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TROCA-TROCA: DA SOMBRA DA FIGUEIRA À LUZ DA INVISIBILIDADE

Comércio troca-troca na parte interna. Foto: Tatiele Sousa.

Por Izaura Martins e Tatiele Sousa

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Era dia 01 de setembro, e eu em casa fazendo o almoço já depois das doze horas da manhã, por conta das obrigações que tinha a cumprir, esse foi o horário que encontrei para realizar a tarefa doméstica mais crucial para quem mora sem os pais. Estava meio apressada por conta que a aula da tarde seria uma experiência diferente da convencional, ao invés da sala de aula ser o local de aprendizado, desta vez, as ruas do centro de Teresina é que seria o ambiente de troca de experiências e conhecimento. para saber como seria essa aula atípica, confesso até que estive a pensar sobre as possibilidades que teríamos de lugares para visitar se a universidade estivesse em uma condição orçamentária mais confortável. Porém, voltando a aquele dia, era uma quinta-feira, oficialmente o primeiro dia do chamado B-R-O BRÓ! Quem é da cidade já entende o que eu quis dizer, a capital do Piauí é um município bem caloroso no clima, mas também na hospitalidade do seu povo.

Na tarde daquele dia, marcamos de nos encontrar na Igreja São Benedito, inclusive foi até o local

onde eu desenvolvi a primeira pauta da disciplina. De lá, partimos para o Centro de Artesanato Mestre Dezinho, no percurso, nós da classe já estávamos a pensar na pauta que iriámos desenvolver... Os olhares bem atentos aos detalhes, a conversa agradável com todos, e até os cochichos de comentários como: “nossa, faz tempo que vim aqui no centro”, eram elementos que junto com o calor do ambiente, também nos acompanhavam na caminhada.

Eu e minha dupla já conversávamos sobre o que abordar... A questão do comércio informal? Que pauta poderíamos tratar? Então chegamos à praça da bandeira, e Tati em um estalo de criatividade, olhou para mim com os olhos arregalados e exclamou em um tom alto: “Temos o tema!”.

Diga-se de passagem, que estes olhos arregalados estavam empolgados com a escolha.

Uma figueira sombreou as primeiras atividades comerciais entre mercadores e clientes no centro de Teresina, as margens do rio Parnaíba, histórias e interesses se cruzam desde o século XX.

E certamente você já deve ter visto o amontoado de velharias coloridas pela avenida Maranhão.

Também já deve ter ouvido histórias transcorridas nesses corredores históricos. Quem aí nunca ouviu sobre

objetos roubados revendidos no Troca-troca? Ou que lá não é um lugar confiável para se obter mercadorias? A verdade é que no Troca-troca tudo tem valor e cada avaria é sinônimo de histórias! As bicicletas usadas contam através de suas marcas as quedas que alguém já levou, as manchas nas laterais de eletrodomésticos como geladeiras representam um traço pequeno de que ali aconteceu algo, e a imensidão de televisões de tubo ainda conseguem refrescar a lembrança das imagens com chuviscos.

Uma cultura hereditária

Além de tudo, existem ainda aqueles que sobrevivem de repassar essas histórias adiante, como o José Augusto. Ele faz parte da 2ª geração de mercadores. Aos 12 anos vendia jornais pela cidade de Teresina, mas há 32 anos decidiu largar as palavras em papel, e guiado pelo seu antecessor nos negócios e pai, iniciou sua jornada no Troca-troca.

Não é de se surpreender com as reclamações que ele faz questão de frisar, "não tem apoio do poder público, falta organização, quanto mais o tempo passa vai morrendo, aqui é um lugar jogado pras cobras". Apesar das queixas ele lembra com alguns sorrisos do sucesso que já alcançou um dia, e fala com os olhos aquilo que só o coração foi capaz de guardar.

"Eu já tentei sair daqui e não

O vendedor José Augusto. Foto: Tatiele Sousa.

consegui", disse o vendedor algumas vezes. As atividades comerciais vão além de fonte de renda, para Augusto, o escuro e úmido espaço já está entrelaçado a sua vida, em especial ao que ele mesmo chamou, este é o seu dom. Teresina fervia às 14h30, exatamente no horário em que corríamos de um lado para o outro, tentando ouvir e instigar para que nos contassem mais coisas. Tinha tanta coisa para olhar que nos sentíamos perdidas, pequenas e até sufocadas. Entre uma banca de venda e outra, o espaço para passar era mínimo possível, isso porque tudo aquilo que não é vendido é amontoado em algum canto. Vez ou outra estávamos nos espremendo para chegar a alguém.

Mas, o pouco espaço não era o único motivo a nos apertar, como as visitas de clientes estão cada vez mais raras, por onde caminhávamos havia cerca de 5 ou 6 olhares em nossa direção, alguns seguidos de "posso te ajudar?", mas que rapidamente se dissiparam ao saber o motivo da visita.

Muito mais que “viver de negociação”

Um deles nos chamou para conversar, ele foi mais um que herdou da família as bênçãos para empreender no centro da capital. Franklin Silva morava em Recife, há 16 anos conquistou seu território e sobrevive da venda de

ferramentas em uma banca localizada bem no centro do Troca-troca.

"Desde 1930 minha família atua nessa região da cidade. Minha vó trabalhava no mercado central e aí fomos construindo nossa vida aqui no centro”.

Contrariando o passado, o vendedor não vê ninguém para substituílo. Ele acredita que não haverá um familiar que leve os negócios à frente. Enquanto respondia, Franklin fixava os olhos em sua banca, manuseava suas ferramentas e balançava a cabeça em negação.

Enquanto ouvíamos, ponderamos que levando em conta todo o tempo em que Franklin dedicou ao Troca-troca certamente ele deveria ter histórias para contar. E estávamos certas!

Assim que o perguntamos ele já foi soltando uma gargalhada, pelo som podíamos esperar que o case que viria ali era digno de capa de jornal. "Tem um do cigano que eu não esqueço. É o seguinte, aqui chegou um cigano e ele queria vender um ferro, só que o ferro dele não prestava já tava com defeito. Aí o que foi que ele fez, pegou um isqueiro e começou esquentar o ferro, esquentando, esquentando, esquentando, ai chegou um cara pra comprar e na hora que ele botou o ferro na tomada já tava era quente, e aí ele vendeu". Estamos na torcida para que você, leitor, não tenha sido o cliente a comprar esse ferro.

Seu Antônio Aguiar de batismo, e Ceará de batente, aproveita nossa presença para denunciar a invisibilidade. Ele prefere falar sobre lixo, a iluminação, a falta de segurança e total ausência da prefeitura.

Desesperança, agonia e desprezo. Foi tudo que Ceará quis falar. O homem que tira o sustento de sua família através da venda de televisores, geladeiras e outros usados, acredita que a falência está cada dia mais próxima, no entanto,

"Isso aqui antigamente era um ponto turístico, agora é um ponto de lixão”.

crê ainda que tudo ali tem a mão de Deus, e que foi ele o responsável pela manutenção do seu emprego.

Assim como os trabalhadores, a figueira também resiste ao mau tempo, ao descuido e a ausência de certezas futuras de que tudo ali estará nos dias vindouros. Apesar dos percalços enfrentados pelos vendedores que ainda trabalham lá, é nítido o apreço e o apego que eles têm pelo lugar. Na entrevista eles relataram vários problemas, na falta de estrutura e de assistência do poder público, porém, em nenhum momento do nosso diálogo, qualquer entrevistado expressou que têm a intenção de desistir ou mudar de área no trabalho.

Esse carinho dos trabalhadores pela história do lugar e também pela sua representatividade, nos fez lembrar do que a canção de autoria de José Rodrigues e Aurélio Melo diz: “Ai, troca, quem troca destroca. Minha Teresina não troco jamais”. A música “Teresina” retrata no decorrer da sua letra, o amor de quem reside na terra do sol do equador pela cidade. Os trabalhadores que resolveram expor um pouco da sua história de vida, mostraram que apesar de alguns não serem naturais daqui, não trocariam essa capital tão calorosa. Nem a capital, e nem o seu ofício, que apesar de enfrentar preconceitos e falta de valorização, simboliza resistência e gratidão para todos que lá dependem do comércio.

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