Oxente!
MARÇO2023 | EDIÇÃO 10
Bruce ferreira: Da comunicação a arte
Mulheres Tarólogas: da Da curiosidade ao despertar da vidência. Brilho eterno das estrelas juninas
Mulher de visão
REVISTA
Expediente
A revista laboratório Oxente, produzida pelos alunos de Comunicaçãpo social - Jornalismo da Universidade Federal do Piauí (UFPI), chega à sua déciama e ultima edição, com temas que prometem envolver e encantar aos leitores. Nesta edição, a publicação apresenta matérias sobre a trajetória de Bruce, um aluno de jornalismo da universidade que se apresenta como drag queen. Além disso, a revista também aborda a atuação hermética de mulheres tarólogas, e a cultura dos quadrilheiros no Piauí, pessoas que preservam as tradições juninas do estado.
Com menos páginas que as edições anteriores, a revista Oxente traz uma abordagem diferenciada e arrojada do jornalismo cultural e literário. A equipe de estudantes de jornalismo mergulhou nos temas com sensibilidade e profundidade, buscando mostrar as histórias por trás das pessoas e das tradições culturais.
Essa edição da revista Oxente é um convite para que os leitores se deixem levar pelos encantos da cultura ao nosso redor, descobrindo histórias que muitas vezes passam despercebidas pelo olhar cotidiano. Além disso, é um exemplo do jornalismo que se preocupa em contar as histórias com o devido respeito e atenção aos detalhes, buscando trazer à tona as nuances da cultura e da sociedade. esperamos que gostem desta edição final, e agradecemos a todos os leitores.
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Índice
EDITORIAL
Bruce Ferreira: Da comunicação á arte ............................................................ 03 Mulher de visão .................................................................................. 07 Mulheres Tarólogas: Da curiosidade ao despertar da vidência ....................................... 13 Brilho eterno das estrelas juninas ................................................................ 19 Agnes Moita Carlos Júnior Letícia Benício Pedro Humberto Sabrina Alana
EDIÇÃO Pedro Humberto EDITORA CHEFE Ana Regina Rego CAPA João Elyo Reportagem
DIAGRAMAÇÃO E
vezes não conhecemos a fundo quem literalmente está ao nosso lado todos os dias.
Bruce ingressou na UFPI em 2013 e me conta como foi parar no curso:
BRUCE FERREIRA: DA COMUNICAÇÃO Á ARTE
FERNANDA RODRIGUES
Ocurso de Comunicação da UFPI é gerador de potências desde sua fundação. Muitas pessoas incríveis passaram e vão passar por ele. Eu tenho essa certeza desde o primeiro dia de aula. Era uma sonhadora do interior do Piauí que veio para a capital em busca de expressar externamente toda aquela imensidão que tinha dentro de si.
Nessa chegada à Universidade, me deparei com diversas pessoas que, só de olhar, mudaram um pouco da genética da minha cabeça. Entre elas, tinha uma figura que me saltava os olhos nas festas promovidas pelos alunos do curso: Tainah Porta. Uma drag queen que se apresentava nas famosas calouradas e vinhadas. Foi a primeira vez que vi uma drag queen pessoalmente. Aquela artista me inspirava. A bixa tocava só as músicas
boas, performava, e dava muito close. Para mim, só isso bastava para me tornar fã.
Tive a oportunidade de conhecer a pessoa que estava por trás, ou melhor, por dentro daquilo tudo.
Bruce era o nome da bonita. Naquela época tínhamos pouco contato, eu só admirava de longe aquele que era um dos veteranos mais famosos, e que acima de tudo sempre estava engajado no Centro Acadêmico. Hoje tenho a sorte de estar sentada ao lado dessa pessoa no meu local de trabalho. Uma parceria que tem dado certo.
Não poderia deixar de falar sobre ele e sobre sua história no curso. Então puxei logo uma daquelas entrevistas aleatórias que se faz com os amigos. E na minha opinião são as melhores entrevistas, porque muitas
“Eu escolhi o jornalismo porque não tinha publicidade e propaganda (o que acontece com muitos alunos) e quando fiz um teste vocacional, deu que a minha primeira opção seria um curso de artes, artístico…, mas o que me foi orientado pelas psicólogas era procurar minha segunda opção, a comunicação. Foi meio que como segunda opção, já que a primeira era ser artista. O que eu sempre quis”. Ser artista estava nas suas veias. Desde quando era aluno do tradicional Colégio Diocesano, uma escola católica que ironicamente era o lugar preferido de um jovem LGBT. Ele sempre encontrava uma forma de aparecer, nos eventos, gincanas etc.
Assim que concluiu o ensino médio, buscou um curso técnico em comunicação, o que lhe deu a oportunidade de conhecer o curso antes mesmo de entrar: “Tive a oportunidade de participar do Enecom Piauí (Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicação Social), um momento que marca a minha entrada na universidade, porque eu tive uma semana de ‘tratamento de choque’, digamos assim, porque recebi informações que a minha bolha, minha vida privilegiada na classe média não me deixava enxergar, do mundo, das pessoas ao meu redor, das pessoas que iam estudar comigo etc”.
Bruce também me conta sobre as possibilidades que o curso oportunizou: “a universidade abriu portas e contatos com pessoas que me
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Tainah Porta no Carnaval Salve Rainha. Foto: Jhonatan Dourado
Tainah Porta na Calourada 2018.1. Foto: Arquivo Pessoal
mostraram o mundo, principalmente porque se eu não estivesse no curso, eu não teria entrado na AIESEC, eu não teria tido as experiências profissionais que eu tive, tanto trabalhando em São Paulo, quanto no meu intercâmbio na Argentina. Sem conhecer a Enecos (Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social) eu não ia ter essa mentalidade que eu tenho hoje, tanto de empatia, como de conhecimentos políticos. A minha consciência antirracista, antitransfóbica e todo esse movimento cultural que eu faço parte vem muito da minha relação com os universitários”.
Essas portas também foram profissionalmente abertas para a Drag Queen: Tainah Porta, uma artista
que surge nas calouradas: “O fato de ser do CACOS (Centro Acadêmico de Comunicação Social) e estar envolvido com o movimento estudantil foi o que me deu essa oportunidade como artista, eu tocava nas calouradas e fui a primeira DJ de calourada da UFPI. Antes eram festas com voz e violão, as chamadas ‘vinhadas’, que acabavam cedo. Depois, as gestões do CACOS que eu trabalhei inovaram e criaram esse formato de festa que é conhecido até hoje nas calouradas da UFPI. Mas começou comigo. O curso me abriu as portas para que eu fizesse essa mudança. Já que eu não tinha a oportunidade de me mostrar, não tinha contatos, então no curso eu criei essa oportunidade. ”
onversa vai, conversa vem, começamos a refletir sobre as mudanças que estão acontecendo no curso e aqueles fatores que mais pesaram no nosso distanciamento em relação à universidade: “O que mais me distanciou do curso muitas vezes foi a sala de aula, sabe? Não tinha vontade de ir pra UFPI assistir a aula, os professores extremamente desatualizados e muitas coisas que atrapalhavam muito. Tanto que o que aconteceu foi um desinteresse dos próprios alunos que acabou afetando os poucos professores que se dedicavam ao curso fazendo com que esses fugissem para a pós-graduação. Então os melhores professores do curso hoje dão uma matéria na graduação no período…”
São tantas reflexões e memórias dos momentos incríveis vividos. Durante nossa conversa também me empolguei relembrando como foi o início do curso para mim. É incrível pensar como tínhamos projetos e ações tão especiais na nossa graduação, como os estudantes eram extremamente engajados em ajudar uns aos outros. Bruce é só uma das almas que teve a oportunidade de brilhar a partir da comunicação. Deixo aqui uma reflexão: podemos deixar o curso morrer? Esse lar de tantas vivências e transformações tem que permanecer com a chama acesa. Espero que os próximos continuem. Fica a esperança de dias melhores para o curso de Jornalismo da UFPI.
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Bruce no trote dos calouros 2013.2. Foto: Arquivo Pessoal
Tainah Porta na Parada de Cinema 2022. Foto: Jhonatan Dourado
Mulher de visão
Por Letícia Benício e Sabrina Alana
Era Tela branca. Espaço aberto com cajueiro ao lado do prédio da rádio universitária. Paredes com colagens, pixos, desenhos e pinturas. Jovens circulam pelo local. Música tocando ao fundo. Um grupo de universitários conversa rindo.
Dentro dos muros da Universidade Federal do Piauí, Milena Rocha virou jornalista, mas muito antes, já era contadora de histórias. Desde os 12 anos de idade a menina de Santa Cruz do Piauí já sabia que queria comunicar e participava de uma rádio comunitária
mesmo sem saber que o futuro a levaria para a emissora mais renomada do país.
Como é de se imaginar, uma garota do interior do Piauí não vem ao mundo munida de muitas oportunidades, o sonho de trabalhar com comunicação precisou ser moldado ao que estava ao alcance da família e da base de apoio de Milena. Ela se mudou para a capital e ingressou na universidade em busca de espaço para dizer e mostrar e foi lá que Milena começou a aprimorar as técnicas de direção que renderam prêmios e o destaque necessário para
escalar um degrau gigantesco rumo a uma carreira promissora que ainda está apenas no início.
Durante a graduação as ideias, não só da Milena, mas de outros colegas, começaram a fervilhar. Ela e outros amigos se juntaram no coletivo Labcine, onde histórias acumuladas nas vivências dos jovens começaram a se encaixar na visão artística e política que se formava nas salas de aula e nos corredores e vivências da universidade. Milena conta com apreço sobre os papéis que desempenhou em seus primeiros documentários.
“O primeiro documentário que eu dirigi foi o ‘Mulheres de Visão’, que foi o meu próprio TCC, mas eu compartilhei
muito do processo de produção, captação, roteiro e montagem do ‘Pranto do artista’ que foi TCC do Wesley. No próprio TCC do Germano também trabalhei como produtora e também fiz entrevistas. A gente era uma galera que se reunia pra fazer os TCCs juntos e TCCs acabavam tocando em temáticas muito emergentes e pulavam os muros da universidade através de mostras de cinema.”
O Mulheres de Visão, rendeu o diploma da jovem repórter, mas também rendeu premiações. O curta traz um trabalho de edição delicado com um olhar sensível sobre a vivência de pessoas com cegueira ou baixa visão.
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As histórias se contam dentro de um compasso leve, imagens descontraídas mostram personagens carismáticos em tarefas diárias, em conversas corriqueiras. Dá para sentir o cuidado dedicado à obra pelos realizadores, as imagens claras, e a tela branca que frequentemente invade a cena para a troca de cenário, junto com uma narração descritiva de ambientação formam uma atmosfera que traduz para o espectador as vivências dos personagens que calmamente passam pelos quadros ao longo de 23 minutos.
Nos outros trabalhos realizados por ela e os amigos da universidade, o mesmo cuidado aparece. Títulos cheios de personalidade, cultura e visão política começaram a ser produzidos.
Pequenos curtas ilustrando realidades escondidas no universo piauiense, tendo suas histórias contadas por jovens em busca de voz. Ali, já fora dos muros da UFPI, a Milena ainda participou de outros tantos curtas com o coletivo Labcine, sempre em busca de contar, ou ajudar a contar uma história que merece ser ouvida e vista.
E além de contribuir com a cena cultural da capital, participando e ajudando na organização de mostras de cinema e outros eventos para promoção do cinema local, ela ainda encontra tempo para palestrar para jovens que sonham em ser uma Milena Rocha.
Tela Branca. Universidade lotada de pessoas. Alunos veteranos conduzem uma dinâmica com calouros pintados.
Era 2018, em meados de agosto, o carretel fervilhava de calouros barulhentos empolgados com o início das aulas onde todos esperavam virar jornalistas dentro de algum punhado de meses agrupados em oito períodos. Em um ritual conhecido para quem já frequentou os corredores de uma universidade, ‘veteranos’ davam boasvindas a uma turma recém-chegada.
Em um círculo, eu e mais 30 colegas ouvimos enquanto um mundo de oportunidades era colorido no anúncio da programação da semana do calouro
de 2018.2.
Entre palestras, comunicados e orientações, saltou em todos nós um leve magnetismo quando ouvimos sobre a aluna que seria integrante do Profissão Repórter. Alguém que esteve ali, como todos nós, e que agora, como que num conto de fadas entre lentes e equipamentos, iria ser parte de histórias e vozes, contadas para milhares de pessoas. Virou uma inspiração para a maioria das pessoas ali que estavam nessa etapa de sonhar com o futuro da profissão escolhida. A Milena.
Que Milena?
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Aquela que vai pro Profissão Repórter Nossa… Perfeita.
Era como se as possibilidades se tornassem possíveis. Havia ali perto, alguém que, mostrando pontos de vista e roteirizado situações que às vezes passam despercebidas na maioria das pessoas, conseguiu ser vista e ouvida. E ainda mais, para ser vista e ouvida, usou a voz que ganhou ali mesmo, onde eu e outro pequeno aglomerado de estudantes deslumbramos a ideia de seguir os passos da aluna prodígio.
Tela Branca. Milena Rocha aparece em frente a um computador na redação em estúdios da Globo. A chamada do programa Profissão Repórter anuncia a nova repórter do elenco na TV.
Ver a Milena na TV é ver um encanto que ela já deixava impresso nos filmes em que participou da produção e direção. Ela aparece, hora calma, e ri em meio a cobertura das pautas, hora aparece a Milena jornalista, focada em capturar as nuances da situação da melhor maneira.
E lá do Rio de Janeiro, a repórter da Globo, tirou um tempo para conversar
com as calouras de 2018 e as respostas trouxeram muito mais que material para produção desta matéria, chegou nos áudios de respostas das perguntas uma vontade de alavancar outras Milenas e a narrativa de uma trajetória que se formou a partir da vontade de
uma garota de mostrar o mundo de outras formas, e que se tornou possível através de união, amizade, arte e muito afinco por comunicar de formas inclusivas, afetivas e contundentes.
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Agnes Moita e Carlos Eugenio
Tarólogas Da curiosidade ao despertar da vidência
“Quando o discípulo está pronto o mestre aparece”.
Assim diz Hermes Trismegisto sobre o despertar para o estudo exotérico.
Todos nós quando crianças temos curiosidade pelo mágico, pela magia. O mágico do circo, fadas madrinhas, bruxas e bolas de cristal.
Dos contos de fadas medievais às cômicas personagens de Walt Disney: Maga Patológica e Madame Min, a humanidade é curiosa pelo mágico, a magia, ou quando tratamos da parcela de humanos descrentes de que “mistério sempre há de pintar por aí”, encontramos os loucos e fascinados pela ciência e busca da verdade.
O relato a ser contado é sobre três mulheres que descobriram sua magia e sabedoria interior de formas muito diversas através do Tarot.
Esta matéria pretende mostrar minha ótica como também taróloga, médium, benzedeira e quiromante, sobre as histórias de mulheres categoricamente distintas, iguais apenas na devoção de
seu coração as cartas. É uma tarde de segunda. Passeio pelos corredores da universidade tomando um café. Ouço uma música boa, vinda de um banco, na praça de filosofia do CCHL. Me aproximo e vejo duas pessoas ali sentadas. “A música de vocês me chamou para cá, posso tomar café aqui?”. Sou calorosamente recebida por Kaede e Larissa e passamos a conversar.
Kaede, uma garota trans, de fisionomia etérea, se assemelha a uma elfa. Sua energia exala mistério como a carta do arcano do Mago. Me senti livre
para dizer isto a ela, que responde ter adorado “minha energia”. O relógio marca 17:17 e vemos o horário todas juntas. Pergunto à Kaede se ela sabe que para cada hora espelhada há uma carta no Tarot:
“Não, sabia e olha que sou taróloga, você também?’ Respondo que sim e mostro a ela a carta da Estrela. Lemos a mensagem e a carta faz sentido para mim, ela e Larissa que acompanhava a conversa.
Papo incrível. Estava sem pauta para a matéria para a Oxente. Do nada entendi que a expressão de cultura que eu poderia levar estava ali diante dos meus olhos, arraigada na minha rotina e num estalo, uma virada, me veio a razão que cultura não é um bicho exótico longe de nós, enjaulado como um mamute em um circo. É simplesmente a riqueza do cotidiano, por mais que este cotidiano seja para alguns, totalmente inusitado. Essa é a mágica da coisa.
Resolvi então que faria uma matéria sobre mulheres tarólogas. Kaede com seu ar de mistério e seus cabelos soltos ao vento, me inspirou a contactar duas tarólogas que eu conhecia: Carol, 30 anos e Alejandra, 60 anos, Chilena, residente em Recife.
Conheci Carol há 7 anos atrás, através de um sobrinho dela. Ficamos amigas de imediato em 2016. Na época ela morava em Recife, vindo morar em Teresina apenas em 2020. Sempre fomos parecidas em tudo na espiritualidade. Ela do tarot, eu da quiromancia, ambas ligadas pela vidência. Resolvi ligar e conversar um pouco. Somos aquele modelo de amigas que se veem raramente, se ligam raramente, mas estão sempre conectadas, como se soubéssemos o que a outra pensa. Como ela mesma diz: somos Rita Lee e Fernanda Young. Eu não tinha falado ainda que estava jogando cartas (comecei em dezembro). Ela imediatamente em tom jocoso fala ao telefone “eu sabia que tu estavas aprontando sua bruxinha!”. Depois de colocarmos papo em dia ela desliga o telefone e manda o depoimento dela por áudio:
Sobre o Tarot, Carol é bem taxativa. ´´Ele não é um mecanismo de adivinhação. E vou muito mais além. O Tarot ele não diz aquilo que você quer ouvir. Ele diz aquilo que tem que ser dito. E está lá no subconsciente, está lá dentro de você. Ele tem seus mistérios. Por quê? Porque ele é regido por todos
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Quadro Tristeza de Or por Tereza Alejandra Arce
Tereza Alejandra, chilena residente em Recife, pintora, astróloga, cartomante e membra da Ordem Rosa Cruz
os arcanjos e tudo que você imaginar e toda força que todos os pranas, todas as energias, todos os chacras e assim vai as pessoas tem que ter uma certa intuição. ´´, diz Carol.
´´Eu faço Tarot, faço como troca, não troca de moeda e não troca de pra ser mercenária, pra ser alguma coisa do tipo. Não. A troca é uma troca humanística é uma troca de bem-estar.
É se as pessoas não tem dinheiro pra pagar tudo bem, tranquilo porque a pessoa está precisando. Então eu vou muito mais além. O tarô não é um mecanismo de barganha. É o Tarot é o mecanismo de ajuda. Porque as pessoas estão perdidas. Dentro delas mesmo, porque o resultado e tudo está dentro delas e claro com todos os chacras começando o básico o esplêndido o plexo frontal, todos os chacras, todas as energias elas têm que emanar e elas emanam muito bem e comigo vai muito bem e eu gosto de fazer o que eu faço´´, completa.
É uma terça feira. Mal posso esperar para encontrar com Kaede e entrevistá-la. Ela só não sabe disso ainda. Nos encontramos novamente, nesses encontros casuais que só a UFPI proporciona. Horas conversando, desenhando em nossos cadernos e noto que ela está com o baralho dela em mãos. Pergunto se ela está com alguma angústia no peito, se quer pedir discernimento: “Se você quiser, posso jogar as cartas pra ti”. Não me surpreendo mais com as respostas
porque essas perguntas quem faz é minha intuição. A resposta foi um sim claro e objetivo, seguido de um “como você adivinhou?”. Coisa de quem acredita que o mundo não é cartesiano. Que há algo além de nós. Tiramos o jogo e pedi para ela me contar um pouco sobre a experiencia dela com o baralho. Falei que tinha decidido fazer uma matéria, perguntei se ela gostaria de participar, e se
poderia gravar o depoimento. ´´Minha experiência enquanto pessoa taróloga, eu considero um tanto excêntrica porque o Tarot revelou muitas coisas sobre a minha espiritualidade. Eu costumava ser uma pessoa bem cética antes de começar a tirar e fui de um ponto para o outro em relação a ceticismo e espiritualidade muito rápidos pela experiência de tirar cartas´´, diz Kaede. Em seguida, vem a explicação para o início dessa aventura espiritual. ´´O que me levou para o Tarot? De começo foi um interesse antropológico que sempre tive pela magia, independente de acreditar ou não, achava interessante como fenômeno mesmo, que era prática que as pessoas faziam e fazem ainda. Eu sempre gostei de cartas, como iconografias. Comprei um Tarot
como quem não quer nada, e a partir daí as coisas começaram a bater muito. Começou a entrar em conflito com o meu ceticismo, a ser um acúmulo de coincidências que bagunçou as minhas percepções de ser, da realidade´´.
Mas afinal, quem são os tarólogos?
Um dos pontos desta matéria também é fazer conhecer a origem do tarot e como ele se difundiu no ocidente a ponto de nos dias de hoje, ser considerado até uma moda.
O Tarot tem sua origem no povo cigano. Os ciganos foram perseguidos e marginalizados ao longo da história em diferentes épocas. Ao contrário do povo judeu, por exemplo, eles estão longe de constituir uma homogeneidade. Ambos sofreram bastante, mas o judeu tem uma identidade étnica e religiosa que permitiu mesmo o estabelecimento de
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Página da entrevistada @tarotcomela
Baralho utilizado Por Carol
um Estado-nação como Israel – algo impensável para os ciganos. Desta forma levaram o nomadismo como estilo de vida – forçados ou não – e não se fixaram em determinada região, suas práticas e modos chegaram a cantos, países e culturas totalmente diferentes. O Tarot é um exemplo. A própria origem do Tarot mostra o espírito multifacetado do povo cigano: França, 1772, com Madame Lenormand, uma cartomante francesa célebre durante o período da era napoleônica. Na França, Lenormand é considerada a maior cartomante de todos os tempos, com grande influência na onda da cartomancia do país ao final do século XVIII. Façam as ressalvas para ocasionais imprecisões históricas, mas tal surgimento é o mais aceito. Respostas rápidas e diretas para
dúvidas e inquietações cotidianas em 36 cartas, eis o Tarot.
Hoje, porém o baralho mais popular e amplamente utilizado é o de Arthur Edward Waite, um místico inglês nascido nos Estados Unidos que escreveu e estudou intensamente os assuntos do mundo esotérico, sendo conhecido principalmente por ser cocriador do baralho de cartas de Tarot intitulado Rider-Waite bem como o seu guia, Key to the Tarot (1910), republicado de forma ampliada em 1911 como A Chave Ilustrada do Tarot.[5] Este é o baralho que comumente encontramos para vender em absolutamente qualquer lojinha de artigos esotéricos ou religiosos e até sites como ali express, americanas, shoppee.
O Tarot ao longo dos séculos se sobressaiu de uma cultura de um povo marginalizado, para uma moda e curiosidade entre jovens das décadas de 60, 90 e dos anos 2000, que para muitos levou ao despertar da vidência.
O próximo relato é de Alejandra Arce Fenelon, para mim, Tia Alejandra. Chilena, casada com meu tio avô e madrinha do meu pai. Uma mulher mística, membra da ordem Rosa Cruz, que há muitos anos estuda ocultismo e os mistérios do planeta.
Alejandra tem 74 anos e trabalha com mapas astrais, cromoterapia, cabala, cristais e benzimentos. Era quinta à tarde quando liguei e ela muito ocupada com o “ano novo astrológico que estava por vir na segunda” me
prometeu um áudio contando sua história com as cartas:
´´Na minha casa se jogava muito canastras e depois eu comecei a pegar em umas cartas, mexer nelas e gostei da textura, da sensação e comecei a colocar cartas no meu quarto, sozinha, era filha única. E comecei a adivinhar algumas coisas. Na minha cabeça eu estava brincando, pois não havia nenhuma técnica, era totalmente intuitivo. Algumas amigas descobriram me pediram, eu coloquei, mas sempre rindo, achando que era até uma invenção minha, mas não é que deu certo? Daqui a pouco as pessoas vinham me dizer que tudo que eu tinha dito estava acontecendo e eu comecei a ficar impressionada, lógico´´.
´´Minhas cartas ficaram famosas
dentro do ambiente mais próximo. Mas eu não queria colocar jogo para família nem amigos porque não queria saber nada do que poderia acontecer com eles, especialmente com parentes mais próximos como mãe, pai e filhos. Acontece que espiritualmente eu nasci com uma cigana que me acompanha desde o nascimento e na verdade quem colocava as cartas era ela. Sempre coloquei cartas intuitivamente, sem nenhuma técnica. Com o tempo comecei a ler sobre tarot, comprei vários tarots, mas me sinto à vontade mesmo com as Barajas espanholas, que são aquelas cartas feitas para jogar mesmo´´.
Eis a nossa viagem por esse mundo complexo e cheio de possibilidades chamado Tarot.
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Brilho eterno das estrelas juninas
Por Pedro Humberto
Oritmo dos pandeiros, das sanfonas e das zabumbas anuncia a chegada dos quadrilheiros. Em cada passo, um toque, uma coreografia que desenha no ar o retrato da cultura nordestina. No Piauí, a tradição das quadrilhas juninas é forte e cada vez mais popular.
São inúmeros os grupos que se reúnem para dançar, ensaiar e competir em festivais que celebram a cultura do São João. O figurino é caprichado, com vestidos coloridos, chapéus de palha, bandeirolas e enfeites típicos. Mas a
paixão dos quadrilheiros vai além do visual: é a história e a tradição que movem esses artistas.
No coração do Piauí a quadrilha junina “Explosão Estrelar” foi Campeã Estadual em 2018 e 2021, e Vice-campeã Estadual em 2019. O grupo é formado por jovens e adultos que dedicam horas de ensaio para apresentar uma performance impecável nas competições. Um deles é Ronney Oliveira, um jovem jornalista, ex-estudante da UFPI, tão apaixonado por quadrilha que esse foi
o tema de seu TCC, um documentário chamado “Por trás do Brilho: Porque olham para fogueira, mas não veem o São João.” “A importância da dança da quadrilha é reafirmar a história. Isso não é algo recente, mas sim uma tradição histórica. Portanto, é crucial manter essa tradição para mostrar às pessoas o resultado da nossa cultura.
A importância está em reafirmar as tradições e formas de se divertir.” Ressalta Ronney.
O documentário, cheio de cor e beleza mostra os bastidores da produção dessa festa gigante, e como ela vai muito além da dança, dependendo de inúmeras pessoas que embora não estejam se apresentando são o esqueleto que fornece a sustentação
desse corpo que dança e alegra as noites juninas.
A cada ano, novos grupos surgem, movidos pela paixão pela cultura nordestina e pela vontade de manter viva a tradição das quadrilhas juninas. Eles se dedicam aos ensaios, aos figurinos e às coreografias para encantar o público e mostrar que a dança é uma forma de contar a história do povo brasileiro.
No entanto, nem tudo são flores para os quadrilheiros, como nos conta a fabulosa dama junina Denise Cristal, também estudante da UFPI e membro da pentacampeã estadual Lua de Prata:. “Nós começamos nossos ensaios em fevereiro e, nesse
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Foto: Bernardo Sousa.
período, ensaiamos somente nos finais de semana (fevereiro, março e abril). No entanto, a partir de abril, os ensaios passam a ser diários à noite e vão até de madrugada. Muitas pessoas que estudam ou trabalham precisam acordar cedo no dia seguinte para ir ao trabalho, faculdade ou escola. Portanto, o maior desafio para o brincante hoje em dia é equilibrar os ensaios e trabalhos de produção com sua vida pessoal, pois requer muita dedicação e tempo. Por isso, as pessoas que dançam quadrilha junina são aquelas que realmente amam a cultura e o movimento, porque é difícil em termos de adaptação e financeiramente. O quadrilheiro gasta muito com produção, figurino,
sapatos, arranjos e outras coisas. Mesmo assim, todos esses gastos e dificuldades valem a pena quando começam as apresentações e vemos no rosto do público e dos jurados que eles gostaram do nosso trabalho. Aí, esquecemos de todos os problemas e dificuldades que enfrentamos durante o processo.” Ela fala com a legítima paixão que só quem sua, chora e sangra pela arte conhece.
Além das hercúleas rotinas de trabalho, outra dificuldade enfrentada pelos dançarinos, como para quase tudo no nosso país, é a falta de recursos financeiros. É preciso se dedicar muito à venda de rifas e outros itens para arrecadar fundos e construir todo o enredo, além de ajudar na elaboração
das fantasias e em todo o processo de desenvolvimento do grupo. Como bem aponta o jovem quadrilheiro Ronney, ele também ressalta que a dificuldade financeira aponta para várias outras questões, desde a necessidade de aprender a costurar para poder dançar até sair para vender rifas e outros itens para arrecadar dinheiro.
Para os quadrilheiros, dançar a quadrilha junina é uma forma de celebrar a cultura e a tradição do São
João, uma festa que representa a alegria e a diversidade do Nordeste. É também uma forma de manter viva uma herança cultural e de promover inclusão e diversidade. “Hoje a quadrilha é mais do que uma dança.
“A quadrilha é um ato de protesto. Os grupos têm usado suas apresentações
para levantar pautas importantes, como questões políticas, por exemplo”. Explica o brincante.
E para cumprir seu papel social, a atividade dos quadrilheiros precisa de apoio. “O que deve ser feito é aumentar o investimento, afinal os grupos hoje têm um viés social também e acolhem pessoas das periferias, incentivando o uso de seus talentos naquele meio. Portanto, é uma ação social que precisa de investimento.” ele completa pensativo. E Denise concorda plenamente com o posicionamento do colega quadrilheiro: “A quadrilha junina e o São João em si representam inclusão e aceitação. Não é apenas um grupo de dança, mas abrange muitas pessoas e abre portas. Olha só, o São João gera empregos e ajuda as pessoas a descobrirem novas coisas sobre si mesmas.”
Esse “abraço” das causas sociais é apenas mais uma questão que veio com a evolução e modernização dessa arte que convida a tradição e a modernidade a fazerem as pazes. Como a própria vida e o universo a quadrilha foi se modificando, como bem nos conta nossa dama junina: “A evolução da quadrilha junina pode ser percebida muito pela questão visual. As quadrilhas juninas hoje em dia têm muito brilho, glamour, chiqueza e luxo. Os figurinos são bordados e bordados, com fortunas em pedras, cristais e tudo mais. Os figurinos antigos eram
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Foto: Bernardo Sousa.
feitos de chita, as maquiagens eram mais simples. Então, acho que a maior diferença na evolução do São João de antigamente para o São João de hoje em dia é a questão visual, tanto figurinos quanto cenários.”
“E não é apenas o visual, a dança também evoluiu muito. As marcações que fazíamos antigamente hoje em dia já não são mais feitas. Quando uma quadrilha junina resolve inserir uma marcação antiga dentro de uma coreografia atual, torna-se algo diferente e inovador, pois hoje em dia já não se faz mais isso. Quando colocamos o ‘matuto’ dentro de uma apresentação atual de uma quadrilha junina, torna-se algo diferente e as pessoas gostam porque não é algo que
se vê muito hoje em dia.” Ela completa deslumbrada com os próprios pensamentos.
Apesar disso tudo, dessa inevitabilidade da mudança e da atualização, a tradição junina soube se atualizar sem jamais abandonar suas raízes, muito pelo contrário, o são joão é um fator imprescindível para a conservação da cultura do nordeste.
“A cultura junina não pode nunca ser morta! Jamais! Jamais! Ela deve continuar a viver por muitos e muitos anos! Enquanto existir a humanidade!” Exclama a quadrilheira com uma paixão ardente que se iguala às chamas das fogueiras típicas.
Outro elemento onipresente nas
quadrilhas é a religiosidade. Afinal de contas, a festa surgiu justamente em homenagem ao santo católico de mesmo nome. Inclusive, foi através da igreja que o ainda infante Ronney entrou no mundo da dança nordestina: “A primeira vez que participei de uma quadrilha grande e profissional foi em 2013, quando eu tinha 13 anos. Eu fazia parte de um grupo da igreja, e a quadrilha era composta justamente por membros da igreja e pessoas do meu bairro. Vendo meus amigos envolvidos, senti vontade de participar também. Foi isso que me incentivou a entrar para o grupo.” Ele relembra com nostalgia.
E quando falamos nessa religiosidade, que a propósito também é um elemento importantíssimo da formação cultural e identitária do nordestino, nossos dois quadrilheiros de grupo rivais concordam plenamente em algo: A
dança não pode começar sem antes uma oração, e sem antes entregar toda aquela alegria e energia nas mãos de Deus. E se Ele quiser, ganhar o prêmio da noite.
Lógico que quando todos se dedicam e se esforçam tanto para dar seu melhor, surgem disputas. Lua de prata e explosão estelar são rivais nas disputas piauienses, mas Denise garante que isso ocorre apenas nas competições: A rivalidade existe dentro de quadra. Cada quadrilha luta para apresentar o melhor espetáculo e vencer o festival. No entanto, fora de quadra, todos são amigos, parceiros e se ajudam, pois o movimento é um só.” E assim, dando seu melhor e se esforçando, os quadrilheiros vão convergindo para seu colorido caminho de manter viva a chama da tradição nordestina e fazer a luz da estrela do são joão ser eterna.
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Foto: Jonas Andrade
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