Foco 190

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Paulo Castelo Branco

Engano

ARTIGOS

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stava tranquilo quando foi abordado numa blitz policial. Os policiais solicitavam identificação aos passantes numa avenida movimentada. Ao vê-los, não se preocupou e seguiu em frente, sabedor que a presença da segurança servia para inibir possíveis marginais. As pessoas escolhidas eram separadas por uma gentil e bonita policial que portava só a sua arma de defesa pessoal, de grosso calibre. À sua retaguarda, dois policiais vestidos de preto garantiam a ação. Em uma mesa, outra jovem com cabelos loiros e presos numa toca negra, olhos possivelmente azuis, com as mãos, possivelmente sedosas, cobertas com luvas de borracha, operava um computador portátil. Parou, colocou as mãos na parede, abriu as pernas e submeteu-se ao “baculejo”, denominação vulgar da revista geral. Em seguida foi encaminhado à mesa. Sentou-se. A policial o olhou por sobre os óculos escuros solicitando sua identidade. Pegou a carteira e, num relance, reviu a imagem da netinha, que carregava orgulhoso. É linda, pensou, sorrindo. Apresentou o documento. A policial leu seu nome em alto e bom som: – Gurialdo dos Santos Xereta? – Sim, respondeu. – Profissão? Engenheiro. – Especialidade? Eletrônica. – Emprego fixo? – Sim, na Companhia Nacional de Petróleo. – Residência fixa? – Sim, SQS 64, bloco Y, apartamento 32. – Telefones? Sim, 32333.1212, 0800.101013 e residencial 76655.444432. A policial digitalizou os dados e disse-lhe: – Um momento, por favor. Em poucos segundos, o computador deu sinal de resposta. A policial se levantou, chamou um colega e disse: – Grampeia. Foragido da justiça. Foi algemado e levado até um camburão. Sentado no banco frio, surpreso, perguntou a si mesmo o que estava acontecendo. Não via nenhuma razão para ter sido detido. – Deve ser um engano que logo será esclarecido, murmurou. O melhor que faço é aguardar e esclarecer a questão na delegacia. O camburão se encheu com outros investigados. Ao seu lado sentou-se um homem de boa aparência que não pagara

a pensão alimentícia. À sua frente – reconheceu de telejornais – um criminoso famoso que já matara mais de dez pessoas a sangue-frio. Igualmente ao homem da pensão atrasada, tinha ótima aparência. Vestia-se com apuro e na moda, em camisa esportiva azul-escuro, com números imensos e jogadores de pólo montados em seus vistosos cavalos dourados. Estava sereno e de olhos cerrados. O último a chegar foi um jovem com sua mochila, exalando cheiro forte e enjoativo. O veículo se movimentou e percorreu um curto percurso. Todos os ocupantes, em fila, foram encaminhados a uma sala com bancos de madeira. Sentaram-se e tiveram um dos lados das algemas presos a argolas. Após alguns minutos, chegou o delegado. Estava vestido numa jaqueta com símbolos oficiais nas mesmas cores da camisa de grife. Disse: – Estamos colocando em prática as determinações da nova lei que determinou a liberação de 200 mil presos provisórios e permitiu o pagamento de fiança em crimes de menor potencial ofensivo. Os senhores e senhoras foram detidos para que pudéssemos esclarecer a situação de cada um. Serão novamente ouvidos por um delegado e terão as suas declarações lavradas a termo por um escrivão. Em seguida foi feita a chamada. Gurialdo foi o terceiro do grupo a ser interrogado: – O delegado releu as informações determinando que fossem confirmadas. Gurialdo confirmou-as. – Alguma outra informação que considere importante e que nos ajude a esclarecer o seu caso? Gurialdo perguntou do que o estavam acusando. O delegado respondeu: – O senhor está sendo procurado por assassinato e assalto a banco. – Olhe, senhor delegado, deve ser um engano, pois sou engenheiro da Companhia Nacional de Petróleo há mais de trinta anos e estou prestes a me aposentar. Nasci aqui e tenho excelente reputação. Confirme a minha filiação e constatará o erro. O delegado retrucou: – O senhor acha que um sujeito chamado Gurialdo dos Santos Xereta pode ser confundido? – Gostaria de me comunicar com o advogado do meu sindicato, encerrou. O delegado reexaminou os dados no computador, chamou um policial e determinou que as algemas fossem retiradas. Gurialdo esfregou os pulsos. – Foi um engano nosso, disse o delegado. O fugitivo chama-se Guriardo dos Santos Xereta, o senhor está livre. Gurialdo levantou-se, cumprimentou os policiais com um gesto e disse: – Os senhores acham possível um sujeito de nome Gurialdo ser confundido numa blitz policial? Vou sair pelo país me defendendo de acusações infundadas.


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