raimunda 10

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10 ago

2018

o c i t รก p e r t r tudo que fo


apresentação A Raimunda é uma revista anárquica, o que significa que ela não visa abrir espaço para opressão e que ela tende a publicar obras não-opressivas. Contudo, determinar um limiar entre o opressivo e o não-opressivo é um mistério: não cabe a opressor algum dizer se o outro está ou não oprimido. Sendo assim, como editar/integrar uma publicação e ter a certeza de que o material nela veiculado não oprime algum leitor? Impossível ter certeza. Por isso reconhecer que se trata de uma tentativa e considerar a publicação de materiais não-opressivos como uma t e n d ê n c i a d a r e v i s t a : s e r í a m o s o p r e s s ivo s s e defendêssemos que a Raimunda é absolutamente anárquica, que ela é totalmente não-opressiva. Não nos cabe tal feito, mas nos cabe a tentativa de fazer uma revista não-opressiva. Essa tentativa envolve, através da arte, expor e lutar contra o que oprime. Esse é o objetivo e a motivação da revista Raimunda. A principal característica desta revista não é a sua cara, tampouco a sua bunda ou o seu vasto mundo, Raimundo, Raimunda, pouco importa. Interessa mais a sua abertura, o espaço livre-anárquico que ela oferece à pessoa artista, qualquer esta seja e o que quer que isto seja. Ela não tem dona nem é dona. A revista quer obra, quem faz obra, quem torna experiência obra. A Raimunda é uma qualquer, ela não tem norma não conversável, não é fixa, é elástica, cambiável, aberta às selvagerias da vida. Recebe sem julgar, circula, divulga, sai berrando tudo o que cabe dentro dela. Se tem um limite é o seu espaço cada vez mais largo. A revista Raimunda é toda dada. A Raimunda prioriza a produção artística, destacando a obra e o obrar artístico. Com periodicidade semestral, ela objetiva compartilhar e divulgar material feito pelas pessoas integ rantes, bem como ag reg ar novas companheiras para produções e prosas afins. Editores: Bruno Nepomuceno Clayton Marinho Diego Guimarães Jéssica Barbosa

ano 6 | número 10 | 2018 ISSN 2358-7342 [virtual] ISSN 2358-7350 [impressa]


sumário sem título, colagens priscila pereira novais

3, 10, 18, 24

exús e oguns caminhos caminhos 2 sem título a vacabeça gustavo de castro

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sem título bruno costa

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do narcisismo e do pamífio marcos monteiro

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voltar atrás da pele bruno nepomuceno

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seção temática amizade como aprender o AMIGO jéssica barbosa

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números primos clayton marinho

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priscila p. novais sem tĂ­tulo

[colagens, ao longo da revista]



gustavo de castro exús e oguns

Não gastei forças na felicidade. Deixei algumas para a plenitude, outras para o sobrevoo do fim da tarde. Por entre os portões da alma, não desperdicei a felicidade. Quem disse que não é preciso ser forte para sustentar essas trinta e três tristezas? Tristezas pesam mais do que amendoim frito. Pesam dois ou dez quilos de solidão, claro, a depender das dosagens de frituras ou as minialegrias no minifúndio da alma. Não gastei forças na felicidade. Pedra de sonho, amiga, requer argamassa de vento. Corpo de sol, amigo, requer entranhas de sofrimento.

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gustavo de castro

caminhos

Conserva teu caminho desperto em fogo de noite. Conserva teus humores decerto em águas sem fúria, sete banhos de erva e mel. Assim te azeitei. O que sabes do além da luz? Sabes algo que não tem céu? Se voam aves e corujas no inferno, para que recusar os voos de teus eus? Acompanha o curso do rio, o fio longo da estrada, da mata. Acompanha o momento: os olhos se abrem em primavera, seivas, centelhas, centenas delas: cem mil formas de sins e de nãos. Acompanha que o presente-raio, trazido por pássaros-instantes tem mil filamentos de formas, realidades verdadeiras e falsas nas muitas ilusões verdadeiras, gastas, algumas não passam de pesadelos falsos. Conserva tuas coisas comoventes: as sandálias do atropelado, o terço da vó, a foto do filho, os óculos do pai, algum livro. Conserva cenas comoventes: o choro do velho, o café amargo, o pedinte que pede desculpa. Conserva o abraço da partida, a notícia de gravidez, a doença final de alguém, a cartas trocada, perdida, aquela lambida na orelha. Conserva as cócegas no pescoço, cacos-de-si-comoventes, cansados, duas insolências, três dissabores, dois desesperos, dez desenganos. Conserva mesmo o que ninguém quer conservar só para ser por inteiro conserva de galeria comovente, pintura intensa sem palhaço triste para que o quadro ganhe sempre contornos de minialegrias. 7


gustavo de castro Admira algum traço sem graça, até que a dor se reverta em emoção, pinta intensamente a face para que as trevas do rosto se dissipem e um arco-íris se forme na alma, até que a cor se reverta em trescor e vire emoção. Pinta o corpo com adornos e retintas para que a pintura permeie a pele e desenhe em nós uma tatuagem tribal até que a beleza se reverta em lindeza e vire emoção. Por fim, repinta o mistério do pensamento, o impensável, até que o impensável se reverta em emoção.

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gustavo de castro

caminhos 2

Aquilo que você abrir em sua estrada será o que os outros encontrarão ao passar. Veste os teus medos sem a falsa luz da voz ou o ar arrebatado, arrebitado, desentravado de ímpeto. Entrega-te às alturas. Solta-te. Salta-te. Saúda-te. Pipa no ar. Veste os teus medos com o que há de celeste ou calça oxalar em ti. Veste os teus medos com camisa lavada. Solta-te. Pois depois que se é avó é que se está pronto para ser mãe. Pois depois que se é poeta é que se aprende a calar. Pois depois que se envelhece é que se começa a viver. Um estado completa-se sempre em outro estado. A flor na espada, a água na pedra, o dia na noite, o fogo no vento o todo no nada. O homem é uma sucessão de incompletudes. Praia que não para de encher e de secar para que a incompletude possa assim se completar. É pois que nenhum estado é todo inteiro. para que se fraca inteiro nas partes que faltam. Não há estado em si isolado. Não há estado em si inteiro. Na dissonância sinfônica das almas todo estado é encaixe de cantos e de calmas.

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gustavo de castro sem título

Tomar banho de chuva para se benzer de nuvem. Tomar banho de poeira para se benzer de terra. Tomar banho de lama para se benzer de homem. Nada se faz a curto prazo. Não se constrói, por exemplo, um homem, a curto prazo. Quem se assemelha às pedras pode aconselhar homens. Mas quem não sabe esperar não devia a bocabrir. Não conheço pedra lapidada a curto prazo.

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gustavo de castro

a vacabeça

Carregar cabeças dentro da cabeça é a única forma de ser lúcido. Um modo de ser muito sendo nenhum. Várias cabeças pensam melhor do que a sua. Vários caminhos levam a Roma, mas Roma pode não levar a nada. Ter muitas cabeças é uma forma monstruosa de ter a cabeça no lugar oxalar. Rebanho de sol no sebanho da chuva. Arte que se aprende com os pingos. Arte de conversar com os mendigos como quem conversa consigo mesmo Arte de acender fogueiras em meio a nevoeiros e sentir as estações de trens vazias formulando questões para o agora. Não esqueci os esquecidos não só pelo fato de que sou esquecido. Espere o tempo e todo mundo será esquecido. Você [verá. O segredo da imaginação é não afrontar o vento. Saber seguir formigas e abelhas perdidas é difícil pra [xuxu. Lance um olhar musical sobre o xuxu. Ou sobre algo o qual se possa construir sonhos práticos e pronto. Todas as coisas dançam. O sonho é um tipo de pensamento adestrado nas piruetas. O mais urgente não é o sonho? Como assim. Que realidade você vive? Pensar com a própria cabeça, mas só de vez em [quando. Enquanto pasta tranquilamente nenhuma vacabeça se pergunta sobre o azul e a razão das folhas serem verdes e infinitas

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gustavo de castro Tampouco a vacabeça se importa na afirmação ou negação da existência da divindade e da realidade. Muito menos ainda está preocupada com o poder. A vacabeça só quer pastar. Olha o homem, e o que ela [vê? Peso da existência. Mazelas, mesquinharias, vilanias de [todo tipo. ... e a eterna capacidade de se emocionar com [besteiras. O homem faz guerras e faz amor. Aí jazz a [humanidade. A vacabeça só quer mascar o seu pasto enquanto participa de sua bestagem. Bestagem com o espaço-ao-redor. O espaço-ao-redor é o micro-espaço onde habita a vacabeça. É sopro. Menos ainda. Peidinho. O espaço-ao-redor emociona qualquer um. Mascamos vidinha ao redor do pedaço verde que nos cabe resultando no peidinho que nos habita. O pasto ensina. E não é só a ruminação. O que a vacabeça ensina é o aberto. A antropofagia da vaca é a propedêutica da grandeza. Chã de dentro, de fora, colchão mole, duro, músculo, patinho, assem, capa de contra-filé, alcatra, língua. Rabo, costela, cupim, chifres. A vacabeça é um cosmos. Espaço-ao-redor-do-afeto[puro. A vacabeça basta estar e nada mais. Na imensa presença leiteira, sossegada, de manada, ela se vasta, resistente, lembra Oxalá. O firmamento tem por vocação vacabecear.

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bruno costa

sem títulos

1. penso, logo espreito vejo, logo hesito existir? apenas o infinitivo de um verbo esquisito 2. quando não me traduzo em sêmen, prosa ou poesia sou apenas vir a ser carente de forma e sentido 3. na minha estante cabem teorias revolucionárias tratados estéticos e clássicos da literatura mundial mas nada é bastante para aterrar meus abismos às vezes desejo ser apenas uma estante de madeira com sua maciça convicção 4. dói em mim todas as dores do mundo dores sertanejas, dores litorais dores pós-modernas e medievais dores palestinas: dores viscerais meu único lenitivo é a valsa do pianista francês que me preenche de silêncios 5. eu, homem-terra vendo uma luz distante para além das jangadas imagino como seria ser apenas luz distante...

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bruno costa 6. há dias em que a mentira se torna verdade por decisão dos poderosos e generalizada obediência civil 7. derramo tinta sobre a página em branco para respeitar a lei do silêncio 8. sinto algo absurdo percorrendo minhas veias e artérias um refluxo excitando o vômito meu coração pulsando ao ritmo da trilha sonora d'O fabuloso destino de Amélie Poulain um desejo intenso de transgredir relógios e fronteiras explodir vaticanos, castelos e casas brancas semear a terra algo absurdo percorre minhas veias e artérias e me sinto negra, índio, cigana, sem teto, sem terra haitiano, cubana, brasileiro, palestina um refluxo excitando o verbo meu coração pulsando ao ritmo do maracatu um desejo visceral de subverter a ordem rebelar os desgraçados semear justiça algo absurdo percorre o sertão o ser tão pouco e logo se transforma em poesia 9. entre o dito e o não dito findou o amor interditado 10. mil demônios me habitam mil anjos me socorrem mas somente a poesia me exorciza

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bruno costa 11. um dia as fronteiras as distâncias terão morada no pretérito perfeito 12. tentam em vão me impor uma estética uma cosmovisão pós-materialista uma pátria apriorística onde me sinto estrangeiro por isso a rejeito em verso e prosa e sigo ao lado dos operários e camponeses a fabricar e cultivar esperança

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marcos monteiro do narcisismo e do pamífio

Era belo e brilhante e narcisista. “São poucas as pessoas que têm esse direito” admitia admitindo-se. Ele e todas as mulheres eram completamente apaixonados por si. Dentre os homens tinha amigos e admiradores e invejosos e inimigos declarados cujo ódio flamejante vinha de três coisas. O fato de ser belo e brilhante e o fato de admitir o fato e o fato de encarar tudo com naturalidade. “Eu e Narciso não levamos em conta as críticas nem os elogios” repetia de vez em quando somente para reiterar que muito ocupado com o amor próprio não lhe sobrava hora nem lugar para o outro ou a outra ou qualquer coisa distinta de si. Olhava profundamente nos olhos de qualquer interlocutor porque ficava deslumbrado com a própria imagem refletida na pupila alheia e se era cortês e atencioso nas conversações era somente porque ninguém poderia superá-lo em cor tesia e a argumentação do outro dava ocasião para a sua especial e inteligente resposta. Mas se chamava Pamífio e isso era motivo para chacotas e caçoadas que não lhe atingiam. “Eu e Narciso gostamos do som do nosso próprio nome. E mesmo sem cuidar da análise do outro não conhecia ou admitia outros narcisistas de fato. Havia sim muita arrogância e prepotência e amostração banal porém sem nenhum ou quase nenhum direito. Mas existia Ana Emília. Tinha de admitir que Ana Emília era bela e inteligente e tão apaixonada por si mesma que nem se sabia nem se importava em ser narcisista e isso começou a incomodar Pamífio. Ana Emília fitava profundamente os olhos dele por achar encantadora a imagem de si refletida e conversava horas a fio com Pamífio porque encontrava assim espaço para expor a própria inteligência fina e aguçada. Então Pamífio começou a ficar inquieto e depois angustiado e depois triste a ponto de todas as mulheres que o amavam desatarem a chorar copiosamente. E Ana Emília disse simplesmente que preferia ele triste porque sua própria imagem ficava mais nítida nos olhos umedecidos. Narraram para Ana o mito de Narciso e ela admitiu que “Narciso tinha alguma coisa de Pamífio ou Pamífio tinha alguma coisa de Narciso”. Para desolação maior do sofrido narcisista que não conseguindo decidir se era elogio ou ironia decidiu que estava apaixonado. Decidiu. 20


marcos monteiro Assim. Porque narcisistas não podem simplesmente se apaixonar como todo o mundo ou cair nas ondas de um amor que os deixa vulneráveis porque amor fora de si. Apaixonado decidido ficou mais confuso ainda por saber que todo apaixonado tem de conquistar a amada e não tinha a mínima ideia de modos e maneiras e jeitos e processos e artimanhas para conquistar Ana Emília. Sempre fora apaixonado por si e nunca precisara lançar mão de qualquer artifício para tal. Talvez destino de narcisos foi definhando até morrer para consternação geral e sofrimento sem solução de todas as mulheres menos de Ana Emília. Seu comentário foi considerado cruel e insensível e no entanto todo mundo sabia que era verdadeiro assim. “A morte de Pamífio não me faz nem menos bela nem menos inteligente”. Feira de Santana, 28 de dezembro de 2012 Revisado em 28 de março de 2018 Maceió.

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bruno nepomuceno voltar

É bom voltar Se há uma coisa que a vida me ensinou foi isso! Apagar os sigas e rever os fatos Quem foi que disse que o amanhã será melhor à essa [pressa toda? Injetando tanto fôlego Inventando o pressuposto Olha o moço! Já não vê as pedras presas sob os pés. Ergue o rosto, estufa o peito e enrijece as juntas Que juntas se movem Envolvem-no na mecânica do vento Quer a meta, vira a mesa, assume o púlpito palpita e nem se toca Quebra espelhos, fere os peitos Atropela, resvala e cai Mas não quer voltar.

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bruno nepomuceno

atrás da pele

Cada pele trás uma história, independente de sua cor, de sua aderência ou de sua aparência. Cada pele trás uma dor, uma marca. E é função da pele limitar um corpo. Triste o corpo que para na pele, que não a transcende. Triste o corpo que não tem nada além de órgãos. Triste o corpo que vive em seu formato, no receptáculo da pele. Triste o corpo e triste a pele. A pele também quer ser rompida, estilhaçada, espalhada pelo espaço. Toda pele quer tingir o espaço com sua cor. Triste a cor que só tinge a pele, triste a cor. O corpo também é cor, mas nunca se contenta em ser somente uma. Triste a cor que se orgulha de estar no arco-íris, triste a cor. A cor quer ultrapassar a palheta, os moldes, fluir... ser rio. Triste o rio que se prende em suas margens, que não transborda, que não deságua. Triste a água que não está por detrás da pele, por detrás do corpo, por detrás dos órgãos e que para se mostrar escorre pela pele como lágrima.

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seção temática

amizade O preço do combustível que ora movimenta a massa é o aviso de incêndio de algo muito pior que está por vir. E como "andorinha só não faz verão", já disse um senhor mais velho ainda, no fascismo não há coragem para ser só. A coisa vem em massa. Lembrando que a massa não é classe, porque lhe falta a solidariedade. Não haverá apoio de lado algum. Apenas "empreendedorismos". Nesse mundo, encontrar amigos é revolucionário.


jéssica barbosa

como aprender o AMIGO

O que é uma conversação? O que está em jogo? A conquista? O prazer entre as palavras? O infinito? Quero dizer, o não querer que essa conversa tenha, ponto, um fim? Falar o segredo. [– Mas que bobagem Emitir um sopro, que anima o outro, e assim não [terminá-la Basta dizer Oi E ele rapidamente aprende e diz: Como? [Quantos segredos de quem não tem nada a esconder Sussurros é o que se ouve O instante que se desatou E o sopro que nasceu Depois, essa conversação infinita [Ninguém pode saquear-nos, pois não há segredos, [nunca houve, essa nunca foi a questão Mas sim a conversação, importa-nos essa conversa [infinda: – O múltiplo. O instante. E o sopro

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clayton marinho números primos

Era como outra de suas doenças, da qual não queria realmente curar-se. Pode-se ficar doente, também, apenas com uma recordação. (A solidão dos números primos)

Eu os esqueci? O que fiz deles? O que me tornei sem eles? Um dia fomos amigos? A dúvida instaurada, aquela que vejo quando dirijo um olhar ao espelho, aponta o que sou por falta. Eu sou a falta que me fazem, mas sou também o desejo de que essa falta não falte. Sou o desejo da falta. Eu os recordo? Criei um espantalho para um; fui o espantalho de outra. No fim, paralelos que fomos, ainda tocamos uns aos outros? O olhar, algum toque, um beijo, um abraço. Falaram algo de mim? O que disseram? Quem fui neles? Fui algo além de uma nota de rodapé? Foram livros que fechei as capas demasiadamente cedo? Desisti de algum deles alguma vez? Preferi suas ausências, preferi a presença que instalei na ausência? São fantasmas, meus fantasmáticos queridos, não-maisqueridos, queridos-na-distância. Eu os quis? Ou foram uns quaisquer que quiseram meu querer e eu o deles. Eu os quis, quis muito próximos, para descobrir a distância. Eu sou deles pela distância, eles são meus pela distância. A proximidade destrói o que somos. E o que fomos, por fim, senão o fracasso pela proximidade. Frustramo-nos mutuamente. Solidões desejantes de companhia. Estávamos enganados desde sempre? Ou fora apenas eu. Possível. Eu sou o limiar da distância. Ninguém pode se demorar. E quando eu quis que demorasse? Fez passagem, na indiferença. E quando eu não quis que se demorasse? Ficou como impertinência. Houve medo, sempre há medo. Somos pobres, somos ruínas de nós mesmos. Eu o sou, sei. Sabiam eles? Saberiam algum dia? Não sei dizer, estava silencioso demais. Não quis me derramar neles. Montei uma represa, em um para não vazar, no outro para não saber que estava vazio. Contive minha cheia e meu vazio. Matei minhas águas? Sacrifique a corrente e os peixes? Que produzi senão muralhas? E as brechas, nunca viram as brechas? Por que não se aproveitaram das brechas? Havia tantas... Pequenas, de fato, mas estavam lá... a espreita, deixando passar alguma coisa. Fui ignorado? E o que ignorei? A dependência, a pobreza de espírito, a decepção constante... Mas e os sorrisos? E as promessas? E o desejo de estar ali? O que fizemos disso? Aonde estava eu? Que paralela foi essa que concebi todo o tempo? Que marca, mancha é essa que separa as coisas. Chamo de amizade. É o espaçamento de um amor. Chamo de distância. É a paralela que corre ao lado. Cria a ilusão de contato, mas ela só pode ser feita por paradigma, ao lado: pelas decepções, pelos silêncios, pelas perdas, pela ausência. 28


clayton marinho São meus amigos na comunidade da distância, uma constelação que carrego comigo, mas que não funciona como uma lei. Serve como o solo da minha existência, funda-me aonde nada há, ainda que ao risco de faltar. Eu soçobro neles. Mas sou o pouco que sou com suas ausências. Nunca mais nos falamos. Queríamos estradas. Fomos portas.

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artistas (?) bruno costa, um potiguar fazedor de versos. bruno nepomuceno. uma tentativa de promo(ver) a vida leve pela filosofia, teatro e poesia. Professor por insistência, artista por coragem e youtuber por modinha. @brunoluftballon clayton marinho. cansado. faz capas e faxinas. E-mail: claytonrfmarinho@gmail.com gustavo de castro. gustavocastroesilva@gmail.com jéssica barbosa. Cada vez menos. Variando os gestos e os passos da dança. marcos monteiro. sou professor aposentado de teologia e filosofia. Completei mais de 65 anos. Ou seja, adquiri o direito constitucional de continuar adolescente, nunca terminando de aprender a crer, a escrever e a viver. priscila pereira novais. Sou soldado do acaso e filha de lugar nenhum. Trabalho com causas impossíveis. Já enfrentei exércitos de palavras e de súbido me engasguei diversas vezes com essas malditas enquanto elas riam de minha fragilidade. Trabalho com causas impossíveis. Não sei se importa, mas faço mestrado em Metafísica. Meu email: filosofiadosubsolo@gmail.com


chamada para material artístico Abrangência | A Revista Raimunda oferece um espaço para a divulgação de trabalhos de artistas, o que quer que estes sejam e quaisquer sejam os seus campos, concedendo-lhes total liberdade sobre a obra a ser publicada. Extensão | Não há limite de páginas para as obras, desde que a extensão de uma obra não comprometa a edição da revista. Ocupe o quanto quiser da Raimunda. Sugestão temática | Cada edição conta com uma sugestão temática, que tem a intenção apenas de agrupar tematicamente algumas das obras publicadas na edição em questão, sem, no entanto, limitar as demais; ou seja, permanece a total liberdade do artista na escolha do tema do material a ser enviado. Aquele que estiver seguindo a sugestão de determinado número precisa apenas indicá-lo junto ao envio do material, com vista à organização da revista. A sugestão temática da 11a edição é MANUAL DE POÉTICA URBANA. O prazo de envio para a Raimunda 11 termina em 12 de NOVEMBRO de 2018. Os interessados devem entrar em contato através do e-mail: revistaraimunda@gmail.com. ----------------------------------------


chamada para material artístico Encarte Raimunda Manifesta O encarte, que vem a acompanhar algumas das edições da revista, nasceu para suprir uma demanda de artistas (o que quer que estes sejam) interessados em publicar obras mais extensas na Raimunda, que vem se caracterizando por circular trabalhos mais breves. Portanto, o encarte se destina a trabalhos artísticos que destoam da extensão dos até então divulgados pela revista, por precisarem, pelo menos a princípio, de um percurso mais longo de leitura/observação. Ele visa a atender a tal demanda, e, apenas quando esta se fizer presente, haverá um encarte acompanhando determinada edição. Também aqui, o autor é o responsável pelo conteúdo e pela correção de sua obra. Interessados em participar de tal maneira em alguma edição devem entrar em contato dentro do prazo de envio da mesma. Observação - Apesar de contar com edição impressa, o principal meio de circulação da revista é o virtual. Os editores não se comprometem a enviar cópias impressas para os colaboradores por correio, pois dependem da disponibilidade de recurso para tanto (mesmo assim, sugerem que sempre que haja o interesse em ter as edições impressas, o leitor/artista entre em contato para saber se no momento há a disponibilidade de envio). Já nas cidades sede, as edições impressas estarão sempre disponíveis enquanto houver estoque. A Revista Raimunda é gratuita e sem fins lucrativos.


expediente Revista RAIMUNDA - Esta publicação é independente. ano 6 | número 10 | 2018 Editores Bruno Nepomuceno Clayton Marinho Diego Guimarães Jéssica Barbosa Realizadores da décima edição Clayton Marinho, Jéssica Barbosa. Diagramação e arte Clayton Marinho Capa e contra-capa Clayton Marinho sobre obra de Egon Schiele, studie von einem paar, 1917 e studie 2. Sedes Belo Horizonte – Minas Gerais Natal - Rio Grande do Norte João Pessoa - Paraíba Site revistaraimunda.wix.com/revistaraimunda Contato revistaraimunda@gmail.com cada autor foi responsável pelo conteúdo e correção de seu próprio texto.




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