Magda Soares

A mulher que se comprometeu com a alfabetização
Refugiados Para além de um lar, a luta por educação

Magda Soares
A mulher que se comprometeu com a alfabetização
Refugiados Para além de um lar, a luta por educação
Faltam professores
Jovens não querem seguir a docência; com isso, o cenário para 2040 é que faltarão 235 mil profissionais. É urgente reverter esse possível cenário sombrio. Especialistas apontam soluções
Há 80 anos, a Editora do Brasil está presente em todo o território nacional e atende às necessidades das escolas brasileiras com soluções digitais bem como com projetos didáticos e literários comprometidos com a ética, com a inovação e com a Educação.
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Agradecemos aos professores e gestores escolares que caminham lado a lado com a Editora do Brasil, com o propósito de levar educação de qualidade para crianças e jovens. Desejamos a todos um feliz 2023!
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Um possível apagão de professores em 2040 estampou as mídias do país no ano passado. Não é a primeira pesquisa sobre educação que traça um cenário futuro espantoso. Diante do alerta, a matéria de capa da primeira edição do ano escutou especialistas que apontam alguns caminhos para barrar esse apagão docente. Sabemos que há muitos problemas, mas aqui nos atentamos em algumas soluções.
Esta edição homenageia uma das gigantes da educação, Magda Soares. Falecida aos 90 anos, no dia em que oficialmente o governo que, preso em ideologias, tanto atacou suas reconhecidas contribuições na área da alfabetização, deixou o poder.
Após quatro anos de cortes de verbas, troca-troca e escândalos de corrupção no MEC - com dedos de pastores evangélicos -, a pasta começa 2023 com esperança. O ministro Camilo Santana e a secretária executiva Izolda Cela tendem a unir técnica com articulação política no Ministério da Educação. O primeiro foi governador do Ceará por dois mandatos (2015 a 2022). Já Izolda atuou como secretária de educação de Sobral, CE, cidade referência no país no ensino público, vice-governadora de Camilo e a primeira mulher a assumir o cargo de governadora do Ceará (2022). Avaliações como o Ideb colocam esse estado como símbolo na educação pública brasileira. Contudo, há um país dividido, com restrições orçamentárias e um retrocesso sem igual. Mesmo assim, que possamos avançar.
Alerta: esta edição é lançada no momento em que a desumanidade que atinge os Yanomami chega a um ponto insuportável. Nos últimos quatro anos, 570 crianças indígenas com menos de cinco anos morreram de causas evitáveis no território Yanomami, esgoela reportagem do portal Sumaúma, jornalismo do centro do mundo, tendo Eliane Brum como uma das fundadoras. “O problema está gritante”, disse à editora da revista Educação um servidor da Funai que atuou em Roraima.
“46 crianças com menos de cinco anos haviam perdido a vida só nos primeiros cinco meses de 2022 pelo que as estatísticas chamam de ‘causas evitáveis’ (falta de tratamento médico e prevenção). E 52,7% dos pequenos Yanomami com a mesma idade encontravam-se desnutridos. Desde julho de 2020, polos de saúde que funcionam dentro do território Yanomami foram fechados por 13 vezes por conta das ações dos garimpeiros, deixando os indígenas sem atendimento médico”, relata artigo de Eliane Brum após a repercussão da reportagem.
Os garimpeiros ilegais devem ser retirados dos territórios indígenas e que todas as ações necessárias sejam realizadas para uma vida sadia e respeitosa aos modos de vida dos povos originários – incluindo responsabilizar os culpados por tamanha negligência.
Laura Rachid, editora laura@plataformaeducacao.com.brA Plataforma Educação, composta por edições digitais e impressas, site, redes sociais e eventos, é publicada por RFM Editores
Ano 27 - Nº 291 janeiro e fevereiro de 2023 ISSN 1415-5486 www.revistaeducacao.com.br
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Idade média dos professores está aumentando à medida que as novas gerações se desencantam com a carreira de professor
Uma das principais referências em educação infantil da atualidade, ele é um porta-voz no alerta de que a sociedade ainda não reconhece a criança como sujeito de direitos. E pontua: “um projeto pedagógico é um projeto civilizatório”
Em memória
Foi uma das criadoras da Faculdade de Educação da UFMG; aos 90 anos, inúmeras obras e pesquisas a eternizam como referência em alfabetização e letramento
As escolas devem formar grupos de trocas de experiência e estudos que funcionem como rede de apoio
Para garantir acolhimento em ambiente escolar a crianças refugiadas, agências da ONU atuam em conjunto com prefeituras e governos do Norte do país
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Paulo FochiUma das principais referências em educação infantil da atualidade, ele é um porta-voz no alerta de que a sociedade ainda não reconhece a criança como sujeito de direitos. E pontua: “um projeto pedagógico é um projeto civilizatório”
Em pleno século 21, para muita gente ainda – políticos, gestores, pais e até educadores – o entendimento da educação infantil vem marcado por preconceitos. Como o de uma etapa menos séria, uma ‘escolinha’; como de um ambiente de ‘cuidar’ de crianças e apoiar as mães trabalhadoras, ou como uma fase preparatória em que as crianças devem já se tornar alunos, aprendendo a ler o quanto antes. É urgente rever essa visão, superada na boa pedagogia há muitas décadas. Mas, desde que um célebre estudo do Prêmio Nobel de Economia, James Heckman, cravou que investir na educação infantil implica economizar gastos futuros com
Pedagogia do início. É assim que Paulo Sergio Fochi prefere denominar a educação infantil
saúde, segurança e assistência social, formuladores de políticas públicas em todo o planeta passaram a dar mais atenção ao tema. A eles se somaram neurocientistas, sociólogos e outros especialistas que, por diferentes perspectivas, provam que esta é uma fase especial do desenvolvimento humano, de qualquer ângulo que se olhe.
Para o autor e pesquisador Paulo Fochi, doutor pela USP, com passagens pela Universidade de Barcelona e de Navarra, uma sociedade melhor deve ser pensada desde a infância, e vivemos um tempo em que é preciso proteger a imaginação para sermos capazes de interromper a possibilidade do colapso. Um dos mais respeitados nomes da educação infantil hoje, no país, Fochi é coordenador e professor do curso de pedagogia da Unisinos e fundador do Observatório da Cultura Infantil (Obeci). Da Itália, ele concedeu a seguinte entrevista exclusiva à revista Educação
Fica cada vez mais estabelecida a importância da educação infantil. As razões apontadas muitas vezes remetem a algo fundamental para o futuro. Como você justifica a relevância dessa etapa por si mesma, no tempo presente?
Essa é uma ideia perigosa, mesmo porque, tratando desse lugar do amanhã, há o risco de esquecermos dos direitos presentes, da criança do agora. Mas, por outro lado, com toda crítica que possa ser feita, essas abordagens também mostram que estamos construindo uma visão mais ampla sobre como investir na infância. É importante para a transformação da sociedade, inclusive para interromper os ciclos de pobreza.
É bom que outros campos venham a concordar sobre o enorme efeito do que prefiro chamar de uma pedagogia do início – porque estamos ajudando esse mamífero que chega ao mundo a se tornar gente. Nessa pedagogia dos começos, construímos com a criança a noção sobre o que é a humanidade, e fazemos isso pelo modo como nos relacionamos com ela, pelo modo como lhe apresentamos o mundo e pelas oportunidades que o mundo lhe apresenta. Se oferecemos oportunidades escassas, como é o caso das crianças que vivem em situação de pobreza, o seu ponto de partida começa com muitos limites.
Como está o atual estágio da educação infantil no país?
No Brasil, a educação infantil diz respeito a crianças a partir de quatro meses, em geral, em função do afastamento das mães para licença-maternidade. Precisamos fazer essa observação porque muitas vezes o senso comum leva em conta só a pré-escola, de quatro e cinco anos. O Brasil tem uma legislação que outros países não têm ou ainda não conseguiram implementar para todos, como é o caso da Itália, dos países da América Latina e de língua anglo-saxônica. O entendimento da faixa de zero a seis anos como uma etapa da educação está na LDB, já desde 1996. Hoje, temos no Plano Nacional de Educação a meta de atender 100% das crianças de quatro e cinco anos na pré-escola e 50% das crianças de creche. Os dados mostram aproximadamente 97% de acesso das crianças da pré-escola e de 38% das crianças de creche. Então nosso primeiro problema sério é o de acesso.
Precisamos ampliar serviços para a primeira infância, como Itália e Espanha, por exemplo, países nos quais a creche é apenas um dos serviços, que são complementados por investimentos em trabalho com teatro, arte, música, centros para as famílias, acesso a livros
Além do acesso, que outras questões devem ser consideradas?
Há várias questões, como a da infraestrutura. A nossa concepção vem de uma herança assistencialista. Não fizemos a passagem necessária, ou seja, de pensar que o espaço para abrigar experiências educacionais é muito diferente daquele que tem como única finalidade a guarda das crianças na ausência dos pais. Em muitos casos, as escolas de educação infantil foram adaptadas de antigos postos de saúde, de turmas de ensino fundamental, de casas, o que quase nunca atende às necessidades das crianças e das professoras. Assim, mesmo as crianças com acesso à escola têm oportunidades precárias – com salas superlotadas, falta de mobiliário adequado, sem ambientes arejados ou conforto térmico, entre outras características realçadas na pandemia. Há desafios, mas é preciso também dizer que houve avanços, como o programa Pro-Infância, criado em 2007, que possibilitou a ampliação do acesso, a construção de escolas, mobiliários e ainda adequações no cronograma de repasse de verbas, antecipadas em relação ao início do ano letivo.
E em relação à formação de profissionais para a educação infantil?
Faltam profissionais e formação adequada. Em muitos municípios, a razão entre adultos e crianças não é respeitada. Aliás, em um futuro próximo, estamos vislumbrando um apagão de professores. Ninguém mais quer ser professor por causa das precárias condições profissionais. E temos de rever a formação continuada. Em termos da legislação, a formação dos professores representa um terço da carga horária. Mas, ocorre que nem todas as escolas cumprem essa carga – as escolas privadas, em geral, não cumprem
– e aquelas que cumprem acabam utilizando esse tempo como moeda de negociação para não melhorar as condições profissionais. O tempo de formação em serviço acaba virando planejamento a distância, dias de folga. Deveríamos pactuar condições adequadas para os professores trabalharem, salários dignos, investimento na formação, presença de coordenação pedagógica. E os conselhos municipais de educação deveriam exigir planos de formação adequados, para que esse terço de carga horária seja planejado e aconteça no tempo escolar.
Há um problema generalizado de conhecimento técnico dos gestores?
No final das contas, ninguém com poder de decisão está efetivamente pensando sobre a questão específica das crianças, o seu desenvolvimento e suas necessidades. Há, sim, um desconhecimento técnico dos tomadores de decisões. Eu já vi inúmeros casos nos quais se tem verba e não se sabe utilizar. O que se percebe, ao contrário, são escolas priorizando o excesso de atividades, com presença de livro didático, investimentos altíssimos em apostilas, quando existe um consenso internacional de que a escolarização precoce causa um grande prejuízo em termos de aprendizagem, no desenvolvimento de criatividade, de pensamento.
Eu faço parte de um pequeno grupo de pesquisadores que problematiza os cursos para mostrar como essa pedagogia generalista é ineficiente. Ao formar em quatro anos um profissional para atuar na educação infantil, no ensino fundamental, na gestão, na coordenação - e tudo isso em um ambiente não escolar -, os cursos não conseguem chegar à especificidade que cada uma dessas frentes demanda. Dessa forma, temos um problema
Ailton Krenak diz que narrar histórias talvez seja uma forma de adiar o fim do mundo. O desafio é o mesmo de 100 anos atrás, interromper a possibilidade de uma sociedade colapsar
11 de abril 2023
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de cursos muito generalistas, agravado por uma visão limitada dos profissionais que atuam nas universidades sobre o que é a educação infantil. Muitas instituições não acompanharam os avanços sobre a pedagogia da infância, e ainda têm uma visão antiquada e até idealista sobre educação infantil.
E quando saem da faculdade e chegam à escola, o que esses formados em pedagogia encontram?
Eu trabalho em uma universidade que tem uma formação avançada de educação infantil, com cinco disciplinas específicas, e enfrentamos essa questão no momento de estágio. Quando nossas alunas vão a campo, encontram uma escola pouco receptiva a avançar na prática pedagógica. Vamos tentando superar esse desafio na aproximação com as escolas, nas pesquisas e no próprio estágio. Oferecemos, por exemplo, uma formação gratuita, como extensão, para as escolas que recebem as nossas alunas, para que possamos fazer a supervisão do estágio – uma oportunidade de deixar uma semente para se repensar a prática pedagógica.
Você atuou como um dos consultores do MEC para a construção do Base Nacional Comum Curricular da Educação Infantil. A BNCC representou um avanço?
Como qualquer outro documento, a BNCC tem um limite em si, pois é só um documento. Se esse documento não for pensado em termos de implementação, não vai trazer resultado. Pior: passa por uma interpretação e corre o risco de chegar àquilo que se chama de nominalismo pedagógico, ou seja, que atualiza os termos, mas não faz a mudança da prática. Foi o que aconteceu com a BNCC. Estamos completando agora os primeiros cinco anos e não temos dados consistentes para analisar por duas razões: primeiro, porque a própria homologação se deu no meio de um golpe parlamentar, então a agenda política atravessou e criou desvios. O segundo é que ao término da sua implementação, quando começa o processo de colaboração com os municípios, para pensar a implementação e elaboração dos documentos estaduais municipais, veio o desastroso governo Bolsonaro, o MEC para de funcionar. Então, a gente está chegando a cinco anos da homologação e não teve um projeto de implementação.
“A gente está chegando a cinco anos da homologação [da BNCC] e não teve um projeto de implementação”
Escolas têm priorizado o excesso de atividades, com presença de livro didático, investimentos altíssimos em apostilas, quando existe um consenso internacional de que a escolarização precoce causa um grande prejuízoAntonio Marchi
Muitos estados e municípios se viram na urgência de produzir a discussão curricular em nível local, e isso gerou documentos que são cópia ou uma interpretação atrapalhada do texto nacional. Mas há exceções, bons exemplos que deveriam ser reunidos para se pensar nos próximos cinco anos. Aí sim, nós teríamos condições de conhecer sobre o que a base contribuiu e em que precisa ser revista.
A relação entre um projeto de educação e o de sociedade parece esquecida. Não é preciso aumentar o diálogo com todos?
Precisamos recuperar e construir juntos o entendimento de que toda a sociedade deveria estar preocupada com a escola, quem tem filho e quem não tem, quem já passou pela escola e quem não teve o mesmo direito. Isso deveria ser uma pauta de todos, das empresas, da mídia, dos políticos, sindicatos. É preciso pensar a educação não como voluntariado, benesse, mas como investimento na construção de uma sociedade mais digna, justa, respeitosa. Um projeto pedagógico é um projeto civilizatório. Isso aconteceu no mundo devastado pela Primeira Guerra, na Europa, com a utopia de uma escola para pensar a construção da sociedade, de uma nova prática pedagógica para formar pessoas não obedientes, mas com criticidade, capacidade de reflexão, criatividade para buscar soluções – estamos falando de 100 anos atrás, e não é diferente agora.
Talvez agora precisemos acrescentar novas problemáticas, como saber discernir no excesso de informações que vivemos. Como deve ser o ato político de proteger a capacidade de imaginar e não ficar repetindo trends de TikTok, padrões viralizados na internet que vão rompendo nossa possibilidade imaginativa? Proteger a imaginação é um ato político. Proteger a imaginação é proteger a capacidade de ver novos mundos.
Ailton Krenak diz que narrar histórias talvez seja uma forma de adiar o fim do mundo. O desafio é o mesmo de 100 anos atrás, interromper a possibilidade de uma sociedade colapsar.
No Brasil, ainda temos um longo caminho pela frente...
Estamos falando de escola, mas precisamos ampliar também a nossa compreensão de serviços para a primeira infância. Na Itália e na Espanha, por exemplo, a creche é apenas um dos serviços para a primeira infância, que são complementados por investimentos em um trabalho maravilhoso com teatro, arte, música, centros para as famílias, acesso a livros. A gente vê uma sociedade inteira falando das crianças e seus direitos à escola de qualidade, à cidadania, à beleza, à proteção, ao cuidado. Nos falta muito, como sociedade, reconhecer a criança como esse sujeito de direitos. Nós deveríamos questionar a presença de crianças num comercial de banco, a sua exposição nas redes sociais, problematizar a presença da criança na rua pedindo comida, vendendo panos na Vila Madalena, no Jardim Europa [bairros nobres de SP]. A gente não pode achar isso natural. Precisamos falar dos direitos das crianças para a construção de uma sociedade diferente, porque desde a infância essa sociedade tem de ser repensada.
Quando nossas alunas [da Unisinos] vão a campo, encontram uma escola pouco receptiva a avançar na prática pedagógica.
Tentamos superar esse desafio na aproximação com as escolas, nas pesquisas e no próprio estágio
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Piso nacional dos professores da rede pública salta de R$ 3.845,63 para R$ 4.420,55. O reajuste de 14,9% foi assinado em janeiro deste ano pelo ministro da Educação, Camilo Santana. O piso deve ser o valor mínimo a ser pago a profissionais do magistério público em início de carreira, para a jornada de, no máximo, 40 horas semanais. Contudo, quem paga são os estados e municípios, que estão analisando suas verbas orçamentárias a partir dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Especialistas dizem que as prefeituras precisam obedecer à nova lei, mas há aqueles que afirmam que a decisão é local.
O ano começou com o anúncio da Política Nacional de Educação Digital (Pned). A nova lei aprovada pelo Congresso ano passado e sancionada por Lula com vetos busca ampliar o acesso à tecnologia por meio de quatro eixos: inclusão digital; educação digital; capacitação e especialização digital; e pesquisa e desenvolvimento em Tecnologias da Informação e Comunicação.
O setor educacional de maneira praticamente unânime entende o documento como um avanço. Mas alguns especialistas criticam que a robótica não foi inserida como disciplina, já outros entendem que o tema pode ser trabalhado de maneira aberta. Vale lembrar que a cultura digital já está presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
O documento pontua que “o eixo educação digital escolar tem como objetivo garantir a inserção da educação digital nos ambientes escolares, em todos os níveis e modalidades, a partir do estímulo ao letramento digital e informacional e à aprendizagem de computação, de programação, de robótica e de outras competências digitais”.
Os 10 homens mais ricos do mundo mais que dobraram suas fortunas, de 700 bilhões de dólares para 1,5 trilhão de dólar – em uma taxa de 15 mil dólares por segundo, ou 1,3 bilhão de dólar por dia – durante os dois primeiros anos da pandemia de covid-19. Por outro lado, a renda de 99% da humanidade caiu e mais de 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza. É o que revela o novo relatório da Oxfam, A desigualdade mata, lançado em janeiro de 2023.
“Os 10 homens mais ricos do mundo têm hoje seis vezes mais riqueza do que os 3,1 bilhões mais pobres do mundo”, afirma Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil.
No Brasil, são 55 bilionários com riqueza total de 176 bilhões de dólares. Desde março de 2020, quando a pandemia foi declarada, o país ganhou 10 novos bilionários. O aumento da riqueza dos bilionários durante a pandemia foi de 30% (US$ 39,6 bilhões), enquanto 90% da população teve uma redução de 0,2% entre 2019 e 2021. Os 20 maiores bilionários do país têm mais riqueza (US$ 121 bilhões) do que 128 milhões de brasileiros (60% da população).
“É inadmissível que alguns poucos brasileiros tenham lucrado tanto durante a pandemia, quando a esmagadora maioria da população ficou mais pobre”, afirma Katia Maia. “Milhões de brasileiros sofreram com a perda de emprego e renda, enfrentando uma grave crise sanitária e econômica.”
Com informações de Oxfam Brasil
“Há outra história a ser contada.” Esse olhar para a recuperação da memória e da história em contraste ao que se diz ‘tradicional’ é amplamente discutido pela educadora estadunidense Gloria Ladson-Billings, sob a luz da pedagogia culturalmente relevante. A partir de suas pesquisas, a educadora criou uma estrutura metodológica para apoiar os professores no processo de tornar o aprendizado significativo e relevante para os estudantes.
Dentre os princípios da pedagogia culturalmente relevante estão a valorização da cultura e a origem dos alunos, acreditando em suas potencialidades; a inserção desses elementos nos currículos escolares; e o fomento da consciência crítica dos estudantes, tornando-os cada vez mais capazes de identificar o impacto de suas culturas singulares na comunidade na qual estão inseridos.
Em Cuiabá, MT, Alina Yukari Yamada da Fonseca Virginio, professora da rede municipal, mostra um exemplo da aplicabilidade desse conceito. Em 2022, ela desenvolveu um projeto de fomento à competência leitora de sua turma do 5º ano do ensino fundamental por meio da apreciação de textos de diferentes gêneros. Entretanto, além de introduzir leituras clássicas às suas práticas, Alina incorporou a leitura, a escrita e o compartilhamento dos próprios alunos.
O processo partiu da leitura compartilhada do poema Viagem antiga, de Mário Quintana. Nele, o eu-lírico discorre sobre uma viagem tranquila, cujo destino final “era sempre o horizonte”. Em sala, a professora chamou a atenção tanto para a forma quanto para o conteúdo da obra poética. Na sequência, todos foram convidados a uma produção em que expressassem em uma única frase e em desenho uma viagem, e para isso deveriam buscar o seu repertório individual e suas experiências. Essas, poderiam ser tanto de um destino já conhecido, ou de algum que os alunos gostariam de experienciar. A culminância do projeto foi a leitura em voz alta feita pelos estudantes das produções de seus colegas. Dali surgiram expressões sensíveis de diversos lugares, desde a “bonita fazenda com muitas montanhas” em
A estadunidense Gloria LadsonBillings busca superar modelos de educação conservadores; educadora brasileira aplicou um de seus conceitos em sala de aula
Primavera do Leste, no Mato Grosso, ao sonho de viver em Santa Catarina, “lugar bom de morar”. Suas produções ficaram expostas no mural e compartilhadas com toda a escola. Após o sucesso dessa empreitada, ao final do ano letivo, todos os alunos da turma produziram um livro, desta vez inspirados no poeta cuiabano Manoel de Barros.
A professora Alina, ao oportunizar o diálogo tão próximo entre Mário Quintana, Manoel de Barros e a realidade, ou os sonhos de seus alunos, mostra como professores podem, sistematicamente, incluir a cultura e a voz de seus estudantes em sala de aula como um conhecimento autorizado e oficial. São formas alternativas de pedagogia, onde se vê um pacto fluido entre culturas, propondo novas formas de educar para a diversidade.
1 Para além de uma educação multicultural: teoria racial crítica, pedagogia culturalmente relevante e formação docente (entrevista com a professora Gloria Ladson-Billings). In: Educação & Sociedade, ano XXIII, no 79, agosto/2002.
mestre em letras e especialista em gestão escolar
Idade média dos professores está aumentando à medida que as novas gerações se desencantam com a carreira de professor
De tempos em tempos, o alerta ressurge: o Brasil está à beira do colapso quando o assunto é o número de docentes aptos a lecionar na educação básica. O medo do fenômeno batizado como apagão docente – a falta de profes sores – estampou manchetes de jornal às vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais do ano passado. Realizado pelo Instituto Semesp, órgão ligado às mantenedoras do ensino superior privado paulista, um novo estudo projeta o possível déficit de 235 mil profes -
sores no ano de 2040 caso nada seja feito para reverter o quadro atual.
Esse número equivale a 20% dos atuais 2,2 milhões de docentes da educação básica brasileira. A queda projetada se deve a motivos diversos: diminuição da procura dos jovens pelos cursos de licenciatura; alto índice de desistência da profissão nos primeiros anos de carreira; iminente aposentadoria de muitos educadores em atividade e baixa atratividade da docência, fruto do pouco reconhecimento social e da remuneração insuficiente. Fenômenos estes que não comportam solução isolada, exigindo ações articuladas.
“Estamos vivendo um apagão do magistério já faz muitos anos, associado à precarização da formação. É algo para ser enfrentado com absoluta prioridade, pois a qualidade depende de termos bons profissionais”, avalia Cesar Callegari, ex-secretário de Educação Básica do MEC e ex-secretário de Educação do município de São Paulo.
Falar do possível apagão ou de sua existência já consumada e suas causas parece sempre notícia requentada. Mas, a cada vez que se acende o fogo, o fundo está mais seco. Ou seja, a situação está pior. Em 2007, um estudo feito por membros do Conselho Nacional de Educação (CNE), assinado por Mozart Neves Ramos, Murílio Hingel e Ibañez Ruiz (Escassez de professores no ensino médio: propostas estruturais e emergenciais) alertava para a urgência de incremento da formação para a etapa. Quatro anos antes, em 2003, apenas 30% da população adulta brasileira (de 25 anos em diante) tinha o diploma do médio, contra 42% dos argentinos e 49% dos chilenos, para ficar apenas nos países da região. Por isso, era preciso formar docentes para a etapa.
Na época, o governo federal estimulou as licenciaturas e a formação adequada de docentes (em especial pela Universidade Aberta do Brasil, via EAD) que lecionavam em áreas distintas daquelas para as quais estavam habilitados e, em alguns casos, ainda sem curso superior. O aumento da oferta de professores, ao lado de outras medidas, fez com que o percentual de formados no médio subisse quase 20 pontos per-
“É possível fazer uma carreira nacional, para formar algo como 300 mil professores nos próximos anos”, defende Cesar Callegari, ex-secretário do MEC
centuais. Em 2019, eles eram 48,8% dos brasileiros adultos, segundo o IBGE.
É por isso que Callegari defende a criação de “uma espécie de concertación”, uma coalisão que junte vários atores do campo educacional e da sociedade civil com o mesmo objetivo, como ocorreu, no campo político, nos pós-ditaduras da Espanha e do Chile, nas décadas de 1970 e 1980. Esse acordo visaria construir um modelo que ampliasse a formação docente em grande escala e melhorasse as escolas. “É possível fazer uma carreira nacional, para formar algo como 300 mil professores nos próximos anos”, defende. Para isso, diz ele, a carreira precisaria começar já no ingresso do estudante na faculdade, com remuneração que possibilitasse dedicação exclusiva do aluno.
Haroldo Rocha, coordenador-geral do Movimento Profissão Docente, ex-secretário de Educação de Minas Gerais e do Espírito Santo, defende linha bastante similar. À frente de uma organização formada por sete institutos e fundações empresariais (Península, Natura,
Possível apagão se deve à diminuição da procura dos jovens pelas licenciaturas; alto índice de desistência da profissão nos primeiros anos de carreira; iminente aposentadoria de muitos educadores em atividade e baixa atratividade da docência
Todos pela Educação, Lemann, Itaú Social, Telefônica Vivo e Unibanco), o Profissão Docente prega a construção de uma visão mais sistêmica da formação, tendo em sua bússola a adesão do jovem do ensino médio à carreira de professor.
“Tentamos olhar todo o ciclo, do jovem até a aposentadoria. É preciso fazer com que o setor público saia de uma visão fracionada e realize um planejamento de pelo menos uma década, envolvendo os três níveis de governo, numa iniciativa federal com responsabilidade compartilhada com estados e municípios, um programa como o país nunca teve”, expõe Rocha, depositando no novo governo federal a expectativa de liderar a iniciativa.
O dirigente ressalta ainda um fato que preocupa um grande número de educadores e gestores: a presença da educação a distância na formação docente. “O trabalho do professor tem a ver com a prática no ambiente escolar, é de uma dimensão prática inequívoca”, acrescenta. Hoje, as licenciaturas via EAD já superaram as presenciais, se computadas as ofertas pública e privada.
Apesar de a educação ser sempre citada como prioritária para o país, esse discurso não tem equivalência no prestígio social dos professores, sobretudo na educa-
ção básica. Para o estadunidense Martin Carnoy, professor das áreas de economia e educação na Universidade Stanford, a sociedade não se dá conta do quão difícil é a carreira docente. “Todo mundo pensa que qualquer um pode ensinar. É um trabalho mais difícil que muitos outros, as condições gerais são muito difíceis e os ingressantes são mal preparados, muitos deles formados via EAD.”
Na visão de Carnoy, a sociedade deve considerar efetivamente a docência como a mais importante das profissões, definidora dos rumos do país. Para isso, é preciso melhorar não só a formação inicial como a continuada, na qual há um investimento grande, mas muito fragmentário, com períodos formativos de apenas cinco dias (em geral), muitas vezes com temas que pouco dialogam com as dificuldades da relação de ensino e aprendizagem no dia a dia.
Outro ponto que o economista destaca é o ambiente escolar e as condições de trabalho. Os salários, diz ele, devem aumentar em certos casos para melhorar a atratividade, mas a obrigação da isonomia acaba sendo uma amarra. Áreas como matemática e ciências da natureza, mais desafiadoras para o ensino, deveriam ser mais bem remuneradas. No Brasil, porém, é uma ideia rechaçada de pronto pelos sindicatos docentes.
Com a experiência de ter dirigido a rede estadual de Minas Gerais durante quase toda a gestão de Romeu Zema (Novo), a cientista social Julia Sant´Anna lista quatro pontos que julga centrais para melhorar as condições e a atratividade da carreira. O primeiro deles é aquele que quase todos creem óbvio: o de que salário importa e os professores não são bem remunerados. Porém, em sua visão, falta um olhar mais regionalizado para estabelecer os salários, incluso aí o piso docente. “É preciso olhar para o poder de compra local e respeitar as diferenças entre municípios pequenos e grandes.”
Dois fatores têm emperrado a decisão de fazer com que os professores tenham dedicação exclusiva a uma escola: a insuficiência de professores e de verbasJulia Sant´Anna dirigiu a rede estadual de MG e lista quatro pontos que julga centrais para melhorar as condições e a atratividade da carreira
O segundo ponto converge para o olhar dos outros entrevistados: a valorização e o reconhecimento da importância do professor. O desafio neste caso é fazer com que a elite, que define as políticas nacionais, mas não é usuária do sistema, conheça melhor a realidade da escola pública, em que estão cerca de 83% dos alunos da educação básica, e o trabalho do professor. “Precisamos trazer essa elite para saber o que faz esse sujeito, como sabe o que faz um médico, um engenheiro ou um policial.”
A definição clara do que ensinar e avaliar é o terceiro ponto. Por isso, Julia considera vital a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Com ela, fica mais fácil saber o que avaliar e ter um diagnóstico mais claro dos resultados escolares, tanto interna como externamente. Por último, o uso da tecnologia de gestão, para equalizar necessidades, seja da compra de insumos ou da alocação de horas/aula para professores, o que daria “transparência na carga horária e celeridade às contratações necessárias”.
Além de uma distribuição de aulas mais equânime, outro ponto consensual é a fixação do professor em uma só escola, o que dá a oportunidade não apenas de criar uma identidade maior com a instituição e sua cultura profissional, como também de elaborar projetos interdisciplinares. Dois fatores têm emperrado, ao longo de décadas, a decisão de fazer com que os professores tenham dedicação exclusiva: a insuficiência de professores e de verbas.
Haroldo Rocha lembra que o movimento que coordena fez um estudo sobre carreiras e remuneração nos estados: 23 deles contam, em algum nível, com educação integral, mas a esse avanço não correspondeu o aumento da dedicação exclusiva. “Temos como objetivo que o professor esteja, num primeiro momento, em uma só rede e depois em apenas uma escola. Os alunos das classes C, D e E são os que mais demandam a escola integral. E, para isso, o professor precisa estar em uma escola só
Enquanto entre professores de 30 a 39 anos houve decréscimo de 13,9% entre 2016 e 2021, a faixa de 40 a 49 anos engordou 12,3% no mesmo período
Afinal, essa ginástica para lecionar em duas ou três instituições, ganhar pouco e estar num ambiente em que são pouco valorizados ou desrespeitados têm afastado os jovens da profissão.
A pesquisa do Semesp aponta de forma clara o envelhecimento dos docentes em atividade e a queda dos jovens ingressantes na profissão. Entre 2016 e 2021, todas as faixas etárias a partir de 40 anos (40 a 49; 50 a 54; 55 a 59; mais de 60 anos) tiveram crescimento expressivo em seu total de professores, enquanto nas três faixas mais próximas do início da carreira (até 24 anos; 25 a 29; 30 a 39), houve decréscimo em relação a seu total anterior (ver quadro).
Nas duas faixas com maior número de docentes, a tendência é inversa entre si. Enquanto entre aqueles de 30 a 39 anos houve decréscimo de 13,9% (de 769,3 mil para 662,4 mil entre 2016 e 2021), a faixa de 40 a 49 anos engordou 12,3%, de 671,9 mil para 754,7 mil no mesmo período. De 55 anos em diante o crescimento percentual é ainda maior. A conclusão é que muitos desses profissionais se mantêm na ativa à espera da aposentadoria. Já os mais jovens – até 24 anos e de 25 a 29 anos – estão desistindo mais da profissão em busca de outras carreiras.
Os números batem com a percepção dos levantamentos realizados pela Conectando Saberes, instituição que reúne cerca de 900 professores e 10 secretários municipais. “Nós mesmos acabamos sendo os detratores da nossa carreira. Por isso, trabalhamos ouvindo quais são as demandas dos professores”, diz Paolla Vieira, diretora da instituição. O trabalho resultante das pesquisas tem investido em duas linhas: o aumento do repertório docente, tentando desenhar um perfil
A sociedade não se dá conta do quão difícil é a carreira docente, pontua o professor de Stanford Martin Carnoy
do ‘educador do futuro’, e propostas de saúde e bem-estar dos corpos docente e discente. Além disso, os professores também mostraram interesse em questões como liderança e engajamento comunitário, em especial após a pandemia. “Muitos se sentiam responsáveis por fatores que fariam o aluno voltar à escola.”
Uma realidade constatada por ela é bastante preocupante em nível nacional: o não preenchimento das vagas oferecidas em concursos públicos, algo que torna a equação insolúvel sem que haja medidas mais contundentes. Afinal, como elevar os parâmetros de ingresso se o salário e as condições profissionais não são compatíveis com o nível maior de exigência profissional?
Para Callegari, o MEC deveria aumentar sua própria rede e ser mais rigoroso na regulação dos cursos, para que todas as faculdades, públicas ou privadas, tenham parâmetros iguais de formação.
Outra sugestão bem vista pelos gestores é a introdução de um exame nacional de ingresso na carreira docente, tal como planejado em 2007, quando o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estava à frente do MEC. Esse exame seria um serviço para as redes municipais, funcionando como um primeiro balizador para o ingresso, seguido por processos seletivos locais. A ideia, no entanto, caiu num limbo em função de pressões corporativas. (RB)
• Risco de apagão de professores no Brasil
https://www.semesp.org.br/wp-content/uploads/2022/09/pesquisa-semesp-1.pdf
• Escassez de professores no ensino médio: propostas estruturais e emergenciais (2007)
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/escassez1.pdf
Para reverter quadro pessimista, a carreira precisaria começar já no ingresso do estudante na faculdade, com remuneração que possibilitasse dedicação exclusiva do aluno, orienta Cesar Callegari
O Brasil, sabe-se, é um país onde se lê pouco. Pesquisas, como a série Retratos da Leitura, mostram que o brasileiro lê, em média, cinco livros por ano. Segundo outras fontes, um francês devora 17 obras nesse período. Nada menos que 88% dos franceses se declaram leitores regulares. Aqui, 56% dos brasileiros leram 1 ou mais livros nos últimos três meses (critério adotado pela pesquisa brasileira para essa categoria).
Podem-se discutir metodologias, critérios, condições socioeconômicas, escolaridade – tudo isso é verdade. Mas é igualmente incontestável que o Brasil precisa avançar urgentemente na formação de leitores – um desafio que se inicia nos primeiros anos de vida e segue até a vida adulta.
O tema vem sendo enfrentado em diferentes instâncias. Há organizações da sociedade civil voltadas ao tema; pesquisadores e pesquisas de alto nível. Existem práticas de sucesso de escolas e educadores – que precisam se difundir pelo país e serem incorporadas à cultura pedagógica.
É um tema apaixonante. Pode-se analisar a influência das redes sociais, o papel da família, o acesso ao livro, a função das bibliotecas, a leitura literária… Mas, entre os pontos de convergência, está o papel essencial dos professores na formação de leitores.
Conforme a Retratos da Leitura, os leitores reconhecem serem os professores os que mais influenciaram seu gosto pela leitura. Isso não significa que os professores sejam os únicos responsáveis. Outros fatores são essenciais, como o estímulo da família (em especial, das mães), as produções da mídia a partir de obras, e, claro, a influência de amigos. A leitura é um ato
social. Por isso, é preciso formar redes, como acontece espontaneamente entre amigos, nos clubes de livros e nos muitos canais existentes nas mídias sociais.
E o próprio professor, é um leitor? Bem, os educadores leem quase tão pouco quanto os demais brasileiros. Afinal, não são uma espécie à parte: também precisam de estímulos, condições, indicações, tempo, precisam encontrar prazer e interesse nas obras, sejam literárias ou não literárias. E esse é um aspecto muitas vezes esquecido nas políticas públicas.
Além disso, é muito importante incentivar o professor a ter livros em casa, compor sua própria biblioteca para que venha a se tornar um patrimônio simbólico de um profissional cuja razão de ser é o conhecimento a ser compartilhado.
Precisamos formar professores leitores, adultos que amam os livros capazes de transmitir sua paixão para as novas gerações. Devemos garantir que tenham acesso à diversidade de textos, que encontrem tempo para extrair das obras o mesmo prazer que disseminarão entre os seus alunos. Assim, estaremos mais próximos de fechar o ciclo virtuoso em torno da experiência de ler – para viver o infinito universo que o livro descortina.
Se a escola é parte da vida (duvido que alguém seja contrário a essa ideia), temos que admitir que crianças de todas as idades vivem em um ambiente em que as mídias tradicionais (televisão), digitais (vídeos online) ou algorítmicas (redes sociais) recortam o olhar sobre a realidade - ou mesmo a impõe. Deixamos para trás o tempo em que era possível retirá-las da sala e mantê-las longe da televisão ou rádio. Esse mote pode parecer óbvio, mas a glosa que segue justifica a necessidade de reforçá-lo. Há ainda vivo na sociedade, e entre educadores, um debate pueril de que a educação infantil não deve abarcar alguns aspectos mais ‘duros’ da vida jovem ou adulta. Há quem defenda que essa etapa de desenvolvimento seja uma espécie de ‘reserva de inocência’ para o que a escolarização reservará aos estudantes nos anos seguintes.
Tendo a concordar em parte. O engessamento curricular, a carga de conteúdos e o aprender de maneira ‘cerebral’ não devem prevalecer até os seis anos de idade; essa é uma etapa do aprender brincando, experimentando e desenvolvendo a percepção do mundo que, aos poucos, se amplia em várias dimensões. Há milhares de estudos que inclusive coincidem com o advento da psica-
nálise e o desenvolvimento da pediatria e da neurociência que podem justificar esse diapasão.
O que gestores de políticas públicas não podem esquecer, contudo, é de elencar objetivos de aprendizagem condizentes com a vida que se leva fora dos muros da escola, sem isso necessariamente desencadear uma ‘escolarização’ precoce da educação infantil. O fato de crianças estarem expostas a telas e ao mesmo universo de poluição informacional que adultos impõe que educadores criem jogos, atividades e propostas que envolvam a educação midiática - como uma prática que deve se iniciar a partir dos três anos de idade. Lembrando que, segundo Sherri Hope Culver, pesquisadora do Centro de Educação Midiática da Temple University, na Filadélfia, Estados Unidos, entendemos como educação midiática “a capacidade de compreendermos a influência da mídia em nossas vidas e podermos utilizar do pensamento crítico nessa relação” - característica que também sublinha a Unesco globalmente, e o programa Educamídia, no Brasil. Se alguém se assustou ou se indignou com a manchete deste artigo, é bom destacar que a sempre lembrada Finlândia é um país que adota referências da educação midiática desde a educação infantil. Mas, se preferirmos buscar referências em uma rede de educação pública tão vasta e diversa quanto a brasileira, os Estados Unidos
A vida que se leva fora dos muros da escola precisa ser considerada – e isso é possível sem desencadear uma ‘escolarização’ precoce
| POR Alexandre Le Voci Sayad
Há experiências testadas no Canadá, país pioneiro em incluir a educação midiática no currículo, que não vilipendiam os direitos da criança de aprender brincando ou experimentando
deram um passo ousado e importante em 2022.
No estado de New Jersey, uma lei bipartidária que torna obrigatória a educação midiática em toda a educação básica aguarda apenas a assinatura do governador Phil Murphy para entrar em vigor; não há objeções para que ele não a assine em breve. O projeto conta com apoio não só do sindicato de professores locais, mas também da associação de bibliotecários e profissionais da educação. O estado de Illinois, por sua vez, já teve sua lei sancionada.
O caminho é o mesmo de países europeus; certificar profissionais na área para que possam atuar em qualquer área do currículo ou em parceria com uma ou mais disciplinas. A polêmica é que o caminho e os requisitos para tal certificação docente não estão tão claros em ambas as leis. No caso da educação infantil, há experiências testadas no Canadá, país pioneiro em incluir a educação midiática no currículo, que não vilipendiam os direitos da criança de aprender brincando ou experimentando.
Utilizar diversos recursos midiáticos como dramaturgia, áudio, vídeo, hiperlinks e animações para contar uma mesma história - evidenciando como tais recursos influenciam na narrativa;
Utilizar o podcast (áudio) para a criação e contação de histórias. Pequenos programas de rádio podem ser criados junto com as crianças e exibidos no ambiente escolar; Criar pôsteres que engajem a comunidade em alguma causa e possam ser espalhados na escola e ruas. Exemplo: promovendo a reutilização da água da chuva,
evitando desperdícios no banheiro, dentre outros;
Se a culinária já faz parte das atividades, há a possibilidade de criação de um programa de culinária para o YouTube, popularizando as receitas e suas histórias;
Comparar histórias contadas em mídias diferentes: como a mesma história de um livro se transformou em um filme tão diferente?
Contar uma mesma história sob o ponto de vista de diversos personagens e, conjuntamente, compreender o que mudou;
Promover uma entrevista feita pelos estudantes a algum professional para que compreendam como é o seu dia a dia. Exemplo: qual é o cotidiano de um carteiro? Um engenheiro? Essa produção pode virar um livro ilustrado coletivamente;
Explorar coletivamente o perfil do Instagram de autores de livros e personagens de webséries, levantando os pontos interessantes e os porquês de as informações se encontrarem públicas;
No aprendizado de cores, não perder a oportunidade de utilizar a visão da mídia para cores e logotipos. Por que tais cores provocam ou expressam tais sentimentos na gente?
Explicar de maneira simples como e por quem os veículos de comunicação são feitos. Quais os papéis dos humanos e das máquinas na produção de notícias e entretenimento que fazem parte da vida das famílias.
Foi uma das criadoras da Faculdade de Educação da UFMG; aos 90 anos, inúmeras obras e pesquisas a eternizam como referência em alfabetização e letramento
| Por Laura RachidOBrasil perdeu uma de suas principais referências em alfabetização, com prestígio também internacional. Mas pessoas gigantes e compromissadas com a justiça social não morrem, se eternizam nos livros, pesquisas, formações e, finalmente, na sala de aula. Magda Soares brincava que era guru de Paulo Freire – de verdade ela é guru de muitos educadores e educa-
doras, sendo guia daqueles que escolheram como profissão o ato de educar.
A mineira Magda Becker Soares faleceu aos 90 anos, no primeiro dia de 2023, em decorrência de um câncer. Seu corpo foi cremado em cerimônia restrita. Deixa cinco filhos, quatro netos e dois bisnetos.
Graduada em letras, doutora e livre-docente em educação, foi professora titular emérita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da qual foi uma das criadoras. Também idealizou e fundou em 1990 o Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) - órgão complementar da Faculdade de Educação da UFMG.
Professores universitários e de redes de ensino mantêm o objetivo de Magda de desenvolver estudos na área e apoiar na criação de políticas públicas. Mesmo aposentada, Magda Soares continuou atuando no Ceale.
Em 2015, foi a primeira pessoa da educação a receber o Prêmio Almirante Álvaro Alberto, concedido pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Principal premiação na área da ciência e tecnologia, destaca todo ano um pesquisador de obra científica ou tecnológica para o progresso da sua área do conhecimento.
Ganhou o Prêmio Jabuti de 2017 na categoria Educação e Pedagogia com o livro Alfabetização: a questão dos métodos (ed. Contexto). No período cujo Ministério da Educação foi nomeado pelo governo Bolsonaro, por questões ideológicas, atacavam-se as suas contribuições.
Também de sua idealização, o projeto Alfaletrar teve início em 2007, sendo uma parceria com a secretaria municipal de Educação de Lagoa Santa, Minas Gerais - o objetivo é o desenvolvimento profissional dos educadores da rede municipal. A partir dessa união, foi criado o Núcleo de Alfabetização e Letramento, com atuação de técnicos e educadores da rede e cujas reuniões recebiam a coordenação voluntária de Magda.
A partir da experiência com o projeto, em 2020, Magda lançou o livro Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e a escrever (ed. Contexto). Em setembro do mesmo ano, Magda Soares apresentou o projeto durante um debate online no canal oficial do Ceale no YouTube. Clique aqui para assistir.
Magda Soares defendia que sim, é preciso ter vários métodos para alfabetizar, mas, sobretudo, como ensinar o quê e para quem. Deixou claro que a fala é inata, já a escrita é cultural e precisa ser desenvolvida, ou seja, a criança não aprende a ler e a escrever sozinha.
“Continuamos discutindo método, sem entender o processo. Como se pudesse achar de repente um método que fosse uma varinha de condão, uma receita”, alertou Magda em 2016, em entrevista realizada pelo jornalista Rubem Barros à revista Educação
“A professora Magda Soares é um exemplo de vida inteiramente dedicada à alfabetização. Seus escritos e forma de ser no mundo influenciaram e ainda vão influenciar todos aqueles e aquelas que lutam pelo direito à aprendizagem da leitura e da escrita para todo ser humano. Ler Magda e escutá-la é renovar a certeza de que alfabetizar é, sobretudo, intencionalidade pedagógica”, afirma Lourival José Martins Filho, presidente da Associação Brasileira de Alfabetização (Abalf) e professor da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
Lourival complementa: “Teses e dissertações em educação e linguística têm em Magda uma referência obrigatória e a Abalf, da qual ela é presidente de honra, tem inteira gratidão à Magda”.
Como a maioria das pessoas, o primeiro contato do diretor do Ceale, Gilcinei Carvalho, com Magda, foi via suas publicações. Era estudante de letras na UFMG, fato que fez aumentar ainda mais o interesse por seus trabalhos. “O livro Linguagem e escola [publicado em 1986] era leitura praticamente obrigatória dentro da área de letras e linguística”, lembra Gilcinei. Ele tem mestrado e doutorado em linguística também pela UFMG e pós-doutorado com estágio nos Estados Unidos. O encontro presencial ocorreu tempos depois, durante a apresentação de uma banca.
“Magda é pouco destacada como a sociolinguísta que analisa essa relação entre linguagem e escola, da qual o próprio livro traz pistas para o entendimento”, pontua o diretor.
Gilcinei resume que a atuação básica do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita, fundado por Magda, é desenvolver projetos de formação continuada, atividades de pesquisas e documentação. São as pesquisas que centralizam toda a produção de conhecimento sobre a alfabetização, como teses e dissertações. Segundo ele, é isso que diferencia o Ceale de outros centros - ainda mais ao pensar na época em que foi criado, em 1990. “Esse feito de centralizar a produção de conhecimento sobre alfabetização é uma marca muito clara da Magda Soares”, reconhece Gilcinei.
Magda Soares brincava que era guru de Paulo Freire – de verdade ela é guru de muitos educadores e educadoras
O diretor pede cuidado na afirmação de que os cursos de formação docente estão defasados. “Há uma certa dinâmica em que os próprios currículos, de tempos em tempos, necessitam de reformulação, complementação, realinhamento. Além disso, qualquer classe profissional exige atualizações para o acompanhamento de uma agenda contemporânea daquela área. Nesse aspecto, o professor não está imune a essa necessidade de constante acompanhamento. Novamente, não estamos falando de defasagem. Mas da necessidade de não só introduzir temáticas que muitas vezes os cursos, por uma questão até histórica, não abordaram, mas também de reenquadramento.”
Ainda sobre os desafios da formação docente, ele resume colocando que em jogo está a velha discussão entre teoria e prática e como as duas se autoalimentam. “Qualquer curso de graduação, qualquer instituição e, principalmente, considerando instituições de maior peso, precisam estar abertas a essas renovações, a essas reavaliações.”
No caso específico da alfabetização, o diretor do Ceale dialoga com Magda Soares ao destacar a importância de debater os métodos. “Por pensar que já está tudo resolvido, há quem ache uma discussão ‘caduca’ ou desatualizada abordar métodos. E precisam ser discutidos, inclusive não só para buscar os fundamentos, mas para a construção de críticas necessárias ao entendimento desses contextos históricos e políticos de emergência de determinadas tendências”, esclarece Gilcinei.
Como esperado, o livro de Magda Soares que ganhou o Jabuti, Alfabetização, uma questão de métodos, se tornou
referência na área. “É uma obra que traça esse panorama. Mostra a necessidade de um conhecimento relativo a várias facetas - palavra muito presente no texto clássico também de Magda [Letramento e Alfabetização: as muitas facetas – ou As muitas facetas da alfabetização]. Essa formação mais abrangente é necessária e se constitui de forma prévia para depois ter uma aplicação. Ela dialoga muito com os desafios que são demandados nas próprias vivências profissionais”, explica Gilcinei. Sobre esses vários olhares, vale resgatar outro trecho da entrevista que Magda Soares concedeu à revista Educação por meio de Rubem Barros: “A vantagem que levei foi ter sido formada em letras, e não em pedagogia. A alfabetização sempre foi entendida como um problema de pedagogo. Até hoje ainda há muito disso. E é, mas não só. É também da psicologia, da linguística e de todas as ciências linguísticas”.
Em diálogo com Paulo Freire, o que Magda Soares e também Gilcinei tentam destacar é que não há uma receita pronta no processo de ensino e aprendizagem. Entre as marcas de Magda está a de colocar o aprendiz no centro. E não negar sua identidade, gerando uma construção do conhecimento. “A discussão sobre metodologias tem que ser configurada para não ser muito simplista em relação a dar uma resposta, principalmente uma resposta que seja universal e que atenda a universos tão variados”, alerta Gilcinei.
Ainda sobre os legados de Magda Soares, Gilcinei Carvalho enaltece seu espírito agregador, na construção do Ceale com membros de diferentes visões. Além da perspicácia
“Senti na pele a distância que havia entre a escola em que eu tinha estudado [particular] e onde dava aulas agora [rede pública], a diferença de condições, professores, sobretudo de relação dos professores com os alunos. Esse momento representou um rito de passagem na minha vida. Daí em diante, passei a vida por conta da escola pública.
“Deixei o ensino básico e fui para a universidade, com dedicação exclusiva, o que pode ser mais um malefício do que um benefício para quem está formando professores. Você forma professores para uma escola da qual está distante, que conhece só pela pesquisa. Mas fiz e orientei pesquisas sobre a língua, sobre problemas de linguagem na escola pública. Fui me convencendo de que a questão era o começo da história, a fase de entrada da criança no que podemos chamar de cultura da escrita. E acabei me voltando para essa área inicial.”
Clique aqui e leia a entrevista completa.
de convidar pessoas certas em momentos adequados e fazer a proposta acontecer. “A palavra agregadora também se vincula ao espírito investigativo de Magda – um dos traços ressaltados quando as pessoas dão depoimento sobre ela. Era uma grande leitora tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo. Ela foi responsável por introduzir autores em vários cursos, contribuindo para a disseminação de novas abordagens. Um grande sinalizador disso é o fato de as obras dela serem valorizadas e estarem presentes em diferentes cursos”, analisa.
“Precisamos recompor junto ao MEC e à sociedade brasileira a imagem de Magda Soares. Ela e Paulo Freire foram muito aviltados, sem fundamento, como se fossem responsáveis pelos problemas da alfabetização do Brasil. Ao contrário, eles são responsáveis pelos avanços da alfabetização brasileira”, declara emocionada Maria Mortatti, escritora, pesquisadora e professora titular na Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Maria Mortatti se refere aos ataques do governo Bolsonaro que, por meio de seus ministros da Educação, criticaram duramente Magda Soares, a introdutora do conceito de letramento no Brasil. Contudo, gigante como é, o governo se foi e Magda se eterniza logo no primeiro dia do presidente Lula. Para Mortatti, ela é a dama da educação brasileira por seu amplo e premiado trabalho na área educacional, que vai além da alfabetização.
“As obras dela me marcaram e não só para a sala de aula, como o livro didático Português através de texto [ed. Bernardo Alvares, 1970]. Todos foram inovações fundamentais.”
Foi no mestrado e doutorado, nos anos 1980, que Ma-
ria Mortatti conheceu, em particular o livro Linguagem e escola: uma perspectiva social (ed. Ática, 1986). “Uma abordagem inovadora para a época situar a linguagem no plano da sociolinguística e da sociologia; foram muitos os avanços que ela propôs. Como professora e pesquisadora, foi fundamental para mim”, se recorda.
Maria Mortatti ficou 15 anos na educação básica. Quando ingressou na universidade, outras obras de Magda a guiaram em sua nova fase profissional de docência e pesquisa. Como o livro Alfabetização no Brasil: o estado do conhecimento (1989), em que se baseou para definir a abordagem histórica da alfabetização em sua tese de livre-docência – de cuja banca Magda participou. Entre outros também importantes, Letramento: um tema em três gêneros, além de, mais recentemente, Alfabetização – a questão dos métodos (vencedor do Jabuti).
O educador José Pacheco, fundador da Escola da Ponte, em Portugal, e colunista da revista Educação, escreve uma crônica em homenagem à Magda. Seguem alguns trechos:
“Aos 90 anos, a Magda mantinha contato com escolas e professores, trabalhando, voluntariamente, com alfabetizadores na rede municipal de Lagoa Santa, SC…
…este jovem professor (já fui jovem…) acolhera as propostas da Emília e da Magda sobre o processo de alfabetização inicial: restituir à língua escrita seu caráter de objeto social; aceitar que todos podem produzir e interpretar escritas, cada qual em seu nível; estimular a criança na interação com a língua escrita em vários contextos.
Leia a crônica completa clicando aqui.
“Continuamos discutindo método, sem entender o processo, como se pudesse achar de repente um método que fosse uma varinha de condão, uma receita”, alertava Magda SoaresGustavo Morita/revista Educação Magda ganhou o Jabuti de 2017 na categoria Educação e Pedagogia
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Quem só faz pode fazer bem, mas quem sabe por quê faz pode dominar as finalidades e práticas significativas da vida, e ensinar
| Por Fernando José de AlmeidaNão existe um ser humano abstrato. Um ser que pensa a partir do nada. Nem o pensamento é uma atividade puramente abstrata. O pensamento é uma síntese do fazer e do pensar. Pensar é resultado de habilidades físicas e mentais dos seres humanos durante toda a extensão de suas vidas.
Além disso, o ser humano pensa segundo as possibilidades de suas idades mentais e corporais, segundo as evoluções psicossomáticas e suas necessidades, segundo o processo sócio-histórico em que vive. O pensamento é a resposta à necessidade de compreensão dos fenômenos percebidos pelos sentidos. Ameaças, carências, perdas e frustrações. Perante eles a mente pergunta: e agora, o que faço? A compreensão é exigida para criar respostas eficazes para a solução dos problemas. O pensamento é desenvolvido à medida que soluções a problemas concretos (ou imaginados) nos cobram respostas.
“Por que o céu é tão grande e espantoso, em sua escuridão e mistérios? Por que as coisas em geral aparecem, perecem, desaparecem, rebrotam, transformam-se em outras coisas?”
“Por que a morte nos espreita e leva os seres queridos? Ou ainda, como fazer para garantir que o trigo dure mais para o tempo do frio e da escassez? Como construir uma casa à prova de ventos e controle do frio ou das areias tórridas de um deserto? Como enfrentar as doenças?”
O pensamento humano (cuja sistematização, registro e documentação chama-se conhecimento) é realizado em cada fase da vida, infância, maturidade ou velhice, de acordo com suas possibilidades e necessidades concretas sociais ou individuais.
Jean Piaget (1896-1980) e Lev Vygotsky (1896-1934) vão trazer importantes pesquisas, sistematizações e explicações sobre o desenvolvimento do conhecimento e da linguagem e que hoje trazem sempre o maior sentido e apoio ao planejamento didático-pedagógico dos sistemas escolares.
O que é certo é que os resultados e as expressões do pensamento são uma síntese de experiências advindas dos cinco sentidos que se entranham na memória e são trabalhadas de múltiplas formas, em sutis mecanismos de seleção, abstração e generalização. A arte de separar, dar nomes, comparar, classificar, organizar em formatos diversos, dar valor a uns e descartar outros (selecionar), sintetizar, ... são habilidades mentais e físicas que configuram o processo de aprendizagem e da construção do conhecimento.
Tal processo evolutivo e gradual retrata uma espécie de simbiose entre o fazer-experimentar e o refletir, perguntar, duvidar, espantar-se, errar, esperar, respeitar (etimologicamente, olhar de novo: re-spectare), assimilar em novas categorias mais amplas e criadas internamente à medida que os problemas crescem e as experiências corporais, anímicas e sociais se ampliam. O tempo de amadurecimento dos processos cognitivos é fator relevante no aparecimento dos resultados do pensar, assim como a gestação de um fruto tem um tempo dentro do qual opera suas fases de crescimento.
Os processos cognitivos e do desenvolvimento de fruto e fetos podem ser acelerados apenas de modo incremental, mas não podem ser, essencialmente, antecipados. Os nove meses de uma gravidez são um marco da qualidade de uma gestação; pode ser antecipada ocasionalmente, mas com cuidados extras. Assim como não se precipitam com antecipações as ações orgânicas da natureza, do pôr do sol ou da lua, pois seriam um desregulamento ou contrassenso sistêmico e ambiental. Destaca-se aqui a importância do tempo - delicado e sutil - dos processos mentais necessários à aprendizagem.
Posto que a aprendizagem - orgânica e viva - é resultado de íntima colaboração entre o fazer e o refletir sobre o fazer, assim a educação (sistematização e trabalho pedagógico com os conhecimentos historicamente acumulados) em seus métodos se utiliza das duas habilidades humanas: fazer e pensar sobre o fazer. Sempre foi assim nos processos educativos de todas as sociedades, das aldeias e pequenos agru-
pamentos humanos até as aglomerações urbanas caóticas ou coesas.
O fazer e o pensar andam juntos – são uma dupla indissociável. A busca de sua harmonização é o desafio da educação sistemática e orgânica, como nos espaços escolares e nas propostas curriculares. Eles – o fazer e o pensar – se realimentam e se exigem mutuamente. Quanto mais precisamos melhorar o fazer, mais cobrança de que o pensamento intervenha no processo. E quanto melhor penso a prática, melhor posso operá-la. Não há uma hierarquia de valores entre eles, o fazer e o pensar. As escolas, tal como se organizam nas sociedades mais complexas, mais se exige delas e de seus currículos uma profunda especialização no pensar sobre o fazer. São eles, os currículos, um lócus de pensamento, conhecimento, organização da cultura e de difusão das sínteses provisórias que estão sendo evidenciados nas complexas práticas humanas dos últimos 21 séculos.
A dimensão pedagógica das práticas híbridas frequentemente confunde a prática com a finalidade da educação. A educação humana tem, sim, a característica de prática, mas não é sua finalidade. A finalidade da educação humanizadora (portanto, não se fala aqui de instrução, treinamento, adestramento para o mercado de trabalho...) é o desenvolvimento do saber fazer, do saber por quê fazer e do pensar. Quem só faz pode fazer bem, mas quem sabe por quê faz pode dominar as finalidades e práticas significativas da vida. E ensinar.
Afinal, a função do professor é ‘ensignar’ o sentido das práticas humanas. Portanto, o fazer - estimulado e exigido nas práticas curriculares - é condição fundamental para o pensar, este sim, a finalidade da escola.
Fernando José de Almeida é professor de pós-graduação em educação: currículo na PUC-SP e foi secretário municipal de Educação da cidade de São Paulo (2001-2002).
O fazer e o pensar andam juntos –são uma dupla indissociável. A busca de sua harmonização é o desafio da educação sistemática e orgânica, como nos espaços escolares e nas propostas curriculares
Normal é estar dentro da norma. Que norma? Definida por quem? Depende, não é? Por isso a normalidade é só uma ideia. Contudo, a ciência precisa padronizar sintomas e manifestações do ser humano e da natureza a fim de criar procedimentos que melhorem a qualidade de vida e a interação. É o que pretende o ICD (International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems). No Brasil, o ICD é chamado de CID-11 (Classificação Internacional de Doenças). São 17 mil códigos únicos para lesões, doenças e causas de morte, além de 120 mil termos que, combinados, codificam mais de 1,6 milhão de situações clínicas.
O autismo sempre existiu? Sim, dizem os especialistas, lembrando que a pré-ciência se mesclava com
mitos e lendas, como as lendas nórdicas de bebês humanos raptados por fadas que deixavam em seus lugares cópias idênticas, mas que tinham comportamentos estranhos. Hoje, o consenso absoluto é de que o autismo não é doença. Portanto, não existe medicamento para o autismo. Trata-se de um transtorno de ordem comportamental que se manifesta das mais diferentes formas e níveis. Por isso é nomeado de Transtorno do Espectro Autista (TEA), com níveis 1, 2 e 3 ou suportes leve, médio e severo, respectivamente. Um estudo publicado no Nature Genetics com 150 mil pessoas aponta 72 genes com fortíssimas ligações ao TEA.
Às vezes, o olhar perdido do bebê ou sua forte sensibilidade aos ruídos podem não ser vistos como atípicos àquela fase de desenvolvimento. Considerando que os maiores desafios se dão no campo das habilidades sociais - como manter um diálogo, amizades, criar vínculos, dizer o que precisa, o que quer e o que não quer - é na escola que essas dificuldades serão mais perceptíveis. “O diagnóstico de TEA é clínico. É preciso observar cada etapa de neurodesenvolvimento. A média mínima para diagnosticar é em torno de 18 meses, mas cada caso é um caso”, diz a psiquiatra da infância e adolescência Vivian Hirsch. Quanto mais cedo se tem um diagnóstico, mais rápido começam as intervenções.
Em relação à escola, a psiquiatra alerta que a inclusão está sendo feita de forma irresponsável: “auxiliares são contratados sem orientação. Em geral, apenas dizem que a criança não deve se machucar senão serão penalizados. As escolas devem formar grupos de trocas de experiência e estudos que funcionem como rede de apoio, incluindo também as crianças nesse diálogo para que as trocas sejam transparentes e lúdicas, envolvendo carinho e respeito”.
A psicopedagoga Mara Rúbia Martins lembra que o diagnóstico de TEA também se apoia nos critérios
do DSM-5 (em português Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) da Academia Americana de Psiquiatria (5.ª edição/2013), muito usado por psicólogos, fonoaudiólogos, médicos e terapeutas ocupacionais.
Mara é conselheira fiscal da ONG MOAB (Movimento Orgulho Autista Brasil), se empenha na pesquisa de softwares para autistas e tem doutorado em ciências da informação na Universidade Fernando Pessoa, em Portugal. “Capacitação de professores, direito dos alunos TEA à adequação curricular e ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) e formação de equipes multiprofissionais para abordagem sistêmica são pontos cruciais nessa questão”, diz Mara.
Enzo tinha oito meses quando sua mãe, a professora Marilda Lima dos Santos Rodrigues, começou a suspeitar de seus longos períodos dormindo e a supersensibilidade aos ruídos. Já trabalhando com educação especial, Marilda juntou o que tinha e não tinha e fez um mestrado na Flórida, Estados Unidos, com foco em ABA (Applied Behavior Analysis/Análise do Comportamento Aplicada). O diagnóstico com TEA suporte 3 (severo) veio aos três anos.
Hoje, Enzo tem 15 anos, toca cavaquinho e percussão em uma banda, terminou o ensino fundamental 2 e varia no suporte de 2 a 1. “TEA é transtorno de comportamento e trabalhar rotina estruturada dá bons re-
sultados. Legalmente, foi enquadrado como deficiência apenas para garantir acesso às políticas públicas”, diz Marilda, que tem milhares de seguidores nas redes sociais e recebeu prêmios, com destaque para a sala sensorial que montou na Escola Classe 501, em Samambaia, no Distrito Federal. “Existem ótimos materiais para estudo e prática, como a Escala Portage, um método de diagnóstico que ensino muito nas lives, por ser simples, eficaz e gratuito.”
Muitas escolas ainda rejeitam matrícula de crianças com TEA, mas poucas famílias buscam seus direitos, até por desconhecê-los. Essa discriminação é chamada de capacitismo, e embora esse termo não conste na legislação brasileira, a Lei do Estatuto da Pessoa com Deficiência prevê, em seu artigo 4º, que “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma
As nomenclaturas para transtornos comportamentais mudam com o tempo, na intenção de entender que diferenças entre características individuais não são, necessariamente, doenças ou déficits. Confira:
• Neurotípico – indivíduo ‘dentro dos padrões’ de neurodesenvolvimento, sem alterações significativas na memória, atenção, cognição, etc.;
• Neuroatípico – todos os diagnosticados com TEA (Transtorno do Espectro Autista);
• Neurodivergente – indivíduo com desenvolvimento cognitivo, comportamental, neurológico e neuroanatômico alterado, apresentando, por exemplo, TEA, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), síndrome de Tourette, depressão, dislexia, esquizofrenia, etc.;
• Neurodiverso – somos todos nós, “habitantes neurodiversos do planeta”, como explica a socióloga australiana Judy Singer, que usou esse termo pela primeira vez em 1990. Trata-se do conceito mais amplamente inclusivo, inspirado na natureza e sua biodiversidade. Ela diz que “não existem duas mentes absolutamente iguais”.
espécie de discriminação”. Segundo o advogado Marcelo Válio, “se comprovado o ato preconceituoso ou discriminatório, a família pode elaborar boletim de ocorrência na delegacia mais próxima de sua residência ou na delegacia especial de crimes contra as pessoas com deficiência, relatando crime de capacitismo previsto no art. 88 da Lei Brasileira de Inclusão”.
“Colaborar para que toda pessoa com deficiência tenha uma educação de qualidade na escola comum” é
A professora Marilda Lima, mãe de Enzo, foi premiada pela sala sensorial que montou na Escola Classe 501, DF
a missão do Instituto Rodrigo Mendes (IRM), fundado em 1994, em São Paulo. Segundo Karolyne Ferreira, analista de advocacy do IRM, “o Brasil é um dos países que tem uma das melhores políticas de educação inclusiva, com boas taxas de matrículas em escolas inclusivas (comuns)”. Há desafios importantes, como o projeto de lei da educação domiciliar, que afetaria enormemente o público com deficiência. Karolyne cita o chamado “decreto da exclusão” (Decreto 10.502), suspenso por liminar do Supremo Tribunal Federal, que propõe a volta das escolas especiais. “Seria um retrocesso na educação brasileira, pois fere a Constituição e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, documento da ONU ratificado pelo Brasil como Emenda Constitucional”, diz ela.
É até redundante dizer que a luta continua, mas é a verdade. Toda conquista é fruto do ativismo da sociedade civil organizada e a mais recente delas é a CIPTEA, Carteira de Identificação de Pessoa com TEA, aprovada no Senado (PL 2.573/2019) e que vai ajudar na própria independência e autonomia de todos com TEA. Somos iguais, mas temos diferenças.
“Brasil é um dos países que tem uma das melhores políticas de educação inclusiva, com boas taxas de matrículas em escolas inclusivas (comuns)”, conta Karolyne Ferreira do IRM
Instituição gaúcha se transforma em uma grande sala de aula, cujos estudantes interagem e se desenvolvem
ARede Marista trabalha em seus colégios quatro princípios de desenvolvimento integral do estudante: corpo, mente, coração e espírito – são dimensões que guiam as metodologias de ensino de todas as unidades, incluindo o Colégio Marista Ipanema, localizado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Simone Engler Hahn, diretora-geral da unidade, explica que esses princípios são pensados para dar protagonismo ao aluno e ajudá-lo a se identificar com aquilo que quer ser, seja no âmbito profissional ou pessoal.
“Falamos muito dessa perspectiva da educação integral com foco no desenvolvimento de todo o sujeito. Se o estudante se identifica com o esporte, por exemplo,
na escola ele desenvolve essa prática; se gostar muito da liderança, temos um trabalho forte com o grêmio estudantil; e com os grupos de convivência que a gente chama de Pastoral Juvenil Marista. O estudante encontra hoje na escola uma forte identificação com as suas habilidades e com aquilo que gosta”, complementa Fernando Degrandis, vice-diretor educacional.
Com mensalidade média em torno de dois mil reais, a unidade atende todos os níveis da educação básica em período regular e integral, oferecendo a opção de turno extraclasse. “As turmas pouco permanecem nas salas de aula, elas ficam nesse espaço interativo. O colégio virou uma grande sala de aula, cujos estudantes interagem e se desenvolvem nas suas aprendizagens”, conta Simone, que trabalha há mais de 20 anos na Rede Marista, tendo quatro anos de atuação na unidade de Ipanema.
O espaço do Colégio Marista Ipanema foi um clube de ex-estudantes Maristas com campo de lazer, piscina e churrasqueira. Com 15 anos de história, cerca de 1.450 estudantes, 83 professores e 250 educadores, um diferencial em comparação às outras unidades da Rede Marista da região é o fato de o espaço ter sido reestruturado unindo arquitetura e proposta pedagógica inovadora (mudança realizada a partir de seu último ciclo de planejamento estratégico de 2012 a 2022) para ser utilizado como uma ferramenta na educação com ambientes mais abertos que auxiliam os educadores.
“Precisamos trabalhar algo que talvez seja muito desafiador para a educação que é ‘o acompanhamento baseado em evidências’. Isso para o Brasil é muito novo e distante, ainda existe um preconceito neste processo e sabemos que precisamos dessas evidências. Por exem-
plo, se o Joãozinho está aprendendo assim e não assado, vamos avaliar, investir e fortalecer a formação dos professores nessas áreas que estão precisando evoluir”, apresenta o vice-diretor educacional, que trabalha há seis anos na unidade Ipanema.
O colégio tem como prática a realização de um atendimento individual com cada família ao final do semestre - quando o período das avaliações dos alunos e boletins escolares são entregues -, além de um atendimento coletivo com as famílias e os alunos. O objetivo é refletir sobre o desempenho do aluno e fazer uma autorreflexão sobre o semestre analisado. “Tivemos uma superadesão das famílias. Fizemos reflexões de como elas podiam aperfeiçoar o acompanhamento do estudo dos filhos, que feedback elas dão para a escola, enfim, foi muito bacana”, ressalta Fernando.
Para o Colégio Marista Ipanema, uma das principais ações que devem ser feitas pensando em uma educação do futuro, fora a análise das evidências, é a capacitação docente. Por esse motivo, a direção realiza pesquisas internas à procura de cursos e experiências
que estejam sendo ofertados, inclusive gratuitamente, por instituições e universidades para serem direcionadas aos educadores.
Palestras e oficinas também são ofertadas e realizadas pelo próprio colégio para os educadores. Já foram discutidos temas como multiverso, pensamento computacional, criação de jogos, entre outros. Assuntos trazidos por toda a equipe de educadores.
“Tem um grupo de educadores, por exemplo, que disse: ‘olha, nós não temos um espaço de prática esportiva para os educadores’, então neste ano está entrando uma prática esportiva no calendário para quem quiser participar. Os professores também pediram uma oficina de língua inglesa, que passaremos a oferecer. Então é uma oferta de educação integral para todos’, destaca Fernando.
“Entendemos que se o educador estiver bem, conseguimos chegar até os nossos estudantes de uma forma mais leve, mais tranquila. Aqui, procuramos entregar para os nossos profissionais esse ambiente mais afetivo, com relações humanizadas, para estarmos lá com os estudantes e com as famílias em seu dia a dia”, apresenta Simone. Por essa razão, a escola realiza um feedback mais ativo para os professores sobre os pontos que precisam ser melhorados em relação às suas metodologias de ensino e incentivando atividades e ações bem-sucedidas. Fazer o exercício de autorreflexão e autoavaliação é fundamental para toda a equipe do colégio, não apenas com os pais e alunos.
“A educação do futuro a gente constrói hoje. Nos desafiando, indo em busca de novas metodologias ao nos aproximarmos dos públicos, nos conectarmos com a nova realidade e ao prepararmos os alunos para viverem nessa sociedade em que tudo muda muito rápido, fortalecendo sua interioridade, seu espírito crítico e sua espiritualidade para que eles sejam os atores desse novo processo e os protagonistas do mundo que está por vir”, conclui a diretora-geral Simone Engler.
Ao final do semestre é realizado atendimento individual e coletivo com as famílias e estudantesEstudantes compartilham no grêmio estudantil ideias e sugestões para a direção do colégio
Para garantir acolhimento em ambiente escolar a crianças refugiadas, agências da ONU atuam em conjunto com prefeituras e governos do Norte do país
| Por Beatriz MilanezTenho três filhos estudando em Manaus. Eles têm gostado de aprender a cultura deste país.” As palavras, ditas numa rápida entrevista e traduzidas do espanhol, são de Luisana Del Valle León Dé Torres, venezuelana refugiada no Brasil há três anos. Graças à documentação que receberam na fronteira, as crianças começaram a estudar tão logo chegaram à capital manauara.
Aqui, um panorama geral da situação: em outubro de 2021, a Agência da ONU para Refugiados (Acnur), o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Ministério da Educação (MEC) lançaram o Guia para pais e educadores sobre integração de crianças e jovens refugiados nas escolas O projeto faz parte do Portal de Educação para Refugiados e foi idealizado com o objetivo de facilitar o acesso à informação, de maneira a garantir
a integração efetiva de crianças e jovens refugiados no sistema educacional brasileiro.
A ação se mostrou ainda mais necessária porque, mesmo a educação sendo um direito humano universal e fundamental, dados do mais recente relatório global de educação do Acnur apontam que apenas 77% das crianças refugiadas estão matriculadas no ensino primário (fundamental 1), e somente 34% frequentam o ensino secundário (fundamental 2 e médio).
No Brasil, por exemplo, o direito à educação está garantido pela Constituição Federal e pela Lei de Migração nº 13.445/2017, sendo flexibilizado pela Resolução CNE nº 1, de 13 de novembro de 2020, a qual assegura que a população em situação de refúgio e migração possa se matricular ainda que não possua todos os documentos requeridos pela instituição de ensino.
Isso significa que todas as crianças e adolescentes
Acampamento de refugiados venezuelanos montado pelo Exército Brasileiro e a Agência das Nações Unidas para Refugiados em Boa Vista Antonio Cruz/Agência Brasilrefugiados, apátridas, solicitantes da condição de refugiados e imigrantes no Brasil têm – ou deveriam ter - espaço garantido no sistema público de ensino. Portanto, o direito à educação é universal e independe da situação migratória em território nacional.
Ainda assim, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a maioria das crianças refugiadas ainda não está matriculada. Por isso, ações vêm sendo tomadas para melhor receber aqueles que chegam ao Brasil – especialmente pelas fronteiras entre o Norte do país e a Venezuela. Desde 2018, por exemplo, o Acnur apoia o governo brasileiro na implementação da Operação Acolhida, que se estrutura no ordenamento de fronteira, na documentação e acolhimento e assistência humanitária e na estratégia de interiorização de pessoas refugiadas.
A estratégia de interiorização (quando o refugiado é realocado de forma voluntária e gratuita para outro município) tem como finalidade a inclusão socioeconômica e a integração local, ou seja, busca oferecer melhores oportunidades para os venezuelanos em outros estados do país, incluindo vagas de emprego e acesso à educação. Como consequência, boa parte das crianças é matriculada nas escolas depois de a família já ter sido interiorizada.
Em Manaus, por exemplo, o Acnur segue atuando de maneira ativa em parceria com a prefeitura e o governo do estado do Amazonas para assegurar a matrícula escolar a qualquer pessoa, independentemente da nacionalidade. Foi dentro desse contexto que Luisana
Venezuelana, Luisana e a família moram em Manaus. No mesmo em que chegaram à cidade, os filhos foram matriculados em escolas locais
chegou ao Brasil, em 2019. Junto de sua mãe, do marido e dos três filhos, ela deixou a Venezuela por questões econômicas e migrou para o território brasileiro na expectativa de melhores condições de vida. A família passou três dias num abrigo para refugiados em Boa Vista.Todos conseguiram dar entrada no pedido de documentação e, com os papéis em mãos, os cinco seguiram para a capital manauara e foram interiorizados. Pouco tempo depois de instalados na cidade, os filhos de Luisana conseguiram vagas em escolas locais. Hoje, três anos após deixarem a Venezuela, já falam português e interagem tranquilamente com outras crianças brasileiras. Mas nem sempre foi esse o cenário. Num primeiro momento, Álvaro, 17 anos, Luisannys, 11 anos, e Luciángeles, seis anos, tiveram dificuldade de adaptação por conta do idioma. O que dificultou um pouco mais a situação foram as matrículas em escolas diferentes – as escolas estaduais Raimundo Gomes Nogueira e Maria da Luz Calderaro, e o CMEI Wilson Mota dos Reis –, e nenhuma possuía uma disciplina específica de aprendizado da língua portuguesa para alunos estrangeiros.
Contudo, em cidades que recebem um número expressivo de refugiados venezuelanos, é comum que algumas instituições ofereçam aulas gratuitas de português. Foi o que possibilitou que não apenas os filhos, mas toda a família de Luisana dominasse a língua local. Hoje, Álvaro, Luisannys e Luciángeles já aproveitam melhor o tempo em sala de aula.
Com um trabalho voltado para crianças, o Unicef também atua diretamente com aquelas que chegam
A família de Luisana passou três dias num abrigo para refugiados em Boa Vista, em que todos conseguiram dar entrada no pedido de documentação e, com os papéis em mãos, seguiram para a capital manauara e foram interiorizadosArquivo pessoal
Livros doados para bibliotecas do projeto finalista no prêmio Jabuti Mi Casa, Tu Casa apoiam na alfabetização de crianças e adolescentes refugiados
da Venezuela e precisam de suporte para se reintegrar e reestabelecer em solo brasileiro. A estratégia Súper Panas nas Escolas, por exemplo, visa à integração das crianças e dos adolescentes migrantes e refugiados ao sistema escolar brasileiro por meio de mediação intercultural e práticas pedagógicas condizentes.
Vale ressaltar que, dentro das escolas, a realidade é bastante diversa. Há instituições acolhedoras, em que é possível perceber uma integração significativa dessas crianças e jovens refugiados. Contudo, há escolas pouco abertas, cuja integração se torna mais complexa. Crianças indígenas warao, por exemplo, passam meses sem conseguir desenvolver competências em língua portuguesa porque a escola não se mostra apta a acolhê-las propriamente. São as escolas mais sensíveis ao tema e/ou da estratégia Súper Panas nas Escolas que acabam oferecendo todo o atendimento mais bem direcionado.
E não falar português é um dos entraves que mais impactam na interiorização. Segundo Arturo Nieves, oficial sênior de coordenação do ACNUR em Boa Vista, “saber falar português aumenta em até 70% a chance de ser interiorizado”.
Nesse aspecto, em Boa Vista há outro projeto de destaque que auxilia no processo de acolhida e integração de crianças refugiadas: o Mi Casa, Tu Casa • Minha Casa, Sua Casa. Tendo como uma das responsáveis pela iniciativa Stéphanie Habrich, a ação surgiu junto do jornal Joca, primeiro veículo de notícias voltado para o público infantojuvenil do Brasil e do qual Stéphanie é diretora executiva, em parceria com a organização internacional Hands On Human Rights, especializada em direitos humanos, e com o próprio Acnur.
O Mi Casa, Tu Casa tem como objetivo proporcionar acolhimento e contribuir para a continuidade da educação de milhares de crianças e adolescentes refugiados e migrantes venezuelanos. Dentre as atividades propostas pelo projeto está a construção de bibliotecas – uma maneira de auxiliar na disseminação do português por meio da literatura. Hoje, no Brasil, já são sete unidades construídas, sendo duas em São Paulo e cinco na capital de Roraima.
Em 2022, em uma mobilização inédita, cerca de 40 mil estudantes de 80 escolas públicas e particulares de diversos estados do Brasil arrecadaram mais de 37 mil livros – em português e espanhol. Tamanho o impacto do projeto, a iniciativa das bibliotecas ficou entre as cinco finalistas do prêmio Jabuti na categoria de fomento à leitura. Ainda assim, para Stéphanie, “o maior prêmio é saber que as crianças têm acesso diário às bibliotecas”.
O que dificultou um pouco mais a situação dos três irmãos foram as matrículas em escolas diferentes e nenhuma possuía uma disciplina específica de aprendizado da língua portuguesa para alunos estrangeiros©MCTC/Dasha Horita
Milton Nascimento se despediu dos palcos em show emocionante no Mineirão, encerrando 60 anos de carreira em apresentação apoteótica e catártica. Homenageou, chorando, a amiga Gal Costa, recém-falecida a quem dedicou o espetáculo, e também a Elis Regina, a quem declarou seu amor de toda uma vida.
E ouviu o público comovido e apaixonado entoar, em uma só voz, “Bituca, eu te amo”. A emoção e as lágrimas estavam tão vivas que poderiam ser tocadas com as pontas dos dedos.
“Eu só quero agradecer a todos vocês por tornarem minha vida tão linda”, disse Milton, para depois cantar Amor de índio de Beto Guedes e Ronald Bastos, integrantes do Clube da Esquina.
Tudo que move é sagrado
E remove as montanhas
Com todo o cuidado, meu amor
Enquanto a chama arder
Todo dia te ver passar
Tudo viver a teu lado
Com o arco da promessa
Do azul pintado, pra durar
Abelha fazendo o mel
Vale o tempo que não voou
A estrela caiu do céu
O pedido que se pensou
O destino que se cumpriu
De sentir seu calor
E ser todo
Todo dia é de viver
Para ser o que for
E ser tudo
Sim, todo amor é sagrado
E o fruto do trabalho
É mais que sagrado, meu amor
A massa que faz o pão
Vale a luz do teu suor
Lembra que o sono é sagrado
E alimenta de horizontes
O tempo acordado, de viver
No inverno te proteger, no verão sair pra pescar
No outono te conhecer, primavera poder gostar
No estio me derreter
Pra na chuva dançar e andar junto
O destino que se cumpriu
De sentir seu calor e ser todo
preciso urgentemente sacralizar o amor para que ele “seja eterno novamente”
| Por João Jonas Veiga SobralMilton Nascimento em show de 2011 no Rio de Janeiro
A canção não fazia parte do repertório da turnê. Talvez Bituca a tenha guardado para sua “última sessão de música” como seu derradeiro recado terno e amoroso para esses nossos tempos tão duros, cheios de ódio, de rancor e de revanchismo.
Parece que os autores se inspiraram nos versos de Fernando Pessoa (Ricardo Reis): “Para ser grande, sê inteiro: nada/Teu exagera ou exclui/Sê todo em cada coisa. Põe quanto és/No mínimo que fazes/Assim em cada lago a lua toda/Brilha, porque alta vive”. O poema serve como mote para um discurso afetivo na letra da canção que celebra o amor como motor da vida e do mundo. No texto, esse motor condensa a luz que faz tudo girar em torno do sagrado e faz mover e remover - com todo cuidado e delicadeza - montanhas, asperezas, obstáculos e obtusidades.
A canção também alude ao trabalho como elemento sagrado e vital e enaltece o sono e sonho como construtores de horizontes e de amanhãs mais doces e amorosos. Celebra o movimento das estrelas, das luzes e dos ciclos da vida que embalam e enternecem o cotidiano daqueles que amam para que o destino se cumpra bom. Milton canta – segundo Elis – como se fosse Deus. Sua voz sagrada e absoluta entra pelos ouvidos, narinas e poros. E como uma prece o canto traz o arco da promessa que foi feito para durar.
A referência no título da canção aponta para a ideia (não importa se romantizada) de leveza e de integração com a vida e com o sagrado, tão cara ao indígena e às gentes das florestas. Reporta também para a relação com sacralização da força transformadora do amor e da fé como incorporadora de algum bem necessário e motriz.
No final da canção, Bituca reforça a consagração imaculada quando repete os versos “sim, todo amor é sagrado” e acrescenta ao final um contundente “Sim”, fechando o ciclo tenebroso do “Não”.
Vivemos em tempos adoecidos em todas as instâncias da vida. Nas redes sociais, à direita ou à extrema direita, à esquerda ou à extrema esquerda, ao centro ou ao núcleo do centro, há dedos em riste a apontar, a denunciar, a crucificar, a sentenciar o outro com ódio visceral
e constante. Nas famílias e nos trabalhos, temos gentes adoecidas e extenuadas, porque – como em todo universal social – o exercício do ódio inoculou os dias.
É preciso urgentemente sacralizar o amor para que ele “seja eterno novamente”. É necessário remover “as montanhas do mal” não como o arquétipo de Poliana, nem com ingenuidade ou hipocrisia do homem de bem, mas como a sabedoria de quem vê a tampa do rancor e da vingança transbordar.
Na educação de nossas crianças e de nossos jovens, o amor à vida e ao outro deve estar em pauta. Que as metodologias ativas, a tecnologia e o protagonismo dos alunos são importantes e cruciais, não há dúvida. No entanto, a educação se faz fundamentalmente com gente, com afeto e com disposição para essa força motriz a que se chama amor. Não há mais o que esperar para que compreendamos a necessidade de mover as montanhas do ódio e do rancor e oferecer amor, sabedoria e compaixão àqueles que estão começando a participar da vida e a exercer a cidadania.
Se o show de Milton produziu a catarse do amor, se na canção é possível notar a grandeza desse sentimento, é razoável que ofereçamos amor e que saiamos da insanidade embrutecida da existência. “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura” (João Guimarães Rosa).
Somos desamparados na vida porque somos peça única, porque somos frágeis e adoecemos, porque não vivemos bem em total solidão, porque precisamos de cuidado, porque erramos muito e sempre, porque desistimos, porque envelhecemos, porque morremos e, sobretudo, porque precisamos de compaixão e de amor. E porque ele é sagrado. Sim, simplesmente porque ele remove as montanhas com todo cuidado.
Milton canta –segundo Elis –como se fosse Deus. Sua voz sagrada e absoluta entra pelos ouvidos, narinas e poros. E como uma prece o canto traz o arco da promessa que foi feito para durar
Neste mesmo dia, mas do dezembro de há 20 anos, convidei amigos acadêmicos, exímios no campo teórico, para acompanhar educadores éticos na teorização das suas práticas. Porque, há 60 anos, me reconheci... praticista.
“Ainda bem que chegou um homem!”
A exclamação da diretora da escola deixou-me apreensivo. Entre sorrisos e votos de boas-vindas, fui amavelmente recebido e esclarecido:
“Colega, temos uma turma de lixo a precisar de pedagogia musculada, de um professor homem.”
“Turma de lixo?”.
“Sim. De analfabetos e malcomportados. O colega aceita ficar com eles? Fazia-nos um grande favor.”
Essa frase ainda ecoa na memória deste vosso avô. E já lá vão quase 60 anos. “Turma de lixo!” Chamar lixo a seres humanos?...Aceitei.
No primeiro dia de aulas, perguntei àqueles jovens por que não tinham aprendido a ler.
“A gente não tem cabeça, senhor professor. A gente é burro. Estamos aqui, há seis anos, nós já tivemos umas 10 professoras e todas as professoras disseram que a gente é burra.”
Quis saber como as professoras dos anos anteriores os tinham ensinado (melhor dizendo, não tinham). Responderam em coro:
“Todas ensinaram igual...o a, e, i, o, u. E a gente fazia carreirinhas de as, es, is, os e us. Depois, a senhora professora dava a lição do pê, a do pa, pe, pi, po, pu. Depois, a gente juntava à lição do tê: pato, pito, pote, pipi, tatu, tutu...
“A gente é burra!” – Um estranho sentimento se apossou de mim. Passara anos ensinando pelo método fônico, porque outro não conhecia. Se eu voltasse a ensiná-los pelo método fônico eles conseguiriam aprender a ler? É evidente que não. Se o fizesse, seria um crápula.
Entrei em crise, uma crise ética que só admitia duas saídas: ou aprendia a ensinar de modo que todos aprendessem, ou iria embora da profissão.
A solução surgiu com o trabalho de equipe. Juntei a turma ‘do lixo’ com as turmas de duas professoras. A Luísa ficou com a alfabetização lógico-matemática e mais duas
disciplinas. A Maria José com a socioemocional e mais duas disciplinas. Eu fiquei com a alfabetização linguística e mais duas disciplinas. E fui aprender a alfabetizar.
Apercebi-me de que as crianças já sabiam ler, quando chegavam à escola. Sabiam ler, por exemplo, “Coca-Cola”. Mas, até então, eu desprezara o seu repertório linguístico e mandava ler ca, ce, ci, co, cu, ‘ensinando’ todos os meus alunos do mesmo modo, ao mesmo tempo (o famigerado “ritmo da aula”).
Ao cabo de dois ou três meses, aqueles que ‘não acompanhavam’, marchavam para o ‘reforço’ e, mais tarde, para o equivalente do EJA, em Portugal.
Deveria haver outros modos de aprender a ler... Aprendi mais duas dezenas de metodologias: o global de palavras, de frases e de contos; o método natural do Freinet; o das palavras geradoras, das ‘28 palavras’, o ‘Tu já lê’; todos os fonomínmicos, todos os fonossintéticos; os silábicos, enfim!
Para saber o que se passava naquelas cabecinhas no processo de aprendizagem, fui aprender psicologias: a da aprendizagem, a dos processos cognitivos, a da memória, enfim! Li todos os livros sobre alfabetização que no início dos anos 60 encontrava.
Até 76, a minha sala de aula era uma ‘árvore de Natal’ enfeitada de projetos. A partir desse ano, não mais voltei a ser professor de sala de aula. E a ‘turma do lixo’ aprendeu a ler.
Já pensavam que eu não faria uma pergunta. Então, cá vai (em triplicado):
Por que razão os ‘teóricos’ e os ‘práticos’ andavam de costas voltadas?
Para que servia o ‘academicismo teoricista’?
Por que se mantinham os professores ancorados num ‘jeitinho praticista’?
A PRINCIPAL FONTE PARA QUEM QUER ENCONTRAR AS MAIS INTELIGENTES IDEIAS SOBRE GESTÃO.
1O LEITURAS ESSENCIAIS
SUA CARREIRA EM 20 MINUTOS