bebidas alcoólicas, sendo que destes, 50,3% (n = 150) experimentaram bebidas alcoólicas na vida, com média de início de uso de 13 anos (12,8 ± 1,9). A tabela abaixo (Tabela 1) apresenta a análise univariada para os determinantes associados ao consumo de álcool, pertinentes para a discussão. Nesta análise verificaram-se associações entre consumir bebidas alcoólicas e pretensões pós conclusão do ciclo escolar, sendo que adolescentes que pretendem apenas trabalhar têm probabilidade 3,11 vezes maior de já ter consumido bebidas, assim como ter amigos que bebem eleva a probabilidade de consumir bebidas alcoólicas.

Tabela 1 Análise univariada da avaliação dos fatores associados ao consumo de álcool (n = 298) Frequência Total

Prevalência álcool

Valor-p*

RP† [IC95%]‡

Feminino

144 (47,7%)

66 (46,2%)

0,166

1

Masculino

158 (52,3%)

84 (54,2%)

Somente continuar a estudar

42 (14,2%)

9 (21,4%)

Somente trabalhar

19 (6,4%)

12 (66,7%)

3,11 [1,60; 6,06]

Estudar e trabalhar

180 (60,8%)

98 (54,7%)

2,55 [1,41; 4,63]

Seguir outro plano

17 (5,7%)

7 (41,2%)

1,92 [0,85; 4,33]

Não sei

38 (12,8%)

20 (55,6%)

2,59 [1,35; 4,96]

Não

24 (8,8%)

3 (13,0%)

Sim

249 (91,2%)

139 (56,0%)

Sexo 1,17 [0,93; 1,48]

Pretensão após ciclo escolar 0,001§

1

Amigos que bebem <0,001§

1 4,30[1,48;12,44]

Nota. *p = Percentil; RP = †Razão de prevalência; ‡IC95% = Intervalo de Confiança de 95%; § Diferença estatisticamente significativa após análise univariada.

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Na análise multivariada (Tabela 2), as variáveis pretensão após ciclo escolar e amigos que bebem continuaram associadas, sendo que a maior probabilidade de já terem feito o consumo de bebidas alcoólicas dos que preten-

dem trabalhar e estudar após o ciclo escolar (IC95% = 1,33;4,19). A associação entre beber e ter amigos que o fazem continuou substancial.

Tabela 2 Análise multivariada da avaliação dos fatores associados ao consumo de álcool, estudantes do 9º ano do ensino fundamental (n = 298) Variável

Valor-p*

RP† [IC95%]‡

Somente trabalhar

0,067

1,94 [0,95; 3,95]

Estudar e trabalhar

0,003§

2,36 [1,33; 4,19]

Seguir outro plano

0,141

1,82 [0,82; 4,05]

Não sei

0,011

2,30 [1,21; 4,38]

0,009§

1 3,87 [1,40; 10,66]

Pretensão após ciclo escolar Somente continuar a estudar

Amigos que bebem Não Sim

1

Nota. *p = Percentil; RP = †Razão de prevalência; ‡IC95% = Intervalo de Confiança de 95%; §Diferença estatisticamente significativa após análise multivariada.

Na segunda etapa (qualitativa) foram entrevistados 18 participantes, em que 50,0% (n = 9) eram do sexo feminino, com média de idade de 14 anos, e destes, 33,4% (n = 6) nunca experimentaram bebidas alcoólicas na vida, e em relação à dependência administrativa dos seis alunos que nunca experimentaram álcool, 66,6% (n = 4) eram de escolas estaduais. Quanto ao consumo de bebidas alcoólicas e género, 77,0% (n = 7) das raparigas já tinham consumido na vida e 55,5% (n = 5) dos rapazes já o fizeram. Nenhum dos entrevistados deste eixo da pesquisa relatou o consumo de drogas ilícitas. A primeira subcategoria denomina-se O imaginário social: género e o uso de SPA, em que se observou que o consumo de álcool pelas mulheres ainda é considerado um desvio em comparação ao consumo pelos homens. Percebeu-se o discurso padronizado de que não existem diferenças entre os sexos, mas encontraram-se contradições, quando estes mesmos adolescentes consideraram os episódios de uso de álcool pelas mulheres piores do que os mesmos episódios ocorridos com os homens. “Acho que para as mulheres veem (a sociedade) diferente, infelizmente. Porque tem aquela coisa da mulher não poder beber, não poder fazer nada de errado. Aí quando a mulher bebe acham errado!” (F14, novembro de 2017). “As meninas são piores que os homens. Bebem mais, dão mais trabalho. Todo mundo olha e pensa! Mulher tem que dar mais o exemplo!” (M15, novembro de 2017). O adolescente M15 estuda numa das escolas estaduais, num bairro próximo do centro, relata que a sua mãe faz uso ocasional de bebidas alcoólicas e apenas no domicílio, já o pai e o irmão fazem-no em maior quantidade. O adolescente possui uma família nuclear e no seu discurso reproduz a visão familiar quanto ao consumo de álcool pelas mulheres. Outro ponto abordado pelos adolescentes refere-se ao

machismo. As adolescentes F10 e F11 refletem sobre como o imaginário social permeia o fenómeno. Ambas advêm de uma classe social vulnerável, estudam na escola mais periférica incluída no presente estudo, consomem álcool e não possuem a presença da figura paterna. O pai de F10 estava preso na época da entrevista e o de F11 faleceu devido a um acidente ocorrido quando estava intoxicado por SPA. Não vejo diferença! Mulher bebe normal. Para mim é a mesma coisa, mas pensando assim... É mais feio para mulher, né? Por que é o machismo! Aí a mulher cai e fica feia na rua, agora para o homem é bonito ficar lá deitado no chão. (F10, novembro de 2017) “Eu acho que tem preconceito sim. Uma mulher que bebe muito é p***, né? Todo mundo fala, os homens é curtição” (F11, novembro de 2017). As falas das adolescentes demonstram como as experiências vivenciadas influenciam a perceção do fenómeno e, apesar do discurso da maioria dos adolescentes refletir que o consumo de álcool deveria ser tratado igualmente entre os sexos, as próprias relatam contradições quanto ao facto. “Para a menina é feio ficar tonta e cair no chão” (F7, novembro de 2017). “Ele (namorado) acha feio beber e cair. Aí eu evito” (F10, novembro de 2017). A adolescente F10 expõe que evita o consumo de álcool devido à vigilância do seu namorado, mesmo tendo relatado, como citado anteriormente, sobre como o machismo inibe o consumo de álcool pelas mulheres, mostrando assim a sua sujeição aos paradigmas sociais. A violência sofrida pelas mulheres devido ao consumo de SPA pelos companheiros também foi referida pelas adolescentes F10 e F11. A mãe de F10 trabalhava à noite e ao chegar a casa sofria agressões. Por que ele (pai) era possesivo de ciúme, aí as vezes

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ele chegava a agredir ela (mãe). Eu ficava triste, ficava tentando separar, pedia ele para parar. Só que não adiantava. Eu não dou conta de bater no meu pai. (F10, novembro de 2017) Já a adolescente F11 descreve que devido ao uso de SPA, o seu pai vendia os pertences da sua residência, levando mãe e filha a mudarem de cidade. Toda hora ele queria usar droga e tinha que arrumar dinheiro e aí ele vendia as coisas lá de casa. [...] chegou a separar [mãe separou do pai] só que ele roubava do mesmo jeito. Aí a gente mudou de cidade. (F11, novembro de 2017) A segunda subcategoria abordou como os adolescentes percebiam as leis e políticas sobre o uso e a venda de SPA. Como resultado, verificou-se que os adolescentes conheciam as leis que proíbem o uso de álcool por menores de 18 anos e a proibição do uso de drogas ilícitas. Eu sei que é proibido menor de 18 anos beber ou comprar bebida e coisa e tal. Agora de droga? Não! Sobre lei, nunca li um artigo, nunca li nada que proíbe o uso de droga e tal, mas eu sei da legislação que droga não é liberada, mas só também. (F10, novembro de 2017) Os adolescentes relatam que as leis no país não são aplicadas, pois existe facilidade na aquisição de bebidas alcoólicas. Eu acho que não é tão eficiente. Eu acho que deveria existir mais fiscalização, por que geralmente alguns jovens conseguem comprar, até mesmo com identidades falsas ou pedem adultos para comprar e depois pagar, então eu não acho tão eficiente. (M18, março de 2018) “Não funciona! Lá no meu bairro, meus primos bebem e vendem (drogas ilícitas) e são tudo menor de idade” (F7, novembro de 2017). As falas acima são de adolescentes tanto de escolas públicas como privadas, com realidades sociais diversas, sendo M18 de uma escola particular e com histórico de não uso de SPA, já F7 faz uso de álcool e mora num bairro periférico em que existe tráfico de droga. Em todos esses espaços os adolescentes percebem a facilidade da compra e consumo de SPA. A terceira subcategoria denomina-se Meios de comunicação social e o (des)serviço em relação às SPA. Quanto ao papel dos meios de comunicação social, os adolescentes acreditavam que as veiculações de propagandas contra o uso de drogas são ineficazes. Acho que não influencia não (ter propagandas), que não faz nada. Se quer fazer a pessoa parar (o uso) tem que explicar melhor, tem que entrar na cabeça dela. E só um comercial, sei lá! Teria que ser mesmo uma conversa para você entender a pessoa e a pessoa te entender, e o comercial não faz isso. (F14, novembro de 2017) A veiculação de publicidades sobre drogas ilícitas foi percebida como ineficaz pelos adolescentes. Eles acreditam que o uso de drogas é um caminho sem volta. Quanto aos anúncios publicitários de bebidas alcoólicas, estes foram percebidos como mais eficazes. Por exemplo, tem as empresas de álcool que são

bem mais populares que as propagandas contra. Você vê muita propaganda de álcool e pelo fato da marca te acompanhar muito tempo, acaba influenciando a pessoa a beber. Por que na TV parece uma coisa maravilhosa, sempre aparece uma mulher bonita, o cara ganha o que quer, aparece coisa divertida, mas na vida real não é assim [...]. Então as pessoas acabam acreditando naquela visão e acabam influenciadas. Por isso vão acabar entrando nesse mundo e não conseguem sair. (M6, novembro de 2017) M16 é um adolescente da escola particular, não consome bebidas alcoólicas e a sua família possui uma empresa. Este adolescente introduz uma visão dos anúncios publicitários de bebidas alcoólicas relacionados com a necessidade de venda do produto, relatando que o álcool é apenas mais um bem de consumo, por isso necessita de publicidade. É uma forma de divulgar. Acho que eles (indústria de bebidas) têm que divulgar. Eles não estão errados, tem que vender o produto. No comércio, eles precisam de vender, tanto que agora eles não estão mais tão apelativa igual antigamente. (M16, março de 2018)

Discussão No presente estudo houve associação entre o consumo de bebidas alcoólicas e continuar os estudos após o ciclo escolar, mas ao mesmo tempo trabalhar. Essas ações e pretensões futuras dos adolescentes reproduzem o que a sociedade espera deles, estando este enredado pelo poder dos meios de comunicação social e das forças mercadológicas (Souza & Silva, 2006). O continuar a estudar é importante por conferir a perspetiva de sucesso por meio de uma profissão, mas o facto de quererem trabalhar mostra que a inserção no mercado consumidor é importante, pois é por meio de uma fonte de rendimento que o ser humano se insere socialmente na pós-modernidade (Bauman, 2006). Outro ponto que merece destaque é a rede de amigos. Muitos adolescentes consumirão álcool por pressão dos pares (Huang et al., 2014). O significado social é o que torna um objeto útil a um certo grupo, tornando-se mais importante pelo seu valor simbólico do que pelas suas propriedades físicas (Jones, 2016). A necessidade de beber não está na qualidade do produto ou na necessidade do organismo, mas sim numa necessidade criada pelos meios de comunicação social e pela economia (Bauman, 2006). Ao discutir-se o consumo de bebidas alcóolicas por mulheres, o presente estudo verificou maior consumo pelo sexo masculino, o que não se verifica na PeNSE de 2015 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2016). Já a investigação realizada na Hungria corrobora o presente estudo (Varga & Piko, 2015). Apesar da elevada prevalência do uso no sexo masculino, não se verificou associação significativa entre o uso de álcool e a variável sexo. Uma possível explicação seria que o consumo de álcool pelos adolescentes possui outros fatores associados que são mais relevantes que o sexo, pois verificaram-se nas últimas décadas, mudanças comportamentais

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que aumentaram as oportunidades de consumo de álcool pelas mulheres (Faria-Filho, 2014). Mas, mesmo com as mudanças ocorridas e com a liberdade conquistada tem-se em torno destas um ideal construído culturalmente que dita quais as atitudes e papéis esperados, tendo-se uma dualidade, pois ao mesmo tempo que se espera que as mulheres sejam obedientes, ao mesmo tempo devem ser competitivas no mercado de trabalho (Faria-Filho, 2014; Machado & Boarini, 2013). Existem leis e políticas que garantem igualdade de género, mas que na prática não são legitimadas socialmente, e o mesmo ocorre com as do uso de SPA. Esta falta de legitimação ocorre devido à legalização ou proibição das drogas ou da perceção de igualdade de género depender das representações sociais e essas perpassarem pelo momento político e económico (Machado & Boarini, 2013). Os adolescentes apresentaram conhecimentos básicos sobre a legislação acerca das SPA, mas mesmo assim, faziam uso de álcool e demonstraram dificuldades em perceber os riscos associados. Um estudo realizado em Espanha com adolescentes mostrou resultados semelhantes (Suárez-Relinque, Arroyo, Ferrer, & Ochoa, 2017). A compra e uso de SPA por adolescentes é prática comum na cidade onde decorreu a investigação, o que pode ser analisado como uma falta de fiscalização. Em países como a Noruega, em que a venda de bebidas é controlada pelo governo, verificou-se uma redução do consumo nas últimas décadas (Hnilicová et al., 2017). O mercado, além de regular a aplicação das leis, tem forte influência dos meios de comunicação social. As entrevistas mostraram que os adolescentes acham ineficazes as propagandas de prevenção do uso de SPA. Estas, acabam por reforçar os estereótipos do consumidor de drogas, não discutindo o fenómeno de forma crítica (Hnilicová et al., 2017). Os anúncios publicitários de bebidas alcoólicas foram considerados mais atrativos. Esses anúncios vendem mais do que um produto, eles representam estilos, mostrando as bebidas como um produto democrático (Varga & Piko, 2015). Assim, os meios de comunicação social cumprem o seu papel de manter o imaginário social sobre o tema, através da micropolítica do poder. O presente estudo demonstra como os adolescentes compreendem o uso de SPA e as suas nuances. Ao dar voz a estes, é possível perceber que para mudanças efetivas de comportamentos nos jovens é necessário criar espaços em que se possam expressar. O que se tem na atualidade são políticas e campanhas publicitárias idealizadas e discutidas por adultos, sem a real perceção do jovem, e assim não se alcançarão objetivos como a diminuição do uso de SPA com as campanhas publicitárias. As limitações desta investigação estão relacionadas com ser um estudo baseado em autorrelatos sobre comportamentos de risco, o que pode levar à omissão ou subestimação dos relatos pelos participantes, seja por vergonha ou por medo da exposição. Como forma de amenizar possíveis omissões, os investigadores explicaram o projeto e garantiram o anonimato previamente nas escolas participantes. Outras limitações relacionam-se com o estudo ter ocorrido em escolas, apreendendo apenas a realidade dos adolescentes

que frequentam estes locais, deixando de captar a realidade dos que se encontram fora da sala de aula e, por fim, o estudo ocorreu apenas numa cidade, mas os seus resultados podem refletir a realidade nacional, principalmente devido aos resultados do eixo quantitativo terem grande similaridade com os da PeNSE de 2015.

Conclusão Os adolescentes reproduziram o discurso do seu grupo, assim, ao analisar estas falas, vislumbra-se a forma de pensar e agir de uma comunidade, assim como as suas estruturas e hierarquias, estando todas elas enredadas pelo fator económico e cultural que dita comportamentos por meio dos meios de comunicação social e demais instituições. Uma mudança nos discursos e ações destes jovens é possível a partir do momento em que se entendem as suas determinações sociais. Para isso, a promoção de ações a nível comunitário é importante, envolvendo todos os seus indivíduos, seja na escola, unidade de saúde ou igreja. Assim, ao reconhecerem-se os principais pontos de entrave social, a comunidade pode debater e propor ações que visem mudanças tanto do espaço físico como de empoderar os adolescentes acerca dos seus direitos e deveres. Com isso, podem requerer melhorias na comunidade e nas leis, fazendo valer o seu papel de cidadão. Essas mudanças macrossociais levam a uma ressignificação a nível singular, com transformações nos seus relacionamentos interpessoais e assumindo os seus deveres para uma melhoria social. Contribuição de autores Conceptualização: Almeida, C. S., Lana, F. C. F. Tratamento de dados: Almeida, C. S. Metodologia: Almeida, C. S., Lana, F. C. F. Redação - preparação do rascunho original: Almeida, C. S., Lana, F. C. F. Redação - revisão e edição: Almeida, C. S., Lana, F. C. F. Referências bibliográficas Abeldaño, R. A., Fernández, A. R., Ventura, C. P. , & Estario, J. C. (2013) Psychoactive substance use in two regions of Argentina and its relationship to poverty. Cadernos de Saúde Pública, 29(5), 899-908. doi:10.1590/S0102-311X2013000500007 Alencar, T. O., Nascimento, M. A., & Alencar, B. R. (2012). Hermenêutica dialética: Uma experiência enquanto método de análise na pesquisa sobre o acesso do usuário a assistência farmacêutica. Revista Brasileira em Promocão da Saúde, 25(2), 243-250. doi:10.5020/18061230.2012.p243 Almeida, M. R., & Gomes, R. M. (2014). Medicalização social e educação: Contribuições da teoria da determinação social do processo saúde-doença. Nuances: Estudos sobre Educação, 25(1),155-175. doi:10.14572/nuances.v25i1.2728 Bauman, Z. (2006). Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro, Brasil: Jorge Zahar. Breilh, J. (2006). Episteme e práxis social: Como se transformam, avançam ou retrocedem os conceitos cientificos. In J. Breilh (Ed.),

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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Vivências maternas em situação de morte fetal Mothers’ experiences of fetal death Experiencias maternas en situación de muerte fetal

Ana Maria Casalta Miranda1 https://orcid.org/0000-0002-8898-0511 Maria Otília Brites Zangão2 https://orcid.org/0000-0003-2899-8768

1 Barreiro/Montijo Hospital Center, Nossa Senhora do Rosário Hospital, Lisbon, Portugal

2 Comprehensive Health Research Center. University of Évora, Évora, Portugal

Resumo Enquadramento: Portugal regista uma taxa de mortalidade perinatal de 3,5% em 2019, verificando-se assim, um dos valores mais baixos nos últimos 10 anos. A morte fetal é uma das experiências mais traumáticas que a mulher pode experimentar. Objetivo: Analisar os sentimentos/vivências das mulheres em situação de morte fetal. Metodologia: Assenta num estudo transversal, descritivo com uma abordagem qualitativa. Amostragem não probabilística, de conveniência. Incluiu 10 entrevistas semiestruturadas a mulheres que vivenciaram morte fetal. Utilizado software IRaMuTeQ , versão 0.7 alpha 2. Resultados: As mulheres encaram a morte fetal como uma experiência dolorosa, é evidenciada a transmissão da notícia da morte fetal, como fria e pouco humana. Demonstram satisfação nos cuidados prestados pelos enfermeiros EESMO ao salientarem a componente relacional. As mulheres ressaltaram a falta de informação e de preparação para a alta. Conclusão: Desenvolvimento de atividades formativas direcionadas aos enfermeiros que contactam com situações de mulheres que vivenciam morte fetal, no sentido de realizarem uma prática baseada em evidências científicas, nomeadamente no que concerne à comunicação e relação interpessoal. Palavras-chave: enfermeiras obstétricas; período pós-parto; mulheres; morte fetal Abstract Background: In 2019, the perinatal mortality rate in Portugal was 3.5%, one of the lowest rates in ​​ the past 10 years. Fetal death is one of the most traumatic experiences that women can face. Objective: To analyze women’s feelings/experiences in situations of fetal death. Methodology: Cross-sectional descriptive study with a qualitative approach. Non-probability convenience sampling. Ten semi-structured interviews with women who experienced fetal death. IRaMuTeQ software, version 0.7 alpha 2, was used. Results: Women reported that fetal death was a painful experience and that the news of fetal death had been delivered to them in a cold and inhuman way. They were satisfied with the care provided by the nurses, and highlighted the relational component. They also pointed out the lack of information and the preparation for hospital discharge. Conclusion: Training activities aimed at the development of evidence-based practices should be implemented for the nurses who contact with women who experience fetal death, particularly regarding communication and interpersonal relationships. Keywords: nurse midwives; postpartum period; women; fetal death

Autor de correspondência: Maria Otília Brites Zangão E-mail: otiliaz@uevora.pt

Recebido: 19.03.20 Aceite: 04.06.20

Resumen Marco contextual: Portugal registró una tasa de mortalidad perinatal de 3,5% en 2019, una de las cifras más bajas de los últimos 10 años. La muerte fetal es una de las experiencias más traumáticas que una mujer puede experimentar. Objetivo: Analizar los sentimientos/las experiencias de las mujeres en situación de muerte fetal. Metodología: Se basa en un estudio transversal y descriptivo con un enfoque cualitativo. Muestreo no probabilístico y de conveniencia. Incluyó 10 entrevistas semiestructuradas a mujeres que experimentaron una muerte fetal. Se usó el programa IRaMuTeQ, versión 0.7 alfa 2. Resultados: Las mujeres consideran la muerte fetal como una experiencia dolorosa, se evidencia una transmisión de la noticia de la muerte fetal como fría y poco humana. Muestran satisfacción en los cuidados prestados por los enfermeros EESMO al destacar el componente relacional. Las mujeres resaltaron la falta de información y de preparación para el alta. Conclusión: Desarrollo de actividades formativas dirigidas a enfermeros que tienen contacto con mujeres que experimentan una muerte fetal, con el fin de realizar una práctica basada en pruebas científicas, concretamente en lo que respecta a la comunicación y la relación interpersonal. Palabras clave: enfermeras obstetrices; periodo posparto; mujeres; muerte fetal

Como citar este artigo: Miranda, A. M., & Zangão, M. O. (2020). Vivências maternas em situação de morte fetal. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20037. doi:10.12707/RV20037

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Introdução A morte fetal é uma das experiências mais traumáticas que os pais e famílias podem experienciar, trazendo muitas vezes graves alterações na vida da família (Binnie, 2020). As expectativas criadas durante a gravidez são de continuidade da vida e nunca de morte. Quando confrontados com uma morte fetal, o casal sente-se traído, enganado e fracassado. Os pais são impedidos de vivenciarem os sonhos, as fantasias e planos envolvidos na maternidade, de experienciarem este acontecimento de vida tão poderoso e carregado de afeto, quanto é o nascimento de um filho (Ferreira, 2019; Quintans, 2018). Os dados disponibilizados permitem verificar que nos últimos anos, particularmente desde 1980 que se tem assistido, em Portugal, a uma diminuição no número de mortes de fetos/recém-nascido. Em 2019, a taxa de mortalidade perinatal foi de 3,5% e a taxa de mortalidade neonatal foi de 1,9% (Pordata, 2020). Esta diminuição deve-se sobretudo ao avanço da tecnologia, uma vez que esta permitiu uma vigilância e rastreio atempado de complicações durante a gravidez. No entanto, as perdas gestacionais continuam a acontecer, envolvidas num quadro de dor e drama. A Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica apresenta uma função de destaque no decorrer do processo de uma morte fetal, sendo que os Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica (EESMO) têm alguma dificuldade em lidar com a morte num ambiente em que diariamente brotam novas vidas. O momento de comunicar à mulher/família o diagnóstico de perda gestacional torna-se muito delicado, na medida em que provoca ansiedade e insegurança no EESMO quando presente no momento da comunicação da má notícia (Alves, 2018; Binnie, 2020). O impacto da morte fetal, vai muito além dos pais, estendendo-se à família, amigos e aos EESMO, estes últimos encontram assim, dificuldades para abordar e até para empreenderem os cuidados necessários à mulher com morte fetal (Binnie, 2020). Neste sentido, é importante perceber quais os sentimentos das mulheres que passam por uma situação de morte fetal de forma a ajudar os Enfermeiros EESMO a adquirirem uma conduta que vá ao encontro dos cuidados adequados a estas mulheres. O objetivo delineado para este estudo foi: analisar os sentimentos/vivências das mulheres em situação de morte fetal.

Enquadramento O ciclo de vida humana compreende várias etapas, desde o desenvolvimento embrionário, passando pelo nascimento, a infância, a idade adulta e terminando, na morte, o fim da vida. Estas etapas são fenómenos universais, pessoais e únicos. A vida e a morte marcam presença na existência humana. Em algumas situações, a morte inverte a sequência lógica do ciclo vital, levando a perdas precoces, tais como aquelas que ocorrem durante

a gravidez (Quintans, 2018; Rocha, 2016). O conceito de morte fetal, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), consiste na morte anterior à completa expulsão ou extração de um produto da conceção do corpo da mãe, independentemente da duração da gravidez (World Health Organization [WHO], 2016). As mortes perinatais podem ser classificadas em três grupos (WHO, 2016): de acordo com o tempo - se a morte ocorreu no período pré-parto (antes do início do trabalho de parto), intraparto ou no período neonatal (neonatal precoce: até o dia 7 da vida pós-natal; ou neonatal tardio: dias 8 a 28 da vida pós-natal); de acordo com a causa da morte perinatal e ainda de acordo com a condição materna. Também Serrano, Centeno, e Ramalho (2018), associam as mortes fetais a três fatores principais, condições maternas, condições fetais e condições placentárias. Muitas destas perdas acontecem numa gravidez sem intercorrências, sem qualquer sinal prévio, levando ao aumento do choque sentido pelos pais perante a notícia da morte do filho, dificultando a aceitação do acontecimento. Esta morte inesperada ou inexplicada, é uma situação complexa e muitos fatores podem contribuir para a sua patogénese (Serrano et al., 2018). O modo de lidar com esta perda é influenciado por muitos aspetos da história reprodutiva do casal (Pontes, 2016). A morte fetal pode causar efeitos devastadores na saúde mental do casal, não só no momento da perda, como também em gravidezes posteriores à perda, em que o risco de complicações fetais está aumentado, assim como risco aumentado de morte fetal (Pontes, 2016; Serrano et al., 2018). Comunicar a notícia de morte fetal à mulher é um dos aspetos que os profissionais devem ter em atenção, pois esta deve ser clara e eficaz, respeitando os sentimentos da mulher. É necessário estar atento às técnicas de comunicação, nomeadamente ao tom de voz, que deve ser suave, porém firme, usando um vocabulário adequado ao nível cognitivo e socioeconómico da mulher. Por outro lado, é muito importante a verbalização da disponibilidade para o cuidado (Quintans, 2018). Todos estes aspetos são importantes para ajudar estas mulheres a ultrapassar o processo de perda de uma forma bem elaborada. O luto por um filho é marcado por muita culpa e revolta. O processo de luto e as respostas que este processo gera nas pessoas enlutadas, foi analisado por vários autores, desde Freud, até aos dias de hoje. O luto, nestas situações de perda, pode ser dividido em duas vertentes, uma como o estado de dor e sofrimento subsequente à perda e a outra vertente como o processo psicológico de elaboração da perda (Pontes, 2016). Todo este processo de luto é definido, como o “processo de resolver o luto, reação emocional para ajudar a ultrapassar uma grande perda pessoal, sentimentos de pena ou perda extrema, que se processam através do pranto e do nojo, trabalho consciente com reações e emoções de sofrimento” (International Council of Nurses, 2019). A intervenção de um enfermeiro EESMO reflete-se no cuidado disponibilizado à mulher, desde a admissão no

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serviço já com o diagnóstico de morte fetal, ou perante o diagnóstico realizado já em internamento, pela realização do parto e, depois, pela confrontação da mulher com o filho morto. A confrontação da mulher com o filho morto é, talvez, a fase mais complicada de todo o processo, pois a mulher tem sempre a esperança de que o seu filho afinal nasça com vida (Quintans, 2018). A intervenção do enfermeiro EESMO deve objetivar uma intervenção que ajudem no processo de adaptação de forma a contribuir para o bem-estar físico, psicológico e social da mulher, pois esta complexidão e exigência do fenómeno da morte fetal exige profissionais cada vez mais diferenciados no apoio a estas mulheres (Xavier, Nunes, & Basto, 2014).

Questões de investigação Quais os sentimentos/vivências das mulheres em situação de morte fetal? Quais os sentimentos das mulheres face aos cuidados que lhes foram prestados pela equipa de Enfermeiros EESMO antes, durante e após a vivência de morte fetal?

Metodologia Trata-se de um estudo transversal, descritivo com uma abordagem qualitativa. Este estudo foi realizado num Centro Hospitalar de Portugal em 2016, utilizando uma entrevista semiestruturada, a qual incluiu questões sobre os dados sociodemográficos e perguntas sobre a experiência vivenciada pela mulher perante a morte fetal, nomeadamente, quais os sentimentos que vivenciou quando confrontada com a notícia da morte do feto; quem comunicou a notícia e como foi abordada; como se sentiu com os cuidados prestados pela equipa de enfermeiros EESMO; quais os comportamentos/atitudes que acha que deveriam ser alterados. Obteve-se parecer positivo da Comissão de Ética para a Investigação nas Área de Saúde Humana e Bem-Estar da Universidade de Évora (Nº15008), e autorizações no Centro Hospitalar. Foram igualmente garantidas todas as condições de anonimato e de confidencialidade das respostas obtidas. As participantes receberam informação sobre o estudo, nomeadamente objetivo e contributos, tendo assinado o consentimento informado para a recolha e gravação da entrevista. A seleção da amostra foi realizada através do método de amostragem não probabilística, de conveniência (Marôco, 2018). Os critérios de inclusão foram: mulheres que experienciaram morte fetal, com idade gestacional superior a 13 semanas e que o parto tenha ocorrido no Centro Hospitalar nos 5 anos que antecederam o estudo, como critérios de exclusão não inteirarem os critérios de inclusão. Todas as participantes foram identificadas com base nos registos efetuados no bloco de partos do Centro Hospitalar, o convite foi endereçado via telefone e todas as que foram contactadas, aceitaram participar. As entrevistas foram realizadas numa sala do serviço de

formação do Centro Hospitalar, tiveram uma duração de aproximadamente 30 minutos, as quais foram gravadas e posteriormente transcritas. Durante a execução das entrevistas, foi preocupação do investigador a criação de um ambiente calmo e que fosse fora do ambiente do Bloco de Partos/Internamento e que possibilitasse uma expressão espontânea por parte das mulheres que vivenciaram o fenómeno. O período que mediou o fenómeno e a entrevista variou entre 2 meses a 5 anos. Após a transcrição das entrevistas na integra e para garantir a credibilidade e a fiabilidade foi pedida a cada uma das mulheres entrevistadas que lessem o relato transcrito, validando assim as transcrições efetuadas e a entrevista. O corpus foi organizado de acordo o protocolo de análise do software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) 0.7 alpha 2. Foi feita a codificação dos entrevistados (entre_01 a entre_10) e das variáveis (idade, estado civil, habilitações literárias e experiência de morte fetal anterior). O corpus analisado foi constituído por 10 Unidades de Contexto Iniciais (UCIs), cada entrevista é considerada uma UCI. Cada UCI iniciou-se com uma linha de comando definida: **** *entre_01 *id_3 *estcivil_4 *hl_6 *exp_2

Resultados A amostra foi constituída por 10 participantes, todas elas de nacionalidade portuguesa, com idades compreendidas entre os 26 e os 55 anos, a maioria (80%) encontrava-se na faixa etária dos 30 anos aos 39 anos. Analogamente ao seu estado civil, a maioria (80%) destas é casada. Em relação a ter outros filhos, apenas uma (10%) refere ter filhos. A maioria (80%) tem como habilitações literárias o Bacharelato/Licenciatura. Metade da amostra refere já ter experienciado anteriormente a perda gestacional e a outra metade refere ser a primeira experiência. As mortes fetais ocorreram, na sua maioria (90%), de forma espontânea, apenas uma (10%) derivou de uma interrupção médica da gravidez. As entrevistas analisadas foram constituídas por 103 Unidades de Contexto-Elementares (UCEs). Destas 103 UCEs, o software classificou 89 segmentos de texto, com um aproveitamento de riqueza de vocabulário de 86,41%, de onde emergiram sete classes por Classificação Hierárquica Descendente (Figura 1). Na visualização da Figura 1, é possível constatar que se formaram primariamente as classes 1 e 2. Posteriormente, surgiu a divisão das classes 3, 4 e 7, sendo que desta última emergiram as classes 5 e 6. A interseção das classes 3, 4 e 5 é bastante representativa da interligação entre o significado da morte fetal para a mulher e a reação destas mulheres perante a notícia de morte fetal. Embora mais ténue a interseção com a necessidade de apoio perante o confronto da notícia. Paralelamente, as classes sentimentos vivenciados pela mulher perante a perda e necessidade de apoio perante o confronto da notícia de morte fetal.

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Relativamente aos percentuais obtidos para cada uma das classes, verificou-se que a classe 5 abrange 16 UCE’s com uma percentagem de 18% de acordo com o total de UCE’s é a mais representativa; a classe 1 é composta por 15 UCE’s, representando 16,85%; segue-se a classe 4 com 14 UCE’s, representando 15,73%; a classe 2 incluindo 12 UCE’s, representando 13,48%; posteriormente as classes 6 e 7 com 11 UCE’s, cada representando 12,36% e por fim a classe 3 incluindo 10 UCE’s representando 11,24%. O processamento dos dados obtidos permitiu assim

agrupar o corpus do texto resultante das entrevistas nas seguintes sete classes, as quais foram nomeadas de acordo com a representatividade do conteúdo e das palavras mais evocadas: Classe 1 - Integrar a morte fetal; Classe 2 – Perceção de mulheres que vivenciam morte fetal sobre as atitudes dos profissionais durante o atendimento; Classe 3 – Reações da mãe à notícia da morte fetal; Classe 4 – Significado atribuído à morte fetal pela mulher; Classe 5 – Necessidade de apoio quando confrontado com a notícia; Classe 6 – Superação da morte fetal; Classe 7 – Sentimentos vivenciados em situação de morte fetal.

Figura 1. Dendrograma da Classificação Hierárquica Descendente.

Discussão Tendo por base o objetivo e o fenómeno (morte fetal), as sete classes foram nomeadas, surgem temas centrais com os quais será realizado o cruzamento com a literatura, dando sempre destaque às palavras com mais peso dentro de cada classe. Classe 1 - Integrar a morte fetal Cada vez mais a decisão de ter um filho acontece no momento considerado ideal, o que leva a criar expectativas elevadas na gravidez. Uma vez grávida, a mulher prepara-se durante 9 meses para receber o bebé com ansiedade e fantasia, sendo este o projeto mais importante da vida do casal (Ferreira, 2019). No decorrer do projeto de maternidade, não é contemplada a situação de perda, geralmente, após a aceitação da gravidez, só há lugar para felicidade, construção de sonhos e expectativas para acolher o novo membro da família, idealizado ao longo da gravidez. A contrastar com estas vivências, surgem

com a morte fetal: angústia, tristeza e desolação, quebra-se a possibilidade de viver a maternidade surgindo o fracasso (Camarneiro, Maciel, & Silveira, 2015). Torna-se, assim, difícil de explicar todas as incertezas, muitas vezes manifestadas pelas questões como, quando, porquê, queria muito esta gravidez e este filho planeamos tudo não era justo pensei que o meu corpo não era bom para gerar um filho não entendia é se ainda era nova porque o meu bebé tinha morrido eu consegui ficar grávida. (entre_10; julho de 2016) “O que tinha feito de mal para que tudo se repetisse porquê a mim foi difícil acreditar” (entre_02; julho de 2016). O que permanece na esfera do desconhecido e do obscuro fragiliza o mundo psíquico, daí, a mulher ter necessidade de conhecer e entender as causas da perda fetal chegando mesmo a questionar-se sobre os culpados, “revolta tristeza culpa incapacidade culpabilização o que fiz

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mal para não conseguir ser mãe pela terceira vez será um castigo sinto me incompleta como mulher” (entre_02; julho de 2016). Torna-se difícil aceitar a perda quando durante a gravidez tudo corre bem, o esperado seria o nascimento de um filho saudável, “a gravidez decorreu sem nenhuma intercorrência estávamos tão felizes tínhamos tudo preparado em casa nós queríamos muito este filho não era justo” (entre_09; julho de 2016). O facto de a gravidez falhar provoca na mulher uma enorme injustiça e dificuldade em lidar com ela, manifestando revolta até para com ela própria para com as pessoas mais próximas, nomeadamente, pais e marido (Alves, 2018). Esta revolta foi espelhada no discurso das mulheres entrevistadas, “achei que não fiz nada para merecer isto nem eu nem nenhuma mulher chorei muito sinto revolta contra tudo e contra todos neste momento estou zangada com todos comigo com deus com meu marido os meus pais” (entre_10; julho de 2016). Classe 2 - Perceção de mulheres que vivenciam morte fetal sobre as atitudes dos profissionais durante o atendimento O enfermeiro deve pôr de lado os seus próprios valores e crenças para conjuntamente com os outros elementos da equipa prestarem cuidados de qualidade a estas mulheres; proporcionar um ambiente seguro e adaptativo através da escuta empática e ativa; respeitar a sua cultura, raça, religião, valores e crenças; informar o casal sobre todas as questões referentes à situação; identificar pais e famílias em risco de desencadearem respostas não adaptativas à perda; ajudar o casal/ família a adaptar-se à nova situação, favorecendo a aceitação da perda (Alves, 2018; Pontes, 2016; Lei nº 156/2015 de 16 de setembro). As participantes sentiram acompanhamento de forma persistente e adequado por parte dos enfermeiros, simultaneamente com um elevado grau de sensibilidade às manifestações verbais e não-verbais da dor. É evidenciado que o cuidado emocional é a habilidade de compreender o impercetível nos cuidados que são prestados (Sequeira, 2016; Xavier et al., 2014), “foram muito sensatas e humanas senti que a componente humana e relacional se sobrepôs à parte técnica dos cuidados senti me acompanhada, mas nada preenchia o vazio que sentia é indiscritível a dor que se sente” (entre_04; julho de 2016). Foi igualmente valorizado ter sido facilitado o acompanhamento e o apoio emocional por parte do companheiro e da família. A presença de familiares e amigos é fundamental no apoio à mulher, principalmente no processo de luto (Rios, Silveira dos Santos, & Dell’Aglio, 2016). O progenitor é evidenciado como a figura fundamental, sendo importante a união do casal para que se apoiem mutuamente e encontrem forças para enfrentar a perda, conforme é referido pelas participantes, “estiveram presentes não me deixaram sozinha possibilitaram a presença do meu companheiro e a visita de uma amiga foram muito humanas quando o meu bebé nasceu perguntaram nos se gostávamos de ver o bebé senti muito apoio” (entre_03; julho de 2016).

Proporcionar ambiente seguro no sentido de resguardar as mulheres do choro dos outros recém-nascidos e da convivência com outras mulheres em trabalho de parto (Serrano et al., 2018), foi outra das condutas positivas por parte dos enfermeiros, conforme referido pelas mulheres, a equipa que me assistiu foi muito sensata colocou-me no último quarto onde me protegia do entra e sai de outras gravidas e puérperas estiveram sempre presentes deram me espaço para chorar desabafar e essencialmente quando não queria falar respeitaram. (entre_06; julho de 2016) No entanto, verificamos que houve algumas mulheres a quem este ambiente não foi proporcionado, dando a transparecer divergência nos cuidados e até mesmo insensibilidade, desumanização e uma má prática no cuidar. Cabe ao enfermeiro proporcionar essas condições, caso não existam, é imperativo adaptá-las para que as mulheres possam usufruir de privacidade na vivencia da situação, ouvia o meu companheiro dizer obrigada e eu só chorava relativamente ao ambiente . . . o local para um nascimento ouvia o gemer de algumas gravidas e até o choro de um bebé isto lembra-me muito bem foi difícil aquele choro. (entre_07; julho de 2016) Para além da dor emocional também a dor física, desencadeada pela indução do parto, deve ser contemplada na assistência à mulher. A dor física deveria ser evitada por ser considerada extremamente agressiva, já que a emocional não é possível evitá-la (Alves, 2018; Catlin, 2017). Foi ainda referenciada a valorização da dor emocional sentida com palavras de reforço positivo por parte do enfermeiro. Na abordagem a estas mulheres devem utilizar-se algumas frases “sinto-me triste por si”; “o que posso fazer por si?”; “Isto deve ser duro para si,” para desta forma a mulher sentir que valorizam a dor desmesurável que sente perante a perda (Jansson & Adolfsson, 2011), “como lhe deve custar ouvir chorar o bebé que acabou de nascer no quarto ao lado senti que aquela enfermeira percebia a minha dor quanto ao ambiente físico penso que não foi o adequado apetecia-me fugir dali” (entre_01; julho de 2016). Classe 3 - Reações da mãe à notícia da morte fetal Podemos dizer que a comunicação da notícia de morte fetal é sempre um momento angustiante para as mulheres que, ao confrontarem-se com a perda, chegam a questionar-se se é verdade o que lhes está a acontecer, parecem não entender o que lhes é comunicado, chegando mesmo a não acreditar no que estão a ouvir. O facto de a morte fetal ocorrer de forma inesperada e imprevisível contribui para aumentar o choque sentido aquando da comunicação da notícia da morte do filho (Pontes, 2016). Quando a notícia é transmitida de forma clara, direta, pode atenuar o choque, permitindo compreender melhor o que é comunicado, assim como a aceitação do fenómeno (Alves, 2018; Quintans, 2018), “foi dada pelo médico pareceu me bastante distante fiquei sem perceber se estava a ouvir bem a mensagem” (entre_04;

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julho de 2016). A maioria das mulheres, perante a confrontação com a notícia, desencadeiam uma reação de dúvida, descrença, incertezas, sendo difícil acreditar no que lhes é transmitido, chegando mesmo a questionar se não será engano, se o que estão a ouvir é mesmo verdade, trata-se da fase de choque, tornando por vezes difícil a assimilação da informação, devendo por isso ser dado tempo para a mulher poder interiorizar e se necessário reformular a informação (Pontes, 2016; Jansson & Adolfsson, 2011), “a minha reação foi de não acreditar pensei que um erro de diagnóstico não era provável estar a acontecer a . . . tenho dificuldade em definir choque, raiva, tristeza, angústia, revolta, perda, solidão, desinteresse, medo(entre_01; julho de 2016). Para algumas mulheres a ambição de ter um filho é tão grande, que mesmo na presença de sinais evidentes de ameaça da evolução da gravidez não acreditam que isso lhes vá acontecer. Mesmo perante sinais reais, entram em negação, como forma de defesa (Alves, 2018), a confirmação da notícia foi me dada pelo médico quando cheguei à urgência obstétrica por motivo de hemorragia abundante do segundo trimestre foi muito mau porque a confirmação do que eu não queria ouvir confirmou se quando o médico me observou e disse que não havia nada a fazer que o bebé não estava vivo. (entre_04; julho de 2016) Outras mulheres chegam mesmo a não acreditar, pondo em dúvida o diagnóstico apresentado, necessitando de outra opinião, querendo ouvir algo diferente que as satisfaça (Jansson & Adolfsson, 2011), “seguidamente o que estou a ouvir não é verdade enganaram se não tenho perdas não tenho dores não pode ser verdade vou procurar segunda opinião” (entre_06; julho de 2016). Alguns profissionais ao lidarem diariamente com estas situações, nem sempre contemplam a vertente emocional, tomando atitudes desadequadas no momento da comunicação da notícia, vendo a mulher como mais um caso clínico que é necessário tratar, referiu apenas que o bebé deixou de crescer e tinha morrido precisávamos de induzir e que geralmente para estas situações não existem causas aparentes se calhar era a natureza que se encarregava de resolver estas situações que alguma coisa não estava bem. (entre_10; julho de 2016). Classe 4 - O significado atribuído à morte fetal pela mulher Revela o corte com as expectativas concebidas naquela gravidez, uma vivência repleta de falta de sentido, transformando o sonho em pesadelo quando a gravidez não avança (Pontes, 2016). Ainda, neste âmbito, é referido que a morte fetal significa para a mulher a rejeição da sua capacidade de exercer o seu papel de mulher e mãe, podendo-se inferir dos excertos das participantes que a gravidez interrompida leva a uma maternidade interrompida (Pontes, 2016), “pois senti que para eles era só um problema obstétrico que era necessário tratar nada mais enquanto para mim foi perder uma parte de mim”

(entre_07; julho de 2016). Os desejos e sonhos da mulher em relação aquele filho são frustrados, impedindo-a de utilizar a sua capacidade maternal causando-lhe uma dor insuportável (Quintans, 2018), “foi a maior das desilusões foi como sentir o fim de tudo de todos os sonhos a perda do meu bebé mais uma vez tudo se desmoronou apoderou se de mim um sentimento de tristeza e culpa” (entre_03; julho de 2016). Classe 5 - Necessidade de apoio quando confrontado com a notícia Perante situações adversas, o ser humano necessita de apoio para puder enfrentar satisfatoriamente as dificuldades com que se depara. Durante a vigilância da gravidez e nas situações de recorrência à urgência por diferentes situações, nem sempre a mulher tem a possibilidade de se fazer acompanhar pelo companheiro ou por um familiar tendo, por vezes, que confrontar-se sozinha com notícias avassaladoras. De acordo com o referido pelas participantes podemos inferir que o facto de não terem o companheiro para partilhar a dor torna-se ainda mais difícil, chegando mesmo a sentirem-se desprotegidas (Alves, 2018), o médico que me seguia a gravidez na consulta às vinte semanas quando tentou ouvir o coração do bebé com o doppler não conseguiu tentou tranquilizar me mas em vão a revolta foi tao grande que nada nem ninguém me podia acalmar não conseguia parar de chorar se ao menos o meu marido pudesse ter ido comigo ajudava. (entre_03; julho de 2016) Assegurou, desta forma, o quão importante é a presença do companheiro no momento do confronto com a notícia, referindo ter sido facilitador. Vindo assim, a consolidar o quanto importante é ter alguém com quem partilhar (Alves, 2018), “fiquei sozinha um bocado com o meu companheiro choramos os dois sem dizer nada assim pudemos apoiar-nos só gostávamos que nos dissessem o porquê de terminar assim a nossa felicidade“ (entre_10; julho de 2016). Classe 6 – Superação da morte fetal Na vivência da morte fetal, não é só a morte do filho que têm de superar, é também a perda da esperança e da alegria que representava estar grávida (Quintans, 2018). É, pois, necessário vivenciar e partilhar ansiedades, tristezas e fantasias e emoções de forma a criar mecanismos saudáveis para a elaboração interior da perda, de forma, a facilitar um reajustamento do equilíbrio psicológico (Pontes, 2016), após o aborto passa a ser um assunto tabu não se toca no assunto é o pior que se pode fazer porque aquela gravidez existiu e ficam muitas idealizações em relação ao que poderia ter sido muito ficou por resolver. (entre_05; julho de 2016) Para além das idealizações que ficam por realizar, não menos importante é a falta de aceitação da perda por parte dos outros, impossibilitando as mulheres de partilhar sentimentos, angustias e fantasias com os familiares /amigos /sociedade (Rios et al., 2016), “todos sabem que

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estávamos grávidas, mas depois têm imensa dificuldade em aceitar o luto pela perda do filho, para os outros estes bebés não existiram não os sentiram até já se esqueceram” (entre_05; julho de 2016). A importância do suporte familiar e social face ao stress psicológico que acompanha estas perdas, é um fator de extrema importância para a resolução da perda. Também no contexto hospitalar, para além da importância de atitudes de suporte, disponibilidade e empatia, é igualmente importante o encaminhamento para sistemas de apoio emocional após a perda (Alves, 2018; Rios et al., 2016). As participantes referiram que esta conduta não foi contemplada nos cuidados “talvez faltem preocupação por parte da equipa de saúde quanto ao encaminhamento para vivenciar o processo de luto” (entre_04; julho de 2016). Classe 7 - Sentimentos vivenciados em situação de morte fetal Estes sentimentos levam a que muitas mulheres expressem sentimentos de revolta e desamparo. A perda de um filho provoca uma experiência devastadora para a mulher/família que a vivência (Rios et al., 2016; Rocha, 2016). Constatamos que as participantes experienciam sentimentos negativos, de forma confusa, como uma mistura de sentimentos difícil de descrever, é como se a vida lhes tenha pregado uma partida, lhes tivesse roubado tantos sonhos e esperanças, as tenha traído, interrogam-se porquê a elas? Sabe-se, no entanto, que as reações dependem inevitavelmente, da cultura e dos valores, das experiências e das características de cada individuo (Alves, 2018; Quintans, 2018; Rios et al., 2016), “o meu primeiro sentimento foi de desespero revolta e ao mesmo tempo de culpabilização questionar-me o que fiz de mal para me estar acontecer isto porque é que eu não mereço ser mãe” (entre_06; julho de 2016). Para além de todos estes sentimentos referidos pelas mulheres, é ainda mencionado que mesmo com o passar do tempo, as memórias, essas, permanecem vivas no quotidiano das mães, as mulheres conseguem reconstituir o acontecimento com exatidão mesmo que tenham passado alguns meses e até anos (Pontes, 2016), “um misto de sentimentos impotência revolta tristeza culpa e medo apesar de mais de uma década ter passado as memórias essas permanecem lembro-me como se fosse hoje“ (entre_04; julho de 2016). Verificámos que as mulheres ao não sentirem os filhos pensam inevitavelmente em perda, experienciando sentimentos de revolta e tristeza, necessitando de apoio individualizado por parte da equipa de saúde. Este estudo tem como limitações, o método de seleção da amostra e o desenho transversal, o que impossibilita fazer extrapolações para a população geral. Recomendam-se em futuras investigações, estudos com amostragem probabilística e com seleção de amostra aleatória. O mérito da atual investigação reside no fato de ter estudado uma temática difícil de ser abordada pelas mulheres e em que as pesquisas são escassas. Abre-se então um caminho para a realização de investigação mais abrangente.

Conclusão A problemática da perda gestacional foi o foco deste artigo. Nem sempre a gravidez culmina num final feliz, impossibilitando a mulher de vivenciar o sonho tão desejado da maternidade. Confrontar-se com a perda inesperada de um filho é uma experiência avassaladora. Muitas destas perdas surgem num contexto de uma gravidez sem intercorrências, e sem qualquer sinal de alerta. Apesar do reconhecimento desta problemática, quer a sociedade em geral quer os profissionais de saúde, não estão verdadeiramente conscientes das implicações e do significado que estas perdas produzem na mulher. Dos resultados do estudo, emerge a forma como as mulheres encaram a morte fetal, em que a apontam como uma experiência dolorosa. É evidenciado o momento como lhes é transmitida a notícia da morte fetal, de forma fria e pouco humana por alguns profissionais de saúde, por outro lado as mulheres demonstram satisfação nos cuidados prestados pelos enfermeiros EESMO ao salientarem a componente relacional. No entanto, estas mulheres ressaltaram que o momento da alta é desvalorizado, nomeadamente, a falta de informação e de preparação para a alta. Neste sentido, é de realçar a importância da atuação dos EESMO perante este fenómeno tão crítico na perspetiva de quem o viveu, tendo presente o que cada mulher vivenciou, disponibilizando mais atenção, assim como na forma de saber estar, no momento em que lhes é comunicada a notícia, tendo presente a multiplicidade de reações de forma a adequar as intervenções face às necessidades de cada mulher. Foi também possível compreender melhor a problemática da morte fetal, o que esta envolve, como ajudar estes pais a ultrapassarem o luto e a acreditarem que é possível conceber e dar à luz uma criança saudável. Sugere-se o desenvolvimento de atividades formativas, direcionadas para os enfermeiros que contactam com situações de mulheres que vivenciam morte fetal, no sentido de realizarem uma prática baseada em evidências científicas no que concerne, nomeadamente, à comunicação e relação interpessoal. Seria importante o desenvolvimento de novas pesquisas, de forma a poder haver uma generalização dos resultados. Manuscrito extraído do Relatório elaborado no âmbito do Mestrado em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica realizado na Universidade de Évora, Portugal. Contribuição de autores Conceptualização: Miranda, A. M., Zangão, M. O. Metodologia: Miranda, A. M., Zangão, M. O. Tratamento de dados: Miranda, A. M., Zangão, M. O. Escrita - rascunho original: Miranda, A. M., Zangão, M. O. Escrita - análise e edição: Miranda, A. M., Zangão, M. O.

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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Vivências paternas na realização da posição canguru com recém-nascidos de baixo peso

Fathers’ experiences using the kangaroo position with low-birth-weight infants Experiencias paternas en la realización de la posición canguro con recién nacidos de bajo peso Luisamara Leal Lopes 1 https://orcid.org/0000-0002-1293-8229 Alessandra Vaccari 2 https://orcid.org/0000-0003-0195-073X Fernanda Araújo Rodrigues 3 https://orcid.org/0000-0002-4679-0381 Silvani Herber 4 https://orcid.org/0000-0002-7067-0101

Centro Clínico Gaúcho, Porto Alegre, Brasil

Resumo Enquadramento: A posição canguru consiste em manter o recém-nascido em contacto pele a pele com mãe, pai ou cuidador eleito pela família. Os seus benefícios envolvem melhoria clínica e ganho de peso do recém-nascido. Objetivo: Descrever a vivência paterna durante a realização da posição canguru com o seu recémnascido de baixo peso. Metodologia: Pesquisa de caráter exploratório-descritivo, com abordagem qualitativa, realizada em neonatologia, na região sul do Brasil. As informações foram colhidas por meio de entrevistas semiestruturadas e submetidas à análise de conteúdo temática. Resultados: Participaram 5 pais. Foram construídas 3 categorias, que contemplaram a ambivalência de sentimentos; as facilidades e as dificuldades vivenciadas; e o fortalecimento do vínculo pai-filho. Conclusão: É possível transcender os resultados deste estudo e pensar na posição canguru como uma estratégia para o estímulo da interação e do vínculo entre pai e filho, pode efetivamente ser o desencadeador para o desenvolvimento da paternidade.

1

Departamento de Enfermagem Materno-infantil, Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil 2

3 Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

4 Serviço de Neonatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Brasil

Palavras-chave: método canguru; paternidade; recém-nascido; enfermagem neonatal Abstract Background: The kangaroo position consists of keeping the newborn in skin-to-skin contact with the mother, father, or caregiver elected by the family. Its benefits include the newborn’s clinical improvement and weight gain. Objective: To describe the fathers’ experiences using the kangaroo position with their low-birth-weight newborns. Methods: A descriptive exploratory research, with a qualitative approach, was conducted in a neonatal unit, in southern Brazil. Data were collected through semi-structured interviews, and a thematic content analysis was carried out. Results: Five fathers participated in the study, from which three categories resulted: the ambivalence of feelings; the ease and difficulty experienced; and the strengthening of the father-child bond. Conclusion: It is possible to go beyond the results of this study and consider the kangaroo position as a strategy to stimulate the father-child interaction and bonding, while effectively acting as a trigger for the development of fatherhood. Keywords: kangaroo-mother care method; paternity; infant, newborn; neonatal nursing

Autor de correspondência: Silvani Herber E-mail: silvanienfherber@yahoo.com.br

Recebido: 11.03.20 Aceite: 07.07.20

Resumen Marco contextual: La posición canguro consiste en mantener al recién nacido en contacto piel a piel con la madre, el padre o el cuidador elegido por la familia. Sus beneficios implican una mejora clínica y el aumento de peso del recién nacido. Objetivo: Describir la experiencia paterna durante la realización de la posición canguro con su recién nacido de bajo peso. Metodología: Investigación de carácter exploratorio-descriptivo, con un enfoque cualitativo, realizada en neonatología, en la región sur de Brasil. La información se recopiló mediante entrevistas semiestructuradas y se sometió a un análisis de contenido temático. Resultados: Cinco padres participaron. Se construyeron tres categorías, que contemplaban la ambivalencia de los sentimientos; las facilidades y las dificultades experimentadas, y el fortalecimiento del vínculo padre-hijo. Conclusión: Es posible trascender los resultados de este estudio y pensar en la posición canguro como una estrategia para estimular la interacción y el vínculo entre padre e hijo, puede ser efectivamente el detonante para el desarrollo de la paternidad. Palabras clave: método madre-canguro; paternidad; recién nacido; enfermería neonatal

Como citar este artigo: Lopes, L. L., Vaccari, A., Rodrigues, F. A., & Herber, S. (2020). Vivências paternas na realização da posição canguru com recém-nascidos de baixo peso. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20033. doi:10.12707/RV20033

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Introdução A posição canguru (PC) está contemplada no método canguru (MC), o qual é um modelo de assistência perinatal que visa a atenção humanizada e qualificada, além de reunir estratégias de intervenção biopsicossocial com uma ambiência que favoreça o cuidado prestado ao recém-nascido de baixo peso (RNBP) e à sua família. A PC consiste em manter o recém-nascido (RN) em contacto pele a pele em posição vertical junto aos pais ou demais familiares, o qual é realizado de modo seguro e supervisionado pela equipa de saúde (Ministério da Saúde [MS], 2017). A PC proporciona um melhor crescimento e desenvolvimento ao RNBP, pois auxilia nos ciclos regulares de sono profundo, reduz o tempo de agitação e choro, melhora o peso e a estimulação sensorial adequada do RN. Ainda auxilia no processo do aleitamento materno, pois a mãe sente-se mais segura quando está próxima do seu filho e a produção do leite é estimulada pelo contacto. Outros benefícios podem ser aferidos no RNBP, tais como: manutenção da temperatura corporal, melhora da oxigenação e a diminuição da dor causada por stresse ao RN (Tamez & Silva, 2017; MS, 2014). Os RN são classificados como RNBP quando ao nascimento o seu peso é menor que 2.500 gramas. Portanto, a maioria dos RNBP são prematuros. No Brasil, ainda ocorre um número elevado de nascimentos de RNBP, sem considerar a idade gestacional, o que constitui um importante problema de saúde, representando uma alta percentagem de morbimortalidade neonatal. Também, o nascimento prematuro tem implicações na imaturidade de todos os sistemas do organismo, gerando várias outras complicações, bem como internamentos prolongados. Por isso, o MS orienta que todos os RNBP sejam incluídos no MC para diminuir o tempo de internamento hospitalar e garantir o crescimento e o desenvolvimento adequados destes RNBP (MS, 2017; Tamez & Silva, 2017). A manutenção térmica proporcionada pela PC é fundamental, pois os RNBP possuem pouca massa muscular e menor depósito de tecido adiposo castanho para produção de calor. Desta forma, é necessário ter um ambiente aquecido até atingirem a capacidade de manter uma estabilidade térmica. O stresse pela hipotermia tem como consequências para o RN a hipóxia, acidose metabólica e hipoglicemia. Devido ao frio, é ainda comum ocorrer um aumento do metabolismo, o qual gera uma compensação de oxigénio e calorias (Tamez & Silva, 2017; MS, 2014). A partilha desta experiência pela mãe e pelo pai na PC, auxilia o casal a enfrentar o processo de recuperação do seu filho. É importante o apoio mútuo e a afetividade entre os pais e o RN no decorrer desta fase. O contacto com o RN gera segurança nos pais para realizar os cuidados e diminui os sentimentos de medo, angústia, tristeza e insegurança pelo internamento do filho, muitas vezes inesperado. Os profissionais de enfermagem e os pais devem estabelecer uma relação por meio da educação nos cuidados direcionados ao RN. Durante estes cuidados, inicia-se uma afetividade, o que gera mais segurança e dedicação. Neste sentido, a PC contribui para que o pai possa desenvolver a habilidade de cuidar do RN, além de desencadear a emoção de ser pai

e cooperar nos cuidados com o RN, iniciando também o desenvolvimento da paternidade. Desta forma, existem evidências em que quando o vínculo da paternidade não ocorre desde cedo, e se instala tardiamente, gera possíveis repercussões negativas no desenvolvimento psicológico da criança (MS, 2014; MS, 2017; Shorey, He, & Morelius, 2016; Palmeira & Scorsolini-Comin, 2018). Atualmente, a literatura descreve inúmeros benefícios para mãe e para o RN na realização da PC (Shorey et al., 2016). Porém, ainda são escassos os trabalhos que abordam a experiência paterna durante a prematuridade dos seus filhos, bem como na realização da PC e a sua influência na interação deste binómio (Darrif, Bortolin, & Tabaczinski, 2020). No entanto, a paternidade tem um papel fundamental em todo o processo, desde a gestação até à hospitalização do RN na Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN), devendo a sua participação ser priorizada e os seus sentimentos valorizados (Barcellos & Zani, 2017). Tal facto justifica a realização desta pesquisa. Deste modo, o presente estudo teve como objetivo descrever a vivência paterna durante a realização da PC com seu filho RNBP.

Enquadramento A paternidade transcende o aspeto biológico, podendo ser considerada como um processo que ocorre a partir de ações de cuidado envolvidas na relação entre pai e filho (Dal-Rosso, Silva, Pieszak, Ebling, & Silveira, 2019). Neste sentido, a paternidade não deve ser compreendida somente como obrigação legal, mas, principalmente, como um direito do homem em participar na decisão de ter ou não um filho, assim como do acompanhamento da gestação, do nascimento, do puerpério e da educação da criança (MS, 2018). Portanto, a relação afetiva entre o pai e o seu novo filho não é instantânea e deve ser compreendida como um processo contínuo. Assim, na estrutura familiar nuclear contemporânea, o pai deseja participar mais ativamente nos cuidados com o filho, tornando-se presente em diversos aspetos na vida da criança, exercendo assim a coparentalidade sobre a saúde e bem-estar do seu filho (Barcellos & Zani, 2017; Lopes, Santos, & Carvalho, 2019). Desta forma, quando o pai desenvolve mecanismos para suprir as necessidades físicas e emocionais do filho, o que inclui os cuidados com alimentação, higiene, saúde, amparo e afeto, ele desempenha um papel chamado de paternidade, que se caracteriza por um processo contínuo de aprendizagem desde os primeiros dias de vida do filho (Abade & Romanelli, 2018). Nesta lógica, a participação paterna não se resume ao apoio da puérpera. No caso de o RN ter baixo peso e/ou ser prematuro, o pai deve ser considerado figura central na UTIN, pois geralmente encontra-se na condição de tomar difíceis decisões pela companheira e pelo filho RN (Barcellos & Zani, 2017). Ainda, numa revisão desenvolvida por Darrif et al. (2020), revela que os pais (homens) vivenciam surpresa, medo e insegurança face ao nascimento de um filho com baixo peso ou prematuro, mesmo assim demonstram o sentimento de necessidade da sua inclusão nos cuidados com o RN

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dentro da UTIN, para a partir disso descobrirem o seu verdadeiro papel como pai. Neste contexto, reiterando o objetivo desta pesquisa, torna-se importante identificar a compreensão paterna quanto à PC, bem como estimular a sua realização, esclarecendo a relevância na promoção do vínculo pai-RN, assim como a contribuição para a recuperação do filho (Rolim et al., 2018). Assim, a interação do pai com o RN deve ocorrer o mais precoce possível. Neste momento, os profissionais de saúde, principalmente a equipa de enfermagem, devem entender a intersubjetividade da interação do pai com o filho. Além de acolher os seus medos e inseguranças face ao cuidado com o RN (Lopes et al., 2019).

Questão de investigação Quais são as vivências paternas durante a realização da PC com seus RNBP numa UTIN?

Metodologia Trata-se de uma pesquisa de caráter exploratório-descritivo, desenvolvida com abordagem qualitativa (Minayo, 2014). Tendo como objetivo a qualidade desta investigação, contemplaram-se as normas preconizadas pelas guidelines Consolidated criteria for Reporting Qualitative research (COREQ; Tong, Sainsbury, & Craig, 2007). O estudo foi realizado numa UTIN de um hospital privado da cidade de Porto Alegre, na região sul do Brasil. Ainda sobre o contexto do estudo, a instituição aplica a prática da PC com os pais e oferece um serviço de grupo de apoio aos pais de RNBP e prematuros desde 2004, no qual têm a oportunidade de trocar experiências sobre o seu filho com outros pais que vivenciaram uma situação semelhante. Os participantes do estudo foram selecionados de forma intencional com o auxílio da equipa de enfermagem e atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ser pai de RNBP; participar no grupo de pais de filhos RNBP da instituição; ter idade maior ou igual a 18 anos; e ter realizado a PC com o seu filho na instituição. Para a definição dos participantes, ainda se estabeleceu como critério de exclusão: pais com dificuldade de comunicação. Considerando a abordagem qualitativa, o número de participantes foi definido conforme o critério de saturação de dados, quando as informações fornecidas pelos participantes

passam a apresentar, na avaliação do investigador, uma certa repetição (Minayo, 2014). Frente a isso, o acréscimo de novas informações não alteraram a compreensão do fenómeno aqui estudado; portanto, foram incluídos na pesquisa cinco pais que realizaram a PC. A colheita das informações ocorreu em ambiente reservado, livre de perturbações e contou com as seguintes perguntas para caracterização dos participantes: idade, grau de instrução, profissão e número de filhos. Algumas das perguntas abertas elaboradas previamente sobre a temática foram: “Quais foram os seus sentimentos em realizar a PC com o seu RN?”, “Quais foram as suas facilidades e dificuldades encontradas ao realizar a PC?”, “Como você acha que a PC auxiliou no vínculo com seu recém-nascido?”. No entanto, considerando a realização de entrevistas semiestruturadas, a pesquisadora tinha flexibilidade para aprofundar o assunto, visando identificar as vivências paternas durante o momento da realização da PC com o RNBP. A participação na pesquisa ocorreu voluntariamente, mediante a aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para garantir o sigilo quanto à identificação dos participantes, os nomes dos entrevistados foram trocados por codinomes: P1, P2, P3, P4 e P5. As entrevistas foram gravadas em áudio, conforme autorização dos participantes, e transcritas na íntegra. Após a transcrição das informações, as entrevistas foram impressas e entregues aos participantes para leitura e validação do conteúdo. As análises das informações colhidas foram realizadas conforme a técnica de análise de conteúdo do tipo temática, seguindo as etapas preconizadas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação (Minayo, 2014). O estudo contemplou todos os aspetos éticos previstos na Resolução no 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde, a qual regulamenta as pesquisas com seres humanos. Ainda, houve a aprovação pelo Comissão de Ética e Pesquisa (CEP) de uma universidade da região do Vale dos Sinos no sul do Brasil com a numeração 979.099 e também pelo CEP da instituição hospitalar coparticipante, sob o no 627.537.

Resultados Participaram na pesquisa cinco pais que realizaram a PC, os quais eram adultos jovens, de classe média, com pouca ou nenhuma experiência paterna anterior, como observado na Tabela 1.

Tabela 1 Caracterização dos participantes da pesquisa Participante

Idade

Ocupação

Escolaridade

Filhos anteriores

P1

34 anos

Operador de produção

Superior incompleto

1

P2

32 anos

Corretor de imóveis

Superior incompleto

Nenhum

P3

25 anos

Educador físico

Superior completo

Nenhum

P4

29 anos

Autónomo

Médio completo

Nenhum

P5

42 anos

Analista de sistemas

Superior completo

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Após a sistematização das informações, as categorias construídas para expressar as vivências paternas durante a realização da PC foram: Ambivalência de sentimentos ao realizar a PC; Facilidades e dificuldades vivenciadas na realização da PC; e Fortalecimento do vínculo pai-filho. Ambivalência de sentimentos ao realizar a PC Esta categoria expõe os diversos sentimentos vivenciados pelos pais. No entanto, os sentimentos positivos foram os mais relatados. Logo, todos os participantes manifestaram interesse em dividir estes sentimentos e foi possível observar, por meio de sorrisos e gestos, a satisfação que os pais sentiram quando descreveram o momento em que ficaram com o seu filho nos braços a realizar a PC. Entre as respostas obtidas, o amor e o carinho foram os sentimentos mais relatados pelos pais neste estudo da prática da PC, porém três destes pais discorreram melhor sobre este sentimento. As falas apresentadas ilustram este aspecto: “Um amor, eu acho, que eu não experimentei até então, sabe? Um carinho, uma paz interior, eu consegui! Estar ali presente com ela, querer abraçar, ficar olhando, fazer carinho. Acho que a sensação principal foi de paz assim, sabe? Paz e afeto. (P3; maio, 2014) Muito amor! Algo que eu nunca senti, nunca senti, imaginei. Imaginava que ia ser ia ter bastante carinho assim, mas quando eu vi ela a primeira vez que eu peguei ela no colo, foi uma sensação que eu nunca senti na minha vida.(P4; maio, 2014) “A sensação que eu tive foi de troca e essa troca foi um sentimento de amor.”. (P5; mai, 2014) Ainda neste contexto, dois pais demonstraram sentimento de realização, conforme os depoimentos a seguir: “Foi único o momento!”. (P1; maio, 2014). “Foi uma das melhores sensações da minha vida.”. (P2; maio, 2014). Outro sentimento evidenciado foi o sentimento de proteção, pois, neste momento, o pai tem a oportunidade de ficar mais próximo do filho, acolhendo-o nos braços, conforme evidenciado na fala a seguir: “Foi uma sensação de como se eu a estivesse protegendo. A sensação principal é de amparo em relação ao RN, de aconchego. De tornar real todo aquele planejamento que aconteceu antes do nascimento” (P5; maio, 2014). No entanto, dois dos cinco pais relataram medo e insegurança ao realizar a PC: “A gente não sabia como era, foi uma gravidez bem complicada da minha esposa e a gente tinha bastante medo. Os prematuros são mais molinhos, então tu tem medo.”. (P1; maio, 2014) Eu tinha medo no início, mas logo que nasceu, a médica colocou ela no meu colo, eu já fui me adaptando. Eu fiquei um pouco inseguro por ser um ser assim muito frágil, e também inseguro de machucar de alguma forma, mas como o amor é tão grande, acaba superando essa insegurança. (P2; maio, 2014) Facilidades e dificuldades vivenciadas na realização da PC Todos os participantes do estudo demonstraram facilidade em realizar a PC com o seu filho. No entanto, apenas

um pai falou expressamente sobre o assunto, conforme evidenciado no trecho destacado: “Eu achei fácil, achei confortável, gostoso fazer carinho nela assim, e gosto quando ela fica tranquilinha assim no peito” (P3; maio, 2014). Neste cenário, em relação a possíveis facilidades, apenas um pai ainda referiu a sua vivência em relação às orientações da equipa de enfermagem quanto à realização da PC: “O pessoal [equipe de enfermagem] é maravilhoso ali [UTIN]” (P1; maio, 2014). Em contrapartida, apenas um dos pais relatou aspetos quanto às condições da unidade, como a acomodação física oferecida pela instituição para a realização desta prática: “A única dificuldade realmente aqui no hospital foi em relação ao local, à acomodação. Talvez em função de estar em uma cadeira” (P5; maio, 2014). Fortalecimento do vínculo pai-filho por meio da PC Em relação ao vínculo do pai com o RNBP ao realizar a PC, todos os pais consideraram que auxiliaram na aproximação entre pai e filho, porém três participantes discorreram melhor sobre o assunto. Os excertos a seguir demonstram tal vivência: “Eu acho que veio a fortalecer né? O vínculo já existia, desde o momento que eu acompanhei o nascimento. Na verdade, veio intensificar” (P5; maio, 2014). Eu acho que estimula, a fala estimula, conversar com ela, estar junto, em contato com ela, com certeza! Estar no colo, acho que estimula, porque ela vai se acostumando, eu tenho essa impressão. Ela pode estar chorando, mas ela vem no teu colo e fica olhando, observando e se acalma. (P3; maio, 2014) “Com certeza ajudou bastante. A gente vê que elas percebem. Elas conhecem o pai e a mãe pela voz.” (P3; maio, 2014).

Discussão Na categoria Ambivalência de sentimentos ao realizar a posição canguru, ficaram evidenciados os diversos sentimentos apresentados pelos pais. Tal resultado corrobora com outro estudo, o qual apontou que, devido à hospitalização de um RNBP, os pais vivenciam uma ambivalência de sentimentos, com alternância de sentimentos positivos e negativos (Fernandes & Silva, 2015). Diante destes sentimentos, percebeu-se que a PC gera sentimentos de imenso amor, além de fortalecer os laços afetivos entre pais e filhos, ampliando a intimidade entre eles. Assim, o suporte familiar é essencial para a recuperação do RN nesta etapa, pois amor, confiança e tempo são fatores indispensáveis para os pais se dedicarem a vivenciar este momento como uma prática para a melhoria clínica do seu filho (Jesus et al., 2015; Shorey et al., 2016). Atualmente, muitos estudos indicam a importância da presença paterna na vida dos filhos desde o nascimento, e também enfatizam os prejuízos que a ausência do pai pode gerar no desenvolvimento infantil (Palmeira & Scorsolini-Comin, 2018). Portanto, salientam-se os

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diversos benefícios existentes da prática da PC pelo pai, possibilitando ao mesmo vivenciar a paternidade de forma plena, significativa e consciente das suas atitudes e responsabilidades quanto ao cuidado (Lopes et al., 2019). Numa investigação semelhante também foram apresentados pelos pais sentimentos positivos na realização da PC com o seu RN; existiram ainda relatos de como a experiência foi maravilhosa para eles e o quão emocionados se sentiram (Jesus et al., 2015). Muitos pais choram de alegria e emoção ao segurar seu RN nos braços pela primeira vez, ao realizar a PC. A posição valoriza a participação do pai no processo de recuperação do seu filho, além de fazer com que ele se sinta útil nesta etapa. Para além de ser prazerosa, esta prática também desencadeia o sentimento de realização quanto à paternidade, conforme relatado por um dos pais. Este resultado vai ao encontro de estudos que evidenciam o desejo do pai de acalentar seu filho, transmitindo amor e aconchego ao seu filho através do contacto físico, da fala e toque, assumindo desta forma o seu papel na paternidade como indispensável na realização desta prática (Barcellos & Zani, 2017). Em relação aos sentimentos de realização e proteção relatados pelos pais, o nascimento de um filho pode gerar novos papéis tanto para a mulher quanto para o homem, os quais assumem uma função parental (Fernandes & Silva, 2015). Há evidências na literatura que relatam que, ao realizar a PC com o filho, o pai utiliza as sensibilidades tátil, olfativa, visual e auditiva, as quais promovem segurança e afeto ao RN (Lopes et al., 2019). Em oposição, a separação dos pais e do RN, logo após o nascimento, gera sentimentos negativos relacionados com questões sobre a sobrevivência do seu filho. Neste sentido, a PC também pode auxiliar o pai na superação dos sentimentos negativos relacionados com hospitalização do RNBP, a qual, frequentemente, ocorre por um período prolongado (Barcellos & Zani, 2017). Assim, pode ser natural que os pais demonstrem sentimentos negativos, angústias medos e insegurança em relação ao quadro de saúde do seu filho; para isso, são importantes as reuniões em grupo de pais a fim de clarificar possíveis dúvidas que a família apresenta. Neste contexto, destaca-se a relevância de um grupo de apoio, o qual pode apoiar o casal na superação do nascimento e da hospitalização do seu filho. Os grupos também proporcionam uma maior integração dos pais com a equipa de profissionais que está a cuidar do seu RN (Carvalho & Pereira, 2017). Já em relação à categoria Facilidades e dificuldades vivenciadas na realização da posição canguru, os cinco participantes compreenderam a realização da PC como uma prática fácil. Apesar disso, o cuidado com o filho na PC ainda se configura como um desafio para o pai, o qual está relacionado com fatores pessoais, sociais, culturais e institucionais (Lopes et al., 2019). Os cuidados com os filhos ainda estão intimamente ligados às características sociais de cada género e repercutem-se na condição de pai e na paternidade (Abade & Romanelli, 2018). A realização da PC pode diminuir esta divisão cultural, fortalecendo o vínculo entre pai e filho, instituindo o desenvolvimento da paternidade.

Uma das facilidades relatadas está relacionada com as orientações fornecidas pelos profissionais da enfermagem. Nesta lógica, também é fundamental que a equipa de saúde seja flexível para adaptação dos horários de permanência do pai, além de oferecer ambiente adequado para aproximação do pai e filho (Fernandes & Silva, 2015; Rolim et al., 2018). Neste sentido, ainda compete aos profissionais de saúde assinalar as mudanças ambientais e comportamentais necessárias para garantir um ambiente adequado e mais humanizado na assistência do RNBP e no acolhimento aos pais (Barcellos & Zani, 2017; Jesus et al., 2015; Soares, Christoffel, Rodrigues, Machado, & Cunha, 2015). No entanto, de uma forma geral, observaram-se fragilidades relacionadas com a acessibilidade dos pais ao serviço de saúde, principalmente pelo estabelecimento rígido de horários (Dal-Rosso et al., 2019). Sobre as possíveis dificuldades, um pai relatou a acomodação oferecida na unidade. No entanto, num estado semelhante, os progenitores relataram que não vivenciaram dificuldade em relação à permanência na UTIN e às suas condições estruturais; contudo, esses participantes ressaltaram que foram bem acolhidos pelos profissionais de enfermagem (Rolim et al., 2018). No presente estudo, o acolhimento e as orientações da equipa de enfermagem quanto à realização da PC foram relatados por apenas um participante. Na terceira categoria, Fortalecimento do vínculo pai-filho por meio da PC, percebeu-se que, da mesma forma que evidenciado em pesquisa recente, a realização da PC configura-se como uma estratégia que minimiza a distância entre pai e filho devido à hospitalização (Lopes et al., 2019). Assim, ao realizar a PC, além da aproximação afetiva ao filho, o pai está a ser inserido no cuidado, assumindo as suas responsabilidades no período pós-natal. Sabe-se ainda, que o exercício da paternidade é um processo vivido gradualmente pelos homens, não se trata de um atributo natural ou automático; e quanto mais cedo se iniciar o envolvimento do pai com o filho mais hipóteses existem de este pai assumir a posição da paternidade (Abade & Romanelli, 2018). Desta forma, o contacto pele com pele é um fator determinante para o desenvolvimento do vínculo entre pai e filho. A PC é considerada um cuidado essencial em UTIN, auxilia o pai a enfrentar de forma mais confiante os desafios emocionais agregados ao quadro de risco de saúde do RN (Barcellos & Zani, 2017; Medeiros & Piccinini, 2015). Neste contexto, a participação paterna também é fundamental para o processo de recuperação do RN e, portanto, o pai deve receber todas as orientações sobre o seu filho, incluindo a prática da PC e os demais cuidados com o seu RN (Barcellos & Zani, 2017; Soares et al., 2015). Ainda considerando a hospitalização do filho, existem registos de alguns pais que expressaram a necessidade de acolhimento por uma equipa de saúde sensível à efetivação das relações afetivas entre pai e filho (Rolim et al., 2018). Por fim, como limitações deste estudo aponta-se para a realização do mesmo numa instituição hospitalar privada que realiza periodicamente grupo de apoio, o qual inclui e

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auxilia os pais na superação das dificuldades relacionadas com o filho RNBP, facilitando o processo de paternidade. Portanto, não condiz na sua totalidade com a realidade de outros serviços. No entanto, este trabalho torna-se pertinente pois existe uma escassez de estudos que tratem as vivências paternas em relação ao nascimento prematuro e de RNBP, e principalmente as suas vivências relacionadas com a realização da PC.

Metodologia: Lopes, L. L., Vaccari, A., Rodrigues, F. A., & Herber, S. Redação - preparação do rascunho original: Lopes, L. L., Vaccari, A., Rodrigues, F. A., & Herber, S. Redação - revisão e edição: Lopes, L. L., Vaccari, A., Rodrigues, F. A., & Herber, S.

Conclusão

Abade, F., & Romanelli, G. (2018). Paternidade e paternagem em famílias patrifocais. Revista Estudos Feministas, 26(2), e50106. doi:10.1590/1806-9584-2018v26n250106 Barcellos, A. A., & Zani, A. V. (2017). Vivências do pai em face do nascimento do filho prematuro: Revisão integrativa. Journal of Health & Biological Sciences, 5(3), 277-285. doi:10.12662/23173076jhbs.v5i3.1198.p277-285.2017 Carvalho, L. D., & Pereira, C. D. (2017). As reações psicológicas dos pais frente à hospitalização do bebê prematuro na UTI neonatal. Revista da SBPH, 20(2), 101-122. Recuperado de http://pepsic. bvsalud.org/pdf/rsbph/v020n2/v20n2a07.pdf Dal-Rosso, G. R., Silva, S. O., Pieszak, G. M., Ebling, S. B., & Silveira, V. N. (2019). Experiências narradas por homens no exercício da paternidade: Rompendo paradigmas. Revista de Enfermagem da UFSM, 19(3). doi:10.5902/2179769228653 Darrif, L. D., Bortolin, D., & Tabaczinski, C. (2020). Prematuridade paternidade: Um estudo de revisão sistemática. Revista de Psicologia, 11(1), 93-99. doi: 10.36517/revpsiufc.11.1.2020.9 Jesus, N. C., Vieira, B. D., Alves, V. H., Rodrigues, D. P., Souza, R. M., & Paiva, E. D. (2015). The experience of the kangaroo method: The perception of the father. Journal of Nursing UFPE, 9(7), 85428550. doi:10.5205/1981-8963-v9i7a10626p8542-8550-2015 Medeiros, F. B., & Piccinini, C. A. (2015). Relação pai-bebê no contexto da prematuridade: Gestação, internação do bebê e terceiro mês após a alta hospitalar. Estudos de Psicologia, 32(3), 475-485. doi:10.1590/0103-166X2015000300012. Fernandes, N. G., & Silva, E. M. (2015). Vivência dos pais durante a hospitalização do recém-nascido prematuro. Revista de Enfermagem Referência, 4(4), 107-115. doi: dx.doi.org/10.12707/RIV14032. Lopes, T. R., Santos, V. E., & Carvalho, J. B. (2019). A presença do pai no método canguru. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, 23(3), e20180370. doi:10.1590/2177-9465-ean-2018-0370. Minayo, M. C. (2014). O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde (14ª ed.). São Paulo, Brasil: Hucitec. Ministério da Saúde. (2014). Atenção à saúde do recém-nascido: Guia para os profissionais de saúde: Cuidados com o recém-nascido pré-termo. Brasília, Brasil: Autor. Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_saude_recem_nascido_v4.pdf Ministério da Saúde. (2017). Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso-método canguru manual técnico. Brasília, Brasil: Autor. Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_metodo_canguru_manual_3ed.pdf Ministério da Saúde. (2018). Guia do pré-natal do parceiro para profissionais de saúde. Brasília, Brasil: Autor. Recuperado de http:// portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/agosto/22/PNP.pdf Palmeira, H. M., & Scorsolini-Comin, F. (2018). Reconhecimento tardio de paternidade e suas repercussões no desenvolvimento dos filhos. Vínculo-Revista do NESME, 15(2). doi:75d323ad165443c59fb-33bc Resolução no 510/2016, de 07 de Abril. (2016). Diário Oficial da

O objetivo da investigação foi alcançado na medida em que os pais descreveram as suas vivências paternas durante a realização da PC com o seu RNBP. Os depoimentos contemplaram os diversos sentimentos vivenciados pelos pais. Dentre eles, os sentimentos de amor, carinho, bem como o desejo de permanecer com o seu filho, superando o medo e a ansiedade. Evidenciou-se que, apesar de algumas dificuldades enfrentadas, a prática da PC trouxe benefícios, como o fortalecimento dos laços afetivos entre pai e filho, e o sentimento de pertença do pai face à situação do filho internado, ressignificando a paternidade. É possível transcender os resultados deste estudo e pensar na PC, como uma estratégia para o estímulo da interação e do vínculo entre pai e filho, pode efetivamente ser o desencadeador para o desenvolvimento da paternidade. Neste cenário, entende-se que a equipa de enfermagem desempenha um papel fundamental no encorajamento, na orientação e no auxílio à inclusão do pai na realização da PC, o que poderá possibilitar o aprimoramento dos cuidados prestados pelo pai ao filho; assim como o acolhimento do pai como membro fundamental na recuperação do filho e, posteriormente, ser mais ativo na sua educação. A PC é a principal estratégia utilizada pelo MC, política pública que objetiva os cuidados voltados para o neurodesenvolvimento saudável do RNBP, e que relaciona os resultados deste estudo, pode-se inferir que se torna mais forte o vínculo entre pai e filho, auxiliando no início da paternidade. Portanto, o MC pode ser considerada uma política pública destinada a estimular os cuidados paternos desde a UTIN, prevenindo a violência contra crianças e mulheres através do fortalecimento do vínculo, promovendo a igualdade entre os sexos e a paternidade responsável. Assim, os resultados podem contribuir para a reflexão dos profissionais, especialmente para a equipa de enfermagem, no que respeita à inclusão do pai como membro efetivo no cuidado, procurando qualificar a assistência ao RNBP. Além disso, o desenvolvimento de novos estudos, em diferentes cenários, pode contribuir para que os profissionais prestem um cuidado holístico ao RNBP, visto que a PC traz benefícios que vão além da melhoria do quadro clínico do RN, iniciando também a conceção da paternidade. Contribuição de autores Conceptualização: Lopes, L. L., Vaccari, A., Herber, S. Tratamento de dados: Lopes, L. L., Vaccari, A., Rodrigues, F. A., & Herber, S.

Referências bibliográficas

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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA

Enfermeiros entre os funcionários dos Hospitais da Universidade de Coimbra, 1779 a 1797: particularidades e implicações

Nurses in the staff of the Coimbra University Hospitals, 1779-1797: particularities and implications Enfermeros entre el personal de los Hospitales de la Universidad de Coímbra, de 1779 a 1797: particularidades e implicaciones Paulo Joaquim Pina Queirós1 https://orcid.org/0000-0003-1817-612X Patricia Domínguez-Isabel2 https://orcid.org/0000-0001-6894-2270 Blanca Espina-Jerez2 https://orcid.org/0000-0001-9961-072X Elisabete Pinheiro Alves Mendes Fonseca1 https://orcid.org/0000-0002-2566-8301 Sagrário Gómez-Cantarino2 https://orcid.org/0000-0002-9640-0409

Resumo Contexto: Os Hospitais da Universidade de Coimbra resultam da concentração de pequenos hospitais e são, nesta época, uma instituição de dimensões significativas. Nos finais do século XVIII, em pleno iluminismo, os hospitais vivenciaram um processo de transição para a modernidade. Objetivos: Descrever os funcionários que existiam nos Hospitais da Universidade de Coimbra nos finais do século XVIII. Analisar a evolução dos ofícios em presença e os seus posicionamentos relativos, com o foco nos enfermeiros. Metodologia: Análise histórica, partindo de fontes publicadas, considerando os contextos e as linhas evolutivas de longa duração, construindo uma síntese interpretativa. Resultados: Estamos em presença de quatro agrupamentos profissionais - cuidadores do corpo (enfermeiros, médicos e cirurgiões), cuidadores da alma (capelões e sacristãos), serviços de apoio (ajudantes, serventes, cozinheiros, roupeira, lavadeira, despenseiro), e Serviços de segurança (porteiros, guardas e tronqueiro). Conclusão: Verificou-se a presença de enfermeiros num processo de transição entre linhas de continuidade medieval, com enfermeiros-sangradores e enfermeiros-cozinheiros, e a diferenciação ascendente com enfermeira dos partos e descendente com ajudantes das enfermarias. Palavras-chave: história da enfermagem; hospitais; assistência pública

1 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal 2 Universidade de Castilla La Mancha, Faculdade de Enfermagem e Fisioterapia de Toledo, Espanha

Abstract Context: Resulting from the integration of small hospitals, the Coimbra University Hospitals were, at this time, an institution of significant size. At the end of the 18th century, during the Age of Enlightenment, hospitals were undergoing a process of transition to modernity. Objectives: To describe the staff of the Coimbra University Hospitals in the last decades of the 18th century and analyze the evolution of the existing professions and compare their salaries and positions, while focusing on nurses. Methodology: A historical analysis based on published sources, considering the contexts and long-lasting evolutionary lines while building an interpretative summary. Results: Four professional groups were found and divided into treatment of the body - nurses, physicians, and surgeons; treatment of the soul - chaplains and sexton; support services - assistants, helpers, cooks, laundry maid, washerwoman, despenseiro; and security services - doorkeepers, guards, and tronqueiro. Conclusion: It was possible to observe the presence of nurses during the transition between medieval continuity, with the continuance of bloodletting nurses and cook nurses, and the ascending differentiation of the delivery nurse and the descending differentiation of ward assistants. Keywords: nursing history; hospitals; public assistance

Autor de correspondência: Paulo Joaquim Pina Queirós E-mail: pauloqueiros@esenfc.pt

Recebido: 13.02.20 Aceite: 18.05.20

Resumen Marco contextual: Los Hospitales de la Universidad de Coímbra son el resultado de la concentración de pequeños hospitales y son, en este momento, una institución de dimensiones significativas. A finales del siglo XVIII, en plena Ilustración, los hospitales experimentaron un proceso de transición a la modernidad. Objetivos: Describir al personal que existía en los Hospitales de la Universidad de Coímbra a finales del siglo XVIII. Analizar la evolución de los oficios en presencia y sus posicionamientos relativos, centrándose en los enfermeros. Metodología: Análisis histórico, a partir de fuentes publicadas, se consideraron los contextos y las líneas evolutivas de larga duración, y se construyó una síntesis interpretativa. Resultados: Se encontraron cuatro grupos profesionales, cuidadores del cuerpo (enfermeros, médicos y cirujanos), cuidadores del alma (capellanes y sacristanes), servicios de apoyo (ayudantes, sirvientes, cocineros, guardarropa, lavandera, mayordomo) y servicios de seguridad (porteros, guardias y tronqueiro – guardia del albergue). Conclusión: Se verificó la presencia de enfermeros en un proceso de transición entre líneas de continuidad medieval, con enfermeros-sangradores y enfermeros-cocineros, y la diferenciación ascendente con el enfermero de partos y descendiente con los ayudantes de enfermería. Palabras clave: historia de la enfermería; hospitales; asistencia pública

Como citar este artigo: Queirós, P. J., Domínguez-Isabel, P., Espina-Jerez, B., Fonseca, E. P. A. M, & Gómez-Cantarino, S. (2020). Enfermeiros entre os funcionários dos Hospitais da Universidade de Coimbra, 1779 a 1797: particularidades e implicações. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20027. doi:10.12707/RV20027

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Queirós, P. J. et al.

Introdução O século XVIII português caracteriza-se por diversas linhas evolutivas de uma situação complexa em que se mistura as influências provenientes de outras nações europeias, por exemplo a Revolução Francesa de 1789-99, com acontecimentos relevantes no espaço ultramarino, como seja o florescimento do Brasil. Em Portugal aumenta a população, faz-se sentir a descoberta do ouro do Brasil, cresce o comércio e desenvolve-se o fomento agrícola, implementam-se industrias, desponta o movimento das luzes com efeitos concretos na segunda metade do século. Nestas circunstâncias, o país, oscila do absolutismo para o despotismo esclarecido. Transforma-se a sociedade em detrimento dos privilegiados a favor da burguesia. Um século marcado pela desunião, pela diversidade e por fortes mudanças socioeconómicas e culturais (Ramos, 2001). O século XVIII, entra na segunda metade, com a tragédia do terramoto de Lisboa em 1755, com repercussões em toda a nação, abrindo espaço à forte influência do Marquês de Pombal, verificando-se mudanças no ensino, reforma da Universidade de Coimbra, controlo da igreja pela realeza, perda de regalias e proventos eclesiásticos. O século XVIII, em Portugal, carateriza-se pela existência de “uma monarquia ora moderadamente despótica, ora ilustrada, ora híbrida (ou medianamente reformista), que teme e sente as primeiras ressonâncias ideológicas e militares da revolução gaulesa” (Ramos, 2001, p. 377). Na segunda metade do século XVIII, durante o reinado de D. José (1750-1777), com o Marquês de Pombal em primeiro-ministro, inaugura-se em Portugal a “intervenção reformadora e autoritária do Estado e do Governo em múltiplos domínios da sociedade” (Ramos, 2010, p. 377). Neste enquadramento, nas últimas décadas de oitocentos, encontramos os Hospitais da Universidade de Coimbra em funcionamento como hospital escolar, dependente da Universidade. Em 1772, com a reforma pombalina da Universidade de Coimbra “ao sistema de faculdades é agregado o conjunto de estabelecimento científicos, peça essencial da mudança. Manda-se criar o Hospital Escolar, o Teatro Anatómico, o Dispensário Farmacêutico…” (Gouveia, 1993, p. 439). Em Coimbra existiam, pelo menos desde a baixa idade média, vários hospitais, alguns ainda antes da nacionalidade, como é o caso do Hospital de Milreu. Este, teve origem pelos anos 1064/1093, e funcionou autonomamente até 1526. Outros, surgiram logo nas origens de Portugal, como sejam, a título de exemplo, o Hospital de S. Nicolau (1144/1150 – 1504/1537), o Hospital S. Lázaro (1209/1210 – 1836), o Hospital Santa Elisabete da Hungria (1328/1333/1336 – 1559, data em que ruíram as instalações), ou ainda Hospital de Nossa Senhora da Vitória em 1367. Remonta a D. Manuel I, 1504, a iniciativa de concentração numa só instituição, de pequenos hospitais e albergarias existentes em Coimbra. Dessa iniciativa chega-nos um primeiro regimento do então designado Hospital Real, de 22 de outubro de 1508, posteriormente ampliado em 1510. D. Manuel “imprimiu uma nova fisionomia urbana a Coimbra, ao fundar o Hospital Real…” (Coelho, 1996,

p. 225). Segundo Coelho, “Coimbra teria conhecido ao longo da Idade Média umas vinte e sete confrarias urbanas, treze albergarias, catorze hospitais e um gafaria de iniciativa real.” (Coelho, 1996, p. 227). Da nacionalidade até aos finais do século XV, a assistência pública fazia-se em albergarias, destinadas a peregrinos e a fazer muitas vezes funções de abrigo e hospital, em hospitais, desde cedo ao lado ou não de albergarias, em gafarias, muito numerosas até ao século XIV, e em mercearias, destinadas à proteção de pessoas honradas, mas empobrecidas (Neto, 1989). Sobre o enquadramento dos hospitais medievais sabemos que “era em casa que as pessoas se tratavam, não existindo hospitais tal como hoje se entende” (Oliveira, 2015, p. 181). Como refere Foucault “o personagem ideal do hospital, até o século XVIII, não é o doente que é preciso curar, mas o pobre que está morrendo. É alguém a que se deve assistir material e espiritualmente” (Foucault, 1984, p. 100). Chegamos a meados do século XVIII, na cidade de Coimbra, com três instituições hospitalares: o Hospital Real, o Hospital de S. Lázaro e o Hospital da Convalescença. Segundo Lopes (2000) o Hospital Real e o Hospital da Convalescença funcionavam no mesmo espaço, na Praça de S. Bartolomeu, e fora de portas o Hospital de S. Lázaro, na periferia urbana. O Hospital Real também é conhecido por Hospital Novo, Hospital de D. Manuel, Hospital da Cidade, Hospital da Praça, Hospital de S. Bartolomeu, Hospital de Nossa Senhora da Conceição, Hospital da Conceição. Em 1512 o rei D. Manuel encarrega à Misericórdia de Coimbra a administração do Hospital Real. O que é certo, é que a Misericórdia nunca chegou a tomar posse do hospital, sendo que D. João III, em 1530, entregou o Hospital aos cónegos seculares de S. João Evangelista, conhecidos por Loios. Estes estiveram à frente do hospital até 1772, com um curto interregno de 1741 a 1743. A partir de 1769, a procuradoria do hospital, deixa de pertencer à congregação dos Loios e, em 1772, o Marquês de Pombal ordena o sequestro de todos os seus bens e rendas, e a sua entrega à junta da fazenda da Universidade. Atente-se à política do Marquês de Pombal sobre a saúde pública, o seu provedor-mor da saúde, em Ordem Régia, de 12 de dezembro de 1776, escreve: A saúde pública foi sempre um dos primeiros e mais importantes objetos da consideração em todas as nações mais iluminadas do mundo político, para estabelecerem, como têm estabelecido, as mais prontas e mais eficazes providencias, com que se conservassem os povos respetivos na maior felicidade que toda é dependente da mesma saúde pública. (Ordem Régia, 1776, p. 558) Em 15 de abril de 1774 o Hospital Real é definitivamente entregue à Universidade de Coimbra. Em 1779, as instalações do Hospital Real foram transferidas para o Colégio de Jesus, na Alta de Coimbra (Lopes, 2000). Em relação ao Hospital da Convalescença, embora existissem anteriores intenções de criar um hospital para convalescentes, e de doações testamentárias nesse sentido, só em 1764, este hospital, se estabelece totalmente à parte do Hospital Real.

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Queirós, P. J. et al.

O Hospital de S. Lázaro, como já referido é uma instituição antiga, permanece na mesma zona, fora de portas, até 1836, mas em 1774, em provisão de 15 de abril, é integrado nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC). Refira-se, ainda a existência no espaço urbano de Coimbra, de uma albergaria para pedintes, instalada no piso baixo do Hospital Real, designado por Tronco e conhecida também por Hospital de Baixo para depois da segunda metade do século XVIII ser designada por Hospital Velho (Lopes, 2000). Foucault considera que os hospitais medievais seriam “uma espécie de instrumento misto de exclusão, assistência e transformação espiritual” (Foucault, 1984, p. 100). Partindo desta apreciação, sobre a evolução dos hospitais até ao século XIX, Ferraz afirma que “estas características mantiveram-se até ao início do século XVIII, quando surgiu um novo conceito de hospital – o Hospital terapêutico – graças ao avanço da medicina, embora só no século XIX se conseguisse o objetivo terapêutico.” (Ferraz, 2019, p. 159). Segundo Foucault “a consciência que o hospital pode e deve ser um instrumento destinado a curar aparece claramente em torno de 1780” (Foucault, 1984, p. 99). Para considerar que “antes do século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres” (Foucault, 1984, p. 100). O século XVIII fica também marcado no âmbito da história da enfermagem em Portugal pelo surgir, em 1741, do livro “Postilla Religiosa e Arte de Enfermeiros”, um manual para enfermeiros da autoria de um enfermeiro, Frei Santiago. A sua relevância encontra-se também no facto da sua escrita transmitir uma perspetiva da enfermagem no final da primeira metade do século XVIII em Portugal (Santos, 2012). Afirma Santos que “continuamos com atividades onde a dependência de outros profissionais era elevada, surgindo alguns aspetos com alguma autonomia na sua execução” (Santos, 2012, p. 276-7). Do regulamento do Hospital Real da Universidade de Coimbra de 1779, realça Santos (2012) que: “aos enfermeiros era dedicada uma parte específica, ao contrário do anterior, o que nos leva refletir uma vez mais sobre a dinâmica hospitalar, a valorização dos enfermeiros nas instituições, ou do seu papel em termos organizacionais” (Santos, 2012, p. 280). Estabelecemos como objetivos deste estudo, descrever os funcionários que existem nos HUC no último quartel do século XVIII, em particular, durante o período de 1779-1797. Analisar a evolução dos ofícios em presença e os seus posicionamentos relativos, com enfoque nos enfermeiros.

Metodologia Estudo histórico descritivo com origem na análise e interpretação de fontes publicadas em quadros resumos dos funcionários dos HUC (Hospital da Conceição / Hospital Real e Hospital S. Lázaro), para os anos 1779, 1786 e 1790/1797. Enquadramento da análise produzida no lento surgimento e transformação do ofício de enfermeiro em profissão, numa visão estrutural. Com a necessária análise contextual dos ofícios e profissões de saúde, com

especial atenção aos enfermeiros e enfermeiras, assim como à evolução das instituições de saúde nesse corte temporal e das políticas assistenciais à época. As fontes utilizadas encontram-se publicadas por Lopes (2000) e referem-se aos funcionários dos HUC, em três séries: Hospital da Conceição e Hospital S. Lázaro, em 1779; funcionários dos HUC em (Hospital Real e S. Lázaro), em 1786; e Hospital Real e S. Lázaro de 1790 a 1797. Reconfiguraram-se os quadros disponibilizados nestas fontes, de forma a facilitar a aferição dos funcionários em presença, dos vencimentos e sua evolução, das comparações relativas dos vencimentos e funções, procurando posicionamentos hierárquicos, verificando elementos de continuidade do passado medieval, e sinais de modernidade. Construiu-se um texto interpretativo com as necessárias conclusões.

Resultados e Discussão O material empírico, as fontes, permitem desde logo, num primeiro apontamento considerar, que para a época, os HUC são uma grande instituição. Pela análise da tipologia dos funcionários perceciona-se um nível de organização estruturado, diferenciado nos supostos papéis desenvolvidos pelos agentes em presença. Não por acaso, os dados deste hospital são fruto de uma política anterior de centralização hospitalar, com mais de dois séculos e meio de vivência. Em 1508, D. Manuel I, em Coimbra, leva a cabo a centralização hospitalar com a abertura do Hospital Real reunindo vários pequenos hospitais. Este movimento centralizador foi iniciado por D. João II após a receção da bula papal Injunctum nobis em 1486. Essa bula autorizava-o a padronizar e concentrar os hospitais em todo o país (Rossa, 2001). Este movimento concretizou-se também em Lisboa, um pouco antes (1492-1504), com a reunião de pequenos hospitais no Hospital de Todos os Santos, “integrando a assistência numa nova dimensão, a do estado, com uma perspetiva que vai além da motivação religiosa” (Ferraz, 2019, p. 167). Notamos alguma distância aos hospitais modernos do século XIX em que, na sua estruturação, muito ficaram a dever às teorias higienistas, acompanhando-se de um nível de diferenciação das funções e dos seus funcionários, evoluindo posteriormente para uma hiperespecialização bem expressiva na atualidade. A ilustrar esta afirmação verificamos alguma indiferenciação entre funções, nomeadamente de enfermeiro e de sangrador, também de enfermeiras a acumular com cozinheiras, no Hospital de S. Lázaro em 1779. Por outro lado, o anúncio de alguma especialização, com a significativa presença da enfermeira dos partos em 1791, no Hospital Real. Dado relevante, prelúdio de uma evolução profissionalizante, que sabemos ocorre, no caso especifico da enfermagem, num movimento lento, secular, e que no espaço português só pelos finais do século XX, se poderá considerar concluído em função da aprovação do regulamento do exercício da profissão de enfermagem, a criação do órgão regulador - Ordem dos Enfermeiros, e

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Queirós, P. J. et al.

a formação de enfermeiros no ensino superior. Nestes anos, de 1779 a 1797, encontramos enfermeiros, entre os funcionários em presença, profissionais, no sentido sociológico mais lato. O conceito de profissional de enfermagem em sentido restrito, ligado à noção de profissão de enfermagem é algo, que só em bom rigor, começa a ser referido nos textos e documentos mais perto da nossa época. Não que não existissem enfermeiros, mas o termo enfermagem, que designa o grupo, só ganha amplitude e começa a surgir, sem tibiezas, nos documentos nos finais de XIX e sobretudo inícios do século XX (Queirós, Almeida-Filho, Monteiro, Santos, & Peres, 2017). Existiam enfermeiros sem existir enfermagem enquanto coletivo profissional organizado como tal. Encontramos referência a enfermeiros, por exemplo, na enfermaria – domus infirmorum - do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e no seu Hospital de São Nicolau, com o cargo de infirmarius. Aqui a enfermaria é da segunda metade do século XII, mas a referência explicita a infirmarius, por certo um pouco mais tardia (Silva, 2015). A este propósito Carvalho afirma: “De qualquer modo podemos afirmar que a figura do infirmarius surgiu como ofício monástico, com as respetivas funções escritas, entre 1070 e 1080, no mosteiro de Cluny.” (Carvalho, 2016, p. 71). Encontramos a referência a enfermeiros, também, em documentos do século XIII, como por exemplo em 1257 “Plas G. ramiris infirmarios fratri rudericus” (Souto Cabo, 2003, p. 80), ou em 1260 “Garsia. móógo enfermeyro” (Souto Cabo, 2003, p. 132), ou em “1268 “Johã perez enfermeiro” (Souto Cabo, 2003, p. 327), ou ainda 1269 “Maria. ‘fonso enfermeyra.” (Souto Cabo, 2003, p. 336). Analisando os funcionários nas três séries, nestas duas últimas décadas do século XVIII, verificamos a presença nos HUC de quatro agrupamentos de funcionários e uma singularidade. Um primeiro agrupamento da esfera clínica, utilizando um termo atual, ou se quisermos de cuidadores do corpo, com médicos, cirurgiões, enfermeiros, enfermeiras, uma enfermeira dos partos e ajudantes de enfermaria de ambos os sexos. Um segundo agrupamento com os curadores da alma, onde incluiríamos capelões e sacristãos. Um terceiro agrupamento compõe-se do conjunto de funcionários, cujo ofício se expressa em serviços de apoio, logística, ou seja, para garantir amenidades, referimo-nos a homens e mulheres serventes, despenseiro, por vezes a acumular com comprador e seu ajudante, homens e mulheres cozinheiras e seus ajudantes, roupeira e lavadeira. Num quarto agrupamento englobamos funções de segurança, logo identificamos e incluímos, guarda da porta e porteiros de ambos os sexos, e o tronqueiro da albergaria (conforme referido na introdução reporta-se ao chamado Hospital de Baixo). A singularidade refere-se ao contínuo das aulas, pois trata-se de um hospital escolar. Em provisão de 21 de outubro de 1772, o Marquês de Pombal, ordena o sequestro de todos os bens e rendas do Hospital Real e a sua entrega à junta da fazenda da Universidade de Coimbra. Em abril de 1774 o Hospital real é definitivamente entregue à Universidade (Lopes, 2000). A função de ensino, em

1779, está bem presente com o contínuo das aulas, qual bedel da atualidade. Se seguirmos os critérios de Foucault (1984) caraterizadores do hospital moderno, como sejam, a deslocação do médico para o interior do hospital, e o ensino da medicina no hospital, constatamos que os HUC, nesta data, viviam uma transição, entre o hospital medieval e o hospital moderno, pois ainda não têm a internalização do médico, mas já fazem ensino médico no espaço assistencial. Podemos constatar uma maior presença de funcionários no Hospital da Conceição e no Hospital Real, diríamos o núcleo central deste complexo hospitalar, do que no Hospital de S. Lázaro, estabelecimento diferenciado, no espaço e na função para tratamento e residência de pessoas com doença de Hansen. A dimensão é diferente, um central, outro periférico, o número de pessoa em cada função também, assim como o leque de ofícios. Outro tópico de análise que devemos registar é a presença de ambos os sexos para algumas funções. No entanto, o mesmo não se verifica, e a expectativa já era essa, para profissões como médico, cirurgião, capelão, sacristão e despenseiro/comprador. Sabemos que o acesso às profissões médico/cirurgião para o sexo feminino é algo dos finais do século XIX. Como é o caso em Portugal de Elisa Augusta da Conceição Andrade, natural de Lisboa, que frequentou a Escola Politécnica de Lisboa, onde se matriculou em 1880, com 25 anos, e terá terminado o curso em 1889, sendo assim a primeira médica portuguesa (Cabral, 2016). No mesmo espaço ibérico, no Andaluz, mas em ambiente cultural diferente, já não cristão, mas muçulmano, o acesso feminino à profissão médica é bem anterior ao corte temporal das duas últimas décadas do século XVIII. Durante os séculos X-XIV, houve diferentes formas de acesso à educação para a saúde. Especificamente, são conhecidos dois casos de mulheres médicas (árabe: tabiba) que se formaram pela via da linhagem (Espina-Jerez, Domínguez-Isabel, Gómez-Cantarino, Queirós, & Bouzas-Mosquera, 2019). Umm cAmr bint Abī Marwān Ibn Zuhr (557 / 1162) filha do famoso Ibn Zuhr (Avenzoar) atendia a menores e mulheres da corte Almóada, embora também fosse consultada por questões ginecológicas femininas. Dois séculos depois, há evidências de Umm al-Ḥasan al-Ṭanŷāliyya (séc. XIV), formada em medicina através de seu pai, e reconhecida pelo vizir e médico Ibn al-Jaṭīb (713-776 / 1313-1374; Olmo & Vidal, 2012). Claro que a diferenciação sexual, para as funções espirituais, capelões e sacristãos, não é expetável. Sendo ou não previsível, a função de despenseiro e por vezes comprador aparece também só no masculino. Neste aspeto, ligam-se estes três ofícios em algo comum, a diferenciação de status, hierarquicamente superior, e por isso naturalmente, para a época com expressão só no masculino. Há ainda, a referir, a internalização da função religiosa, para o tratamento da alma, com capelães de sacristãos, e a internalização da função assistencial para o tratamento do corpo, assente na presença de enfermeiros, enfermeiras e ajudantes de enfermaria. Esta dualidade do tratamento corpo/alma persiste desde a idade média, sendo que bem se sabe que a internalização da função médica e

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Queirós, P. J. et al.

do cirurgião, é de facto posterior, a este corte temporal. Cuidar do corpo e da alma desde a alta idade média, liga-se, entende-se e expressa-se nas presenças dentro das instituições assistenciais. Sobre enfermeiros religiosos nos hospitais, como refere Lopes: “antes do século XIX não havia em Portugal enfermeiras hospitalares de ordens ou congregações religiosas, os frades enfermeiros em hospitais eram residuais” (Lopes, 2019, p. 155). Os médicos e cirurgiões estariam de chamada, vivendo perto, mas não dentro, prestando serviço, mas não em exclusividade. Lembremo-nos que só no hospital moderno, finais de XVIII, início de XIX é que aparece “a personagem do médico de hospital que antes não havia” (Foucault,1984, p. 109). Numa visão atenta, o rol dos funcionários médicos do hospital do núcleo central (Conceição/Real) não regista unidades, precisamente, pelo que atrás foi referido. Não há médicos nos hospitais do núcleo central, Conceição e Real? Certo que há, mas em regime de não funcionários. Neste aspeto, mantém-se, ainda por essas datas uma tradição medieval “os hospitais e as enfermarias não eram locais de prática médica regular até ao final da Idade Média. Só muito raramente um clínico encontrar-se-ia num estabelecimento desta natureza” (Silva, 2015, p. 110). Por outro lado, a função cirurgião tem presença no leque de funções (em 1779 e 1790/1797), mas seguindo a mesma linha de raciocínio, os cirurgiões estaria em processo de diferenciação, num status inferior ao médico, por isso internalizado. Verifique-se a existência de enfermeiros e ajudantes de enfermaria a acumular com os estudos de cirurgia, ao mesmo tempo que enfermeiros ainda são também sangradores e acumulando no caso de S. Lázaro com as funções de cozinheira. Observa-se, mas não estranha, a presença forte no rol de funcionário, dos ofícios de serviços de apoio e segurança, facto que podemos

considerar indiciador de modernidade, pela diversificação. Para o tratamento espiritual, da alma, temos dois capelões e um sacristão com presença nas três datas em análise, mas apenas no Hospital da Conceição/Real. Em S. Lázaro não há registo para estas funções. Instituição de menor dimensão e mais perto de residencial – albergaria, do que de hospital, teria a satisfação da função espiritual com outros recursos. Em relação aos enfermeiros e às enfermeiras aparecem com distinção de sexo e ao longo das três séries temporais, no Hospital da Conceição/Real, verificando-se, no entanto, em S. Lázaro omissão de enfermeira em 1786. No Hospital da Conceição/Real, os enfermeiros são em número de dois nas primeiras duas datas, aumentando para três na terceira, e as enfermeiras seguem com o número de duas nas três datas. Esta presença de enfermeiros tem as seguintes particularidades: em 1779, no Hospital da Conceição os dois enfermeiros eram simultaneamente praticantes de cirurgia, nesta data e neste hospital, regista-se também um ajudante e uma ajudante das enfermarias que são também praticantes de cirurgia. Em 1786, o quadro de funcionário dos HUC regista um ajudante sem referir alocação a um sítio ou função mais discriminada. De forma curiosa, em S. Lázaro, 1779, o enfermeiro acumula com sangrador, é um enfermeiro-sangrador, e a enfermeira acumula com a função de cozinheira, função que repete em 1790/97. De forma significativa aparece em 1791 nos HUC um lugar para enfermeira dos partos. Em relação a funções gerais, desde logo a referência a serventes com presença, nas três séries temporais, em número variável, mas com as seguintes particularidades: No Lazareto apenas há registo para serventes femininas, sendo que no Hospital da Conceição/Real estão mulheres e homens serventes, e também em número variável (Tabela 1).

Tabela 1 Funcionários dos HUC (Hospital da Conceição, Hospital Real e S.Lázaro) 1779

1786

1790-1797

Conceição

S. Lázaro

H. Real

S. Lázaro

H. Real

S. Lázaro

Enfermeiros

2 (a)

1 (b)

2

1

3

1

Enfermeiras

2

1 (c)

2

2

1 (c)

Enfermeiras dos partos

1 (1791)

Ajud. de enfermaria ♂ (d)

1 (a)

Ajud. de enfermaria ♀ (d)

1 (a)

Servente homem

variável

Servente mulher

variável

Cirurgião

(1) variável variável

4

3 variável

1

2-3 1

Médico

1

1

Capelão

2

2

2

Sacristão

1

1

1

Porteiro

2

Porteira

1

1

1

Continuo das aulas

1

1

1

1

1

Guarda da porta

1

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Queirós, P. J. et al. Tronqueiro do albergaria

1

Despenseiro/comprador

1

1 (e)

Ajud. de despenseiro

1

1

Cozinheiro

1

1

Ajudante de cozinheiro

1

1

1

Roupeira

1

1

1

Cozinheira

1 1

1

1

Lavadeira

3

1

Nota. (a) = acumula com estudante de cirurgia; (b) = acumula com sangrador; (c) = acumula com cozinheira; (d) = pode fazer serviço de enfermeiro/a; (e) = despenseiro que acumula com comprador. Fonte: Reconfiguração, pelos autores, dos quadros publicados de “Pobreza, assistência e controlo social em Coimbra (1750-1850)”, de Lopes, 2000. (2 vols.). Viseu, Portugal: Palimage (pp. 649, 650, 651).

Quando observamos o quadro com as remunerações dos diversos ofícios importa perceber a hierarquia dos valores que por hipótese traduzem a importância social, e por outro lado, saber se houve alteração na hierarquia ao longo das três séries bem como progrediram os vencimentos ao longo dessas três datas. Para a análise estaremos atentos aos vencimentos com o incluir das refeições e os vencimentos a seco, ou seja, sem incluir a dieta. Quanto à hierarquia, dos vencimentos mais elevados para os mais baixos, podemos registar que são os capelões que tem os vencimentos mais elevados, seguidos dos cirurgiões. A remuneração dos médicos, numa primeira análise é menor, mas atenda-se ao que já se referiu, no que diz respeito à sua não internalização e sua não exclusividade, estando previsivelmente em regime de chamada. O despenseiro e o contínuo das aulas aparecem com remunerações elevadas, o que corrobora o que afirmamos nos comentários anteriores, em relação, por um lado à posição na escala hierárquica do despenseiro e do seu ajudante. Verifique-se também o vencimento elevado deste comparando com outros ajudantes. Constatamos ainda que o lugar de continuo das aulas é um lugar por certo de prestígio, se assim não fosse, não teria vencimento também tão expressivo. Tomando como referência as remunerações dos enfermeiros, notamos que ofícios como porteiro, guarda da porta e cozinheiro auferem remuneração ligeiramente superior. Em relação aos vencimentos inferiores aos dos enfermeiros registamos os ajudantes de enfermarias, serventes e lavadeira. Numa análise horizontal verificamos que é nos venci-

mentos de 1790 a 1797, que se nota uma subida com significado em praticamente todos os ofícios quando comparado com as duas séries anteriores. Na sequência destas três séries não nos parece haver alterações nos posicionamentos relativos de cada ofício, aferido pelos vencimentos auferidos, as posições mantem-se indicado a não existência de mobilidade social, o que é natural num intervalo temporal de cerca de 20 anos. Como regra geral, os vencimentos do Hospital de S. Lázaro são superiores ao do Hospital da Conceição/ Real, mas esta apreciação tem de contar que todos os remunerados em S. Lázaro o são sem alimentação, a seco. No Hospital da Conceição/ Real, sem alimentação incluída, por isso a seco, só o contínuo das aulas, em 1779 e os capelães em 1786 e 1790-1797. As posições remuneratórias mais baixas eram ocupadas pelas serventes femininas, lavadeira e porteira do Hospital Real em 1790-1797. Serventes e ajudantes de enfermaria femininos ganham menos que os seus congéneres masculinos, já em relação às enfermeiras e cozinheira não é tão nítida a diferença em relação aos homens com a mesma função (Tabela 2). Lopes, em publicação de 2019, analisando estes quadros de pessoal destaca: no pequeno Hospital de S. Lázaro, tanto o enfermeiro como a enfermeira acumulavam a sua função com outra atividade; os enfermeiros do Hospital Real podiam conjugar o exercício da sua ocupação com a aprendizagem de cirurgia e esse benefício estendia-se às mulheres; por fim, estes enfermeiros recebiam menos do que os porteiros, o sacristão, o cozinheiro e o seu ajudante, a roupeira e até menos do que as enfermeiras. (Lopes, 2019, p. 163)

Tabela 2 Ordenados em réis, dos funcionários dos HUC (Hospital da Conceição, Hospital Real e S. Lázaro) 1779

1786

1790-1797

Conceição

S. Lázaro

H. Real

S. Lázaro

H. Real

S. Lázaro

Enfermeiros

60/d (a)

120/d (b)

60/d

120/d

80/d

180-200/d

Enfermeiras

80/d

120/d (b)

80/d

80/d

140/d

Enfermeiras dos partos

80/d

Ajud. de enfermaria ♂

80/d

Ajud. de enfermaria ♀

60/d

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Queirós, P. J. et al. Servente homem

50/d

Servente mulher

40/d

Cirurgião

60000/ano 164/d

50/d 80/d

50/d

40/d

80/d

40/d 15000/ano 410/d

20000/ano 55d 24000/ano 66/d

20000ano 55/d

Médico

60000/ano 164/d + 120/missa em 1/2 ano

150000/ano 410/d

1º: 150000/ano, 410/d +120/missa 2º: 100000/ano 273/d

Sacristão

100/d

60/d

60/d

Porteiro

100/d

Porteira

80/d

80/d

40/d

Continuo das aulas

200/d

Capelão

Guarda da porta

100-120/d

200/d

200-300/d

100/d

100/d

Tronqueiro do albergaria

1500 (c)

Despenseiro/comprador

240/d

240/d

Ajuda. de despenseiro

120/d

120/d

Cozinheiro

100/d

100/d

Ajudante de cozinheiro

80/d

80/d

80/d

Roupeira

80/d

80/d

100/d

Cozinheira

300/d 100/d

140-160/d

120/d

1400/mês 47/d

Lavadeira

1400/mês 47/d

Nota. (a) = acumula com estudante de cirurgia; (b) = acumula com sangrador ♂, e cozinheira ♀; (c) = acresce 12 alqueires de milho e 2 alqueires de azeite/ano. = a seco, sem dieta incluída. Fonte: Reconfiguração, pelos autores, dos quadros publicados de “Pobreza, assistência e controlo social em Coimbra (1750-1850)” ,de Lopes, 2000. (2 vols.). Viseu, Portugal: Palimage (pp. 649, 650, 651).

A análise das listas dos funcionários dos HUC (Hospital da Conceição, Hospital Real e S. Lázaro) e dos seus ordenados, permite comparações intergrupais profissionais e a evolução das diversas funções e profissões em presença. Para além de um corte transversal informativo das duas décadas finais do século XVIII, para uma realidade geograficamente concentrada na cidade de Coimbra, numa instituição de assistência, de dimensão significativa e ligada à Universidade, quando considerado num friso longitudinal, dá contributos para a informação e esclarecimento do movimento secular de configuração de ofícios e profissões assistências, bem como das modificações das estruturas hospitalares. Da presença remota de enfermeiros chegamos à presença significativa nestas datas, com expressão em ambos os sexos, com níveis de estruturação interessantes, contando com diferenciação ascendente “enfermeira dos partos” e diferenciação descendente com ajudantes de enfermaria.

Conclusão A análise das funções e dos vencimentos permite-nos estabelecer algumas sínteses. Estamos perante uma organização hospitalar centralizada com a agregação de vários hospitais, existentes em espaços geográficos diferentes – urbanos e periféricos – que revelam um nível de estruturação visível pelo rol diversificado de profissões e ofícios em presença. A lista de funcionários permite a sua caracterização em quatro agrupamentos: os clínicos para o tratamento do corpo; os curadores da alma; o dos serviços/ amenidades; o das funções de segurança. Pela particularidade identificámos uma função específica, a de contínuo das aulas. Concluímos pela permanência de traços medievais e pelo alvor da modernidade. Por um lado, a expressar-se na presença de enfermeiros-sangradores e enfermeiras-cozinheiras, médicos externos à instituição, e por outro lado, a concretizar-se na diferenciação da enfermagem com o aparecimento da enfermeira dos partos e de ajudantes de enfermaria. Outro tópico a referir é a permanência

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Queirós, P. J. et al.

de um programa assistencial com atenção ao corpo e à alma. A presença nas três séries para os dois hospitais de enfermeiros internalizados, com ajudantes e com uma diferenciação em enfermeira dos partos, denota estruturação das funções de enfermeiro. Contribuição de autores Conceptualização: Queirós, P., Domínguez-Isabel, P. Tratamento de dados: Queirós, P., Domínguez-Isabel, P., Espina-Jerez, B., Fonseca, E. Metodologia: Queirós, P., Domínguez-Isabel, P., Espina-Jerez, B. Redação – preparação do rascunho original: Queirós, P., Domínguez-Isabel, P., Espina-Jerez, B. Redação – revisão e edição: Queirós, P., Domínguez-Isabel, P., Espina-Jerez, B., Gómez-Cantarino, S. Referências Bibliográficas Cabral, J. M. (2016, Maio 9). A primeira médica portuguesa [Web log post]. Recuperado de https://portugaldeantigamente.blogs.sapo. pt/a-primeira-medica-portuguesa-32869: Carvalho, A. (2016). O Infirmarius. Precursor medieval do enfermeiro. Pensar Enfermagem, 20(1), 63-78. Recuperado de http:// pensarenfermagem.esel.pt/files/Artigo5_63_78.pdf Coelho, M. H. (1996). A assistência em Coimbra em tempos Manuelinos: O Hospital Novo. Biblos, 72, 223-258 Espina-Jerez, B., Domínguez-Isabel, P., Gómez-Cantarino, S., Queirós, P., & Bouzas-Mosquera, C. (2019). Una excepción en la trayectoria formativa de las mujeres: Al-Ándalus en los siglos VIII-XII. Cultura de los Cuidados, 23(54), 194-205. doi:10.14198/cuid.2019.54.1 doi:10.14198/cuid.2019.54.17 Ferraz, I. (2019). Enfermidades, enfermos, enfermeiros. Dos primórdios ao século XIX. Lisboa, Portugal: Autor Foucault, M. (1984). Microfísica do poder (4ª ed.). Rio de Janeiro, Brasil: Edições Graal. Recuperado de http://www.cidadaniaereflexao. com.br/uems2018/Microfsica%20do%20Poder.pdf Gouveia, A. C. (1993). Estratégias de interiorização da disciplina, pp. 415-440. In J. Mattoso (dir.), História de Portugal (vol. 4, pp. 415-440). Rio de Mouro, Portugal: Círculo de Leitores. Lopes, M. A. (2019). Enfermeiros e enfermeiras nos hospitais portugueses

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REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA homepage: https://rr.esenfc.pt/rr/ ISSNe: 2182.2883

ARTIGO DE REVISÃO SISTEMÁTICA

Estudos realizados em Portugal no âmbito do cateterismo venoso periférico: protocolo de scoping review

Studies carried out in Portugal in the area of peripheral venous catheterization: scoping review protocol Estudios realizados en Portugal en el campo de cateterización venosa periférica: protocolo de scoping review Paulo Jorge dos Santos-Costa 1,3 https://orcid.org/0000-0003-0761-6548 Liliana Baptista Sousa 1 https://orcid.org/0000-0002-8914-6975 Inês Alexandra Figueira Marques 2 https://orcid.org/0000-0001-5690-3020 Anabela de Sousa Salgueiro-Oliveira 1 https://orcid.org/0000-0002-8231-8279 Pedro Miguel Dinis Parreira 1 https://orcid.org/0000-0002-3880-6590 Margarida Maria da Silva Vieira 3 https://orcid.org/0000-0002-9439-2804 João Manuel Garcia Nascimento Graveto 1 https://orcid.org/0000-0001-6974-9421

1 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal 2 Instituto de Pesquisa Clínica e Biomédica de Coimbra, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal

Universidade Católica Portuguesa, Instituto de Ciências da Saúde, Porto, Portugal 3

Autor de correspondência: Paulo Jorge dos Santos-Costa E-mail: paulocosta@esenfc.pt

Recebido: 12.07.19 Aceite: 04.03.20

Resumo

Contexto: Apesar da sua natureza ubíqua, a prática de cateterização venosa periférica não é homogénea entre contextos clínicos internacionais. Em Portugal, a informação referente à prática de cateterismo venoso periférico encontra-se dispersa na literatura, impossibilitando uma análise suficientemente compreensiva e abrangente da sua natureza e implicações. Objetivos: Mapear os estudos realizados em Portugal no âmbito do cateterismo venoso periférico. Método de revisão: Metodologia de scoping review proposta pelo Joanna Briggs Institute. Foi definido um protocolo adequado a cada base/repositório, que visa a identificação de estudos que respondam aos critérios delineados. O processo de análise da relevância, extração e síntese dos dados será desenvolvido por revisores independentes. Apresentação e interpretação dos resultados: O mapeamento dos estudos realizados em Portugal neste âmbito contribuirá para a identificação dos principais indicadores de estrutura, processo e resultado descritos em estudos nacionais. Conclusão: Espera-se que esta revisão sustente o desenvolvimento de intervenções e revisões sistemáticas futuras que potenciem a eficácia/segurança dos cuidados prestados ao doente com cateter periférico. Palavras-chave: cateterismo venoso periférico; revisão

Abstract

Background: Despite its ubiquitous nature, the practice of peripheral venous catheterization is not homogeneous among international clinical contexts. In Portugal, the information regarding the practice of peripheral venous catheterization is scattered in the literature, hindering efforts of a comprehensive analysis of its nature and implications. Objetive: To map the studies developed in Portugal in the field of peripheral venous catheterization. Review method: Scoping review methodology proposed by the Joanna Briggs Institute. An adequate protocol was established for each base/repository in order to identify studies that meet the criteria outlined. The analysis of data relevance, extraction and synthesis will be performed by independent reviewers. Presentation and interpretation of results: the mapping of the studies carried out in Portugal in this area will contribute to the identification of the main indicators of structure, process and outcome described in national studies. Conclusion: It is expected that this review will support the development of future interventions and systematic reviews that enhance the efficacy/safety of the care provided to patients with peripheral catheter. Keywords: catheterization, peripheral; review

Resumen

Contexto: Apesar de su naturaleza ubicua, la práctica del cateterismo venoso periférico no es homogénea en contextos clínicos internacionales. En Portugal, la información sobre la práctica del cateterismo venoso periférico está dispersa en la literatura, haciéndolo imposible un análisis lo suficientemente completo de su naturaleza e implicaciones. Objetivos: Mapear los estudios realizados en Portugal en el ámbito del cateterismo venoso periférico. Método de revisión: Metodología de scoping review propuesta por Joanna Briggs Institute. Se definió un protocolo adecuado a cada base/repositorio para identificar estudios que respondan a los criterios delineados. El proceso de análisis da relevancia, extracción y síntesis de los datos será desarrollado por revisores independientes. Presentación e interpretación de los resultados: El mapeo de los estudios realizados en Portugal en esta área contribuirá a la identificación de los principales indicadores de estructura, proceso y resultado descritos en estudios nacionales. Conclusión: Se espera que esta revisión contribuya al desarrollo de futuras intervenciones y revisiones sistemáticas que mejoren la eficacia/seguridad de la atención del paciente con catéter periférico. Palabras clave: cateterismo periférico; revisión

Como citar este artigo: Santos-Costa, P., Sousa, L. B., Marques, I. A., Salgueiro-Oliveira, A., Parreira, P., Vieira, M., & Graveto, J. (2020). Estudos realizados em Portugal no âmbito do cateterismo venoso periférico: protocolo de scoping review. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20004. doi:10.12707/RV20004

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pp. 1 - 6


Santos-Costa, P. et al.

Introdução Desde a sua conceção inicial, em 1658, que o cateter venoso periférico (CVP) se afigura como uma das descobertas mais revolucionárias na história da medicina contemporânea, sendo utilizado recorrentemente na administração de fármacos, fluídos ou hemoderivados, assim como na colheita de sangue (Rivera, Strauss, Zundert, & Mortier, 2005). Anualmente, são inseridos cerca de 1.5 biliões de CVPs em todo o mundo, ainda que estes números estejam sub-reportados ao nível Europeu (Alexandrou et al., 2015), estimando-se que 60% a 90% dos doentes internados necessitem de, pelo menos, um CVP para cumprir o seu plano terapêutico (Helm, Klausner, Klemperer, Flint, & Huang, 2015) sendo uma prática clínica abrangente e global. Todavia, os CVPs não estão isentos de riscos, existindo evidência de complicações recorrentes como flebite, obstrução, extravasamento ou infeção nosocomial associada à corrente sanguínea (INCS). Estas complicações apresentam um impacte significativo nas taxas de morbilidade e mortalidade dos doentes, com evidentes repercussões socioeconómicas (Helm et al., 2015). Acresce referir que apesar das complicações associadas à presença dos CVPs, estima-se ainda que até 90% dos CVPs são removidos prematuramente, antes de se cumprir o plano terapêutico que motivou a sua inserção (Alexandrou et al., 2018). Face a esta realidade, Jones (2018) estabelece que, além das características sociodemográficas e condição clínica dos doentes, a qualidade e eficácia do cateterismo venoso periférico são condicionadas pelas práticas e dispositivos médicos utilizados pelos profissionais de saúde durante a inserção, manutenção e remoção do CVP. Assente nesta perspetiva, os resultados encontrados na literatura deverão ser analisados com ressalvas, dado que a gestão do cateterismo venoso periférico não é uniforme entre contextos internacionais (Alexandrou et al., 2015). A título de exemplo, ainda que um número considerável de publicações neste âmbito temático seja realizado nas regiões da Austrália e Nova Zelândia, Alexandrou e colaboradores (2018) identificaram que apenas 26% dos CVPs eram inseridos por enfermeiros. De igual modo, no Reino Unido, o cateterismo venoso periférico pode ser realizado por enfermeiros, médicos, assistentes operacionais e técnicos de radiologia (Cooper, Whitfield, Newton, Chiarella, & Machaczek, 2016). A heterogeneidade reportada a este nível mantem-se em contextos clínicos de países europeus, norte-americanos, africanos e asiáticos (Alexandrou et al., 2018). Em Portugal, a cateterização venosa periférica constitui uma intervenção interdependente da prática de enfermagem (Ordem dos Enfermeiros, Mesa do Colégio da Especialidade em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica, 2017). Cabe aos enfermeiros a prestação de cuidados à pessoa com necessidade de cateterização venosa periférica, desde a inserção do cateter até à sua remoção, devendo ser estes os profissionais a monitorizar possíveis alterações decorrentes (Ordem dos Enfermeiros, Mesa do Colégio da Especialidade em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica, 2017). Para este efeito, é-lhes exigida atualização contínua sobre esta temática, perspetivando a procura permanente da excelência no seu exercício profissional (Ordem dos Enfermeiros, Mesa do

Colégio da Especialidade em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica, 2017). Todavia, identificar resultados sensíveis aos cuidados de enfermagem nem sempre é um processo linear (Irvine, Sidani, & Hall, 1998). Sustentadas no modelo de qualidade proposto por Donabedian, em 1980, as autoras afirmam que a análise dos resultados sensíveis aos cuidados de enfermagem deverá atender a componentes de estrutura (variáveis associadas aos enfermeiros, às pessoas doentes e à organização de saúde), de processo (papel independente, dependente ou interdependente dos enfermeiros), e de resultados, sensíveis aos cuidados de enfermagem, entre os quais destacam a prevenção de complicações. De acordo com Irvine e colaboradoras (1998), ainda que os enfermeiros não sejam os únicos responsáveis pela ocorrência de complicações, são estes os profissionais melhor posicionados para garantir a supervisão contínua dos cuidados de saúde prestados. Todavia, a evidência científica produzida em Portugal no âmbito do cateterismo venoso periférico encontra-se dispersa na literatura, impossibilitando a realização de uma avaliação abrangente e fundamentada da influência de variáveis de estrutura e processo nos outcomes clínicos (resultados) associados ao cateterismo venoso periférico. Na sequência de uma pesquisa preliminar na JBI Database of Systematic Reviews and Implementations Reports, Cochrane Database of Systematic Reviews, na CINAHL (via EBSCO) e na MEDLINE (via PubMED), não foram encontradas quaisquer tipos de revisões da literatura (publicadas ou em realização/serem realizadas) neste âmbito temático. De acordo com Apóstolo (2017), aquando da existência de lacunas na avaliação de uma área ou foco, o mapeamento sistematizado da evidência científica produzida poderá constituir um ponto de partida para a análise da extensão, alcance e natureza da atividade de investigação realizada até à data. Desta forma, pretende-se realizar uma scoping review, orientada pela metodologia proposta pelo Joanna Briggs Institute (Peters et al., 2017), com o objetivo de mapear os estudos desenvolvidos em Portugal no âmbito do cateterismo venoso periférico, analisando e sistematizando os principais indicadores de estrutura, processo e resultado identificados. Mais especificamente, esta revisão pretende dar resposta às seguintes questões: i) Quais são as principais áreas de foco dos estudos realizados em Portugal no âmbito do cateterismo venoso periférico?; ii) Em Portugal, quais os contextos clínicos onde são realizados estudos relativos ao cateterismo venoso periférico?; iii) Que práticas profissionais são adotadas ao nível da inserção, manutenção e remoção destes dispositivos em Portugal?; iv) Quais são os dispositivos médicos utilizados em Portugal no âmbito do cateterismo venoso periférico?; e v) Quais são os outcomes clínicos reportados em estudos desenvolvidos em Portugal no âmbito do cateterismo venoso periférico?

Método de revisão sistemática Em 2005, Arksey e O’Malley desenvolveram o primeiro enquadramento metodológico para scoping reviews, delineando quatro razões principais para a sua realização: i) analisar a amplitude, alcance e natureza da produção

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Santos-Costa, P. et al.

científica publicada num determinado tema; ii) avaliar a relevância, viabilidade e potenciais custos da realização de uma revisão sistemática da literatura; iii) sumariar e disseminar a produção científica existente num âmbito temático, evidenciando os seus principais resultados junto de decisores políticos, profissionais e principais consumidores, os quais podem não despender do tempo e recursos para investir na sua procura; e iv) identificar lacunas na literatura, contribuindo para a definição de próximas etapas e estudos a desenvolver numa determinada temática. Com igual relevância, as scoping reviews podem ser utilizadas para analisar o modo como a investigação tem sido desenvolvida num determinado tema ou área científica (Munn et al., 2018). Neste desiderato, também na área científica de enfermagem, as scoping reviews afiguram-se como uma etapa importante em qualquer projecto de investigação, fundamentando o desenvolvimento de estudos futuros que procurem contribuir para a investigação, formação, prática e decisão política num determinado segmento temático (Peterson, Pearce, Ferguson, & Langford, 2017). Estratégia de pesquisa e identificação dos estudos Seguindo a metodologia proposta pelo Joanna Briggs Institute (Peters et al., 2017), serão definidos os participantes, o conceito e o contexto da revisão (mnemónica PCC). Nesta lógica, no que respeita aos participantes, serão incluídos todos os estudos que incluam profissionais de saúde com competências para realizar a inserção, manutenção e remoção de CVPs. Relativamente ao conceito, pretende-se a inclusão de estudos realizados no âmbito do cateterismo venoso periférico de pessoas, que reportem indicadores de estrutura, processo ou resultado associados. Relativamente ao contexto, serão integrados estudos

realizados em qualquer contexto clínico e área geográfica do território português. Respeitante ao tipo de estudo, esta revisão irá considerar estudos de natureza primária, como estudos observacionais, estudos descritivos transversais ou longitudinais, estudos quasi-experimentais antes/após, estudos de caso e estudos randomizados controlados. Além disto, serão incluídas para análise revisões da literatura que integrem estudos primários desenvolvidos neste âmbito temático em Portugal. No que respeita à estratégia de pesquisa e identificação dos estudos, serão utilizadas as bases de dados eletrónicas CINAHL e MedicLatina (via EBSCO), MEDLINE (via PubMed), SciELO, Scopus, LILACS e Cochrane Central Register of Controlled Trials. Por sua vez, de modo a mapear literatura não-publicada como teses e dissertações académicas desenvolvidas em Portugal, será replicada a estratégia de pesquisa no Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal, Banco de Teses da CAPES e OpenGrey. De modo a potenciar uma análise compreensiva do fenómeno em análise não serão considerados limites temporais para a pesquisa e seleção de artigos. No que concerne à língua de publicação, serão incluídos artigos escritos em português, inglês, espanhol ou francês. A pesquisa será desenvolvida em três etapas, a saber: i) pesquisa limitada nas bases de dados MEDLINE (via PubMed) e CINAHL (via EBSCO), de modo a identificar as palavras e termos de indexação mais frequentemente utilizados (Tabela 1); ii) as palavras e termos de indexação identificados serão conjugados numa estratégia de pesquisa única, de acordo com as especificidades de cada base/ repositório selecionado; iii) a lista de referências de cada estudo selecionado será analisada por dois revisores independentes de modo a incluir potenciais estudos adicionais.

Tabela 1 Exemplo de pesquisa inicial na MEDLINE (via PubMed) a 17 de dezembro de 2019 Query

Results

Search: (((((Catheters, Indwelling[MeSH Major Topic]) OR (Catheters[MeSH Major Topic])) OR (Catheter-Related Infections[MeSH Major Topic])) OR (Catheter Obstruction[MeSH Major Topic])) OR (Vascular Access Devices[MeSH Major Topic])) OR (Catheterization, Peripheral[MeSH Major Topic])) OR (“peripheral venous catheter”[Title/Abstract]) OR (“venous line”[Title/Abstract])) OR (“venous access”[Title/Abstract])) OR (“venous device”[Title/ Abstract])) OR (“peripheral catheter”[Title/Abstract])) OR (cannula*[Title/Abstract])) OR (PIVC[Title/Abstract])) OR (PVC[Title/Abstract])) OR (canula*[Title/Abstract])) OR (“peripheral intravenous catheter”[Title/Abstract])) OR (“venous catheter”[Title/Abstract])) OR (“intravenous catheter”[Title/Abstract])) AND Portugal

Seleção de estudos Após a pesquisa nas bases de dados e repositórios, os estudos identificados serão introduzidos no software Mendeley (Elsevier, Holanda), através do qual serão eliminados os artigos duplicados. De seguida, dois revisores independentes irão analisar os títulos e resumos dos estudos encontrados, confrontando-os com os critérios de inclusão previstos para a revisão. Todos os estudos que atendam aos critérios definidos serão analisados por texto completo. Os estudos de texto completo que não atendam aos critérios de inclusão serão excluídos e as razões serão identificadas. Os resultados deste processo serão apresentados com recurso à Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and

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Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) checklist (Tricco et al., 2018). Quaisquer discordâncias que surjam entre os revisores serão resolvidas por meio de discussão ou com um terceiro revisor. Extração dos dados A extração de dados será realizada por dois revisores independentes, com recurso a um instrumento construído pelos investigadores visando dar resposta ao objetivo e questões de revisão delineadas (Figura 1). Durante esta fase, o instrumento poderá sofrer alterações de acordo com eventuais necessidades emergentes sentidas pelos investigadores.

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Santos-Costa, P. et al.

Figura 1. Instrumento criado pelos investigadores para a extração de dados.

De forma transversal, os dados extraídos irão incidir sobre as características da população em estudo, desenho e resultados relevantes para dar resposta à questão e objetivos específicos traçados. Durante o processo de extração (quando e sempre que necessário) os autores dos estudos selecionados serão contactados para clarificar dados ou disponibilizar informações adicionais. As divergências que possam emergir nesta fase serão resolvidas através de diálogo entre revisores ou, caso não haja consenso, recorrendo a um terceiro elemento.

Síntese dos dados Os dados mapeados serão apresentados de forma narrativa, alinhada com o objetivo e foco da scoping review, com recurso a tabelas e/ou gráficos. Semelhante à fase anterior, a síntese e apresentação dos dados será realizada através de consenso entre dois revisores. Quaisquer divergências serão resolvidas com recurso a um terceiro elemento. Para as questões “Em Portugal, quais os contextos clínicos onde são realizados estudos relativos ao cateterismo venoso

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Santos-Costa, P. et al.

periférico?” e “Quais são as principais áreas de foco dos estudos realizados em Portugal no âmbito do cateterismo

venoso periférico?”, as tabelas e gráficos poderão incluir dados indicados na Tabela 2.

Tabela 2 Grelha de síntese de dados para primeira e segunda questão de revisão Estudo

Focos identificados (por favor, descreva o foco identificado)

Contexto Clínico Estrutura

Para a questão de revisão “Que práticas profissionais são adotadas ao nível da inserção, manutenção e remoção

Processo

Resultado

destes dispositivos em Portugal?”, as tabelas e gráficos poderão incluir dados indicados na Tabela 3.

Tabela 3 Grelha de síntese de dados para a terceira questão de revisão Estudo

Práticas profissionais identificadas (por favor, descreva as práticas identificadas)

Profissional de saúde responsável pela gestão do CVP

Inserção de CVP

Para as questões de revisão “Quais são os dispositivos médicos utilizados em Portugal no âmbito do cateterismo venoso periférico?” e “Quais são os outcomes clínicos

Manutenção de CVP

Remoção do CVP

reportados em estudos desenvolvidos em Portugal no âmbito do cateterismo venoso periférico?”, as tabelas e gráficos poderão incluir dados indicados na Tabela 4.

Tabela 4 Grelha de síntese de dados para a quarta e quinta questão de revisão Estudo

Dispositivos médicos identificados

Outcomes clínicos reportados Flebite

Infeção nosocomial da Corrente Sanguínea

Extravasamento

Infiltração

(…)

Conclusão

lacunas que poderão justificar a necessidade de se desenvolverem programas de formação profissional adequados aos contextos clínicos e organizacionais contemplando os recursos presentes. Com igual relevância, os resultados obtidos com esta revisão poderão substanciar a necessidade de se desenvolver, emitir e adoptar uma norma nacional que uniformize os cuidados ao doente portador de CVP (até à data inexistente), potenciando cuidados de maior eficácia, segurança, eficiência e qualidade para os doentes e para os profissionais de saúde.

Espera-se que esta scoping review constitua um ponto de partida profícuo para a análise e sistematização dos principais indicadores de estrutura, processo e resultado identificados em estudos nacionais no âmbito do cateterismo venoso periférico. Para além do contributo para a área da investigação, espera-se que esta investigação contribua para a melhoria da prática clínica ligada à presença do CPV, permitindo a identificação dos principais desafios e

Contribuição de autores Conceptualização: Santos-Costa, P. Tratamento de dados: Santos-Costa, P., Sousa, L. B., Marques, I. A. Metodologia: Santos-Costa, P., Vieira, M., Graveto, J. Redação - preparação do rascunho original: Santos-Costa, P. Redação - revisão e edição: Santos-Costa, P., Sousa, L. B., Marques, I. A., Salgueiro-Oliveira, A., Parreira, P.,

Apresentação e interpretação dos resultados O mapeamento da produção científica desenvolvida em Portugal no âmbito do cateterismo venoso periférico, contribuirá para a análise e discussão das práticas profissionais vigentes, características dos dispositivos utilizados e das principais complicações identificadas em contexto nacional.

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Santos-Costa, P. et al.

Vieira, M., Graveto, J. Supervisão: Vieira, M., Graveto, J. Agradecimentos Este protocolo foi realizado no âmbito do percurso doutoral do primeiro autor (bolsa SFRH/BD/136487/2018), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, IP (FCT), através de fundos dos programas POPH/FSE. Os autores gostariam de agradecer o apoio do eixo de desenvolvimento estratégico para a síntese da evidência (PCEBP/JBI) da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), acolhida pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC). Referências bibliográficas Alexandrou, E., Ray-Barruel, G., Carr, P., Frost, S., Inwood, S., Higgins, N., … Rickard, C. M. (2015). International prevalence of the use of peripheral intravenous catheters. Journal of Hospital Medicine, 10(8), 530-533. doi: 10.1002/jhm.2389 Alexandrou, E., Ray-Barruel, G., Carr, P., Frost, S., Inwood, S., Higgins, N., ... OMG Study Group (2018). Use of short peripheral intravenous catheters: Characteristics, management, and outcomes worldwide. Journal of Hospital Medicine, 13(5). doi: 10.12788/jhm.3039 Apóstolo, J. (2017). Síntese da evidência no contexto da translação da ciência. Coimbra, Portugal: Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. Arksey, H., & O’Malley, L. (2005). Scoping studies: Towards a methodological framework. International Journal of Social Research Methodology, 8(1), 19-32. doi: 10.1080/1364557032000119616 Cooper, D., Whitfield, M., Newton, D., Chiarella, J., & Machaczek, K. (2016). Introduction of a non-ported peripheral intravenous catheter with multi-use blood control septum offers improvements in the overall efficiency of the procedure and is clinically well accepted. International Journal Of Healthcare Technology And Management, 15(3), 177. doi: 10.1504/ijhtm.2016.078336

Helm, R., Klausner, J., Klemperer, J., Flint, L., & Huang, E. (2015). Accepted but unacceptable. Journal of Infusion Nursing, 38(3), 189-203. doi: 10.1097/nan.0000000000000100 Irvine, D., Sidani, S., & Hall, L. (1998). Linking outcomes to nurses’ roles in health care. Nursing Economics, 16(2), 58-64. Jones, R. (2018). Short peripheral catheter quality and economics. Journal Of Infusion Nursing, 41(6), 365-371. doi: 10.1097/ nan.0000000000000303 Munn, Z., Peters, M., Stern, C., Tufanaru, C., McArthur, A., & Aromataris, E. (2018). Systematic review or scoping review? Guidance for authors when choosing between a systematic or scoping review approach. BMC Medical Research Methodology, 18(1). doi: 10.1186/s12874-018-0611-x Ordem dos Enfermeiros, Mesa do Colégio da Especialidade em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica. (2017). Parecer nº 6/ 2017: Aplicação de calor local em seroma provocado por infiltração de soroterapia em lactentes. Recuperado de https://www.ordemenfermeiros.pt/media/4806/parecer-n%C2%BA-6_2017.pdf Peters, M., Godfrey, C., McInerney, P., Baldini Soares, C., Khalil, H., & Parker, D. (2017). Scoping reviews. In E. Aromataris & Z. Munn (Eds.), Joanna Briggs Institute Reviewer’s Manual. Recuperado de https://reviewersmanual.joannabriggs.org/ Peterson, J., Pearce, P., Ferguson, L., & Langford, C. (2017). Understanding scoping reviews. Journal of The American Association Of Nurse Practitioners, 29(1), 12-16. doi: 10.1002/2327-6924.12380 Rivera, A., Strauss, K., Zundert, A., & Mortier, E. (2005). The history of peripheral intravenous catheters: How little plastic tubes revolutionized medicine. Acta Anaesthesiologica Belgica., 56(3), 271-282. Tricco, A., Lillie, E., Zarin, W., O’Brien, K., Colquhoun, H., Levac, D., & Straus, S. (2018). PRISMA Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR): Checklist and Explanation. Annals Of Internal Medicine, 169(7), 467. doi: 10.7326/m18-0850

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3: e20004 DOI: 10.12707/RV20004

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UNIDADE DE INVESTIGAÇÃO (UICISA: E)



RESEARCH UNIT ( U I C I S A : E )

July/August/September 2020 UICISA: E DEVELOPMENT STRATEGIC AXES TOWARDS HORIZON 2030 Despite COVID-19 contingency measures, UICISA: E carried on with its activities within the respective development strategic axes, mostly at a distance.

AXIS OF RESEARCHERS’ TRAINING

Researchers’ training, from initiation to advanced research  Research initiation

Research Initiation Rotation (RIRs) 2020/2021 academic year

Applications available in October More information at https://www.esenfc.pt/pt/page/100004070/75 Figure 1. Young Researcher Window

Upcoming Activities

 International Seminars for Researchers’ Training

3rd International Seminar for Researchers’ Training – 6 October 2020 Figure 2. 3rd International Seminar for Researchers’ Training Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº 3

pp. 1 - 12


AXIS FOR SCIENCE SYNTHESIS AND IMPLEMENTATION

Portugal Centre for Evidence Based Practice: a JBI Centre of Excellence (PCEBP) Website: http://www.esenfc.pt/en/uicisa/pcebp_jbi

Health in Evidence – Evidence summaries for citizens The Portugal Centre for Evidence Based Practice (PCEBP) started to produce and disseminate evidence summaries for citizens, called Saúde em Evidência (Health in Evidence). These summaries, written in plain language for citizens, allow promoting health literacy and, consequently, evidence-based practice. During these uncertain times, Portugal Centre for Evidence Based Practice: a JBI Centre of Excellence shows citizens that knowledge matters. The dissemination of “Health in Evidence” summaries is our contribution to their brighter future.

Figure 3. Evidence summaries for citizens.

JBI LIVE! Webinars The JBI launched a series of free webinars on evidence-based healthcare issues recently. More information at https://joannabriggs.org/events#jbi_events All webinars are recorded. Go to JBI’s YouTube channel and see the recorded webinars: https://www. youtube.com/watch?v=uimrZB2Ez0M&list=PL1f2FKzk8M6a2zsL3F8FtvuBy2LxVPrFa

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº 3

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Upcoming Activities Training The PCEBP is organizing the 10th CSRTP. It will take place on 16-20 November 2020 at the Health Sciences Research Unit: Nursing (UICISA: E), Nursing School of Coimbra. Registrations at http://www.esenfc.pt/event/jbiportugal2020

Figure 4. Banner of the 11th CSRTP.

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº 3

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AXIS OF EXPERIMENTAL AND APPLIED RESEARCH IN HEALTHCARE TECHNOLOGIES

Past Activities SeringaDUO Project Publication of a scientific article in the Helyon journal (Q1); doi: 10.1016/j.heliyon.2020.e04579 ScienceDiabetICC Footwear Project Training session on Emed and Pedar platforms (Zoom) (16 July 2020). DigiNurse Project International Webinar with Tampere University of Applied Sciences and Karelia University of Applied Sciences, Finland; Thomas More University College, Belgium; University of Ljubljana, Slovenia; and Nursing School of Coimbra, Portugal (7-9 September 2020). DigiCare Project International Webinar with Tampere University of Applied Sciences, Finland; Hanoi Medical University, Hanoi Medical College, and Nam Dinh University of Nursing, Vietnam; Shaheed Ziaur Rahman Medical College, Sheikh Hasina Medical College, and Mugda Medical College, Bangladesh; and Nursing School of Coimbra, Portugal (10 June, 9 and 14 September 2020). Innovative Visor (Forma3D + ESEnfC) Participation in the writing of theoretical support for the project and development of the pre-clinical study protocol. Upcoming Activities InovSafeCare Project International Webinar with Finland, Poland, Spain, and Portugal (November 2020). 3rd International Workshop on Gerontechnology – Virtual Event (16-20 November 2020). Submission of abstracts, presentation, and publication in Springer e-book. SeringaDuo Project Carrying out pre-clinical studies with syringe prototypes. Innovative Visor (Forma3D + ESEnfC) Carrying out pre-clinical studies and focus groups to evaluate the prototypes produced by the company. Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº 3

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AXIS FOR PUBLICATION AND DISSEMINATION OF SCIENTIFIC KNOWLEDGE

Journal of Nursing Referência  Journal of Nursing Referência publicly available on SCImago Journal & Country Rank portal (Scopus®; https://www.scimagojr.com/journalsearch.php?q=21100928091&tip=sid&clean=0)  Journal of Nursing Referência was accepted to integrate the Latindex catalog 2.0

Upcoming activities  Scientific events 

6th Congress on Nursing Research of Ibero-American and Portuguese-speaking Countries and 2nd International Symposium on Evidence-Based Health Care. POSTPONED UNTIL 2021 – NEW DATES AVAILABLE SOON

Figure 5. 6th Congress on Nursing Research of Ibero-American and Portuguese-speaking Countries.

3rd International Workshop “Humanitude care methodology: caring tool that promotes the autonomy, self-care, and well-being of the cared-for person and the caregiver”

Figure 6. 3rd International Workshop “Humanitude care methodology”.

The Science and Technology Summit in Portugal will take place on 2, 3, and 4 November 2020 at the Lisbon Congress Centre. More information available at http://www.encontrociencia.pt/?id_lang=en

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº 3

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AXIS FOR ETHICS

Ethics Committee The Ethics Committee meets monthly and assesses the requests received the month before. You can request an opinion to the Ethics Committee of UICISA: E on: https://www.esenfc.pt/en/page/100004222/455 Recommendation of the National Council of Ethics for the Life Sciences - Integrity in scientific research, February 2018 – available at: https://www.esenfc.pt/pt/download/4838/wMoLY47p52qJ4oYP900T

Open Science Policy on open access to publications arising from FCT-funded research available at: https://www.fct.pt/documentos/PoliticaAcessoAberto_Dados.pdf

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº 3

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AXIS FOR EXTENSION AND SOCIETY ENGAGEMENT

Projects’ Activities EPOPS project - Empowering Parents Organisations to Prevent Substance use (2017-2019) The project’s implementation period is over. The results and activities developed can be found on the web page: https://ferya.es/epops/#1526739355583-51e8e737-9ee5 Tu Decides Project Training teachers and other educational agents to implement a programme to promote health and citizenship. Four training actions developed in 2020 involving 636 students and 68 trainees.

Figure 7. Tu Decides Project - training actions.

COVID19-MOVee Project - Web-based intervention for COVID-19 control and prevention measures adherence This project was not approved for funding. However, about 1000 planned counseling interventions were developed involving 25 students.

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº 3

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AXIS FOR NATIONAL AND INTERNATIONAL COLLABORATION

Projects’ Networks Some applications submitted to project funding programmes in 2020 were already approved for funding under which partnerships were established with various national and international institutions: Table 1 2020 Funded Projects with national and international collaboration Programme

Project Acronym

Participants

Portugal2020

4NoPressure

_University of Minho (U. Minho) _International Iberian Nanotechnology Laboratory (INL) _Nursing School of Coimbra (ESEnfC) _Impetus Portugal - Têxteis, S.A (IMPETUS)

KA2 - Strategic Partnerships

MulticulturalCare

_Nursing School of Coimbra (ESEnfC), Portugal _UC LIMBURG, Belgium _Universidad de Castilla - La Mancha, Spain

PrevInf

_Nursing School of Coimbra (ESEnfC), Portugal _Savonia University of Applied Sciences, Finland _Nam Dinh University of Nursing, Vietnam _Hai Duong Medical Technical University, Vietnam _Bolyno International Group Co. Ltd, Cambodia _Bolyno Institute, Cambodia

KA2 - Capacity Building

Project Activities MulticulturalCare Project Virtual meeting – 4 September 2020 Participating Partners: Nursing School of Coimbra (ESEnfC), Portugal; UC LIMBURG, Belgium; Universidad de Castilla La Mancha, Spain DigiNurse Project International Webinar with Tampere University of Applied Sciences and Karelia University of Applied Sciences, Finland; Thomas More University College, Belgium; University of Ljubljana, Slovenia; and Nursing School of Coimbra, Portugal (7-9 September 2020). DigiCare Project International Webinar with Tampere University of Applied Sciences, Finland; Hanoi Medical University, Hanoi Medical College, and Nam Dinh University of Nursing, Vietnam; Shaheed Ziaur Rahman Medical College, Sheikh Hasina Medical College, and Mugda Medical College, Bangladesh; and Nursing School of Coimbra, Portugal (10 June, 9 and 14 September 2020). All DigiNurse and DigiCare project partners met on 9 September 2020. Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº 3

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AXIS FOR OPTIMIZATION OF THE UICISA: E CROSS-CUTTING MODEL

Twenty-eight applications were submitted to project funding programmes in 2020. Five applications submitted to project funding programmes were already approved for funding in 2020 (Table 2). Table 2 2020 Funded Projects

NEW

Programme

Project Title

Portugal2020 (POISE)

Training of strategic populations (Researchers: Aliete Oliveira and Beatriz Xavier)

Portugal2020

ESEnfC-Patent: ESEnfC intellectual Property (Researcher: Pedro Parreira)

Portugal2020

4NoPressure - Development of smart clothing for pressure ulcer prevention (Researcher: Anabela Salgueiro)

KA2 - Strategic Partnerships

MulticulturalCare - Educating students through innovative learning methods to intervene in multicultural complex contexts (Researcher: Ana Paula Monteiro)

KA2 - Capacity Building

PrevInf - Capacitating Asia’s Nursing Students on Innovative and Sustainable Prevention and Control of Healthcare-associated Infections (Researcher: João Graveto)

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº 3

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NORMAS DE PUBLICAÇÃO

Princípios: A Revista de Enfermagem Referência (RER) cumpre os critérios de uma revista de divulgação internacional, indexada e divulgada em formato eletrónico em diversas bases de dados nacionais e internacionais. O interesse dos autores em submeterem artigos científicos de elevada qualidade prestigia a Revista, pelo que damos a maior atenção aos processos de revisão, de forma a salvaguardar princípios científicos e éticos de edição e divulgação. O conteúdo dos artigos é da exclusiva responsabilidade de todos os seus autores, aos quais compete respeitar os princípios éticos da investigação e cumprir as normas e orientações de edição da Revista. Ao publicar na Revista, os autores transferem os direitos autorais para a mesma. A Revista segue as normas da American Psychological Association (APA; 6ª edição, 2010). Consideram-se as regras do novo acordo ortográfico, pelo que o Editor salvaguarda o seu direito de modificar termos de Português do Brasil para português de Portugal. Os artigos são organizados de acordo com as normas APA e guiões de análise crítica, em função de uma categoria específica (Artigos de Investigação; Teóricos/Ensaios; Revisões Sistemáticas; Investigação Histórica). As Revisões Sistemáticas a publicar na Revista deverão, preferencialmente, cumprir as exigências de síntese da evidência recomendadas por instituições reconhecidas internacionalmente na área, como por exemplo o Joanna Briggs Institute ( JBI) e a Cochrane (Site JBI: http://joannabriggs.org/; Site Cochrane – Revisões: http://www.cochrane.org/ cochrane-reviews). Os artigos Teóricos/Ensaios e as Revisões Sistemáticas são publicados em número restrito. Por decisão do Editor-Chefe poderão ainda ser publicados artigos de outro tipo, por exemplo, recensões teóricas, biografias, protocolos de revisão sistemática, etc.. De acordo com o desenho de estudo, os artigos deverão seguir as guidelines internacionais, por exemplo: CONSORT para estudos randomizados controlados (https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/consort/); STROBE para estudos observacionais (https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/strobe/); COREQ para estudos qualitativos (https://academic.oup.com/intqhc/ article/19/6/349/1791966); PRISMA para revisões sistemáticas (https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/prisma/). Além dos guiões que ajudam na construção do manuscrito, os autores procedem ao preenchimento de checklist geral e à assinatura da declaração do termo único ético e legal. O termo único integra: a declaração de originalidade dos artigos submetidos; a declaração da não submissão/publicação a qualquer outro periódico, capítulo de livro, entre outros; a declaração da responsabilidade dos autores; a declaração de cedência de direitos de autor; a declaração de existência de parecer de comissão de ética (obrigatório para artigos de investigação e se aplicável para restantes tipologias de artigos); a declaração de existência de autorização institucional (se aplicável); e a declaração de conflito de interesses. A Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem apoia as políticas de ensaios clínicos da Organização Mundial de Saúde

(OMS) e do International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) - http://www.icmje.org/. Os autores de artigos de ensaios clínicos deverão, preferencialmente, seguir o procedimento de registo disponível em http://www.who.int/ictrp/en/. O Processo de submissão dos artigos processa-se online, através da página web http://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=login&fromRegister=1. O processo de revisão por pares, double blind, tem 10 fases (Pré-análise, Checklist, Revisão por pares, Gestão de artigo, Tratamento técnico e documental, Revisão final, Tradução, Maquetização e atribuição de DOI, HTML, Divulgação digital). A RER aceita artigos em inglês, espanhol e português. A publicação é bilingue pelo que uma vez aceites para publicação são traduzidos para inglês ou português. A tradução é da responsabilidade da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e os autores assumem o compromisso de pagar as despesas do serviço de tradução a 15 por página a traduzir, incluindo página de resumos e referências. 1 - O ARTIGO Os artigos submetidos para publicação na Revista de Enfermagem Referência devem obedecer aos seguintes critérios: 1.1 – Tipo: Devem ser artigos originais e versarem temas de saúde, enfermagem e educação, estruturados de acordo com o guião adequado à sua tipologia. 1.2 – Título: Deverá ser informativo e sucinto, redigido na afirmativa, em português, inglês e espanhol (máximo de 16 palavras), sem abreviaturas, nem indicação da localização da investigação. 1.3 – Autores: Devem ser em número não superior a 7, devidamente identificados, com o nome e respetivas habilitações, identificador ORCID, categoria profissional, instituição onde exercem funções, país, contactos (morada, e-mail, telefone), contribuição dos autores nos artigos, e fontes de financiamento do estudo (se for o caso). 1.4 – Resumo: O resumo do trabalho deve ser apresentado em português, inglês e espanhol, não deve exceder 170 palavras. Deve ser estruturado de acordo com os tópicos de análise crítica específicos de cada artigo. 1.5 – Palavras-chave: O artigo deve apresentar, no máximo, 6 palavras-chave, transcritas de acordo com os descritores MeSH e/ou DeCS, em português, inglês e espanhol (Pesquisar em: http://www. nlm.nih.gov/mesh/MBrowser.html e/ou http://decs.bvs.br/). Quando não se encontrar um descritor para uma palavra-chave, considerada relevante no estudo, esta pode ser incluída por decisão do autor. 1.6 – Texto: Estrutura do texto: Os Artigos de Investigação Empírica devem conter as seguintes secções: Título, Resumo, Palavras-chave, Introdução, Enquadramento/ Fundamentação Teórica, Questões de Investigação/Hipóteses, Me-

Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3

pp. 1 - 5


Formato: O texto deve ser apresentado em formato Word, letra Arial, tamanho 11, espaço 1,5, sem justificação, com numeração contínua de linha, páginas em formato A4 (margens superior e inferior de 2,5cm e margens esquerda e direita de 3cm), em coluna única, sem notas de rodapé. O artigo não deverá ultrapassar as 15 páginas incluindo títulos, resumos e palavras-chave (português, inglês e espanhol), referências bibliográficas, tabelas e figuras (gráficos, imagens, etc). NB: Os autores devem dar a maior atenção aos aspetos morfológicos e sintáticos do discurso, evitando erros, redundâncias, jargão...

todologia, Resultados, Discussão e Conclusão, respeitando os Tópicos de análise crítica de um artigo de Investigação Empírica disponíveis em http://esenfc.pt/rr/?module=rr&target=page&id=11681. O autor deve dar atenção a todos os itens e validá-los na checklist a submeter junto com o artigo. Os Artigos Teóricos/Ensaios devem conter as seguintes secções: Título, Resumo, Palavras-chave, Introdução, Desenvolvimento/Dissertação e Conclusão, respeitando os Tópicos de análise crítica de um artigo Teórico/Ensaio disponíveis em http://esenfc.pt/rr/?module=rr&target=page&id=11681. O autor deve dar atenção a todos os itens e validá-los na checklist a submeter junto com o artigo.

1.7 – Tabelas e figuras (gráficos, imagens, etc): Apenas devem ser incluídos os que sejam absolutamente necessários para a compreensão do artigo. Devem ser referidos no texto e estar numerados por ordem de inclusão, em função de cada tipo. Os comentários aos dados e resultados apresentados devem anteceder as respetivas tabelas e figuras (gráficos, imagens, etc). As tabelas devem apresentar o número e título em cabeçalho e as figuras (gráficos, imagens, etc) devem apresentar o número e título no respetivo rodapé. Quaisquer abreviaturas usadas em figura/tabela devem ser descritas no rodapé da mesma.

Os Artigos de Revisão Sistemática devem conter as seguintes secções: Título, Resumo, Palavras-chave, Introdução, Método de Revisão Sistemática, Apresentação dos Resultados, Interpretação dos Resultados e Conclusão, respeitando os Tópicos de análise crítica de um artigo de Revisão Sistemática disponíveis em http://esenfc.pt/rr/?module=rr&target=page&id=11681. O autor deve dar atenção a todos os itens e validá-los na checklist a submeter junto com o artigo.

1.8 – Citações: As citações podem ser diretas ou indiretas. Na citação direta, ou textual, a transcrição ipsis verbis do texto original deve ser apresentado entre aspas e acompanhada do autor, data de publicação e número da página. A citação indireta, ou paráfrase, deve ser acompanhada do autor e data de publicação. A citação no texto deve seguir as normas da American Psychological Association (APA 6ª edição, 2010) conforme os exemplos apresentados na Tabela 1. Todos os autores citados deverão constar da lista de referências bibliográficas e vice-versa.

Os Artigos de Investigação Histórica devem conter as seguintes secções: Título, Resumo, Palavras-chave, Introdução, Seleção do Tema, Enfoque e Formulação de Questões ou Hipóteses, Levantamento da Documentação e a Recolha de Dados, Análise Crítica e Interpretação dos Dados, Resultados e Conclusão, respeitando os Tópicos de análise crítica de um artigo de Investigação Histórica disponíveis em http://esenfc.pt/rr/?module=rr&target=page&id=11681. O autor deve dar atenção a todos os itens e validá-los na checklist a submeter junto com o artigo. Tabela 1 Estrutura Básica de Citação – Citar referências no texto segundo a APA Tipo de Citação no texto

Citação Direta e Indireta

Citação entre parêntesis

1ª Citação

Citações seguintes

1ª Citação

Citações seguintes

Borges (2018)

Borges (2018)

(Borges, 2018)

(Borges, 2018)

Obra de 2 autores

Polit & Beck (2019)

Polit e Beck (2019)

Polit & Beck (2019)

Polit & Beck (2019)

Obra de 3 autores

(Baskind, Osborn, & Roach (2019)

Baskind et al. (2019)

(Baskind, Osborn, & Roach, 2019)

(Baskind et al., 2019)

Obra de 4 autores

Rima, Kerbyson, Jones e Schmid (2020)

Rima et al. (2020)

(Rima, Kerbyson, Jones e Schmid, 2020)

(Rima et al., 2006)

Obra de 5 autores

Webster, Sanders, Ricci, Kyle e Carman (2020)

Webster et al. (2020)

( Webster, Sanders, Ricci, Kyle, & Carman, 2020)

( Webster et al., 2020)

Obra de 6, ou mais, autores

Santos et al. (2018)

Santos et al. (2018)

(Santos et al., 2018)

(Santos et al., 2018)

Grupos como autores (identificados anteriormente com abreviatura)

National Institute of Mental Health (NIMH, 2003)

NIMH (2003)

(National Institute of Mental Health [NIMH], 2003)

(NIMH, 2003)

Grupos como autores (sem abreviatura)

University of Pittsburgh (2005)

University of Pittsburgh (2005)

(University of Pittsburgh, 2005)

(University of Pittsburgh, 2005)

Obra de 1 autor

Fonte: http://www.apastyle.org/

A citação de recursos do(s) mesmo(s) autor(es), publicados na mes- 1.9 - Referências bibliográficas: As referências selecionadas devem ma data, deve ser realizada de acordo com este exemplo. ser preferencialmente primárias. Devem colocar em evidência as puExemplo: Vários artigos ( Webster, 2020a, 2020b, 2020c; Webster & blicações mais representativas do Estado da Arte da problemática, em Sanders, 2020) referem que (…). particular as dos últimos 5 anos. As fontes devem ser localizadas, priviNota: Deve indicar-se também o número de página, no caso de cita- legiando a pesquisa em bases de dados de revistas nacionais e internação textual, tal como nos exemplos: Pereira (2009, p. 20) ou (Pereira, cionais indexadas. As referências bibliográficas devem estar elaboradas 2009, p. 20). de acordo com as normas da American Psychological Association (APA Revista de Enfermagem Referência 2020, Série V, nº3

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6ª edição, 2010). Todas elas deverão estar citadas no artigo. A lista de referências bibliográficas não deverá exceder 20 títulos. Normas da American Psychological Association (APA) 6ª Edição (2010) - Exemplos Livros - Um autor Borges, E. (2018). Enfermagem do trabalho: Formação, investigação e estratégias de intervenção. Lisboa, Portugal: Lídel. - Dois autores Polit, D. F., & Beck, C. T. (2019). Fundamentos de pesquisa em enfermagem: A avaliação de evidências para a prática da enfermagem (9ª ed.). Porto Alegre, Brasil: Artmed. - Três, quatro ou cinco autores Hach, S., Kaufman, D., Dawson, M., Wyndham, M., & Page, M. (2018). Medical symptons: A visual guide. New York, NY: DK Publishing. - Seis ou mais autores NB: Incluir na bibliografia os nomes até sete autores Santos, A., Gregório, M. J., Sousa, S. M., Anjo, C., Martins, S., Bica, M., & Graça, P. (2018). A importância do potássio e da alimentação na regulação da pressão arterial. Lisboa, Portugal: Direção Geral da saúde. NB: Quando tem oito ou mais autores, incluir os nomes dos seis primeiros autores, seguido de reticências e adicionar o último autor Franci, A., Braunwald, E., Kasper, D., Hauser, S., Longo, D., Jameson, J., . . . Houston, B. (2018). Harrison’s principles of internal medicine: Self assessment and board review. New York, NY: McGraw-Hill Education. Obras do mesmo autor no mesmo ano Netter, F. H. (2019a). Atlas of human anatomy (7th ed.) Philadelphia, PA : Elsevier. Netter, F. H. (2019b). Atlas of human anatomy with latin terminology (7th ed.). Philadelphia, PA: Elsevier. Obra traduzida Yin, R. K. (2015). Estudo de caso: Planejamento e métodos (5ª ed.). (C. M. Herrera, Trad.). Porto Alegre, Brasil: Bookman. (Obra original publicada em 1984). Autor coletividade (organismo, instituição…) Conselho Internacional de Enfermeiros. (2016). CIPE versão 2015: Classificação internacional para a prática de enfermagem. Lisboa, Portugal: Ordem dos Enfermeiros. Direcção-Geral da Saúde. (2019). Plano de ação para a literacia em saúde: Portugal: 2019-2021. Lisboa, Portugal: Autor. Editor literário Dudeck, T. R., & McClure, C. (Eds.) (2018). Applied improvisation: Bleading, collaborating and creating beyond the theatre. London, England: Methuen Drama. Capítulo de Livros Egry, E. Y., & Fonseca, R. M. (2016). Acerca da qualidade nas pesquisas qualitativas em enfermagem. In A. P. Costa (Ed.), Investigação qualitativa: Inovação, dilemas e desafios (4ª ed., Vol. 2, pp. 75-102). Oliveira de Azeméis, Portugal: Ludomedia. Teses e dissertações Braga, L. (2017). Práticas de enfermagem e a segurança do doente

no processo de punção de vasos e na administração da terapêutica endovenosa (Tese de doutoramento). Universidade de Lisboa, Portugal. Artigos de Publicações Periódicas Fernandes, A. S., & Sá, L. (2019). Riscos psicossociais dos profissionais de socorro: A violência em contexto pré-hospitalar. Revista de Enfermagem Referência, 4(21), 131-141. doi: 10.12707/RIV18067 Lee, D. J., Ding, J., & Guzzo, T. J. (2019). Improving operating room efficiency. Current Urology Reports, 20(6), 28. doi: 10.1007/s11934019-0895-3 Hilkner, S. H, Beck, A. R., Tanaka, E. Z, & Dini, A. P. (2019). Perceções de irmãos de crianças hospitalizadas por doença crónica. Revista de Enfermagem Referência, 4(20), 77-86. doi: 10.12707/RIV18074 Morrissey, L., Lurvey, M., Sullivan, C., Challinor, J., Forbes, P. W., Abramovitz, L., . . . Day, S. (2019). Disparities in the delivery of pediatric oncology nursing care by country income classification: International survey results. Pediatric Blood & Cancer, 66(6), 1-9. doi: 10.1002/pbc.27663 Documentos legislativos Decreto-Lei nº 5/20 de 14 de Fevereiro. Diário da República nº 32/2007 - I Série. Presidência do Conselho de Ministros. Lisboa, Portugal. Regulamento nº 4299/20 de 8 de Abril. Diário da República nº 70/20 - II Série. Ministério da Saúde, Gabinete da Ministra. Lisboa, Portugal. Documentos eletrónicos Livros Pickering, G., Zwkhalen, S., & Kaasalainen (2018). Pain management in older adults: A nursing perspective. Recuperado de https:// ehu.on.worldcat.org/search?queryString=no%3A1045796874#/ oclc/1045796874 Sem autor Behaviour modification. (2007). Recuperado de http://www.educational-psychologist.org.uk/behaviour.html Sem data Society of Clinical Psychology. (n.d.). About clinical psychology. Recuperado de http://www.apa.org/divisions/div12/ aboutcp.html Artigos de Publicações Periódicas Sánchez-Migallón, P. D. (2020). Cambios en el control metabólico y en el uso de medicación antidiabética en los pacientes diabéticos tipo 2 en un Centro de Salud. Revista Clínica de Medicina Familiar, 13(1), 22-31. Recuperado de http://scielo.isciii.es/pdf/albacete/ v13n1/1699-695X-albacete-13-01-22.pdf Clark, C. S. (2020). Medical cannabis: The oncology nurse’s role in patient education about the effects of marijuana on cancer palliation. Journal of Oncology Nursing, 22(1), E-1-E-6. doi: 10.1188/18.CJON. E1-E6 Teses Base de dados institucional: Pereira, J. S. (2017). Enfermagem forense no centro hospitalar de Leiria: Realidade dos serviços de urgência (Dissertação de mestrado). Recuperado de https://iconline.ipleiria.pt/handle/10400.8/3064 Consultada na internet: Pereira, J. S. (2017). Enfermagem forense no centro hospitalar de Leiria: Realidade dos serviços de urgência (Dissertação de mestrado, Instituto Politécnico de Leiria). Recuperado de https://iconline. ipleiria.pt/bitstream/10400.8/3064/1/JoanaPereira5140008.pdf

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NOTA: Caso os documentos possuam DOI (Digital Object Identifier) este deve ser apresentado na referência, exemplos: Documento impresso com DOI Lopes, I., Delgado, B. M., Mendes, M. E., Preto, L. S., & Novo, A. F. (2018). Impacto de um programa de exercício físico domiciliário na capacidade funcional da pessoa com doença cardíaca isquémica. Revista de Enfermagem Referência, 4(19), 71-80. doi: 10.12707/RIV18036 Documento eletrónico com DOI Gomes, J., Martins, M., Tronchin, D., & Fernandes, C. S. (2019). Validation of an instrument to measure the results of quality assistance in the operating room. Quality Management in HealthCare, 3(2), 352367. doi: 10.1097/QMH.0000000000000205 Rima, S., Kerbyson, G., Jones, E., & Schmid, M. C. (2020). Advantage of detecting visual events in the right hemifield is affected by reading skill. Vision Research, 169, 41-48. doi: 10.1016/j.visres.2020.03.001 2 - PROCEDIMENTOS DE SUBMISSÃO DO ARTIGO E DOCUMENTOS A JUNTAR 1º Passo: Entrar no site da Revista: http://www.esenfc.pt/rr/. 2º Passo: Clicar no Menu do lado esquerdo em “Autores Registo” e registar-se como autor, caso já se encontre registado efetuar login. 3º Passo: Preenchimento dos dados solicitados (nomeadamente informação sobre autores).

4º Passo: Preenchimento e submissão automática dos documentos obrigatórios, a saber: Checklist de tópicos de análise crítica, selecionando e submetendo apenas a checklist correspondente ao tipo de artigo submetido: a) Tópicos de Análise Crítica de Artigo de Investigação b) Tópicos de Análise Crítica de Artigo Teórico/Ensaio c) Tópicos de Análise Crítica de Artigo de Revisão Sistemática d) Tópicos de Análise Crítica de Artigo de Investigação Histórica Checklist geral de autoverificação, preenchida na totalidade; Termo único (ético-legal, responsabilidade e conflito de interesses); Parecer de comissão de ética (obrigatório para artigos de investigação e se aplicável para restantes tipologias de artigos); Autorização Institucional (se aplicável). 5º Passo: Fazer upload do artigo (sem elementos que façam referência aos autores) construído de acordo com os tópicos de análise crítica específicos de cada tipo de artigo. 6º Passo: Fazer upload da página de título, em formato Word, a qual deve conter obrigatoriamente os seguintes elementos de cada um dos autores: - Nome dos autores, pela ordem em que deverão aparecer no artigo - Identificador ORCID - Instituição, Cidade, Estado (se aplicável), e País - Contribuição no artigo, de acordo com a CRediT – Contributor Roles Taxonomy, disponível em https://casrai.org/credit/ e conforme a Tabela 2.

Tabela 2 CRediT - Taxonomia de Contribuição de Autor Contribuições de Autor

Definição da função

Conceptualização

Formulação ou evolução de ideias, objetivos e metas de investigação abrangentes.

Tratamento de dados

Gestão de atividades para anotar (produzir metadados), limpar e manter dados de investigação (incluindo códigos de software, onde é necessário interpretar os dados em si) para uso inicial e posterior reutilização.

Análise formal

Aplicação de técnicas estatísticas, matemáticas, informáticas ou outras técnicas formais para analisar ou sintetizar dados do estudo.

Aquisição de financiamento

Aquisição do apoio financeiro para o projeto que gerou esta publicação.

Investigação

Condução de um processo de pesquisa e investigação, especificamente a realização de experiências ou recolha de dados/evidências.

Metodologia

Desenvolvimento ou desenho metodológico; criação de modelos.

Administração do projeto

Responsabilidade pela gestão e coordenação do planeamento e da realização da investigação.

Recursos

Fornecimento de materiais de estudo, reagentes, materiais, doentes, amostras laboratoriais, animais, instrumentos, recursos informáticos ou outras ferramentas de análise.

Software

Programação, desenvolvimento de software; conceção de programas informáticos; implementação do código informático e algoritmos de suporte; realização de testes a componentes de código existentes.

Supervisão

Responsabilidade de supervisão e liderança do planeamento e da execução das atividades de investigação, incluindo tutoria externa para a equipa principal.

Validação

Verificação, como parte da atividade ou separadamente, da replicação/reprodutibilidade geral dos resultados/ experiências e outros resultados de investigação.

Visualização

Preparação, criação e/ou apresentação do trabalho publicado, especificamente visualização/apresentação de dados.

Redação - rascunho original

Preparação, criação e/ou apresentação do trabalho publicado, especificamente a escrita do rascunho inicial (incluindo tradução substantiva).

Redação - análise e edição

Preparação, criação e/ou apresentação do trabalho publicado por membros do grupo original de investigação, especificamente análise crítica, comentário ou revisão - incluindo fases pré- e pós-publicação.

Fonte: https://casrai.org/credit/

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A página de título deve ainda incluir a identificação do autor de correspondência, com apresentação do respetivo endereço de e-mail. Caso se aplique, de forma a manter o processo de revisão cega, devem ainda ser incluídos na página de título: - Se aplicável, Agradecimentos (Os autores devem identificar instituições ou pessoas que colaboraram ou contribuíram para a realização da investigação/artigo, de acordo com as normas do ICMJE, conforme consta nas políticas editoriais da Revista de Enfermagem Referência). - Se aplicável, Financiamento (Os autores devem identificar as instituições que prestaram apoio financeiro para a realização da investigação/artigo). - Conflito de Interesses: Os autores devem referir a existência ou não de conflitos de interesses (pessoais, comerciais, académicos, políticos ou financeiros). 3 - PROCESSO DE REVISÃO

de artigo, peritos de língua, documentação e estatística - são anonimizados). Processo de revisão dos artigos submetidos à Revista de Enfermagem Referência e tempo limite de resposta em http:// rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=page&id=11899. A decisão final acerca da oportunidade de publicação dos artigos é da responsabilidade do Editor-Chefe da Revista. A publicação de Artigos Teóricos/Ensaios, Revisão e Investigação Histórica é limitada. Endereço: Revista de Enfermagem Referência Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Avenida Bissaya Barreto s/n 3004 - 011 Coimbra

Os artigos propostos são apreciados num processo double blind (duplamente cego, i.e., os intervenientes - autores, revisores, gestores

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TERMO ÚNICO

(ético-legal, responsabilidade e conflito de interesses) A Direção da Revista de Enfermagem Referência assume uma política editorial de responsabilidade, no sentido de salvaguardar todos os princípios ético legais inerentes ao processo de gestão, revisão, publicação e divulgação, protegendo os direitos das pessoas, instituições, com garantia da utilidade e verdade científica do conhecimento que divulga.

DECLARAÇÕES DE AUTOR: Declaro que o artigo que se submete à Revista de Enfermagem Referência é original e não se encontra publicado ou em apreciação, na íntegra ou em partes por outro periódico, livro de atas ou capítulo de livro. Declaro que os direitos de autor deste artigo são transferidos para a Revista de Enfermagem Referência, assim que ele for aceite para publicação eletrónica ou impressa. Declaro que o texto do artigo não tem plágio e cumpre com rigor os processos de referenciação e citação. Declaro que o artigo descreve com precisão, na metodologia, o cumprimento de todos os aspetos ético legais para realização da investigação. Declaro que sou responsável, bem como os demais autores, por qualquer má prática inerente aos princípios acima descritos, ou quaisquer outros que prejudiquem a dignidade científica da Revista e os princípios de rigor da comunidade científica. Apresento autorização institucional (se aplicável). Apresento Parecer de Comissão de Ética (obrigatório para artigos de investigação e se aplicável para restantes tipologias de artigos). Referente ao manuscrito, declaro que não possuo conflitos de interesse de ordem pessoal, comercial, académico, político ou financeiro. Declaro que todos apoios financeiros e materiais recebidos para desenvolvimento da investigação estão descritos no texto. Comprometo-me a suportar as despesas obrigatórias de tradução, uma vez aceite para publicação. (Nota: O formato bilíngue da Revista será para divulgação em bases de dados.)

Título do artigo: Nome do(s) Autor(es/as): Assinatura legível do Autor Principal: Local e data: Validação do Editor Chefe:

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pp. 1 - 5


CHECKLIST DE AUTOVERIFICAÇÃO

(Preencher e enviar à Revista, juntamente com o artigo e a checklist/tópicos de análise crítica específica do artigo) 1. ESTRUTURA DO ARTIGO ( RV___________ ) Tipo É um artigo original. Título É informativo e sucinto (em português, inglês e espanhol). Máximo de 16 palavras, sem abreviaturas,nem indicação da localização da investigação. Autores A identificação dos autores não consta do artigo, encontrando-se em ficheiro separado. O número de autores não é superior a 7. Estão indicados os nomes e respectivas habilitações, categorias profissionais, instituições onde exercem funções (cidade, distrito/estado, país), contactos pessoais (morada, e-mail e telefone) e fontes de financiamento do estudo (se for o caso). Resumo Está apresentado em português, inglês e espanhol. Não excede 170 palavras. Inclui descrição das secções relativas ao tipo de artigo escrito (Artigos de Investigação Empírica; Artigos Teóricos/Ensaios; Artigos de Revisão Sistemática). Palavras-chave São apresentadas, no máximo, 6 palavras-chave. Estão transcritas de acordo com os descritores MeSH (pesquisa em http://www.nlm.nih.gov/mesh/MBrowser.html e/ou http://decs.bvs.br/) Encontram-se em português, inglês e espanhol. Formatação do texto O texto apresenta uma estrutura com todas as secções, conforme está descrito na Revista, em função do tipo de artigo: tópicos de análise crítica de um artigo de investigação, tópicos de análise crítica de um artigo teórico/ensaio, tópicos de análise crítica de um artigo de revisão sistemática, tópicos de análise crítica de um artigo de história e memória, incluindo todos os itens que integram cada secção. O texto tem o máximo de 15 páginas, incluindo referências, tabelas, quadros, gráficos e figuras. Está escrito sem erros semânticos ou morfológicos. Está escrito em coerência com o acordo ortográfico. Na apresentação de dados estatísticos, em português a separação das casas decimais deverá ser feita com vírgula e em inglês com ponto final. Está em formato Word, letra Arial, tamanho 11, espaço 1,5. Página sem justificação, formato A4, em coluna única, com margens superiores e inferiores de 2,5cm e margens esquerda e direita de 3cm.

Sem negritos e sublinhados, nem variação de tipo de letra, fundos de cor, etc. Sem notas de rodapé. Tabelas e figuras São apenas as absolutamente necessárias para a compreensão do artigo. As tabelas e figuras estão apresentadas de acordo com estilo APA (6ª Edição, 2010). Estão numeradas por ordem de inclusão no texto, em função de cada tipo. As tabelas apresentam o título em cabeçalho e as figuras apresentam o título por baixo. Os comentários aos dados e resultados antecedem as respetivas tabelas e figuras. Está correta a forma de apresentação gráfica das tabelas. É clara a apresentação dos dados e resultados, bem como o formato dos símbolos da linguagem estatística. As figuras são legíveis e com indicação da fonte (o formato deverá ser em JPG ou TIF e ter no mínimo 200 DPI de resolução). Citações Todos os autores citados constam da lista de referências bibliográficas. Todas as citações literais e paráfrases cumprem as normas American Psychological Association (APA, 6ª edição, 2010). O conteúdo das citações e paráfrases expressam de forma clara e precisa as fontes citadas. Referências bibliográficas Foram elaboradas de acordo com as Normas da APA 6ª edição (2010; ver os exemplos) e estão ordenadas por ordem alfabética de apelido do autor. Todas estão citadas no texto. São, no máximo, 20 e permitem colocar em evidência as publicações mais representativas do “estado da arte” da problemática (últimos 5 anos). Foi feita pesquisa a bases de dados de revistas indexadas internacionais, incluindo a base de dados da Revista de Enfermagem Referência. 2 – PROCEDIMENTOS DE SUBMISSÃO DO ARTIGO Efetuado registo no site da Revista e submissão electrónica do artigo concluída com êxito. Submeti, na plataforma, os seguintes documentos: Artigo integral; Checklist de autoverificação de verificação genérica; Checklist de análise crítica do tipo de artigo submetido; Página de título; Termo único (ético-legal, responsabilidade e conflito de interesses e os documentos comprovativos).

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COMO CITAR REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA HOW TO CITE REVISTA DE ENFERMAGEM REFERÊNCIA APA Marques, P. A. O., Sousa, P. A. F., & Silva, A. A. P. (2013). Confusão Aguda no idoso: Dados para a decisão do enfermeiro. Revista de Enfermagem Referência, 3 (9), 37-43. Recuperado de http://www. scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0874-02832013000100004&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

no idoso: dados para a decisão do enfermeiro. Revista de Enfermagem Referência [Em linha]. Série 3, nº 9 (2013), p. 3743. [Consult. 31 jan. 2014]. Disponível em WWW: <http:// www. scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_ abstract&pid=S0874-02832013000100004&lng=pt& nrm=iso&tlng=pt>. ISSN 0874-0283.

APA - Artigo com DOI (Digital Object Identifier) Marques, P. A. O., Sousa, P. A. F., & Silva, A. A. P. (2013). Confusão Aguda no idoso: Dados para a decisão do enfermeiro. Revista de Enfermagem Referência, 3(9), 37-43. doi: 10.12707/ RIII1292

ISO - Artigo com DOI MARQUES, Paulo Alexandre Oliveira ; SOUSA, Paulino Artur Ferreira de ; SILVA, Abel Avelino de Paiva - Confusão Aguda no idoso: dados para a decisão do enfermeiro. Revista de Enfermagem Referência. Série 3, nº 9 (2013), p. 37-43. doi: 10.12707/ RIII1292. ISSN 0874-0283.

Vancouver - Formato Documento Eletrónico Marques PAO, Sousa PAF, Silva AAP. Confusão Aguda no idoso: dados para a decisão do enfermeiro. Rev Enf Ref [Internet]. 2013 Mar [acesso 2014 Jan 31]; 3(9):37-43. Disponível em: http://www. scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0874-02832013000100004&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt Vancouver - Artigo com DOI Marques PAO, Sousa PAF, Silva AAP. Confusão Aguda no idoso: dados para a decisão do enfermeiro. Rev Enf Ref. 2013 Mar; 3(9):37-43. doi: 10.12707/RIII1292 ISO - Formato Documento Eletrónico MARQUES, Paulo Alexandre Oliveira ; SOUSA, Paulino Artur Ferreira de ; SILVA, Abel Avelino de Paiva - Confusão Aguda

ABNT - Formato Documento Eletrónico MARQUES, P. A. O.; SOUSA, P. A. F.; SILVA, A. A. P. Confusão Aguda no idoso: dados para a decisão do enfermeiro. Revista de Enfermagem Referência, Coimbra, s. 3, n. 9, mar. 2013. Disponível em:<http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_ abstract&pid=S0874-02832013000100004&lng=pt& nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 31 jan. 2014. ABNT - Artigo com DOI MARQUES, P. A. O.; SOUSA, P. A. F.; SILVA, A. A. P. Confusão Aguda no idoso: dados para a decisão do enfermeiro. Revista de Enfermagem Referência, Coimbra, s. 3, n. 9, mar. 2013. doi: 10.12707/RIII1292

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Ficha Técnica/Technical Board Propriedade/Ownership: Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Unidade de Investigação em Ciências da saúde: Enfermagem Avenida Bissaya Barreto s/n - 3004-011 Coimbra / Portugal Telefs. - 239 487 255 / 239 487 200 (ext. 2077) E.mail: referencia@esenfc.pt (Revista de Enfermagem Referência) investiga@esenfc.pt (Unidade de Investigação) URL: http://www.esenfc.pt/rr (Revista de Enfermagem Referência) URL: http://www.esenfc.pt/ui (Unidade de Investigação) Título de Registo de Marca Nacional / Trade Mark Registry: INPI-402077 Depósito Legal / Legal Deposit: 119318/98 ISSNe (electronic version): 2182.2883 ISSNp (print version): 0874.0283 Projeto gráfico e maquetização / Graphic Design: Eurico Nogueira Maquetização / Layout: FIG - Indústrias Gráficas S.A. fig@fig.pt www.fig.pt Tratamento Documental e Metadados / Documentary Support and Metadata: Serviço de Documentação ESEnfC Desenvolvimento e manutenção da plataforma da Revista/ Platform development and maintenance Serviço de Informática da ESEnFC Periodicidade / Periodicity: Publicação contínua/Rolling pass publication

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«Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto Refª UIDB/00742/2020».

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Eixo Estratégico de Desenvolvimento para a Edição e Disseminação do Conhecimento Científico


SÉRIE V - N.º3

PUBLICAÇÃO CONTÍNUA | 2020

EDITORIAL / EDITORIAL Programas de autocuidado y rol de la enfermería para mejorar los resultados clínicos en pacientes con insuficiencia cardiaca Self-care programs and the role of nursing in improving clinical outcomes in patients with heart failure ARTIGOS DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL) / RESEARCH ARTICLES (ORIGINAL) Conhecimentos, satisfação e autoconfiança em profissionais de saúde: simulação com manequim versus paciente-ator Knowledge, satisfaction, and self-confidence in health professionals: simulation with manikin versus simulated patient Conocimiento, satisfacción y autoconfianza en los profesionales de la salud: simulación con maniquí frente a paciente-actor Construção e validação da Escala de Empowerment Individual no contexto da doença crónica Development and validation of the Individual Empowerment Scale in the context of chronic disease Construcción y validación de la Escala de Empoderamiento Individual en el contexto de la enfermedad crónica Cuidador informal de pessoa dependente no autocuidado: fatores de sobrecarga Informal caregiver of dependent person in self-care: burden-related factors Cuidador informal de personas dependientes en el autocuidado: factores de sobrecarga Deteção precoce do cancro infantojuvenil nos cuidados de saúde primários: possibilidades e limitações Early detection of childhood and adolescent cancer in Primary Health Care: possibilities and limitations Detección precoz del cáncer infantojuvenil en la atención primaria de salud: posibilidades y limitaciones Efetividade de um programa de formação na gestão emocional dos enfermeiros perante a morte do doente Effectiveness of a training program for nurses’ emotional management of patient death Eficacia de un programa de formación en la gestión emocional de los enfermeros ante la muerte de un paciente Estudo preliminar da Escala do Medo do Parto antes da Gravidez numa amostra de estudantes universitários Preliminary study of the Portuguese version of the Childbirth Fear Prior to Pregnancy Scale in a sample of university students Estudio preliminar de la Escala del Miedo al Embarazo en una muestra de estudiantes universitários Hospitalização na gravidez de alto risco: representações sociais das gestantes Hospital admission in high-risk pregnancies: the social representations of pregnant women Hospitalización en el embarazo de alto riesgo: representaciones sociales de las mujeres embarazadas Prevalência e fatores de risco associados ao acidente vascular cerebral em pessoas com hipertensão arterial: uma análise hierarquizada Prevalence and risk factors associated with stroke in hypertensive patients: a hierarchical analysis Prevalencia y factores de riesgo asociados con el accidente cerebrovascular en personas con hipertensión arterial un análisis jerarquizado Protocolo de intervenção individual baseado na terapia de reminiscência em idosos com perturbação neurocognitiva Individual intervention protocol based on reminiscence therapy for older people with neurocognitive disorders Protocolo de intervención individual basado en la terapia de reminiscencia en personas mayores con trastornos neurocognitivos Segurança do doente: potenciais interações medicamentosas favorecidas pela sobreposição de medicamentos programados pelo enfermeiro Patient safety: potential drug-drug interactions caused by the overlapping of medications agreed by the nurse Seguridad del paciente: potenciales interacciones de los medicamentos favorecidas por la superposición de los medicamentos programados por el enfermero Vivências dos adolescentes acerca das substâncias psicoativas e sua interface com género, políticas e media Adolescents’ experiences of psychoactive substances and their interface with gender, politics, and the media Experiencias de los adolescentes con las sustancias psicoactivas y su relación con el género, la política y los medios de comunicación Vivências maternas em situação de morte fetal Mothers’ experiences of fetal death Experiencias maternas en situación de muerte fetal Vivências paternas na realização da posição canguru com recém-nascidos de baixo peso Fathers’ experiences using the kangaroo position with low-birth-weight infants Experiencias paternas en la realización de la posición canguro con recién nacidos de bajo peso ARTIGOS DE INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA (ORIGINAL) / HISTORICAL RESEARCH ARTICLES (ORIGINAL) Enfermeiros entre os funcionários dos Hospitais da Universidade de Coimbra, 1779 a 1797: particularidades e implicações Nurses in the staff of the Coimbra University Hospitals, 1779-1797: particularities and implications Enfermeros entre el personal de los Hospitales de la Universidad de Coímbra, de 1779 a 1797: particularidades e implicaciones ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES Estudos realizados em Portugal no âmbito do cateterismo venoso periférico: protocolo de scoping review Studies carried out in Portugal in the area of peripheral venous catheterization: scoping review protocol Estudios realizados en Portugal en el campo de cateterización venosa periférica: protocolo de scoping review


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