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HÁ UMA CASA DE MEMÓRIAS NO CENTRO DE TERESINA
Por John Myke
Essa lembrança que me vem às vezes... de uma ex-cidade verde, de uma cultura vívida que pulsava pelas praças do centro de Teresina. Os microfones rasgavam as tardes em saraus e em shows gratuitos. Agora, aos poucos, se ecoa o silêncio num centro que já foi repleto de eventos e de artistas das profundezas do underground aos incongruentes, porém reais e talentosos, do mainstream teresinense. De exposições e performances à deslumbres e quadros empoeirados nas paredes da memória. E de memória entendemos muito, pois é somente nela que preservamos os patrimônios materiais e imateriais de nossa cidade.
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Há uma casa de memórias no centro de Teresina, inclusive. Um enorme casarão localizado em frente a Praça Saraiva, a segunda maior praça da cidade. Uma edificação construída entre os anos de 1870 e 1880 por João do Rego Monteiro, o Barão de Gurguéia, para servir como residência dele e de sua família, e que também é um exemplar da arquitetura eclética piauiense da segunda metade do século dezenove, lugar que já foi quartel, enfermaria, residência episcopal, colégio e que alguns anos depois de sua construção abrigou inúmeros
eventos culturais; locais, nacionais e até internacionais. Digo de memória porque é somente por esse parâmetro que ela tem serventia atualmente.
O imaginário coletivo das e dos artistas piauienses reconhece a Casa da Cultura, como ficou amplamente conhecida a residência do Barão de Gurguéia por volta da década de noventa, como um dos mais importantes palcos culturais de Teresina. Ali se via uma coleção quase infinda de fotografias que narravam expressivamente a história da cidade, seus marcos sociopolíticos, étnicos, culturais e artísticos. Ali também se destacava um museu de artes plásticas riquíssimo, além de espaços para o cinema, o teatro, a dança, a literatura, o carnaval, a reciclagem, duas bibliotecas com acervos com mais de oito mil exemplares e mil e duzentos periódicos, mostras de Geologia, Paleontologia e Numismática, entre outras narrativas e campos que tornavam a cidade especial. Era um espaço de produção e exposição da essência da cultura teresinense. E que lamentavelmente está há mais de um ano abandonado.
Escadas altas para o acesso a entrada principal. Dentro se tinha um grande pátio com esculturas, um corredor central direcionado a um grande avarandado e alcovas nas laterais. Tudo completamente observável à luz


A Casa da Cultura de Teresina recebia em média 150 visitantes por dia. Foto: Josy Brito/Arquivo Pessoal.
de todos os dias da semana em que a Casa da Cultura se mantinha aberta. A noite era ainda mais linda. As peças tomavam forma. As performances transitavam pelos cômodos e alimentavam as paredes amarelas e as obras dispostas e suspensas exalavam vida e movimento. Quando não se via, se ouvia. A orquestra sinfônica se apresentava e contagiava. Os poetas rugiam nos saraus e as bailarinas compassavam e gingavam com densidade. Por trás do casarão havia um palco onde acontecia os shows. O público se transfigurava. Era diverso, belo, exímio.
Anos passaram. As paredes rachadas e cheias de musgo com pichações contra a ditadura e outras de subjetividade, o despencar do corrimão da escadaria principal, as janelas de madeira de tom verde escuro já frágeis e amareladas pelo tempo traduzem a situação melancólica em que se encontra o maior símbolo da arte na capital. A Casa da Cultura foi responsável por pavimentar inúmeras transformações sociais desde seu surgimento, principalmente no setor cultural. O prédio que era símbolo das múltiplas linguagens da esfera artística se transformou em um imóvel sem alma que geralmente passa despercebido pelas pessoas que por aquela região transitam.
Depois de uma quebra contratual entre os responsáveis, o extenso acervo museológico da casa do Barão de Gurguéia foi transferido para à nova
Casa da Cultura Fundação Monsenhor Chaves, localizada em outro prédio tombado e da prefeitura em frente a praça João Luís Ferreira. A mudança se deu principalmente pela degradação do prédio, sobretudo ao sistema elétrico que colocava em risco, inclusive, todo o acervo.
Mesmo que uma nova casa tenha sido inaugurada e o acervo esteja intacto, as memórias e as sensações do antigo prédio sempre persistirão. A antiga residência do Barão de Gurguéia carrega intrinsecamente a história da cidade e dos artistas. A casa transmitia a sensação de sala de visitas que gerava orgulho na população, principalmente para aquela parcela que dependia do espaço seja para criar, ensaiar, lançar ou expor seus trabalhos. E para essas e esses, resta se acotovelarem na nova e minúscula Casa de Cultura FMC ou dispor da boa vontade do setor empresarial e mercadológico da cidade, como já é de praxe. Resta a expectativa de que um prédio importantíssimo para cultura e a história da cidade não se configure em mais um estacionamento, como foi o fim de muitos casarões distribuídos pelo centro. A cultura local resiste!
Extra! Extra! ANTIGA CASA DA CULTURA SOBREVIVE AO LÉU!
Teresina é uma cidade de memória frágil.
