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MONUMENTO GREGÓRIO: HISTÓRICO & MACABRO

Eric Medeiros

“Eu sempre soube que o Gregório tinha morrido de fome e sede. (...) Era essa a crendice popular a respeito do Gregório” foram a primeiras palavras que o escritor Enéas Barros proferiu antes de me contar a história por trás do velho monumento em formato de gota, situado entre a Av. Marechal Castelo Branco e às Margens do Rio Poty, que hoje é cercado de garrafas d’água em devoção a memória de um jovem motorista paraibano que, faminto e sedento, morreu não por falta de alimento, mas sim vítima de um passado injusto e autoritário.

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Quem? O que? Onde? Como? Quando? Por quê?

Continuando minha conversa com Enéas, o escritor prosseguiu me contando sua trajetória com a história que posteriormente viria a se tornar o pano de fundo de um dos seus livros: o romance Parabélum. Eneas, que havia crescido perto de onde Gregório morreu e que em sua vida inteira acreditou que o falecido havia morrido de sede, um dia encontrou uma reportagem em um jornal local, escrita pro Tarcísio Vilarinho, que falava o que tinha acontecido com o algoz de Gregório

A partir da descoberta de que foi um assassinato, o escritor começou uma

busca a respeito de mais informações sobre os acontecimentos em volta da morte do motorista, iniciando pelo fato de que se houve mesmo um assassinato haveria um processo, mas o mesmo não existia mais. Então, sua procura se voltou aos anais dos diários de justiça onde encontrou informações a respeito do assassino juntamente com o que a defesa alegou na época, permitindo que aos poucos pudesse montar toda história que se inicia na cidade de Barras há 95 anos atrás: Antigamente, quando uma cidade do interior ia receber uma visita, grande parte dos moradores iam para fora da cidade esperar o visitante para que todo mundo pudesse entrar na cidade comemorando, tocando foguete e aquela coisa toda. E na sexta feira que Oxente!

antecedeu a morte do Gregório (dia 14 de Setembro de 1927) não foi diferente na cidade de Barras, que esperava a vinda do bispo Dom Severino.

Nessa época, o paraibano José Gregório trabalhava como motorista da paroquia do município. Então, o mesmo entrou no carro da marca Ford T, apelidado de Ford Bigode, junto com o Coronel Otávio Melo, o Padre Lindolfo Uchôa e o Juiz Arimateia Tito seguindo em direção a entrada da cidade para esperar Dom Severino, mas Dom Severino não apareceu. Portanto, voltaram; e nesta volta uma criança se projetou na frente do carro paroquial não possibilitando o tempo suficiente para Gregório frear acabando por atropelando o menino, passando o pneu esquerdo do carro em cima de seu tórax.

Após o acidente, a criança foi socorrida para dentro de casa, pois logo chegou um médico e depois o pai desse menino, o Tenente Florentino Cardoso, que na época era delegado de barras. Um homem cruel, violento e grosseiro, que como descrito em uma crônica de 1980 do professor A. tito Filho, já tinha o hábito de bater em seus prisioneiros. Florentino gritou mandando prender Gregório na cadeia pública, o proibindo de receber visita, comida, bebida e o isolando completamente, prometendo que se o filho dele morresse Gregório morreria também.

A Noite de Sexta; O Dia de Sábado; a Manhã de Domingo

No final da tarde de domingo que antecedeu sua morte, o Juiz Arimateia Tito, que presenciou o acidente dentro do carro com Gregório, impetrou o Habeas Corpus pedindo que soltasse o motorista. Esse Habeas Corpus chegou no momento do falecimento do filho de Florentino; e após a morte da criança, o tenente alugou um caminhão colocando todas as suas coisas dentro do veículo, contando com sua mulher, sua outra filha, Gregório e o filho morto, partindo em direção a Teresina.

Saindo 11 horas da noite e chegando às 7 da manhã de uma segunda feira na capital, Florentino parou o caminhão do outro lado do rio, atravessou o Poty com todas as suas coisas, mas quando chegou do outro lado da margem se desesperou e atirou no ouvido direito do jovem Paraibano de apenas 20 anos de idade com uma parabélum, uma antiga pistola semiautomática fabricada na Alemanha, conforme afirma seu atestado de óbito.

Existem algumas fotos que supostamente registraram esse assassinato, mas o próprio Florentino Cardoso negou que seja ele atirando na foto.

“Eu digo no meu livro que isso aqui é impossível porque não existia um fotografo lá. Para mim, é uma reconstituição do crime.” Disse Enéas

fotografia. Depois do gatilho

Por fim, o tenente acabou por se entregar as autoridades pedindo apenas que antes enterrasse seu próprio filho. Do lado de fora da cadeia pública, onde Florentino se encontrava preso, em repúdio ao assassinato, vários motoristas de Teresina organizaram uma passeata em volta da penitenciária promovendo um buzinaço em seus carros para que assim pudessem perturbar aquele que matou um irmão de trabalho.

Porém, alguns meses depois Florentino conseguiu arquitetar uma

Suposto registro do assassinato do Gregorio.

fuga da penitenciária, depois da capital e, pôr fim, do estado do Piauí, se refugiando na Bahia. Quando o prenderam 8 anos depois, por volta de 1935, Florentino foi recambiado para Teresina indo a julgamento onde foi efetuada sua condenação que depois foi anulada pela defesa do delegado, sendo absolvido no segundo e posteriormente no terceiro júri também.

Depois da absolvição ele foi embora para cidade Crateús. Em depoimento ao perito criminal Delfino Vital da Cunha Araújo, Florentino declarou em uma entrevista que não havia motivo para se sentir arrependido, pois havia transformado um pecador em santo, conforme expõe a matéria do jornal O Estado, lançada no ano de 16 de Setembro de 1975.

Santo ou Mártir?

Gregório não é um santo, por mais que exista um movimento em Teresina capitaneado pelo doutor Luís Ayrton com pretensão de canonizar a figura do motorista que acabou por ser barrado pelo alto custo que uma canonização acarreta; não! Gregório é uma vítima de um passado injusto e autoritário que figuras de autoridades nem ao menos se importavam de fingir arrependimento por seus abusos de poder, mas isso não significa que sua memória não deva ser preservada.

No início da década de 80, foi inaugurado um grande monumento em formato de gota d’água onde os devotos de Gregório vão para pagar promessas, pedir milagres ou agradecer realizações, sendo uma das sepulturas mais visitadas no dia de finados dentro da capital. Alguns livros também já foram lançados abordando a sua história como o já citado Parabélum, de Enéas Barros, além de uma teledramaturgia de sua história, exibida pela TV Cidade Verde, pois não podemos desfazer as injustiças do passado, mas não é por isso que devemos esquecê-las.

Foto da capa do jornal O ESTADO 16/09/1975.

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