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UM FLASH DAY NO JÚPTER ATELIER
Um FLASH DAY no Júpiter Atelier
Por Rebeca Louise Lima e Bárbara Fogaça
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Não falava com Andréia direito há meses até perguntar nas redes se alguém sabia de algum evento cultural acontecendo em Teresina nos próximos dias. Foi quando ela sugeriu que fôssemos ao Flash Day do Júpiter Atelier, que aconteceria no sábado, 10 de setembro. O Júpiter é um estúdio de tatuagem bastante conhecido pela galera underground, com um time de artistas que extrapolam todos os níveis da criatividade; mas o Flash Day contaria com muito mais.
Pela divulgação no Instagram do atelier, o evento, além dos flashes autorais, ainda contaria com live painting, grafite, venda e exposição de arte – tudo que me chama a atenção, até porque conheço (um milésimo) do talento do pessoal que faz parte da equipe do Júpiter. Ansiosas, chegamos bem cedo no atelier no sábado (talvez um pouco cedo demais). Fomos recepcionados pelo cheiro forte de tinta que tomava a primeira área do grande casarão.
Em todos os cantos havia arte. Da porta de entrada avistei uma piscina enorme. Estava tão quente que supliquei internamente para que alguém me empurrasse ali dentro – o que infelizmente não aconteceu, mas oportunidades virão. Atravessando-a, pude ver que o grafite havia começado: dois artistas já estavam viajando nas paredes, substituindo a textura branca
sem graça e fazendo o muro alto ganhar vida e cor. Ao lado deles, uma escada cavalete, com degraus auxiliando no suporte de todos os equipamentos artísticos que os ajudassem a construir o desenho na parede. O chão havia sido tomado por latas e mais latas de tinta em spray, para que o grafite tivesse a explosão de cor necessária e tomasse forma.
Sob o deck coberto, o pessoal se preparava para mais tarde, quando apostavam que a maior parte do público compareceria. À direita, alguns estavam entorpecendo o freezer com inúmeros sacos de gelo por trás do balcão: aquela seria a área do bar. À esquerda, perto da entrada principal da casa, outro grupo de pessoas conversavam enquanto seguravam equipamentos musicais. Contornandoos, passei pela grande porta de madeira (um cedro brilhante, dando a sensação de envernizado recentemente).
Me deparei com mais equipamentos de som no final de um corredor à esquerda – amplificadores e mesas de som separadas, aguardando o momento certo de serem usadas outra vez. Do outro lado, avistei a cozinha bastante movimentada, com os preparativos sendo feitos na maior agilidade possível para que pudessem ser vendidos em massa quando o público chegar aos montes mais tarde. Atentei-me a cada detalhe, cada item que compunha a decoração e complementava o tom amadeirado do ambiente.
Logo a frente vimos a escada; resolvemos então subir até o primeiro andar da casa. Meus ouvidos já podiam escutar a música indie cercando o lugar, trazendo a sensação de calmaria a todos que estavam sentados na varanda, onde ficava o acesso ao estúdio de tatuagem propriamente dito. Notei que haviam tribos, que se

reuniam em pequenas rodas, alguns em pé, outros no sofá. Presenciei alguns reencontros que rendiam sorrisos abertos, mas algo me dizia que todos ali já se conheciam por pertencerem à cena artística.
De cara me deparei com um aglomerado de gente de frente a um painel. As pessoas tentavam não parecer tão ansiosas olhando as artes disponíveis enquanto os artistas tentavam driblar o vento (que resolve sempre surgir em Teresina nas horas mais inusitadas) e deixar os flashes à mostra. Eram pelo menos cinco artistas, e seus desenhos podiam ser facilmente diferenciados uns dos outros. Achei incrível o que o Vitorino Caio, tatuador do espaço, criou; suas artes em sua grande maioria fazendo relação a religiões de matriz africana, como a entidade conhecida por “Zé Pilintra” da Umbanda.
Tudo isso acontecendo quando vou até as grades da grande varanda e tenho a visão inusitada de mais arte acontecendo. Lá de cima vi que mais três artistas coloriam o grande muro branco com seus desenhos a mão livre, preocupados em seguir à risca o esboço do papel que seguravam em mãos, estudando o próximo movimento a ser tomado e prosseguir com o processo.
Depois de contornado os problemas para expor os flashes no quadro de madeira, voltei minha atenção a eles. Me contive ao máximo para não escolher uma, mas quando vi os olhos do Gustavo Duarte sabia que voltaria pra casa com uma tatuagem nova. A que mais chamou minha atenção (e a de pelo menos mais dez pessoas no lugar) era o olho dentro de uma nuvem; olhei para os amigos que me acompanhavam e anunciei “essa é minha”.

Havia falado com Gustavo antes de ir ao Atelier, e estaria mentindo se dissesse que não admirava o trabalho dele pelo portifólio publicado no seu perfil do Instagram. Decidida, o puxei de lado e disse que queria fazer o olho no antebraço. Pude notar que ele estava meio agoniado com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo; me pediu um tempinho para resolver algumas coisas para que o evento corresse bem e logo em seguida arrumaria a maca para começarmos. Dito e feito.
Enquanto tatuávamos, aproveitei para perguntar um pouco sobre o evento. Gustavo me disse que foi uma forma que o atelier viu de juntar várias manifestações artísticas, para que fossem valorizadas e vistas como um todo. Aquilo significou muito pra mim, especialmente por saber o quanto a arte ainda não tem a valorização que merece no cenário teresinense. Por tanto tempo foi marginalizada e vista como “coisa de quem não tem o que fazer”, e há ainda quem compartilhe esse pensamento ultrapassado nos dias de hoje.
Estamos saindo aos poucos de uma das maiores pandemias globais que, não suficiente em ceifar vidas, ainda resultou o estado de calamidade pública, prejudicando setores como a saúde, a segurança, a economia, com taxas de desemprego absurdas entre outras questões. A classe artística foi diretamente afetada pela (vital) quarentena aplicada para conter a Covid-19 ao máximo. Nove em cada dez artistas ligados ao mercado musical afirmam ter perdido dinheiro durante a pandemia de Covid-19. Este é um dos dados da pesquisa "Músicos e Pandemia", realizada em parceria entre a União Brasileira dos Compositores e a ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing.
Se fez necessário, inclusive, a criação de um auxílio financeiro destinado aos artistas teresinenses. O Projeto de Lei “Auxílio Cultura”, de autoria da vereadora Fernanda Gomes com o apoio do prefeito Dr. Pessoa, teve como objetivo beneficiar todos aqueles que exercem atividades artísticas de forma direta e/ou indireta em Teresina. Então, me deixa muito feliz ver colegas de profissão se ajudando e tentando vencer as barreiras da vida juntos. Pode não parecer muito, mas visibilidade é crucial – e de evento em evento, todos saem ganhando.
O cheiro de tinta ainda me invadia os sentidos, a música de fundo embalava os movimentos dos pincéis, enquanto tentava me concentrar em absorver as agulhadas da sessão de tatuagem. Depois de um pouco mais de uma hora, me acertei com Gustavo, que disse para eu ficar à vontade e curtir o evento. Saindo do estúdio, vi que já tinha escurecido. Fui até as grades da varanda novamente a fim de ver o resultado dos desenhos iniciados no começo da tarde, e me encontrei extasiada. O único esboço que vi mais cedo dividia o muro com mais duas pinturas, cada uma de um artista diferente. De todos, o que mais gostei foi o da lua, com o olhar penetrante e melancólico.
Percebi, em direção à escadaria, que foi posta uma mesa ali que não estava antes de eu entrar para a sessão. Uma mesa estreita, sob iluminação amarela, com vários desenhos

Exposição de arte. Foto: Rebeca Louise Lima.
feitos em o que acredito ser papel cartão. Cuidadosamente embalados, etiquetados e expostos para venda. Em sua maioria, os desenhos, como os de Vitoriano, eram representações de figuras pretas. Ao lado, o @ de Maria Eugênia, ou Ignis, para quem quiser encomendar ou comprar além das peças apresentadas.
Voltei-me paras as mesmas escadas de madeira. Ia para o térreo ver como estava o movimento, mas minha atenção foi tomada pela materialização da criatividade em telas. Um rapaz estava pintando retratos com uma espátula – o ouvi dizendo que a intenção era realçar uma textura na barba do homem do quadro – e notei que era o seu terceiro quadro em produção. Auxiliado por um bastão de luz e com uma lona protegendo o chão de madeira dos materiais inteiramente marcados pela tinta, pude ver que, do uso daquela pasta preta minuciosamente colocada, nasceu o rosto de um homem. Em breve conversa, ele me confessou que estava muito feliz com o evento. E que, na sua percepção, este é um grande momento para os artistas. De acordo com ele, há mais eventos culturais na cidade inteira agora, pós pandemia, e que isso pode ser resultado da “seca” cultural que sofremos nos últimos dois anos.
Assim que desci as escadas me deparei com a mesma criatura de luz que me recomendou visitar o Júpiter naquele sábado. Fã de carteirinha de todos, Andréia Barbosa me disse que o evento tinha sido incrível e a atraiu em todos os seus momentos, das tatuagens à música. “Mal posso esperar para que aconteça outro evento desse!”, revelou para mim. Thiago Sérgio, seu namorado, também era amigo de um pessoal do Júpiter, e elogiou muito a organização do
evento: “eles cumpriram com a proposta do evento, eu achei incrível! Muitas manifestações artísticas acontecendo ao mesmo tempo, e é importante que elas tenham espaço para que cresçam como devem no mercado cultural daqui de Teresina”. E, honestamente, gostaríamos muito de ver outras instituições com a mesma proatividade, gerando esse grau de visibilidade para outros artistas de Teresina. A imersão do Flash Day foi inesquecível, tanto para nós quanto para todos que participaram.

Exposição de arte. Foto: Rebeca Louise Lima.
