Entrevista
Falta humanidade nas escolas, diz
Padre Júlio Lancellotti

revistaeducacao.com.br

Música Por uma formação estética e sociocultural


Entrevista
Falta humanidade nas escolas, diz
Padre Júlio Lancellotti
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Música Por uma formação estética e sociocultural
Ensino técnico
Currículo escolar ganha participação da indústria
Educação de jovens e adultos ainda não é prioridade de governos e da sociedade
Iracema (à asq .) e Emiliana, alunas do resistente CIEJA Campo Limpo, SP
ANO 26 Nº287Com práticas imersivas, uma vez por semana e utilizando o Inglês como meio de comunicação, os alunos terão experiências dinâmicas com assuntos relacionados à tecnologia, utilizando:
• conceitos de pensamento lógico;
• discussões e desenvolvimento de soluções para problemas cotidianos;
• criação de protótipos de apps com conceitos
aplicados de UX (User Experience) e UI (User Interface) como parte do processo
Os projetos de soluções propostos nas aulas de Logical Thinking & Design têm como base a resolução de problemas cotidianos, como por exemplo aqueles relacionados aos ODS - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, nas áreas de Saúde e Bem Estar, Água Potável e Saneamento, Consumo e Produção Responsáveis, entre outros. A proposta pedagógica objetiva criar oportunidades para que os alunos desenvolvam e exercitem o pensamento em tecnologia e, consequentemente, se tornem cidadãos cada vez mais conscientes e preocupados em desenvolver soluções para seu meio de convívio, bem como de toda comunidade.
Esta edição traz dois assuntos considerados relevantes para a redação: o alerta de que se queremos um país mais justo e inclusivo é preciso compromisso com os mais de 11 milhões de brasileiros analfabetos (abordado na matéria de capa). E as estratégias para evitar a evasão ainda no ensino médio bem como preparar os jovens para o mercado de trabalho por meio de um ensino técnico que dialoga com empresas, isso sem esquecer do desenvolvimento integral dos alunos e alunas (leia mais na pág. 46).
Como convite, agosto é o mês do nosso principal evento, o Grande Encontro da Educação, que chega à sua oitava edição com a novidade de discutir temas relevantes da educação infantil ao ensino superior para mantenedores(as), gestores(as), coordenadores(as) e educadores(as). Mais de 50 especialistas agregando diferentes olhares estarão divididos nos quatro dias de evento gratuito e com certificado. 16 e 17 de agosto na modalidade híbrida, no Inteli (Instituto de Tecnologia e Liderança), localizado na USP do Butantã, e 18 e de 19 de agosto online. Entre os palestrantes teremos ex-ministros da Educação, indígenas, reitores, diretores, educadores, membros de entidades renomadas que atuam Brasil afora, jornalistas e pesquisadores. Informe-se e participe: www.grandeencontrodaeducacao.com.br.
Por último, a novidade. Na busca por vozes diversas, a partir da edição de setembro, membros do conselho editorial da revista, que muito nos honra, compartilharão individualmente seus posicionamentos e reflexões sobre o setor. Mozart Ramos, referência em políticas públicas, dará a largada.
A redação
A Plataforma Educação, composta por edições digitais e impressas, site, redes sociais e eventos, é publicada por RFM Editores
Ano 26 - Nº 287 agosto de 2022
ISSN 1415-5486 www.revistaeducacao.com.br
Conselho editoral Clara Cecchini
Eduardo Deschamps
Fernando José de Almeida Iracema Nascimento
Mozart Neves Ramos
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Parcerias Institucionais Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) Undime SP (União dos Dirigentes Municipais de Educação) Jornal Joca - para jovens e crianças
Sua Escola Ideal Two Sides
Colaboraram nesta edição
Alexandre Sayad
Damaris Silva
João Jonas Veiga Sobral
José Pacheco
Karen Cardial
Leticia Scudeiro
Paulo de Camargo
Sandra Seabra
Wagner Sanchez
Simône Midori Maki (diagramação)
Maria Stella Valli (revisão)
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Brasil tem cerca de 11 milhões de pessoas que não sabem ler nem escrever, segundo dados do IBGE de 2019. Apesar disso, o número de matrículas tem caído a cada ano. Evasão completa quadro aterrador
Teólogo e pedagogo fala sobre a importância da pedagogia conflitiva – ainda deixada de lado -, diz que a cantora Anitta tem um papel pedagógico e critica que, em um país e mundo tão desiguais, a escola não educa para defender os mais pobres
Não se pretende formar instrumentistas, e sim dar formação cultural. Movimento cresce com a obrigatoriedade na educação básica, mas está longe de oferecer uma formação estética e sociocultural aos alunos
Em ano de eleições, discutir às claras política e cidadania é um desafio fundamental a ser vencido na educação
No sertão de Pernambuco, iniciativa intersetorial – governo, escola, terceiro setor e empresas – constrói curso em energia limpa adaptável para outros estados
Teólogo e pedagogo fala sobre a importância da pedagogia conflitiva – ainda deixada de lado -, diz que a cantora Anitta tem um papel pedagógico e critica que, em um país e mundo tão desiguais, a escola não educa para defender os mais pobres
| Por Laura Rachidos 73 anos, o padre Júlio Lancellotti se dedica há décadas em prol dos “descartados pelo neoliberalismo”, como a população em situação de rua - só em 2020 eram 222 mil 869 brasileiros nessas condições, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Desde cedo e talvez de maneira inconsciente, já vinha se preparando para atuar pelos direitos humanos. Seu pai, inclusive, trabalhou na antiga Febem (Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor de São Paulo), onde criança chegou a frequentar, brincar e já mais velho colaborar como agente educacional.
Teólogo formado pelos expoentes da teologia da libertação, é também pedagogo. Entre suas professoras do ensino superior, fala em tom de agradecimento de Maria da Glória Pimentel e Lais Loffredi.
”Me encantei estudando Maria Montessori e o pensamento do Piaget teve muita influência na minha maneira de pensar.”
É um dos fundadores da Casa Vida, entidade criada em 1991 para atender crianças e adolescentes com HIV. Sua voz e solidariedade se espalham ainda nas redes sociais, como o dia em que se ajoelhou e beijou os pés de uma transexual em gesto de perdão à intolerância.
Só no Instagram tem pouco mais de 1 milhão de seguidores, contudo, coleciona também os chamados haters . A aversão e rejeição ao pobre, denominada aporofobia, é atualmente uma de suas principais ações pedagógicas. Para saber mais acesse http://www.aporofobia. com.br/ e o Instagram @observatorioaporofobia.
Confira, a seguir, entrevista exclusiva com o padre Júlio, realizada no centro da paróquia pela qual é responsável, a São Miguel Arcanjo, na Mooca, SP.
Há muitos professores lutadores, construtivistas, freirianos, que estudam Emilia Ferreiro, que conhecem as grandes linhas do pensamento pedagógico
Pelo menos uma das escolas que frequentou na educação básica era católica. Isso o influenciou a seguir o caminho religioso?
Na época em que estudei, as escolas religiosas eram muito acessíveis, de baixo custo. Então sempre estudei em escolas religiosas, mas elas não tiveram uma influência decisiva, me fizeram ter uma experiência religiosa. O que me marcou nas escolas religiosas foram algumas pessoas. Na minha primeira escola a irmã Teófila, que foi a minha primeira professora, a via quase como que um pedaço de açúcar, era uma pessoa muito doce. Na segunda escola a irmã Inezita, que tinha uma deficiência visual muito grande. Ela se ligou com os alunos que tinham mais dificuldade na escola; eu era um desses. Essa irmã ‘arrebanhava’ os mais difíceis e dava um espaço maior para eles. Me liguei à irmã Inezita a ponto de que eu aprendi a responder a missa em latim em uma semana. Foi um recorde.
Depois fui pela primeira vez ao seminário, que era muito rígido. Apanhei de vara de bambu. A gente levava castigo pesado. Não aguentei e voltei para casa. Fiz todo o ginásio com os padres agostinianos; o Colégio Agostiniano estava recém-começado, era muito mais simples do que é hoje. Quando terminei o ginásio, fui para os agostinianos, para o seminário. Lá fiz o nível médio até que fui iniciado e depois de meio ano, o superior me mandou embora porque disse que eu perguntava muito, que contestava, enfrentava. Uma coisa engraçada, um dia ele me chamou e disse: ‘você anda de um modo muito altivo. Precisa andar de um jeito mais humilde’. Eu falei: ‘está bem’. Dali uma semana me chamou: ‘agora você está andando muito humilhado’. Falei: ‘então o senhor anda um pouco para ver como quer que eu ande’. Depois de uma semana intensa que marcou a minha vida, fui o primeiro cantor de A noite de completas, e a gente cantava em gregoriano - treinei muito para cantar em gregoriano e cantei direitinho, porque se você errasse tinha que começar outra vez, era muito vexatório, humilhante. E na segunda-feira ele [o superior] me chamou e falou: ‘nós decidimos que você vai voltar para casa, você não serve para isso’.
Tive que voltar e fui trabalhar no hospital, porque no seminário fiz um curso de atendente de enfermagem e trabalhei na Santa Casa, em Bragança. Depois fiz a seleção e entrei no antigo Serviço Social de Menores que depois se transformou na Pró-menor, depois na Febem [Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor] e hoje na Funda-
Padre Júlio atuou na formulação do ECA: é uma das leis mais completas do mundo, países copiaram, mas o Brasil não conseguiu implantar
ção Casa. Nesses lugares tive muita experiência de trabalhar como professor, porque aí fiz pedagogia na Oswaldo Cruz e na PUC. Trabalhei principalmente na alfabetização com crianças que na época chamávamos de aprendizagem lenta ou com dificuldade, que eram dificuldades no fundo emocionais, atraso da faixa etária com a idade escolar. Foi uma experiência rica dar aula e descobrir com as crianças, com os jovens. Ao mesmo tempo, dei aula para adultos como professor assistente em três faculdades.
Teólogo, pedagogo com especialização em orientação educacional, como analisa a sua formação superior? O que pretendia quando ingressou nesses cursos?
É interessante porque o curso de pedagogia sempre foi meio desprestigiado. Mas a pedagogia me encantou, principalmente a história da educação, a filosofia da educação. Minha professora já falecida Maria Isabel Pitombo é referência da filosofia da educação. Fiz teologia com os mais proeminentes teólogos da teologia da libertação, foram meus professores Gilberto Gorgulho, Ana Flora, Benedito Ferraro, Enrique Dussel, Leonardo
Boff, Juan Luis. A faculdade de teologia foi um momento de muita riqueza.
De que forma o senhor pratica a pedagogia? Hoje, ela pode estar para além do ambiente escolar enquanto instituição?
O processo educativo que a gente vive com a população em situação de rua; ontem, por exemplo, tivemos reunião sobre a aporofobia [aversão a pobre] e ela precisa de um processo educativo para a transformação, porque todos nós somos aporófogos em desconstrução, como somos homofóbicos em desconstrução, transfóbicos em desconstrução, machistas em desconstrução e temos que ser aporófogos em desconstrução. E como é que desconstrói? Pra mim é muito forte na pedagogia, a pedagogia como teologia do conflito, porque o processo educativo é um processo conflitivo, especialmente em um Estado neoliberal como o nosso. Somos um Estado de economia capitalista neoliberal. Então se dá no conflito. E por que com a população de rua é um grande desafio? O próprio centenário querido e combatido neste governo, Paulo Freire, dizia que o sonho do oprimido é ser opressor. Quantos da população em situação de rua passaram por uma educação libertadora? Então eles também querem acumular, também têm meritocracia, eles também enganam, também mentem. Essa cumplicidade nem sempre é uma cumplicidade deliberada. Tenho aqui um rapaz que sempre defende o Bolsonaro. Hoje falei para ele: ‘vou te mostrar um argumento irrefutável’. Mostrei a Anitta fazendo campanha para o Lula. Ele falou: ‘agora esse argumento é irrefutável’. A Anitta tem um papel pedagógico muito importante na sociedade. Ela está falando de coisas que são da força mais íntima do ser humano que é a sexualidade, muitas vezes negada ou subjugada, então ela explicita isso na dança, na música, na irreverência e por isso tem a audiência que tem. Falei com ela por telefone, foi amável, ela
mesma atendeu e falou para mim: ‘desculpe, Padre, eu não sou contra os padres’. Falei: ‘eu sei e não precisa justificar’. Ela disse que foi coroinha, que era católica, agora ela é do Candomblé. Falei: ‘Anitta, o importante é você ser humana’. Acho que falta isso na educação, a gente não sabe matemática porque é importante saber matemática, eu não sei geometria porque é importante saber geometria, eu tenho que saber tudo isso para ser mais humano. Como é que as áreas do saber estão a serviço do humano? Da humanização? Nós educamos e somos educados no processo pedagógico formal e informal para a solidariedade? Para a partilha? Para defender os mais fracos? Para defender os mais pobres?
O secretário de Educação do Estado de São Paulo muitíssimo festejado, um dia me convidou para visitar a Secretaria de Educação. Lá me mostrou os programas: olha os alunos que mais se destacam, temos esses cursos aqui, os que têm destaque em línguas vão fazer não sei o quê, os que têm destaque em tecnologia não sei o quê. Perguntei: ‘e com os piores, o que vocês fazem? Por que você fala dos melhores? E os que têm mais dificuldade? E os que não aprendem? E os que não conseguem? E os que não têm rede de internet, instrumentos de Tecnologia da Informação?’ Então para os piores não tem nada, só tem para os melhores, que são a sociedade meritocrática.
Como foi sua participação na formulação do ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente? O que mudou no dia a dia quando o direito dos menores passou a estar destacado no documento?
Participei da equipe junto com pessoas proeminentes como a irmã Maria do Rosário Leite Cintra, a Ruth Pistor, promotores de justiça como Munir Cury, que é um grande promotor, e o Paulo Afonso Garrido de Paula. A grande riqueza do estatuto é que ele foi escrito de baixo para cima com a participação das comunidades, dos agentes de pastoral, juristas e com a Rita Camata, que foi a deputada federal
A gente não sabe matemática porque é importante saber matemática, eu não sei geometria porque é importante saber geometria.
Tenho que saber tudo isso para ser mais humano
que apresentou o projeto. Mas antes de apresentar o estatuto, lutamos na Constituinte de 88 pela aprovação do artigo 227 de que crianças e adolescentes são prioridade absoluta e para manter a maioridade penal aos 18 anos. O deputado federal constituinte que apresentou tudo isso na ocasião foi o grande Plínio de Arruda Sampaio. Aprovados esses artigos na Constituição, fomos para a lei ordinária, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente. O estatuto foi muito combatido. Foram dois anos de elaboração, líamos, relíamos, corrigíamos, apagávamos e refazíamos. Hoje o estatuto é uma das leis mais completas do mundo, uma das mais importantes que todos os países copiaram e que o Brasil não conseguiu implantar. Hoje os Conselhos Tutelares estão bastante deformados; o estatuto é uma lei importante, conseguimos o ordenamento jurídico, mas ainda há dificuldade de tê-lo em plenitude para funcionamento.
Sobre o neoliberalismo, é possível um outro sistema?
Mudando o sistema em que nós vivemos.
É possível?
É difícil, porque será um processo histórico longo; o capitalismo, ele mesmo está se esgotando, porque ele tá esgotando a natureza. A continuar do jeito que estamos, em 20 anos várias espécies vivas vão desaparecer. Se o aumento da temperatura continuar, os próprios seres humanos serão em muito inviabilizados. O próprio sistema ne-
oliberal capitalista está destruindo a origem daquilo que produz. A questão da destruição da Amazônia, a matança dos defensores dos povos originários, da floresta. Os alertas estão sendo dados. O Papa Francisco deu alerta, a Carta da Terra deu alerta, vários ambientalistas dão alerta, mas a economia não se importa porque o Estado neoliberal tem como primado a economia e não é uma economia a serviço da vida; é uma economia a serviço do ganho.
Que tipo de cristianismo o senhor pratica, qual a sua ligação com a teologia da libertação e por que a Igreja Católica parece não apoiar esse movimento?
É uma questão histórica longa. A Revolução Sandinista na Nicarágua e a Revolução da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional em El Salvador, naquele momento os Estados Unidos acenderam um alerta. Por que o Salvador Allende foi assassinado? Por que teve que se inviabilizar a experiência do Salvador Allende no Chile? Washington acendeu uma luz de alerta de que os muitos movimentos sociais, populares religiosos, estavam se engajando na luta de transformação. A própria introdução das igrejas pentecostais no Brasil teve o papel de ir para o individualismo; Aqui em São Paulo todos os grandes cinemas se transformaram em igrejas, Cine Universo, Cine Roxy, Aladim. Quem financiou tudo isso? Qual foi a intervenção da CIA [Agência Central de Inteligência estadunidense] na introdução do pentecostalismo na Igreja Católica? Nos movimentos de Renovação Carismática? Todos têm origem nos Estados Unidos porque fazem parte de uma intencionalidade, eles aproveitaram o momento, a mídia, as
Por que você fala dos melhores alunos? E os que têm mais dificuldade? E os que não aprendem? Para os piores não tem nada, só tem para os melhores, que são a sociedade meritocráticaA própria escola promove infrator que vai parar na Vara Especial da Infância e da Juventude
comunicações, todo esse sistema é articulado. Grande parte dos pentecostais e evangélicos e pentecostais católicos são apoiadores do neofascismo, todos de ‘arminha’. E isso a gente vê em todo lugar. O crescimento das igrejas evangélicas e da Renovação Carismática Católica é intencional. Não aconteceu por acaso. São financiados por grandes empresas justamente para neutralizar a força transformadora que o cristianismo traz. Grandes teólogos de luta de transformação, todos eles foram sancionados. O Leonardo Boff foi calado, o Jon Sobrino foi censurado, não só no Brasil, na África, na Ásia, porque era um movimento intencional de neutralizar qualquer forma de pensamento religioso transformador. A igreja é multiclassista. Todas as classes sociais estão dentro da igreja. Mas a igreja produziu Dom Hélder Câmara, produziu Dom Paulo Evaristo Arns, Dom José Maria Pires, Dom Waldyr Calheiros, Dom Adriano Hipólito, Don Tomás Balduino, produziu o martírio de Ezequiel Ramin, de Josimo Tavares, de Margarida Alves, de Dorothy Stang, de Marielle Franco; esses dias esteve conosco a Marina Silva, todas essas pessoas têm origem nas Cebs [Comunidades Eclesiais de Base].
Que percepção as crianças e jovens abandonados e moradores em situação de rua lhe apresentam sobre a sociedade e sobre as pessoas?
A mais variada possível. A população em situação de rua pensa como toda a sociedade pensa. Na rua tem terraplanista, tem bolsonarista, tem armamentista, tem machista, tem homofóbico. A condição social de ser morador de rua não é determinante da epistemologia, que é aquilo a que a gente volta: muitas vezes os oprimidos são cúmplices dos
opressores. É o que a sociedade como um todo pensa e eles não são imunes. Todo mundo ouve a mesma coisa e o problema da escola é que ela também fala sempre a mesma coisa. Claro, não são todos os professores que pensam do mesmo jeito, não é uma classe homogênea. Há muitos professores lutadores, construtivistas, freirianos, que estudam Emilia Ferreiro, que conhecem as grandes linhas do pensamento pedagógico. Eu me encantei no estudo da pedagogia estudando Maria Montessori, Piaget, inclusive, o pensamento do Piaget teve muita influência na minha maneira de pensar. Convivi com Paulo Freire; esses dias publicaram as seguintes frases minhas nas redes sociais: ‘sou um fracassado, pois essa é a lógica do sistema injusto de exclusão ao qual pertencemos. Fazer sucesso é ser conivente com ele e isso eu não sou’. E a outra: ‘não se humaniza a vida numa sociedade como a nossa sem conflito’. Então a pedagogia tem vários títulos, a pedagogia piagetiana, montessoriana. E estudamos pouco a pedagogia do conflito. Porque a pedagogia freiriana é conflitiva.
Sobre a educação brasileira, o que tem a falar?
A gente poderia perguntar: a educação brasileira está humanizando a vida? Ou o ministro da Educação está fazendo barganha para receber emendas e fazer corrupção?
As nossas escolas perderam a cultura de alguns povos indígenas de falar para as crianças as coisas boas que elas fazem. Está cheio de criança na Vara Especial da Infância e da Juventude, crianças e adolescentes que foram promovidos a infratores na escola. Há uma porção por dano do patrimônio público, que desrespeitou a autoridade. Então, a própria escola promove infrator.
Garantir meios concretos para a recomposição das aprendizagens nas escolas públicas precisa ser um compromisso coletivo. Conheça estratégias seguras.
A defasagem escolar se concretiza quando os conhecimentos adquiridos pelo estudante não correspondem ao seu ano letivo. Apesar de ser uma das principais consequências da pandemia, esse não é um problema que nasceu do fechamento das escolas, mas foi agravado, principalmente em regiões mais vulneráveis.
Ao aprofundar a questão da defasagem, temos outro alerta: a situação mais grave está nos Anos Iniciais, justamente na etapa da alfabetização, que serve como base para toda a vida acadêmica. A Unicef estima que 41% dos estudantes sem acesso à educação na pandemia estavam na faixa etária entre 6 e 10 anos de idade. Por isso é urgente que as redes públicas estejam preparadas.
Um bom resultado começa a partir de algumas frentes de trabalho: a avaliação diagnóstica dos alunos; a revisão do Projeto Político Pedagógico; os materiais didáticos congruentes com a proposta pedagógica deste momento; a formação profissional constante; e o acompanhamento contínuo.
Iniciativas de empresas que estão dedicadas ao ensino público têm chamado a atenção, como é o caso da Editora Moderna. Em 2022, a instituição fez um grande movimento e se reestruturou com equipes editorial, comercial e pedagógica dedicadas ao atendimento da educação pública. “Como agente que acredita na educação como movimento capaz de mudar realidades, a Moderna vem se reestruturando continuamente, com o objetivo de se juntar a milhares de educadores que fazem e mantêm viva a escola pública. Queremos construir uma rede de parcerias em torno do tripé avaliação contínua, acompanhamento e formação de professores”, afirma Ivan Aguirra, Diretor Acadêmico e de Marketing da Moderna, que já iniciou
esse movimento, com destaque para a formação de educadores na transição para o Novo Ensino Médio.
Para colaborar nesse momento, a Moderna realizou, entre novembro de 2021 e fevereiro de 2022, a Pesquisa Raio X das Escolas Públicas, com o objetivo de compreender as principais necessidades no retorno ao presencial pela visão direta dos professores, gestores e profissionais de secretarias de educação de todo o país.
A partir dessa ação, a empresa se debruçou sobre os materiais do PNLD 2023 para os Anos Iniciais do Fundamental para mapear como os recursos voltados à alfabetização podem responder às necessidades das escolas nos próximos quatro anos.
O primeiro compromisso assumido é com o currículo. As habilidades essenciais da BNCC estão mapeadas ao longo das obras, em consonância com os currículos estaduais, para orientar professores e gestores no monitoramento das aprendizagens esperadas a cada etapa.
O segundo é com o diagnóstico e a avaliação contínua. Em todas as coleções, a Moderna incluiu avaliações diagnósticas, processuais e somativas
Apresentado por
para aplicação antes, durante e após cada ciclo de aprendizagem. Isso permite intervenções mais rápidas, de acordo com o resultado de cada aplicação, sempre com orientações para a remediação e a correção de possíveis defasagens.
O terceiro compromisso é com a formação continuada, com manuais do professor ricos em recursos e planos de aula, além de livros exclusivos e recursos autoinstrucionais para formação de professores e gestores, com foco em avaliações educacionais.
O quarto compromisso foi pensado para orientar as aulas de reforço e a atuação sobre as defasagens identificadas nas avaliações, com livros de práticas e acompanhamento da aprendizagem. Esses materiais fazem parte do objeto 2 do PNLD 2023.
A alfabetização e a fluência leitora compõem o quinto compromisso. Esse trabalho essencial não ficará restrito às aulas de Língua Portuguesa, mas será transversal e complementar em todos os componentes. Os processos clássicos da alfabetização estarão assegurados para permitir que o aluno, de fato, aprenda a ler e escrever.
Para combater a desigualdade digital, o nosso sexto compromisso é com a tecnologia, para reforçar o uso de livros digitais acessíveis, além de recursos com mapeamento da progressão da aprendizagem e relatórios de acompanhamento
O penúltimo compromisso envolve as competências emocionais e sociais que são trabalhadas em todos os materiais, com atividades para auxiliar na condução de temas como convivência, indisciplina, ansiedade, bullying e comportamento.
E, para finalizar, o oitavo compromisso é com a literatura e a bibliodiversidade. Além de uma curadoria de gêneros e textos autênticos em todos os livros didáticos, a Moderna reuniu um supertime de autores que só a Moderna tem para equipar o acervo das escolas.
desinteresse do aluno a partir do 5º ano também é entrave; estudo da Moderna mostra a percepção dos profissionais da educação na pandemia.
Apesar de a pandemia ter acelerado o uso de ferramentas digitais, uma das maiores queixas dos professores da rede pública brasileira ainda é a falta de infraestrutura e de recursos. O dado faz parte da pesquisa Raio X das Escolas Públicas, encomendada pela Editora Moderna.
De acordo com a análise, as dificuldades encontradas variam conforme o ciclo escolar. Entre os professores dos Anos Iniciais, a falta de infraestrutura e de recursos foi apontada por 29,54% dos entrevistados como o maior desafio. Em segundo lugar, 19,25% apontaram a falta de suporte familiar, seguido por 18,29%, que indicaram a dificuldade para ensinar os alunos de forma remota no contexto da pandemia (por conta, por exemplo, da dificuldade em adaptar os materiais ao ensino a distância, alfabetizar e alinhar a prática pedagógica no ensino a distância, entre outros).
Além dos desafios mencionados, na etapa qualitativa, os profissionais apontaram que a pandemia intensificou as desigualdades no dia a dia escolar.
“Essas dificuldades vão desde o acesso a ferramentas básicas de monitoramento da aprendizagem até as estratégias de correção de fluxo e a formação continuada de professores. O desafio é, também, explorar materiais que resgatem emocionalmente e motivem esses alunos, para reinseri-los na rotina escolar e na sociedade como um todo”, afirma Ivan Aguirra.
A pesquisa teve como objetivo conhecer o perfil dos profissionais da educação pública e sua rotina de trabalho, além da sua relação com a escolha e a utilização dos materiais didáticos. As entrevistas da etapa quantitativa foram realizadas com 1.390 profissionais da educação, nas cinco regiões do país, em posições de docência, gestão e administração de Secretarias de Educação ou escolas, entre novembro e fevereiro.
Falta de infraestrutura/recursos
Falta de base/suporte familiar Dificuldade no ensino (pandemia, adaptar material à realidade etc.)
Falta de interesse do aluno
da carreira do professor
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O número de alunos que concluíram os cursos de pedagogia e licenciatura aumentou drasticamente na modalidade a distância comparado às faculdades presenciais, chegando a computar crescimento de 109% entre 2010 e 2020. O alerta está no estudo recém-divulgado pelo Todos pela Educação com base no Censo da Educação Superior. Vale lembrar que o ensino remo -
to já estava ganhando espaço mesmo antes da pandemia: entre 2019 e 2020 a tendência foi intensificada, sendo que de cada 10 estudantes formados na carreira de professor, seis foram pela modalidade EAD (61,1%).
Para Gabriel Corrêa, líder de políticas educacionais do Todos pela Educação, “a formação inicial de professores na modalidade EAD, que
deveria ser uma exceção, se tornou a principal estratégia de formação docente no país, o que é extremamente grave. O Ministério da Educação precisa melhorar os processos regulatórios e a avaliação que faz dos cursos. Não podemos ter essa proliferação de cursos, sem clareza sobre a qualidade da formação inicial que vem sendo ofertada para os nossos futuros professores”.
Um brasileiro nascido em 2019 terá, em média, 60% de seu potencial ao chegar aos 18 anos, ou seja, 40% de todo o seu talento é deixado de lado na média nacional, revela estudo divulgado em julho pelo Banco Mundial e cujo objetivo é alertar sobre a importância de investir em pessoas. O levantamento considera taxas de mortalidade, déficit de crescimento infantil, anos esperados de escolaridade, resultados de aprendizagem e taxas de sobrevivência, que varia de 0 a 1.
Para alcançar os países desenvolvidos, o Brasil levaria cerca de 60 anos. Ou seja, deve-se pensar em investimentos, principalmente na educação, pois, se as crianças desenvolverem suas habilidades ao máximo e o país chegar ao pleno emprego, o PIB poderia ser 2,5 vezes maior, estima o Banco Mundial. Com informações da BBC News Brasil.
Em um ambiente predominantemente feminino, quais são as políticas públicas educacionais em torno de uma pedagogia feminista? Dentro desse grupo, quais as ações dedicadas às minorias? Para responder a essas indagações, o primeiro passo é atentar para nosso percurso, enquanto educadoras e educadores, e onde está alocado o poder feminino em nosso dia a dia. A autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie em seu livro Sejamos todos feministas - que é também um chamamento a toda sociedade - traz luz aos lugares de poder e prestígio ocupados por homens e mulheres, na educação e em outros ambientes, ao passo que os níveis hierárquicos ascendem. Como exemplo, a escritora cita sua experiência escolar, quando perdeu a oportunidade de “patrulhar a turma do fundão” ao não ser selecionada para monitora da classe primária, mesmo atingindo o principal critério para essa seleção que era ter a nota mais alta. O lugar foi ocupado por seu colega, um menino que teve a segunda nota mais alta. A partir desse relato a autora traz uma série de outras situações cotidianas que deixam claro que nossas ideias acerca de gênero ainda estão muito aquém do esperado. A autora destaca que se perde muito tempo ensinando meninas a se preocupar com o que os meninos pensam sobre elas, mas o oposto não acontece.
Num contexto de enfrentamento desse cenário, destaca-se uma experiência inovadora e promissora, lançada em 2020 pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) na Bahia, o Curso de Extensão Pedagogia Feminista Negra. Em meio à conjuntura pandêmica e às desigualdades que nela afloraram, o curso surgiu com o objetivo de promover ações coletivas em prol dos povos negros, quilombolas, indígenas e LGBTQIA+ como marco de um projeto de resistência ancorado no pensamento feminista negro, que tem na educação um meio para transformar as relações sociais que estão postas, com vistas à luta pela emancipação humana. O curso contou com a participação de 13 professoras, de universidades do Brasil e do mundo e vinculadas a movimentos sociais. Além disso, a experiên-
cia virou um livro, que sistematiza o que fora proposto nas aulas.
Carolina Santos B. de Pinho, uma das docentes convidadas, afirma que a história da educação negra foi sendo construída a partir de uma história branca, e destaca a importância de se dar luz às práticas pedagógicas estruturadas a partir da presença feminina negra na sociedade, de modo a corrigir a injustiça histórica, mas também de retirar essa população da invisibilidade, gerar conhecimento e empoderar grupos à periferia das discussões educacionais. Para isso, uma das estratégias da professora é recuperar as contribuições das mulheres negras para “sistematizar uma teoria educacional comprometida com a transformação da sociedade”.
Somos todos produto de uma sociedade que diariamente (e às vezes de forma trágica) nos ensina que homens são mais importantes do que as mulheres; negros são inferiores aos brancos; práticas educacionais quilombolas ou indígenas são primitivas… Atentar à pedagogia feminista negra revela-se como estratégia essencial à construção de uma educação antirracista, antissexista e, portanto, emancipatória.
Adichie, C. Ngozi. Sejamos todos feministas. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
Pinho, Carolina e Mesquita, Tayná Victória de Lima (Org.). Pedagogia feminista negra: primeiras aproximações.
São Paulo: Veneta/ Serpente, 2022.
Tarde ou não, o que vale é a vontade de incluir visões educacionais que respeitem a diversidadeDamaris Silva mestre em letras e especialista em gestão escolar
O Brasil tem cerca de 11 milhões de pessoas que não sabem ler nem escrever, segundo dados do IBGE de 2019. Apesar disso, o número de matrículas tem caído a cada ano. E a evasão completa quadro aterrador
| Por Sandra SeabraEliel Rodrigues é advogado. Mineiro, 38 anos, retornou ao seu estado natal há pouco mais de um mês. Em Abaeté, pretende advogar e ter uma vida tranquila com a esposa e seus quatro filhos. Seis anos atrás, a história era diferente. Pastor da Assembleia de Deus, de Araxá foi transferido para a zona sul de São Paulo. À época, ele tinha apenas a 8ª série inconclusa e considerou que era o momento de voltar a estudar. “Eu queria concluir até o ensino médio, não pensava em faculdade; era um pensamento pequeno.” Ele pesquisou várias escolas e encontrou o CIEJA Campo Limpo. Lá, os educadores, observando as capacidades de Eliel, o incentivaram a prestar o Enem. “A professora de português disse que ia me ajudar, que eu faria uma redação por dia. Os professores me disseram que se conseguisse aprovação do Enem, eliminaria o ensino médio e conseguiria uma bolsa para a faculdade. Era tudo o que eu queria, foi o cavalo que passou arreado na minha frente e a galope.”
Eliel teve nota 680 na redação e média global de 573. Pôde escolher entre teologia, psicologia e direito. Cursar a faculdade não foi tão fácil, mas seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) atingiu nota 8,0. Em abril de 2022, enfrentou o exame da OAB e passou. “Fui vencedor, graças a um plano de ensino para jovens e adultos que deu certo.” Quando recebeu o resultado da aprovação na OAB, Eliel fez questão de voltar ao CIEJA. “Quis prestar os meus agradecimentos a todos os professores, incentivando-os a continuar a fazer o mesmo com outros alunos. Foi uma bênção na minha vida.”
Os Centros Integrados de Educação de Jovens e Adultos – CIEJAs – surgiram a partir de 1994 e passaram por transformações ao longo dos anos. A proposta pedagógica atual é referência nacional. Há 16 deles na capital paulista, que oferecem seis diferentes horários para estudar e onde há vagas o ano todo. O histórico dessas unidades de ensino pode ser conhecido por meio do livro e e-book CIEJAS na Cidade de São Paulo - Identidades, culturas, histórias, escrito por profissionais que atuam nelas.
Os CIEJAs são um alento para este momento em que turbulências políticas, descaso governamental e crise sanitária prejudicam o já difícil acesso e permanência na educação básica de jovens e adultos. De 2018 a
“Não sendo objeto de esforço, a EJA reflete nossa sociedade”, ressalta Diego Elias Duarte, coordenadorgeral do CIEJA Campo Limpo, SP
2019, cerca de 300 mil alunos dos anos finais do ensino fundamental e 200 mil do ensino médio migraram para a EJA, conforme o Censo Escolar do Inep. O Brasil tem cerca de 11 milhões de pessoas que não sabem ler nem escrever, de acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo IBGE na área da educação, em 2019. Esse número representa 6,6% da população. Apesar da evidente necessidade dela, a EJA não consta na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e, nos últimos anos, sequer foi contemplada pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático, o PNLD. Outro dado do Censo Escolar é revelador: o número de matriculados na EJA vem diminuindo nos últimos anos. Em 2020, antes do início da pandemia, 3 milhões de estudantes se matricularam, um número que foi 8,3% menor do que o registrado em 2019. Em 2021, foram 2,9 milhões de matrículas. Ou seja, o Brasil não tem cumprido o artigo 208 da Constituição Federal que prevê a educação básica gratuita – inclusive aos que perderam a chance de estudar na idade correta.
Entre os que se matriculam, muitos não chegam ao final do curso. A evasão, historicamente, é o maior problema enfrentado pelas escolas que oferecem a modalidade. Nos CIEJAs, elas também ocorrem, mas tudo é pensado para evitá-la. Dianna Melo é professora de português que atuou na EJA de 2009 a 2016, tanto em escola municipal quanto em CIEJA e, atualmente, trabalha na Divisão de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Ela conta as estratégias dos CIEJAs para reduzir a evasão. “Tenho um estudante matriculado pela manhã e, de repente, ele precisa cobrir férias de outro funcionário nesse período. Para que não perca a vaga, temos o passaporte: ele trabalha de manhã e assiste às aulas no período noturno, naqueles 30 dias. No final do bimestre, o professor do noturno passa a frequência, o desempenho, os trabalhos desenvolvidos desse estudante. Ele não vai se afastar dos estudos por causa do trabalho.” Dianna conta que isso é possível porque há integração entre os professores e reuniões semanais em que todos se encontram. Compensar períodos de ausência com entrega de trabalhos e atividades, no caso de necessidade de viagens, por exemplo, é outra facilidade. Essa flexibilização é direito do aluno e garantida pela portaria municipal que rege os CIEJAs.
De um modo geral, a falta de material didático é compensada pela produção de material próprio, ali-
nhado às diretrizes oferecidas pelo currículo da cidade. “Os CIEJAs têm perspectiva de trabalho na educação freiriana, iniciamos o ano fazendo um círculo de cultura e dele retiramos um tema gerador, com o qual desenvolvemos o projeto interdisciplinar. Os professores elaboram e organizam o material, fazem o planejamento das aulas em diálogo com esse currículo e a prefeitura oferece apoios pedagógicos. O professor não é obrigado a usar, mas está à disposição”, detalha Dianna.
Ela lamenta a extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) nos primeiros meses do governo atual e que pertencia ao Ministério da Educação, pois talvez pudesse oferecer alternativas a situações dramáticas. “Os CIEJAs atendem pessoas com deficiência. Quando elas terminam os estudos aqui, não conseguem continuar no ensino médio. Há a perspectiva atual, no contexto da EJA, de uma ‘educação ao longo da vida’. Como fica a continuação para essas pessoas?” E reitera: “As políticas públicas que temos asseguradas no município poderiam ser mais fortalecidas se houvesse direcionamento federal”.
Diego Elias Duarte é coordenador-geral do CIEJA Campo Limpo, criado em 1998 na capital paulista. Atualmente, recebe 966 alunos. Antes da pandemia, esse número era de 1.547, uma evasão de quase um terço dos alunos. Falta de dinheiro para pagar a taxa de 35 reaispara obter o bilhete único de estudante e necessidade de atuar em subempregos para garantir o nível
Eliel Rodrigues, hoje advogado: “fui vencedor, graças a um plano de ensino para jovens e adultos que deu certo”
de vida de antes da pandemia estão entre as causas, afirma o coordenador. Entretanto, a evasão já era motivo para reflexões antes da crise sanitária. Ele acredita que a maneira como a sociedade enxerga a EJA não é interessante: “Até a Lei de Diretrizes e Bases, revolucionária que foi em 1996, coloca o ensino fundamental como prioritário, mas não a educação de jovens e adultos. A luta contra o analfabetismo, bandeira de Paulo Freire, não é uma luta de todos os governos. Não sendo objeto de esforço, a EJA reflete nossa sociedade. É preciso que o empresário seja obrigado a olhar para isso, o terceiro setor, a sociedade como um todo”. Para ele, questões como fracasso escolar, deficiências, criminalidade, discriminação, racismo, todas elas vão respingar na EJA. “Como é possível que a taxa de analfabetismo não caia proporcionalmente ao número de vagas?” A chave para entender, opina, é a questão socioeconômica. “Primeiro está a sobrevivência das famílias.”
A cidade de São Paulo tem estrutura mais adequada, ainda assim, ocorre o fechamento em massa de salas. Diego Duarte detalha as dificuldades das escolas para
A EJA não consta na BNCC e, nos últimos anos, sequer foi contemplada pelo Programa
ofertar a modalidade. “Numa Emef, é comum ter 800 alunos, um diretor, dois assistentes, dois coordenadores e o grupo de professores. Essa escola funciona das 7h às 19h. Ao pensar num horário noturno para a EJA, a pessoa vai considerar: não há materiais disponíveis, não há uma política pública que garanta a permanência dessas pessoas na sala de aula, vai ter de dividir os funcionários, esticar o atendimento, talvez prejudicando o atendimento aos demais alunos.” Nesse contexto, para Duarte, a decisão de não ofertar uma EJA precarizada é óbvia. De um modo geral, o oferecimento dessa modalidade está atrelado a muito empenho da comunidade escolar e esforços da municipalidade. “Mas a EJA não pode ser uma causa pessoal, nem trabalho voluntário.”
Numa pequena cidade turística no sudoeste do Mato Grosso do Sul, a diretora de uma escola municipal que oferece a modalidade EJA e que preferiu manter sua identidade oculta, também menciona a dificuldade de formação de turmas dos primeiros anos do ensino fundamental. “Legalmente, não consigo formar uma turma se não tiver de 25 a 30 alunos.” Assim, sem turma formada, conforme aparecem os interessados, não há vagas a oferecer. A
evasão também é um problema, com muitos jovens que trocam a escola por trabalhos no campo.
Na Bahia, o Colégio Estadual Polivalente de Feira de Santana oferece a EJA do ensino fundamental à tarde e o ensino médio à noite. Os motivos da evasão se sucedem: gravidez, tornar-se arrimo de família, trabalho na feira livre, no salão de beleza... “Na quinta-feira, os alunos já começam a faltar, por cansaço”, diz a diretora Daniela Cordeiro. “De 40 alunos que se matriculam, apenas 20 terminam o curso.” Uma evasão de 50%. “Fazemos de tudo para não fechar turmas, é também uma vaga de trabalho que se fecha ao professor.” Ela conta que a última vez que a escola recebeu material didático para a EJA foi em 2014. Em relação às obras literárias, que também são confeccionadas por meio dos editais do PNLD, diz que, ao longo de 16 anos atuando como professora de EJA, nunca recebeu títulos para escolher obras literárias específicas para esse público.
Em 2014, último ano em que a escola em Feira de Santana recebeu material didático para alunos da EJA, o Programa Nacional do Livro Didático para Educação de Jovens e Adultos (PNLD EJA) entregou 13 milhões de exemplares; em 2018, foram apenas 2,1 milhões, de acordo com dados do Anuário Abrelivros 2022, que também registra o seguinte: “nos anos recentes, a iniciativa foi suspensa, por conta da revi-
Em 2020, antes da pandemia, 3 milhões de estudantes se matricularam na EJA, número 8,3% menor do que o registrado em 2019. Em 2021, foram 2,9 milhões de matrículas, aponta o Censo Escolar. Entre os que se matriculam, muitos não chegam ao final do curso
são dos marcos legais da educação e da necessidade de atualização dos livros, de acordo com informes do FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação]. Assim, não há dados do PNLD EJA em 2019, 2020 e 2021”. Ou seja, não houve mais editais para a confecção de materiais didáticos.
Os autores e as editoras trabalham para elaborar o mais adequado para as faixas etárias, nos diversos segmentos da EJA, desde a alfabetização até o ensino médio, explica Ângelo Xavier, presidente da Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais (Abrelivros). O conteúdo é produzido a partir de um edital elaborado pelo MEC. Ele afirma: “O maior abandono de alunos é no ensino médio, porque o adolescente chega a um momento, por volta dos 16 ou 17 anos, em que precisa trabalhar, não consegue fazer as duas coisas e abandona a escola”. Os cursos da EJA são semestrais, e não anuais, como acontece na educação regular. “Esse aluno precisa de uma atratividade, de um material didático mais condensado, que faça com que ele termine o ensino médio, eventualmente para ir para a faculdade ou para se qualificar melhor para o mercado de trabalho”, pontua Ângelo. Também para jovens e adultos em processo de alfabetização, a adequação é necessária: “o livro didático do ensino fundamental 1 tem menos textos, as ilustrações dos livros regulares são voltadas para crianças pequenas, com um material desse já não se poderia trabalhar com pessoas mais velhas. Fazemos a adequação iconográfica e também de conteúdo na dose correta para atender esses alunos”.
A inequívoca necessidade dos materiais didáticos específicos encontra um obstáculo: “o que está por existir é a construção de uma proposta do MEC. Na verdade, esse governo não fez nenhum movimento na direção de atender os alunos da EJA. Mesmo no governo de transição [governo Temer], a EJA foi relegada”, afirma Ângelo Xavier. Segundo ele, produzir o material didático para a EJA é importante para o mercado editorial, mas não tão relevante quanto o impacto social da EJA para a sociedade: “o Estado tem uma dívida com essa parcela da população e precisa fazer um esforço para atendê-la”.
Quase a totalidade do atendimento da EJA no ensino fundamental é atribuição dos municípios. O ensino médio fica a cargo das Secretarias Estaduais de Educação. Para Natanael José da Silva, presidente da União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) de Pernambuco, a EJA é mais uma modalidade que foi desprestigiada durante a pandemia, período em que os municípios sofreram uma desassistência total do governo federal. Natanael afirma que a descontinuidade de políticas públicas é extremamente grave. “O aceno nacional não foi dado no Plano Nacional de Educação (PNE 2014/2020). Estão aí as 20 metas, além das metas subsequentes, que dependem umas das outras e nós não tivemos avanço. Em 2015, quando da aprovação do PNE, a expectativa era que boa parte dos recursos do pré-sal se destinaria à educação e os municípios teriam condições de aumentar em até 60% a oferta na pré-escola, como chegar à universalização do ensino integral na educação básica. E a EJA também estava nesse contexto. Mas o que houve foi o engavetamento do PNE, só agora está sendo analisado, faltando três anos para concluir o decênio.” Ele também evidencia o esforço de gestores e da comunidade escolar, nos municípios, para atendimento do público da EJA. Municípios com boa receita arrecadatória conseguem dar conta da especificidade da EJA, entretanto, cerca de 80% deles não estão nessa condição. “Faltou ao governo federal um olhar para as práticas exitosas. Sempre houve disposição para construir uma plataforma para
“Até a LDB, revolucionária que foi em 1996, coloca o ensino fundamental como prioritário, mas não a EJA. A luta contra o analfabetismo, bandeira de Paulo Freire, não é uma luta de todos os governos. Não sendo objeto de esforço, a EJA reflete nossa sociedade”, diz Diego Elias Duarte
a EJA em nível nacional. Nós já temos o diagnóstico, os números, as informações, o que não tivemos foi efetivação de uma política que pudesse jogar luz sobre os municípios e estados.”
Por e-mail à repórter, o Ministério da Educação informou que a Secretaria de Ensino Básico (SEB) está construindo o cronograma para publicação do novo edital PNLD/EJA ainda em 2022. Suely Menezes, presidente da Câmara da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), menciona as novas diretrizes operacionais da Resolução nº 01/2021, de 25 de maio de 2021, que alinham a EJA à Política Nacional de Alfabetização (PNA) e à BNCC. Carga horária, tempo-
ralidade, local são aspectos que foram observados para facilitar o acesso e permanência dos alunos na EJA. A principal alteração, explica Suely, foi a ênfase na educação e aprendizagem ao longo da vida. “Historicamente, as três formas da EJA são presencial, por EAD e com ênfase na formação profissional. Agora, alinhamos uma nova tendência de valorização de aprendizagens formais e não formais. Ampliando as possibilidades desse aluno da EJA, que pode não desaguar num processo propedêutico, mas num projeto de vida em que ele possa ser útil para a sociedade, manter a autoestima, porque aprendeu coisas que ele pode oferecer para a sua comunidade.” A Resolução nº01/2021 teve suas diretrizes esmiuçadas em documento referencial para implementação da EJA nos estados e municípios.
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Que o castigo o irrite e o estimule mais do que o crime que o impeliu. Se o orgulho o fez cometer um crime, que seja ferido, que a punição o revolte. As penas infamantes são eficazes porque se baseiam na vaidade que estava na raiz do crime.” As palavras de Michel Foucault (1926-1984), filósofo e incorrigível ativista francês, ecoam atuais. Vigiar e punir (1975), de onde o trecho acima foi retirado, é uma obra de referência em diversos campos hoje, inclusive no direito.
O tratado de Foucault se apresenta ainda mais contemporâneo em tempos de “cultura do cancelamento”. Nesse tipo de julgamento moral, com um simples clique, isola-se alguém no mundo digital que teria se comportado de maneira não adequada - seja na vida pessoal ou profissional. A punição, que segue na vida offline, baseada em princípios da política de um contrato social rígido e sem espaços de respiro, resulta sempre em demissão, julgamento pessoal e ostracismo. O papel do Estado, em vigiar e punir, se torna uma espécie de mantra pessoal.
A cultura do cancelamento faz parte também do ambiente escolar, e, em muitos casos, se confunde com práticas de bullying numa mistura turva e confusa de comportamentos. Isso porque, geralmente, o motivo é torpe ou, simplesmente, é boato. A estudante que “ficou” com o namorado da amiga segue muitas vezes o mesmo caminho amargo; vive uma versão repaginada (mais rápida, cruel e de impacto maior) do isolamento social e difamação que uma estudante sofreria na escola em épocas pré-internet.
Mas o boca a boca não existe mais. A cultura do can-
celamento traz em si um elemento fundamental característico das mídias digitais, que é fazer com que a disseminação da informação tome proporções gigantescas em segundos. Pode-se assim desmoralizar e destruir uma vida e, não raro, isso termina de maneira trágica. Por isso, é um assunto que deve ser abordado pela escola, sobretudo em práticas de educação midiática, considerando os seguintes pontos (dentre outros):
• A cultura do cancelamento não abre espaço para o debate de ideias e tolerância. De forma geral é unilateral e reforça o comportamento de “cardumes” estimulados pelas redes sociais - quando a opinião da maioria cala as vozes da minoria;
• Muitas vezes a ação é guiada pela emoção do momento, e não pela razão. O impulso em se fazer justiça é mais presente do que as premissas para o pensamento crítico diante da situação;
• Um erro de julgamento é possível e, quando acontece, não há espaço, nem intenção, de se voltar atrás. A au-
tocrítica é limitada e a velocidade da informação, sobretudo no ambiente digital, faz com que a correção da ação aconteça sempre em menor proporção e impacto;
• A ideia de maniqueísmo (o bem contra o mal) se sobrepõe à realidade de que o ser humano é falível. A compreensão das nuances de comportamento e a falibilidade típicas do comportamento humano têm menos apelo emocional do que as atitudes extremas;
• As “penas infamantes”, como se referiu Foucault, têm efeitos moralizantes, e muitas vezes não conhecem os limites. Em alguns casos, doses de sadismo reforçam a noção de “justiça feita com as próprias mãos” e levam o cancelamento ao extremo. O caminho da cultura do cancelamento para o linchamento público é curto, convidativo e extremamente fácil de ser trilhado.
Entretanto, a questão principal sobre a cultura do cancelamento diz respeito à falta de escuta. Ninguém deseja ou dá espaço à voz do acusado. Ele raramente é escutado, pois o julgamento já aconteceu no calor dos fatos; é mais simples, e prazeroso, punir a tentar compreender. Nesse ponto, vale lembrar que Foucault escreveu Vigiar e punir baseado em escuta, distribuiu questionários aos presos de penitenciárias durante escândalos que eclodiam na França à época. Queria compreender como eles eram tratados dentro das prisões e se as penas tinham poder de “correção”.
É importante ressaltar, também, que há crimes, e crimes. Racismo, estupro, roubo, violência são casos de polícia. A questão da problemática da cultura do cancelamento vai em outro sentido: a violência moral. Quem cancela e persegue, em muitos casos, realiza um julgamento pessoal, unilateral, imediato, emocional e moral - assim, se vê no direito de punir.
O acolhimento e a tolerância são o oposto do cancelamento e também as bases para a construção de uma cultura de paz na escola. A promoção de ambientes e dispositivos de escuta, no locus democrático da escola, são fundamentais para se evitar a cultura do cancelamento. Cabe a todos os funcionários, dos inspetores aos alunos e professores até a diretoria, ficarem atentos aos casos que, na maioria das vezes, se iniciam em grupos de WhatsApp, ou redes sociais, de maneira silenciosa, e tomam proporções gigantescas em pouquíssimo tempo. Se desejamos a tolerância no Brasil, ela deve começar justamente na escola, na compreensão de que a educação é o único sistema de “correção” da própria cultura do cancelamento. E no caso de crime, num regime republicano e democrático, esse dever é do Estado.
O acolhimento e a tolerância são o oposto do cancelamento e também as bases para a construção de uma cultura de paz na escola
Não se pretende formar instrumentistas, e sim dar formação cultural. Movimento cresce com a obrigatoriedade na educação básica, mas está longe de oferecer uma formação estética e sociocultural aos alunos
| Por Karen CardialMateus Moraes Lago: a escola não oferece meios, não tem estrutura
Vamos chamar o vento
Vento que dá na vela
Vela que leva o barco
Barco que leva a gente
Gente que leva o peixe Peixe que dá dinheiro, Curimã
Vamos chamar o vento
Vento que dá na vela Vento que vira o barco
Barco que leva a gente
Gente que leva o peixe Peixe que dá dinheiro, Curimã
Omesmo vento que leva, que possibilita o trabalho e que alimenta, também é o risco de morte. E é com isso que o homem vive todos os dias. A música de Dorival Caymmi, compositor baiano, lançada em 1949, fala de um pescador que mesmo considerando o risco da tragédia (Iemanjá é a entidade para a qual confia sua vida antes de partir), enfrenta o perigo, precisa do peixe para sobreviver.
A canção foi o tema da aula de música do professor Heber Ramos Sanches, licenciado em artes e música pela USP, para o fundamental 1 do Colégio São Luís, em São Paulo. A intenção foi levar os alunos a refletirem sobre o momento histórico relatado por Caymmi e fazer um paralelo com a atualidade. Ao perguntar aos alunos e alunas se conheciam alguma profissão que trazia o mesmo perigo de morte na busca pelo sustento, estes enumeraram algumas profissões, como policiais, enfermeiros e motoboys.
Outra discussão emergiu ao notarem nas fotos apresentadas pelo professor que a maioria dos pescadores era negra, assim como os motoboys, policiais de baixa patente e soldados que enfrentam as ruas. “Será que continuamos a entregar o risco de morte às pessoas que consideramos ter ‘menos valor?”’, suscitou o professor, especializado em metodologias ativas pelo Ins-
tituto Brasileiro de Formação de Educadores (IBFE). “O médico, no hospital, tem menos risco de contaminação do que uma enfermeira, que lida com pacientes no ambulatório, faz curativos e aplica injeções todos os dias. Que cor é o médico? E a enfermeira?”
Como curiosidade, Heber destaca que as crianças perceberam, admiradas, a mesma dinâmica na sociedade que Dorival Caymmi cantou no início do século 20 com a atual.
“A música na escola pode ensinar crianças e jovens sobre a sociedade na qual estão inseridos. Sobre o que existe de importante no histórico-social e que foi construído ao longo do tempo. Esses alunos e alunas ganham um arcabouço cultural, intelectual e filosófico para que na vida adulta possam interferir na sociedade positivamente”, declara o professor, que também é criador de oficinas de formação musical na Fundação Bachiana em São Paulo. “Esse trabalho ajuda a criança e o jovem a não servir ao sistema enquanto consumidor de maneira vazia, que é o que ocorre na maioria das vezes - grande parte do cinema que absorvemos é norte-americano e isso construiu nossos desejos de status e consumo. Tudo o que desejamos ser foi visto em alguma princesa da Disney, ou herói da Marvel ou DC Comics, efeito de um mercado que deseja estabelecer um modo de vida específico”, discorre Heber.
Inúmeros benefícios são reconhecidos pela neurociência sobre o ensino da música para crianças e jovens, desde a potencialização das aprendizagens emocionais, cognitivas e sociais até o desenvolvimento da própria estrutura cerebral. É preciso ressaltar que a presença da música nas salas de aula não pretende formar instrumentistas, mas dar formação cultural aos alunos. O próprio Ministério da Educação (MEC) recomenda que alunos conheçam a diversidade cultural do Brasil.
Em 2008, a lei nº 11.769 estabeleceu a música como conteúdo obrigatório na educação básica. E em 2016 houve uma ampliação dessa lei, com a intenção de promover a arte, que incluiu, além da música, artes visuais, dança e teatro no currículo das escolas (lei 13.278).
Mauricio Braz de Carvalho, licenciado e mestre em música e educação musical e doutorando em educação pela Faculdade de Educação da USP (Feusp), esclarece que o ensino da música passou muito tempo engessado, com aulas maçantes e mecanicistas e que ignoravam o que os alunos sentiam e o que podiam criar em termos de música.
Mauricio, que atua como professor na educação básica há 14 anos, explica que as escolas que colocam a música instrumentalizada a serviço de eventos, como o Dia dos Pais, Páscoa, festa de final de ano, ‘que adestram as crianças’ (inculcação de hábito), dispõem a música para a hora do lanche, para fazer fila e escovar os dentes, utilizam práticas empobrecedoras do ponto de vista formativo.
“A aula de música deve propor a ampliação de horizontes, o desenvolvimento da percepção estética, o aumento da capacidade de escuta, da expressão da criança por meio dos sons, o entendimento dos sons do ambiente, a compreensão de obras historicamente produzidas por diversas culturas. Para alcançarmos isso em todas as escolas do Brasil, muitos desafios precisam ser vencidos”, aponta Mauricio.
Aos poucos surgem escolas que reconhecem a música como área específica, com demandas próprias, que exige um professor licenciado na área, capaz de proporcionar aprendizagens essenciais e que tenha um olhar especial sobre a música. Assim vão surgindo nas escolas as salas de música com um número razoável de instrumentos para o professor trabalhar, o que resulta em uma importante conquista.
Uma das dificuldades é a carência de bibliografias organizadas para ensinar música para crianças e jovens. Não há, no mercado editorial brasileiro, textos de referência da cultura popular brasileira escritos para crianças, aponta Heber. Há bons livros, mas nenhum com profundidade e fatos históricos reais que enriqueçam o trabalho na escola. “Nos tornamos autores de nossas próprias aulas”, conclui.
Mateus Moraes Lago é licenciado em música, mestre em artes pela Universidade Federal da Bahia e professor de música numa escola pública para crianças de quatro e cinco anos no município baiano Dias d’Ávila. Ele conta que numa aula notou um aluno cabisbaixo e tristonho. O motivo: a criança não havia comido nada naquele dia. ”Música é essencial, mas quando me deparo com essa situação me questiono sobre a razão de fazer música na sala de aula se a criança não tem nem o que comer”, lamenta o professor, que desde que chegou à escola, há seis anos, encara situações delicadas no seu dia a dia. Mateus trabalha com 40 crianças pequenas, sem assistente de sala e sem instrumentos, o que requer criatividade e equilíbrio emocional. Com um pandeiro velho que encontrou na escola, pedaços de madeira que usa para produzir sons e com o violão que traz de casa, ele se desdobra para dar aula.
Para Mauricio Braz de Carvalho, é preciso estabelecer diálogos e debates sobre quais conhecimentos musicais devem compor o currículo da escola, quais estilos e compositores que os alunos têm o direito de conhecer
“A escola pública cobra os conteúdos e as habilidades que devem ser trabalhados. Mas na sala de aula a criança não irá desenvolver, pois a escola não oferece meios, não tem estrutura. A Secretaria de Educação cobra o planejamento, mas não garante as condições para que seja executado”, argumenta. “Há dias em que não consigo dar aula e saio frustrado. Busquei ajuda psicológi-
A música na escola pode ensinar crianças e jovens sobre a sociedade na qual estão inseridos. Sobre o que existe de importante no histórico-social e que foi construído ao longo do tempo
“Esses alunos e alunas ganham [com a música] um arcabouço cultural, intelectual e filosófico para que na vida adulta possam interferir na sociedade positivamente”, diz Heber Ramos Sanches
ciar na aula de música o que faria em outro contexto. O sentido na escola é proporcionar experiências que em outros lugares não seriam possíveis. “O grande desafio é que a escola promova uma formação que amplie os horizontes da criança”, afirma.
ca e de amigos, mas sei que o problema não sou eu, pois sou um bom professor.”
Mateus conta que, em virtude da pandemia da covid-19, muitos alunos que ficaram sem aula e hoje estão no 3º ano do ensino fundamental 1 não estão alfabetizados –segundo ele, ritmos musicais e instrumentos ajudam no processo de alfabetização.
Seres humanos possuem uma memória afetiva com a música. Há quem ouça uma canção e sinta o cheiro de um perfume ou recorde uma cena, ou até quem chore por lembrar-se de alguém. Segundo Heber Sanches, essas memórias afetivas são subjetivas, não têm relação com uma formação estética, portanto, não é com isso que o professor deve trabalhar. Heber acredita que na escola deve-se aplicar tudo que será útil durante a vida e isso é educação estética. “Você ensina o aluno a ouvir, a dar-se conta de como o discurso musical acontece. Ele vai usar essa habilidade ao ouvir qualquer repertório e aprenderá a identificar o que num determinado gênero é significativo.”
Uma canção é o acompanhamento de um instrumento e uma melodia. Se a criança aprende a ouvir essa textura, os dois elementos que se sobrepõem, ela conseguirá alcançar com qualquer canção e gênero, esclarece Heber.
Para Mauricio, que realizou em 2020 estudos e pesquisas no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, em Portugal, não faz sentido a criança viven-
É fundamental apresentar aos alunos a variedade de ritmos populares brasileiros, como o baião, frevo, maracatu e a ciranda. Assim como ritmos e estilos de outras culturas, como a música clássica, erudita, europeia, partitura, flauta doce, que possuam aprofundamento estético, ou seja, deve-se unir qualidade e variedade. Mostrar ao aluno que há pluralidade de estilos, ritmos e possibilidades instrumentais, harmônicas, melódicas e rítmicas. Outro desafio é acolher as preferências musicais da criança, as referências familiares que ela traz e ampliar seu olhar, construir novas pontes, fazer links para outras direções e novas paisagens musicais, sonoras e culturais, que em casa, sozinha, ela não faria, instrui Mauricio, que também é professor de música do Colégio Oswald de Andrade, em São Paulo.
O campo da música tem clareza do que não quer mais e isso é uma grande conquista. Está ciente de que não quer mais ser preconceituoso, centrado num único repertório europeu, branco, não pode mais negligenciar as culturas populares, nem estabelecer uma prática musical em que o aluno não se coloca e não tem voz. “Já sabemos o que não queremos mais, agora cabe ao campo da educação musical estabelecer diálogos e debates sobre o que é valoroso e imprescindível, quais conhecimentos musicais devem compor o currículo da escola, quais estilos e compositores que os alunos têm o direito de conhecer”, direciona Mauricio.
Um professor de literatura, português, matemática, história fala com facilidade dos conceitos que qualquer aluno no Brasil tem o direito de conhecer. Um professor de música não tem facilidade para responder sobre conceitos, temas, estilos, repertórios ou compositores que ele considera imprescindíveis, porque o campo da música ainda não tem clareza sobre isso.
“A desigualdade social do Brasil, neste momento, assim como em qualquer outro contexto, se faz presente: as escolas mais estruturadas, que têm professores com formação profissional, estrutura física propícia, são aquelas que possuem um momento musical de forma sistemática e mais consistente”, finaliza Mauricio.
É preciso uma política pública que incentive a inteligência artificial logo no início do ensino fundamental, o que inclui capacitação docente
| Por Wagner Sanchez*Infelizmente, o Brasil está perdendo uma nova onda científica que poderia alavancar o país e, principalmente, aumentar a qualidade de vida da população. Já deixamos passar a onda do hardware, posteriormente a onda do software e agora a grande oportunidade da inteligência artificial (IA). Ela passa e o país não se movimenta para “dropar” esta oportunidade incrível de elevação de patamar.
O mapeamento da Unesco sobre a curricularização da IA para alunos do ensino básico demonstra esta grande oportunidade que o Brasil tem de inserir o conceito de inteligência artificial, machine learning, deep learning e cognificação nas escolas. Não aprendemos matemática para nos tornarmos matemáticos. Não aprendemos história para sermos historiadores. Nem aprendemos língua portuguesa para virarmos escritores ou professores de português. Devemos compreender inteligência artificial para nos tornarmos profissionais mais eficientes, para que tenhamos mais segurança, para que possamos economizar tempo com atividades repetitivas. Enfim, para que sejamos mais felizes.
Como demonstra o estudo da Unesco, a implementação da IA em currículos de ensino básico está apenas engatinhando na maioria dos países e, aqui no Brasil, nem sequer nasceu. Daí a grande oportunidade de uma política pública que incentive a implementação - de forma urgente - dos conceitos de inteligência artificial junto com o desenvolvimento do pensamento computacional desde o ensino fundamental.
O primeiro passo para esse projeto ímpar na educação brasileira passa, obviamente, por uma grande oferta de capacitações presenciais e remotas dos professores, com o grande objetivo de desmistificar os conceitos de IA e, principalmente, enaltecer o seu potencial de colaborar com a própria educação do Brasil.
Somente a IA na educação pode proporcionar escolas que implementem de fato o Adaptive Learning, o Agile Learning, o Learning with Cause, o Learn for Real, o Learning To Do, o Reflective Learning e uma Evaluation by Skills. Ou seja, tudo aquilo que os educadores tanto buscam. As soluções cognitivas que aprendem com a utilização podem ser as grandes aliadas dos professores em busca de um ensino que faça sentido para as novas gerações.
Com a popularização dos ensinos remotos assíncronos e síncronos, as capacitações podem ocorrer de forma ágil pelo Brasil todo, atreladas à capacitação. Deve-se criar um programa de incentivo para que os professores busquem e implementem soluções cognitivas em seus currículos. Deve-se despertar no professor a vontade de “como eu posso ensinar história com mais eficiência e prazer utilizando a inteligência artificial”, “como a matemática pode se tornar mais tangível com uma solução computacional cognitiva” e assim por diante. Com estas implementações, o professor começa a aproximar-se e a apropriar-se da IA. Isto faz com que ele tenha mais segurança e predisposição para transferir os conhecimentos de inteligência artificial ao aluno.
O aprendizado para a vida real com o uso da IA pode fazer toda a diferença para as crianças e para os jovens. Ao relacionarem o que estão aprendendo com a vida real, a
A implementação da IA em currículos de ensino básico está apenas engatinhando na maioria dos países e, aqui no Brasil, nem sequer nasceu
curiosidade é estimulada e a vontade de saber potencializa-se, pois percebem um conhecimento que poderá ter aplicação imediata e ajudá-los em suas vidas. O multiverso pode trazer tudo isto para os momentos de aprendizado junto com os professores e até com a família.
E, por fim, muito se fala na aprendizagem adaptativa, porém poucas iniciativas são observadas nas escolas, principalmente no Brasil. A aprendizagem adaptativa pode ser apoiada pela inteligência artificial, pois com ela é possível entregar experiências de aprendizagem personalizadas que atendem às necessidades únicas de cada aluno pois, como sabemos, cada indivíduo é único e merece ser tratado assim.
Depois dessa primeira etapa de match entre professores do ensino fundamental e médio com a IA, parte-se para um processo gradativo e cuidadoso de inserção dos conteúdos de IA nas disciplinas de forma transversal, onde todos os professores ensinariam IA dentro de seus programas, sempre em prol de uma sociedade mais eficiente. Com isto, os professores e os alunos poderão ir sentindo como a inteligência artificial pode estar relacionada com matemática, filosofia, biologia, língua portuguesa, geografia, educação física, história etc.
Sabemos o quanto os robôs estão entrando em nossas vidas e nos substituindo em tarefas repetitivas, perigosas e até impossíveis de serem feitas por humanos. Neste contexto, entender os robôs está sendo pré-requisito para os profissionais das mais diversas áreas do conhecimento. Quando iniciamos este aprendizado desde criança, temos muito mais chances de sucesso.
Após estes três movimentos, vem a parte mais fácil que é inspirar os jovens a compreenderem como a IA está presente em nossas vidas e, principalmente, como
será o futuro. Podemos até afirmar que o futuro é incerto, mas com toda certeza a IA estará presente nele e o jovem sabe disto.
As soluções cognitivas estão por toda a parte e só devem aumentar. Tudo está ficando mais inteligente: carros, relógios, aviões, navios, aparelhos de celular. As cidades estão ficando mais inteligentes em prol de uma Smart Society: uma sociedade construída com base nas fusões das tecnologias exponenciais, visando privilegiar a essência humana. A Smart Society busca dar ênfase à inclusão, à sustentabilidade e à qualidade de vida – tudo o que as novas gerações buscam em seus ideais. Com isto, a inteligência artificial é um grande atalho para soluções nunca antes pensadas. Com esse movimento cíclico de capacitação de professores, inclusão de IA nos conteúdos e inspiração dos jovens para que juntem suas mentes brilhantes com tecnologia na solução de problemas mundiais, pode-se mudar um bairro, uma cidade e até um mundo.
Não podemos deixar passar a onda da inteligência artificial, seria mais uma perda inestimável para os nossos jovens. Precisamos urgentemente de vontade política para que possamos implementar um projeto para levar a inteligência artificial para todos os alunos do ensino fundamental, principalmente para os mais vulneráveis, porque a IA pode ser o grande atalho para que eles possam ascender socialmente.
Wagner Sanchez é pró-reitor acadêmico do Centro Universitário FIAP
O aprendizado para a vida real com o uso da IA pode fazer toda a diferença para as crianças e para os jovens
Na escola em tempo integral Centro de Excelência Dr. Milton Dortas, na cidade de Simão Dias, centro-sul sergipano, aos 17 anos, o aluno Gabriel de Jesus Santos está acostumado à rotina democrática: participa de um grêmio que trabalha fortemente questões como direitos sociais e respeito à diversidade, com eleições diretas a cada dois anos, seguindo todo o rito do voto secreto. Aluno do 2º ano do ensino médio,
também organiza rodas de conversa com a direção e com os alunos, para dialogar e entender o que pensam. É um dos 2.042.817 novos eleitores, com idade entre 16 e 17 anos, que depositarão seus votos nas urnas para as eleições de 2022.
Gabriel sente-se preparado para essa responsabilidade. “Aprendi a exercer meu direito de cidadania, sabendo que avaliar propostas é melhor que acreditar em promessas.”
Infelizmente, isso não é verdade para boa parte dos jovens, que em outubro votarão pela primeira vez. Pouco habituados a escolhas em suas escolas – onde não decidem sequer se podem usar chinelos ou tênis –, e acompanhando em casa discussões políticas sem pé nem cabeça que arrasam famílias e amizades, os jovens cresceram em um ambiente em que se confunde política com criminalidade, educação com ideologia, professores com doutrinadores, e valores democráticos com usos e costumes individuais.
Esse retrato confuso e complexo pode ser desenhado em números. Conforme pesquisa divulgada em julho pelo Instituto DataFolha, sob encomenda das organizações sociais Cenpec e Ação Educativa, 56% dos brasileiros pensam que os professores não devem falar sobre política em sala de aula. Outros 54% acreditam que os pais podem, sim, proibir a escola de ensinar sobre temas que não considerem adequados.
Em ano de eleições, discutir às claras política e cidadania é um desafio fundamental a ser vencido na educação
É preciso ensinar os alunos a debater, a ouvir o ponto de vista do outro e a expressar seus próprios argumentos, com respeito e civilidade“A política não pode ser criminalizada e deve ser tema principal da escola”, diz a ex-presidente da Ubes, Rozana Barroso, 23 anos Arquivo pessoal
É um cenário preocupante – e seria ainda mais se não trouxesse um dado aparentemente contraditório. Ao mesmo tempo que condenam abordagens educativas da política, 90% dos entrevistados também acreditam que a escola deve falar sobre pobreza, desigualdade e todas as formas de preconceito. Mas, isso não seria justamente falar de política?
Desse ambiente complexo faz parte, finalmente, o ainda mal compreendido impacto das redes sociais. Se no início do ano o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estava alarmado com o baixíssimo interesse dos jovens pela emissão do título de eleitor, o prazo determinado para 4 de abril terminou com o maior número de eleitores nessa faixa etária em duas décadas. Obra da conscientização das escolas e dos pais? Nada disso: Anitta, Zeca Pagodinho, Bruna Marquezine e até estrangeiros como Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo mobilizaram a garotada pelas redes sociais. Mas, se os influenciadores podem ser fundamentais para atingir as novas gerações, não se pode delegar a eles a formação para a vida cidadã. Até porque, pelas veias das mesmas redes sociais que engajam novas gerações, também circula o veneno das fake news e da desinformação.
Para a historiadora Kamila Nunes da Silva, gestora do Núcleo de Educação Básica da organização social Politize!, tudo se explica pela incompreensão do que vem a ser conhecimento político. “Política vai muito além de processo eleitoral, campanhas e escolha desse ou daquele candidato. É sobre direitos e deveres, sobre participação na cidadania”, lembra. Para ela, essa visão também é impactada pela criminalização que marcou a atividade partidária e pela polarização que divide a sociedade. “Quando se toca na palavra política, a pessoa
Para Gustavo Henrique, 18 anos, a política no ambiente escolar deve considerar o respeito às diferenças e a redução da desigualdade
“Política faz parte da vida, e o que é parte da vida precisa ser tratado na escola,” afirma Romualdo Portela
já arrepia”, lembra. Por isso, em sua avaliação, ao mesmo tempo que se nota interesse pelo tema na sociedade, há receio.
E é justamente nesse campo que atua a Politize!, organização criada em 2013, ano em que milhões de pessoas foram às ruas em protesto, justamente para pensar como discutir política com o cidadão comum, de forma didática e suprapartidária, informando sobre conceitos básicos, desmistificando temas polêmicos, sempre em linguagem simples, por diferentes mídias, de fácil consulta e entendimento.
Prova do interesse demonstrado pelo tema é a própria atividade da Politize!, que tem um braço no cam-
2.042.817 de novos eleitores, entre 16 e 17 anos, depositarão seus votos nas urnas para as eleições de 2022, o maior número em duas décadasArquivo pessoal João Marcos Veiga/ANPEd
po da educação. Hoje, a entidade possui um programa específico para o ensino médio, denominado Escola da Cidadania Ativa, no qual apoia secretarias de Educação com formação de professores, oferta de eletivas, uma trilha de aprofundamento com 900 horas e recursos pedagógicos. Acre, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Mato Grosso, Roraima, São Paulo e Sergipe já participam do programa, e outros devem entrar em breve. Apenas o projeto Eletivas alcançou 1,3 mil professores e mais de 60 mil alunos nos últimos dois anos.
Entre as propostas da Politize! está a formação direta para os alunos, em cursos de liderança e modelos de replicação, como os “embaixadores”.
Entre os 237 alunos formados em 2021 está o baiano Rodrigo Nascimento, de 28 anos, que acaba de se graduar no curso técnico profissional de administração no Colégio Estadual Mandinho de Souza Almeida, no Recôncavo Baiano. Rodrigo se orgulha por ter estudado em uma escola que valoriza o protagonismo dos
alunos. Antes mesmo que se iniciasse a movimentação para estimular os jovens a tirarem seus títulos de eleitor, em 2022, os alunos da sua escola se motivaram para lançar o Título na Mão, chamando os adolescentes para o direito ao voto. “Sou muito fã da política, gosto, vivencio. Precisamos fazer a discussão nas nossas escolas porque é o ambiente de conhecimento, e também do conhecimento político”, acredita Rodrigo. Para ele, é essencial que todo jovem conheça o projeto político-pedagógico e o regimento da escola onde estuda, bem como documentos essenciais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases e outros. “Ninguém virá falar espontaneamente para apresentar nossos direitos, só nossos deveres”, diz. Mas há algo mais sobre a importância da política, além do necessário aprendizado sobre o exercício da cidadania. Os jovens oxigenam a sociedade, trazem uma visão do futuro, as demandas do hoje e do amanhã. “Precisamos novamente olhar para a política como um caminho de transformação”, acredita Rozana Barroso, que acaba de concluir o ensino médio profissional na Fundação de Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro, na área de análises clínicas. Agora, aos 23 anos, cursando direito em São Paulo no Centro Universitário Zumbi dos Palmares, Rozana foi o primeiro membro de sua família a chegar ao ensino superior, e acaba de deixar a presidência da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). Para ela, o desejo dos adolescentes de saber mais sobre política vem superando o medo que a sociedade tem de jovens engajados, mas há muito a caminhar. Para a ex-presidente da Ubes, a política não pode ser criminalizada e deve ser tema principal da escola. “É a
DEMOCRACIA Os jovens oxigenam a sociedade, trazem uma visão do futuro, as demandas do hoje e do amanhãO sergipano Gabriel de Jesus Santos, 17 anos, faz parte do grêmio de sua escola e se sente preparado para votar em outubro Kamila Nunes da Silva é gestora do Núcleo de Educação Básica da Politize!, entidade que tem entre seus programas o Escola da Cidadania Ativa
discussão mais importante que temos de fazer: política e escola têm tudo a ver, um match perfeito”, acredita.
O aluno Gustavo Henrique, de 18 anos, de Itamaraju, BA, concorda. “Por mais que o jovem entenda a importância da política, ela é hoje, pra ele, um espaço institucional muito envelhecido, que abre poucas oportunidades para que ele se manifeste, e que não o representa”, reforça. Em outras palavras, significa dizer que os jovens veem a política não como um espaço de soluções, mas como a própria origem dos problemas.
“É necessário que a política seja uma prática nas escolas, considerando o respeito às diferenças e a redução da desigualdade”, acredita Gustavo.
“Política faz parte da vida, e o que é parte da vida precisa ser tratado na escola.” Dessa forma, simples assim, o pesquisador Romualdo Portela define a importância
Formação para jovens lideranças na escola em que o baiano Rodrigo Nascimento se formou neste ano
de se abordar os temas políticos na educação. Não é preciso sequer evocar a tão vilipendiada memória de Paulo Freire para lembrar que política e educação não se separam. Diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec, pós-doutorado na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, Romualdo lembra que o estadunidense John Dewey - uma das mais importantes referências da pedagogia - há um século já lembrava que a escola é um microcosmo onde os alunos devem viver a experiência da vida democrática.
Calma lá, trazer a política para a escola não significa promover o proselitismo, mas proporcionar aos alunos e alunas a oportunidade de conhecer as diversas faces de uma questão, cotejar pontos de vista, enfim, construir o conhecimento necessário para pensar criticamente, se posicionar, fazer escolhas, argumentar.
“A doutrinação só tem espaço onde não há diferentes pontos de vista, quando predomina o pensamento unilateral”, lembra Portela. Ele cita, por exemplo, as aulas de história, em que temas como Inconfidência Mineira são importantes oportunidades para explorar a fundo como diferentes atores viam o mesmo processo histórico – que para os inconfidentes era uma luta por direitos à liberdade, e para a coroa portuguesa, uma insurreição. “Há sempre diferentes pontos de vista para cada fato”, lembra.
Por isso, também, não bastam boas explicações. É preciso ensinar os alunos a debater, a ouvir o ponto de vista do outro e a expressar seus próprios argumentos, com respeito e civilidade. Para Romualdo Portela, interditar o debate na escola implica privar os alunos de uma reflexão mais crítica sobre o mundo. “Acho que é preciso mesmo recuperar um certo espírito do Iluminismo, na medida em que a interação, a discussão de ideias, o diálogo permitem a melhoria do conhecimento coletivo sobre temas que, afinal, dizem respeito a todos nós”, finaliza.
John Dewey - uma das mais importantes referências da pedagogia - há um século já lembrava que a escola é um microcosmo onde os alunos devem viver a experiência da vida democrática, lembra Romualdo PortelaArquivo pessoal
Maah Lopez, de 26 anos, não passa despercebida por gamers quando está andando pelas ruas de seu bairro, a Mooca. O motivo: ela é uma influenciadora do universo de eSports.
Desde os 10 anos de idade, jogar videogame faz parte da vida de Maah, que se popularizou também como repórter e comentarista do segmento e cujo nome de registro é Maria Gabriela Lopes Silva, mas é pelo apelido que é conhecida. Em sua jornada, não se omite quando o tema é ativismo. Mulher, preta e LGBT, difunde mensagens a favor da igualdade. “Tenho diversas partes da diversidade em mim; sei das dificuldades que a gente encontra pelo caminho.”
Na infância em Belo Horizonte, MG, foram horas dedicadas a esse entretenimento nas lan houses e
fliperamas. No entanto, durante oito anos, interrompeu a prática. “Foi quando tive uma depressão forte, um momento muito crítico para o meu psicológico”, recorda-se. “Daí pensei: preciso dos jogos, para lembrar daquele mesmo sentimento que tinha quando criança.”
Nos tempos de escola, não se recorda de oportunidades para contato com a gamificação. “Havia no ar aquele medo de que jogo é jogo, estudar é estudar, trabalho é trabalho”, comenta.
Segundo a influencer, hoje é possível afirmar que essa união faz parte de uma fórmula para resultados positivos. “Os jogos evoluíram muito, a ponto de ter o estilo que estimula as crianças.” Para ela, a prática pode trazer benefícios e melhorar pontos pessoais: “como lidar com desafios, elaborar estratégias em curto prazo de tempo, trazer melhorias na parte cognitiva, memória, tudo por meio do game”, acredita.
Foi em um colégio no bairro de Inhaúma, na zona norte do Rio de Janeiro, quando os pequenos da primeira série foram convidados a ter contato com um equipamento diferente: um computador.
Passadas duas décadas do ocorrido, essa cena prossegue viva na mente de Camila Silveira, influenciadora, streamer, atriz e apresentadora da Liga Brasileira de Free Fire, nacionalmente conhecida como Camilota XP.
“Gostei muito da experiência, passou a integrar minhas aulas favoritas – eram informática e educação física”, comenta.
Sobre a inserção desse tema no mundo educacional, acredita que, cada vez mais, os estudantes trazem os games para a escola. “Estão à vontade para mostrar isso aos professores, indicar que têm recursos disponíveis para trabalhar em sala de aula.”
Ela refere-se à estrutura das instituições, organização dos conteúdos e cita, ainda, a aplicação de atividades em títulos como o Minecraft, jogo de aventura de mundo aberto cujo usuário tem blocos para construir uma variedade de cenários, com liberdade.
Influenciadora com mais de 1,5 milhão de seguidores no Instagram, a streamer já realizou duas edições do CampLota – campeonato do game Free Fire só com mulheres. “Busco oferecer um evento profissional e um lugar seguro às meninas, onde elas se sintam abraçadas para mostrar o gameplay”, ressalta.
Se, durante muitos anos, termos como games e tecnologia tinham um distanciamento das rotinas escolares, atualmente, vive-se um novo momento, como explica o diretor de vendas da Lenovo, Augusto Rosa.
“O processo de ensino e aprendizagem mudou. Hoje, a posição do aluno é de protagonista ativo”, cita, ressaltando que o docente deve ter esse contexto como aliado e não problema. “Essa geração
consome e cria tecnologia, e é estimulada por conteúdo que faça sentido para a vida”, pontua.
O engenheiro de soluções para a educação da Lenovo, Carlos Almeida, reforça a preocupação com a adoção da tecnologia que apresenta novas possibilidades para educadores e estudantes ensinar e aprender. “Sempre buscamos ir além do dispositivo, com software agregando serviços e até mesmo soluções financeiras”, diz.
Os índices relacionados aos jogos eletrônicos no Brasil estão crescendo. De acordo com a edição de 2022 da Pesquisa Game Brasil (PGB), 74,5% das pessoas ouvidas afirmaram ter o costume de jogar –o estudo tem início nas faixas etárias entre 16 e 19 anos, que representam 17,7%; do total, 51% são mulheres.
No entanto, segundo publicação científica da Universidade de Amsterdã, na Holanda, e Instituto Karolinska, na Suécia, crianças entre nove e 12 anos – 5.374 ao todo – registraram aumento de QI após praticarem a atividade durante uma hora por dia.
Maah Lopez e Camilota XP são embaixadoras da Lenovo BrasilSob a influência de diferentes escolas, teorias e abordagens pedagógicas, professores precisam se tornar autores de seus próprios caminhos
onha-se no lugar de um professor do século 21: conforme a faculdade que fez, a escola em que trabalha, as lives a que assiste, os livros que lê, os congressos que frequenta, o diretor que decide, o coordenador que chega, as formações que realiza, um novo conjunto de novas referências pedagógicas se acotovela para caber no seu escaninho. Por uma mesma sala de aula, em um único dia, podem passar materiais montessorianos, registros e documentações da abordagem de Reggio Emilia, propostas de alfabetização alicerçadas no construtivismo com Emilia Ferrero, ideias da pediatra húngara Emmi Pikler ou do bielorrusso Lev Vigotski, apenas para se pensar na educação da infância. Acabou? Nem começou: principalmente a partir do ensino fundamental e ensino médio, surgem as metodologias ativas, aprendizagem baseada em projetos, ensino híbrido, sem contar a Teoria das Inteligências Múltiplas, ensino para a compreensão, aprendizagens
visíveis, metodologia ágil, um rol infinito de novas ideias e práticas pedagógicas e, no final, ainda a guilhotina a sangue-frio do vestibular.
Na sociedade do conhecimento, na qual a educação se torna cada vez mais o maior bem, é compreensível que a pedagogia busque novas fronteiras, ao mesmo tempo que é tributária das conquistas dos últimos (pelo menos) 100 anos e que permanecem atuais. E é de se esperar também que seja cada vez mais influenciada (ou pressionada) por outros campos do conhecimento, como psicologia, sociologia, economia, administração, as ciências da mente. Mas, justamente por isso, pode ser hora do chamado freio de arrumação. É um tema delicado e controverso, e é preciso organizar a casa para entender para onde estamos indo.
A pedagoga Bruna Ribeiro, doutora em educação pela USP, com frequência ouve uma mesma pergunta de seus alunos: com tantas abordagens, não seria melhor pegar um pouquinho de cada? A resposta para ela é: não... “É como se tivéssemos uma carruagem na qual cada abordagem pedagógica fosse um dos cavalos. Cada um pode querer seguir em uma direção”, compara.
Em sua pesquisa de doutorado, Bruna acompanhou experiências tidas como inovadoras e participativas em quatro países. “Ficou evidente o quanto ainda é preciso descontruirmos a visão de que a simples inclusão de elementos provenientes dessas pedagogias por si só, produza a transformação”, diz.
O foco não pode ser só a formação acadêmica, acredita a diretora da Aldeia Montessori, Márcia Righetti
Ocorre que, muitas vezes, os profissionais de educação – nele incluídos diretores e coordenadores – têm acesso apenas a recortes de um pensamento. Daí vem a falsa ideia de que ações isoladas, como comprar mobiliário, criar espaços ou utilizar estratégias isoladas de diferentes abordagens, por si sós, sejam suficientes. “É preciso dar um passo além e compreender as bases que sustentam determinado pensamento pedagógico para
não ficarmos reféns de modismos educacionais que só nos fazem andar em círculos”, afirma Bruna.
Deve-se levar em conta que as diferentes abordagens estão ligadas a um contexto histórico, certa cultura, determinada visão de mundo.
Na percepção da educadora Josiane Pareja, diretora do Ateliê Carambola Escola de Educação Infantil e do Ateliê Centro de Pesquisa e Documentação Pedagógica, é necessário dar um passo atrás para se repensar o que é a pedagogia. “O que vivemos hoje é um processo esquizofrênico e a miscelânea reflete uma visão da educação como mercadoria, em um brasilzão cheio de apostilas”, compara. “Escolas que pegam apenas fragmentos e recortes das abordagens pedagógicas, sem que tenham coerência entre si, parecem não ter clareza de que ser humano querem ajudar a formar”, diz.
A seu ver, a bússola para orientar os educadores na tempestade de tendências é a documentação. “Hoje, as pessoas não documentam nada, sequer o projeto político-pedagógico, e não há pedagogia sem registro”, diz. Para ela, o primeiro passo para quem quer mudar é olhar para a própria realidade e documentar aquilo que já faz. A partir desse olhar, sim, decide-se aquilo que é preciso mudar.
“Antes de se partir do conteúdo, é preciso entender o que é uma criança, perceber como ela aprende, o que é importante para ela”, diz. E isso requer estudo contínuo. No Ateliê Carambola, todos os professores têm duas horas remuneradas de estudo por dia e nesse movimento, começam a confrontar sua visão com a dos outros professores, da direção e do atelierista, e a escolher aquilo que querem tornar visível. “Essa narrativa faz com ele seja um autor. A formação do professor não se esgota, vai construindo formas de pensar a pedagogia”, sintetiza.
Essa preocupação com a coerência pedagógica não é apenas brasileira. É um dos temas do livro Outra pedagogia é possível (ed. Pedro e João) da filósofa Almudena García, publicado este ano no Brasil. A autora descreve diferentes propostas educativas, sob o epíteto nem sempre bem aceito de ‘alternativas’. Algumas têm muitas décadas de existência, mas ainda são inovadoras. “Falar em respeito aos ritmos da criança – e, cuidado, sobre isso cada pedagogia entende algo diferente –ainda é considerado algo inovador. Muitos professores que estão atualizados usando lousas digitais ou plataformas digitais continuam penalizando o erro”, lembra.
Bruna
Entre as experiências que Almudena cita como exemplo estão as das escolas Waldorf e também as inspiradas na obra da médica italiana Maria Montessori (1870-1952).
A educadora Márcia Righetti, diretora da escola Aldeia Montessori e do Centro de Estudos Montessori, no Rio de Janeiro, explica que: “a sociedade clama por uma educação que faça do ser humano um habitante amável com todas as espécies de vida. Maria Montessori vislumbrou este panorama, criando uma pedagogia cientifica com base na neurociência e na psicopedagogia, e trouxe para a escola todas as facetas do cotidiano dos humanos”. Em seu livro, Almudena procura exatamente mostrar outros caminhos para uma educação que não seja o que chama de pista de obstáculos. “Muitos professores ainda mantêm a ideia de que educar é algo como colocar um molde. Quem não se adapta a esse molde, quem não consegue acompanhar as aulas, acaba se sentindo totalmente desvinculado, querendo chegar à idade em que não precisa mais continuar na escola”, explica. A seu ver, uma das principais virtudes das chamadas pedagogias alternativas desenvolvidas no século 20 é favorecer a motivação e a inclusão. “Alguns preferem pensar que é necessário dar um tablet a cada aluno, mas outros defendem que o papel do educador e da interação com os pares é insubstituível”, finaliza. Nesse sentido, sim, permanecem inovadoras. Afinal, como lembra Bruna Ribeiro, citando a educadora brasileira Lydia Hortélio, as crianças são a última novidade do mundo.
A doutora em educação
Ribeiro é contra misturar abordagens pedagógicas
“Falar em respeito aos ritmos da criança ainda é considerado algo inovador”, diz a filósofa Almudena García
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No sertão de Pernambuco, iniciativa intersetorial – governo, escola, terceiro setor e empresas – constrói curso em energia limpa adaptável para outros estados
| Por Laura RachidEm dias de chuva, nem mesmo a lama das estradas de Araripina, localizada no sertão de Pernambuco, na divisa com o Piauí e a 150 km de Juazeiro do Norte, Ceará, desanima o vigilante Aurélio Lima. Aos 42 anos, das 6h às 18h trabalha e à noite, das 18h40 às 21h20, faz curso técnico em sistemas de energia renovável na turma do subsequente – nas palavras dele, está buscando algo a mais para sua vida e da esposa. E está investindo: nos dias do plantão paga para seu colega vigilante chegar mais cedo e assim não perder as aulas. “Estou fazendo um sacrifício”, confessa o novo estudante que ingressou no início do ano para o curso que tem duração de um ano e meio. No 1º semestre, ele e seu grupo construíram um forno solar.
O curso de sistemas de energia renovável é novo, começou a ser criado do zero em 2020, dialoga com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com o novo ensino médio e é referência nacional por conta de um pioneirismo no Brasil: foi construído em parceria com o governo de Pernambuco, comunidade escolar da ETE (Escola Técnica Estadual) Pedro Muniz Falcão, em Araripina, terceiro setor representado pelo Itaú Educação
e Trabalho e o mais incomum, o setor produtivo da região, primeiro com a Auren Energia e ano passado a Schneider Electric entrou para o time.
”Como formar um jovem solidário, competente, produtivo e que tenha uma formação aderente às necessidades do mercado de trabalho? Trazendo o mercado de trabalho para junto da gente para dizer qual o perfil profissional, quais as competências e habilidades que eles esperam dos jovens que estão sendo formados nas nossas escolas. O que ganhamos com isso? Aumento da taxa de empregabilidade dos estudantes”, destaca a secretária executiva de Educação Integral e Profissional na Secretaria de Educação e Esportes do Estado de Pernambuco, Maria Medeiros.
Desde maio de 2022, o currículo do curso pode ser replicado gratuitamente por qualquer rede pública ou escola particular (mais informações no site observatorioept.org.br). Cada região deve customizar e respeitar as suas demandas locais, por exemplo, para além da energia eólica e solar que são fortes em Araripina, é possível priorizar a energia de biomassa e as demais que condizem com determinada realidade. Piauí, Sergipe e Rio Grande do Sul são alguns dos estados interessados.
“Não achamos que as empresas fossem estar tão
Estudantes de energia renovável, Maria Eduarda e Gustavo Antonio optaram pela EPT por conta do diálogo com o mercado
Pernambuco tem colhido frutos com sua educação pública. Entre os motivos, os indicadores do ensino médio saltarem em pouco mais de uma década, muito por conta do Programa de Educação Integral lançado em 2008 e que abrange não apenas as competências técnicas, mas também as habilidades socioemocionais dos estudantes e o protagonismo juvenil. Agora, a secretária executiva de Educação Integral e Profissional do estado, Maria Medeiros, anuncia uma proposta ousada, mas que mostra o seu comprometimento e da equipe: “está no nosso horizonte a partir de 2023 universalizar a oferta de cursos técnicos em Pernambuco. Universalizamos o ensino médio em tempo integral, o próximo passo é que todos os municípios do estado de Pernambuco possam ter escolas estaduais que ofertem o 5º itinerário que é o de EPT (educação profissional e tecnológica); já estamos com alguns desenhos interessantes, inclusive em parceria com o sistema S”.
O gestor da Pedro Muniz Falcão, Ricardo Marques (de óculos), destaca o trabalho em rede para um curso pioneiro gerar frutos. Ao seu lado, Miqueias Dantas, analista de sustentabilidade na Auren Energia
O vigilante Aurélio Lima está no curso técnico para melhorar de vida
abertas. A Votorantim, que agora é Auren Energia, falou: acho que garantimos um profissional de cada área para participar desse processo de construção do currículo. Para a nossa surpresa vieram 32 profissionais e o tempo inteiro eles participaram, foi um processo muito democrático da empresa junto com a escola”, conta Carla Chiamareli, gerente de gestão do conhecimento do Itaú Educação e Trabalho.
Para além do currículo, um dos grandes desafios na qualificação dos alunos é a infraestrutura, como a montagem de laboratórios. Auren e Schneider doaram alguns equipamentos de ponta, mas ainda são insuficientes.
A construção e implementação de um currículo pioneiro como esse de Araripina requer mão na massa de todos os agentes escolares, principalmente da direção.
“Não basta se envolver, tem que se envolver ao ponto de também conseguir engajar e mobilizar a comunidade escolar: professores, alunos, famílias, parceiros, comunidade no entorno, trazer a cadeia produtiva para dentro do circuito. Tem que ser algo em rede porque senão
você não vai conseguir ter braço para dar conta dessa demanda”, explica Ricardo Marques Jacó, gestor da ETE Pedro Muniz Falcão.
Na Pedro Muniz Falcão, não só o técnico em energia renovável, mas todos, como o de administração, visam desenvolver o estudante para além das competências técnicas. Até porque diversos estudos constatam que conhecimento técnico não é a única garantia de permanência no emprego, é preciso ter inteligência emocional, saber atuar em equipe e, claro, ser criativo.
“A escola só vai sobreviver fazendo o que o digital não é capaz de executar”, alerta Ricardo, que afirma passar mais tempo nos espaços da escola do que sentado em sua sala. Sobre a universidade, define: “diploma não quer dizer qualificação. O ensino superior no Brasil está engessado e não está formando o que o mercado necessita”.
As chamadas energias renováveis ou limpas não são 100% inofensivas ao meio ambiente. As torres eólicas, por exemplo, impactam a fauna local, principalmente as aves, como destaca pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco. Outro problema tende a ocorrer com a comunidade local, sem citar os graves problemas da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. No final de julho de 2022, na região centro-norte da Bahia, 61 comunidades tradicionais de 37 municípios baianos participaram de uma audiência pública em que foi entregue aos órgãos licenciadores e fiscalizadores um dossiê (leia aqui) que, segundo nota do site Meus Sertões e republicada pelo Irpa (Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada), “contextualiza a expansão desenfreada do setor de energias renováveis na Bahia e no Brasil. O documento relata casos de desrespeito às comunidades e aos direitos humanos; as estratégias para ludibriar quilombolas, ribeirinhos, indígenas, populações de fundo e fecho de pasto e ocupar as terras que pertencem a eles; os aspectos econômicos; os danos ambientais; e projeta os prováveis cenários a partir da decisão de tornar o país exportador de “hidrogênio verde e combustíveis sintéticos”.
Laura RachidA secretária executiva Maria Medeiros explica que na fase de construção de uma escola técnica, diversos estudos são realizados, por exemplo, para identificar os arranjos produtivos locais, empreendimentos previstos para chegar à região e as ofertas de cursos técnicos já oferecidos no município. Tudo para evitar mais do mesmo e não saturar a área.
A largada do curso em sistemas de energia renovável foi dada no início de 2021, com 90 vagas para a turma do ensino médio integral e 90 vagas para o subsequente, à noite. Todas foram preenchidas.
“Compreendemos que crescimento econômico precisa estar atrelado a desenvolvimento social. Se economicamente sabemos que há oportunidades em determinada região, precisamos que as pessoas daquele lugar sejam beneficiadas e impactadas positivamente por essa efervescência econômica. E como a gente faz isso? Por meio da oferta de educação pública de qualidade”, pontua Maria Medeiros, que já foi professora e gestora escolar da rede pública.
Vale destacar que não se trata de todas as escolas técnicas terem esse curso de energia renovável, uma vez que a oferta deve respeitar os arranjos produtivos locais. Em Pernambuco, conta Maria Madeiros, uma região tem seu lado econômico forte na caprinocultura, outra com polo têxtil, e no caso do Vale do Araripe, onde Araripina está localizada, a energia renovável é a grande promissora, principalmente pelos parques eólicos.
Maria Eduarda Souza Lopes e Gustavo Antonio de Sousa têm 16 anos, são da primeira turma do curso técnico de sistemas de energia renovável da Pedro Muniz Falcão e estudam no 2° ano do ensino médio integral. Eles estão entre os nem 10% dos brasileiros que cursam ensino técnico – a média de diploma técnico em países como Áustria e Suíça ultrapassa 60%. A injusta desigualdade de gênero no segmento não desanima Maria Eduarda, que espera concluir o médio e já saltar para um emprego. “Não quero ficar parada. Tem Enem, vestibular, mas não é uma coisa certa. Terminamos o ensino médio desempregados, seja passando na faculdade ou não. Já com o curso técnico, se você se destacar, se as pessoas apostarem em você, te contratam ali, então o técnico é uma coisa certa, afinal, adquirimos conhecimento lá dentro, praticando”, acredita.
Assim como Duda, o ensino superior não está nos planos de Gustavo por conta da incerteza quanto ao trabalho. “Observando o crescimento daqui da minha região do Araripe, o ensino técnico é o caminho mais seguro a seguir”, acredita o jovem, que traçou metas mesmo antes de entrar no ensino médio. “Vi que a ETE poderia dar o embalo que precisava seguir. Daqui a 10 anos me vejo estabilizado na área e não quero chegar a um cargo e pronto, está suficiente. Não, quanto mais alto puder ir, mais alto eu vou.”
Entretanto, levantamento divulgado este ano pelos pesquisadores do Insper Sergio Firpo e Alysson Portella, a pedido do Itaú, e que foi matéria de capa da Educação de março, revela que o número de estudantes formados pela educação profissional e técnica e que ingressam no ensino superior é maior do que os formados no ensino médio regular.
Operado pela Auren Energia, parque eólico Ventos do Araripe III é um dos maiores da América Latina. Está na Chapada do Araripe, entre Araripina, PE, e Simões, PI
A turma piloto do subsequente no curso de sistemas de energia renovável concluiu os estudos no final do 1º semestre deste ano. Adeilton Primo tem 37 anos, e é um dos primeiros formandos. Ao contrário de seus colegas, que estavam no primeiro curso e trabalhando em outras áreas para se manterem, Adeilton tem graduação e certificado em mais três técnicos. No início da pandemia, abriu uma empresa de formação profissional em segurança do trabalho que tende a dialogar com a sua nova certificação. “Hoje, no Brasil, as energias renováveis não têm nem 10% da capacidade instalada. O crescimento tende a ser incrível e eu não podia ficar de fora.”
Engenheiro, eletricista e professor na ETE Pedro Muniz Falcão, Lucival Carvalho está aberto às oportunidades de emprego, inclusive com seus alunos. Das quatro empresas que têm parceria, todas são de ex-alunos. “O Adeilton falou: professor, vou precisar de engenheiro eletricista e aceitei. Com ele, ficarei responsável pela parte elétrica de suas formações em segurança do trabalho.”
Segundo Gilda Modesto Coelho, assistente de gestão da ETE, a renda da maioria das famílias da escola é baixa, sendo que algumas sobrevivem com menos de um salário mínimo. Todos os cursos da escola possuem reserva de vagas para esses alunos, o que inclui porcentagem de pontuação menor para ingresso.
Não se trata de todas as escolas técnicas terem esse curso de energia renovável, uma vez que a oferta deve respeitar os arranjos produtivos locais
Aconstrução intersetorial do currículo em energia renovável que começou em Araripina, fez a Secretaria de Educação de Pernambuco atualizar os planos de todos os cursos técnicos do estado, da enfermagem à administração, e cujo processo ainda está em ação. De início participam professores e coordenadores que após uma formação online em parceria com o Itaú Educação e Trabalho, entram para grupos de trabalho organizados por cursos técnicos.
“Tenho representantes de todas as escolas técnicas do estado e em cada grupo também estamos fazendo interlocução com o setor produtivo”, conta a secretária executiva de Educação Integral e Profissional do estado, Maria Medeiros. Realizadas essas lapidações, os planos de curso passarão por uma consulta pública para em seguida os grupos de trabalho atualizarem as contribuições. “Até dezembro deste ano entregaremos todos os planos de cursos técnicos atualizados, seguindo essa metodologia que começou no sertão de Araripe com a Auren, Itaú e Schneider”, revela Maria Medeiros (saiba mais na pág. 46).
O Itaú Educação e Trabalho está presente em secretarias de Educação de pelo menos 16 estados fornecendo apoio técnico, como formação, com ênfase na qualificação e expansão da educação profissional e técnica. Ou seja, não repassam recursos para os órgãos públicos.
Pesquisa do Itaú, Fundação Roberto Marinho e Fundação Arymax divulgada este ano contatou mais de 800
“Hoje não formamos um jovem técnico para operar a máquina, mas para fazer a máquina”, provoca Carla Chiamareli, gerente do Itaú Educação e Trabalho
arregaça as mangas à frente da pasta de Educação
Integral e Profissional de Pernambuco, que completou
13 anos
empresas, ouviu gestores de RH de todo o país e aponta: metade declara que poderia contribuir com o ensino técnico por meio de formações aos jovens, oferecimento de vagas de estágio ou aprendizagem.
Por conta de sua atuação, Carla Chiamareli, gerente de gestão do conhecimento do Itaú, dialoga com empresas de diferentes segmentos e afirma com propriedade que existe o desconhecimento de que a escola pública oferece curso técnico. “Apenas os Institutos Federais e o sistema S são conhecidos, mas quando conversamos com as empresas descobrimos que abertura tem.”
As divisões sobre o ensino técnico e o regular não se mantêm apenas na sociedade civil e setor produtivo. “Dentro das próprias secretarias [de diferentes estados] vemos cisão das equipes de educação profissional com a equipe do ensino médio. Isso é superdifícil porque são equipes que historicamente sempre trabalharam separadas, com orçamentos próprios, com formas de contratação de professores separadas”, revela Rita Carmona, coordenadora de implementação do Itaú Educação e Trabalho.
A entidade trabalha por uma educação técnica tida como emancipatória e que visa desenvolver também o lado intelectual do aluno. Carla Chiamareli reconhece o preconceito de que o ensino técnico nasceu para os “desvalidos da sorte e da fortuna. Mas, hoje, não formamos um jovem técnico para operar a máquina. A gente está formando um jovem técnico para fazer a máquina”, esclarece. (LR)
*A repórter viajou a Araripina, PE, a convite do Itaú Educação e Trabalho.
Todos os materiais ganharam a versão em HTML5, formato que permite a inserção de objetos interativos e facilita baixar arquivos em dispositivos móveis
| Por Sandra SeabraOsegundo semestre já começou com professores atentos às novidades que as crianças trazem de suas férias e de olho também nas próximas etapas do processo educacional, entre elas, a escolha de obras que o Plano Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) dispõe. São livros literários, materiais didáticos e pedagógicos, escolhidos pelo Ministério da Educação (MEC) entre
os apresentados por autores e editoras. De acordo com o Anuário Abrelivros/2022, ano passado, foram distribuídos 136.832.401 exemplares, para todas as regiões do país. Quem ensina crianças do 1º ao 5º ano escolherá as obras aprovadas no PNLD 2023 - anos iniciais do ensino fundamental, para que estejam disponíveis aos alunos no início das aulas do próximo ano. “Desta vez, o calendário do FNDE/MEC será diferente. Há previsão de que a escolha do material didático seja
agora, em agosto, ou setembro. Ainda não há cronograma especificando datas para escolha de obras literárias, pedagógicas e dos livros de práticas”, explica Lauri Cericato, especialista em PNLD e políticas públicas educacionais.
Entre os materiais oferecidos pelo PNLD 2023, a novidade fica por conta dos livros de práticas de acompanhamento de aprendizagem. Lauri comenta: “não tem posição oficial acerca disso, mas, a partir da minha visão, considero que esses livros de práticas ajudarão as crianças a recuperar a defasagem de aprendizado provocada pela pandemia. Sabemos que o processo de alfabetização ficou muito prejudicado; se alguém teve um prejuízo grande na pandemia foi a turma da educação infantil. As crianças não foram para a escola, não foram alfabetizadas. De acordo com especialistas, ao não se alfabetizar na hora certa, a criança pode perder, cada vez mais, o seu potencial de aprendizado, daí a importância desse material”.
Agora, tanto o material do aluno quanto o destinado a professores e gestores estão disponíveis nos formatos impresso e digital. A versão HTML5, já bastante presente nas plataformas digitais das escolas privadas, também se consagra nas plataformas digitais das escolas públicas. Não se trata mais de um material em PDF, formato que foi muito importante nos anos desafiadores da pandemia. Com o HTML5, objetos como recursos de avaliação e interatividade ficam disponíveis digitalmente. Os livros se tornam mais acessíveis para uso em dispositivos móveis e, após ser baixado, o aluno ou professor não precisa estar plugado a uma rede de internet. Ainda assim, o professor deve estar atento às possibilidades do aluno para lidar com os materiais nas plataformas digitais. Uma formação específica do docente para trabalhar com as novas tecnologias pode potencializar o uso dos materiais digitais, mas não houve, até agora, nenhuma política pública nesse sentido. Entretanto, ter a tecnologia tão próxima da sala de aula e disponível ao aprendizado das crianças não deixa de ser uma boa notícia.
A seguir, Lauri Cericato oferece uma visão geral do PNLD 2023 - anos iniciais do ensino fundamental, para facilitar ao professor a escolha das publicações:
“Para potencializar o uso dos recursos pedagógicos que compõem o edital do PNLD 2023, é importante conhecer o que está sendo disponibilizado. Os professores estão habituados a fazer a escolha apenas
de livros didáticos impressos, para cada um dos componentes curriculares. A próxima escolha para os anos iniciais do ensino fundamental será dividida em quatro objetos, que serão escolhidos em fases diferentes ao longo do ano. É essencial planejar a escolha respeitando a realidade dos estudantes.
Todos os objetos são acompanhados por materiais impressos e digitais para o estudante e para o professor, com exceção das obras pedagógicas que são destinadas exclusivamente aos professores e gestores. A solução estruturada completa tem quatro objetos.
O primeiro deles traz obras didáticas por área ou componente curricular e os projetos integradores. Estas são as obras que os professores já conhecem e têm o hábito de escolher e usar em sala de aula. Além dos livros físicos, também serão disponibilizadas as versões digitais das obras, em HTML5.
O objeto 2 reúne os livros de práticas de acompanhamento de aprendizagem. São materiais didáticos consumíveis e complementares ao objeto 1, com objetivo de garantir um bom diagnóstico, aplicar o aprendizado, apresentar estratégias de correção de fluxo e de recuperação das defasagens de aprendizagem.
O objeto 3 traz obras literárias. São os livros de literatura adquiridos pelo PNLD Literário e disponibilizados ao acervo da biblioteca com a finalidade de ampliar o repertório e estimular a leitura dos alunos. No objeto 4, estão as obras pedagógicas destinadas aos professores e gestores e os REDs (Recursos Educacionais Digitais). Obras pedagógicas são materiais pensados para a formação continuada, com foco na avaliação. Os REDs foram pensados para ampliar as possibilidades de ensino e aprendizagem, com foco na cultura digital”.
Professores preparados para diferentes práticas de ensino e aprendizagem é um dos pilares para a integração escola e tecnologia gerar bons resultados
Alinhar em suas metodologias as tecnologias de aprendizagem que possam deixar o conteúdo mais atraente e assim aproximar o professor do aluno é uma das buscas do Colégio Prisma, localizado em Montes Claros, Minas Gerais. “A tecnologia é uma ferramenta essencial para que isso aconteça”, afirma Karina Almeida de Faria Ferreira, diretora pedagógica desde 2018.
Mesmo antes da pandemia, a tecnologia já era uma aliada da educação. “Não tivemos dificuldades na implantação das aulas online porque já tínhamos plataformas digitais e aplicativos em que os pais conseguem acompanhar o rendimento dos seus filhos, os diários
Pela realidade virtual, alunos veem paisagens no sul da Ásia. cordilheira do Himalaia
dos professores, as notas e a frequência. Para nós é uma ferramenta extremamente importante, porque por ela mensuramos o rendimento do aluno nas atividades. Por exemplo, saber se ele demorou em uma questão 20, 10 ou 5 minutos para responder. Além disso, também mostra para o estudante quais os pontos em que precisa melhorar e a sua média diante da turma”.
Só que o período de isolamento social por conta da covid-19 gerou déficits de aprendizagem também no Prisma - mesmo familiarizado com a tecnologia. Karina conta que uma das saídas para reverter os prejuízos foi a utilização do contraturno como uma ferramenta de reforço. Em um primeiro momento, para não atrapalhar o calendário de conteúdos já programados,
o reforço foi considerado obrigatório, depois o contraturno passou a apresentar outras oportunidades para os jovens que se depararam com aulas extracurriculares como inglês, português, matemática ou redação.
“No contraturno, temos o que chamamos de LIRA (Laboratório Interativo de Redação Avançada), em que o aluno apresenta um texto com um tema determinado pelo professor e eles discutem sobre quais são os pontos positivos e no que é preciso melhorar. É uma clínica de revisão cujo professor trata a redação com o aluno individualmente, o que é muito importante, porque normalmente o estudante tem apenas a devolutiva com a nota, mas não sabe o que pode fazer para evoluir. E esses são projetos que a gente vai agregando”, destaca Karina.
O colégio também utiliza realidade virtual nas salas de aula. “Analisamos as necessidades, buscando plataformas mais completas e ferramentas tecnológicas para incorporar na educação, como foi o caso da realidade virtual, em que conseguimos trabalha-la em várias disciplinas, como geografia e biologia, possibilitando à criança ver com os óculos, de uma forma digital em 3D, o conteúdo.”
O sistema de ensino adotado pelo Prisma possibilita que o vínculo entre o colégio e a tecnologia se mantenha em constante atualização, uma vez que além de proporcionar ferramentas, apoia na capacitação dos
professores para que eles utilizem e descubram métodos de aprendizagem estimulantes. “O sistema de ensino facilita o acesso à informação e torna o conhecimento mais prazeroso para os alunos ao interagir com a realidade, porque hoje eles são tecnológicos, vivem com o celular na mão, respiram internet e redes sociais. Por exemplo, os QR Codes que estão no material didático levam os alunos a uma aula ou alguma explicação sobre aquele conteúdo específico. Fora que o sistema ainda é atualizado anualmente.”
Para a diretora pedagógica, a tecnologia é uma ferramenta que deve andar sempre junto com a educação. “O tempo todo a gente busca atualizações, principalmente nessa parte tecnológica, porque hoje a educação não consegue se desvincular disso. A informação é imediata em todos os sentidos, se os alunos precisam fazer uma pesquisa, o que em nossa época utilizávamos um dicionário, hoje eles têm a informação pronta nas mãos. Então sempre buscamos nos atualizar e capacitar os professores para essas mudanças, porque temos que estar preparados e prontos para passar tudo para nossos alunos com uma certa leveza. Preparamos o campo de uma forma que ao inserir algo novo, seja natural”, finaliza.
O que começou apenas ofertando o pré-vestibular, hoje comporta também do maternal ao ensino médio, em período convencional, com opção do integral. Atualmente o colégio conta com 1400 alunos e 85 professores.
A capacitação dos educadores possibilita que eles descubram métodos de aprendizagem estimulantesCom 27 anos de história, o colégio tem como coordenadora pedagógica a Karina Almeida Fotos: Divulgação
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De uma BNCC que destaca a importância de a criança construir uma maneira de agir, sentir e pensar, passando pela rediscussão do papel do ensino médio e do técnico, que gere empregabilidade, chegando ao abandono dos 8 milhões de jovens com ensino médio que nunca chegarão a uma faculdade, por conta de uma indiferença do Estado na inclusão dessa geração.
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Com livros oferecidos como entretenimento, recreação, curiosidade, as crianças ganham novo ambiente de relacionamento diante do crescimento de livrarias voltadas para esse público. Inclusive, livro impresso, ilustrado não compete com tecnologia, oferece outro olhar
| Por Karen CardialNo Brasil, a literatura para a infância é subestimada e poucas universidades brasileiras realizam pesquisas na área. Com isso, o livro de literatura permanece apenas ligado à escola como um objeto utilitário a serviço de um projeto educacional. Claro que há importantes aspectos pedagógicos desenvolvidos por meio da leitura, como o contato com a linguagem literária e a ampliação do vocabulário, mas é essencial enxergá-la como arte.
“Capaz de ampliar nossos olhares, nos colocar no lugar de pessoas, nos emocionar com seus textos e imagens e com a possibilidade de outras existências, o livro ilustrado nos desloca do nosso próprio mundo, contribuindo para a construção da subjetividade”, ilustra Julia Souto Guimarães Araújo, pedagoga pela USP, especialista em literatura para infância pela Casa Tombada e sócia-fundadora da livraria Miúda, na Pompeia, bairro de São Paulo, junto com Tereza Grimaldi, também pedagoga e graduada em artes visuais.
DAS PEQUENAS EDITORAS
Além de propostas diferenciadas e atendimento personalizado, a contribuição mais potente que as livrarias de rua oferecem é a curadoria, fruto de estudos, pesquisas e rigorosa análise de catálogos para formar um acervo diverso, tanto nas temáticas, quanto nas abordagens.
Segundo Julia, que foi professora por 10 anos da educação infantil e ensino fundamental 1, atuando também na formação de professores, subestima-se a capacida-
de de a criança entrar em contato com algo elaborado - em termos estéticos e de texto - que um bom livro ilustrado traz e que constrói o olhar da criança. “Nossa curadoria é específica e temos como característica a bibliodiversidade em toda a cadeia do livro (temas, editoras, autores e autoras, ilustradores e ilustradoras e projetos gráficos)”, expõe.
Outra particularidade dessas livrarias é priorizar as pequenas editoras, como as que acreditam que a criança e o jovem devem ter acesso a livros de qualidade e possuem projetos mais ousados, temas reflexivos e considerados difíceis para a criança. Editoras que entendem a leitura como arte, fruição, sem a obrigação de ensinar algo. “A pequena editora entende que a criança é capaz de entrar em contato com textos literários e poéticos e assim realiza um trabalho rico para a formação do leitor”, destaca Julia.
A Faz de Conta, livraria no bairro do Bixiga, em São Paulo, fundada por Zeco Montes, editor da Ôzé Editora e um dos pioneiros na cidade em criar livrarias especializadas para crianças e jovens, atua também como uma biblioteca para a comunidade. Uma sala para a livraria e outra para a biblioteca.”Todos os livros que a gente vende estão disponíveis para as crianças. Não tem desculpa de não poder comprar, vai levar o livro pra casa, se quiser”, esclarece Zeco. A Faz de Conta trabalha exclusivamente com pequenas editoras que veem no livro uma obra de arte e que se dedicam à literatura que transforma. “Trabalhei em projetos sociais com empresas multinacionais e tive a experiência de ver como o livro infantil transforma a vida das pessoas. Todas as artes transformam, cinema, teatro, música, mas o livro infantil é mais rápido e mais acessível”, demonstra Zeco.
A despeito das tecnologias que bombardeiam crianças e adultos por todos os lados, o livro não perdeu o poder de sedução. “Tive uma tia que me dava livros quando era criança e isso me deixou apaixonado por eles. Me tornei quem sou por conta de todas essas histórias”, conta Alfredo Caseiro, jornalista e fundador da Pé de Livro, também localizada na Pompeia. A Pé de Livro é especializada na infância e acredita que quem se encanta com a leitura na infância será leitor para a vida toda.
Alfredo ensina que devemos entender de que assuntos a criança gosta, no que está disposta a se aprofundar, quais temas são relevantes e o que desperta sua curiosidade para que ela se disponha a olhar para aquilo. “Vejo pais e mães que tentam empurrar para o filho livros que foram fascinantes na infância deles e isso quase nunca funciona. É preciso dar liberdade para que escolham livros relacionados com seus nichos de interesse.”
Escolas buscam enriquecer projetos culturais e descobrem, nas livrarias de rua, diversas oportunidades de ações.
Fomentar reflexões sobre temas latentes e contemporâneos por meio de um conteúdo programático sólido, criando discussões significativas, é uma das ações que a livraria Pé de Livro realiza nas escolas. Alfredo conta que é procurado para ter estande em eventos culturais de escolas, como fez no Colégio Brasil Canadá, mas sabe que pode ir além e ser um parceiro de conteúdo.
“Fizemos um evento na Escola Vera Cruz, em São Paulo, para professores, pais, mães e alunos com o tema refugiados e apresentamos as dificuldades de quem é obrigado a abandonar sua terra e escolhe o Brasil como destino. Convidei o professor de relações internacionais Reginaldo Nasser, uma das referências no tema, a escritora Maísa ZakZuk, autora de um livro
sobre refugiados, uma menina de 17 anos que veio de Angola, um palestino e a ONG Mais, dedicada ao acolhimento e a ações voltadas aos refugiados. Um evento com discussões de alto nível, onde todos participaram com perguntas elaboradas e depoimentos emocionantes”, discorre o fundador da Pé de Livro.
Outro projeto da livraria fundada por Alfredo para formação de novos leitores é um Clube de Leitura para crianças a partir dos sete anos realizado em parceria com a Casulo Literário e mediado pela professora Laura Fernandes que seleciona, todo mês, obras com diferentes perfis. Livros contemporâneos, antigos, mas que tenham o potencial de promover reflexões.
A livraria Miúda também abre as portas para as escolas, inclusive, semanalmente recebe visita das localizadas em seu bairro. As crianças exploram os livros, fazem roda de leitura no quintal da livraria, vivem esse espaço dentro da cidade, que é delas.
Desconstruir a ideia do consumo é um posicionamento da Miúda, que embora tenha como principal negócio a venda de livros, proporciona experiências que vão além. “Tem gente que visita a livraria, lê e vai embora. Uma família pode vir comprar livros uma vez no mês e, em todas as outras visitas, viver diferentes
Arquivo
”Trabalhei em projetos sociais com empresas multinacionais e tive a experiência de ver como o livro infantil transforma a vida das pessoas”, conta Zeco Montes ,da livraria Faz de Conta
Para Alfredo Caseiro, da livraria Pé de Livro, entender o que desperta a curiosidade da criança é fundamental para ela se encantar com a leitura e se tornar uma leitora para a vida toda
experiências, pensar possibilidades, explorar e ampliar repertórios, participar das oficinas aos sábados, ouvir contações de histórias que são mobilizações que acontecem”, detalha Julia. Ela coloca a livraria como um lugar de referência para escolas e professores e oferece cursos noturnos para profissionais envolvidos com educação, literatura e infância. Com diferentes formatos, sobre literatura negra, indígena, sobre livro ilustrado, entre outros assuntos que envolvam livro, infância e educação.
“Já realizamos feiras literárias em escolas como a Builders e a Arapoti. Escolas visitam a livraria para a compra de livros visando o aumento do acervo de suas bibliotecas e é um braço nosso trabalhar a formação de professores”, declara Julia.
Não há nada mais emocionante do que estar perto dos autores dos quais gosta. Desmistifica a figura do autor entre as crianças, que o veem como alguém distante. Conhecer a pessoa que fez o livro, que despertou diversos sentimentos, é tão excitante que incentiva os alunos a buscarem outros livros daquele mesmo autor, a conhecerem novos escritores, fazendo a catraca da leitura rodar.
‘De onde veio a ideia da história?’, ‘Como foram criados os personagens?’, ‘Quanto tempo levou para escrever?’ são brechas para que os alunos se envolvam e se entusiasmem com a prática da leitura. Quando a escola se aproxima das livrarias do seu bairro, tende a coroar a certeza de que está fomentando a literatura entre os alunos.
Bernardo Carvalho, em seu sexto livro, mergulha em uma investigação sobre a morte misteriosa de um antropólogo estadunidense, Buell Quain, que aos 27 anos, em 1939, supostamente se suicida após um período em que esteve em uma aldeia indígena encravada no Tocantins, Brasil, quando misteriosamente regressava de seus estudos.
Segundo relatos - é o que resta na narrativa e na busca do narrado -, Quain, no meio da floresta, sem motivos claros ou aparentes, retalhou seu próprio corpo e se enforcou na frente de dois indígenas assustados e horrorizados que o acompanhavam em sua volta para a cidade de Carolina.
Munido de poucas informações, muitas delas imprecisas e conflituosas, Bernardo tece um romance utilizando o trágico destino do antropólogo como base, entrelaçando história e ficção na tentativa de compreender a morte de Buell Quain, o Brasil e a si mesmo.
Nas palavras do professor Alcir Pécora sobre o livro Nove noites, de Bernardo Carvalho: “ao contrário, tudo é ou se torna suspeito; todas as personagens aparentam saber mais do que dizem; toda a investigação parece estar fadada a não descobrir e mesmo determinada a deliberadamente encobrir”.
Bernardo Carvalho corrobora a leitura do crítico literário, “o livro é cheio de armadilhas formais, armadilhas narrativas. E isso tem a ver com a literatura que eu faço normalmente e o tipo de literatura que me atrai também”. E a narrativa respalda: “Vai entrar numa terra em que a verdade e a mentira não têm mais os sentidos que o trouxeram até aqui (...) A verdade está perdida entre todas as contradições e os disparates. Quando vier à procura do que o passado enterrou, é preciso saber que estará às portas de uma terra em que a memória não pode ser exumada, pois o segredo, sendo o único bem que se leva para o túmulo, é também a única herança que se deixa aos que ficam, como você e eu, à espera de um sentido”.
“É um Estado que é obviamente anti-intelectual, porque as ideias ameaçam”
| Por João Jonas Veiga SobralManifestação contra o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips. Masp, Av. Paulista, SP, 18 de junho
Nos dispositivos labirínticos de que se compõe a narrativa, o leitor atônito demora a entender o que é ficção e o que é realidade na morte do antropólogo, embora dela tenha notícia desde o início da história, quando o narrador Manoel Perna anuncia que “o antropólogo americano Buell Quain, meu amigo, morreu na noite de 2 de agosto de 1939, aos vinte e sete anos. Que se matou sem explicações aparentes, num ato intempestivo e de uma violência assustadora”.
É verdade que talvez seria ir longe demais na leitura do livro sugerir que o antropólogo tenha sido assassinado, e sua morte, pouco esclarecida à época, houvesse provocado entre etnólogos discussões e desconfianças por conta da obscuridade e da violência aterradora do caso.
Sabe-se, porém, que o Brasil é um sítio perigoso para antropólogos, etnólogos, indigenistas, ativistas ambientais e políticos, sobretudo quando eles se embrenham nos confins do país. Muitas mortes foram anunciadas e outras tantas executadas.
Em entrevista sobre o livro, Bernardo Carvalho sugere atualidade da narrativa. “É um Estado que é obviamente anti-intelectual, porque as ideias ameaçam, mas tem a ver com a própria sociedade brasileira. Eu nunca tinha percebido antes como os brasileiros podem ser racistas e xenófobos. O que esse antropólogo representa, para mim, é essa desconfiança quase fantasmagórica do outro como o inimigo.”
Para tratarmos dos casos mais recentes e midiáticos, na noite de 22 de dezembro de 1988, o ecologista Chico Mendes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, no Acre, foi morto a tiros de espingarda, no quintal de sua casa. Em 12 de fevereiro de 2005 a missionária estadunidense Dorothy Mae Stang foi assassinada aos 73 anos, em Anapu, no Pará, com seis tiros, numa emboscada, em área do PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável) no assentamento Esperança. Recentemente, em 5 de junho de 2022, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista e repórter fotográfico Dom Phillips desaparecem nas cercanias de Atalaia do Norte, oeste do es -
tado do Amazonas, onde colhiam dados como parte de uma pesquisa para um livro sobre a preservação ambiental da floresta. Todos eles faziam um trabalho sério de preservação da floresta e dos indígenas, e foram mortos justamente por isso.
Esses assassinatos não são ficcionais, não são narrativas literárias como no misterioso Nove noites e, pior, fazem parte da absurda realidade estatística que assola este país. Foram presos os assassinos pequenos e alguns mandantes diretos do caso de Bruno e Dom, e outros foram investigados sem que conclusões mais claras sobre tudo o que cercou cada um dos crimes fossem devidamente reveladas e definidas.
Ultimamente, há, no país, uma escalada de ódio e uma sanha por morte. Frases figuradas e literais propõem resolver as desavenças a tiro. E há muitos que ansiavam pela deixa, como um grito de ordem, para levar a morte aos adversários políticos, ideológicos e a quem faz frente a interesses ilícitos na Floresta Amazônica. O estímulo à morte e os interesses escusos de gente pequena, média e graúda são defendidos com mãos sujas de sangue. Talvez os mandantes desses crimes sejam estes mesmos - o incentivo público, o ódio a algumas categorias profissionais e o apetite de quem pode mandar e matar, acobertados por mãos apequenadas que puxam o gatilho.
Ainda, haverá de se descobrir no emaranhado de investigações, os dedos graúdos que fazem - à distância - os gatilhos de morte e de ódio dispararem. Enquanto a descoberta não se aclara e os crimes não cessem, estaremos - como a investigação insolúvel e incômoda de Nove noites - com o peso dos mortos sobre os ombros dos vivos encurvando nossas cabeças.
João Jonas Veiga Sobral Escritor, professor de língua portuguesa e orientador educacionalBernardo Carvalho se surpreende:
“eu nunca tinha percebido antes como os brasileiros podem ser racistas e xenófobos”
Netos queridos, Vos juro que não me agradam memórias tristes. Mas elas se misturam com outras de terna recordação. Quando, hoje, pretendia dar-vos notícia de maravilhas, logo tristes memórias se lhe juntaram.
São memórias prodigiosas, merecem um bom tratamento da palavra, coisa que, hoje, não creio que seja possível assegurar. Passei a noite às voltas com o remanso de velhas maleitas e não me queirais mal, se guardar as boas recordações para amanhã. Enfim! ... Antes que tristes memórias possam esvair-se nesta cabeça de senil nonagenário, elas aqui vão...
Foi num 24 de junho de há 20 anos que tudo aconteceu. Melhor dizendo, que tudo começou a acontecer. Era o primeiro junho após a primeira das pandemias. Portugal retomava a celebração dos Santos Populares: o Antônio, o Pedro e o João.
O vosso avô nasceu no Porto e, anos a fio, foi para a rua na noite de São João. Nos idos de 60, com vasos de manjerico e ramos de cidreira, para dar a cheirar. Depois, com alho porro a acariciar as cabeças de conterrâneos e forasteiros, desfilando, cantando e dançando na rusga da Vitória. Até que, na década de 70, as ruas foram invadidas pelo estridente som de martelinhos de plástico.
Fosse como fosse, neste extremo de país europeu periférico, muito antes da cristianização, os celtas já celebravam fartas colheitas, no solstício de verão, no dia mais longo do ano. O catolicismo incorporou essa festividade e conferiu-lhe novas interpretações.
Se, em Portugal, as festas dos Santos Populares se inspiraram nos celtas, ao chegar ao Brasil, os portugueses depararam-se com uma tradição indígena de festejar colheitas. Essa celebração acontecia por junho. Os nobres da corte portuguesa a adotaram, juntaram-lhe lusos rituais e a celebração se foi tornando festa popular.
No meu voluntário exílio brasileiro, este portuense de gema passou a celebrar o São João em “arraiás” enfeitados de bandeirinhas, dançando a “quadrilha junina”, com origem da Holanda e numa dança parisiense
– a “quadrille” – formada por quatro casais. Na Vila das Aves, o São João era comemorado pela Ponte com um desfile pelas ruas da vila, algo que relembro com alegria. Disso também vos falarei, em breve. Por agora, apenas tristes memórias.
Em clima de festa, eis que recebo esta mensagem: “Nesta semana tivemos uma reunião com o diretor do Agrupamento. Queríamos falar com ele sobre os próximos passos, e em que medida poderíamos nós, mães, apoiá-lo.
Passaram apenas semanas desde a sua visita, José. E vimos o diretor com aquele discurso feito de ‘é complicado’, entre outras generalidades bacocas de conversas que deve ter tido, entretanto, com outras pessoas. Disse que tinha muitas dúvidas, ao que eu respondi que era preciso ir procurar informação e enviar um e-mail ao José, por exemplo.
Ontem enviei-lhe o seu livro Inovar e sugeri que o lesse. Ficámos desanimadas, confesso. Mas não desistiremos, mesmo que este processo demore mais tempo. Partilho também o e-mail que lhe enviei com o livro, onde se pode sentir a minha frustração.
Obrigada José, pelas suas palavras e inesgotável energia. Obrigada pela força que nos dá. Cá estaremos para apoiar em tudo o que for preciso. Este projeto vai acontecer!”
Há 20, por essa altura, andava o vosso avô pelos Algarves, conversando com professores. O diretor Manuel organizou um encontro. Depois de um caprichado copinho de medronho, a conversa aconteceu fluente e construtiva. Como contraponto de más notícias, para os lados de Faro, Albufeira, Tavira e Quarteira, uma nova educação surgia.
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