Revista Educação - Março 2022 - Edição 283

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Educação pública Empresas e instituições contribuem para a inovação

Entrevista Escola só faz sentido com vínculo e paixão

EDUCACAO

Itinerários formativos Há professores orientadores e outros que se sentem perdidos

ANO 26 Nº283

Ensino técnico continua sem apoio

A educação técnica vive sua sina: há falta de vagas, mas existe preconceito da sociedade para mudar esse quadro e empregar jovens com melhores chances no mercado de trabalho. São necessárias ações e campanha para dignificar essa modalidade de ensino

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No Brasil, só 9% saem com curso técnico, contra 38% dos países da OCDE

NOVOS DESAFIOS EXIGEM MUDANÇAS. MUDE COM A EDITORA DO BRASIL.

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Precisamos correr

022 se inicia como ponto de inflexão para a educação, como mostramos nesta edição. O ensino médio, na nova conformação, dá seus passos. As escolas estão superando as dificuldades, mas há algumas particulares que avançaram e poderão servir de referência para a subida da régua em todo o Brasil. De toda forma, precisamos acompanhar de perto essa fase para não corrermos o risco de repetir nossa sina: os mais desprovidos de recursos e apoio ficarão para trás também aqui.

A colunista Damaris Silva faz um relato pungente do minidocumentário de Ana Paula Xongani: “A gente vai falar sobre a escola dos sonhos. Como é a escolha dos sonhos de vocês? Tem que ter rap na aula de música, tem que ter mais meninas negras, mas não pode ter racismo”. O alerta vem de toda parte, a sociedade brasileira precisa ser inclusiva, a maioria da população, que é negra, não pode continuar nessa submissão. Felizmente, a educação começa a fazer seu papel, discutindo cruamente essa chaga brasileira.

Nem tudo é queixa. A entrevista desta edição é com o comunicador e filósofo Muniz Sodré. Completa 80 anos, otimista, atuando em sala de aula e discutindo os rumos da sociedade brasileira. E ao fazer seu balanço ele relata que hoje uma sala de aula é bem diferente da branquitude de 15 a 20 anos atrás. O Brasil começa a criar sua cara na sala de aula do ensino superior público e privado, com a inclusão de negros, pardos e indígenas.

Sodré é um crítico ferrenho das redes sociais e de seus algoritmos, e aposta que uma escola para cumprir seu papel tem que ter vínculo e paixão, e vê com otimismo algumas transformações sociais que têm acontecido lentamente, e ressalta a maior visibilidade social e a ascensão de uma intelectualidade negra e indígena.

Finalmente, a RFM Editores, que edita esta plataforma Educação e a Ensino Superior, trouxe para o Brasil, juntamente com algumas empresas e organizações que atuam em projetos sociais, a Stanford Social Innovation Review, uma iniciativa editorial que desde 14 de fevereiro está no ar como www.ssir.com. br. Vale a pena conferir; é um novo olhar do empresariado brasileiro engajado para mudar nossa realidade social.

Boa leitura.

Os editores

A Plataforma Educação, composta por edições digitais e impressas, site, redes sociais e eventos, é publicada por RFM Editores

Ano 26 - Nº 283 março de 2022

ISSN 1415-5486

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Conselho editoral Clara Cecchini

Eduardo Deschamps

Fernando José de Almeida Iracema Nascimento

Mozart Neves Ramos

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Editora: Laura Rachid laura@plataformaeducacao.com.br

Diretora administrativa: Rita Martinez rita@editorasegmento.com.br

Diretora de marketing: Carolina Martinez carolina@plataformaeducacao.com.br

Parcerias Institucionais Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) Undime SP (União dos Dirigentes Municipais de Educação) Jornal Joca - para jovens e crianças

Sua Escola Ideal

Two Sides

Colaboraram nesta edição

Alexandre Sayad

Damaris Silva

Fernando José de Almeida

Gustavo Lima

João Jonas Veiga Sobral

José Pacheco

Leticia Scudeiro

Luciana Alvarez

Paulo de Camargo

Simône Midori Maki (diagramação)

Maria Stella Valli (revisão)

COMERCIAL

Gerente de comunicação e eventos: Margarete Rios Silva margarete@rfmeditores.com.br

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Revista Educação 4
CARTA AO LEITOR
REVISTA
EDUCACAO
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16

ENSINO PROFISSIONALIZANTE

SUMÁRIO e mais

De escanteio

Ainda sem mobilizar a opinião pública, a educação técnica e profissional renasce a partir de diferentes ações dos estados e ganha nova possibilidade com a reforma do ensino médio

ENTREVISTA 6

Muniz Sodré

“Estamos numa crise de produção de ideias”, resume sociólogo referência em comunicação contemporânea que fala também da falta de empatia e solidariedade - além de definições do que é educação

ITINERÁRIOS FORMATIVOS 48

Políticas públicas

Currículo flexível do novo ensino médio começa a valer este ano com divisões claras: há escolas e professores muito bem orientados enquanto há aqueles que se sentem perdidos

DIÁLOGOS 56

Coluna João Jonas

Mergulhar na obra de José Saramago pode nos engrandecer e nos arrancar dos embotamentos dos olhos e da alma

Revista Educação 5
Mosaico
Ensaio 26 Especial | Criatividade 32 Midiática 36 Educação pública 42 Gestão 45 Transformação 54 Futuro da escola
Entre margens
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58

Na época dos algoritmos, escola só faz sentido com vínculo e paixão

“Estamos numa crise de produção de ideias”, resume sociólogo referência em comunicação contemporânea que fala também da falta de empatia e solidariedade - além de definições do que é educação

Aos 80 anos de idade e 55 de carreira como docente, Muniz Sodré coleciona títulos e sucessos. É jornalista, sociólogo, tradutor, pesquisador, palestrante, autor de mais de 40 livros, membro da Academia Baiana de Letras. A Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da qual é professor emérito, em sua homenagem instituiu que 2022 é o Ano Muniz Sodré. Bem-humorado e gentil, embora diga estar “mais cansado” que antes, continua lendo, produzindo e, sobretudo, pensando. Para ele, a sociedade vive uma crise de ideias. Crítico feroz das redes sociais, do capitalismo financeiro e da cultura algorítmica, defende que a escola só faz sentido como um lugar de vínculo e paixão. Ainda que rejeite a “lógica da esperança”, vê com otimismo algumas transformações sociais que vêm acontecendo lentamen-

Revista Educação 6
ENTREVISTA
| Por Luciana Alvarez Muniz Sodré Mariana Corrêa / Famecos PUCRS “Sou de terreiro de candomblé, da hierarquia do culto Nagô na Bahia”

te, como a maior visibilidade social e a ascensão de uma intelectualidade negra e indígena.

Cada vez menos jovens querem ser professores. O senhor tem uma vida dedicada ao magistério. Ainda hoje vale a pena ser professor?

Fui jornalista também, mas praticamente a minha vida inteira eu dei aulas. Eu me aposentei da UFRJ, mas eles me fizeram professor emérito - e eu continuo dando aulas, agora só na pós-graduação. Estou à frente da Cátedra Otávio Frias Filho, da Universidade de São Paulo. Aos 80 anos eu continuo a dar aulas e gosto muito.

Um dos medos de várias categorias é um dia ser substituído por um “robô”. Acha possível o professor ser substituído por algum tipo de máquina de ensinar?

Dentro de 10 a 20 anos, cerca de 90% das ocupações que temos hoje vão ser substituídas por robôs ou máquinas. Já está ocorrendo com força na medicina, na engenharia, na construção mecânica. Certamente, a instrução, em determinados assuntos e disciplinas, pode ser satisfatoriamente substituída por máquinas. Você pode aprender cálculos de prédios por máquinas, até mesmo aprender a fazer operações cirúrgicas online, aprendendo a controlar os próprios robôs. Mas a isso eu dou o nome de instrução. Educação não é simplesmente passar informação. O mais pobre dos computadores faz isso melhor que o melhor dos professores.

O que fica então para a educação?

Está reservado à educação um outro lugar, porque ela é outro tipo de processo. É a formação cívica, ao mesmo tempo psicológica e ética. Isso não pode ser substituído. A educação é um nome da transformação de um processo radical de iniciação. As sociedades ocidentais não iniciam - a iniciação só há em sociedades tradicionais e tribais. Iniciação é como uma conversão ou um batismo: a entrada numa câmara-portal e o renascimento do indivíduo para a vida social e coletiva. A iniciação é pessoal - ela precisa de gente - e é

libidinal. Não consigo conceber uma educação que não tenha uma reinterpretação do laço libidinal entre pais e filhos, filhos e pais. Há uma passagem de saber familiar inicial, que é importante, mas não é nunca o conteúdo o mais importante e sim o laço, que é ao mesmo tempo amoroso, em parte odiento. Esse laço visceral, que é uma vinculação, é retomado pela escola. Portanto, o ensino fundamental é uma retomada vigorosa desse laço de pais e filhos. A relação com professores é uma relação de paixão. Quando digo paixão, não quer dizer amorosa apenas, envolve também a briga, o ódio. São dois afetos fundamentais: o ódio e o amor. Com a criança crescendo, há a individualização dessa formação, onde pode entrar o escopo profissional. Mas não é o essencial da educação.

Mas para muitos, a educação parece ligada à preparação para um trabalho, não é?

Sei que as pessoas entram numa faculdade para ter uma profissão e arrumar emprego, mas não queria que o futuro da educação valesse só o caminho do emprego. Ela vai no sentido de preparar para que tenha opções de percurso. O próprio trabalho está sendo velozmente desvalorizado pelo advento das máquinas e robôs. Não acho que a educação esteja estruturalmente acoplada ao trabalho. Ela está acoplada à formação psicológica, ética, propriamente humana.

No seu livro A sociedade incivil, o senhor cita Goethe, Balzac, Blade Runner, tem muitas citações de literatura…

Claro. Literatura para mim é mais importante às vezes do que a filosofia. Eu não faço distinção epistemológica entre determinado romancista e determinados teóricos. A teoria é uma forma de organização de ficção. O que eu efetivamente leio é literatura e filosofia.

Num mundo regido por algoritmos, vale a pena estudar as ciências humanas e sociais, ou deveríamos nos focar em matemática e outras ciências exatas?

As próximas gerações e já esta geração são gerações de base matemática, mesmo que não tenham formação.

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Educação não é simplesmente passar informação.
O mais pobre dos computadores faz isso melhor que o melhor dos professores sobre substituição por robôs

ENTREVISTA

Muniz Sodré

Somos regidos por números e fórmulas. Nossa realidade é forjada pela matemática. Mas precisamos mais do que nunca entender o solo social em que a matemática se dá. Então as ciências humanas e sociais têm que se distanciar da matemática para entender efetivamente o que está se passando. Estamos num momento de crise das ciências sociais porque o momento áureo foi um momento de produção de ideias no século 19, na passagem da filosofia para a sociologia, economia, antropologia. As ciências que se fragmentaram, mas o que elas efetivamente produzem são ideias. E nós estamos numa crise de produção de ideias.

As diferentes ciências ainda têm espaço?

Essa palavra ciência ilude muito. O que é fazer ciência? Ciência pode ser um discurso bem feito, bem organizado sobre a realidade - eu vejo as ciências humanas nesse sentido. A gente precisa delas mais do que nunca. O empenho histórico das ciências sociais é entender e produzir grandes ideias sobre as transformações do mundo. É preciso voltar a pensar. O desafio que a comunicação traz é no sentido de não pensar apenas intelectualmente, mas também afetivamente. Há uma virada afetiva na relação do saber com o indivíduo e seu corpo, com o orgânico, com as interações que o saber promove. Isso se dá no campo das ciências sociais. Você não constrói robôs nem faz aviões voarem ou constrói edifícios com as ciências sociais e humanas, mas a tarefa delas não é essa.

Para Sodré, a educação não está estruturalmente acoplada ao trabalho. Ela está acoplada à formação psicológica, ética, propriamente humana

Há consequências quando a educação se foca muito nas exatas, para a prática profissional?

Uma educação voltada só para as ciências exatas produz monstros - e estamos vendo isso no Brasil. Na pandemia vimos que uma parte da classe médica beira a monstruosidade apesar da competência técnica. Tem negacionistas, próximos a um comportamento fascista. A mesma coisa aos diplomas dados a certos engenheiros, mas que são ignorantes, apedeutas. A ignorância social dos técnicos brasileiros é estarrecedora. Não sabem nada do social e por isso cavaram um buraco para que o fascismo se instalasse. Foi assim que se elegeu Bolsonaro, que é um monstro. Agora a sociedade está aparentemente reagindo.

Política e educação estão muito ligadas?

O pensamento de direita que emergiu não foi do povo apenas; foi nas classes médias. Gente que estudou, se formou nos melhores colégios, nas melhores universidades, os melhores tecnicamente, mas que são impermeáveis à empatia social e à solidariedade humana. Isso é uma falha educacional, uma tragédia educacional. Eu conheço pessoas de alto nível de formação que eu considero analfabetos em relação ao mundo e à sociedade. Nem são de direita necessariamente. Mas faltou o lado social - e isso é um fracasso das ciências sociais, que se fecharam muito em si, se departamentalizaram demais.

Muitas escolas hoje dizem que querem formar cidadãos críticos. Elas tentam e não conseguem ou ficam só no discurso?

Isso é marketing, o discurso dominante do comércio e da indústria. Como é que se elege hoje um presiden-

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A ignorância social dos técnicos brasileiros é estarrecedora. Não sabem nada do social e por isso cavaram um buraco para que o fascismo se instalasse
Luísa Zelmanowicz / Famecos PUCRS

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ENTREVISTA

Muniz Sodré

te ou governador? Com partidos que não representam coisa nenhuma e marketing. Você tem em outros países partidos que representam uma parcela da população que é de direita, outros de esquerda, de centro. Os partidos brasileiros e da maioria dos países latino-americanos não representam coisa nenhuma. Eles se constituem em função do fundo partidário. São máquinas burocráticas que giram ao redor de si mesmas, dos seus interesses. O discurso qual é? É o do marketing. Assim que se elege alguém. Os políticos sempre foram retóricos, tinha sua margem de engano, mas o marketing promete apenas a realidade do marketing, que nunca se cumpre. É discurso das escolas privadas quando se faz uma crítica à formação que oferecem. Mas eles não querem realmente isso. Ao contrário: a crítica continua assustando as elites, que continuam matando quem pensa demais.

Estigmas contra a população negra permanecem, mesmo com leis de cotas universitárias e para ensinar a cultura afro-brasileira nas escolas. Essas políticas não tiveram impacto na sociedade?

As políticas de afirmação racial do final do governo Fernando Henrique Cardoso e do governo Lula impactaram. Depois, é preciso que se diga, que em 2012 o Supremo Tribunal Federal aprovou a lei de cotas. O racismo no Brasil, há quem diga que seja estrutural, mas eu discordo da expressão estrutura: é um racismo institucional e

Sociedade incivil

O mais recente livro de Muniz Sodré, lançado em 2021 pela Editora Vozes, trata de como o capitalismo financeiro, a mídia e os algoritmos que regem o mundo atual trazem consequências sociais, políticas e culturais nefastas. Uma sociedade incivil é uma espécie de mundo zero de valores, vazio da substância ético-política. É nesse horizonte que vem despontando o neofascimo.

sistemático. A pós-abolição no Brasil foi conduzida por uma burguesia branca, racista e com intuito de manter o negro em seu lugar. As políticas afirmativas decorreram de movimento de baixo para cima, uma luta que já durava 100 anos. O movimento negro é o movimento mais longevo na paisagem das lutas sociais brasileiras. Mas as cotas e políticas afirmativas permitiram que essa questão recalcada aflorasse.

Como professor, sente uma mudança?

Sempre dei muita palestra em faculdades. Olho para o público e vejo o quanto a paisagem mudou de 15 anos para cá. De branco colonial virou colorizada. E tem uma intelectualidade aparecendo. Isso é posterior e consequência das políticas de afirmação. Elas não mudaram a paisagem global. A sociedade brasileira é muito racista e exterminadora de negros. Mas já não é mais da mesma forma e com a mesma intensidade, porque os grupos reagem. A educação contribuiu nisso. Não é revolucionário, porque não toma o poder, mas é mutacional, uma transformação que está havendo aos poucos. Isso é mais do que nunca necessário porque a educação e a cultura pública foram submergidas nessa tragédia que são as redes sociais.

Tragédia?

É uma tragédia. A televisão brasileira levou 50 anos para habituar o povo à banalidade, vulgaridade e grotesco. Isso é complementado hoje pelas redes sociais. Individualmente a internet é boa, claro. Do ponto de vista público e social, elas são uma tragédia.

Havia no início do advento da internet uma esperança de que a livre circulação de informação e opiniões melhoraria a democracia…

Eu não sigo muito a lógica da esperança. Esperar é colocar seus desejos num outro tempo ou na cabeça do outro. Sei que é uma nuance, que não existe na nossa língua o verbo esperançar, que seria dar à espera uma força motriz, transformadora. Mas acho que isso está em curso. Falei antes dos negros, mas há também os indígenas: você tem intelectuais indígenas hoje importantes no Brasil, coisa que antes não existia. Ailton Krenak, Daniel Munduruku, Sonia Guajajara. O país é muito grande, temos muito mais. A movimentação civil está crescendo. Nesse sentido sou otimista.

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Filme reverencia o papel do educador em narrativa sensível

Indicado ao Oscar, longa do Butão destaca a história de um jovem prestes a concluir sua formação docente até então desanimada

Como uma carta de amor aos educadores, A felicidade das pequenas coisas atravessa qualquer fronteira (ou montanha) para deixar o seu recado.

O longa recém-lançado no país e dirigido por Pawo Choyning Dorji conta a história de Ugyen Dorji (Sherab Dorji), um aspirante a cantor que almeja a obtenção de um visto que lhe permita se mudar do Butão para a Austrália. No entanto, para conseguir o documento, Dorji precisa concluir o seu último ano de serviços prestados ao governo butanês e é encaminhado à aldeia mais reclusa do país, onde terá a tarefa de lecionar para as crianças da região.

Relutante em abraçar o papel de professor no local, Dorji é arrebatado pelo fervor dos

pequenos estudantes da Escola Lunana com a ideia de, finalmente, terem um mentor que os encaminhe para o futuro. A animação com a chegada do jovem não está apenas no olhar das crianças, mas também entre os demais moradores, que enxergam esperança em sua missão.

Em uma narrativa sensível, o filme encontra na jornada de Dorji uma maneira de reverenciar o trabalho docente, seja no completo respeito dos aldeões com a figura designada para cumprir o papel de educador, ou na retomada de uma das falas mais emblemáticas do roteiro: um professor pode tocar o futuro.

A obra está entre as indicadas ao Oscar 2022 na categoria de Melhor Filme Internacional.

Revista Educação 11 MOSAICO
Reprodução /trailer

MOSAICO

Mulheres nas ciências

Consciente da baixa representatividade feminina, este ano, pela primeira vez, a Acadêmica Brasileira de Ciências (ABC) elegeu mais cientistas mulheres para a titularidade de acadêmicos do que homens. Com isso, oito dos 13 novos membros são pesquisadoras. Em entrevista à Veja, a vice-presidente da ABC e biomédica Helena Nader disse que não se trata de política afirmativa, mas de busca ativa a partir do diagnóstico da baixa representação.

Educação alimentar no centro dos debates

A importância de boas escolhas alimentares, bem como a necessidade das crianças e educadores de se reconectarem com os processos alimentícios, da plantação ao nosso corpo, são destaques do curso para educadores Cozinhas e Infâncias, do Instituto Comida e Cultura, que tem a chefe de cozinha Bela Gil como uma das fundadoras. História, cultura e biodiversidade brasileiras se conversam na formação cuja primeira edição conta com a participação de duas escolas de São Paulo: a Escola Municipal de Educação Infantil Dona Leopoldina, na Lapa, e a particular Camino School, na Barra Funda.

O Instituto de Estudos Avançados (IEA) avaliará os resultados com apoio de ferramentas desenvolvidas pela Faculdade de Saúde Pública da USP. O objetivo é expandir a iniciativa para mais escolas do país.

“Enxergamos o estudo da alimentação, nutrição e culinária como uma linda forma de nos (re)inserirmos na natureza. Conhecer os alimentos, saber da onde vêm, como foram plantados, os benefícios ou riscos para a saúde nos dão mais vontade de cuidar de nós mesmos, dos outros e do planeta. É a empatia gerando o cuidado e é isso que queremos transmitir às nossas crianças”, postou Bela Gil em suas redes sociais.

Revista Educação 12
Envato elements
Reprodução /Facebook

Malala envia carta ao Congresso brasileiro

Trabalho infantil e gravidez precoce são alguns pontos alertados pela paquistanesa que dificultam a aprendizagem das meninas e o retorno à escola

Preocupada com o aumento da evasão escolar – em decorrência da pandemia - a ativista paquistanesa Malala Yousafzai enviou no final de fevereiro ao presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, uma carta em que pede políticas públicas que garantam a permanência de crianças e adolescentes na escola.

Malala foi convidada a discursar no Congresso sobre Busca ativa: toda criança na escola e, como não conseguiu comparecer, deixou sua mensagem em carta. Confira alguns trechos:

“...Desde muitos anos, o financiamento robusto do Brasil para a educação e o compromisso do país com o acesso à escola têm sido um exemplo para o resto do mundo; a aprovação em 2020 pelo Congresso Nacional do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) foi um momento histórico para garantir educação gratuita e de qualidade para todas alunas e alunos. No entanto,

a pandemia de Covid-19 reverteu muitas conquistas, com 10% dos alunos de 10 a 15 anos relatando que não irão retornar à sala de aula quando suas escolas reabrirem. Pesquisas do Malala Fund nos mostram que o aumento das taxas de pobreza, responsabilidades domésticas, trabalho infantil e gravidez na adolescência afetaram desproporcionalmente a capacidade das meninas de aprender durante a pandemia, impedindo o retorno delas à escola. Mas, como Vossas Excelências sabem, a educação das meninas é a solução para alguns dos problemas mais urgentes do nosso mundo. Se queremos sociedades mais saudáveis, prósperas e pacíficas, devemos proporcionar às meninas 12 anos de educação gratuita, segura e de qualidade...”

Global oferece certificado Lançado pelo Papa Francisco, curso gratuito chega aos brasileiros

Online, Pacto Educativo

Incentivar uma educação integral, focada no diálogo, inclusão e colaboração, e que vá além da transmissão hierarquizada do conhecimento são os principais objetivos do Pacto Educativo Global. Lançado em 2020 pelo Papa Francisco, o documento objetiva renovar o processo educativo. Para democratizar e facilitar o acesso aos conceitos do tratado, a plataforma educativa Farol 1817, em parceria com a PUCPR, disponibiliza, gratuitamente, um curso online a todos os interessados no assunto.

O curso tem 10 horas de duração e é dividido em três partes: o pensamento educativo de Francisco; o instrumento laboris do Pacto Educativo Global; e os passos práticos para implementar os conceitos. Ele faz parte da série

Nos passos de Francisco, mas pode ser feito de forma independente. As aulas trazem uma ideia geral dos conceitos, entre os quais: Educação baseada em diálogo; Educação para o acolhimento; Integração das três linguagens: coração, mente e mãos; e Relação intergeracional. Para saber mais acesse: https://farol1817.com.br/courses/nos-passos-de-francisco-pacto-educativo-global

Conforme destaca a professora responsável pelo curso, Mariane Lins, a capacitação é destinada a todos que atuam ou têm interesse na área da educação e desejam entender um pouco mais sobre o Pacto Educativo. “E não apenas para os que atuam em escolas católicas e instituições ligadas à Igreja, já que o objetivo é formar uma aliança, uma aldeia educativa com a sociedade”, relata.

Ainda segundo ela, todos que se relacionam com a educação de alguma forma podem encontrar espaço de reflexão e de uma primeira aproximação com o pacto educativo a partir desse curso, sejam educadores, famílias, catequistas, estudantes, agentes comunitários, professores da educação básica e superior, e quem mais tiver interesse em contribuir para uma mudança na educação e na sociedade.

Mariane Lins é a professora responsável pelo curso

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United Nations Divulgação

Com sensibilidade e criatividade

A inovação tecnológica na escola é uma demanda inescapável nesta terceira década do século 21. Substituir o lápis, o caderno e o livro por notebooks e plataformas é, sem dúvida, uma transformação tecnológica, mas ainda não se configura uma inovação se a didática permanecer a mesma. “A inovação efetivamente acontece quando há transformação cultural”, diz Augusto Portugal, diretor técnico da Foreducation Edtech, parceira da Lenovo em projetos nas escolas para o uso da tecnologia digital. Uma das iniciativas da Foreducation Edtech é o apoio ao professor para a utilização da tecnologia Google.

“Ter o computador não é o mais importante, mas sim, saber como a tecnologia pode apoiar didáticas inovadoras”, afirma Portugal. A transformação cultural se efetiva quando o professor transforma sua prática, redefinindo-a de tal maneira que ela se torna inviável sem o uso da tecnologia. Nesse sentido, um bom exemplo é a dinâmica do trabalho em grupo. Uma situação bastante recorrente é cada aluno fazer um trecho do trabalho; o resultado se torna um “frankenstein” que o professor tem que corrigir. Outra situação completamente diferente é, no Google Docs, os alunos criarem juntos, simultaneamente ou não, numa dinâmica em que a intencionalidade pedagógica é justamente a interação. Por meio do histórico, o professor consegue averiguar a participação de cada aluno do grupo. Ele conta que recentemente, após o trabalho de formação de professores numa instituição, um estudante de terceiro ano do ensino médio foi categórico em seu depoimento ao abordar a experiência da utilização dessa

Carlos

Carvalho: “O ‘pulo do gato’ é a formação do professor”

Augusto Portugal: “O importante é saber como a tecnologia digital pode apoiar didáticas inovadoras”

ferramenta pelo professor e alunos: “Pela primeira vez na minha vida fiz um trabalho em grupo”.

A implantação da tecnologia digital na escola passa por fases importantes. A aquisição de equipamentos é a última decisão, explica Portugal. Antes, é preciso se perguntar qual a intenção do uso da tecnologia, para então definir qual será a utilizada. Define-se também o equipamento, mas ainda não a aquisição. O mais importante é a capacitação dos professores, “é o pulo do gato”, destaca Luís Carlos Carvalho, diretor comercial da Foreducation. Não se trata de simplesmente conhecer as ferramentas, mas como utilizá-las nas práticas pedagógicas, na metodologia aplicada na escola, no dia a dia da sala de aula. A formação não se resume a ensinar a mexer no botão, mas como o professor desenvolverá suas práticas com as facilidades da tecnologia.

Portugal conta que a inovação não acontece a partir da consultoria da Foreducation ou do uso das ferramentas, mas do professor. A incorporação da tecnologia na prática diária do professor envolve a comunidade escolar e efetiva a transformação cultural. Para que isso ocorra, o apoio da instituição é fundamental, oferecendo a formação e a liberdade para inovar: “Não há como inovar sem experimentar, sem erros e acertos. Fazer porque o outro já fez e deu certo não é inovar”, finaliza Portugal.

Os benefícios da tecnologia digital para a educação são inúmeros: “a tecnologia digital substitui as tarefas repetitivas, mas não a sensibilidade e a criatividade”, afirma Cassio Miori, diretor de marketing da Somos Educação.

APRESENTADO POR studio
Aproveitamento da tecnologia digital requer transformação cultural e didáticas inovadoras
Luís

O ensino híbrido é o ideal da transformação digital: “as ferramentas digitais facilitam o trabalho e o professor aproveita ao máximo o tempo presencial para as interações humanas, para o desenvolvimento socioemocional dos alunos e das habilidades do século 21, tarefas que só o ser humano faz”.

A Somos Educação, em parceria com a Foreducation e a Lenovo, oferece o Learning Book, uma solução tecnológica acoplada à plataforma digital de ensino Plurall, também da Somos, para seus colégios como os de sistemas de ensino Anglo, pH e Pitágoras. Por meio dessa plataforma, o professor personaliza exercícios, tarefas, aplica provas diagnósticas, simulados, elabora relatórios de desempenho e acompanha a aprendizagem de seus alunos. “Com muita facilidade, o professor pode, por exemplo, elaborar listas de exercícios com níveis diferentes de dificuldade e remeter para grupos distintos da turma’’, explica Miori. Também estão disponíveis vídeos, animações, simuladores 3D, laboratórios virtuais da CloudLabs e as ferramentas colaborativas do Google For Education.

A transformação digital não ocorre de forma abrupta, explica Miori, a ideia é que os equipamentos e a plataforma não se convertam em uma pirotecnia digital, mas sim, no impulso para o interesse e o entusiasmo crescentes. Uma transformação importante, detalha Miori, é que o aluno passa a ser o centro do processo de aprendizagem, o protagonista que desenvolve sua autonomia. Cabe ao professor aplicar metodologias ativas de aprendizagem, ou seja, desafiar o aluno, provocá-lo e se posicionar como mediador. Para esse objetivo, não se altera a metodologia da escola, mas a maneira como ela é aplicada. Um exemplo de técnica didática é a sala de aula invertida: ao invés do professor oferecer o conteúdo e depois desafiar o aluno, o professor faz o inverso, ou seja, desafia o aluno a pesquisar em várias fontes e depois elabora junto o conteúdo.

Segundo Carolina

Gomes, a Lenovo também se preocupa com um aprendizado escolar de qualidade

O equipamento foi item que mereceu atenção especial na concepção do Learning Book. É reforçado para suportar quedas, menos sensível à água e bateria com capacidade para 10 horas. Conta com seguro da Lenovo contra acidentes, garantia do equipamento, pode ser localizado remotamente e está sob controle centralizado de acesso a sites e pesquisas na internet.

“A missão da Lenovo vai além do ‘business’ de equipamentos e tecnologia. Buscamos entregar aprendizado de qualidade, participando desde o início do planejamento com nossos clientes para que alunos e professores sintam-se motivados, valorizados e enxerguem que a tecnologia pode sim trabalhar por eles”, conta Carolina Gomes, gerente de desenvolvimento de negócios para educação da Lenovo.

Cassio Miori:

“O ensino híbrido é o ideal da transformação digital”

ENSINO PROFISSIONALIZANTE

Os sistemas de educação profissional dos países asiáticos estão entre os mais reconhecidos do mundo. Nesta escola japonesa, os alunos têm carros e motos à disposição para aprender sobre mecânica dos motores

A sina do patinho feio

Ainda sem mobilizar a opinião pública, a educação técnica e profissional renasce a partir de diferentes ações dos estados e ganha nova possibilidade com a reforma do ensino médio

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| Por Paulo de Camargo

No conjunto do ensino público brasileiro, a Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPT) tem sido, historicamente, o patinho feio de uma história de pouco encanto. Não ocupa as manchetes dos jornais, seu declínio até quase a extinção pouco mobilizou a sociedade, seus problemas não movimentam políticos, não provocam grandes congressos, nem fazem brilhar os olhos das edtechs – não, pelo menos, da forma como ocorre na educação básica regular e no ensino superior. Com tanto tempo de estagnação, o resultado dessa história pode ser contado em números que ilustram como o mundo desenvolvido seguiu a direção contrária e vem dando crescente atenção ao tema. Segundo os dados mais recentes do Education at Glance 2021, relatório sobre educação global publicado pela OCDE, apenas 9% dos concluintes de ensino médio no Brasil estão em cursos profissionalizantes – contra 38%, em média, nos países que integram a organização de nações desenvolvidas. No outro extremo da lista estão países como a Áustria, com 76%, a Suíça, Reino Unido e Eslováquia, com mais de 60% dos formandos prontos para ingressar no mundo do trabalho.

Para muita gente, o insucesso das políticas para o setor no Brasil parece um drama sem fim. É claro, existem casos de excelência – que atendem pelo nome de Senai, Senac, Institutos Federais de Educação, Fundação Paula Souza. Mas o fato é que essa opção nunca conseguiu se estabelecer como uma alternativa real para 80% dos alunos brasileiros que não tiveram a oportunidade de chegar ao maior sonho de ascensão social – a universidade. Pior, devido à qualidade acima da média, muitas instituições públicas que oferecem EPT atraem as classes médias, provocam filas, seleção de melhores alunos que, ao final, consideram a passagem pela escola técnica apenas um pedágio para chegar mesmo aonde sonhavam, a universidade.

Mas, há sinais de mudança no horizonte. Eles chegam por meio de iniciativas dos estados, como o Ceará, Piauí, Pernambuco e Paraíba, e podem ganhar novo fôlego com a implantação do novo ensino médio, que começa oficialmente a acontecer em 2022. Um dos objetivos de fundo da reforma estabelecida em lei de 2017 é justamente o impulsionamento da EPT na forma do itinerário formativo, na lógica da flexibilização curricular.

Claro, tudo depende da forma como isso vai acontecer. Mas, pelo menos, o debate volta à mesa. Como era de se esperar, entre as muitas mudanças trazidas pela reforma desta etapa, a abertura de espaço curricular para a educação profissional de forma integrada ao currículo geral foi a que menos chamou a atenção pública, mas trouxe de novo o debate à tona, mobilizando pesquisadores, que produzem estudos, mobilizando organizações sociais e também governos, especialmente os estaduais.

Mas, por que é tão difícil levar adiante um projeto de educação técnica e profissional? Acontece que este é um processo que depende de múltiplos fatores, como articulação entre instâncias de governo e setores produtivos, mas esbarra ainda mais fortemente em uma mudança de chave cultural.

A educação profissional carrega um estigma secular, que separa a educação de ricos e pobres. No Brasil, já na primeira iniciativa, em 1909, com o presidente Nilo Peçanha, a EPT foi ofertada como uma ação pelos desvalidos, para dar ao povo ao menos uma ocupação – possivelmente aquela em que estacionaria o resto da vida

Apesar dos esforços dos muitos militantes da educação profissional, do movimento da Escola Nova, do surgimento do chamado Sistema S e de diferentes iniciativas, até hoje pouco mudou na percepção social: para boa parte da sociedade, a escola regular deve preparar para a universidade, caminho das elites; a educação técnica é o caminho do trabalhador braçal.

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“O caminho da educação profissional no Brasil passa pelo aumento da oferta e, ao mesmo tempo, pela garantia da qualidade.
Para isso, um dos pontos importantes é olhar para a trajetória do aluno que sai do ensino técnico”, diz Carla Christine
Chiamareli

ENSINO PROFISSIONALIZANTE

ORIGEM MEDIEVAL

Para um dos mais influentes debatedores do tema no Brasil, Cláudio de Moura Castro, esse sempre foi um ponto de clivagem, que vai além da história do Brasil. Segundo diz, a cisão vem pelo menos desde a parte final da Idade Média. De um lado, na nascente universidade sob a influência escolástica, o registro da abstração, do pensamento, da lógica. Do outro, as corporações de ofícios, em que o artesão aprende com o mestre. “A universidade nasceu na estratosfera e ainda não perdeu essa afinidade”, ironiza Castro, que interrompeu o trabalho com sua coleção de formões para dar esta entrevista. “O mundo de cima tem ojeriza pelo mundo de baixo”, diz esse ph.D. em economia que estuda o tema desde a década de 1970. Desde então, a separação entre a nobreza do trabalho intelectual e o mundo concreto das ocupações manuais só se fortaleceu. Onde, por razões históricas, o preconceito foi superado, como nos países germânicos, a educação profissional prosperou mais rapidamente e de forma mais estruturada. Hoje, segundo explica Castro, Alemanha, Áustria e Suíça têm os modelos mais avançados – mas de tal complexidade que é difícil que se realizem fora daquela cultura. Lá, a integração entre educação e trabalho, no plano burocrático e econômico, entre empresas e escolas, está estabelecida e enraizada na sociedade.

Mas, especialmente na segunda metade do século 20, as coisas começaram a mudar pelo avanço tecnológico. Se nos anos 1800 um produto tecnicamente sofisticado como um violino Stradivarius nascia da competência de um prático, no mundo contemporâneo o avanço da tecnologia vem promovendo um reencontro entre mãos e cabeça. Que o diga o mecânico que tem de aprender a lidar com um carro do século 21. Lidar com eletricidade, internet, sensores, sistemas automatizados requer cada vez mais competências integradas.

Desse ponto de vista, pode parecer lógico que a escola básica e o ensino superior ofereçam caminhos profissionais, na forma de cursos técnicos e tecnológicos. Mas as barreiras persistem, e o Brasil pouco avançou nos últimos anos. Segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica, em 2020, 1,9 milhão de jovens estavam matriculados em cursos técnicos (dos quais 62,2% na rede pública), um avanço de apenas 6,4% em uma década – o que deixa o país cada vez mais longe de atingir a meta do Plano Nacional de Educação de triplicar o número de matrículas até 2024.

Um olhar mais próximo para esses números, no entanto, permite ver desigualdades regionais. Alguns estados avançam de forma consistente, e já possuem um quarto das matrículas de ensino médio no modelo das EPT. É o caso do Espírito Santo, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte. Diferentes modelos são ofertados, tornando a EPT um complemento ao currículo do ensino médio regular, e criando formas alternativas, como ocorre hoje, quando a formação pode ser subsequente, concomitante ou integrada à etapa média, e também integrado à EJA, em tentativas de atender diferentes tipos de público.

Essa forma de oferta é a forma visível de outro grande campo de disputas que envolveu a educação profissional, nos últimos 100 anos. Conforme explica o economista Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE e um especialista brasileiro de projeção internacional, entre os grupos que se polarizaram ao longo do tempo estão os que, inspirados nas ideias do teórico marxista Antônio Gramsci (1891-1937), defendiam a ideia de que a educação técnica burguesa acabava por reforçar as condições de reprodução da organização econômica. Ou seja, serviam para formar massa trabalhadora alienada. Muitos teóricos e movimentos sociais importantes defenderam e defendem essa posição.

Para eles, modelos de ensino técnico integral deveriam ser oferecidos de forma complementar à escola

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De um lado, na nascente universidade sob a influência escolástica, o registro da abstração, do pensamento, da lógica. Do outro, as corporações de ofícios, em que o artesão aprende com o mestre. A universidade nasceu na estratosfera e ainda não perdeu essa afinidade”, conta Cláudio Moura Castro

Nesta escola pública canadense, os alunos aprendem física enquanto constroem suas próprias guitarras com qualidade profissional, desde a sua concepção técnica ao seu acabamento físico

regular – na qual os filhos dos trabalhadores deveriam ter as mesmas condições de formação dos filhos das elites e poder desenvolver competências politécnicas. Como consequência imediata, a escola regular se afasta das questões do mundo do trabalho e a formação técnica requer mais tempo de formação.

“Essa discussão precisa ser feita com cuidado, porque há pressupostos falsos, como o de que basta fazer ensino técnico para conseguir emprego. O ensino médio técnico precisa, sim, trazer a vida real para a escola, a educação tecnológica, mas a profissionalização não deve ser precoce demais. Só deve acontecer depois dos 18 anos. Não se pode correr o risco de reduzir a formação geral dos mais pobres. Esse é o chamado dualismo estrutural, com a educação plena para as elites e uma reduzida para os demais”, considera Carlos Artexes Simões, ex-coordenador de ensino médio do MEC, com uma carreira inteira feita no campo da educação tecnológica.

De qualquer forma, na visão de especialistas da área, a característica de ser um currículo adicional ao já superdimensionado programa do ensino médio básico, distante da realidade dos alunos, acabou também dificultando a adesão dos jovens, com urgência de trabalhar. E, em que pesem a importância da discussão e os argumentos de parte a parte, é preciso olhar para o mundo dos jovens. As pesquisas mostram o quanto a escola é vista como algo distante da real e que não prepara para um futuro cujo primeiro desafio é o emprego.

OS JOVENS E A EPT

Bons argumentos não faltam para defender a EPT, e cada vez mais estudos chegam para corroborar a

linha de defesa. Há três meses, um estudo conduzido pelos economistas Sérgio Firpo e Alysson Portela, do Insper, trouxe uma proposta de Indicadores de Qualidade do Egresso do Ensino Técnico, como forma de trazer evidências para que a expansão da oferta aconteça com qualidade.

Elaborando microdados da Pnad, os pesquisadores mostraram que os indicadores da qualidade de ocupação (que reúnem fatores como salário, duração e tipos de emprego) da EPT são consideravelmente superiores aos do ensino médio, ainda que inferiores ao ensino superior. “Os indicativos são de que egressos da EPT têm boa inserção no mercado de trabalho, e o ganho principalmente acontece na formalidade, salários e na rotinização das atividades”, explica o estudo, que terá novos desdobramentos.

Para Carla Christine Chiamareli, gerente de gestão de conhecimento do Itaú Educação e Trabalho, que patrocinou essa pesquisa, estudos como esse têm o objetivo de oferecer evidência para a construção de políticas públicas, o monitoramento dos egressos da EPT e também para conscientizar as empresas. Para ela, o caminho da educação profissional no Brasil passa pelo aumento da oferta e, ao mesmo tempo, pela garantia da qualidade. “Para isso, um dos pontos importantes é olhar para a trajetória do aluno que sai do ensino técnico”, explica. “Temos de expandir e com qualidade, mas com que alternativas? Quais modelos? Como democratizar o acesso?”, questiona Carla.

Em sua visão, o processo passa também pela melhoria da informação que chega aos jovens. Para quem pensa que os estudantes não se interessam pelo ensi-

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Arquivo/Paulo de Camargo

ENSINO PROFISSIONALIZANTE

no médio, a pesquisa Percepções dos jovens sobre o ensino técnico, publicada em agosto de 2021 pelo Itaú Educação e Trabalho para a Fundação Roberto Marinho e pelo CDE, mostra o contrário.

Ouvindo 1.000 jovens de 9º ano de ensino fundamental e 1ª série de ensino médio da rede pública, o estudo mostrou que a falta de acesso e conhecimento são os principais motivos para os jovens não considerarem a modalidade atrativa. Mais da metade dos entrevistados disse simplesmente não conhecer nenhuma escola de EPT, e 77% dizem ter baixo ou nenhum conhecimento sobre esse tipo de ensino. A rejeição é baixa: 62% dos alunos considerariam essa possibilidade.

As discussões atuais sobre a EPT caminham na lógica da articulação curricular, o que é fortalecido na proposta do Novo Ensino Médio, que dividiu o currículo entre 60% do tempo destinado à Formação Geral Básica – esta sim, para todos – e 40% para os itinerários, entre eles o da educação técnica profissional. Nessa perspectiva, os temas do mundo do trabalho são incorporados ao currículo da educação média, e os alunos podem aprender os conteúdos específicos das disciplinas no exercício do aprendizado profissional. Em tese, claro, há muito a se comprovar. Mas, certamente, o ano de 2022 será muito

importante para que as experiências bem e também as mal-sucedidas sejam conhecidas e avaliadas.

Há experiências interessantes em curso. A Paraíba, por exemplo, iniciou, em 2017, a Escola Cidadã Integral Técnica. Começaram com 3 escolas e hoje passam de uma centena. Com foco no protagonismo juvenil, as escolas foram equipadas com laboratórios tecnológicos diversos, como de robótica e física. “A riqueza do processo é que os estados aprendam uns com os outros, e isso não significa importar modelos, porque as soluções precisam responder às demandas do território”, diz Carla. Da mesma forma, Pernambuco tem longeva experiência nascida com os ginásios pernambucanos, e o Ceará vem expandindo sua rede de escolas integrais em forte ritmo.

Temos de expandir e com qualidade, mas com que alternativas? Quais modelos? Como democratizar o acesso?”, questiona Carla Christine Chiamareli

Isso ainda não basta para se criar uma educação profissional organizada, consistente. Falta, na verdade, uma política mais ampla de desenvolvimento profissional para os jovens. A educação técnica e profissional precisa ser entendida como o começo de uma trajetória profissional e não seu marco final. Daí, também, a importância de um diálogo efetivo com o ensino superior – que continua sendo uma possibilidade conforme a trajetória escolhida pelos jovens. Afinal, ter acesso a todas as possibilidades possíveis de integração na sociedade, à educação e ao trabalho não é uma opção – é um direito que assiste a cada um dos jovens brasileiros.

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Divulgação
“Entre os grupos que se polarizaram ao longo do tempo estão os que, inspirados nas ideias do teórico marxista Antônio
Gramsci, defendiam a ideia de que a educação técnica burguesa acabava por reforçar as condições de reprodução da organização econômica”, diz Simon Schwartzman

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ENSAIO

A escola republicana e o projeto de nação

“Nas favelas, no Senado

Sujeira pra todo lado

Ninguém respeita a Constituição

Mas todos acreditam no futuro da nação

Que país é esse?

No Amazonas, no Araguaia-ia-ia

Na Baixada Fluminense

Mato Grosso, Minas Gerais

E no Nordeste tudo em paz

Na morte, eu descanso

Mas o sangue anda solto

Manchando os papéis

Documentos fiéis

Ao descanso do patrão

Mas o Brasil vai ficar rico

Vamos faturar um milhão

Quando vendermos todas as almas

Dos nossos índios num leilão.”

Legião Urbana, 1986

que pretende a escola básica e seu modo de ensinar e de aprender? Qual sua função na maioria dos países do mundo?

Quando a escola brasileira se organiza para cuidar dos jovens (hoje quase 50.000.000 na educação básica) durante 14 anos de suas vidas, 200 dias em cada ano, somando 2.800 dias, numa média de 5 horas por dia, o que ela pretende?

Eles conversam, aprendem, falam dos professores, criticam autoridades, fazem milhares de lições em casa, leem boa literatura, passam por provas.... isso é muito! A escola cumpre uma função essencial na formação de uma nação. Sem ela as economias não se sustentam e nem o tecido social se organiza. Ela cumpre a função de trazer uma boa convivência, entre tantos interesses em jogo. Ressalve-se que não apenas a escola cumpre tal função: a economia, a política, a cultura, religião .... todos podem trabalhar coesamente na constituição da organização de um país.

E a escola deve melhorar muito, é verdade. Há exemplos mundiais encantadores de qualidade social da escola, como a Finlândia, Canadá, Itália e Coreia. O Brasil merece ter uma escola boa como a Finlândia. Mas o Brasil só a realizará se tiver as condições que lá se construíram para que ela se erguesse como guardiã dos interesses de qualidade de vida de todos seus habitantes e instituições.

Ligo aqui os conceitos de nação com o conceito de escola, mas de uma escola republicana. A escola republicana é aquela que se organiza para cumprir um projeto de nação, não apenas para cumprir o projeto customizado para cada indivíduo. Vamos ver o que é isso. Basta, no fundo, cumprir a Constituição, articulando os objetivos da aprendizagem ao projeto de país, por meio de um currículo coerente.

Cito aqui apenas os Artigos 3º e 4º da Constituição, que dão o tom aos argumentos:

“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – constituir uma sociedade justa, livre e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização, e reduzir as desigualdades sociais e regionais”

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idades ou qualquer outra forma de discriminação.

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A escola republicana é aquela que se organiza para cumprir um projeto de nação, não apenas para cumprir o projeto customizado para cada indivíduo
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Fernando José de Almeida
O

Deputado Ulysses Guimarães mostra a Constituição brasileira, promulgada em 1988

O Artigo 4º da Constituição traz a necessidade da vinculação do projeto educativo e seus direcionamentos para a dimensão de internacionalização da economia, da cultura e da pesquisa, no interior do próprio currículo e, portanto, para as vidas do aluno e do professor.

Art. 4º. “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I - Independência nacional;

II - prevalência dos direitos humanos;

III - autodeterminação dos povos;

IV - não intervenção;

V - igualdade entre os estados;

VI - defesa da paz;

VII - soluções pacíficas dos conflitos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X - concessão de asilo político

O que tem a ver a organização da estrutura curricular e avaliativa da escola com os capítulos 3º e 4º da Constituição nacional? Para responder a tal questão é bom relembrar da organização da escola feita para a produção e reprodução do conhecimento. Ela é um direito de todos, uma responsabilidade do Estado e da família. E para cumprir essa tarefa a escola se organiza em dados padrões, cuja alma é o currículo nacional, regional e local. Pode-se então entender o que ela pretende e dela se pode exigir para desenvolver na juventude um projeto de nação.

Ora, se, até aos 18 anos, os jovens de uma nação passaram em torno de 14.000 horas em atividades educativas - sistemática e continuamente são vividas na arquitetura escolar -, o que se espera que aconteça com eles?

Tais vivências permitem que se sedimentem em suas mentes os valores expressos na Constituição para a cons-

trução de uma vivência de nação. O projeto de vida e os itinerários formativos, decantados como eixos de estrutura do ensino e aprendizagem na BNCC, têm que ter respaldo nas bases constitucionais e não apenas nas tecnologias de aprendizagem e ensino - meros meios que podem ir se arvorando como finalidades em si mesmas.

O foco trazido na contínua retomada das aulas insiste em formatos híbridos e menos nos conteúdos e significados da educação. As metodologias não podem tomar o lugar do valor do projeto de nação e do conhecimento, colocando-os em segundo plano. As tecnologias, por serem rápidas, ubíquas e luminosas, não podem tomar o protagonismo dos valores do conhecimento situado e vivido no cenário complexo e desigual da realidade do território brasileiro.

Todo o conhecimento escolar, para ser significativo, precisa ser trazido da fonte vital dos alunos, dos professores, das comunidades e suas realidades territoriais. É o que a escola tem a descobrir e, em seguida, tratá-los numa dimensão universal e local de seu currículo. A realização do projeto da nação é que articula as vidas das comunidades escolares e de seus conhecimentos dentro da perspectiva de “uma sociedade justa, livre e solidária, de promover o bem de todos, sem preconceitos... na formação, com a América Latina, de uma sociedade integrada cultural, econômica e politicamente”.

é professor de pós-graduação em educação: currículo na PUC-SP e foi secretário municipal de Educação da cidade de São Paulo (2001-2002).

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Fernando José de Almeida Arquivo ABr

APRESENTADO POR

NO ENTANTO, OUTRO ESTUDO REALIZADO PELO BRITISH COUNCIL NO BRASIL APONTOU QUE APENAS 1% DOS BRASILEIROS FALA INGLÊS FLUENTEMENTE.

Essa realidade tem despertado o interesse de pais e familiares em investir no ensino de um idioma adicional para os filhos, abrindo espaço para opções que sejam mais eficientes do que o inglês básico do colégio, porém mais acessíveis do que as escolas internacionais, conhecidas por suas altas mensalidades.

É aí que entram os sistemas de ensino bilíngue, modelos que podem ser integrados ao currículo-base de escolas tradicionais e que se tornam cada vez mais populares em todas as regiões do país. Ainda assim, muitos familiares e responsáveis têm dúvidas sobre o que são esses sistemas e como eles funcionam na prática. “São aulas de inglês?” e “Todas as aulas são em inglês?”, por exemplo, são perguntas frequentemente ouvidas pelos gestores escolares.

De acordo com a pedagoga Regina Madureira, Gerente de Publishing e Qualidade na International School, a resposta a esses questionamentos deve começar com um esclarecimento de quais são os três principais modelos de educação bilíngue disponíveis no Brasil atualmente. “As mais conhecidas são as esco-

las internacionais, que seguem o currículo de seu país de origem. Escolas bilíngues, por sua vez, seguem o currículo brasileiro, mas ministrado em dois idiomas. Já as instituições que oferecem programas bilíngues seguem o currículo normal, em português, mas dedicam uma carga horária estendida a outro idioma (no caso da maioria das opções disponíveis hoje, o inglês)”, explica.

Os programas de educação bilíngue são os responsáveis por difundir e democratizar o acesso do aprendizado qualificado de um idioma adicional a escolas de todos os portes, desde as menores até as grandes redes. Para Ulisses Cardinot, CEO e fundador da International School, referência nesse segmento, o programa de ensino bilíngue qualifica a educação de inglês nas escolas. “A educação bilíngue não é a mesma coisa que uma simples aula de outro idioma. No sistema da International School, o aluno faz uma imersão em outra língua e aprende naturalmente, com o uso de tecnologias e ferramentas adequadas para cada faixa etária, desenhadas por profissionais de educação extremamente qualificados”, conta.

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O PROGRAMA bilíngue dentro da sala de aula

A PROPOSTA DESSE SISTEMA É INTEGRAR O ENSINO DE OUTRA LÍNGUA ÀS DEMAIS DISCIPLINAS DO

CURRÍCULO

— ou seja, não se trata apenas de uma aula de inglês. Por meio de jogos, projetos desenvolvidos em grupo, plataformas online e interações presenciais, o inglês se torna parte de uma metodologia de ensino desenvolvida e pensada diariamente por profissionais de educação. Na prática, o resultado é notado tanto pelos educadores quanto pelos responsáveis. As vantagens do aprendizado do inglês integrado a outras disciplinas é que o idioma passa a fazer parte da vida dos estudantes e cria oportunidades de ensino globais, incluindo estudar em outros países. “Dentro da nossa realidade, podemos citar o exemplo de alunos que estão sendo aprovados no processo seletivo do High School sem ter feito cursos de inglês fora da escola, o que, até pouco tempo, não acontecia”, conta Livia Goldman, supervisora do programa bilíngue no Colégio Santa Madalena Sofia (MA).

Para a especialista, a opção do ensino bilíngue também é um diferencial relevante para as famílias na hora de escolher em qual instituição colocar o filho. “Acredito que, em pouco tempo, as famílias passarão a enxergar o ensino bilíngue como um pré-requisito para matricular as crianças, pois os benefícios são notórios. As crianças aprendem a língua com muita naturalidade, e dá pra perceber o envolvimento e engajamento delas durante as aulas, que ocorrem de forma interdisciplinar e com muita ludicidade”, explica.

O Colégio Santa Madalena Sofia faz parte da Rede Damas, em Maceió, e é uma das mais de 300 instituições de ensino parceiras da International School. Livia conta que o avanço das crianças no aprendizado do inglês desde a implementação do programa é visível. “A cada ano observamos a desenvoltura e a naturalidade com que as crianças estão vivenciando a língua inglesa. Elas já sabem cantar músicas em inglês, alguns pais relatam que os filhos já dominam mais o inglês do que eles. Neste ano vamos lançar um livro com produções escritas dos alunos em língua inglesa. Sem dúvidas, estamos colhendo lindos frutos”, pontua.

Reconhecida por cinco anos consecutivos como o melhor sistema de ensino bilíngue do país pelo Prêmio Top Educação, a International School desenvolve soluções para escolas de todas as regiões brasileiras, da Educação Infantil ao Ensino Médio. Para mais informações, acesse o site: https://internationalschool.global/

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Para expandir conexões neurais

Criatividade ganha espaço nas escolas e mundo do trabalho de tal forma que fica difícil não enxergar seus benefícios e muito menos não estimulá-la desde cedo; conversamos com grandes empresas educacionais sobre como as instituições podem atuar com essa competência

Quando se pensa em uma educação integral e voltada para as necessidades do ser humano do século 21, a criatividade já não pode mais ficar de fora – e de fato vem ganhando força nas escolas, principalmente por ser uma das competências socioemocionais presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Inclusive, este ano será a primeira vez que o pensamento criativo entra no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realizado a cada três anos pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Entre as pouco mais de 90 páginas da Matriz de referência para pensamento criativo no Pisa 2021, desta-

ca-se que todo indivíduo, em menor ou maior grau, tem o potencial de pensar criativamente. “Existe um consenso geral entre psicólogos e educadores de que o pensamento criativo, entendido como envolvimento nos processos de pensamento associados ao trabalho criativo, pode melhorar uma série de outras habilidades individuais, incluindo capacidades metacognitivas, competências inter e intrapessoais e de resolução de problemas, bem como promover o desenvolvimento da identidade, o bom desempenho acadêmico, o sucesso futuro na carreira e o engajamento social”, apresenta a matriz.

É fato que o resultado do Pisa, assim como de avaliações brasileiras como Saeb e Ideb, acaba interferindo nas políticas públicas. O diferencial é que a partir da inclusão dessa competência na avaliação tende a intensificar a defesa da “melhoria da qualidade e igualdade de aprendizagem também sob o viés da criatividade”, acredita Dulce Regina Vieira, diretora editorial do Sistema Piaget.

Para Carolina Lopes, diretora adjunta de soluções suplementares da FTD Educação, se a escola quiser avaliar a criatividade dos alunos, o objetivo deve ser formativo para orientar ações e não de classificar e/ou excluir.

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ESPECIAL | CRIATIVIDADE
WikimediaCommons/Wikipedia
“A imaginação não se torna grande até que os seres humanos, dada a coragem e a força, a usem para criar”, Maria Montessori (1870-1952)

Eny Muniz vai na mesma linha de Carolina ao defender que para as escolas aderirem à avaliação da criatividade, a rigidez deve ser deixada de lado. “Não podemos pensar neste instrumento como um simulado porque a ideia de avaliação já recai, comumente, em ‘nota’. E não é isso que diferentes instrumentos de avaliação desejam medir. O mais importante em processos avaliativos é a coleta, análise, interpretação, reflexão e ação sobre os dados”, orienta a diretora acadêmica da Santillana Educação

Para a eficácia dessa avaliação mais holística, é preciso investir na formação inicial e continuada dos professores, destaca Renata Sanches. “Eles precisam estar preparados e, principalmente, dispostos a trabalhar a parte cognitiva e socioemocional dos estudantes com cada vez mais intencionalidade.” Destaca a gerente de serviços educacionais da Editora do Brasil.

A POTÊNCIA DA SEGUNDA LÍNGUA

Questionado se o fato de lidarem com uma segunda língua por si só já tende a desenvolver a criatividade nos alunos, Marcelo Dalpino, head acadêmico da Cultura Inglesa, diz: “entendemos que o processo de ensino e aprendizagem de uma língua traz embutido o ensino e aprendizagem da cultura de um povo. E, ao aprender sobre outras culturas e outros povos, ampliamos nossos horizontes, abrindo possibilidades para

novas formas de enxergar o mundo. E isso está na base de toda criatividade: a inclusão de múltiplas formas e vozes e toda sua diversidade. Ser criativo é ser aberto ao diverso. É por isso que hoje se fala em diversidade para falar em inovação e geração de novas ideias. O contato com o diverso amplia nosso olhar e nossa capacidade criativa”.

Segundo Silvia Fiorese, o falante bilíngue ou plurilíngue desenvolve uma visão de mundo mais ampliada, pois tem a perspectiva de distintos cenários de comparação, contraste, análise e experiências. “Ao conhecer novas realidades e desbravar novos conteúdos, o aluno enriquece o seu repertório sociolinguístico, desenvolve sua competência comunicativa em qualquer idioma de sua escolha, tendo, assim, mais oportunidades que estimulem a sua criatividade”, diz a diretora acadêmica do Cel.Lep,

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“O principal objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram”, Jean Piaget (1896-1980)
WikimediaCommons/Wikipedia
Em comum, especialistas destacam a importância do protagonismo do estudante e o papel do professor para um ensino e aprendizagem estimulante e com resultado

ESPECIAL | CRIATIVIDADE

Estudiosos como Colin Baker, que se dedicaram a entender a correlação sobre o desenvolvimento da criatividade no contexto do bilinguismo, são citados por Regina Madureira, gerente de publishing e qualidade da International School. “Esses estudos trazem a conexão da aquisição de uma língua e o desenvolvimento da criatividade de maneira efetiva e constante. No caso da International School, a criatividade precisa permear todas as atividades propostas para uma formação holística do estudante, considerando o protagonismo e engajamento no processo.”

Um fator importante no desenvolvimento da criatividade dos estudantes é não limitar ou engessar as possibilidades de soluções que podem ser trazidas pelas crianças ao colocar respostas fixas no material do professor, exemplifica Catarina Pontes, gerente de inovação do CNA. “Em um contexto de ensino que se torna cada vez mais dinâmico e globalizado, e com menos fronteiras físicas, trazer o mundo real para a sala de aula visa a viabilizar mais alternativas que fujam do que é tipicamente esperado, contribui para a fluidez da criatividade de nossos alunos e auxilia o desenvolvimento do pensamento crítico.”

PARA A SALA DE AULA

Estudar, conhecer novas abordagens e estratégias em sala de aula são práticas necessárias para apoiar no desenvolvimento da criatividade do aluno. Eny Muniz, da Santillana, por exemplo, sabe que o maior estímulo que os estudantes possuem é o professor. “Material didático não fala, quem dá voz e vez aos materiais e recursos é o professor. Uma boa dica é estudar sobre as metodologias ativas e seus impactos no processo de ensino e

Fotos:Divulgação

Eny Muniz, sobre avaliar a criatividade, cita

Peter Drucker:

“O que pode ser medido pode ser melhorado”

Segundo Regina Madureira, a educação 5.0 traz visão mais colaborativa do processo de ensino e aprendizagem

aprendizagem. Uma outra dica importante é ler as guias de planejamento dos recursos; nelas estão informações importantes para a própria formação profissional.”

Eny ainda deixa algumas provocações: “qual a função social do educador diante deste contexto? Quem é você, educador, nesta gigante aldeia global do conhecimento, como se reconhece?”

Muito além do plano de aula, Carolina Lopes, da FTD, lembra que o estímulo à criatividade perpassa também pela criação de um espaço livre de julgamentos, onde esse aluno protagonista possa exercitar a curiosidade, arriscar e fazer perguntas sem medo. Carolina também aponta alguns caminhos dos materiais da editora: “buscamos trabalhar textos - verbais e verbo-visuaisque estimulem a criatividade e também o pensamento crítico. Outros vieses importantes são: oferecer aos

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“Pensamento criativo desenvolve capacidades metacognitivas, competências inter e intrapessoais e de resolução de problemas”

Criar e imaginar, elementos importantes para o desenvolvimento da autonomia e de cidadãos mais propositivos, diz Renata Sanches

alunos um repertório variado, diverso, de textos oriundos de diferentes esferas e contextos e proporcionar situações de aprendizagem que mobilizem diferentes competências e habilidades. A criatividade perpassa por essa construção de repertório cultural”.

Renata Sanches, da Editora do Brasil, aconselha que a competência da criatividade não deve ser tratada como um conceito abstrato, e sim como uma maneira de transformar a própria realidade e o ambiente da sua comunidade.

Nos materiais do Sistema Piaget, segundo Dulce Regina Vieira, há espaço de diálogo em grupos e em pares para que o processo criativo ganhe força a fim de gerar novas ideias ou expandir as existentes, frutos dessa interação. “Ao lado da comunicação, da expressão dos pensamentos, está a expressão dos sentimentos e emoções, igualmente fundamentais no desenvolvimento da criatividade...No entanto, é importante que cada educador compreenda a importância do seu papel criativo no processo de ensino e aprendizagem”, esclarece Dulce.

Dulce Regina Vieira: grupos em pares para que o processo criativo ganhe força

“A criatividade é esse elo entre o desenvolvimento da cognição, dos afetos e do ser social”, traduz Silvia Fiorese

“A criatividade é esse elo entre o desenvolvimento da cognição, dos afetos e do ser social”, traduz Silvia Fiorese do Cel.Lep. Sobre abordagem em sala de aula para a criatividade, ela defende dar voz aos educandos. “Criar espaços e oportunidades para a ludicidade, imaginação, humor e fantasia. Favorecer as brincadeiras, os jogos pedagógicos nos quais os alunos possam interagir, pensar fora da caixa e trabalhar a cooperação. Permitir que os alunos sejam agentes nas diversas trilhas de aprendizagem e construção de saberes, na mesma dimensão que o papel do professor facilitador vai se acentuando. Fomentar o pensamento crítico e científico por meio da pesquisa, da elaboração e confirmação de hipóteses. Essencialmente, construir um ambiente acolhedor, respeitoso e democrático. Em suma, praticar a pedagogia da autonomia.”

Fotos:Divulgação

A International School tem uma área para pesquisa e análise de dados do produto, assim, acompanha os desdobramentos na aplicação do material para garantir que a produção considere toda a experiência do usuário. “Temos diversos meios para estimular a criatividade do aluno em sala de aula. Fazer perguntas instigantes que tragam reflexão sobre o assunto proposto, sem necessariamente dar respostas diretas, por exemplo. Em uma atividade podem-se acrescentar graus de dificuldade diferenciados, dando certos desdobramentos para a atividade. Para os estudantes menores, que já são mais criativos de maneira natural, estimular a criatividade com parâmetros mais amplos nas atividades também é uma forma de se proporcionar esse desenvolvimento. Os estudantes dos anos finais podem ter a criatividade estimulada por meio de desafios propostos considerando o engajamento e os temas de mais interesse. Para os educadores estimularem a criativi-

Revista Educação 29

ESPECIAL | CRIATIVIDADE

Para Catarina Pontes, podese brincar com a criatividade por meio do movimento maker, STEAM, PBL, entre outros

dade no processo de ensino, basta que os estudantes sejam inseridos no processo de ensino-aprendizagem como protagonistas. Isso realmente faz uma diferença tangível”, detalha Regina Madureira.

As competências socioemocionais estão se mostrando cada vez mais necessárias, inclusive no mercado de trabalho – conhecimento técnico é importante, mas não basta. “Saber como interagir com pessoas em diferentes contextos e para diferentes propósitos, além de saber identificar e lidar com os próprios sentimentos, são competências fundamentais para o desempe-

nho das mais diversas atividades em situações sociais, acadêmicas e profissionais, cujo impacto é e será analisado e avaliado tanto no presente momento escolar, quanto no futuro na universidade e no mundo corporativo”, afirma Catarina Pontes, do CNA.

A premissa pedagógica da Cultura Inglesa é que o desenvolvimento holístico dos alunos leva e motiva à criação e à inventividade por meio de projetos de artes, de ciências e, sobretudo, da cultura do ‘aprender a aprender’. “É o caso das vivências temáticas, que engajam os alunos com temas contemporâneos e relevantes para cada fase escolar, tendo a língua inglesa como meio de instrução. Com elas, os estudantes conhecem as hipóteses teóricas e colocam a mão na massa para criar seus próprios vídeos, podcasts, sketches teatrais ou até mesmo projetos com base na metodologia design thinking”, explica Marcelo Dalpino.

Marcelo compartilha que aprendeu recentemente com a pesquisadora Simona Petruska (Cambridge Assessment), durante o 10º Colloquium da Faculdade Cultura Inglesa, realizado em parceria com a Cultura Inglesa, que é preciso experimentar o momento, deixar de lado o ‘hiperfoco’ ao conteúdo e valorizar o desenvolvimento interpessoal entre docentes e discentes. “Dessa forma, o professor deve acompanhar os estudantes, fazer perguntas e ensiná-los a formular suas próprias perguntas sobre o mundo. Para que haja espaço para a criatividade e a criação, os professores devem cada vez mais ceder espaço para a agência do aluno. Afinal, como já dizia o linguista Benveniste: ‘é na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito’. E esta é a ‘boniteza’ de ensinar e aprender línguas com nossos alunos.”

“Ser criativo é ser aberto ao diverso”, afirma Marcelo Dalpino

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“É importante que cada educador compreenda a importância do seu papel criativo no processo de ensino e aprendizagem”
Fotos:Divulgação

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Revista Educação 31

O meio ainda é a mensagem MIDIÁTICA

Desde que o teórico de comunicação canadense Marshall McLuhan publicou Os meios de comunicação como extensão do homem , em 1964, o título do primeiro capítulo da obra paira sobre a humanidade como uma esfinge; são quase 60 anos. “O meio é a mensagem”, mesmo que fora do contexto do livro, não é uma afirmação de compreensão imediata ou simples - mas se mantém cada vez mais viva e significativa.

À época, McLuhan se referira aos poucos meios de comunicação de massa que existiam, sublinhando o rádio e a televisão. O que de fato define a perenidade do pensamento é a ideia de que o meio (ou medium , do latim, que se mantém na versão original, ao invés de mean , termo de origem anglo-saxã) não necessariamente se refere à comunicação social, mas pode conectar-se ao campo da educação, sociologia ou mesmo psicologia.

O que o autor pretendia então era chamar a atenção de que a mensagem (entendida como o conteúdo) poderia facilmente ofuscar características do meio em questão que, muitas vezes, apresenta informações até mais relevantes no processo de compreensão do todo. Mais do que isso, os meios e suas características seriam os verdadeiros elementos de transformação da sociedade. Para ele, vivemos nos meios, numa realidade repleta de signos, e não há mensagem sem eles.

É irresistível transferir os exemplos dados por McLuhan, de como o cinema definiu uma nova concepção de tempo e montagem de histórias, para o impacto que a narrativa da internet e de outras mídias digitais produzem hoje.

É comum adultos considerarem o conteúdo do TikTok irrelevante, bobo, ou insignificante. O fato é que os filmes curtos e repetitivos são a mensagem em si, independentemente do que consideramos “conteúdo”. O desafio de se produzir algo rápido, geralmente com música, que atraia a atenção dos pares é a própria mensagem dessa mídia social. O mesmo filme, em uma tela de cinema, não faria sentido algum, nem para os jovens. Em outras palavras, o TikTok é a própria mensagem. Assim como os recortes propositalmente mal feitos de imagens reproduzidas nos “memes” são importantes para o sentido irônico do todo.

A evolução tecnológica da comunicação nem sempre compreendeu isso. A televisão, por exemplo, mimetizava aspectos do rádio (quando um locutor lia uma notícia olhando para a câmera sem o auxílio de outras imagens) e do teatro (quando em planos abertos de narrativas ficcionais, ainda em um palco, antes do advento da telenovela). Já a internet, nos seus primórdios, armazenava textos extensos como um arquivo digital.

Olhando para a educação, sobretudo no que diz respeito à formação de professores no Brasil, ainda parece evidente que vivemos um descompasso com

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É pouco produtivo dissertar sobre inovação metodológica numa aula expositiva, ou sobre cultura digital utilizando apenas a voz
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Alexandre Le Voci Sayad
É comum adultos considerarem o conteúdo do TikTok irrelevante, bobo, ou insignificante.
O fato é que os filmes curtos e repetitivos são a mensagem em si, independentemente do que consideramos “conteúdo”

Para McLuhan, os meios e suas características seriam os verdadeiros elementos de transformação da sociedade

relação ao meio e à mensagem que desejamos transmitir. Quando consideramos aspectos da BNC - Professores (Base Nacional Comum de Formação) como a necessidade de diálogo dos docentes com a inovação, como também inovar o meio? A realidade é que as formações docentes continuam presas aos modelos tradicionais de aulas expositivas, mesmo quando utilizada a tecnologia digital.

Afinal, que mensagem transmitimos quando apresentamos metodologias híbridas ou participativas utilizando uma apresentação de PowerPoint? Mesmo dentro dos congressos e seminários, que são importantes para a formação continuada, explicar a importância do aluno no processo de aprendizagem, sem a presença dos mesmos, é muito comum - e pouco eficiente.

Para comunicadores e educadores há dois aspectos claros nesses casos: os formadores podem de fato não dominar muito o assunto sobre o qual estão falando ou o caminho que apresentam é melhor para os outros do que para eles mesmos. Em outras palavras, é pouco produtivo dissertar sobre inovação metodológica numa aula expositiva, ou sobre cultura digital utilizando apenas a voz. O meio continua comunicando tanto quanto a mensagem e a falta de credibilidade, engajamento e retenção da formação, nesses casos, torna-se evidente.

Há dois desafios gigantescos para que assumamos os meios, mas ambos não são impossíveis de serem solucionados. O primeiro é que a digitalização imposta no começo da pandemia não pode tornar-se mais pretexto para não se inovar - seja utilizando recursos dos universos físicos e digitais (híbridos), ou somente digitais. A

experiência acumulada já permite que em uma simples chamada de Zoom possam ser criadas salas de trabalho ou grupos. Os momentos assíncronos podem servir como um modelo de “sala de aula invertida” para aqueles ao vivo com o formador.

O segundo diz respeito às políticas públicas que devem favorecer a formação híbrida de professores - em massa. Quando falamos de políticas de Estado, saímos da casa das dezenas de professores-discentes para os milhares e o digital torna-se fundamental. A conexão de banda e a fluência digital são fundamentais para que a formação docente não fique restrita à “falação”.

Alguns exemplos simples de formação que seguem a lógica do McLuhan:

Project Based Learning (PBL) ou trabalho por projetos: dispor os princípios dessa metodologia ao longo de um processo de formação. Ele se inicia com uma situação-problema real de cada escola e termina em uma criação de projeto, protótipo ou conceito. O desenvolver do trabalho deve ser feito em grupos de educadores da mesma região.

Mídias sociais e cultura jovem: conduzir a formação de maneira que Facebook, Instagram, SnapChat e TikTok sejam utilizados como forma de expressão pelo educador e pelos educandos. Envolver a participação de estudantes de ensino médio na escuta ativa e condução da formação é essencial.

Metodologias ativas: utilizar uma das metodologias ativas para conduzir a própria formação; permitir que os educandos conduzam e se apropriem dela como de fato se pretende que aconteça com seus alunos.

Empatia e olhar social: conduzir a formação como um desafio de mapeamento comunitário e cocriação de soluções para uma região ou organização parceira. Os projetos são apresentados nos momentos síncronos.

Se criatividade é palavra de ordem na educação para o nosso tempo, ela também deve ser utilizada para formar quem deve estimulá-la.

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Alexandre Le Voci Sayad é jornalista e educador, diretor da ZeitGeist e co-chairman da UNESCO MIL Alliance Reprodução /Library and Archives Canada

EDUCAÇÃO PÚBLICA

Dinheiro privado garante inovação e continuidade

Empresas, institutos e fundações, agrupados no Gife, investiram 5,3 bilhões em projetos sociais, dos quais, 70% foram para a educação pública

Os investimentos sociais realizados pela iniciativa privada em 2020 tiveram um crescimento expressivo de 56% em relação a 2019. Passou de 3,1 bilhões de reais para 5,3 bilhões de reais. Esse aumento está relacionado ao enfrentamento dos efeitos gerados pela pandemia da covid-19 e se reflete na expectativa futura de investimento das organizações. Em 2021, ainda que o investimento previsto não terá se reduzido aos patamares verificados nos últimos anos, tampouco tende a se manter no patamar de 2020.

Esses dados constam do último Censo Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), com 131 organizações respondentes, que significam 81% do quadro

associativo. Desses 5,3 bilhões de reais, em 2020, estima-se que 70% são destinados a projetos de educação (não houve declaração especificando as áreas de investimento). A pesquisa é realizada a cada dois anos e mostrou também que 51 empresas, que representam 39% do total, aportam anualmente em projetos valores de até 6 milhões de reais. Em 2021, a estimativa é que tenham sido investidos um total de 4,2 bilhões de reais, uma queda em relação a 2020 por não terem mais valores usados em ações emergenciais para o combate às consequências da pandemia.

Ao analisar esses dados, Mozart Neves Ramos, que foi o primeiro presidente do Todos pela Educação e hoje dirige a Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados da USP Ribeirão Preto, comenta

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Gustavo Morita Sem recurso, inovação no setor público depende de instituições particulares

sobre a importância do investimento de empresas na educação pública. “Mais do que qualquer outra coisa, essa atuação está provocando a inovação na educação, porque o setor público tradicional tem que arcar com 80% das matrículas da educação básica. É pressionado por uma agenda extenuante no dia a dia e que normalmente não tem nem o tempo necessário para pensar fora da ‘caixa’, porque precisa resolver problemas do cotidiano, em geral muito pesados. São raras as situações em que o setor público sozinho fez a mudança de qualidade em escala”, diz.

Mozart Ramos, que foi também secretário de Educação de Pernambuco e reitor da federal do estado, destaca: “Todas as grandes e importantes experiências, mesmo quando você pega Sobral, por exemplo, foram fruto também da atuação do terceiro setor. O prefeito de Sobral lá atrás era o Cid Gomes, que foi ao Instituto Ayrton Senna pedir apoio pra fazer a correção do fluxo. Tem a Fundação Lemann também atuando, o Itaú Social; em Pernambuco, tempo integral de ensino médio, eu era o secretário, quem fez na verdade e trouxe o modelo pedagógico não fui eu, foi exatamente o terceiro setor, no caso comandado por Marcos Magalhães. A gente teve a coragem de implantar, implementar, ou seja, quem está fazendo a inovação no campo da educação básica é o terceiro setor, e faz isso a partir de pequenas iniciativas. Então, para mim, não é o dinheiro que chama a atenção, é o papel na inovação da educação”.

Há cerca de 15 anos, segundo Mozart, essa atuação cresceu muito, com várias secretarias de educação com projetos de instituições, inclusive aquela em que depois foi diretor, o Instituto Ayrton Senna. Cita ainda Se Liga e Acelera, Fundação Bradesco e outros. “O Todos pela Educação foi uma alavanca importante porque deu escala ao papel do terceiro setor desde sua criação em 2006 e trouxe o debate da educação muito forte para as instituições. Se analisar antes e depois do Todos pela Educação, o papel do terceiro setor passou por uma importante transição.”

Mozart Ramos, também membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), diz que esse valor investido de mais de 3 bilhões de reais é muito rico porque é colocado sobretudo para geração de um produto a partir de um processo, então é um dinheiro muito nobre. “Não é o volume de dinheiro, embora seja importante se considerar. Mas não é para pagamento de pessoal e custeio, mas sim para investir em ações, sem

as amarras que normalmente o dinheiro público tem.” Existe um outro ponto que chama a atenção, segundo ele. Quando o terceiro setor se move, há maiores chances de evitar a descontinuidade da política pública. Isso ocorre na mudança de governo, às vezes nem muda o governo, mas o novo secretário estabelece outras prioridades, há uma reversão de medidas. “Agora, com o terceiro setor envolvido, aí o cara pensa duas vezes para romper. As escolas de tempo integral do ensino médio começaram na nossa gestão como secretário do governo Jarbas Vasconcelos. Na transição para Eduardo Campos, uma transição política muito complicada, só se manteve o programa porque Marcos Magalhães, do ICE, pernambucano com grande prestígio social, foi lá no Eduardo e disse: ‘Olha, a gente tem que manter esse programa’. Então, o papel do terceiro setor são várias facetas, não é só o dinheiro, não é só a inovação, é também a importância política da continuidade da política pública”, conclui Mozart.

Mozart Ramos: todas as grandes e importantes experiências, mesmo quando você pega Sobral, por exemplo, foram fruto também da atuação do terceiro setor. O prefeito de Sobral lá atrás era o Cid Gomes, que foi ao Instituto Ayrton Senna pedir apoio pra fazer a correção do fluxo

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Divulgação

Parcerias de estados e não de governos

Atuação de fundações e institutos tem muito a contribuir para a melhoria do ensino público

Dado o imenso desafio de qualificar a educação pública no Brasil, torna-se cada vez mais fundamental o papel desempenhado pelo terceiro setor, em particular o Investimento Social Privado (ISP). Sobretudo quando consideramos o espaço público como uma dimensão que não é estritamente governamental – como a arena de interação e interlocução entre as três es-

feras governamentais, as organizações da sociedade civil (OSCs), os movimentos sociais e as fundações associadas às empresas e às famílias.

Nas últimas décadas, fundações e institutos passaram por um intenso processo de profissionalização, evoluindo para uma filantropia qualificada, com atuação sistêmica voltada para a produção de bens públicos em interação com os governos e a sociedade civil organizada. Focadas no enfrentamento aos desafios sociais e ambientais existentes no Brasil, uniram-se em prol de grandes causas, buscando oferecer apoio ao poder público, seja no desenvolvimento de projetos ou na produção de evidências para subsidiar a tomada de decisão e a elaboração de políticas públicas assertivas, e fomentando o desenvolvimento e a atuação de organizações da sociedade civil comprometidas com a transformação social.

Cabe destacar que, apenas em 2020, institutos e fundações investiram R$ 1,154 bilhão na educação, valor bem próximo dos R$ 1,157 bilhão de 2019. Esses dados, da pesquisa BISC 2021, mostram que mesmo com o grande investimento em saúde decorrente da pandemia da covid-19, a educação se manteve como principal foco do investimento social privado. Em um cenário extremamente desafiador como o que tivemos, com suspensão emergencial das aulas e implementação de atividades remotas, a situação seria muitíssimo pior sem as iniciativas desenvolvidas por essas entidades, em estreita colaboração com as redes públicas de ensino.

As ações de  advocacy, que buscam impulsionar agendas prioritárias da educação no Legislativo, também são importantíssimas para a transformação da

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Divulgação EDUCAÇÃO PÚBLICA
Ricardo Henriques foi Secretário Nacional de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC e atuou na implantação inicial do programa Bolsa Família

educação. O movimento Educação Já!, lançado em 2018 e liderado pelo Todos pela Educação, por exemplo, reúne um conjunto de medidas necessárias para melhorar a educação brasileira nos próximos anos e tem papel importantíssimo em momentos cruciais da área, como a conquista da constitucionalização do novo Fundeb, em 2020.

Para além do investimento e da articulação na esfera pública, é por meio de iniciativas do terceiro setor na educação que podemos testar metodologias, avaliar seu impacto e corrigir rotas antes da implementação de iniciativas em escala nas redes públicas de educação. Um exemplo disso é o programa Jovem de Futuro, desenvolvido pelo Instituto Unibanco em parceria com secretarias estaduais de Educação, que tem como proposta o aprimoramento contínuo da gestão educacional e escolar pública, buscando ampliar os resultados de aprendizagem dos estudantes, garantir sua permanência na escola e reduzir as desigualdades educacionais. Lançado em 2007, o programa se institui a partir de parcerias de longa duração com os governos e já impactou mais de 3,6 milhões de estudantes em mais de 4.500 escolas públicas de 11 redes estaduais de ensino. E os resultados, aferidos por metodologias canônicas de avaliação, foram relevantes no aumento dos níveis de aprendizagem em matemática e língua portuguesa, na redução de evasão e abandono escolar e na redução das desigualdades educacionais entre escolas e no interior das escolas. E esses impactos positivos foram

observados em contextos de radical heterogeneidade econômica, social e institucional das diferentes redes de ensino parceiras do programa.

O caminho de boas iniciativas educacionais desenvolvidas por fundações e institutos, com resultados positivos na melhoria da educação pública, é a sua manutenção e sustentabilidade como política pública educacional. E isso só se faz com articulação e parcerias de longo prazo. Promover o avanço contínuo da educação é firmar parcerias de Estado, e não de governos. É agir no presente com olhar no longo prazo, uma atuação em décadas buscando transformar gerações.

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Nas últimas décadas, fundações e institutos passaram por um intenso processo de profissionalização, evoluindo para uma filantropia qualificada
Programa Jovem de Futuro já impactou mais de 3,6 milhões de estudantes *Ricardo Henriques é economista e superintendente executivo do Instituto Unibanco Divulgação
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Dores da reinvenção

Diretores de escolas privadas falam sobre desafios e incertezas. Em comum, o exercício de equilibrar questões administrativas com um projeto de escola coletivo em que se exige cada vez mais inovação

Quem é gestor escolar sabe que se trata de uma função que requer dedicação absoluta: acordar com a escola na cabeça, almoçar e jantar com a sala de aula no prato, dormir planejando o dia seguinte e sonhar com a educação do futuro. Não bastasse isso, os tempos contemporâneos tornam tudo mais complexo e urgente: relação com as famílias estressadas pelo ambiente de polarização, necessidade de inovar com poucas certezas, competição acirrada, consolidação econômica do setor, reformas curriculares – tudo junto, misturado e para já.

O cardápio é diversificado e tem todos os sotaques. A revista Educação ouviu mais de uma dezena de diretores de escolas privadas de diferentes estados para saber sobre suas angústias e conhecer suas dores e destacamos alguns desses gestores aqui. “O problema é que dói tudo”, resume Esther Carvalho, diretora do Colégio Rio Branco, em São Paulo, gestora que não apenas toca o dia a dia de duas grandes unidades, mas também se dedica a estudar sobre gestão e inovação, tema de seu mestrado e livros.

Para Esther, trata-se de um cenário que requer múltiplas perspectivas. Por um lado, diz, as escolas precisam se posicionar diante de um contexto novo, agres-

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| Por Paulo de Camargo
GESTÃO
Envato elements

sivo e complexo, em que a dimensão pedagógica clara e consistente seja acompanhada por uma gestão profissional em termos administrativos e financeiros.

Ao mesmo tempo, enquanto constroem um projeto coletivo, as escolas lidam também com a realidade das demandas próprias de cada família – nem sempre possíveis de serem contempladas. “É fundamental ter um olhar atento sobre essas expectativas, trazendo a comunidade escolar para perto e ao mesmo tempo estabelecer os limites do coletivo e da proposta da escola”, acredita a diretora.

Como é comum em cenários complexos, há múltiplas leituras possíveis, mas também há convergências entre o pensamento dos gestores. Entre elas, a convicção de se avançar na profissionalização da escola e da sua gestão. O sonho de escolas que se sustentam apenas sobre ideais pedagógicos, tão comum na origem, cai por terra no cotidiano difícil. Para os diretores, a gestão global é necessária até mesmo para que o valor de um posicionamento pedagógico mais consistente seja percebido.

“O posicionamento estratégico sustentável depende de um projeto de diferenciação – que deve ser pedagógico, mas não só: precisa levar em conta outros fatores, como estrutura e serviços às famílias”, explica João Paulo Salgueiro, do Colégio Salgueiro, em SP.

Os desafios estão na ordem do dia – tanto os atuais como os vindouros. Na comissão de frente, um ambiente de crise econômica que parece não ter fim e já impacta a renda das famílias. Some-se a isso um crescimento demográfico já lento. Assim, a sustentabilidade da educação privada implica não perder alunos para o vizinho e, quem sabe, atrair alguns para o lado de cá.

De olho nesse cenário de fragilidade e com cacife alto, os grupos econômicos mais fortes se movimentam e aceleram a consolidação do setor – dezenas de conhecidas escolas particulares passaram a integrar

suas carteiras nos últimos anos. Da mesma forma, os sistemas de ensino crescem e se apresentam como alternativas possíveis para que as escolas consigam lidar com tantas frentes de desafio.

Não está fácil para ninguém. Mas se há algo que faz parte do DNA dos que se dispõem a liderar projetos educativos é uma esperança inabalável no futuro. Nas escolas, essa confiança atende pelo nome de inovação.

SAÍDA PELA INOVAÇÃO

Não que alguém possa dizer com segurança o que é inovar. Ao contrário, há razoável consenso de que muitas escolas ainda correm atrás de soluções tecnológicas de prateleira e que, no geral, ainda o movimento da transformação digital foi pouco além da transmissão de aulas. Mas, também, há a percepção de que a máquina escolar destravou, e a escola começa a avançar em áreas como a flexibilização curricular, a diversificação dos espaços de aprendizagem, o foco nas competências, a maior participação dos alunos e a busca por novos modelos de ensino e aprendizagem, mais personalizados e próximos da realidade dos alunos. Pelo menos, já se estabeleceu a consciência de que os modelos tradicionais precisam ser revistos.

Assim, as escolas apostam também na possibilidade de um novo pacto com as comunidades que, ao longo do tempo, buscarão projetos mais autorais e nos quais se reconheçam. “Na medida em que a diversidade curricular prolifere, surgirão oportunidades para soluções de nicho, para escolas que não queiram se submeter a pacotes prontos. Vejo boa perspectiva para projetos autorais, com professores também autorais”, pensa Pedro

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“O problema é que dói tudo”, desabafa Esther Carvalho, diretora do Colégio Rio Branco
Gestão global é necessária até mesmo para que o valor de um posicionamento pedagógico mais consistente seja percebido

GESTÃO

Flexa Ribeiro, do Colégio Andrews, no Rio de Janeiro.

“A reforma curricular e o amadurecimento das práticas híbridas abrem um novo caminho, com a possibilidade de parcerias e complementaridade entre instituições, inclusive de regiões diferentes. No Andrews já estamos aplicando soluções desenvolvidas pelo nosso corpo docente”, exemplifica o diretor.

Isso traz como consequência menor dependência dos modelos pré-formatados e a aposta no desenvolvimento de processos de curadoria e construção do próprio material de ensino, sejam físicos ou digitais. “As soluções padronizadas não criam diferenciais e levam ao nivelamento, restando aos pais uma guerra de preços”, acredita Renir Damasceno, diretor pedagógico do Colégio Amadeus, em Aracaju, SE.

Qualquer que seja o caminho adotado, os gestores escolares sabem que a formação de equipes cada vez mais qualificadas é essencial. Para Ana Paula Piti Azevedo, sócia da Diálogos Viagens Pedagógicas, consultora que conversa rotineiramente com gestores, a maior dor das escolas está na formação das equipes. Isso significa acrescentar às competências dos educadores aquelas que são necessárias no século 21 e não fizeram parte de sua formação inicial. “Apenas assim será possível assimilar de forma ativa as transformações, resistir e ressignificar a escola como espaço de aprendizagem: fortalecer o ambiente físico; encontrar lugar para o digital e envolver todos os agentes nessa construção”, acrescenta.

“Inovação na escola tem natureza incremental, não disruptiva. Envolve o estabelecimento de uma cultura organizacional construída a partir do equilíbrio en-

Pedro Flexa

Ribeiro, do Colégio

Andrews, vê boa perspectiva para projetos autorais, com professores também autorais

tre três elementos: desenvolvimento de pessoas, manutenção de propósito e infraestrutura”, define Esther Carvalho, do Rio Branco.

Visão semelhante tem André Pedr’Angelo, CEO da Escola Toque de Mãe, em Cuiabá, MT. “Todo e qualquer desafio devem ser enfrentados a partir de uma cultura sólida. Se esta tarefa ficar somente a cargo do gestor, com todo o time somente na retaguarda, os desafios se tornam crises”, ensina.

REFORMA CURRICULAR

Se o tema é cultura, as escolas devem agora passar por uma verdadeira revolução cultural, com a chegada do novo ensino médio. Isso acontece por muitas razões. Nas escolas privadas, os gestores sempre criticaram a forma como os vestibulares acabam por influir nas escolas pedagógicas. É o caso da diretora do paulistano Colégio Passo Seguro, Mara Custódio, para quem as escolas ainda estão presas nos moldes curriculares requeridos pelos grandes vestibulares, sem ter clareza do que realmente importa na formação escolar.

Por essa razão, o período de mudanças estruturais no currículo induzidas pelos novos marcos regulatórios da educação poderia ser visto também como uma fase de possibilidades para as instituições de ensino que querem se transformar.

“Soluções padronizadas não criam diferenciais e levam ao nivelamento”, acredita Renir Damasceno do Colégio Amadeus

Ou não: para alguns, como Maurício Tricate, diretor administrativo do Colégio Magno, boas oportunidades de modernização da educação brasileira, como a reforma do ensino médio, correm o risco de se perder, sem provocar mudanças verdadeiras. Para ele, há uma grande disparidade entre a intenção transformadora das medidas e a sua efetividade. O efeito, na avaliação de alguns, pode ser ainda pior. Do ponto de vista de Antonio Sergio Ferreira Brandão, do centenário Colégio Ofélia Fonseca, em São Paulo, a complexidade do cenário como um todo aponta para o risco de persistência da grande desigualdade educacional brasileira. “Essa é a grande dor que devemos enfrentar”, conclui.

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TRANSFORMAÇÃO

Que a escola dos sonhos se torne realidade

Uma sala de aula composta por meninas negras onde a professora propõe o tema da aula do dia: “A gente vai falar sobre a escola dos sonhos. Como é a escola que vocês sonham?”. Com a imaginação correndo solta, as proposições vão desde aulas sobre o espaço sideral à inclusão de rap na aula de música - uma escola que não tenha racismo, mas que tenha piscina e mais meninas negras, entre outros pontos. Essa é a discussão que inicia o minidocumentário Por que preciso voltar à escola?, dirigido pela criadora de conteúdos e empresária Ana Paula Xongani por meio da iniciativa Creator’s for Change promovida por Michelle Obama em parceria com o YouTube. No vídeo, Xongani rememora sua relação com a escola e as relações que ali aconteciam por meio de uma carta a sua filha, indagando por que esse ambiente que lhe traz memórias duras de desafeto e solidão é aquele ao qual ela, agora mãe, também “entrega” sua filha.

Em outubro de 2021, a organização Todos pela Educação lançou o Educação Já 2022, uma proposta de agenda estratégica para a educação básica brasileira, com vistas à necessidade constante de discutir e propor caminhos para políticas públicas a serem implementadas em prol de uma educação de qualidade para todos. Os tópicos que organizam o documento estão dispostos em dois pilares: ações para mitigar os impactos da pandemia na educação brasileira e ações estratégicas e sistêmicas para a educação básica. No primeiro pilar, são tratadas questões que perpassam: a evasão escolar; ações de acolhimento; superação de lacunas de aprendizagem e a inclusão digital. Todos aspectos emergentes que não surgiram com a pandemia, mas, sem dúvida, foram impulsionados e explicitados por ela.

Dos quatro itens citados, vejo a realização de ações de acolhimento de modo transversal, uma vez que para garantir que todos permaneçam ou retornem à escola e que nela sejam acolhidos para que tenham ali retomada a rotina estudantil em prol de seu desenvolvimento integral é necessário cuidar de todas as crianças para que todas

Multiempresária, Ana Paula Xongani realizou um minidocumentário sobre educação para meninas negras com apoio de uma iniciativa de Michelle Obama

possam aprender, e é nesse aspecto que retorno ao documentário de Xongani. Ao longo do filme, um grupo de especialistas discorre sobre como se dão as relações das meninas negras na escola. Os dados são alarmantes. O primeiro aspecto é do pertencimento; esses corpos não estão presentes nos currículos, e além disso, as relações, desde a mais tenra infância, são pautadas pelo racismo e machismo, uma vez que o racismo estrutural se desdobra pelos estereótipos de gênero; e o quanto isso impacta no comportamento dessas meninas, cuja resposta pode vir na forma de timidez, desinteresse ou até agressividade. A agenda da educação em 2022 traz grandes desafios para educadores, famílias e poder público, por isso, não podemos perder de vista que no momento em que práticas pedagógicas são revistadas, há que se pensar em como transformar os modos de aprender e de ensinar, percebendo as potencialidades e especificidades que estão postas. Afinal, como concluiu Ayoluwa, filha de Ana Paula Xongani, o que se espera é que aquela escola dos sonhos se torne realidade.

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O primeiro aspecto é do pertencimento; os corpos negros não estão presentes nos currículos
Damaris Silva mestre em letras e especialista em gestão escolar
Reprodução/Facebook

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Sou o ambiente digital de aprendizagem da FTD Educação.

Comigo, gestores, professores e estudantes se conectam em um espaço sempre atualizado, integrado, seguro e perfeito para criar, compartilhar, interagir e levar a Educação além.

Minha biblioteca oferece mais de 14 mil livros digitais, além disso, tenho mais de 32 mil recursos virtuais.

Tenho um banco com mais de 68 mil questões para todos os níveis de ensino

Possuo integração com as melhores ferramentas, para transmissões de aulas virtuais, quando e onde você estiver

Para facilitar o acesso, professores e alunos podem organizar os seus conjuntos de livros favoritos.

Na agenda, professores e alunos organizam suas tarefas, conferem horários e acompanham os status das entregas em tempo real.

Os meus conteúdos digitais podem ser avaliados por todos os usuários, possibilitando um canal direto de feedback

Ofereço relatórios estruturados por habilidade e atividade, que permitem o acompanhamento do desempenho dos estudantes.

O mural é o local de interação entre alunos e professores. Nele, é possível publicar avisos, tirar dúvidas e acompanhar o desenvolvimento das turmas.

Licença anual de uso. Consultar disponibilidade do projeto na sua região.

ITINERÁRIOS FORMATIVOS

No Brasil das desigualdades

no coração da Amazônia que está localizada a Escola Zaida de Melo Freire Viana, no Seringal Jaminawa do Baixo Rio Tarauacá. Pertencente à cidade do Jordão, Acre, a instituição fica a cerca de quatro horas da cidade com o trajeto feito apenas pelo rio. Só se chega ao Jordão de barco ou avião de pequeno porte, sendo uma das cidades do estado mais isoladas, registrando pouco mais de 8 mil habitantes, incluindo um grande número de indígenas do povo Huni Kuin.

A Zaida é uma escola pública rural de ensino médio. Ribeirinhas, as famílias dos alunos sobrevivem, por exemplo, da caça, pesca, pequena produção de açaí e farinha, além do Bolsa Família (rebatizado de Auxílio Brasil). Ali o novo ensino médio (NEM) aparece discretamente apenas com o projeto de vida, contudo, a escola ainda não implantou o NEM.

Por conta da pandemia, enquanto o estado de São Paulo anuncia para o início deste ano a implantação do novo ensino médio em escala para as redes de ensino, na Zaida os alunos ainda vão concluir os anos letivos de 2020 e 2021. Em setembro é que começa 2022, incluindo, quem sabe, os itinerários formativos.

O desafio da lei de chegar para todos É

Sobram desafios para a gestora, para o único coordenador de todas as disciplinas, e os 22 professores da Zaida, cuja escola rural é fragmentada: o polo é no Seringal Jaminawa, mas há 17 anexos com um total de 313 alunos, sendo que quatro são indígenas. Nem todos os anexos possuem os três anos do ensino médio. Alguns só possuem o 1º ano, outros só o 2º ano. Quando num mesmo anexo há uma turma do 1º e outra do 2º ano elas se misturam, só o 3º que não é misturado. Internet existe apenas na escola-polo. A gestora Neusimar Cornélia de Jesus Lima passa a maior parte do tempo no Núcleo de Educação da cidade do Jordão e visita os anexos em determinados períodos. Do Núcleo de Educação para a Zaida, a escola-polo, o trajeto é feito em torno de quatro horas com barco mediano.

Segundo a gestora, é comum alunos que terminam a educação básica participarem de processos seletivos e se tornarem professores de suas comunidades.

Um grande desafio atual, esse por efeito da pandemia, é a ausência dos estudantes nas aulas presenciais. “Eles adoecem e ficam receosos. Temos que fazer busca ativa desses alunos, pedir para os professores não deixarem eles abandonarem e assim irem à escola pelo menos os dois dias que estão sendo presenciais. No remoto eles têm apoio do livro didático, professor marca conteúdo para estudar e nos encontros tiram dúvidas”, explica a gestora.

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escandalosas e de dimensões territoriais continentais, o currículo flexível do novo ensino médio começa a valer este ano com divisões claras: há escolas e professores muito bem orientados enquanto há aqueles que se sentem perdidos
Na Amazônia acriana, há alunos que adentram a pé uma hora e meia na mata até um dos anexos que correspondem à escola rural Zaida Arquivo pessoal

ofertando itinerários formativos

SEM DIVISÃO POR SÉRIE

No Mato Grosso do Sul, a pequena cidade de Selvíria tem apenas uma escola pública de ensino médio, a Escola Estadual Ana Maria de Souza. A 399 quilômetros da capital, Campo Grande, e a 186 quilômetros de Araçatuba, interior de São Paulo, possui pouco mais de 6.287 habitantes.

Ano passado, Mato Grosso do Sul implantou modelos pilotos de itinerários formativos em algumas escolas. O período vespertino da escola de Selvíria foi um deles, cuja saída para os selvirenses foi três salas de itinerários formativos mistas, ou seja, nos itinerários os alunos do vespertino do 1º, 2º, e 3º ano se misturavam – modelo se manteve este ano, criando salas por áreas do conhecimento e não por série. “Cada semestre teve um tema que desenvolveu habilidades e competências necessárias para aquele período. Este ano serão outros temas tratados em cada itinerário formativo”, explica a diretora Cleide de Oliveira Silva, professora do estado desde 2000.

Ao todo são 465 alunos oriundos de famílias carentes. A educação de Selvíria recebe apoio da Coordenado-

Por dentro dos itinerários

A Lei 13.415 de 2017 aumenta a carga horária do ensino médio de 2.400 horas para 3.000 horas e define uma nova organização curricular dividida em duas partes, os conteúdos obrigatórios pautados pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que devem ter até 1.800 horas, e a principal mudança, a criação de itinerários formativos com 1.200 horas – segundo o Ministério da Educação, um conjunto flexível de disciplinas, projetos, oficinas, núcleos de estudo, entre outras situações que fazem os estudantes escolherem a área em que querem se aprofundar. Ou seja, no novo ensino médio (NEM) cada escola tende a criar diferentes ofertas de itinerários, deixando de haver o mesmo modelo para todo o país. Contudo, na educação pública, especialistas divergem se de fato a escola e o aluno terão poder de escolha. O NEM entra em vigor a partir de 2022.

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A diretora Cleide de Oliveira afirma que tiveram apoio do coordenador do ensino médio da secretaria de Educação do MS e da Coordenadoria Regional de Educação Tânia Regina, diretora-adjunta em Selvíria, é otimista quanto às mudanças educacionais
Piloto ano passado, a única escola pública estadual de Selvíria, MS, entra em seu segundo ano
Fotos: Arquivo pessoal

ITINERÁRIOS FORMATIVOS

Na única escola pública com ensino médio de Selvíria, MS, a alternativa para oferecer três itinerários foi misturar as turmas do 1º, 2º e 3º anos

ria Regional de Educação (CRE) de Três Lagoas - representada aqui por Marizeth Bazé Kiill - que também atende outras cidades próximas, contemplando 18 escolas, mais assentamentos e escolas de campo. Marizeth conta que fizeram escutas com os estudantes: “em cima da escuta foi feito o redesenho curricular para formar as salas, tudo para atender à vontade do aluno”.

A maioria dos alunos escolheu a área de linguagens, depois ciências da natureza, ciências humanas e poucos, matemática. Já no noturno a maior parte optou por curso profissionalizante, formando, então, duas salas profissionalizantes e uma mista com itinerários de linguagens e ciências humanas.

Com a implantação do novo ensino médio, a coordenadora regional Marizeth Bazé assegura que os professores não vão trabalhar a mais. “Vão trabalhar o mesmo tempo do ano passado, a carga horária foi respeitada, com a mesma quantidade de aula que tinha. A preocupação do professor é que ele tem que se preparar melhor, aquele professor que não gosta de estudar vai ter que ampliar mais seu discurso para poder levar resposta ao aluno.”

Com 20 anos de sala de aula, Marizeth afirma que passou por vários obstáculos e que eles fazem parte da carreira. “Nossos professores sempre compraram desafios. Já tivemos várias mudanças e acho que ser professor é isso.”

A diretora-ajunta Tânia Regina Palma, assim como as outras duas educadoras, é uma otimista do novo ensino médio por crer que dialoga, de fato, com as necessidades e o momento atual dos jovens. “A adaptação não será tão rápida porque estamos saindo de

uma educação muito conservadora e de muito tempo. É uma evolução no ensino e creio que surtirá efeito. Aluno passa a estudar tudo em um contexto interdisci plinar, penso ser bom a integração de conhecimento e o aluno com direito de escolher as disci plinas com que tem mais afinidade.”

Sobre como avaliar os alunos durante os itinerários formativos, Tânia afirma que não deve ser em cima de uma nota de zero a 10, a participação e envolvimento do jovem devem ser considerados. “Itinerário não é disciplina, é aprofundamento.”

Produtor agrícola é o curso que será oferecido no profissionalizante, com duração de um ano e com as turmas dos três anos do ensino médio misturadas. Para essa escolha do curso, a diretora Cleide e a diretora-adjunta Tânia também ouviram a prefeitura e a secretaria de Educação do município. No próximo ano um novo curso será ofertado e assim por diante. O aluno que hoje ingressa no 1º ano, ao passar pelas três etapas do médio e se formar, terá além da formação geral básica, certificado de três cursos.

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Coordenadora regional do MS, Marizeth
Bazé assegura que os professores não vão trabalhar a mais para a reforma acontecer
Arquivo pessoal

MUITO TRABALHO

Enquanto a diretora da escola rural do Jordão, Acre, Neusimar Cornélia, ainda não recebeu nenhuma informação sobre os itinerários formativos, na cidade de São Paulo - cuja implantação em escala já começou –alguns professores ouvidos pela reportagem afirmam se sentirem perdidos porque vão dar itinerários este ano só que ainda não compreenderam como será na prática. Indagada se tais ausências de orientações não são um problema, já que a lei determina 2022 como obrigatoriedade da implantação, Katia Smole, diretora executiva do Instituto Reúna e conselheira do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, defende que cada estado brasileiro vive momentos diferentes de implantação, considera que a pandemia atrasou alguns processos, mas afirma: “posso garantir que todas as unidades federativas de alguma forma fizeram projetos pilotos, fizeram algumas escolas experimentais para poder ajustar aquilo que depois precisaria ser feito em escala. Garanto que não há nesse país nenhuma unidade federativa que não tenha feito alguma formação com seus professores desde 2019. Agora, dizer que todos os professores estão preparados é chover no

molhado, é dizer não. Mas dizer: as redes estão se organizando para apoiar seus professores? Muito”. Para ela as ações já realizadas ainda não são suficientes porque essa inovação exige tempo, depende de processos e o importante é começar.

Katia, que foi Secretária de Educação Básica no Ministério da Educação e membra do Conselho Nacional de Educação (CNE), conheceu os currículos de todos os estados brasileiros e conta que Pernambuco está fazendo um modelo de estudo com estudantes para poder ofertar os itinerários e que o Rio Grande do Sul deve fazer o mesmo ano que vem. “Isso é importante porque mostra que a implementação não está sendo feita de jeito apressado: vamos oferecer; é natural que diretor diga que está ficando ‘doido’, porque tem fase de acomodação. O que não pode acontecer é ficar sozinho, não pode não ter formação: toma que itinerário é seu e se vire.”

Goiás e Distrito Federal também são citados por Katia como avançados na implementação. Ela indica ainda um material feito pelo estado de São Paulo para apoiar a comunidade escolar sobre os itinerários formativos (https://novoensinomedio.educacao.sp.gov.br/). O que se percebe é que este ano será de preparo dos professores e escutas dos estudantes. Com isso, a efetivação dos itinerários, pelo menos na maioria das escolas, tende a começar ano que vem com o 2º ano do médio. “Estamos dentro do previsto, não precisamos que todo mundo compreenda tudo, mas é preciso ter ideia”, esclarece Katia Smole.

CONTRASTES ENTRE ESPECIALISTAS

Katia Smole: “dizer que todos os professores estão preparados é chover no molhado, é dizer não. Mas dizer: as redes estão se organizando para apoiar seus professores? Muito”

Monica Ribeiro da Silva pede a revogação da Lei 13.415. Com pós-doutorado na Faculdade de Educação da Unicamp e professora titular na Universidade Federal do Paraná (UFPR) desde 1994, ela é também a coor-

Revista Educação 51 Arquivo pessoal
“Estamos dentro do previsto, não precisamos que todo mundo compreenda tudo, mas é preciso ter ideia”, esclarece Katia Smole

ITINERÁRIOS FORMATIVOS

denadora do Observatório do Ensino Médio da UFPR, que possui pelo menos 30 pesquisadores de mestrados e doutorados. “Pesquiso política educacional há 30 anos. Tenho certeza de que os problemas desse novo ensino médio na prática vão começar a aparecer.”

Em entrevista ao jornalista Eduardo Marini para a edição de setembro de 2018 da Educação, o sociólogo Cesar Callegari, que no mesmo ano deixou a presidência da Comissão Bicameral encarregada da Base Nacional Comum Curricular do Conselho Nacional de Educação, disse: “Considero a Lei 13.415 e a BNCC do ensino médio do MEC excludentes, reducionistas e com potencial claro para agravar as desigualdades educacionais...o que se propõe agora não é uma garantia de boa educação a todos esses jovens, e sim um rebaixamento a um mínimo supostamente possível de ser feito para todos, diminuindo a importância de história, geografia, filosofia, enfim, das outras cadeiras além de português e matemática, que costumam ser mais cobradas em testes internacionais que trazem imagem política maquiada em caso de melhora nos índices, ainda que a educação geral não tenha mudado. Na prática, isso vai oferecer um ensino pobre aos pobres”.

Katia Smole rebate: “professores não vão perder aula. Isso é mentira. Não deixou de ter filosofia, sociologia, pelo contrário, os itinerários formativos estão trazendo mais aulas de sociologia, filosofia, física, química”.

Ainda sobre os problemas da lei, Monica Ribeiro deixa claro que há uma fragmentação curricular entre a formação geral básica e os itinerários formati-

vos que fragiliza o conceito de ensino médio como educação básica: “porque cada estudante é levado a um caminho e isso faz com que ele perca, ao contrário do que dizem que ele ganha com a flexibilização, ele perde. Aquele estudante que for fazer o itinerário da formação técnica e profissional, por exemplo, ele deixa de ter acesso a um conjunto de conhecimento da ciência, da estética, da arte. E não haverá escolha porque a lei diz que o sistema de ensino vai colocar a oferta conforme a sua disponibilidade”.

O ensino técnico do NEM também permite a contratação de empresas, gerando uma parceria público-privada criticada duramente por Monica. “Há todo um interesse do setor privado empresarial do Brasil em monitorar a formação desses jovens canalizando para seus próprios interesses. Um deles que predominou na regulamentação da lei é a noção de empreendedorismo.”

Cada estado tem na lei a permissão de regulamentar seu currículo da maneira que achar melhor. Ou seja, há critérios do estado e não somente de cada escola, o que para muitos tende a intensificar problemas antigos. “Mesmo no sistema escolar público já há desigualdade entre setor, você tem escolas com melhores condições, outras com piores, desigualdades territoriais, no trabalho docente, na falta de acesso à internet. Sistema escolar brasileiro tem uma estrutura muito desigual e a fragmentação curricular, a depender inclusive dos itinerários a serem oferecidos, tende a aumentar a desigualdade criando segmentação, segmentação como palavra cientifica que diz: a depender dos grupos sociais, o sistema de ensino oferece um tipo de currículo e tende a ter uma maior segmentação escolar com a oferta dos itinerários”, detalha Monica Ribeiro.

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“Sistema escolar brasileiro tem uma estrutura muito desigual e a fragmentação curricular, a depender inclusive dos itinerários a serem oferecidos, tende a aumentar a desigualdade”, critica Monica Ribeiro
Arquivo pessoal A pós-doutora Monica Ribeiro da Silva quer a revogação da Lei 13.415

PAPEL É POWER

No Brasil, 90% da energia usada pelas indústrias de base florestal tem origem renovável. Papel vem de

matéria-prima

renovável: árvores cultivadas.

Two Sides é uma organização global, sem fins lucrativos, criada na Europa em 2008 por membros das indústrias de base florestal, celulose, papel, cartão e comunicação impressa. Two Sides, a mais importante iniciativa do setor, estimula a produção e o uso conscientes do papel, da impressão e das embalagens de papel, bem como esclarece equívocos comuns sobre os impactos ambientais da utilização desses recursos. Papel, cartão e papelão são provenientes de florestas cultivadas e gerenciadas de forma sustentável. Além disso, são recicláveis e biodegradáveis.

Papel, cartão e papelão: uma ótima

história ambiental para contar

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Fonte: Relatório IBÁ, 2020.
L OV E PA PE R lovepaper.org.br twosides.org.br

Colégio Nossa Senhora da Misericórdia, Rio de Janeiro

Tecnologia educacional que agregue

Atenta às necessidades atuais e com ensinamentos oriundos da pandemia, material didático 100% digital já é realidade em instituição carioca

OColégio Nossa Senhora da Misericórdia possui três unidades em São Paulo: Campinas, Osasco e Vargem Grande Paulista, e mais uma na cidade do Rio de Janeiro. Daniele Andrade é diretora pedagógica da unidade mais antiga, a carioca, que completou 94 anos. Seu laço e aprendizagem com o colégio perpassam por diferentes fases da sua vida - como aluna, tendo concluído todas as etapas da educação básica, como professora a partir de 1997, e desde 2012 atua na gestão da instituição. “Sou muito agradecida. Tem toda uma história, um sentido de pertencimento que me ajuda e me fortalece e uma gratidão de poder acompanhar durante esses anos vários momentos da instituição”, comenta Daniele.

Alinhado às transformações da sociedade e buscando instigar cada vez mais o aluno, o colégio, já adepto de uma plataforma digital para professores e estudantes, em 2022 ousou ao aderir ao material didático 100% digital para o 1º ano do ensino médio, cujo acesso será na plataforma que utilizam. “O material digital foi um facilitador para esses novos formatos de aula em que nós precisávamos de uma bateria de exercícios, desde a leitura de um capítulo até a contação de uma historinha na educação infantil. E este ano estamos implementando nessa construção do novo ensino médio todo esse projeto com os alunos do 1º ano. Eles receberão um Chromebook com uma biblioteca de acesso tanto da formação geral básica quanto dos itinerários formativos. E os professores, ainda que os itinerários

Com 94 anos de história, colégio vive fase de análise e expansão cuidadosa de seu projeto tecnológico

FUTURO DA ESCOLA Série
pela
apoiada
Divulgação

tenham sido apresentados, terão a oportunidade de colocar ali na plataforma emendas, além do acesso à própria biblioteca”, explica a gestora.

Para a utilização desse material, as famílias precisam liberar uma licença a qual permite que o aluno tenha acesso a um Chromebook em sala de aula e ao seu conteúdo didático disponível para ser acessado em qualquer equipamento, mesmo fora da escola. Apesar de esse recurso digital começar com o ensino médio, após avaliar os resultados, existe a possibilidade de expandir para outras turmas e cursos. “Já estamos preparados para fazer esse comparativo e apresentarmos às famílias. Contemplamos os ganhos como a otimização do tempo, da linguagem, da fluidez da construção dos pensamentos e da construção do conhecimento. Estamos bem atentos para poder avaliar e ponderar se é o caso de ampliar, posteriormente, para toda a instituição, entendendo que a tecnologia também é um caminho”, pondera.

A unidade caminha para um total de 500 alunos e uma média de 120 educadores/funcionários, atendendo da educação infantil ao ensino médio, sendo que os primeiros anos do ensino fundamental possuem a possibilidade de contraturno, que vai das 7h até às 19h. A mensalidade gira em torno de 1.000 a 1.500 reais. “Procuramos desenvolver ao máximo referenciais ao que é oferecido em relação ao perfil dos profissionais e ao ambiente que é preparado e personalizado. Nos apresentamos como uma escola forte e afetiva, somos conectados por uma educação que contempla toda a formação humana integral e dentro deste aspecto não perdemos a força da questão formal da educação que é a preparação desses alunos enquanto estudantes. Como estamos focados na formação humana e integral, automaticamente acreditamos que se abrirão portas para as escolhas futuras, para o posicionamento deles enquanto indivíduos, cidadãos e, principalmente, enquanto seres humanos”, detalha.

Novidade

A gestora Daniele sabe da importância de preparar constantemente o educador. “Na formação ele adquire tudo aquilo que é exigência, além de um perfil que seja apto e potente dentro de suas ações educativas e de suas práticas - com um olhar humanizado. O educar e o cuidar são indissociáveis e esse educador que cuida também precisa ser cuidado, também precisa ser olhado. Então nós buscamos, dentro de uma gestão democrática, compartilhada, atuante e humanizada, encontrar esses diferenciais entre nós, para que faça sentido primeiramente o nós, para que possamos estender à nossa comunidade por meio da nossa ação educativa.”

O colégio pretende continuar investindo em tecnologia, uma vez que entende que esse é o caminho. “Vejo uma escola do futuro como uma escola tecnológica. A pandemia trouxe esse avanço e não vejo como podemos perder aquilo que conseguimos avançar e adquirir no sentido mais profundo e produtivo para a aprendizagem dos alunos. Tudo aquilo voltado para a tecnologia que veio para agregar valor à aprendizagem, isso precisa realmente perpetuar e se desenvolver cada vez mais”, conta Daniele.

Nessa instituição a formação continuada é chamada de formação carismática e formação pedagógica.

Ainda sobre o futuro, ela também aponta uma forte necessidade do ensino da língua inglesa por meio de um projeto bilíngue que, mesmo tendo imersão na fluência e oralidade, dialogue com processos criativos, tecnológicos e metodologias avançadas. “Vejo também muito da importância de se voltar à raiz daquilo que congrega, daquilo que é significativo dentro de cada instituição e acredito que cada instituição deva encontrar as respostas de acordo com a sua própria essência”, conclui.

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Divulgação
contém Chromebook com biblioteca de acesso tanto da formação geral básica quanto dos itinerários formativos
Daniele Andrade: “Educar e o cuidar são indissociáveis e esse educador que cuida também precisa ser cuidado”

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara

Mergulhar na obra de José Saramago pode nos engrandecer e nos arrancar dos embotamentos dos olhos e da alma. Neste ano comemora-se o centenário do clássico escritor português. “Penso que não cegamos, penso que estamos

José Saramago, escritor português, Nobel de Literatura em 1998, é tão lido no Brasil - como Padre Antônio Vieira, Camões, Eça de Queirós e Fernando Pessoa - que parece pertencer ao panteão de escritores brasileiros. Sua literatura carregada de simbolismo e de inquietações acende fagulhas na escuridão ou no clarão cegos do nosso cotidiano. Seu centenário merece ser reverenciado pela vastidão e importância de sua obra e, sobretudo, pelo o que ela agrada e incomoda. Se a literatura vem se constituindo no mais profundo mecanismo de mergulho na alma humana, em busca dos sentimentos terríveis e sublimes que nos inundam, nas obras de Saramago esse mergulho em águas turvas de nossa essência traz à superfície inquietações que, bem lidas - depois do susto, é claro -, podem nos engrandecer e nos arrancar dos embotamentos dos olhos e da alma. Porque é nelas e em escritores como ele que os seres humanos, em sua saga sobre a terra e sob o sol, têm conseguido arrancar dos filamentos de suas psiquês fios que permanecem escondidos e inacessíveis. Filetes de existências que desaparecem na cegueira violenta de nossas existências.

Ensaio sobre a cegueira, publicado em 1995, nasceu clássico porque atravessa o tempo. Como sugere o escritor italiano Ítalo Calvino, em Por que ler os clássicos:

“Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. Nele, Saramago articula a metáfora da cegueira branca. Um evento estranho, inacreditável e pandêmico que acomete toda uma comunidade e lança luz às mazelas humanas. Com a progressiva contaminação das pessoas, o governo toma

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cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem”
Opera propria | CC BY-SA 4.0 DIÁLOGOS
José Saramago a Siena, Santa Maria della Scala, per la conferenza Il diritto e le campane

medidas emergenciais: fechamento de fronteiras, confinamento, racionamento de remédios e de alimentos e muitas outras que nos falam alto porque se assemelham com as que, nesses tempos bicudos, vivemos. A estranha cegueira branca, sem causas fisiológicas e anatômicas, se alastra pela sociedade e incomoda porque é distinta da convencional e porque é branca, clara, como um mar de leite.

A primeira vítima da cegueira branca e da violência que dela emana é um motorista que subitamente se encontra acometido do mal. É ajudado e roubado por um transeunte que aparentemente iria lhe ajudar. Em seguida, o que se presencia na leitura é a revelação dessa cegueira nossa de cada dia, latente, corrosiva e cruel. A violência, a maldade, a sordidez, a indiferença, a mesquinhez e tudo o que pulsa de egoísmo salta aos olhos de quem lê. Verdade que há, na obra, um sopro de solidariedade na personagem feminina – a mulher do médico - que a todo custo tenta resgatar da barbárie cega os contaminados.

Se um clássico é um livro que insiste em dizer o que ainda nos falta, ler e ouvir, Ensaio sobre a cegueira assombra com sua cegueira leitosa porque acusa sem pudor a nossa. Na obra, a violência encontra lugar no encarceramento e na privação de visão e de sentidos. O abismo moral se abre em fenda imensa e contínua. Bestificados, olhamos para o livro e perguntamos: “Que coisa é o homem, meu Deus?”. No entanto, fechadas as páginas, não estamos longe de nos precipitar feitos cegos nesse abismo de insanidade e cólera.

O assassinato de Moïse Kabagambe, numa sequência absurda de socos e pauladas, num desejo latente e lancinante de matar, de bater, de espancar, ressoou nas redes sociais e na mídia. Não paralisou as ruas, não movimentou a sociedade, além de grupos sociais engajados. Não incomodou como deveria. Há, naquele crime hediondo, séculos de raiva e de revanchismo - uma cegueira abjeta inoculada em nossas entranhas, feito sangue coagulado de ódio e de rancor.

Não é de hoje que a sanha cega e vingativa alimenta essa cegueira branca e difusa. O assassinato do indígena Galdino, em Brasília, em 1997, queimado vivo por jovens de classe média, que saíram à noite para barba-

rizar e matar é a metáfora articulada da nossa história – a matança de indígenas e de pretos com ferocidade secular. Indígenas assassinados em série no Pará e nos rincões desse país é rotina no noticiário local.

O fechar de janelas e de olhos para crianças famintas, fora da escola e à margem da vida, em semáforos, revela essa cegueira branca indiferente do nosso dia a dia. Não há dúvidas de que as políticas econômicas recentes aliadas à pandemia e à inflação, empurraram uma multidão para o desemprego, para a fome e para a miséria. “Sem dinheiro para comprar carne, pernambucanos recorrem a ossos e ovos para fazer as refeições. Diante do aumento de preço de carnes, os açougues do Recife informaram que estão vendendo cada vez mais ossos. O valor dessa mercadoria também teve reajuste por causa da procura.” Notícias como essas não merecem mais do que segundos de indignação, de atenção e também de indiferença.

Sim, é verdade que grupos isolados se manifestam, fazem passeatas, buscam resgatar essa humanidade perdida diante da tal infecção cega de que trata Saramago. Feitos a mulher do médico, buscam algum caminho que nos humanize nesse encarceramento obtuso de cegueira, indiferença e violência, como propõe o português. “É desta massa que nós somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade.” “Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem.”

Saramago merece ser lido e relido porque nos empurra para ler o mundo, porque tem fincado o dedo em nossas chagas e as feito sangrar, porque tem se mostrado um arguto observador da alma e da lama humana e porque ao falar de cegos nos permite abandonar a escuridão se soubermos olhar, ver e reparar.

Revista Educação 57
portuguesa e orientador educacional
“Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer” (Ítalo Calvino)

ENTRE MARGENS

É preciso compreender a origem do autoritarismo

Miratejo, 1 de dezembro de 2041

Andava eu entre continentes, tentando ser útil, enquanto o Brasil sofria os anos mais negros deste século. A degradação do sistema educacional fora acelerada durante um desgoverno, que os brasileiros escolheram, nos idos de vinte. Mas, havia mais Brasil para além desse fenômeno. E ressurgiu.

Entretanto, eu insistia no convite dirigido aos meus amigos da UniProsa, para que a sua sabedoria subisse ao chão da escola. Seria aconselhável procurar compreender a origem do autoritarismo para que ele não mais envenenasse a nobreza do exercício político. Seria preciso reconhecer que os bonsais humanos eram fruto da educação familiar, social e escolar. Estávamos no século 21. Quando teríamos direito a uma educação deste século?

Um senador me pedira conselho. Iria para a Unesco participar num novo projeto. Perguntei qual fosse o projeto. É o da “educação do futuro”. E eu, que andara mais de meio século escutando falar dessa mítica “educação do futuro”, sem que o futuro se fizesse presente, em que poderia ajudar?

Por força do adiamento da “educação do futuro”, na Europa, nova onda pandêmica começara. A Áustria decretara vacinação obrigatória. A Holanda anunciava o aparecimento de nova estirpe do vírus. A União Europeia fechava as portas a voos procedentes do sul africano.

Mia Couto e José Águalusa assim reagiram:

“Cientistas sul-africanos foram capazes de detectar e sequenciar uma nova variante do SARS-Cov-2. No mesmo instante, divulgaram de forma transparente a sua descoberta. Ao invés de um aplauso, o país foi castigado. Junto com a África do Sul, os países vizinhos foram igualmente penalizados. Em vez de se oferecer para trabalhar juntos com os africanos, os governos europeus viraram costas e fecharam-se sobre os seus próprios assuntos.

Não se fecham fronteiras, fecham-se pessoas. Fecham-se economias, sociedades, caminhos para o progresso. A penalização a que agora somos sujeitos vai agravar o terrível

empobrecimento a que os cidadãos destes países estão sendo sujeitos devido ao isolamento imposto pela pandemia. Mais uma vez, a ciência ficou refém da política. Uma vez mais, o medo toldou a razão. Uma vez mais, o egoísmo prevaleceu. A falta de solidariedade já estava presente (e aceita com naturalidade) na chocante desigualdade na distribuição das vacinas. Enquanto a Europa discute a quarta e quinta doses, a grande maioria dos africanos não beneficiou de uma simples dose.

As implicações económicas e sociais destas recentes medidas são fáceis de imaginar. Mas a África Austral está longe, demasiado longe. Já não se trata apenas de falta de solidariedade. Trata-se de agir contra a ciência e contra a humanidade.”

Finda uma breve diáspora por terras do sul, completado o democrático período de desgoverno, regressei ao Brasil, para acompanhar projetos e ajudar no que pudesse. Embora nunca regressemos, por ser impossível estar de novo em tempos velhos, retomei o meu andarilhar, a partir de projetos suspensos. Se regressar era ilusão, os projetos eram reais e tinham aprendido a sobreviver. Pelo menos, isso a covid nos havia ensinado: a não repetir os mesmos erros.

Comigo viajaram todos aqueles que me fizeram. Eu transportava décadas de descaminhos e alguns acertos. Continuava decidido a não abdicar de princípios. Exigia coerência. Apelava à decisão ética, que tanto glosara, ao longo de longos anos. Na mente, os parcos saberes de “especialista”; no coração, uma recomendação de Krishnamurti: não exagerar na profissionalização, para que o amor não se dissipasse no ardor da profissão.

Revista Educação 58
José Pacheco Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal) josepacheco@editorasegmento.com.br

SETOR EDUCACIONAL CONTA AGORA COM PROPOSTA

DA EPSON PARA REDUZIR A EXCLUSÃO DIGITAL

Visando garantir maior facilidade, interação e acesso para melhorar os ambientes de aprendizagem, a Epson oferece equipamentos de videoprojeção para superar os limites da exclusão digital

Ao longo dos anos, a educação latino-americana passou por várias mudanças, conquistas e novos desafios para melhorar a qualidade de ensino. Atualmente, junto com a impressionante mudança do novo normal a partir de 2020, os alunos estão mais digitalizados do que nunca, e esperam que as ferramentas tecnológicas que utilizam possam permitir que se desenvolvam da melhor forma ao longo da formação acadêmica.

Embora a passagem para a educação virtual tenha representado um desafio para muitos, ela também se tornou uma oportunidade para potencializar áreas que aprimoram o processo de aprendizagem. Da mesma forma, o retorno progressivo à sala de aula traz desafios para as instituições, fazendo com que a atualização tecnológica se transforme em um objetivo para acompanhar essa transformação. É aqui que a tecnologia passa a ser protagonista e um elemento­chave para impactar e transmitir os conteúdos compartilhados nas aulas.

ALUGUEL DE EQUIPAMENTOS

Neste novo cenário, a Epson apresenta uma iniciativa pensada para as instituições de ensino, que visa facilitar o acesso a soluções de videoprojeção nas salas de aula. Trata­se do “Programa de Locação” de projetores Epson, que oferece a possibilidade de alugar equipamento de projeção com garantia in loco,

em prazo acordado, por uma parcela mensal acessível para que escolas, universidades ou instituições de ensino possam oferecer o equipamento em suas salas e, desta forma, incluam a interatividade e potencializem o aprendizado de uma maneira imersiva e eficiente.

“Como empresa que oferece soluções tecnológicas para diversos setores da comunidade, melhorar a educação nos locais onde a Epson está presente será sempre uma das nossas prioridades. Por este motivo, estamos sempre dedicados a desenvolver produtos e programas que visam reduzir a exclusão tecnológica. Na Epson, esperamos ajudar a melhorar o sistema educacional e a formar gerações mais adaptadas às tendências atuais”, disse o diretor de vendas da Epson, Glauco Ferreira.

A Epson conhece os desafios do setor educativo e usa esse conhecimento para criar soluções que possam atender às necessidades de alunos, professores e instituições. Contar com equipamentos de projeção nas salas de aula garante a criação de um ambiente de aprendizagem mais inclusivo e eficaz. Tais recursos permitem conectar grupos, locais e dispositivos para o compartilhamento de informações com mais facilidade, além de permitir a exibição em tela de até 200 polegadas ou mais, promovendo assim uma melhor captação e absorção do conteúdo.

MAIS INFORMAÇÕES: Programa de Locação de Projetores Epson ou através do telefone (11) 4933­1208 (Teleperformance).

Revista Educação 59
PUBLIEDITORIAL

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AGOSTO

O Grande Encontro da Educação está em sua 8ª edição e em 2022 apresentaremos um evento híbrido.

Serão dias de conversas com grandes pensadores e especialistas em educação.

Evento gratuito e com emissão de certi cado.

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Esse ano chegamos à 17ª edição do Prêmio Top Educação

O prêmio é concedido às empresas detentoras das marcas mais lembradas no setor de produtos e serviços do mercado educacional brasileiro.

O edital para participação será divulgado em breve.

Em sua 5ª edição, o Congresso Internacional de Educação e Inovação será híbrido, no formato digital e presencial, mantendo o papel de levar aos participantes as mais inovadoras e exitosas experiências do cotidiano escolar do Brasil e do mundo.

Evento gratuito e com emissão de certi cado.

Para maiores informações, acesse nosso site: congressoeducacaoinovacao.com.br

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