Revista Educação - Abril 2023 - Edição 293

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Grandes autores Escolas e famílias temem o livro, alerta Pedro Bandeira

Internacional Saúde mental: adolescentes e o poder de ajudar uns aos outros

EDUCACAO

Joaquim Maná Huni Kuĩ

Jovens indígenas preferem falar em português e preocupam lideranças

Matemática

ANO 27 Nº293

Fonte de medo e prazer, ela ainda é o maior desafio da educação brasileira

revistaeducacao.com.br

MANUELA

De Regina

Rennó

FREDERICO, FREDERICO

De Simone Mota

PRETINHO, MEU BONECO QUERIDO

De Maria Cristina Furtado

QUE CABELO É ESSE, BELA?

De Simone Mota

MAIORIA MINORIA

De Tânia

Alexandre Martinelli

GANGA ZUMBA

De Rogério Borges

BATERIA 100% CARREGADA De Severino Rodrigues

UM ENCONTRO COM A LIBERDADE De Júlio

Emílio Braz

MEU AVÔ, OS LIVROS E EU OU COMO RESISTIR EM TEMPOS INCERTOS

De Camila Tardelli

AOS DEZESSEIS De Annelise Heurtier

VENTO FORTE, DE SUL E NORTE De Manuel Filho

O NAVIO NEGREIRO

E outros contos de Castro Alves

RACISTA, EU? Afrobrasilidades e a luta antirracista

De Cristina Astolfi, Flavia Natércia e Silvia Panazzo

VOCÊ, EU, TODOS NÓS

Direitos Humanos e sociedade

De Isabel Lorch Roth

REFLEXÃO ANTIRRACISTA DE BOLSO

Conversa preta: diálogos sobre racismo nas convivências por meio da educação e da literatura

De Sonia Rosa

MEC: enfrentar o desmonte e retomar os avanços

No quarto mês do ano, as prioridades da atual gestão do MEC seguem sob intensa disputa, sobretudo quanto a dois pontos nevrálgicos: o “novo” ensino médio (NEM) e o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM).

O NEM foi imposto pela MP 746 (Medida Provisória) baixada pelo governo Temer em 2016, pouco depois do golpe político-institucional que impediu a então presidenta Dilma. Transformada na Lei 13.415/2017, sofre severas críticas de amplo espectro de entidades científicas e educativas nacionais, com base em estudos que têm comprovado que o NEM acentua as desigualdades no acesso, na permanência e na conclusão do ensino médio.

Enquanto uma nova lei que revogue o NEM não é aprovada pelo Congresso Nacional, o MEC deve tomar as medidas que lhe cabem, como suspender a portaria 521/2021, editada pelo governo Bolsonaro, que estabelece cronograma de implantação do NEM. É preciso retomar o processo de ampla discussão sobre a reforma curricular do ensino médio, iniciado em 2003 e que resultou, por exemplo, no Programa Ensino Médio Inovador (Portaria 971/2009), nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (Resolução CNE n. 02/2012) e no Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio (Portaria 1.140/2013). Ou seja, é inegável a necessidade de reforma dessa etapa da educação básica, o que vinha sendo feito em um processo de diálogo amplo e plural, que foi interrompido.

O PECIM, por sua vez, foi criado pelo governo Bolsonaro para despejar recursos financeiros nas contas bancárias de agentes militares que nada têm a ver com educação e são contratados como gestores escolares, o que por si já faz desse programa uma excrescência. Esses agentes, aliás, recebem remuneração maior do que os educadores. Ainda fere princípios constitucionais, não tem alinhamento com a LDB e o PNE, além de ser alvo de incontáveis denúncias de assédio moral, sexual, abusos físicos e psicológicos praticados por agentes militares contra estudantes. Ou seja, não só o programa federal requer revogação imediata, como o MEC precisa buscar formas de desestimular iniciativas similares nos estados, DF e municípios.

Ao longo dos próximos três anos e oito meses o MEC precisa trabalhar continuamente para enfrentar o desmonte operado na gestão anterior, retomar os patamares alcançados até 2014 e superá-los. Afinal, os desafios históricos da educação num país injusto e desigual como o Brasil foram agravados pela pandemia. É preciso avançar em políticas públicas educacionais que, tanto na educação básica quanto no ensino superior, considerem as desigualdades e as discriminações e valorizem as diferenças e diversidade.

EDUCACAO

A Plataforma Educação, composta por edições digitais e impressas, site, redes sociais e eventos, é publicada por RFM Editores

Ano 27 - Nº 293 abril de 2023 ISSN 1415-5486 www.revistaeducacao.com.br

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Two Sides

Colaboraram nesta edição

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Damaris Silva

João Jonas Veiga Sobral

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Karen Cardial

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Rubenique Maciel Sérgio Rizzo

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Iracema Santos do Nascimento é professora doutora na Faculdade de Educação da USP. Especialista em gestão educacional e diferenças-diversidade e membra do conselho editorial da revista Educação

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Revista Educação 4 CARTA
LEITOR
AO
REVISTA

Encontre uma forma de trabalhar que funcione para você e sua equipe

Revista Educação 5

MEDO DE MATEMÁTICA

Ainda um desafio

Os problemas de aprendizagem em matemática passam pela formação docente e pela precariedade geral do ensino. Mas uma coisa é certa: é preciso dessacralizá-la

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ENTREVISTA

Joaquim Maná Huni Kuĩ

Com apoio de sua comunidade, ele construiu cada detalhe do alfabeto linguístico hãtxa huĩ. Mas as lideranças estão preocupadas, porque a nova geração prefere falar em português. Diante disso, seu povo quer implantar em todas as suas aldeias do Acre a Base Estadual Comum Curricular Huni Kuĩ

ENCANTARIAS DO PARÁ 30 Dona Onete

Contadora de histórias, como a da cobra de Jatuíra, e investigadora da cultura de sua região, se hoje ela canta as riquezas do Baixo Tocantins e os segredos dos botos namoradores, por 25 anos foi a professora que fazia de tudo para se aproximar dos alunos

INTERNACIONAL 50

Saúde mental

Jovens podem ter o poder de ajudar uns aos outros, é o que apontam experiências nos Estados Unidos

ENTRE MARGENS 58

Pra variar, sistema educacional sem mudança. “É lamentável que não se perceba que a escola pública dos pobres, aquela que atende a 99% dos alunos públicos, se encontre em situação de tendencial inutilidade para a grande maioria dos estudantes”, critica o português

e mais

14 Transformação 22 Midiática 26 Cultura alimentar 36 Grandes autores 42 Futuro da escola 44 Na prática 46 Bett Brasil 54 Internacional 56 Diálogos SUMÁRIO
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Leilane Marinho/CPI-Acre
Revista Educação 7

”Para nós, a escola é todo o espaço da aldeia, e as práticas culturais têm seus tempos e os locais para acontecerem. Um sábio na sala de aula convencional não poderá mostrar nada”

Com apoio de sua comunidade, ele construiu cada detalhe do alfabeto linguístico hãtxa huĩ. Mas as lideranças estão preocupadas, porque a nova geração prefere falar em português. Diante disso, seu povo quer implantar em todas as suas aldeias do Acre a Base Estadual

Comum Curricular Huni Kuĩ

| Por Laura Rachid

Revista Educação 8
ENTREVISTA
Joaquim Maná Huni Kuĩ
Para preservar a língua tradicional, professor indígena desenvolve a escrita de seu povo
Leilane Marinho/CPI-Acre

Joaquim Paulo de Lima Kaxinawá, também conhecido como o professor Joaquim Maná, é precursor de muitas coisas, entre elas, de pesquisas materiais e imateriais importantes para o seu povo, Brasil e mundo. Nascido na floresta amazônica acriana, fronteira Brasil com o Peru, é do povo indígena Huni Huĩ, o mais populoso do Acre. Trabalhou com a seringa e, desde que se alfabetizou, aos 20 anos, no final dos anos 70, não parou de estudar, inclusive, marcou a história do país como o primeiro doutor em linguística formado na Universidade de Brasília (UnB). Atualmente finaliza o seu pós-doutorado em cultura e identidade na Universidade Federal do Acre (Ufac).

Os Huni Huĩ falam fluentemente sua língua tradicional oriunda do tronco linguístico pano, o hãtxa kuĩ, só que até os anos 80, pelo menos no território brasileiro, ela era apenas oral, falada entre eles, não existia um alfabeto da língua, portanto, até a chegada de Joaquim à área acadêmica não havia textos escritos em hãtxa kuĩ.

Se no início de suas pesquisas voltava-se aos mais velhos para resgatar a tradição, hoje o foco do pós-doutorando indígena é a nova geração de crianças e jovens. Ele conta, preocupado, que há aldeias cujo hãtxa kuĩ é falado apenas pelos anciões. Daí a importância de preparar os professores indígenas não apenas para ensinar aos alunos a leitura e a escrita, mas manterem também os costumes ancestrais, sendo a língua a base de tudo.

Após a construção do alfabeto e do dicionário de seu povo (que vai além de definições de palavras), agora quer implantar outra criação sua, a Base Estadual Comum Curricular Huni kuĩ, que ainda precisa de recursos públicos para ser colada em prática por completo.

A repórter conversou com o sertanista Antônio Macêdo, atuante em mais de 40 demarcações de terras indígenas e autoridade no Acre quando o assunto são povos indígenas, que diz: “Joaquim Maná é um dos presentes da luta, daquelas pessoas centradas que dão conta das oportunidades que recebem. Ele sabe mesclar a educação indígena diferenciada, que antecede à educação convencional, com o que é bom desse ensino do não indígena”.

Joaquim Maná foi coordenador da Organização dos Professores Indígenas do Acre (Opiac), em 2007, técnico pedagógico da equipe de educação escolar indígena, na Secretaria de Educação do Estado do Acre entre 2017 e 2019, e atualmente ocupa a diretoria da Federação do Povo Huni Kuĩ do Estado do Acre (Fephac).

áreas

conhecimento

Aos 60 anos, sua trajetória é fruto de uma luta coletiva acriana de indígenas, sertanistas e indigenistas, e expõe o quanto é recente a garantia por direitos básicos, como o territorial, cultural e identitário (mesmo a invasão portuguesa tendo ocorrido há 523 anos). É tempo, finalmente, de respeitar as pluralidades de cada povo e dar subsídios via poder público para que essas riquezas materiais e imateriais se mantenham e floresçam de acordo com a visão dos indígenas. Confira, a seguir, a entrevista exclusiva.

Obs.: Em muitos momentos o entrevistado fala na terceira pessoa do plural por ter a consciência de que ele pode estar à frente dos estudos acadêmicos, mas tudo o que pesquisa é em conjunto com o seu povo indígena.

O período em que você nasceu e cresceu no rio Tarauacá, Seringal Alagoas, até antes de 1978, era o tempo do cativeiro [indígenas escravos dos patrões da borracha]?

Quando nasci, meu pai ainda era trabalhador braçal para os seringalistas. Ficamos até meus 10 anos, 12 anos ali. Em 1975 começou a mobilização, tomada dos territórios e a Funai pegou o rio Jordão [para os Huni Kuĩ morarem]. Eu e família fomos pra lá e comecei a trabalhar com a seringa até os meus 20 anos. Quando teve a mobilização da retirada dos moradores que não eram Huni Kuĩ, e a terra foi delimitada –

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As nove do elaboradas por Joaquim Maná na Base Estadual Comum Curricular Huni Kuĩ Imagem do documento original Kenewẽ beya xarabu yusĩti

ENTREVISTA

Joaquim Maná Huni Kuĩ

nem demarcada era –, quem não era Huni Kuĩ tinha a obrigação de sair daquele território. Essa saída criou o impacto de lidar com a venda, registro, anotações, preços da seringa. Eram muito poucos os Huni Kuĩ que sabiam ler e escrever; seu Agostinho [Ĩka Muru, da aldeia São Joaquim, falecido] aprendeu pelas andanças no seringal. O Salvio Barbosa Kristĩ, pai do atual vice-prefeito do Jordão, também sabia.

Essas duas pessoas praticamente faziam esse trabalho de registro que era muito difícil. Cada seringal era como se fosse uma cooperativa e cada um levava a sua mercadoria. As lideranças indígenas pediram à Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) que mandasse equipe para nos ensinar, foi em 1978, 1979. Aceitaram o nosso pedido de duas formações. Falamos: ‘queremos registrar toda a compra e venda que a gente faz, mas também queremos saber o preço da nossa borracha’. Foi assim que tive o meu primeiro momento com a escrita [aos 20 anos]. Eu já era seringueiro e fiquei duas semanas estudando com as professoras que enviaram, a Concita Maia, de língua portuguesa, e a Keila Diniz, de matemática. Depois dessas duas semanas estudando fiquei por dois meses no local onde a gente cortava a seringa para pagar as nossas dívidas. Quando voltei para estudar, a equipe já estava saindo. Eu nem aprendi direito, fiquei com desejo e nem todo mundo aprendeu também. Então as lideranças pediram à Funai, Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e à Secretaria de Educação um projeto para que nós mesmos nos formássemos para ensinar o nosso povo. Essa negociação aconteceu por volta de 1978, até que, em 1983, 12 pessoas foram convidadas para estudar em Rio Branco [no 1º curso de formação de professores indígenas oferecido pela CPI-Acre]. Tive vontade de aprender, participei e até hoje não parei.

No magistério você participou da organização de pesquisas e livros na língua tradicional hãxta kuĩ. Que período foi esse e qual a importância desses materiais, antes só em português, para o seu povo?

A formação aconteceu de 1983 até 2000. Como éramos e somos falantes do hãtxa kuĩ, tínhamos dificuldade na língua portuguesa e não tinha texto na nossa língua. E nesse aprendizado de ler e escrever, fomos escrevendo algumas palavras da nossa língua que não tinham problema de fonética, como mari, que significa cutia. Ou kamã, que é cachorro, mas dá para escrever de duas formas: til em cima do primeiro ‘a’, que não tem na língua portu-

“Nesse aprendizado de ler e escrever, encontramos vários fonemas que a escrita da língua portuguesa não correspondia, como mashash , nome de uma pedra. Esse ‘xi’ não tinha como representar na fonologia da língua portuguesa. O ‘xa’ também era difícil”

guesa, ou você poderia colocar um ‘m’ no final. Encontramos vários fonemas que a escrita da língua portuguesa não correspondia, como mashash, nome de uma pedra. Esse ‘xi’ não tinha como representar na fonologia da língua portuguesa. O ‘xa’ também era difícil de representar no termo da ortografia da língua portuguesa, e na escrita colocava ‘x’, quando ia ler ficava ‘marchar’, colocava um ‘s’, na leitura ficava ‘massas’ ou ‘masas’.

Nessa confusão falamos para os nossos coordenadores do curso que queríamos aprender também a nossa escrita. Rapidinho falaram que a gente tinha direito e que no Peru tinha bastante material como cartilha, livros, e o Cimi tinha o contato deles. Pegamos esse material, lemos e identificamos essas diferenças da escrita que não combinavam com os fonemas e falamos: ‘queremos ter acompanhamento de um linguista porque temos várias escritas aqui que não combinam com o que a gente fala, que é o nosso fonema’. Criaram um programa de formação na nossa língua e trouxeram professoras linguistas, como a Adair Pimentel Palacio [primeira pesquisadora brasileira a escrever uma tese sobre uma língua indígena brasileira]. Chegamos a uma definição da escrita e a partir disso entendemos que era necessário pesquisar o nosso conhecimento e fazer um trabalho na nossa língua para ensinar a nossa geração. Disso veio a ideia do primeiro material escrito em hãtxa huĩ, em 1991, sobre a música, e que se transformou no livro Nukũ mimawa xarabu.

O que incomodava muito a gente, por exemplo, e por isso chamamos os linguistas, é a palavra que nós usamos

Revista Educação 10
Santana/CPI-Acre
Valéria

para fubá, primeiro deixamos duru, mas depois entendemos que, pela pronuncia vibrante, tinha que ser ruru Fizemos muitas pesquisas. Não tinha material publicado para a gente trabalhar na sala de aula, mas no quadro escrevíamos todas as palavras. Nisso fomos nos alfabetizando e alfabetizando os nossos alunos. Ainda hoje não tem material suficiente em sala de aula, sempre temos dificuldade, mesmo com várias produções escritas. Chegar às escolas ainda é dificuldade, porque quando as instituições parceiras fazem o material na língua hãtxa kuĩ, metade vai para o financiador. Por exemplo, temos seis mil alunos, mas fazem 500 exemplares e ainda tiram uma parte.

Foram 10 anos de magistério?

Sim, terminamos em 2000 porque nos alfabetizamos durante a formação da Comissão Pró-Índio do Acre. Em 2001, teve a primeira graduação no Mato Grosso. Nesse

meio-tempo criamos várias comissões para falar sobre a nossa dificuldade de ter uma escola, as aulas eram sempre nas salas das nossas casas ou da liderança, não tínhamos espaço físico específico. Nesse grupo, com indígenas de vários estados, reivindicamos isso. Eram 300 vagas para essa graduação, 280 do Mato Grosso e 20 vagas de outros estados. Marcaram presença parece que 46 povos. No Acre, oito professores se inscreveram, mas só três passaram, sendo que um estava na aldeia sem comunicação e não conseguiu se matricular. Então ficamos eu, Huni Kuĩ, e o Jaime do povo indígena Manchineri. Tínhamos dois encontros por ano e nesses cinco anos da minha graduação pesquisei os kene [grafismos tradicionais e espirituais Huni Kuĩ] e virou o livro Nuku kene xarabu – Nossos desenhos tradicionais, que fala sobre o trabalho das mulheres com os kene

No meu primeiro ano, li para o meu pai trechos das minhas pesquisas sobre o padre Tastevin, que andou no Acre

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ENTREVISTA Joaquim Maná Huni Kuĩ

entre 1920 e 1930. Ele descreveu as maldades que os nawa [não indígenas] fizeram com os povos indígenas. Meu pai fechou a cara e disse: ‘por que você não faz uma coisa boa para o nosso povo? Você quer trazer uma maldade que o nawa fez pra gente. Pense em algo que a nova geração, o nosso povo, possa continuar vivendo com isso e não com essa maldade’. Querendo dizer que poderiam querer fazer vingança com os nawa. Aí resolvi fazer a pesquisa sobre os kene, porque toda vez que eu via minha mulher e filha tecendo e perguntava o kene que estavam tecendo, elas não sabiam dizer. Justamente nesse momento, de 1991 a 1993, criaram uma organização das mulheres para fortalecer o ensino do kene, aproveitei e pedi para as coordenadoras fazerem os kene que elas sabiam. Fizeram 60 kene de um metro. Identifiquei 63 nomes, considerando que três tinham desaparecido e 60 estavam presentes. Isso virou minha monografia da graduação. Disso fizemos uma cartilha e enviamos para as escolas – até hoje as mulheres [indígenas] me pedem mais exemplares, mas só tenho o meu.

O que os kene, ensinados por Yube, a jiboia encantada, significam para o seu povo?

No termo da linguística, o kene é a nossa linguagem. Todo o ser humano, todos os animais têm uma lingua-

gem. E todos os kene, para nós, são uma linguagem. Por exemplo, tem o kene chamado xeru beru, a imagem tem semelhança com o olho da curica. Outro, chena chaka, a semente da casca do ingá.

Você é um pesquisador profundo. Fale mais de suas últimas formações e projetos atuais.

A professora Ana Suelly [especialista em línguas indígenas sul-americanas e professora na UnB], que também foi nossa professora de língua portuguesa, disse que percebeu em mim a vontade de ser linguista pelos trabalhos que vinha fazendo e criou um programa de pós-graduação em linguística. Saiu o edital no final de 2008, me inscrevi e passei [pela UnB]. Iniciei em 2009 e terminei em 2011. Em seguida saiu o edital de doutorado, que terminei em 2014 – aproveitei que já estava em Brasília.

Na dissertação e na tese, consegui fazer a revisão da nossa ortografia, e temos agora um alfabeto Huni Kuĩ. Hoje temos 12 territórios, mas seis já estão com problemas, porque só os idosos são comunicadores de hãtxa kuĩ, a nova geração ouve e entende, mas prefere falar em língua portuguesa.

Agora estou terminando o meu pós-doutorado em linguagem e identidade aqui na Universidade Federal do Acre. Por conta de todas as minhas formações, consegui organizar o kene para ser registrado como patrimônio imaterial Huni Kuĩ, estamos na fase final desse registro com o Iphan [Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional].

“Enabũ, na kena xarabu eskarabes kene kinã, habia uĩtã ana unuri betsa xarabu há ẽ akama ixiã xinãtã, mã ashanai uĩra shãkawẽ. Nukũ hãtxawẽ kenerã harabes makirã. Narã habia ẽ matu taewa shuxinaki, hanushũ unuri retxi baĩ shãkawẽ. Habia matu xinãma katsi besti ẽ taewa xinakirã.” (pág. 18)

No pós-doutorado organizei um dicionário e publiquei quatro materiais para a alfabetização do 1º ano, 2º ano e 3º ano, precisando fazer o 4º e o 5º ano. A primeira versão teve 100 exemplares. Enviamos para ficar nas escolas, nem professor pode levar porque são poucos exemplares. O Iphan viu o material, gostou e agora estamos organizando para uma segunda publicação. A primeira versão é toda em hãtxa kuĩ, fiz questão de não traduzir. Em português só tem a apresentação do meu tutor [Shelton Lima de Souza]. Mas a segunda publicação terá tradução e só 300 exemplares, cada escola receberá dessa vez um kit e não mais um exemplar.

Inspirado na Base Nacional Comum Curricular, você criou uma própria para os Huni Kuĩ, em que coloca a identidade do seu povo, os costumes, para dentro do currículo de formação dos professores

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Para não esquecer que o Brasil passa longe do monolinguismo, confira um parágrafo da enciclopédia que Joaquim Maná pesquisou e escreveu em hãtxa kuĩ

indígenas e depois para os alunos. Mostrando que o sistema de educação precisa respeitar o modo de vida dos povos indígenas.

Isso, organizei a Base Estadual Comum Curricular Huni Kuĩ. Construí nove áreas do conhecimento, cada uma delas tem subáreas e, dentro delas, disciplinas para complementarem a formação do professor, que ainda não aconteceu, está no papel e precisa de recursos para ser viabilizada [ver imagem na pág. 9]. Estamos começando a colocá-la em prática. Essas áreas também serão trabalhadas nas escolas — para nós, a escola é todo o espaço da aldeia, e as práticas culturais têm seus tempos e os locais para acontecerem. Um sábio na sala de aula convencional não poderá mostrar nada. Para fazer um arco, por exemplo, ele precisa estar no lugar em que ele costuma fazer.

O primeiro encontro sobre essa Base foi em 2021, no rio Jordão, onde percebemos que ela pode chegar a 36 áreas, ou seja, é uma faculdade. A pesquisa, agora, será presencial, no ato, acontecendo. Falei para o meu povo que estamos no momento de registrarmos tudo em áudio, vídeo, escrita, em desenhos para a gente continuar fazendo a nossa publicação, porque se antes não fizemos

isso, hoje é o momento de fazer, temos material para isso, celular, algumas comunidades têm máquina fotográfica profissional para filmar, alguns estão começando a editar, temos muitos professores que são bons leitores e escritores de hãtxa kuĩ. Estamos com o queijo e a faca na mão.

Na nossa Base, começamos com uma metáfora, uma cobra engolindo a outra, querendo dizer que o nosso conhecimento estava sendo engolido pelo conhecimento de fora. E o desenho final são duas cobras se comunicando, se beijando, sendo uma a língua hãtxa kuĩ e a outra a língua portuguesa, sem inferioridade entre uma e outra.

Em nossa Base Curricular pensamos em formar 300 professores em cinco anos, com 3.900 horas. Mas estamos com dificuldade, não temos recurso ainda, temos pouco apoio. Precisamos fazer diálogo, porque se não tiver, é como entrar em um barco sem alguém conduzindo, ou seja, um barco furado.

A partir dessa Base, a ideia é montar um material pedagógico?

Sim, é uma conversa que pretendemos ter com o novo Ministério dos Povos Indígenas, que criou um departamento chamado Linguagem e Memória, onde queremos falar de um material didático com publicação para levar para as escolas indígenas, porque temos dificuldade em ter material dentro da nossa escola, escrito na nossa língua. É o que eu falei no início: sempre teve uma ONG ou universidade que faziam poucos exemplares e, para nós, povos indígenas, não só Huni Kuĩ, isso está ficando péssimo porque fazemos o material, mas não chega em toda a nossa comunidade, em todas as nossas escolas. Estamos marcando um encontro com a ministra [Sônia Guajajara] para pensar um programa específico ofertado pelo Ministério que trabalhe o conhecimento da língua, da cultura desses povos. Não dá para pensar uma política de educação específica sem material didático.

Tem material didático na língua, só não tem para os alunos. Tem material para dar para alguns professores, e para os financiadores mostrarem para fora, mas para usar na sala de aula não tem e queremos ter. A ideia com esse programa específico é mostrar que precisamos pesquisar, ensinar e produzir todo esse nosso conhecimento que estamos colocando no papel para que a nova geração tenha acesso.

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XXVIII Curso de Formação de Agentes Agroflorestais Indígenas no CFPF - aula na língua hãtxa ku ĩ Leilane Marinho/CPI-Acre

TRANSFORMAÇÃO

O impacto positivo da educação focada nos presídios

A educação é, sobretudo, libertadora. Nesse sentido, direcionaremos aqui o olhar àqueles que vivem privados de liberdade. Em novembro de 2011, foi instituído um Plano Estratégico de Educação no âmbito do sistema prisional, cuja finalidade era ampliar e qualificar a oferta de educação nos presídios brasileiros. Dentre os objetivos propostos estão a contribuição para a ampliação da oferta da educação no sistema prisional e o fortalecimento da integração da educação profissional e tecnológica com a educação de jovens e adultos no sistema prisional. A educação de jovens e adultos em prisões é uma questão complexa e, geralmente, tratada com preconceito. Embora muitas pessoas acreditem que aqueles que estão encarcerados merecem sofrer as consequências dos crimes cometidos, fato é que a educação pode ser uma poderosa ferramenta de transformação. Como forma de compromisso com o direito fundamental à educação e a importância da ressocialização da população privada de liberdade, autoridades do sistema penitenciário reafirmaram, em carta aberta à sociedade, publicada em fevereiro de 2023, que é imperativo envidar esforços para garantir que essa população tenha acesso à educação como forma de transformação de suas vidas. Tanto na esfera pessoal quanto social, de modo a auxiliar na prevenção da reincidência e na promoção de uma cultura de respeito à lei e à justiça. Nela, é citado um exemplo implementado em 2022 em diversos estados do país: na Paraíba, com o apoio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), atual Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), foi organizado um programa educacional denominado Maratona Encceja, o qual disponibilizou, por meio da educação a distância, aulas para mais de 127 mil privados de liberdade com foco no

Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja).

Em 2022, houve a menor taxa de abstenção da história do Encceja PPL, sendo mais de 96 mil aplicações. Na Paraíba, por exemplo, o número de aprovados em 2022 saltou para 732; na aplicação anterior, foram 171. Em outros estados (como Maranhão e Ceará), o crescimento também foi expressivo, inclusive na taxa de aprovação no Enem PPL.

O professor Erik Anderson, diretor pedagógico da iniciativa, esclarece que o projeto está estruturado com aulas dinâmicas e assertivas, enriquecidas com ferramentas tecnológicas e focadas no estilo da prova do Encceja. Ele destaca que “ações educacionais para pessoas privadas de liberdade são uma experiência marcante para todos os profissionais envolvidos. É visível o impacto positivo que a educação proporciona na vida de reeducandos. Aliando tecnologia e práticas educativas não formais, o projeto de preparação para o Encceja PPL foi idealizado objetivando contribuir para o aumento da escolaridade e possibilitar a remição de pena”.

São muitos os benefícios de iniciativas como essa, dentre os quais destacam-se, além do auxílio na redução da reincidência criminal, o resgate às habilidades sociais e emocionais dos detentos, aumentando sua autoestima e autoconfiança, trazendo novas perspectivas e oportunidades.

Revista Educação 14 Shutterstock
Na Paraíba, iniciativa online voltada ao Encceja para pessoas privadas de liberdade trouxe um salto de 171 para 732 aprovados no exame Damaris Silva mestre em letras e especialista em gestão escolar | Por Damaris Silva

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Alucinações numéricas

Fonte de medo e prazer, a matemática continua sendo o maior desafio da educação brasileira. Os problemas de aprendizagem passam pela formação docente e pela precariedade geral do ensino. Mas uma coisa é certa: é preciso dessacralizá-la

Estímulos de diversos tipos podem provocar reações variadas no cérebro humano. Luzes em excesso, sons ininterruptos e situações de grande pressão (por resultados, por exemplo) podem causar de estresse e ansiedade a crises epilépticas. Às vezes, a simples audição de determinado tipo de música pode desencadear uma crise do gênero.

O neurocientista americano Oliver Sachs relata em seu livro Alucinações musicais (ed. Companhia das Letras) diversos casos de alterações cerebrais ligadas à música e à ação conjunta de outros fatores, como traumas e cirurgias. O mais curioso é que, inicialmente, os estímulos podem ser prazerosos, como no caso de uma mulher que gostava de música napolitana, mas começou a notar que quando exposta àqueles ritmos entrava em crise epiléptica.

Outro rapaz, um jovem pesquisador, escreveu a Oliver Sachs relatando que a música da Ásia Central provocava uma aura, seguida por uma intensa onda de medo, repugnância ou prazer, terminando em convul-

são. Ficou com um sentimento ambivalente, com medo das crises, mas desejo de sentir “as auras agradáveis” anteriores às convulsões. Depois de medicar-se deixou ambas para trás, mas não de todo: foi estudar música e assumiu a atividade ao lado da pesquisa.

Descoberta pelo neurologista britânico Macdonald Critchley, em 1937, a epilepsia musicogênica, ou musicolepsia, como ele preferia, é uma síndrome neurológica rara, provocada por alguns timbres ou instrumentos específicos. O que interessa aqui, além da curiosidade, é frisar que situações que tiram algumas pessoas de sua zona de segurança podem ser altamente desestabilizadoras.

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O MEDO DE MATEMÁTICA Rodnae Productions/Pexels

Comparar essas situações ao medo ou pânico que o aprendizado de matemática desperta em alguns estudantes não é, neste caso, um paralelo propriamente científico. Mas não é difícil ancorá-lo nos relatos de um sem-número de professores de matemática ou estudiosos do ensino da disciplina que listam uma série de fatores de ordem cultural sempre que se busca um conjunto de indícios diagnósticos para a dificuldade de aprendizagem que todos sabemos existir. Para muita gente, a matemática causa medo.

Além disso, algumas questões específicas ajudam a equiparar música e matemática: trata-se de duas linguagens não verbais cujo domínio, ao menos em níveis

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Em termos gerais, aos docentes dos anos iniciais falta conhecimento específico da matemática; aos docentes dos anos finais, o vácuo está em como fazer a transposição pedagógica dos conteúdos

O MEDO DE MATEMÁTICA

mais sofisticados, costuma exigir dos docentes não só que tenham eles próprios o conhecimento do que ensinam, mas também dos caminhos para torná-lo passível de materialização e sistematização para quem busca aprender. Ou seja, não estamos falando de um processo natural, e sim de uma indução cultural.

As barreiras cultuadas acerca da dificuldade de aprender matemática são uma unanimidade entre os professores ouvidos para esta reportagem, sejam eles professores formadores, docentes em busca de mais qualificação ou ambas as coisas. “Há um estigma de a matemática ser difícil; o resultado disso é uma pressão emocional, psicológica”, diz Monique Matos, professora do Cursinho da Poli, com 17 anos de experiência em classes de fundamental 2, mestranda com projeto visando a formação de docentes na área de geometria.

Sua colega de mestrado Cristine de Jesus Moura, desde 1996 na ativa e há três anos trabalhando na educação continuada da rede municipal paulistana (depois de 14 anos lecionando no fundamental 2 na mesma rede), diz que os próprios professores da disciplina reforçam o estigma, acreditando que seu aprendizado não é para todos. “Eles gostam desse lugar em que se veem superiores. Ao mesmo tempo, não refletem sobre a própria prática”, opina.

Um caso singular de reversão de expectativas é o de Guilherme Jacobik. Hoje professor do 4º ano do fundamental no Colégio Santa Cruz, em São Paulo, e das disciplinas de didática da matemática e de ciências no Instituto Singularidades, Guilherme começou a lecionar aos 16 anos, enquanto cursava o magistério. Mas não por demonstrar facilidade em matemática desde cedo. Ao contrário. O pai era professor da matéria, na qual ele via uma barreira, a ponto de ter sido reprovado. Só que não se conformou. Foi em busca não só de aprender, mas de conhecer as melhores estratégias didáticas para que seus alunos encontrassem um sentido na disciplina. “Meu pai não conseguia me ensinar e se afligia, me vendo de longe, pois teve uma formação didática fraca. E ensinava os próprios alunos como ele próprio aprendeu na escola.”

DIAGNÓSTICO AMPLIADO

Se o fato de a matemática ser colocada em um pedestal de difícil acesso, consagrando uma visão errônea de seu ensino, é aceito por muita gente, isso está longe de esgotar o diagnóstico dos motivos pelos quais sair desse lugar é difícil. Desde o início do século, quando alunos brasileiros começaram a participar do Pisa, já virou lugar-comum a apresentação dos resultados do exame internacional mostrando o Brasil nas últimas colocações. Tanto que soa improdutivo repetir esses dados, ao menos sem tentar decifrar o porquê.

O professor Guilherme Jacobick buscou não apenas aprender, mas conhecer as melhores estratégias didáticas para que seus alunos encontrassem um sentido na disciplina

Para Antonio José Lopes, o Bigode, doutor em didática, professor, consultor e autor de livros didáticos, as razões são variadas, mas passam por escolhas políticas. Começam no desprestígio da profissão docente nas úl-

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“Calcular o perímetro do muro da própria escola, ou a área do campo de futebol, faz com que a prática os leve à teoria”, exemplifica a professora Cristine Moura, defensora da aprendizagem próxima à realidade do aluno

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após a pandemia, quando muitos alunos não aprenderam os conteúdos”, lembra.

Segundo Katia Stocco Smole, diretora do Instituto Reúna e formadora, “o Brasil avança com a Base, pois ela traz o que é preciso aprender”. Para a sua implementação, ela defende que se oferte aos docentes uma descrição sucinta das habilidades desejadas, uma por parágrafo. “O professor precisa acompanhar.”

O fato de a matemática ser uma linguagem diferente da verbal interfere muito; há estudos sobre isso em vários países. E são poucos os casos em que a matemática aparece em situações fora do domínio escolar”, avalia Kátia Smole

timas décadas, passam pelo rebaixamento do nível de exigência curricular da formação e dos estudantes da educação básica e chega aos currículos nacionais e à Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

“Por isso vamos mal em provas internacionais. Nos países desenvolvidos, a orientação curricular é mais abrangente. O Pisa, por exemplo, envolve raciocínio. Já os nossos currículos de matemática são datados, com ênfase em um formalismo precoce”, diz Bigode, para quem há excesso de conteúdos que não são bem estudados. O ensino de frações e sua divisão, defende, deveria ser dado mais à frente. Como exemplo, cita o currículo holandês, composto por apenas 27 itens.

Nesse ponto, alguns de seus pares destoam, ainda que o discurso de todos seja o de que é preciso mais foco no raciocínio. Se de um lado há críticas à divisão de conteúdos por séries, de outro há quem veja a BNCC como uma organizadora do que deve ser ensinado. Monique Matos diz que a estrutura da Base em matemática, trabalhando tudo como uma grande espiral, na qual sempre se volta aos cinco grandes eixos [ver quadro] aprofundando cada um deles, ajuda a organizar o trabalho docente. “Todos os anos trabalha-se em todas as frentes. Essas retomadas são importantes em especial

Assim como Katia Smole, o matemático Jorge Lira tem feito diversas análises dos resultados educacionais a partir de dados de avaliações nacionais e do Ceará, onde atua como cientista-chefe do Centro de Excelência em Políticas Educacionais (Cenfe), da Universidade Federal do Ceará. Ele é também membro da Sociedade Brasileira de Matemática. Em relação à utilização do currículo escolar pelos professores, sua percepção é de que eles “se deixam levar pelas exigências do documento, dando prosseguimento linear aos tópicos do livro didático”.

Essa espécie de ‘disparada do currículo’, não dando tempo aos alunos de refletir sobre os temas ensinados, é geradora de problemas centrais, que começam no fundamental 1 e prosseguem ao logo da educação básica. Testes realizados com professores no estado mostraram que eles têm deficiências básicas de conhecimento pedagógico. “O professor conhece tecnicamente o assunto, mas não faz relações.”

O que Jorge Lira aponta como problema dos professores se repete, não por acaso com alunos do fundamental e mesmo do ensino médio, como não identificar a equivalência de números racionais, como ¾ e 75% ou 2/3 e 4/6, casos em que ambos os pares expressam o mesmo objeto. Mesmo assim, diz ele, a proficiência média dos alunos dos anos iniciais aumentou, segundo

Os cinco eixos de matemática na BNCC

Números e operações

Álgebra e funções

Grandezas e medidas

Geometria e estatística

Probabilidade e combinatória

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pessoal

O MEDO DE MATEMÁTICA

as avaliações. Mas a explicação para isso, já detectada em outros estudos, é que há prevalência de conhecimentos básicos quando se decompõem os dados em relação às habilidades. Traduzindo em miúdos: “é preciso subir a régua nas avaliações”.

MÚSICA E OBSERVAÇÃO

Análise, observação, associação e construção de relações são recursos fundamentais para o aprendizado de matemática. Ao compararmos duas grandezas, conseguimos ver similaridades e diferenças, padrões etc. É aí que volta a celebrada companheira da matemática, a música. O site ‘Descomplicando a música’ (www. descomplicandoamusica.com/matematica-na-musica) traz uma boa explicação, por exemplo, sobre o que são as frequências sonoras - a velocidade na qual as ondas que fazem o som se propagam -, expressas pela unidade Hertz. São elas e sua variação no tempo que formam as diferentes notas musicais. Essas descobertas sonoras são fruto da observação e experimentação do grego Pitágoras (o mesmo do Teorema) ao premer uma corda esticada de modos diferentes.

O problema é que os algoritmos, que são o produto final dessas regras gerais fruto das observações, acabam sendo o elemento-chave do ensino, e não os processos que conduzem a eles. Nesse sentido, como enfatiza Cristine Moura, uma saída pode ser inverter a ordem do processo, ou seja, primeiro fazer o aluno pensar a partir do seu território, da realidade próxima.

“Calcular o perímetro do muro da própria escola, ou a área do campo de futebol, faz com que a prática os leve à teoria”, exemplifica.

De toda maneira, o fato de a matemática ser representada por uma outra linguagem requer um caminho de compreensão para seu domínio. Assim como

Arquivo pessoal

A estrutura da BNCC em matemática, trabalhando tudo como uma grande espiral, ajuda a organizar o trabalho docente, observa a professora Monique Matos

nas notações musicais ou mesmo na escrita da língua portuguesa (ou de qualquer outra), há um processo de transposição de sons e palavras para a sua representação em um código próprio. Como a língua escrita, a matemática e a música também requerem uma alfabetização ou letramento.

“O fato de a matemática ser uma linguagem diferente da verbal interfere muito; há estudos sobre isso em vários países. E são poucos os casos em que a matemática aparece em situações fora do domínio escolar. Além do que, ela usa termos com significados diferentes daqueles a que estamos acostumados. Produto, por exemplo, não é algo que se use ou compre, mas o resultado da multiplicação”, analisa Katia Smole, para quem aprender a ler e escrever matemática é essencial para a autonomia do aluno.

GARGALOS

Mas, se as linguagens diferentes são desafiadoras, o próprio domínio da língua portuguesa já constitui um elemento crítico do ensino. Como explica Jorge Lira, a expressão da matemática nos anos iniciais está na língua portuguesa. O entendimento de gráficos e problemas, por exemplo, exige um letramento mais aprofundado para a compreensão textual. Ações como o

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“O Pisa, por exemplo, envolve raciocínio. Já os nossos currículos de matemática são datados, com ênfase em um formalismo precoce”, diz Bigode, doutor em didática

Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) são muito importantes para esse passo, por trazerem o conhecimento de forma sistematizada e auxiliarem os docentes.

“Mas, nas faculdades de Educação, língua portuguesa e matemática não são objeto da formação dos licenciandos de pedagogia”, diz Jorge Lira. Ele também aponta um outro grande gargalo para o ensino de matemática: a passagem do 5º para o 6º ano, ou seja, do fundamental 1 para o 2.

Kátia Smole levanta duas hipóteses para esse problema, consubstanciado na queda de proficiência em matemática do 6º ao 9º ano. Investimento menor na formação docente, principalmente na continuada, e a entrada em cena da álgebra em novo patamar. “Aqui, ela aparece como uma linguagem, mais do que como um pensamento. Se o aluno não entende como os números se compõem ou decompõem é difícil entender álgebra. É uma nova alfabetização, feita só na escola, com conceitos mais complexos, como os de fração e números decimais. Para isso evoluir, é preciso um trabalho de recomposição da aprendizagem”, acredita.

Outros fatores interferem também nesta passagem de ciclo: um deles é uma mudança abrupta do professor polivalente para os professores especialistas. Em termos gerais, aos docentes dos anos iniciais falta conhecimento específico da matemática; aos docentes dos anos finais, o vácuo está em como fazer a transposição pedagógica dos conteúdos.

“Fazer essa transposição envolve ter todo o processo cognitivo presente, compreender toda a cadeia cognitiva anterior. Por exemplo, o aprendizado das funções quadráticas [de 2º grau] foi antecedido pelas funções afins [1º grau], que às vezes não foram assimiladas. Essas lacunas ficaram mais evidentes na pandemia”, diz Jorge Lira. Para ele, o arcabouço cognitivista ainda está muito em segundo plano nos debates nacionais, divididos entre behavioristas e construtivistas.

“A contribuição que os matemáticos dão ao debate do ensino é essa, porque erramos muito quando estamos na pesquisa. Assim, o matemático treina bastante a metacognição, como o raciocínio se estrutura, se interconecta”, resume.

Nesse processo está implícito o erro na resolução de questões e problemas matemáticos. São os erros que são capazes de mostrar essa estruturação do raciocínio e que permitem que o docente veja – se tiver conhecimento dos processos cognitivos – os caminhos trilhados pelo estudante.

“O professor conhece tecnicamente o assunto, mas não faz relações”, constata o cientista-chefe do Centro de Excelência em Políticas Educacionais (Cenfe), da Universidade Federal do Ceará, Jorge Lira

Já no final dos anos 70, o matemático húngaro George Polya dividia o processo de resolução de um problema em quatro etapas: a sua compreensão; a construção de uma estratégia de resolução; a execução da estratégia e a revisão da solução. Ao caminhar por esses passos, George enfatiza as operações mentais postas em prática para a resolução. Essas operações mostram caminhos diferentes de resolução, muitas vezes significativamente reveladores. Errar muito pensando pode ser uma chave de sucesso no aprendizado.

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As barreiras cultuadas acerca da dificuldade de aprender matemática são uma unanimidade entre os professores ouvidos para esta reportagem, sejam eles professores formadores, docentes em busca de mais qualificação ou ambas as coisas
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O nó da regulamentação digital

Entre desafios de governos, entidades e da própria sociedade civil, a regulamentação precisa avançar

U

ma das maiores conferências sobre o consumo da informação por meios digitais foi realizada em fevereiro, na sede da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), em Paris, França. O evento Internet for trust (i4T) reuniu formuladores de políticas públicas, políticos, líderes de grandes empresas de tecnologia, presidentes de grupos de comunicação e influenciadores digitas para debater a criação de mecanismos que tornem o consumo de informação na internet mais seguro e confiável, além de reduzir assédios, crimes de ódio, entre outras metas pré-estipuladas.

Na prática, a Unesco debateu um dos temas mais espinhosos que o terceiro mandato do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva - e outros presidentes mundo afora - terão que travar. Trata-se de como regular as plataformas digitais e redes sociais. Há no horizonte uma guerra de titãs: de um lado as chamadas big techs que nasceram, ao contrário das mídias de massa como rádio e televisão, sem qualquer regulação prevista, surfando na onda do livre mercado. De outro, governos que acreditam que a moderação, controle e limitação de conteúdos e outras práticas podem coibir os ataques de notícias falsas, uso desregrado de inteligência artificial e outros fenômenos desinformativos contra a democracia. Entre os dois está quem provavelmente poderá desenhar um final feliz para essa história: a sociedade civil.

Debruçar-se sobre o controle governamental da internet é de fato colocar parte do corpo no campo obscuro da censura. A pergunta que vem à mente é bem

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MIDIÁTICA
Regulação das plataformas digitais entra no espaço escolar e está diretamente relacionada a habilidades de pesquisa, curadoria de informação, fluência digitais
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simples: quem define o que é certo? Ou então, quem define os limites da liberdade de expressão? A Nicarágua, e seu governo que flerta com o autoritarismo há alguns meses, tentou emplacar uma lei de controle dos meios digitais que acabou em quebra-quebra. Já Honduras, México e outros países latino-americanos somam-se à lista de fracassos. Mas isso não pode nos impedir de pensar os campos propostos no modelo colocado em discussão pela Unesco, que inclui temas importantes como acessibilidade, transparência algorítmica, acesso aberto a dados, instrumentos legais para lidar com a garantia de direitos humanos, criação de mecanismos de denúncia, o fortalecimento da educação midiática na escola, dentre outros.

A autorregulação, tema que surgiu inicialmente como panaceia para as mazelas das redes sociais, tem se sofisticado em mecanismos e processos por parte das empresas, mas não o suficiente para despertar confiança nos usuários em geral. Em diversos governos, há de fato uma tendência em se criar um organismo maior que possa cuidar disso, como uma agência regulatória. O Brasil enviou a Paris o juiz do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, representando o governo, além de um depoimento oficial de Lula. O influenciador brasileiro Felipe Neto teve destaque nas falas por sublinhar a própria responsabilidade em gerar conteúdo para milhões de pessoas.

O complexo jogo de xadrez da regulamentação digital se iniciou no Brasil com a criação da Secretaria de Políticas Digitais, sob o guarda-chuva da Secretaria de Comunicação Social. Esse departamento trata da garantia ao direito à expressão, do fomento das políticas de educação midiática e, dentre os temas, da própria regulação das plataformas digitais. Na universidade e nos órgãos internacionais, como a própria Unesco, é comum que esses temas se enrosquem em um mesmo novelo. No campo político, é um risco. São assuntos próximos, mas com pesos e dimensões sociais diferentes; um não pode funcionar como contrapartida direta para outro.

Há questões importantes a serem atentadas nos próximos passos da regulação de meios digitais. Pauta espinhosa dos governos Lula 1 e 2, a regulação dos meios de comunicação deve ser mais transparente para a sociedade civil em termos de objetivo e processos. A regulamen-

tação de jornais, rádio e TV foi um tema que desagradou esquerda, direita e centro nesses governos passados pela abordagem obscurantista. Em segundo lugar, é importante garantir o papel fiscalizador da sociedade civil nos processos, independentemente de governos.

Como resultado da Internet for trust (i4T) em Paris, alguns pontos devem refletir na política de comunicação nos países a partir de então:

• O papel e controle dos mecanismos de recomendação (algoritmos de inteligência artificial);

• O papel de responsabilidade das big techs;

• A garantia digital dos direitos de crianças e adolescentes;

• Moderação de conteúdo como uma atividade profissional humana;

• Sociedade civil deve acompanhar iniciativas regulatórias;

• Auditoria de algoritmos deve ser feita ‘by design’, ou seja, no processo de desenvolvimento dos mesmos;

• Agências reguladoras devem ser transparentes;

• Valorização do jornalismo profissional.

O assunto da regulação das plataformas digitais entra no espaço escolar por diversos poros e está diretamente relacionada a habilidades de pesquisa, curadoria de informação, fluência digitais, entre outras propostas pela educação midiática e em diversas oportunidades na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e no novo ensino médio. Os gestores e professores podem adentrar a esses assuntos estudando e prestando atenção à recém-promulgada Política Nacional de Educação Digital, que é um documento normativo que define diretrizes para o desenvolvimento da educação digital na educação básica a partir do ensino fundamental. Um movimento simultâneo de debates na escola/governo/ sociedade civil pode, inclusive, garantir mais transparência ao processo.

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Alexandre Le Voci Sayad é jornalista e educador, diretor da ZeitGeist e co-chairman da UNESCO MIL Alliance

FTD Educação na Bett Brasil 2023

A FTD Educação é referência no segmento educacional e marcará presença na Bett Brasil, o maior evento de Educação e Tecnologia da América Latina.

Vamos juntos discutir o futuro da Educação e o papel da Tecnologia na formação de educadores e estudantes!

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Conectamos Histórias. Construímos Futuros.

Educação alimentar para um mundo mais justo

Em Águas de Lindoia, SP, curso para educadores da rede municipal explica o que é o sistema alimentar e o papel de cada ator da sociedade na construção de uma sáude planetária

Professores da rede pública municipal de Águas de Lindoia, SP — cidade com cerca de 20 mil habitantes que se tornou conhecida como uma das principais estâncias hidrominerais do Brasil — , iniciaram em abril um curso sobre educação alimentar desenvolvido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP). O caráter inovador do projeto envolve uma parte prática em que os professores de cada escola irão se reunir para elaborar um projeto transdisciplinar sobre o tema do curso. O conteúdo está sendo produzido pelo Sustentarea, núcleo de extensão universitária da USP, criado em 2012 — na ocasião, usando o nome “Segunda sem Carne” — com o objetivo de informar e discutir alimentação saudável e sustentável baseada em evidências científicas, e promover mudanças positivas nos hábitos alimentares e de vida de pessoas e instituições.

“A parceria entre o Sustentarea e a Secretaria de Educação de Águas de Lindoia começou durante a pandemia da covid-19, com o desenvolvimento de materiais educativos sobre alimentação e sustentabilidade para merendeiras, professores e alunos”, explica a

nutricionista Aline Martins de Carvalho, professora do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP e coordenadora do Sustentarea. “Foi uma parceria que deu tão certo que resolvemos expandi-la, agora codesenvolvendo um curso para professores sobre educação alimentar e nutricional e também sobre sustentabilidade, uma vez que são temas transversais que devem ser inseridos nas aulas, mas a respeito dos quais os professores não têm formação específica.”

Intitulado Educação alimentar para a saúde planetária, o curso tem como objetivo fomentar o debate sobre esses temas, englobando aspectos como sistemas alimentares, alimentação saudável, cultura alimentar, direito humano à alimentação adequada e segurança alimentar e nutricional, sob o prisma da sustentabilidade. Com formato híbrido e abordagem teórico-prática, ele pretende “fomentar a literacia em sistemas alimentares, com olhar crítico e o estímulo ao uso de metodologias ativas em sala de aula”. A alimentação será abordada como tema contemporâneo transversal, previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), fornecendo “ferramentas práticas para que professores e gestores desenvolvam e implementem projetos integradores na área”.

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CULTURA ALIMENTAR
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A parte online será realizada na plataforma Moodle, pelo site de cursos de extensão da USP. Ali, serão disponibilizadas seis apostilas criadas pelo Sustentarea, que compõem o material teórico principal, sobre temas como sistemas alimentares, fundamentos da educação alimentar e nutricional (EAN), planejamento em EAN, práticas de EAN no cotidiano escolar e EAN e sistemas alimentares como temas contemporâneos transversais. A plataforma trará ainda vídeos e outros materiais complementares, e um quiz para a avaliação da aprendizagem a cada unidade. As etapas presenciais serão compostas por dois encontros na Secretaria de Educação de Águas de Lindoia, entre a equipe do Sustentarea e os professores da rede.

O curso será obrigatório para as escolas vinculadas ao município. Em semanas alternadas, os professores terão acesso à apostila correspondente à unidade que

O que é o sistema alimentar?

O sistema alimentar é mediado por diversos atores, os quais têm importante influência no controle e na transformação desse sistema. Os governos, por exemplo, devem desenvolver políticas para o enfrentamento da fome e garantir os direitos humanos. Já os movimentos sociais têm um papel importante na conscientização da sociedade civil, mas também na geração de atenção, informando as políticas e a responsabilidade dos governos.

Pensando nos consumidores, existem algumas atitudes e escolhas individuais que podem contribuir para a promoção de um sistema alimentar mais saudável e sustentável. Alguns exemplos:

COMPRE LOCALMENTE

Comprar alimentos localmente é uma iniciativa que fortalece o trabalho de pequenos agricultores, diminui o trajeto do alimento, além de garantir produtos mais frescos e saudáveis à mesa.

PREFIRA ALIMENTOS DE ORIGEM VEGETAL

A produção de alimentos de origem animal é um dos maiores contribuintes para as alterações climá-

ticas. Assim, dar preferência a alimentos de origem vegetal é fundamental para promover sistemas alimentares mais sustentáveis.

ESCOLHA ALIMENTOS DA ÉPOCA

O período de safra de um alimento é a época em que aquele produto melhor se desenvolve devido a condições climáticas, oferecendo melhor qualidade nutricional e sabor, uma vez que está no auge de sua produção.

EVITE O DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS

Existem diversos impactos ambientais causados pelo desperdício de alimentos, dentre os quais podemos destacar a geração de resíduos orgânicos, desperdício de água e energia na produção e desperdício de recursos financeiros que poderiam ser aplicados em outras áreas.

FAÇA UMA HORTA CASEIRA

O plantio do próprio alimento promove a consciência sobre a própria alimentação, a valorização do tempo de colheita, a redução da compra e desperdício, além de poder servir de inspiração para cozinhar uma boa refeição.

Fonte: Material da apostila 1 do curso Educação Alimentar para a saúde planetária

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Produzido por uma equipe da USP, o objetivo da formação é abordar e discutir alimentação saudável e sustentável baseada em evidências científicas, e promover mudanças positivas nos hábitos alimentares e de vida de pessoas e instituições

CULTURA ALIMENTAR

será trabalhada, os materiais complementares, o quiz e um fórum de discussão online que será mediado pela equipe do Sustentarea. Essas atividades serão individuais e serão intercaladas com atividades coletivas. Ou seja, em uma semana os professores leem a apostila, acessam os materiais complementares, realizam o quiz e participam do fórum. Na seguinte, todos os professores de cada escola se reúnem em seu horário de reunião coletiva (HTPC) para realizar uma atividade em grupo que consiste na elaboração em etapas de um projeto transdisciplinar, aplicável à realidade da escola, a partir dos conhecimentos desenvolvidos no curso.

“Desejamos que este curso em parceria com o Sustentarea seja uma oportunidade de continuarmos aprendendo para podermos cada vez ensinar melhor”, afirma Ana Cristina Bueno Fernandes, secretária municipal de Educação de Águas de Lindoia. “O tema é importante e oportuno para toda a comunidade. Então, esperamos que os educadores aproveitem essa experiência, tendo benefícios para suas próprias vidas e, assim, se tornando também exemplos e inspiração para nossos alunos.” Embora o lançamento do curso tenha acontecido em abril, as atividades com os professores da cidade tiveram início ainda em 2022, quando foi realizado um questionário para avaliar o grau de conhecimento sobre o tema. As respostas foram importantes para compreender quais conteúdos deveriam ser abordados nas apostilas.

Em 7 de fevereiro de 2023, houve um evento de pré-lançamento do projeto, em Águas de Lindoia. Aline fez uma palestra sobre alimentação saudável e sustentável

A parceria entre a USP e a Secretaria de Educação aconteceu durante a pandemia, “com o desenvolvimento de materiais educativos sobre alimentação e sustentabilidade para merendeiras, professores e alunos”, explica a nutricionista Aline Martins de Carvalho

para os professores. Além disso, foram realizados sorteios de cestas de frutas e sucos doados pelos agricultores da cidade que fornecem produtos para a alimentação escolar. Também houve sorteios de livros e de outros materiais informativos e educativos. Ainda no início do curso será aplicado outro questionário (que possibilitará, ao final do projeto, em junho, avaliar o seu impacto no conhecimento, motivação e percepção de autoeficácia dos professores sobre o assunto). A equipe do Sustentarea poderá repetir a experiência em parceria com outras redes municipais de ensino, desde que seja feito um diagnóstico, como em Águas de Lindoia, para verificar se há necessidade de adaptação do material teórico. Seria preciso também fazer todo o acompanhamento do curso, envolvendo avaliação de professores, encontros presenciais e feedbacks em relação à elaboração do projeto por cada escola. Por isso, o curso só pode ser realizado em um município por vez.

SAIBA MAIS

Conheça as atividades do Sustentarea, núcleo de extensão universitária da USP: https://www.fsp.usp.br/sustentarea/

Revista Educação 28 Arquivo
pessoal
A alimentação será abordada como tema contemporâneo transversal, previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), fornecendo “ferramentas práticas para que professores e gestores desenvolvam e implementem projetos integradores na área”

O que são o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

e à Segurança

Alimentar e Nutricional?

O DHAA é o reconhecimento da alimentação como direito humano fundamental, que deve ser assegurado pelos Estados. De acordo com isso, os Estados têm a obrigação de garantir o acesso permanente de todos os cidadãos à alimentação segura e nutritiva e estarem livres da fome. Para a realização plena do DHAA, essa alimentação deve ser disponível em quantidade suficiente, ser culturalmente aceitável, além de produzida e consumida de modo sustentável. O DHAA é um direito inseparável de outros fundamentais para garantir a dignidade humana.

A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) é a realização do DHAA, baseada em seis dimensões, descritas resumidamente a seguir:

• DISPONIBILIDADE: ter alimentos em qualidade e quantidade suficientes para garantir as necessidades nutricionais básicas dos indivíduos, sendo eles livres de substâncias prejudiciais, e culturalmente aceitáveis.

• ACESSO: ter a possibilidade de adquirir alimentos saudáveis, em quantidades adequadas, sem comprometer outras necessidades básicas; significa que a alimentação adequada deve estar ao alcance de todos, incluindo indivíduos e grupos vulneráveis.

• UTILIZAÇÃO: ter uma dieta adequada, acesso à água limpa, ao saneamento básico e aos sistemas de saúde, de modo a alcançar o bem-estar nutricional e a preservação das funções fisiológicas.

• ESTABILIDADE: capacidade de garantir a SAN em acontecimentos repentinos, tais como conflitos, crises econômicas e eventos climáticos extremos), ou cíclicos (insegurança alimentar sazonal).

• AGÊNCIA: capacidade dos indivíduos de tomar decisões e realizar ações para melhorar sua saúde e bem-estar, bem como se engajar em processos mais amplos e coletivos envolvendo a SAN.

• SUSTENTABILIDADE: capacidade de garantir a SAN das gerações atuais, sem comprometer economicamente, socialmente e ambientalmente a capacidade de garantir a SAN das gerações futuras.

Fonte: Food security and nutrition: building a global narrative towards 2030, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura - FAO (2020). Disponível em: https://www.fao.org/3/ca9731en/ca9731en.pdf

Material da apostila 2 do curso Educação alimentar para a saúde planetária

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No país da água doce de dona Onete

Contadora de histórias, como a da cobra de Jatuíra, e investigadora da cultura de sua região, se hoje ela canta as riquezas do Baixo Tocantins e os segredos dos botos namoradores, por 25 anos foi a professora que fazia de tudo para se aproximar dos alunos

Tem pataqueira, tem patcholi. O famoso bulgari. Baunilha cheirosa, a famosa priprioca. Banzeiro de pororoca. Tomar banho de cheiro e se jogar no banzeiro. Ainda tem o tremor do jambu para conhecer o que a jamburana faz. Esses chamados, bem como a afirmação que a canarama é viçosa e o tapete é mururé, são todos da cantora e compositora dona Onete, a paraense que transmite o seu modo de vida intimamente relacionado às raízes culturais locais por meio de suas letras, consideradas uma enciclopédia regional e também um grito de alerta sobre as riquezas vivas e resistentes que o país pouco conhece do estado banhado pela Floresta Amazônica.

Aos 83 anos, ela canta o Pará das manifestações culturais amazônicas em shows pelo Brasil e mundo – é a rainha do carimbó chamegado –, mas por 25 anos o seu palco foi o chão da escola e o público, seus alunos. A trajetória profissional enquanto cantora só aconteceu após os 62 anos e de maneira espontânea, quando se aposentou como professora e passou a morar na capital do estado.

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ENCANTARIAS
DO PARÁ
Joelle Mesquita
Na gravação do videoclipe da música No meio do pitiú, na Pedra do Peixe, no mercado do Ver-o-Peso

Ionete da Silveira Gama (o nome artístico é dona Onete) nasceu em 18 de junho de 1939, na cidade de Cachoeira do Arari, Ilha de Marajó, se mudou para Belém ainda criança, e casada morou e garantiu sua trajetória como educadora em Igarapé-Miri (tida como a capital do açaí), localizado no Baixo Tocantins, Pará, local em que também foi secretária de Cultura.

ANTES DOS SHOWS, A EDUCADORA

Conhecida na educação como a professora Ionete, iniciou dando alfabetização aos 16 anos, na década de 50, e após conquistar mais formações, como o magistério e o técnico em comércio, para desagrado do marido que não gostava que ela se dedicasse aos estudos, passou a lecionar história e geografia para o hoje chamado ensino fundamental 2. “’Mais um curso de ‘burridade’,’ reclamava, não sabendo ele que estava me munindo, me alimentando para ser uma melhor professora.”

Nos tempos de escola do interior, Ionete já buscava trazer os alunos para perto de si e os incentivava a serem investigadores do conhecimento, ou seja, suas aulas não eram apenas expositivas, tendo unicamente a professora no centro e os alunos quietos ouvindo. “Quando dava aula sobre os indígenas falava para as crianças sentarem e sentirem o chão. Eu arredava as cadeiras. As professoras viam e questionavam a diretora: ‘o que a Nete tá fazendo com aqueles alunos todos no chão?’ A diretora apoiava o que eu fazia em sala, mesmo sendo período da ditadura e ela do lado de lá.”

“Canto o Pará porque sei quase tudo de lá”

Confira trechos de composições escritas por dona Onete:

(Boto namorador)

“Nas águas do Anapu

Nas águas do Pindobal

Tem um boto dentro da rede Fazendo fuá, fuá

Tem boto cercando a gente Fazendo fuá fuá

Mas é boto namorador

Das águas do Maiuatá”

(Tipiti)

“Arranca a mandioca

Coloca no aturá

Prepara a sororoca

Tem mandioca pra ralar

Oh, prepara a peneira

Joga na masseira

Pega no tipiti

Pra tirar o tucupi”

Revista Educação 31
Dona Onete, a rainha do carimbó do suingue chamegado, lançou seu primeiro álbum musical depois dos 70 anos
(No
“A garça namoradeira Namora o malandro urubu Eles passam a tarde inteira Causando o maior rebu Na doca do Ver-o-Peso No meio do Pitiú”
meio do pitiú)
Nay Jinknss

ENCANTARIAS DO PARÁ

Os livros de Paulo Freire reforçaram nela a importância de trabalhar no aluno a realidade local e implantar aulas com atividades recreativas. Para Ionete, não tem aula mais difícil de lecionar que as de segunda-feira. Os alunos costumam chegar agitados e falantes, querendo compartilhar os acontecimentos do fim de semana. Diante dessa escuta ativa da professora com seus alunos, criou um jornal feito por eles. Levava revistas como O Cruzeiro para servir de referência. “A aluna com a letra mais bonita escrevia o jornal, era a redatora e fazia à mão. Isso trazia sentimento de que ela era importante.” Outro menino era o repórter e relatava o acontecimento do bairro. “Montei uma espécie de microfone. Eles ficavam maravilhados.”

Com ou sem jornal, afirma que sempre conversou de igual para igual com seus alunos no início da aula para só depois, quando se aquietavam, dar início à aula.

A trajetória da professora ensina a importância de o professor buscar se aproximar de sua turma e compreender o que a estimula, inclusive conversar sobre futebol ou cantar. Professor distante, que quer apenas passar o conteúdo sem se importar em como atrair o aluno, possivelmente pouco resultado verá.

Em suas aulas de história trabalhou na prática o conhecimento do território. Para isso, lançou um passeio de Igarapé-Miri até Belém – atividade nada comum na época – para as crianças aprenderem as histórias da região ao conhecerem os locais marcantes, como a fundação da capital. Ionete unia os saberes culturais locais, com as histórias em suas aulas. Novamente inspirada em Paulo Freire, em uma dessas atividades em Belém, deu aula para os alunos da 8ª série embaixo de

uma mangueira. “Sempre busquei recriar para o aluno interagir e trazer elementos à sala de aula. Professor precisa incentivar isso”, defende.

SINDICALISTA PARA GARANTIR DIREITOS

Em Igarapé-Miri foi uma das fundadoras do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Pará (Sintepp). Ela e colegas chegaram a ficar três meses sem salário – uma das causas da criação do sindicato. “Naquela época [final dos anos 80], a luta era pelo aumento do salário, pelo básico: as escolas estavam deterioradas, como agora estão, porque Belém é uma cidade chuvosa, você faz uma escola bonita e daqui a uns quatro a cinco anos ela já está ruim porque a chuva é muito forte, o sol vem e fica estalando aquelas telhas.”

Quando professora, se inspirou em Paulo Freire, dando aula embaixo de uma árvore.

Trazia o aluno para si e incentivava a busca pelo conhecimento.

Imagem na sala de sua casa em Igarapé-Miri

“Contava esses dias para a minha neta que em uma greve perto do Ver-o-Peso [mercado municipal de Belém] jogaram água de peixe com tomate e cheiro verde na gente. Na minha calça jeans branca e na minha blusa branca toda bordada caíam as tripas de peixe. Estávamos cantando: ‘você aí parado também é explorado’, mas éramos tachados como vagabundos que faziam greve para poder ficar em casa. Tive que comprar outra roupa.”

Ao ser questionada sobre quem jogou a água de peixe, diz gargalhando: “esse pessoal que hoje me adora, do Ver-o-Peso pitiú”. (Leia o trecho da música da página anterior).

A professora Ionete também lecionou para adultos e tomou uma atitude que ela entende como de rebeldia. Para ela, as aulas eram muito fracas, não preparavam a passagem para o próximo ano de pessoas que estavam

Revista Educação 32
Composta de quatro eixos, a ocupação sobre dona Onete no Itaú Cultural aprofunda o público na sua rica e movimentada trajetória Acervo da família Letícia Vieira

buscando uma melhor qualificação. “Trouxe a matéria do ginásio para eles e conversei com outras professoras para fazerem o mesmo. Chegaram a me denunciar, não aceitaram.” Sua rebeldia rendeu frutos: alguns alunos passaram no concurso da Receita Federal.

COSTUMES DE UM POVO, RIQUEZAS IMENSURÁVEIS

“Engraçado. Algumas coisas o meu marido brigava, mas ele era folclorista, fazia boi bumbá, carnaval, [festejo de] Estrela Dalva e eu costurava.” E por falar em música, lista que, além do carimbó, no Pará tem guitarrada, boi bumbá, brega, tecnobrega, sirimbó, siriá, tambor de crioula, marujada e muito mais.

Ela se recorda que, tempos atrás, nas escolas de Belém, não se dançava o carimbó. Havia sanfoneiro, mas sempre de fora. Hoje o carimbó está em todo canto, inclusive fora do Brasil.

Sua força é tamanha que até nas festas das crianças está tendo influência, fruto também da luta de diferentes grupos culturais da região. “A princesa dos aniversários das crianças era a Branca de Neve [não era a cultura local]. Hoje em dia é o pitiú, o urubu e a garça [ver box]. Falam que não sabem o que eu fiz, porque agora as crianças querem roupinha de carimbó. Até o bolo já vem em formato de navio, barco, e a garça namoradeira e o urubu namorador estão lá.”

Dona Onete está sendo homenageada pelo Itaú Cultural, na Av. Paulista, 149, SP, por meio de uma ocupação gratuita exposta até 18 de junho. Destaque para a sua biografia e representação da cultura paraense.

Exaltação da cultura do povo da beira do rio

“Carimbó é vida, é poesia, é meio ambiente na vida de quem compõe, canta e dança essa expressão máxima da cultura paraense. E o carimbó chamegado tem uma batida mais lenta e sensual. É o carimbó que só a dona Onete sabe cantar. As letras dela são longas e trabalhadas – pesquisadas a fundo -, e ela entra com o seu jeitinho manhoso que dá toda a graça e sensualidade que só ela tem ao cantar o nosso carimbó”, conta a belenense Neire Prestes, que atuou no comitê de salvaguarda do carimbó como patrimônio cultural e imaterial brasileiro, é produtora cultural, colaboradora do grupo de carimbó Sancari e coordenadora da Campanha do Carimbó desde 2005.

“Dona Onete disseminou o termo carimbó chamegado. Ela diz que se dança mais devagar, tem mais sedução para dançar com o parceiro. Tem guitarra, baixo, bateria, e não só o curimbó, maracá e banjo, que são os instrumentos tradicionais”, acrescenta Priscila Tapajowara, indígena nascida no Baixo Tapajós, PA, e produtora audiovisual.

Revista Educação 33
Ela lista que no Pará tem guitarrada, boi bumbá, carimbó, brega, tecnobrega, sirimbó, siriá, tambor de crioula, marujada e muito mais Marise Maues
VAMOS EXPANDIR A EDUCAÇÃO JUNTOS? A Santillana Educação estará presente na Bett Brasil 2023! Conheça nossas soluções e novidades! www.santillana.com.br f /santillana.educacao /santillanaeducacao /SantillanaBrasil Descubra nosso universo de soluções educacionais.
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GRANDES AUTORES

Na contramão da informação, escolas e famílias veem o livro como um perigo

Pedro Bandeira chama a atenção para um chato neopuritanismo da atualidade; diz que não há uma novela após as 21h que não tenha conteúdo erótico, mas percebe famílias que consideram o livro perigoso

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“Se

Opção barata, os gibis iam e vinham, na troca com os amigos. O cinema, diversão comum daquela época sem TV, exigia velocidade na leitura das legendas quando os filmes eram estrangeiros, e essa foi, então, outra forma que ajudou no seu letramento.

Filho de uma mãe carinhosa e que lhe contava histórias desde quando era um bebê, Pedro Bandeira, escritor com mais de 100 livros publicados e mais de 20 milhões de livros vendidos, faz parte da vida de gerações que cresceram e crescem lendo suas histórias. Seu pai faleceu quando Pedro ainda estava na barriga de sua mãe, e sendo filho temporão, com dois irmãos mais velhos, foi uma criança solitária, daquelas que só brincava sozinha. Num tempo em que não se ganhava brinquedos e já alfabetizado, se jogou aos encantos dos gibis, curioso para saber o que estava escrito nos balõezinhos e encantado pelas figuras. Era assim que treinava a leitura.

“Eu preenchi a minha vida lendo; lendo o que aparecia na minha mão”, relata o escritor. De uma prima que tinha uma antiga coleção do escritor Monteiro Lobato, os livros chegaram na vida de Pedro, que viveu da leitura, pois o livro era o único brinquedo que possuía. “Sempre fui muito leitor, tanto que a minha vida passou a ser, desde jovem, direcionada por usar bem a língua portuguesa. Quando me tornei jornalista, me destaquei por ter um vocabulário bastante amplo, fruto de muita leitura”, conta Pedro, autor que já recebeu os prêmios Jabuti, APCA, Adolfo Aizen e Altamente Recomendável, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Na editora Abril, recebia pautas para escrever pequenas histórias publicadas em revistas que eram vendidas nas bancas, algo que logo gostou de fazer. “Aprendi muito, pois não dependia de inspiração para escrever: escrevia sobre skate e no dia seguinte sobre barco a vela e quando desconhecia o tema, corria atrás e pesquisava.

“Outro aprendizado que ganhou foi a disciplina, já que vivia entre os prazos de fechamento das revistas e jornais: “Isso me deu um pique muito bom”. Feliz com a ideia de escrever um livro, Pedro se inspirou no fazer literário de Monteiro Lobato e em 1983 escreveu o livro O dinossauro que fazia au-au, história de um menino solitário que vivia de sua própria imaginação. Esse foi o momento em que Pedro descobre o mercado da literatura infantojuvenil e, formado em ciências sociais, teve olhos para enxergar a importância que o livro tem

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você faz uma história para atingir a emoção de um jovem, tem que refletir aquilo que ele é, aquilo que ele pensa e aquilo que ele vive”, orienta Pedro Bandeira Editora Moderna
Sobre seu livro Mariana, menina e mulher, diz: “Já teve pais fazendo boletim de ocorrência pela adoção do livro, querendo colocar a professora na cadeia”

GRANDES AUTORES

dentro da escola, como apoio para a compreensão da língua portuguesa.

Dedicado a entender mais sobre o universo infantil, parte para o estudo da psicologia do desenvolvimento; Pedro queria entender o grau de inserção no mundo de crianças de diferentes faixas etárias para escrever de acordo com a fase de maturação de cada uma delas.

“Se você faz uma história para atingir a emoção de um jovem de 12 e 13 anos, tem que refletir aquilo que ele é, aquilo que ele pensa e aquilo que ele vive; mas isso traz problemas”, assegura.

Pedro conta um caso que está acontecendo agora: uma escola particular de alto padrão adotou um famoso livro seu, A marca de uma lágrima, e por conta do erotismo presente no livro — que já vendeu mais de dois milhões de exemplares —, está se reunindo com as mães e pais que pedem a demissão da professora, uma doutora e linguista. A história é de uma menina solitária, filha única e de pais separados, que recebe pouca atenção da mãe e que quase não vê o pai. Leitora, inteligente, escreve versos e se apaixona por um rapaz, que apesar de gostar dela, não a vê como uma possível namorada. A menina então sofre com a desilusão. No livro Pedro é fiel à psicologia do leitor, que lida com a autoestima, a timidez, insegurança, dúvida e com o despertar da sexualidade. “A escola particular forma um gueto de meninos ricos e iguais, que chegam e saem de carro, não conhecem o mundo, não têm colegas pobres ou negros”, reflete Pedro.

O escritor lembra que uma das coisas mais tristes que ele via quando dava aulas em cursinhos eram meninas que abandonavam os estudos porque ficavam grávidas. “Essa gravidez indesejada destrói a vida de uma jovem de 15 e 16 anos, que abandona os estudos e a possibilidade de uma faculdade que poderia dar um futuro para ela. É necessário ajudar os jovens nessa fase de modo que eles possam se defender, inclusive”, afirma o escritor.

O autor critica que a escola particular forma um gueto de meninos ricos e iguais, que chegam e saem de carro, não conhecem o mundo, não têm colegas pobres ou negros

Pedro Bandeira chama a atenção para um neopuritanismo chato que vemos nos dias atuais e diz que não há uma novela após as 21h que não tenha conteúdo erótico, mas vê famílias que consideram o livro perigoso. “É uma coisa engraçada, e as pessoas temem o livro”, expressa. Pedro compara esses

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“A boa literatura traz temas considerados difíceis para as crianças, pois entende que cedo ou tarde a vida trará situações que precisarão ser enfrentadas por elas”
Editora Moderna

A prática estimula nas crianças o trabalho em grupo

APRESENTADO

Ballet Paula Castro dentro das escolas

A escola Gato Xadrez, fundada em 1973, com sede em São Paulo, em parceria com o Ballet Paula Castro, que possui 45 anos de tradição, atualmente conta com três unidades próprias em São Paulo.

Atuando dentro da escola, o Ballet Paula Castro oferece o ballet para os alunos que estudam no período da tarde ou manhã, ou seja, no horário contraturno, diz a diretora Marina Maltez.

Uma parceria que já dura seis anos, Marina conta que o nível de satisfação das famílias é alto. “São professores que trabalham com a metodologia da escola ENBC (Escola Nacional de Ballet de Cuba), onde desenvolve um trabalho pedagógico com qualidade com nossas crianças.

“Ver a felicidade da minha filha, com a professora de ballet e ao lado das amigas, confiante e orgulhosa, é um ganho enorme”, diz Vanessa, mãe da Mariah

Estimular o trabalho em grupo e fazer com que se sintam importantes são princípios trabalhados com as crianças, desenvolvendo a desinibição e a postura diante dos desafios ao longo da vida.

“É muito especial e gratificante ver a emoção da minha filha no palco, independente, orgulhosa e feliz em mostrar o que aprendeu nas aulas de ballet”, expressa Vanessa, mãe de Mariah, aluna da escola Gato Xadrez.

Além da escola Gato Xadrez, o Ballet

Paula Castro está presente em grandes escolas de São Paulo e clubes, participando ativamente no calendário escolar. Além das aulas de ballet atuamos nas escolas com as modalidades de ginástica artística, teatro musical, jazz, sapateado e hip hop.

“No final de todos os anos apresentamos uma aula expositiva para as famílias, para que conheçam a dinâmica da aula de dança, a metodologia, a linguagem, os exercícios e para que percebam o desenvolvimento da criança, que recebe um certificado de conclusão do curso”, explica a diretora da escola. POR
A parceria do Ballet Paula Castro com a escola Gato Xadrez existe há seis anos. “O nível de satisfação das famílias é alto, constata a diretora Marina Maltez

GRANDES AUTORES

pais e mães com a história da Rapunzel, que é mantida numa torre para preservar sua pureza e inocência, mas, quando joga suas tranças, o príncipe sobe na torre e Rapunzel fica grávida. “Tentar colocar os filhos numa redoma não preserva sua inocência, e sim a sua ignorância e, por desconhecimento, se tornam vítimas de uma gravidez na infância ou adolescência. É a educação que pode minorar esses casos terríveis de gravidezes indesejáveis com nossos jovens.”

Sobre o livro Mariana, menina e mulher , obra que adorou escrever, diz que é um fracasso de vendas, pois fala sobre a puberdade, as mudanças físicas e a menstruação. “Já teve pais fazendo boletim de ocorrência pela adoção do livro, querendo colocar a professora na cadeia.”

A boa literatura traz temas considerados difíceis para as crianças, pois entende que cedo ou tarde a vida trará situações que precisarão ser enfrentadas por elas. Morte, separação dos pais, perdas materiais, bullying, mudanças físicas e psicológicas na adolescência, ansiedade, medo e tantos outros temas, quando tratados de forma adequada à faixa etária, são ferramentas de proteção. “Como é que a gente permite que uma criança de

Recado de Pedro para as professoras e professores:

“Bronca não ensina, é o amor que ensina. O mau aluno não é mau porque quer. Ele precisa entender sua matéria, mas você tem que entendê-lo primeiro. É difícil, mas é divino o que você faz. Abandonar a criança é abandonar o Brasil. A minha esperança são vocês, professores.”

12 anos fique grávida, ao invés de ouvir a verdade dos lábios de uma mãe, de um pai, de uma professora, para que a jovem possa se defender e se proteger?”, reflete. Para Pedro Bandeira, o escritor também é um educador que tem seu livro na escola para apoiar no amadurecimento emocional das crianças, pois desperta emoções, encerra dúvidas, fala de anseios. “É quando sofremos com a emoção do personagem, sem que de fato nos faça mal, esse é o papel da arte”, acredita. Não é preciso ser traído para saber o que é o ciúme se eu tiver lido Dom Casmurro ou Otelo de Shakespeare. Também não preciso sentir o remorso de um crime se eu tiver lido Crime e castigo de Dostoiévski e posso conhecer a mente de um pedófilo, aceito e respeitado pela sociedade, ao ler Lolita de Vladimir Nabokov”, ilustra Bandeira.

“A minha profissão é a melhor do mundo porque eu trabalho com o futuro. Eu tento ajudar crianças para que sejam adultos melhores. E o futuro desse jovem só será melhor se for mais seguro, mais informado, mais capacitado.”

Revista Educação 40
Pedro Bandeira: eu quero o brasileiro informado, capaz de fazer um Brasil melhor
“Tentar colocar os filhos numa redoma não preserva sua inocência, e sim a sua ignorância”
Editora Moderna
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Instituto Santo Agostinho, Piauí

O papel da educação básica na escolha profissional

Além de oferecer um preparo pré-vestibular para quem já se formou no ensino básico, instituição piauiense realiza parcerias com universidades para ajudar a expandir as escolhas profissionais dos alunos

Aformação profissional do estudante é preocupação de grande parte das escolas e famílias. Em 2022, com a chegada do novo ensino médio, os currículos passaram a dar mais visibilidade ao protagonismo do aluno, que procura, com o apoio dos itinerários formativos e projeto de vida, ter um direcionamento maior sobre sua escolha de carreira.

“O novo ensino médio é um desafio para os alunos porque é um outro formato, mas estamos conseguindo desde o ano passado ter uma boa adesão. Hoje, nosso aluno tem a oportunidade de escolher a área que quer seguir com a possibilidade de mudar de trilha se desejar. No caso do professor, alguns perderam carga horária, outros ganharam, mas, como é o caminho a seguir, também tivemos a aceitação deles”, detalha Fernanda Marques do Nascimento, diretora-geral do Instituto Santo Agostinho, localizado no Piauí.

DE OLHO NOS RECÉM-FORMADOS

Segundo Fernanda, antes das recentes mudanças no ensino médio, o cuidado com a formação profissional do aluno já estava presente desde a fundação da escola, em 2001. Além da atenção durante o ciclo de aprendizagem, trabalham com o pré-Enem, projeto voltado a alunos que terminaram o terceiro ano e que ainda precisam de um intensivo para prestar o vestibular. “Víamos que muitos de nossos alunos da região não conseguiam aprovação, então a escola veio com essa proposta de intensificar os estudos. No pré-Enem, com uma carga horária mais revisional e adequada, esses alunos que necessitam da aprovação nos vestibulares (não só do Enem) estão mais preparados para alcançar seus objetivos”, ressalta.

Alunos trabalham com intensivos e simulados para a realização de vestibulares

Revista Educação 42 FUTURO DA ESCOLA Série apoiada pela
Vanessa Silva Xavier/ISA

Apesar de o pré-Enem ser direcionado a alunos que já terminaram o ensino médio, alguns do terceiro ano também participam das aulas preparatórias no contraturno. “Eles têm uma programação de aula, bateria de simulados, todos os sábados estão na escola no horário do Enem para realizar as provas nas mesmas condições do exame. Fora isso, há semanas de revisões [tradicionais] e mensalmente revisões temáticas, ocasiões em que eles e o professor vêm para a escola fantasiados - é como se fosse uma aula show, uma aula diferente - com o objetivo de aprender, mas também de descontrair”, explica Luanna Eulálio, diretora pedagógica há três anos e com atuação na instituição há 12 anos.

A partir de 2024 o Enem se adequará ao novo ensino médio, por isso terá duas partes: uma de formação geral e a outra voltada aos itinerários formativos. A parte dos itinerários permanece uma incógnita. Ou seja, até o momento o país não sabe como será o exame.

Apesar desses impasses, a diretora pedagógica Luanna segue otimista: “estamos trabalhando com base no novo ensino médio. Se mudar, a escola se adapta também”.

OS PILARES

O Instituto Santo Agostinho trabalha sobre quatro pilares: verdade, carisma, conhecimento e amor. São pensamentos da filosofia de Santo Agostinho, os quais o fundador da escola professava, e deixou como legado para todos, proporcionando um espaço de acolhimento familiar. O termo ‘instituto’ veio com o propósito de, para além de trabalhar com a educação, servir como ajuda à comunidade. Atendendo todos os níveis da educação básica com uma mensalidade entre 600 e 800 reais em período regular, e chegando a 1.400 reais em período integral (opcional), a escola também oferece cotas sociais e patrocina jovens e adolescentes que praticam atividades esportivas.

Essa atenção com a comunidade fica visível nas parcerias com universidades e faculdades da região. Com o intuito de apresentar aos alunos as oportunidades de carreira e caminhos que eles podem seguir, traz profissionais ou estudantes de diversas áreas para compartilharem detalhes de sua vida profissional.

“Recentemente recebemos um grupo de advogados e professores da área de direito para conversar com os alunos e eles ficaram inspirados. Eles têm curiosidade de saber como é o dia a dia de cada profissão, quais são

as dificuldades que o profissional enfrenta, as vantagens em cada área. E quando eles [os profissionais] estão aqui, os alunos perguntam de tudo, desde o salário, os desafios, até o motivo pela escolha da profissão. É um momento de muita troca”, conta Luanna.

FORMAÇÃO PARA AS FAMÍLIAS

Desde o ano passado, a escola trabalha com formações direcionadas às famílias. Entre elas há um encontro bimestral. São diversos temas que a escola procura proporcionar para os pais: ciclo de confiança; como trabalhar limites tanto na relação pais e filhos quanto na relação aluno e escola, entre outros. “A gente não consegue trabalhar com o aluno sozinho. A partir do momento em que a família está mais instruída acerca de todos esses assuntos que fazem parte do contexto de seu filho, ela pode nos ajudar a alcançar o nosso objetivo maior que é a formação de maneira integral”, aponta Fernanda. Para Luanna, o trabalho com a família proporciona uma aproximação e um entendimento maior do laço entre escola, família e aluno. Um espaço de troca que gera contribuições para os dois lados, inclusive para o desenvolvimento da escola. “Eu acredito que só precisamos de um pouco mais de investimento e políticas públicas. O caminho é a educação. Pessoas que realmente absorvem isso se tornam adultos promissores, profissionais comprometidos e honestos. E isso só tende a acrescentar para o nosso país”, conclui.

Fotos: Divulgação

Revista Educação 43
A participação das famílias transforma o espaço da escola em um ambiente de troca e aprendizagem mútua, destacam Fernanda Marques, diretora geral, e Luanna Eulálio, diretora-pedagógica

Rádio como meio para as habilidades socioemocionais

Ao mesmo tempo em que se divertem, crianças e adolescentes têm a oportunidade de se desenvolverem integralmente

Olocutor e radialista Jorge Luiz Moreno notou que a criação de uma rádio desenvolve um ambiente de acolhimento e liberdade nos jovens. Ele sabe que na sala de aula a comunicação é a ferramenta principal. “Se você não dialoga com o professor, se não consegue se expressar e fica em um cantinho calado sem interagir com os outros alunos, não terá nenhum aproveitamento. Nossa preocupação é desenvolver as habilidades socioemocionais [do aluno]. Ajudá-lo por meio da comunicação oral/verbal para ele interagir com os outros e aprender a se comunicar. A partir do momento em que o jovem cria e produz conteúdo, conversa e dialoga, ele vai trabalhando essas questões”, apresenta Moreno, como costuma ser chamado.

PROGRAMAÇÃO ELABORADA

POR E PARA CRIANÇAS E JOVENS

Jorge Moreno fundou o projeto Rádio Escola em 2004, o qual já teve diversos formatos, nomes e localidades. Mas foi em 2019 - ao notar o interesse de seu filho e de uma colega nesse tipo de veículo quando o acompanhavam em seus trabalhos como radialista no Rio de Janeiro - que ele criou a rádio online Escola FM. A programação é elaborada por e para crianças e adolescentes, com músicas e conversas voltadas ao universo nerd. De maneira espontânea, aos poucos os jovens passaram a se interessar pelo novo projeto, produzindo conteúdo para a sua programação – inclusive, familiares dos participantes chegaram a produzir alguns programas. Todas essas ações aconteciam online, sem um encontro presencial entre Moreno e os meninos e meninas.

Revista Educação 44
NA PRÁTICA
Fotos: Arquivo pessoal Alunos da Academia Rádio Escola Foco & Diretriz fazem visitas às rádios e vivenciam na prática a profissão A rádio Escola FM transformou a vida das gêmeas Ruth e Rebeca

Em 2022, Moreno firmou uma parceria com a Escola Foco & Diretriz e juntos lançaram a Academia Rádio Escola Foco & Diretriz, um espaço físico na cidade do Rio de Janeiro para desenvolver em crianças e adolescentes habilidades socioemocionais, sendo a rádio, e tudo o que esse tipo de veículo pede, o meio para essas habilidades serem colocadas em prática.

São diversos programas gerenciados e criados pelos jovens, dentre eles Girl power, que fala sobre empoderamento feminino; Lugar de fala, espaço para discutir questões de gênero, racismo, homofobia, entre outros; Mochileiro das galáxias, que desbrava o universo de heróis, filmes e viagens (reais e virtuais); Escola de campeões, sobre o universo gamer; Anime­se, voltado à cultura nipônica e asiática; Sarauzinho, focado na cultura, música, literatura e eventos para o público infantil; e o Jornalzinho, que traz notícias e informações também para esse público.

“Quando começamos essa parceria vimos que muitos jovens vêm tendo problemas de depressão, síndrome de pânico e várias outras coisas. Eu estava passando isso com meu filho em casa. Quando o Moreno trouxe o projeto eu superabracei, principalmente pela iniciativa de dar voz às crianças, que acredito ser o mais importante. Não vemos projetos parecidos dando voz a essas crianças e adolescentes”, explica a diretora da Escola Foco & Diretriz e coordenadora pedagógica da Academia Rádio, Márcia Morais.

Pode participar da Academia Rádio qualquer criança entre oito e 16 anos que esteja matriculada na escola. A primeira turma formada pelo curso teve aulas durante seis meses, tendo um período de estágio após a formação. Neste ano o projeto dura oito meses, sendo dois direcionados para o estágio - que busca, por meio de visitas a rádios da região, promover aos alunos a experiência prática de como uma rádio funciona.

As crianças formadas no curso participam ativamente da rádio Escola FM como locutoras e criadoras de conteúdo. Contudo, a Academia Rádio concentra a formação e a Escola FM apenas a efetivação de programas.

Para aqueles que não querem fazer parte do curso, mas se interessam pelo projeto, Moreno criou o Repórter da Escola, em que o jovem pode indicar ou enviar conteúdo para a rádio Escola FM sobre o seu bairro, sua escola, entre outros temas. Os repórteres recebem orientação online sobre o conteúdo que é avaliado pelos apresentadores de cada programa para entrar na grade.

“Não vemos projetos parecidos dando voz a essas crianças e adolescentes”, explica a coordenadora pedagógica da Academia Rádio, Márcia Morais

“A partir do momento em que o jovem cria e produz conteúdo, conversa e dialoga, ele vai trabalhando essas questões [habilidades socioemocionais]”, conta o radialista Jorge Moreno

Por ser uma rádio online, as crianças e os jovens que a fazem possuem a senha e o acesso da plataforma para a criação de playlists, programas, enviar conteúdo, e colocar no ar. Tudo pode ser realizado remotamente e eles têm liberdade para decidirem sobre o que querem falar, sob mentoria de Jorge Moreno.

ALUNOS SE TRANSFORMAM

“Meu filho, por exemplo, fez o curso e agora está começando a gravar também para a rádio. Ele é criador do Mochileiro das galáxias, que fala sobre viagem. O Moreno fala que eles [os jovens] são os nerds, que sabem como vão produzir. Está tudo na cabecinha deles e que ele só ajuda a colocar isso no papel e a tirar do mundo da imaginação”, pontua Márcia.

As gêmeas Ruth e Rebeca também atuam na rádio Escola FM e ganharam uma bolsa para o curso da Academia Rádio. Segundo Jô Milagres, mãe das meninas, o trabalho com a rádio mudou a realidade de suas filhas. Rebeca, que tinha uma personalidade mais tímida e insegurança de soltar a voz, conseguiu com a rádio um espaço para se expressar. Já Ruth, que é atriz mirim, e que tinha dificuldade de abrir os seus horizontes, com a rádio criou o programa Lugar de fala, em que procura discutir temas sociais relevantes para a sociedade.

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Fotos: Arquivo pessoal

Gestores educacionais e a busca constante pela atualização

Na edição de 2023 de um dos maiores eventos sobre educação, tecnologia e inovação da América Latina, a troca entre público e palestrante será ainda mais próxima

Tem novidade na Bett Brasil 2023. Entre elas um espaço dedicado a apresentar organizações do terceiro setor com programas e projetos voltados à educação pública. Já o Bett Lab será um ambiente de escuta dos gestores e mantenedores sobre os desafios e dores que enfrentam no dia a dia, com mentoria especializada. No Fórum de Gestão haverá um painel com o tema #Oqueeufaçonasegundafeira: do plano para a ação! A proposta é colocar as ideias de novas abordagens e estratégias educacionais em prática. Além disso, o ensino superior e o ensino profissional terão uma área exclusiva denominada AHEAD by Bett com auditório e espaço exclusivo no pavilhão.

Para esta edição, a Bett traz como tema central Educação e trabalho para novos futuros. Vale lembrar que o evento é o maior da América Latina quando se trata de educação e inovação. Segundo Adriana Martinelli, diretora de conteúdo do evento, em um mundo em constante transformação, é essencial estabelecer relação estreita entre educação e trabalho. “A demanda por profissionais qualificados para ingressar no mercado de trabalho exige competências e habilidades que precisam ser incorporadas nos currículos das escolas e universidades. As 10 competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) indicam esse caminho, valorando a formação de um estudante de forma integral, com competências necessárias para lidar com a vida. Nesse sentido, iniciativas como o novo ensino médio e a curricularização da extensão nas graduações têm o objetivo de oferecer aos estudantes a oportunidade de se aproximarem da prática e conhecerem e aprenderem com a realidade do mundo contemporâneo. Entretanto, é preciso reconhecer que esse processo ainda está em fase inicial e requer mais investimentos e apoio para se consolidar”, pontua.

Gestores devem praticar a escuta ativa e efetiva de seus estudantes e professores, diz Adriana Martinelli, diretora de conteúdo do evento

A educação profissional tem um campo vasto para ser explorado, entre eles, segundo Adriana, oferecer uma opção real e concreta de projeto de vida para um grande número de jovens. “É urgente valorizar e incentivar a formação técnica e profissional, tornando-a mais acessível e valorizada socialmente.”

ESCOLAS PRECISAM FOCAR O AGORA

Adriana Martinelli atua há quase 30 anos no setor da educação e no desenvolvimento de estratégias inovadoras para metodologias de ensino com utilização de tecnologias de comunicação e informação. A dica que

Revista Educação 46
BETT BRASIL
Divulgação

ela dá para gestores de escolas e universidades caminharem com consistência aos novos futuros é praticar a escuta ativa e efetiva de seus estudantes e professores.

“Fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes não dá mais. É preciso adotar uma abordagem que envolva a experimentação na prática, combinada com uma constante análise e ajuste de rota. As ações devem ter intencionalidade e propósito claros, bem como uma cultura de colaboração, compartilhamento, escuta e experimentação. Isso inclui o uso de ferramentas digitais e recursos tecnológicos que possibilitem a personalização da aprendizagem e a criação de experiências educacionais mais significativas. Também é necessário investir na formação dos educadores para que possam utilizar essas tecnologias de forma efetiva e integrada ao currículo.”

Para exemplificar, ela cita uma frase do poeta do século 19 Antonio Machado: “Caminante, no hay camino, se hace camino al andar (Caminhante, não há caminho, você faz o caminho enquanto caminha, na tradução]”.

“Ele nos lembra que, ao caminhar e construir o caminho, estamos constantemente criando e moldando nosso próprio futuro”, reflete Adriana.

A diretora observa, como ponto comum das instituições de ensino básico e superior que têm realizado mudanças bem-sucedidas, o fato de os gestores reconhecerem a importância do trabalho docente, por exemplo, ao envolverem os professores nos processos de tomada de decisão.

PALESTRANTES NA BETT

São muitos os painéis e palestrantes que compõem os quatro dias de evento. Entre os destaques está o painel sobre educação climática, que terá a presença de Amanda Costa, ativista climática e jovem embaixadora da ONU. Em tempos do ChatGPT, a importância da tecnologia na educação não poderia estar de fora do evento, tanto é que serão vários painéis sobre esse assunto com grandes especialistas como Dora Kaufmann, Lucia Santaella, Martha Gabriel, Ivan Seidel, Idelfranio Moreira, Francisco Tupy e Alexandre Sayad.

O público terá também a oportunidade de refletir sobre o novo ensino médio por meio da participação de Maria Helena Guimarães de Castro, Maria Inês Fini, Kátia Smole e Mozart Neves Ramos

A Bett Brasil acontece de 9 a 12 de maio, no Transamerica Expo Center, em São Paulo.

participam dos principais eventos educacionais

As influenciadoras Taís Bento e Roberta Bento, do SOS Educação, são especialistas na relação família e escola. As duas apontam que, antes da pandemia, as diferenças entre os eventos brasileiros para os estrangeiros eram mais claras, contudo, as particularidades permanecem. “Nos dois eventos internacionais mais recentes de que participamos, os workshops e palestras trouxeram temas que abordam exatamente os desafios que o Brasil está enfrentando: saúde mental dos profissionais da educação, desafios da educação inclusiva, rotatividade e necessidade da formação continuada dos professores, os impactos da inteligência artificial na educação e o grande dilema sobre o tempo de tela das crianças e adolescentes”, detalham.

A exaustão física e a saúde mental abalada são os assuntos que as duas mais escutam de professores e gestores. As escolas buscam caminhos de aproximação com as famílias dos estudantes. “Também recebemos pedidos de ajuda em relação ao baixo envolvimento dos alunos com os estudos, a dificuldade no foco e concentração e a defasagem de habilidades como relacionamento social e autonomia dos estudantes de todas as idades.”

Já as famílias, contam, estão desesperadas com a intensidade do uso das telas por parte dos filhos. “Isso tem gerado reclamação e briga na hora de fazer a lição da escola. E, ao longo do ano, infelizmente, tanto por parte da escola, como vindo das famílias, são enormes desafios relacionados à inclusão, como a falta de profissionais especializados, a dificuldade para a inclusão de fato acontecer. Os atritos entre a família e a escola ainda são desafios que temos a vencer e a única saída possível é a parceria entre a família e a escola”, concluem.

Revista Educação 47
Um giro no setor
Arquivo pessoal Taís Bento e Roberta Bento do país e mundo. Foto durante a Bett do ano passado

Tratamento surpreendente para adolescentes em crise de saúde mental

Jovens podem ter o poder de ajudar uns aos outros, é

| Por Anaya Kamenetz, The Hechinger Report, EUA

Na primavera passada, Jamie Gorman teve um ataque de pânico no shopping. A então estudante do segundo ano do ensino médio estava com um grupo de amigos no Garden State Plaza, em Paramus, Nova Jersey, quando começou a se sentir sobrecarregada. Seus dedos estavam formigando. Ela não conseguia recuperar o fôlego. Se sentia trêmula e tonta. Seus amigos adolescentes entraram em ação. “Eles diziam: ‘Jamie, sente-se’. ‘Jamie, me dê seu telefone - desbloqueie-o’”, lembrou Jamie em uma entrevista recente em sua escola.

“Eles imediatamente ligaram para meu pai para que ele pudesse falar comigo. Encontraram uma garrafa de água para mim. Se sentaram comigo; estavam lá apenas para mim. Ela disse que seus amigos foram “muito reconfortantes porque eram calmos e diziam ok, sabemos o que fazer.”

Não foi apenas sorte que deu a Jamie Gorman amigos tão capazes. Eles, como todos os alunos do segundo ano da Ramsey High School, em Ramsey, Nova Jersey, tinham acabado de terminar um programa de treinamento chamado Teen Mental Health First Aid, projetado para fornecer aos alunos as ferramentas práticas necessárias para reconhecer sinais de alerta e ajudar um amigo em uma crise de saúde mental.

Teen Mental Health First Aid é uma adaptação do Youth Mental Health First Aid, um treinamento desenvolvido para adultos que trabalham ou cuidam de adolescentes. O último programa ocorreu há cerca de duas décadas na Austrália e é ministrado nos Estados Unidos desde 2008. Ambos os programas são apoiados por estudos científicos revisados por pares. Em ado-

Durante o treinamento de Primeiros Socorros em Saúde Mental para Adolescentes, Kayla O’Rourke disse que aprendeu a não usar frases como “Amanhã será melhor” ou “Vai ficar tudo bem”. Uma escolha melhor, diz, é “O que posso fazer para ajudar?”

lescentes, o treinamento demonstrou  aumentar a alfabetização em saúde mental e reduzir o sofrimento psicológico relatado. Em um estudo controlado randomizado, os jovens relataram um nível significativamente mais alto de confiança em ajudar um amigo ansioso ou suicida, menor estigma em torno da doença mental e eram mais propensos a escolher o curso de ação correto e útil.

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o que apontam experiências nos Estados Unidos
Yunuen Bonaparte /The Hechinger Report

Desde 2020, o número de pessoas treinadas em primeiros socorros em saúde mental nos EUA mais do que dobrou, para mais de 1,1 milhão, diz Tramaine EL-Amin, vice-presidente assistente de parcerias estratégicas e oficial de experiência do cliente no National Council for Mental Wellbeing. As razões para o crescente interesse são claras. De acordo com a Academia Americana de Pediatria, o estado de saúde mental de crianças e adolescentes desde a covid se classifica como uma emergência nacional. Os números nacionais mais recentes  do CDC mostram que “a saúde mental entre os alunos em geral continua piorando”, com mais de 40% dos estudantes do ensino médio em 2021 mostrando sinais de depressão.

Assim como o treinamento em primeiros socorros não faz de alguém um médico, os participantes de Primeiros Socorros em Saúde Mental não são certificados para fornecer terapia. O curso foi desenvolvido para ajudá-los a agir como socorristas - para avaliar uma situação, fazer o que puderem no momento e informar um adulto de confiança. O currículo abrange transtornos de ansiedade e pânico, depressão, tendências suicidas, transtornos alimentares, vícios e outros problemas de saúde mental comuns para essa faixa etária. Ele treina os adolescentes nas ações apropriadas a serem tomadas se um amigo mostrar sinais de alerta de um problema em desenvolvimento, mergulhar em uma crise aguda ou se recuperar.

Kayla O’Rourke, uma colega de classe de Gorman na Ramsey High School, disse que as áreas do treinamento que realmente estão grudadas nela são aquelas que resistem aos equívocos populares. “Você tem que dizer o que é certo para eles, como: ‘Você está pensando em se machucar ou está pensando em suicídio?’ Algo sobre o qual eu nunca seria tão direto.”

Tanto ela quanto Gorman disseram que o treinamento os fez sentir menos sozinhos em seus momentos de estresse. E eles usam regularmente as técnicas de autocuidado que aprenderam.

Mais de uma década antes da pandemia, a necessidade de cuidados de saúde mental entre crianças e ado-

lescentes aumentava e os últimos anos pioraram. Um comunicado de 2021 do Cirurgião Geral Vivek Murthy (autoridade máxima em saúde pública nos Estados Unidos)  resume de forma sombria a situação: “O número insondável de mortes da era pandêmica, a sensação generalizada de medo, a instabilidade econômica e o distanciamento físico forçado de entes queridos, amigos e comunidades exacerbaram o estresse sem precedentes dos jovens”.

No entanto, os provedores de cuidados de saúde mental são escassos nos Estados Unidos. Em 2019, havia apenas  14 psiquiatras de crianças e adolescentes para cada 100.000 crianças. A Academia Americana de Psiquiatria Infantil e Adolescente diz que crianças com diagnósticos mais graves esperam, em média, vários anos pelo tratamento adequado. E o CDC diz que 80% das crianças e jovens que precisam de tratamento não têm acesso a um profissional especializado em saúde mental. A falta de atendimento é pior nas áreas rurais, para negros, indígenas e outras pessoas de cor e para jovens LGBTQ. Além disso, leva anos para as pessoas se qualificarem como conselheiros de saúde mental, psicólogos ou psiquiatras, o que significa que esse problema não pode ser resolvido rapidamente.

É por isso que organizações como a Child Trends têm incentivado escolas e comunidades a adotarem uma abordagem totalmente prática para a saúde mental dos jovens. Em vez de colocar toda a pressão sobre os profissionais, a organização incentiva uma mentalidade de “saúde da população” que olha para cima e envolve toda a comunidade na promoção do bem-estar mental, prevenção e intervenção precoce.

Uma tentativa de “saúde da população” é o lançamento no ano passado do  988, a linha direta nacional de suicídio e crise. A administração Biden gastou US$ 400 milhões para ajudar as instalações de saúde mental a apoiar o sistema.

Ramsey, um distrito com bons recursos em um subúrbio rico, se comprometeu a treinar não apenas todos os alunos, mas todos os adultos do distrito - de

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Adolescentes são certificados para ajudar colegas, já que é muito comum os jovens recorrerem primeiro a um amigo em vez de a um adulto

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assistentes administrativos a zeladores. Essa é a abordagem recomendada pelo Conselho Nacional de Bem-Estar Mental, que exige que pelo menos 10% dos adultos em uma escola ou organização recebam treinamento antes que ele possa ser oferecido a adolescentes.

Molly Dinning, diretora de serviços de apoio estudantil do Ramsey School District, afirma que “as lâmpadas se apagaram” depois que os administradores do prédio fizeram o treinamento. “Tipo, todo mundo pre-

cisa disso. Temos que fazer deste um programa abrangente.” E isso inclui adolescentes, que, segundo ela, são fortalecidos pelo treinamento de maneiras que vão além da saúde mental.

Quanto mais pessoas em uma comunidade tiverem esse conhecimento, maior a probabilidade de alguém que está sofrendo receber uma intervenção precoce antes que suas necessidades se tornem mais graves. Mas também há evidências de que esse tipo de treinamento pode promover o bem-estar mental em toda a população. Em descobertas preliminares da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins, dois terços dos adolescentes entrevistados relataram que usaram as estratégias de autocuidado do curso de treinamento para lidar com seu próprio estresse.

A mil milhas a oeste de Nova Jersey, em Ottumwa, Iowa, a Ottumwa High School também se preocupa com o bem-estar mental dos alunos. A escola, que atende uma população com renda muito menor do que Ramsey, tem apenas um conselheiro de saúde mental dedicado para seus 1.300 alunos. (A Ramsey High School tem dois para 780 alunos.)

O conselheiro de Ottumwa, Kolby Streeby, pontua que “os amigos são a primeira linha de defesa quando os alunos estão passando por momentos difíceis. Infelizmente, a família nem sempre é um bom suporte para eles”.

Streeby e seus alunos disseram que a homofobia familiar e a transfobia são problemas na comunidade. Outros alunos estão lidando com o abuso de substâncias de um membro da família; Iowa é conhecido por altas taxas de uso de metanfetamina em particular.

Streeby, que já era certificado em Primeiros Socorros em Saúde Mental, ficou entusiasmado ao ouvir sobre o Programa de Saúde Mental para Adolescentes. Ela ofereceu o treinamento aos nove membros do clube estudantil que ela supervisiona, o Teen Outreach Program.

O conselheiro de Ottumwa pontua que “os amigos são a primeira linha de defesa “quando os alunos estão passando por momentos difíceis. Infelizmente, a família nem sempre é um bom suporte para eles”

Os alunos concluíram o treinamento em dezembro. O aluno da décima série Oliver Hernandez-Norris disse que se mostrou útil quase imediatamente. “Percebi alguns sinais em meu amigo que me preocupavam e nem teria pensado nisso se não tivesse feito o treinamento”, disse ele. O amigo estava perdendo o interesse pelas atividades, distanciando-se dos outros e demonstrando raiva. Hernandez-Norris disse que, se não tivesse sido treinado para reco -

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Na juventude, o treinamento demonstrou aumentar a alfabetização em saúde mental e reduzir o sofrimento psicológico relatado
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Organizações como a Child Trends têm incentivado escolas e comunidades a adotarem uma abordagem totalmente prática para a saúde mental dos jovens

nhecer os comportamentos como sintomas de depressão, poderia “ter pensado que eles estavam estressados com o trabalho”.

“Mandei uma mensagem para Kolby [Streeby] e disse: ‘Meu amigo está passando por esses sinais de alerta.’ E eu perguntei ao meu colega em uma ligação‘Você está bem? Você quer talvez sair?’ Eles estão bem agora. Eles estavam apenas passando por um momento difícil.”

Von Conley, um veterano, disse que o treinamento os ajudou pessoalmente. “Quando examinamos todos os sinais de alerta de alguém que estava em espiral, reconheci muitos desses comportamentos em mim”, disseram eles. “Quando não estou me sentindo bem, tendo a me afastar de todos. No momento, senti que precisava fazer algo melhor para mim - precisava confiar nas pessoas que amo, em vez de esconder isso.”

Embora os estressores que contribuem para os problemas de saúde mental sejam mais comuns em comunidades de baixa renda, parece que a adoção do programa, em sua maior parte, começou em distritos mais ricos e de maioria branca.

O custo direto do programa — excluindo o tempo em sala de aula e para desenvolvimento profissional — pode variar de US$ 1.700 para um pequeno pacote de treinamento e materiais para instrutores, até US$ 52.000 para um pacote distrital. Esses custos podem ser cobertos pelo orçamento regular da escola, subsídios federais — incluindo  o Project AWARE — ou por doadores externos.

Gorman e O’Rourke em Nova Jersey, e vários alunos entrevistados em Iowa, dizem que o treinamento os tornou melhores amigos - mais abertos, mais empáticos, mais propensos a fazer check-in porque tinham a linguagem para falar sobre tempos difíceis e as ferramentas práticas para ajudar. “Quando um amigo corajoso quebra o gelo com esse tipo de coisa, as pessoas começam a inundar a conversa”, observa O’Rourke.

Esta história sobre primeiros socorros em saúde mental foi produzida pelo The Hechinger Report, uma organização de notícias independente sem fins lucrativos nos EUA focada na desigualdade e inovação na educação.

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A saúde mental nos EUA, em geral, continua piorando, com mais de 40% dos estudantes do ensino médio com sinais de depressão
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Opinião

Crianças pagam o preço pelas guerras de extremistas

Devemos combater o aumento profundamente preocupante de ataques politicamente carregados contra nossos professores, nossos filhos e nossa nação

Ataques pessoais a educadores e outros que trabalham na educação pública por extremistas políticos tornaram-se muito comuns nos últimos anos – e nossos filhos estão pagando o preço. Nossos filhos estão sendo usados como peões nas guerras culturais politicamente motivadas, sendo forçados a entrar nas escolas públicas de nossa nação, e é hora de isso parar.

Lembra destas histórias? No ano passado, o professor do Kentucky Willie Carver Jr., um homem gay, foi acusado infundadamente de invocar materiais controversos na sala de aula. Como patrocinador da Aliança Gay-Straight de sua escola, ele enfrentou uma tempestade interminável de ódio homofóbico e ataques pessoais. Willie foi forçado a deixar o emprego com as crianças e famílias de sua comunidade depois de 17 anos.

Em 2020, no norte do Texas, James Whitfield, da Colleyville Heritage High School, tornou-se o primeiro diretor negro da escola. Um ano depois, ele foi forçado a renunciar, apesar de sua experiência e impacto positivo sobre os alunos.

Extremistas políticos no estado  o acusaram de promover conceitos divisivos simplesmente porque ele escreveu uma carta à comunidade expressando sua tristeza e dor pela morte de três negros americanos: George Floyd, em Minnesota, Breonna Taylor, em Kentucky, e Ahmaud Arbery, na Geórgia.

A frequência crescente de histórias como essas é profundamente preocupante - porque nossos filhos são os que estão no meio. Mandamos nossas crianças para a escola e confiamos em seus professores para lhes dar as habilidades de que precisam para ter sucesso na sala de aula e fora dela. Não importa onde você mora, é muito provável que encontrar e reter professores e administradores de alta qualidade seja uma das principais preocupações do distrito escolar.

Mas, cada vez mais, bons professores estão  deixando a profissão por medo de serem assediados ou demitidos apenas por fazerem seu trabalho. Sem acesso a educadores de qualidade, nossos filhos terão dificuldades e os resultados serão devastadores. No entanto, enquanto pais e educadores trabalham duro para ajudar as crianças a recuperarem o tempo de aprendizado perdido durante a pandemia, políticos oportunistas estão aproveitando as frustrações das famílias para levar suas agendas extremistas às salas de aula em todo o país.

Como mãe, temo pelo futuro deste país se não permitirmos que nossos educadores falem honestamente sobre os desafios modernos sem sofrer consequên-

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cias terríveis. Nosso objetivo comum deve ser equipar nossos filhos com o conhecimento e as habilidades de pensamento independente de que precisam para construir um futuro mais brilhante e seguro para todos nós.

Aprender uns com os outros e com nossa história compartilhada nos ajuda a enfrentar os problemas que encontramos hoje — é isso que manterá nosso país ótimo. Não podemos deixar que a política partidária atrapalhe.

Por esse motivo que minha organização, a  Campanha pelo Nosso Futuro Compartilhado, anunciou recentemente o Fundo de Defesa do Educador, um recur-

so central de resposta rápida de serviços de apoio para educadores, superintendentes e membros do conselho escolar que se encontram sob ataque de extremistas. Nosso objetivo é criar uma mesa composta por uma equipe de especialistas que forneça assessoria jurídica e de comunicação e outros recursos para ajudar os educadores a resistir e se opor a esses ataques perigosos. Os políticos não têm lugar nas nossas salas de aula.

Eu gostaria que o Fundo de Defesa do Educador não fosse necessário, mas infelizmente é desesperadamente necessário porque os políticos extremistas continuam a atacar os educadores por ensinarem aos nossos filhos lições que não aderem às opiniões dos políticos.

Eles continuarão a difamar nossos mais respeitados líderes comunitários, organizadores sem fins lucrativos e escritores da história. Eles farão o possível para apagar os heróis estadunidenses - como o Martin Luther King Jr. e Rosa Parks - de nossos livros de história. Eles farão tudo isso na tentativa de assumir mais poder, injetando suas agendas divisivas nas salas de aula de nossos filhos e minando a confiança na educação pública e, eventualmente, em nossa democracia – e eles estão determinados. Ninguém está a salvo de seus ataques.

Felizmente para nós, combater esses extremistas é bastante simples, se estivermos dispostos a trabalhar juntos. Nós, como pais, devemos trabalhar como parceiros de confiança com nossas escolas e comunidades locais para dar a nossos filhos a melhor educação possível. Essa batalha pode ser vencida se nos unirmos no corredor político para derrotar essas invasões extremistas e restaurar um debate saudável entre famílias e profissionais investidos no sucesso do aluno.

Pelo bem do futuro de nosso país, vamos acabar com as guerras culturais e a caça às bruxas em 2023 e mudar nosso foco de volta para as necessidades de nossos filhos.

Heather Harding, Ed.D., é diretora executiva da Campaign for Our Shared Future, um esforço apartidário para apoiar a educação de alta qualidade e preservar o acesso, a inclusão e o conteúdo significativo nas escolas públicas.

Esta história sobre guerras culturais na educação pública foi produzida pelo The Hechinger Report, uma organização de notícias independente sem fins lucrativos nos EUA focada na desigualdade e inovação na educação.

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Cada vez mais, bons professores estão deixando a profissão por medo de serem assediados ou demitidos apenas por fazerem seu trabalho

A batalha pedagógica da tradição e da inovação

Escola, espaço de constante atração e aversão a transformações e modismos

Houve um tempo em que coube a compositores e a cantores o papel de exercício intelectual na sociedade. Em parceria com a academia e com a escola, os artistas tiveram papel crucial no centro de debate político, social e cultural no país.

Nesse grupo de intelectuais engajados e preocupados com o cenário nacional, desponta Zé Geraldo com seu ‘rock social rural’. Suas letras críticas foram (e são) fundamentais para a formação do pensamento político da juventude brasileira. Sobretudo porque o artista trouxe as questões de seu tempo. Zé fez do palco e dos discos espaços de reflexão e de contestação à ordem e à desordem das coisas da vida e do mundo.

Entre seus clássicos, destaca-se Milho aos pombos . Canção em que o autor se opõe à opressão, à miséria, à desfaçatez, à fome e à força bruta. A metáfora do refrão é um não à alienação castradora. “ Entra ano, sai ano, cada vez fica mais difícil /O pão, o arroz, o feijão, o aluguel/Uma nova corrida do ouro / O homem comprando da sociedade o seu papel (...) Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça /Dando milho aos pombos (bis) (...)Tiro ao homem /Tiro ao pombo/ Quanto mais alto voo / Maior o tombo/ Eu já nem sei o que mata mais /

Se o trânsito, a fome ou a guerra/Se chega alguém querendo consertar / Vem logo a ordem de cima/ Pega esse idiota e enterra/ Todo mundo querendo descobrir / Seu ovo de Colombo/ Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça / Dando milho aos pombos.”

Hoje escapa à canção popular o papel de interlocução político-social na sociedade. Um grande vazio é ocupado pelo alheamento tolo e fácil das redes sociais - infestadas de influenciadores e de ‘coaches’ a vender toda sorte de ideias de sucesso e de transformação. Influenciadas pela reforma do ensino médio, algumas escolas surfaram nas ondas do vago. Resolveram levar para as salas, sobretudo nos itinerários formativos e projetos de vida, o mundo oco, prático ou perigoso das redes sociais e do universo corporativo e empresarial, sufocando o espaço de reflexão, de indagação, de incômodo e de encanto com a vida.

O tempo solicita da sociedade adaptação aos novos rumos e recondução na forma de educar os jovens. Nisso a escola não peca. Ela é bastante porosa a mudanças e inovações e, paradoxalmente, pouco permeável também. Vive em uma luta constante entre atração e aversão a transformações, a ressignificações e a modismos.

As aulas expositivas e a ênfase nos conteúdos são demonizadas com fúria inquisitória. Os louros da vez são as metodologias ati-

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DIÁLOGOS
A tragédia humanitária pela qual passam os indígenas Yanomami, o trabalho análogo à escravidão e a catástrofe ambiental do litoral norte de São Paulo devem ser debatidos e compreendidos na escola

vas, a cultura maker, o protagonismo do aluno e o enorme cardápio de itinerários. Um lado da corda briga pelo oito; e outro, pelo oitenta. Se um puxa para a terra; o outro lança os olhos para os céus. E assim, o dia a dia escolar, assombrado pelos demônios, vive sua dualidade confusa. Em meio à batalha pedagógica da tradição e da inovação, as aulas (BNCC e itinerários) transcorrem muitas vezes alheias aos fatos da vida e do mundo.

Neste início de ano, não faltaram notícias tristes e alarmantes no país. Fatos que poderiam ser tratados como pontos de reflexão, de indignação, de discussão e de atuação sem que o curso natural dos planejamentos fosse maculado. Há espaço nas aulas para que se discuta o trabalho análogo à escravidão que insiste em se manter vivo. É claro que a tragédia humanitária pela qual passam os indígenas Yanomami deve ser debatida e compreendida. Evidentemente, a catástrofe ambiental e social no litoral norte de São Paulo não pode fugir à pauta das indagações do dia.

Isso não significa violar a grade curricular, mas extrapolá-la. Ninguém em sã consciência e bem intencionado há de negar a importância dos conteúdos tradicionais como arcabouços e pilares para compreensão da roda que faz girar a vida. Não faz sentido sobrepor o método ao conteúdo. É teimosia abrir mão de métodos que permitam alargar o conteúdo tradicional e negar as ideias fundamentais que deles emanam.

Ninguém razoável negaria que matemática, química, biologia, física, educação física, filosofia, história, sociologia, geografia, artes, linguagens e a literatura são

fundamentais para civilizar o homem e oferecer a ele instrumentos para compreensão do passado, presente e futuro como processos de libertação da ignorância e de transformação. No entanto, essas disciplinas não podem viver numa redoma alheia aos acontecimentos. Elas devem varar as frestas das cortinas das salas de aula e atravessar a vida para que o jovem possa sacar as transformações do mundo e as angústias do viver.

As metodologias ativas não são a panaceia nem a doença. Há nelas ferramentas e instrumentos interessantes e interacionais que podem contribuir decisivamente para transbordamento das disciplinas. Mas há de se ter cuidado para que elas não sejam o fim nelas mesmas e o abafamento do conteúdo ou um braço largo para inserção de disciplinas que atendem à lógica dos mercados em busca de mão de obra barata e nada reflexiva.

Se a escola não for um centro de formação integral dos estudantes e um espaço decisivo de aprendizagem significativa que vincule a tradição à modernidade e aos acontecimentos da vida, estaremos dando milho aos pombos e os prendendo aos limites da praça, alheios ao que na vida é porosidade e comunicação.

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Rovena Rosa/Agência Brasil João Jonas Veiga Sobral Escritor, professor de língua portuguesa e orientador educacional Desastre ambiental e social no litoral norte de SP

ENTRE MARGENS

Pra variar, sistema educacional sem mudanças

Itaipuaçu, 14 de fevereiro de 2043

O mês de fevereiro de 2023 foi aquilo que, hoje, se poderá chamar de ‘separador de águas’, porque se começou a dissipar a ‘cortina de fumaça’ que encobria uma política educacional perversa.

Acadêmicos ociosos velavam o cadáver adiado instrucionista, enquanto três insignes mestres o denunciavam. O maior desses mestres se chamava Pedro. Homem sábio, autor de farta e excelente produção científica. Afirmava que aprendizagem quase não existia, que da escola não levávamos quase nada para a vida.

A série histórica do Ideb escancarava, desde 1995, “um sistema inepto, para não dizer inútil, sem perspectiva de mudança”. E, à distância de 20 anos, a análise do amigo Pedro permanece atual, constitui-se em referência para quem ainda não se tenha emancipado do ranço da velha escola.

O instrucionismo era “a postura padrão globalizada, acolhida oficialmente no Pisa: um sistema tipicamente de ‘ensino’, instrução, baseada na aula copiada para ser copiada, conteudista”. Estou a citar o mestre Pedro. Espero que ele me perdoe a ousadia, pois teve a generosidade de me enviar alguns textos solidários:

“Tendo escutado você mais de perto, nesses dias, também suas angústias, ocorreu-me fazer alguns textos. Tentam entender algumas ideias que mais chamam a atenção, mesmo assustam, mas são cruciais para a ‘comunidade de aprendizagem’. Admiro, entre outras coisas, sua coerência. E espero que os textos sejam úteis.”

Esses textos foram muito úteis, não só pelo que de heurístico possuíam, mas sobretudo pela coragem intelectual que traduziam. Falavam de escola pública. Não aquela que usurpava esse nome, mas aquela que, a partir das contribuições essenciais de três mestres e da dedicação de dezenas de professores, despontou na terceira década deste século.

“É lamentável que não se perceba que a escola pública dos pobres, aquela que atende a 99% dos alunos públicos, se encontre em situação de tendencial inutilidade para a grande maioria dos estudantes.

Para alguns, o fato de ser ‘pública’ é um amuleto suficiente (...) emancipatório, ainda mais constando no PPP como a última maravilha dos tempos, sem qualquer base avaliativa científica, acrescendo-se a esta hipocrisia a insinuação de que não se pode questionar, para não desconfortar.

Embora seja o caso defender a escola pública como patrimônio democrático e republicano, uma coisa é defender escondendo a cara na areia, outra é defender com devida postura crítica autocrítica.”

Poderia evitar a referência que o meu mestre fez à ‘coerência’ do vosso avô. Se o não fiz foi porque a coerência era um dos valores que nos unia. E porque Freire havia dito que:

“As qualidades ou virtudes são construídas por nós no esforço que nos impomos para diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos. Este esforço, o de diminuir a distância entre o discurso e a prática, é já uma dessas virtudes indispensáveis – a da coerência.

Como posso continuar falando em meu respeito ao educando, se o testemunho que a ele dou é o da irresponsabilidade, o de quem não cumpre o seu dever, o de quem não se prepara ou se organiza para a sua prática, o de quem não luta por seus direitos e não protesta contra as injustiças?

A prática especificamente humana é profundamente formadora – por isso, ética. Se não se pode esperar de seus agentes que sejam santos ou anjos, pode-se e deve-se deles exigir seriedade e retidão.”

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José Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal) josepacheco@editorasegmento.com.br
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