Socioemocional Falta formar professor para desenvolver projetos de aprendizagem
revistaeducacao.com.br

Anna Penido
Desigualdade na educação é racial, socioeconômica e de gênero



Socioemocional Falta formar professor para desenvolver projetos de aprendizagem
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Anna Penido
Desigualdade na educação é racial, socioeconômica e de gênero
Low cost Instituições trabalham com escala e derrubam mensalidade
Marcada pela exclusão do professor homem, à primeira infância não é dada a oportunidade de convivência com diferentes modos de ser
ANO 26 Nº282
Lion Santiago, pedagogo: na escola tradicional a presença do homem é quase inexistentecom os professores durante o ano todo com os professores durante o ano todo
Opapel da educação é criar pontes entre lados opostos, e dinamitar conceitos que significam atrasos institucionais, encaminhar criança e jovem à cidadania. Nesta edição, abordamos a questão do professor do sexo masculino em educação infantil. Tema pouco discutido, afinal, o número de profissionais é pequeno, e não vai crescer se continuar com essa visão preconceituosa por parte de famílias e até de gestores escolares.
Parece lugar-comum, mas de fato vivemos um mundo novo. Inclusão, acolhimento, diversidade são temas que – finalmente - aos poucos se introjetam de tal maneira no nosso pensamento que passam para a normalidade. A matéria sobre o professor na educação infantil transita nesse campo. Não é discriminação? É, se partimos do pressuposto de que um trabalho pode ser exercido plenamente por qualquer pessoa.
É bom considerar que a esmagadora maioria de mulheres na docência tem uma história. No passado era uma das únicas profissões em que não sofriam restrição. Geraldo Peçanha de Almeida, pedagogo pela Universidade Estadual Paulista de São Paulo (Unesp) entrevistado pela repórter Karen Cardial, autora do trabalho desta edição, lembra que quando um homem consegue romper essa barreira e entrar numa escola de educação infantil, ele não encontra pares.
“Toda professora passa pela situação de uma criança que é mordida por outra, de um aluno que empurra o colega que cai e fere a cabeça, mas, se acontece na classe do professor homem, a causa é vista como desleixo e incompetência.”
Outra discussão importante desta edição é o trabalho executado pelo repórter Paulo de Camargo. A matéria alerta que as habilidades socioemocionais já fazem parte do discurso de muitas escolas, só que poucas de fato realizam mudanças concretas. “Quando as escolas não sabem o que fazer ou como fazer para desenvolver competências, recorrem ao que têm à mão: qualquer método, pacote, pessoa”, critica o espanhol José Maria Avilés.
Boa leitura
Imagem de capa: Rik/Henrique Augusto
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Ano 26 - Nº 282 janeiro / fevereiro de 2022 ISSN 1415-5486
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Colaboraram nesta edição
Alexandre Sayad
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Pressionados pelas famílias e por uma sociedade machista, dirigentes não apoiam a presença do professor homem na educação infantil que, sob pressão, é motivado a desistir do cargo
Diretora executiva do primeiro centro de equidade educacional do Brasil voltado à educação pública fala dos propósitos da iniciativa e dos problemas de um modelo escolar ainda excludente
Alexandre Sayad
Mitos, dilemas e desafios da educação profissional
É provável que eventos climáticos severos se tornem mais comuns à medida que as crianças de hoje envelheçam. Especialistas dizem que os pequenos podem aprender sobre o tema usando exemplos locais e linguagem simples
Acidade de Sobral, no Ceará, tem mostrado ao Brasil que a continuidade em projetos educacionais deixa um legado que aos poucos vai servindo de exemplo para outros municípios. Tanto que é o local escolhido para abrigar o Centro Lemann de Liderança para a Equidade da Educação. A baiana Anna Penido, que se intitula nas redes jornalista por formação, educadora por vocação e idealista por compulsão, é a diretora executiva dessa nova frente.
Vinculado à Fundação Lemann, o Centro atuará por meio de dois braços: Programa de Formação de Lideranças Educacionais, voltado a secretários de educação de diferentes regiões, técnicos e diretores escolares, a princípio escolhido entre municípios com alto índice de desigualdade, e o Programa de Pesquisa Aplicada, que visa colaborar com pesquisas nacionais e internacionais e ainda apoiar a formação de jovens pesquisadores – sempre com estudos voltados à redução das desigualdades educacionais.
O primeiro centro de equidade educacional do Brasil voltado à educação pública e os problemas de um modelo escolar ainda excludente são destaques desta conversa
| Por Laura Rachid, de Sobral
Penido, que já coordenou o escritório do Unicef para os estados de São Paulo e Minas Gerais, participou do programa de desenvolvimento de lideranças sociais da Universidade Harvard e da formação em direitos humanos da Universidade Columbia, também nos EUA, foi diretora do Instituto Inspirare, voltado a inovações educacionais e é fellow Ashoka empreendedores sociais, concedeu entrevista coletiva realizada em Sobral no dia 8 de janeiro, em que participaram Laura Rachid, das Plataformas Educação e Ensino Superior , Naiara Galarraga Gortázar, do El País , Victor Santos, da Nova Escola , e Vinícius de Oliveira, do Porvir . Abaixo os principais trechos:
Por que um centro que foca a equidade?
No caso da educação, a especificidade de cada estudante para garantir que cada um aprenda sem que ninguém seja deixado para trás. Isso parece uma coisa óbvia, mas não é. Quando há um contingente grande de estudantes, a tendência é oferecer o padrão para atender em escala. Então a granularidade das dificuldades socioeconômicas, étnico-raciais das crianças e adolescentes com deficiência, questões regionais, emocionais, todas essas coisas muitas vezes ficam negligenciadas e o resultado é que os estudantes não aprendem. Inclusive nas questões pedagógicas, porque alunos com perfis diferentes aprendem de maneira diferente e se oferece a mesma aula, o mesmo pacote padronizado para todo mundo.
O que acontece é que em algum momento aqueles que estão “mais abarcados” por aquela metodologia avançam, mas muitos vão ficando de lado. Aí o professor passa a olhar só para aquele que acha que consegue tocar, engajar, ensinar. É um processo não tão intencional; começa a acontecer e vai sendo naturalizado e as pessoas vão dizer: é, tem pessoas que não aprendem mesmo. Educação, escola, não é para eles. O que é uma forma de alguns educadores e dos sistemas se apaziguarem diante da sua própria frustração: eu faço o meu melhor, mas eles não têm condição.
O que queremos é justamente romper com essa naturalização do fracasso e criar altas expectativas em relação à aprendizagem; todo mundo tem potência, tem condições de aprender e precisamos encontrar as formas de assegurar que todos aprendam.
Como se aproximar de lideranças como prefeitos, secretários e diretores por meio de um diálogo construtivo para a conversa avançar e mudanças acontecerem de forma efetiva na educação?
Para todo mundo aprender é preciso desenvolver as estratégias que realmente assegurem esse direito para cada um e isso passa pela crença, passa pelo incomodar para que se desnaturalize. Tem uma segunda camada que é a capacidade de visão sistêmica, porque a questão da equidade é multifatorial. A desigualdade é gerada por muitos fatores: acesso, nível socioeconômico, preconceito, uma série de coisas. Então, não dá para ser linear no enfrentamento da desigualdade. É preciso ver por um outro patamar e buscar articular soluções, porque é complexo. Não é trivial, não é qualquer gestor que consegue fazer isso. E tem uma parte da tomada que é a operação propriamente dita. Temos muita política, programas legais que não conseguem ser bem implementados porque falta também uma capacidade de gestão operacional. Entendemos que muitas vezes essas lideranças conversam em algumas ou todas essas dimensões. Mas, quando prefeito e governador, secretário de educação, diretor de escola conseguem transitar por esses três níveis, eles fazem uma diferença brutal na vida dos estudantes.
Uma escola com bom diretor é uma escola que funciona. Com mau diretor, não funciona. Existe pouca pesquisa sobre isso. Mas todos os casos que estão estudados têm ali um diretor que faz a diferença, têm um secretário, um prefeito como Veveu Arruda [prefeito de Sobral 20112016] que se envolvem e fazem a diferença. Então, a gente escolheu intervir nessa questão da equidade a partir da formação dessas lideranças.
Na hora que se coloca um professor mais inexperiente na escola de periferia você está assinando a desigualdade
E a formação continuada dos docentes? A valorização do professor parte dessas lideranças?
A formação do professor é promovida pelo gestor. Quem desenha a formação do professor, quem define recursos para que essa formação aconteça, quem garante que esse professor vá seguir formação, seja acompanhado, orientado, tenha condições para exercer bem a docência é o gestor. Se ele está preocupado com isso, a tomada de decisão será toda canalizada para garantir que esse professor possa fazer um bom trabalho e garantir a aprendizagem do estudante. Se não está conectado e preocupado com o estudante e com o professor que vai formar esse estudante, aí ele vai priorizar outras coisas e certamente não haverá aprendizagem e muito menos com equidade. O gestor é a condição sine qua non [do latim, indispensável] para que a formação continuada, por exemplo, aconteça.
Qual resultado de Sobral vocês querem replicar em outras regiões do país?
Não queremos replicar o modelo de Sobral. Nossa intenção é muito mais entender quais foram os princípios e as alavancas que fizeram com que Sobral desse esse salto qualitativo. O que aprendemos com Sobral: na hora que o prefeito se viu com os dados de desigualdade [anos 2000], que metade dos seus estudantes eram analfabetos e se importou com esses dados, assumiu um compromisso público. Tinha uma questão de desnaturalização do fracasso. Em seguida fizeram um grande programa de seleção e formação de diretores escolares porque tinham que ter gente com esse mesmo compromisso em cada escola, fazendo a coisa acontecer em cada lugar. Não iam ser o secretário ou o prefeito que fariam isso.
Queremos inspirar e levar para as lideranças de outras redes essa ideia de que, ao empoderar as lideranças, elas serão capazes de resolver os problemas na sua realidade e não necessariamente importando soluções. Claro, soluções encontradas em vários lugares vão ser consideradas, não queremos todo mundo no empirismo do ‘vamos in-
ventar’. Tem um monte de coisa com evidência mostrando o que funciona, há muitos dados que ajudam na tomada de decisão, mas a ideia é que essas lideranças sejam realmente capazes de encontrar as próprias soluções e fazerem a revolução do seu jeito de forma contextualizada.
Como a pandemia impactou todas as atividades e planejamentos do Centro?
Não é que a gente veio por causa da pandemia, mas talvez isso tenha deixado ainda mais relevante. Eu brinco que a equidade educacional no Brasil é aquele elefante debaixo do tapete: todo mundo está vendo o elefante, mas não quer olhar para a cara dele porque não sabe o que fazer. A pandemia não só tira o tapete como joga o holofote nesse tapete; está todo mundo vendo a desigualdade educacional, ela está escancarada.
Mas ver é uma coisa e todas as pesquisas, a grande maioria nessa área, revelam os dados: a desigualdade é racial, socioeconômica, territorial, de gênero, etc., só que pouquíssimas pesquisas existem para apontar soluções. O que eu faço com esse elefante, como desmonto tudo isso? Porque é um sistema que gera iniquidade.
Não é só que iniquidade na escola reproduz a desigualdade socioeconômica brasileira. A gente sabe que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e isso reflete em tudo, inclusive na escola. Mas a escola, em grande medida, que deveria equalizar as diferenças, potencializa, porque na hora que se coloca um professor mais inexperiente na escola de periferia você está assinando a desigualdade. Na hora que vem a pandemia e há condição de oferecer aula online para quem tem acesso só que há também quem não tem acesso à tecnologia, então se acirra essa desigualdade. Como reverter isso? É na mudança de crença e de estrutura, não é ação simples. E aí é preciso inteligência para enfrentar e desmontar o elefante, entender como que faz e as pessoas, de fato, não agem muitas vezes por má-fé, é ignorância literal do termo, de não saber o que fazer com ele e correr do elefante.
A desigualdade é racial, socioeconômica, territorial, de gênero, etc., só que pouquíssimas pesquisas existem para apontar soluções
O CNA na Escola oferece ferramentas que estimulam a aprendizagem com recursos tecnológicos, materiais atualizados e certificação internacional. O aluno se diverte e otimiza a sua experiência, praticando o idioma com aplicativos de realidade aumentada e atividades com QR Code.
SÃO 4 MODALIDADES PARA AULAS DENTRO OU FORA DA GRADE CURRICULAR DO COLÉGIO:
As OFICINAS LITERÁRIAS CNA 2.0 são online. Durante os encontros, o professor orienta os alunos na redação de textos em inglês ou espanhol sobre um tema específico. Depois, os alunos ilustram suas histórias com a ferramenta Book Creator.
Única escola de idiomas da América Latina a ter MATERIAL DIDÁTICO EXCLUSIVO EM PARCERIA COM A DISNEY, com direito a salas tematizadas para aulas ainda mais divertidas. Magia que vai além da sala de aula.
O INSTITUTO CNA tem o objetivo de promover educação, alimentação balanceada e cuidados básicos para crianças de 4 a 6 anos, com material didático e uniforme completo. Mais uma iniciativa do CNA para seguir no propósito de educar para o desenvolvimento das pessoas e a construção de uma sociedade melhor.
48 anos de atuação no mercado
635 escolas em todo Brasil
Mais de 400 mil alunos
Uma das redes mais premiadas do franchising brasileiro
Franqueador DO ANO pela ABF
Certificações Internacionais (Cambridge e SIELE)
Queremos que a pesquisa gere soluções, gere referências e ajude a liderança, que está lá muitas vezes desassistida, a tomar boas decisões e agora mais do que nunca temos que agir.
Qual é o principal problema histórico da educação pública no Brasil?
Difícil apontar um. O principal, vamos dizer, é que a educação foi negligenciada. É um problema de fundo. Como durante muitos séculos a ideia não era educar a população mais vulnerável, mas educar a elite, geramos um passivo muito grande e, na hora que se decidiu democratizar o acesso à educação, vieram aqueles milhões de pessoas de uma vez para a escola, e precarizou. Porque havia uma condição de atendimento, que se potencializou, se multiplicou e corremos atrás até hoje do prejuízo de tentar atender toda a população, só que não há recursos, infraestrutura, professores qualificados.
Antes de 1988 não era um direito universal, a educação básica só vira compulsória já no processo de retomada democrática após a ditadura militar. Torna-se compulsória de quatro a 17 anos, como é hoje, em 2009. É muito recente, mas não quer dizer que por ser compulsória é de qualidade. Todo mundo vai ficar na escola, mas não quer dizer que esteja aprendendo. Então, o esforço seguinte foi o de qualificar - e que ainda estamos fazendo por meio de um processo em gerúndio lento. O problema é que foi qualificando mais para uns do que para outros. Às vezes há escolas muito bacanas e escolas muito precárias no mesmo município pequeno ou no mesmo bairro.
E o principal problema dos últimos três anos?
Bem ou mal, estávamos avançando visivelmente. Estou na área da educação há 30 anos e percebi as coisas melhorarem, as políticas sendo estruturadas, as escolas de fato sendo mais bem equipadas. Mas ao longo desses três últimos anos, para o nosso desespero, estamos vendo isso ser desmontado. Tudo retrocedendo. Quando aparece uma crise como a pandemia, quando tudo já estava ameaçado, aí é uma bomba perfeita porque não tem quem ajude a desarmar. Ao contrário, o que se viu foi um desencontro de informações, uma omissão que fez com que realmente os efeitos da pandemia fossem muito maiores do que se houvesse um sistema de educação mais estruturado e com um governo federal pronto para fazer essa coordenação e entender que no Brasil, dos 5.500 municípios, uns são muito
Anna Penido: Uma escola com bom diretor é uma escola que funciona. Com mau diretor, não funciona
pequenos, com pouco acesso a tudo. E muitas vezes são os governo federal e estadual que podem ajudar. Sem essa coordenação virou um salve-se quem puder.
Eu diria que os últimos três anos para quem está lidando nessa área há muito tempo são bem frustrantes e desanimadores, mas também dá mais vontade de fazer alguma coisa.
O Bolsa Família foi fundamental para a permanência na escola de alunos de classe socioeconômica baixa. Existe algum programa nesse sentido em nível regional?
Eu não conheço um outro programa de incentivo de acesso à escola fora do Bolsa Família – que foi uma política muito importante para fazer com que as pessoas garantissem que seus filhos estivessem na escola. Quando falamos do direito à educação, falamos de acesso, permanência, aprendizagem e conclusão. Se a criança não está na escola ou vai e depois abandona, não tem como aprender. Se estiver na escola, tem aprendizagem e se ela precisa de algum suporte como bolsa para a família, para não ter que trabalhar, está valendo muito. Estando lá a chance acontece; sem estar lá não tem milagre.
Todo mundo tem potência, tem condições de aprender e precisamos encontrar as formas de assegurar que todos aprendamDivulgação
Documento Planejamento da força de trabalho docente revela que a carreira do professor ainda é pouco atrativa para os jovens. Especialmente por estereótipos de “professor herói”, que precisa “salvar a educação” sozinho, sem ajuda, e de que a profissão é sofrida, além de afirmarem que educador ganha pouco. O material também aponta a urgência de se pensar em um Sistema Nacional de Educação integrado para melhor planejar a oferta e demanda de professores nacionalmente, coordenando esferas federal, estaduais e municipais.
O lugar onde os jovens moram também pode influenciar a escolha da profissão, considerando a realidade da
carreira em cada região: jovens do Ceará, por exemplo, têm mais predisposição para escolher a docência (15%) em contraste com os do Espírito Santo (0%).
Recém-lançado, o documento é do Instituto Península e sistematiza o resultado de três estudos inéditos, sendo que um deles foi realizado em parceria com pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Não basta apenas formar mais professores; é preciso planejar a distribuição deles no mercado de trabalho. Isso significa pensar, verdadeiramente, em quem escolhe entrar na carreira docente, bem como na sua formação continuada, porque esses fatores essenciais impactam o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos. Além disso, reter e alocar corretamente esses profissionais é muito importante - e, para isso, a profissão precisa ser competitiva em relação a outras”, acredita Heloisa Morel, diretora executiva do Instituto Península.
O estudo encontrou também desafios de como adequar a formação para a disciplina que o professor leciona, o que significa que ele dá aulas em mais de uma disciplina em todas as etapas de ensino – o que não é uma novidade, mas é mais um indicativo de que mudanças precisam acontecer. “Um professor formado em física, por exemplo, acaba lecionando matemática, pois é uma disciplina de exatas”, exemplifica Heloisa. As áreas de conhecimento com mais dificuldades de distribuição dos docentes são: química, sociologia, educação física, artes e filosofia. Nesse cenário, Sudeste e Sul possuem melhor adequação do que as regiões Norte e Nordeste.
Uma das conclusões do estudo é que pode faltar professor qualificado no Brasil - ou seja, preparado para a disciplina que leciona. “Portanto, é urgente criar espaços de discussão e planejamento da força de trabalho docente para definir acordos para atrair mais jovens para a carreira e para reter profissionais. Sem esquecer, é claro, do desenvolvimento profissional contínuo deste professor”, diz a diretora.
As causas desse desestímulo, bem como as dificuldades da carreira docente, são abordadas em três estudos
A maior faixa contínua de manguezais do planeta, com cerca de 8 mil quilômetros, está localizada na zona costeira do Amapá, Pará e Maranhão e as novas gerações representam um fator estratégico para a conservação e o uso sustentável desse patrimônio. “Elas serão os futuros guardiões do meio ambiente e constituem o melhor caminho para as mensagens chegarem aos pais, provocando reflexões e mudanças de comportamento”, afirma Aila Freitas, educadora ambiental do Projeto Mangues da Amazônia, iniciativa que desenvolve ações pedagógicas de reforço e complementares ao currículo escolar em comunidades de reservas extrativistas que utilizam os manguezais como meio de sustento, incluindo a extração de caranguejo e a pesca.
O projeto é realizado pelo Instituto Peabiru e Associação Sarambuí, com apoio do Laboratório de Ecologia de Manguezal (LAMA), da Universidade Federal do Pará (UFPA) e patrocínio da Petrobras. As atividades abrangem diferentes faixas de idade desde o início da vida escolar. Na Escola Municipal Brasiliano Felício da Silva, na comunidade de Tamatateua, em Bragança, PA, o Clube do Recreio, voltado a crianças de três a seis anos, realiza atividades lúdicas na lógica de “aprender brincando”.
Cartilhas sobre os manguezais foram especialmente produzidas para as atividades, com linguagem simples, cores e desenhos, abrangendo inicialmente 163 crianças de duas comunidades.
“Ser criança nos manguezais é conviver com a natureza, enxergando detalhes que só eles conseguem pela paixão de pisar na lama”, enfatiza Aila, que conclui: “É um laboratório vivo de aprendizados, de forma que o principal desafio é preservar o meio ambiente fazendo parte dele, e não só para utilizá-lo depois”.
Já no Clube de Ciências, meninos e meninas a partir dos sete anos participam de encontros teóricos e práticos com cientistas sobre temas dos manguezais, inclusive expedições de campo para conhecer melhor a fauna e a flora típicas desse ecossistema. O objetivo é despertar um olhar mais científico, para além do conhecimento empírico que eles já possuem pela convivência com a natureza, semeando a vocação de futuros biólogos ou agentes ambientais.
“Já temos consciência de é errado desmatar; falta só convencer os pais”, revela o aluno Pedro Henrique Ribeiro, que junto a outros jovens do projeto contribui com o reflorestamento do manguezal na comunidade Tamatateua.
Ações socioambientais educativas se aliam ao reflorestamento de áreas degradadas na costa do Pará e conscientizam os mais novos a serem defensores do meio ambienteVisita ao mangue, Projeto Mangues da Amazônia
Visando sempre a qualidade pedagógica, flexibilidade e mobilidade são características das atuais transformações na educação. Saiba como um dos maiores grupos de ensino superior tem atuado
O celular e o notebook de Ana, estudante de direito da Universidade São Judas Tadeu (USJT), SP, quebraram no início da pandemia, bem quando as aulas presenciais estavam paradas e o online a todo vapor. Mas do susto veio a tranquilidade: a Ânima – detentora da USJT e de outras 14 instituições de ensino superior – disponibilizou aos seus alunos de diversas regiões do país 2.400 Chromebooks 100e Geração 2 (notebook com sistema operacional Google) oriundos de uma parceria com a Lenovo. Ainda hoje os estudantes continuam com o dispositivo, enquanto os formandos ou os que não necessitam mais, devolvem.
As tecnologias e as ferramentas digitais fazem parte de programas de desenvolvimentos dos professores da Ânima há mais de 10 anos. Os educadores, inclusive, aprovam ou não as ferramentas a serem adquiridas. Nesta compra com a Lenovo, 300 oficinas da Foreducation Edtech foram disponibilizadas para melhorarem a prática acadêmica e com isso lapidarem seu ensino e aprendizagem com apoio dos Chromebooks Lenovo.
Questionado sobre o modelo pedagógico adotado em suas instituições de ensino, com o qual os dispositivos da Lenovo conversam, o diretor de personalização da Ânima, Rodrigo Neiva, enfatiza: “faz cada vez menos sentido um laboratório com computadores fixos, o antigo laboratório de informática. Acreditamos que as máquinas devem estar no espaço e no momento que se faz necessário. O aluno pode estar na própria sala de aula, em espaços de coworking ou em projetos de extensão realizados junto à comunidade. Além disso, os trabalhos podem ser salvos na nuvem, incentivando a colaboração e permitindo o acompanhamento do professor, independentemente de estarem reunidos fisicamente todo o tempo. Com isso, é possível, por exemplo, desenvolvermos projetos de pesquisa, extensão e empreendedorismo com comunidades de aprendizagem nacionais, integrando alunos de todo o Ecossistema Ânima e também estudantes de outros países de nossas universidades parceiras”.
Rodrigo Neiva reforça que os laboratórios físicos continuarão existindo. Segundo ele, a principal mudança é o professor, que ao planejar sua aula, deve considerar também o espaço mais adequado aos objetivos de aprendizagem.
Rodrigo Neiva, diretor da Ânima: saber a identidade da sua instituição e clareza nos objetivos de um projeto com tecnologia e educação são fundamentais
Para a Ânima, obter um projeto eficiente de tecnologia e educação passa por compreender sua própria identidade e aonde se quer chegar, além de bons parceiros. “Essa parceria não se restringe a uma simples relação comercial, mas implica o entendimento de educação, do nosso projeto, das nossas necessidades, o que permite a busca conjunta por soluções. A Lenovo integra essa rede de parceiros que nos ajuda na construção da educação do futuro”, finaliza Rodrigo Neiva.
o Brasil, dos 593 mil docentes que atuam na educação infantil, apenas 3,6% são homens, segundo o Censo da Educação Básica 2020. Esse índice vai se ampliando a partir dos anos finais e ensino médio; já no ensino superior a presença masculina é maioria.
Nos países africanos há uma pirâmide completamente inversa: na educação básica a maioria dos professores é do sexo masculino - o mesmo ocorre no Japão. Em Moçambique, as mulheres ocupam cargos nas áreas de exatas, agrimensura, matemática, zootecnia, agronomia e os homens estão no magistério. Na Europa, Portugal e Espanha são duas grandes referências de professores do sexo masculino na alfabetização e na educação infantil. É senso comum pensar que isso retrata a questão cultural do Brasil, mas há também um tema delicado, o de gênero, sobre o qual ninguém fala.
A função da educação infantil na sociedade contemporânea é a de possibilitar a vivência em comunidade, praticar o respeito, acolhimento, inclusão e diversidade. Embora sejamos biologicamente sociais, é o convívio que nos ensina formas de nos relacionar. Essa é a grande tarefa da educação na primeira infância.
Pressionados pelas famílias e por uma sociedade machista, dirigentes não apoiam a presença do professor homem na educação infantil que, sob pressão, é motivado a desistir do cargoEnvato elements
O obstáculo para o homem entrar na educação infantil está numa sociedade que não enxerga esse papel como masculino, uma vez que cuidar é atribuição da mulher e a escola tende a não fazer nenhum trabalho para diminuir isso, deixando o professor fragilizado.
De acordo com Geraldo Peçanha de Almeida, pedagogo pela Universidade Estadual Paulista de São Paulo (Unesp), quando um homem consegue romper essa barreira e entrar numa escola de educação infantil, ele não encontra pares. “Toda professora passa pela situação de uma criança que é mordida por outra, de um aluno que empurra o colega que cai e fere a cabeça, mas, se acontece na classe do professor homem, a causa é vista como desleixo e incompetência”, ilustra Geraldo, que atuou durante nove anos na educação infantil da rede particular e pública na cidade de Curitiba, Paraná. Segundo ele, as próprias colegas de trabalho olham para o professor do sexo masculino como incapaz de cuidar, portanto, de exercer a maternidade. A cobrança e a vigilância em cima do homem que entra na educação infantil são muito maiores, complementa Geraldo.
Grande parte das escolas considera a educação na primeira infância como um prolongamento da casa, da mãe, ou seja, um prolongamento da maternidade. Geraldo expõe que uma docente mulher pode auxiliar uma criança pequena no banheiro, mas um professor homem não pode. “Uma professora pode dar banho nos alunos, um pediatra pode examinar tanto meninos quanto meninas, mas um professor homem de educação infantil gera desconfiança no cuidado com as crianças”, explica.
Homens chegam a entrar na educação infantil, mas episódios de desconfiança, acusações e reuniões com as famílias e responsáveis para esclarecimentos, muitas vezes sem nenhum sentido, causam um desgaste tão grande que
A educação é feita na multiplicidade: quanto mais diversificadas forem as linguagens e as convivências, maior é o ganho das crianças, em termos de relações humanas, equilíbrio emocional e referências, diz Geraldo Peçanha
o professor desiste e sai da escola. “Eu precisava fazer um esforço extraordinário para ter um reconhecimento”, admite Geraldo, que também é psicanalista e doutor em teoria literária. Ele conta que um colega o procurou para contar que como professor da educação infantil fora proibido de, no horário do sono das crianças, permanecer na sala junto delas. Nesse momento seria designada uma professora mulher para supervisionar as crianças. Para Geraldo isso é violência laboral, onde o contexto de trabalho para o homem na educação infantil é cruel.
“Dirigentes têm cobranças de todos os lados: uma diretora de pré-escola é cobrada por vaga, por criança que precisa tomar medicação num determinado horário, por uma criança que cai e se machuca, até pela criança que não fala direito. Mas quando uma família traz à escola inseguranças quanto à intimidade, sexualidade, afeto, carinho e até sobre a educação dada por uma figura masculina, a direção da escola se mostra frágil, despreparada e não entende o real papel da educação”, aponta o professor.
Para Geraldo, também autor de mais de 70 livros, entre infantis, para pais e educadores, a educação é feita na multiplicidade: quanto mais diversificadas forem as linguagens, as relações e as convivências, maior é o ganho das crianças, em termos de relações humanas, equilíbrio emocional e referências. “Colocar uma criança durante quatro anos só diante de educadoras mulheres, cuidadoras, assistentes femininas, por preconceito, é privar a criança de um direito que está ga-
A função da educação infantil na sociedade contemporânea é a de possibilitar a vivência em comunidade, praticar o respeito, acolhimento, inclusão e diversidade
rantido na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que é o de conviver”, explica. Ele conta que há cinco anos Curitiba introduziu três professoras trans na educação infantil: houve aceitação da escola, em seguida reuniões com os pais para esclarecer dúvidas e anular preocupações. Criaram-se momentos de discussão e convivência entre familiares e professores. “Nessa experiência de Curitiba, a maior resistência foi por questões religiosas; pais conservadores apresentaram dificuldade, mas não impedimentos. Isso mostrou que se o trabalho realmente é feito com responsabilidade, não só o homem tem espaço na escola, como também qualquer outra pessoa”, assinala Geraldo Peçanha.
A Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a BNCC pregam o cuidar e o educar, papel indissociável na educação infantil. Os professores de artes, de inglês, de informática, de música e de educação física educam dentro dos princípios de suas próprias disciplinas, mas é o professor regente que, além de educar, cuida, faz trocas de roupas, de fraldas, alimenta, é quem desenvolve um papel maternal.
Peçanha vê como saída a introdução da presença masculina na educação infantil de maneira gradativa, como aconteceu com ele, que teve sua primeira experiência como professor substituto. “Cada vez que faltava uma professora, ao invés de a escola colocar uma assistente no lugar, havia um homem que já convivia dentro da escola, ao longo da semana, de maneira coadjuvante: no lanche, higiene e organização do material. Quando a professora faltava, ele assumia”, orien-
Lion Santiago: presença masculina na educação não deve representar os mesmos estereótipos vistos na sociedade
ta. “Para os pais é positivo, pois são impactados de maneira mais leve.”
Quando há professores homens e mulheres juntos na primeira infância, exercendo o cuidar, o afeto e o acolhimento, planejando aulas e organizando atividades, mostram-se às crianças diversas possibilidades de família. Quando uma escola é 100% feminina, a criança passa cinco vezes por semana, às vezes 8 horas por dia, com uma única referência, muitas vezes por preconceito, dificuldade e desinformação.
Lion Santiago, pedagogo pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) foi professor da educação infantil da rede pública na cidade de Guarulhos, SP, onde o corpo docente era composto apenas por mulheres, com exceção das aulas de educação física e em alguns cargos na área de gestão. Lion acredita que a escola reflete a cultura machista da sociedade, que determina que este é o espaço da mulher, e enfatiza que a presença masculina na educação não deve representar os mesmos estereótipos vistos na sociedade. “Há cada vez mais lares onde as crianças crescem sem referências masculinas e não podemos permitir que dentro das escolas essa referência apareça reproduzindo os mesmos arquétipos da sociedade”, frisa Lion, mestre em literatura e crítica literária na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Quando na escola há uma gestão que entende a importância da figura masculina para transformar as relações de masculinidade dentro da infância, então ela traz professores homens para sua equipe de docentes.
“Vemos uma presença masculina na educação infantil de escolas sob uma perspectiva construtivista, que se
“Uma professora pode dar banho nos alunos, um pediatra pode examinar tanto meninos quanto meninas, mas um professor homem de educação infantil gera desconfiança no cuidado com as crianças”, critica Geraldo Peçanha
pensa além do que é comum. Já na escola tradicional, a presença é quase inexistente”, assegura Lion, que também atuou como professor na educação infantil em escolas particulares na cidade de São Paulo. Filho de mãe solo, Lion teve referências masculinas dentro de seu percurso escolar e conclui que se não houver, também, mulheres que desconstruam esses arquétipos machistas e preconceituosos, elas os reproduzirão dentro da sala de aula, assim como sua mãe, que negava que fizesse alguns serviços domésticos sem que ele entendesse a razão.
Há escolas que possuem dentro de seu espaço um modelo de desconstrução em que se vê jovens fortemente armados contra racismo, preconceito e machismo, por exemplo, porque tiveram um percurso educacional que os transformou para fazer frente a esse tipo de ação.
“Existe uma luta para os homens ocuparem espaço na educação infantil, mas o principal é direcionar a forma de ocupar esses espaços”, discorre Lion, também editor da AMELÌ, mediador de leitura e formador de professores.
A diretora educacional Ruth Nassiff teve vivências positivas com a contratação de professores homens para a educação infantil do Instituto Alana, na capital de São Paulo. “Os currículos masculinos eram muito bem-vindos e avaliávamos a contratação de homens para a primeira infância como uma experiência atraente”, conta Ruth, que é psicopedagoga clínica e institucional pelo Instituto Sedes Sapientiae. Ela notava um manejo interessante em sala de aula e avalia que o receio das pessoas é por preconceito, já que o homem também consegue ser dócil, acolhedor e firme dentro da ação pedagógica. “Vemos mulheres ríspidas e agressivas com crianças, então, o ser masculino ou feminino não é o que determina o sucesso em sala de aula”, pondera Ruth, pós-graduada em neurociência, psicanálise e docência do ensino superior.
“Um dos professores contratados despertou minha atenção pela organização e planejamento. Possuía semanários com atividades e conteúdos que iria aplicar, trabalhou a questão de um menino mais agressivo dentro do grupo com muita dedicação e cautela e o aprendizado de seus alunos caminhou muito bem”, detalha. Ruth conta que outro docente contratado tinha uma personalidade mais expansiva, usava brincadeiras nas atividades, explorava as cantigas de roda, um jeito diferente que também funcionou muito bem com crianças de cinco anos. “Eu atendia muitas turmas, cerca de 250 crianças, e o trabalho pedagógico desses homens em
sala de aula aconteceu tão bem quanto nas salas de aula de professoras femininas”, relata. Segundo Ruth Nassiff, a aceitação das famílias foi tranquila, sem qualquer questionamento. “As crianças adoram quando a figura masculina aparece nos professores especialistas a partir do ensino fundamental 2, e muitas se dão melhor com os professores do que com as professoras”, opina.
A receptividade depende mais de como a instituição percebe a condição do homem professor na educação infantil do que da comunidade. Ruth assegura que quando a equipe gestora faz um trabalho de aceitação e inclui esses professores como capazes e competentes, como é feito com uma professora mulher, o movimento é relacional, e a aceitação da escola impacta a todos.
O homem na escola ajuda no equilíbrio do masculino e do feminino, com seu olhar, compreensão e escuta, que são diferentes. Se as mulheres lutaram, e lutam ainda, para romper com o modelo único de família e a fixidez do lugar social a elas determinado, foi a partilha da educação das crianças com a escola que pôde tornar viáveis novas configurações e organizações familiares. A igualdade dos direitos entre homens e mulheres na sociedade só poderá se consolidar se as instituições sociais tiverem novas significações.
“A receptividade depende mais de como a instituição percebe a condição do homem professor na educação infantil do que da comunidade”, acredita Ruth Nassiff
O Coletivo Cultural Poesia na Brasa é um movimento de literatura marginal periférica que foi fundado em 2008, com o intuito de fomentar a cultura da periferia na periferia. Conhecido como Sarau da Brasa, o projeto se iniciou com um grupo de amigos que organizou encontros semanais no bairro da Brasilândia, zona oeste de São Paulo, com o intuito de abrir um espaço de expressão para artistas, poetas e escritores da região. Com esse movimento se descobriu que havia no bairro muitos escritores e uma produção cultural e artística efervescente, porém, sem visibilidade. Por meio de editais culturais, o movimento passou a inscrever projetos que possibilitaram o lançamento de diversos livros dos literatos da Brasilândia. Deste modo, o Sarau foi crescendo e se expandindo para outros bairros. Nesse contexto, em 2021, o grupo foi contemplado pela 4ª edição do Programa de Fomento à Cultura da Periferia da Cidade de São Paulo, que viabilizou o lançamento de O boldo que queria ser melancia, de Samanta Biotti, como parte do projeto “Cria, conta e faz arte”.
Samanta, pedagoga e uma das idealizadoras do Sarau da Brasa, foi uma grande impulsionadora do incentivo à leitura de literatura infantil nas comunidades. Sua obra inaugurou o primeiro livro do Sarau da Brasa voltado para o público infantil e sua intenção, ao iniciar essa produção, foi repensar “a trajetória da gente enquanto criança vivendo na periferia”. Samanta vê no livro a possibilidade de discutir com as crianças o quanto você
muda quando se sente acolhido. A história conta, ainda, com as ilustrações de Clara Lua Rodrigues Schier. Hoje com 15 anos de idade, Clara “nasceu junto” com o Sarau da Brasa. Moradora da Brasilândia, a jovem cresceu dentro do coletivo. A partir desse contato ela foi convidada a ilustrar a história de Samanta.
A parceria de Samanta e Clara fez da obra um todo orgânico, indissociável. Para Samanta, a parceira conseguiu captar “a essência do que queria dizer nas entrelinhas”; já Clara, ressalta a importância que o trabalho teve para ela e para sua família, seu “primeiro trabalho sério” se realizando justamente dentro de um movimento do qual ela participa “literalmente a vida toda”.
Em dezembro de 2021, o livro foi lançado na escola em que Clara estuda. O evento, além de trazer a cultura periférica de modo institucionalizado para dentro do ambiente escolar, serviu também como forma de incentivo aos jovens e [possíveis] futuros escritores, de modo a mostrar que o fazer literário pode ser acessível a todos. Um momento simbólico, não só para autora e ilustradora, mas para toda a comunidade escolar, que se consagrou como um dos muitos encontros de aproximação que dão voz ao movimento cultural periférico da cidade.
Na Brasilândia, poetas, escritores e outros artistasincluindo jovens - estão sendo incentivados a acreditarem no seu trabalho, fortalecendo o movimento cultural periférico| Por Damaris Silva Arquivo pessoal Samanta Biotti: Trajetórias repensadas
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Desenvolvimento de competências socioemocionais ganha novo impulso com a retomada das aulas. Escola deve fugir dos modismos e compreender o tema a partir de seu projeto pedagógico
Empatia, resiliência, comunicação... a retomada das aulas presenciais trouxe com força inédita para a sala de aula um vocabulário que foge do dicionário acadêmico estrito. Entre as consequências da pandemia está a tomada de consciência de um movimento global da educação: a valorização das competências socioemocionais como centro do currículo da educação básica. “Trata-se de uma questão absolutamente essencial. Durante muito tempo as escolas, por uma visão conteudista, deixa-
ram as competências socioemocionais às margens do processo educativo, mas isso é claramente um erro”, pontua o espanhol José Maria Avilés, pesquisador da Universidade de Valladolid e uma autoridade internacional sobre bullying.
Não faltam evidências científicas da importância das competências socioemocionais – não apenas no tempo escolar, mas ao longo de toda a vida dos indivíduos, com impacto no trabalho, na saúde, na qualidade de vida e no próprio sentimento de felicidade. Respeitadas instituições de pesquisa publicam farta documen-
tação a respeito, como o Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning (Casel), que tem entre seus fundadores Daniel Goleman, autor do célebre livro Inteligência emocional (www.casel.org).
É verdade que não se trata de uma novidade. No Brasil, há mais de uma década existem projetos que enfatizam o tema, como os liderados pelo Instituto Ayrton Senna, bem como propostas didáticas de editoras e sistemas de ensino. Mais recentemente, a própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) se organizou em torno de competências que incorporam essa discussão, iniciada na década de 1990. Nova mesmo é a urgência que o tema vem ganhando, diante dos desafios colocados a crianças, adolescentes e professores em uma escola abalada pelos horrores da pandemia.
Cada vez mais, os educadores se dão conta de que a educação básica deve ir muito além dos componentes curriculares tradicionais, mas poucos promoveram mudanças mais radicais, como já se vê em novas instituições de ensino superior.
No próximo dia 6 de fevereiro, por exemplo, 560 aprovados na primeira etapa da disputada graduação em medicina do Hospital Albert Einstein passarão por uma bateria de entrevistas em que serão avaliadas competências como empatia, comunicação, resiliência, resposta às situações de estresse e tomada de decisão. Neste ano, 7.000 candidatos disputam 120 vagas. O desempenho na etapa denominada de Múltiplas Minientrevistas (MME) pode fazer os alunos mudarem até 300 posições no processo, tal a relevância dessa dimensão na avaliação.
Trata-se de um processo iniciado em 2015, como parte da construção de um perfil mais humanizado de profissionais da medicina. “O processo tem a ver com
as competências socioemocionais descritas na literatura que o médico deve ter quando formado. A primeira competência é o conhecimento técnico-científico, mas todas as outras são socioemocionais”, explica Elda Maria Stafuzza Gonçalves Pires, coordenadora acadêmica da graduação de medicina da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein.
Segundo Elda, o processo quer identificar se os alunos conseguem desenvolver essas capacidades ao longo do curso. “Os estudos mostram que alunos de medicina vão diminuindo o sentido de empatia ao longo do curso. Nosso objetivo é o contrário: queremos que ele aprenda a lidar com sofrimento e a dor, mantendo a empatia”, exemplifica a educadora.
Outras instituições, como o Insper e o Ibmec, trilham o mesmo caminho. Mas as escolas brasileiras de educação básica ainda estão longe de dar ao tema a centralidade que assume em outras partes do mundo, e talvez este seja o impulso que faltava.
“O que se vê é o professor usando métodos cegamente, estereotipando as crianças, fazendo com que o reconhecimento emocional seja negligenciado, enviesado”, lamenta Adriana Fóz
Educadores estão se dando conta de que a educação básica deve ir muito além dos componentes curriculares tradicionais, mas poucos promoveram mudanças mais radicais
Há muitas razões para isso. Em primeiro lugar, porque o tema exige uma mudança cultural profunda. “O conceito de razão sempre esteve muito separado do de emoção”, diz a neurocientista Adriana Fóz, pesquisadora do Laboratório de Neurociências Clínicas da Unifesp. Segundo explica, falar de competência socioemocional é falar de emoção, o que não é tão simples em um mundo acostumado a explicar tudo pelo viés racional e cognitivo. “Se o cérebro fosse um novelo de lã, a ponta desse fio seria a tomada de decisão emocional, que tem um papel vital na sobrevivência. Isso está subjacente em nossas bases como seres humanos”, diz a pesquisadora.
Além disso, o desenvolvimento desse campo do conhecimento implica a intersecção de diversas áreas do conhecimento, e vem se ampliando com o aprofundamento dos estudos da neurociência, que acrescenta novo lastro científico à discussão. Adriana conta que o cérebro humano tem circuitarias neurobiologicamente marcadas para empatia e para a resiliência, por exemplo. “A gente nasce para se vincular ao outro”, diz. Autora do livro Frustração (ed. Benvirá), recém-lançado, Adriana mergulhou no estudo do cérebro para estudar a capacidade de superação. “Nosso cérebro tem uma possibilidade de rede, apresenta caminhos neurais para as competências socioemocionais”, complementa.
Para Adriana, ainda haverá muitas transformações na maneira de olhar para o campo socioemocional, a partir dos conhecimentos produzidos pelas neurociências, especialmente com o avanço dos exames de neuroimagem, que permitem ver o que se passa dentro das estruturas cerebrais.
Mas a neurociência talvez ajude a explicar também o que vem acontecendo em muitas escolas brasileiras que preferem adotar soluções prontas a promover uma reflexão mais profunda sobre o tema, dentro de seu projeto político-pedagógico. Nessa perspectiva, a escola tradicional, que transforma tudo em aula, também pode tornar o trabalho sobre competências socioemocionais um conteúdo pré-formatado. “O cérebro gosta de caminhos fáceis, e o que se vê é o professor usando métodos cegamente, estereotipando as crianças, fazendo com que o reconhecimento emocional seja negligenciado, enviesado”, lamenta a pesquisadora.
Para o espanhol Avilés, o risco existe. “Quando as escolas não sabem o que fazer ou como fazer para desenvolver competências, recorrem ao que têm à mão: qualquer método, pacote, pessoa, que de alguma maneira se proponha a resolver a angústia da família, do aluno, dos professores”, constata.
Para o espanhol José Avilés, desenvolver competências socioemocionais é um processo experiencial, a partir do convívio entre pessoas
Por isso, Avilés recomenda que se diferencie entre programas (como as propostas e métodos prontos, muitas vezes importados) e os projetos pedagógicos conduzidos pela própria instituição. “Para que as escolas sejam verdadeiramente fontes de ensino e aprendizagem, precisam se organizar em torno de projetos, a partir de sua própria identidade”, acredita. Claro, isso leva tempo e requer participação de todos, em uma construção coletiva. “Não é rápido como dizer: compro aquilo e aplico amanhã, de cima para baixo”, brinca. “Mas é cada vez mais necessário que as equipes docentes parem para pensar e tenham tempo para pensar sobre o que querem fazer e como devem fazer, como protagonistas”, finaliza. Por isso, é bom entender melhor o que significa a aprendizagem socioemocional.
A neurociência talvez ajude a explicar o que vem acontecendo em muitas escolas que preferem adotar soluções prontas a promover uma reflexão mais profunda sobre competências socioemocionaisArquivo pessoal
É aqui que começa uma bela, mas complexa discussão. Afinal, há diferentes definições em curso. Este campo já foi chamado de competências não cognitivas, competências sociais, competências de vida, soft skills, competências do século 21, entre outras denominações – cada uma tentando definir os limites desse território da forma mais abrangente e precisa.
Por isso, ao mesmo tempo, instituições e pesquisadores também começaram a buscar pontos em comum entre as definições. Para o Casel – comunidade estadunidense citada no início -, a aprendizagem social e emocional refere-se ao processo pelo qual seres humanos adquirem e aplicam conhecimentos, habilidades e atitudes para desenvolver identidades saudáveis, gerenciar emoções, alcançar objetivos pessoais e coletivos, sentir e demonstrar empatia pelos outros, estabelecer e manter relacionamentos de apoio e tomar decisões responsáveis e cuidadosas.
Da mesma forma, surgiram neste século quase duas centenas de programas, cada um com seu próprio repertório de habilidades e competências centrais. A diversidade de competências propostas e as formas de defini-las são tantas que um grupo de pesquisadores, na Universidade Harvard, propôs-se a criar o Taxonomy Project, buscando o que se apelidou de Pedra de Roseta para o campo das competências socioemocionais. Para quem não se lembra das aulas de história, a
Pedra de Roseta foi o achado arqueológico encontrado no final do século 18, a partir da qual foi possível decifrar os hieróglifos egípcios.
O projeto analisou dezenas de programas, buscando frameworks, ou um sistema organizador para orientar a busca dos interessados, principalmente educadores, pelas competências que gostariam de ver desenvolvidas em crianças e jovens. Esse esforço gerou uma plataforma de acesso livre que permite a qualquer usuário fazer um “de-para” para navegar pelo mundo das competências e das diferentes propostas existentes. Vale a pena consultar em http://exploresel.gse.harvard.edu.
O esforço de encontrar um vocabulário comum para o campo ilustra o desafio que cada educador vive ao bus-
“Professores com competências socioemocionais mais desenvolvidas constroem relações de apoio e encorajamento com os alunos, são mais hábeis em promover a motivação intrínseca para a aprendizagem”, diz Adriana FózEmpatia e resiliência contam na avaliação da disputada vaga para graduação em medicina do Hospital Albert Einstein
car introduzir a discussão no coração de seu projeto pedagógico. Afinal, não basta pegar um dicionário e escolher de quais habilidades se gosta mais ou quais vê como mais importantes. Tampouco será suficiente construir boas perorações mostrando como tais competências sociais, como a empatia, são nobres e necessárias. “Quando é preciso abordar algo do vivido, do emocional, é reducionista colocar isso em um manual, é preciso que faça sentido para as pessoas”, lembra Adriana Fóz.
Para José Maria Avilés, desenvolver competências socioemocionais é um processo experiencial, a partir do convívio entre pessoas. “Considerar a convivência como uma experiência é trabalhar na prática diária não como algo exclusivo de especialistas, mas um desafio possível para todo professor, todo aluno, toda família que entende o conflito como uma oportunidade, algo sobre o que construir, a partir do que projetar, a partir do que aprender”, exemplifica o pesquisador, que desenvolveu um projeto antibullying baseado na participação de toda a escola e em grupos de ajuda formados pelos próprios alunos.
Por isso, especialistas são essenciais, leituras e estudos imprescindíveis, mas tudo precisa acontecer a partir da comunidade escolar, de forma transversal. Acima de tudo, o professor deve se apropriar e ser o condutor desse processo, lembra Adriana Fóz. “Esse é sempre o calcanhar de aquiles do Brasil: não se dá a devida importância ao professor”, enfatiza.
Com isso, Adriana chama atenção para dois aspectos: em primeiro lugar, para a própria formação do professor para que tenha condições de desenvolver projetos de aprendizagem social e emocional. Mas ela também propõe que o próprio docente seja o centro de propostas para que possa se desenvolver nesse campo – e não apenas aprender a ensinar.
Faltam estudos nessa área, e não apenas no Brasil. Pouco antes da pandemia, Adriana Fóz publicou na revista Portuguesa de Educação, juntamente com os pesquisadores Alcione Moreira Marques e Luiza Hiromi Tanaka, um estudo sobre programas de intervenção para a aprendizagem socioemocional do professor, uma revisão de trabalhos científicos que tinham o professor como foco. Entre 398 artigos sobre aprendizagem socioemocional analisados, apenas 18 tiveram como objetivo avaliar os impactos ou efeitos de programas específicos para o desenvolvimento dos professores.
ESCOL AS
SALA DE AULA
APRENDIZAGEM SOCIOEMOCIONAL
TOMADA DE DECISÕES RESPONSÁVEIS
HABILIDADES DE RELACIONAMENTO
Cultura, Práticas e Políticas escolares Parcerias efetivas Oportunidades de aprendizagem alinhadas
Segundo Adriana, estudos mostram que a efetividade dos programas de aprendizagem socioemocional oscila de acordo com as competências que o professor já possui. Por isso, diz, é urgente dar mais atenção aos educadores, que hoje são apenas treinados brevemente para aplicar os programas de aprendizagem social e emocional nos alunos.
Todas as razões apontam para esse caminho. “Professores com competências socioemocionais mais desenvolvidas constroem relações de apoio e encorajamento com os alunos, são mais hábeis em promover a motivação intrínseca para a aprendizagem, conduzem os alunos em situações de conflito de maneira mais eficaz e se tornam modelos positivos”, diz. Em última instância, trata-se de um aprendizado com reflexos até na saúde. “Muitos indivíduos que sofrem com o burnout não percebem suas próprias emoções. Se não percebem em si mesmos, dificilmente conseguirão perceber no outro”, finaliza a pesquisadora.
Otão esperado ‘novo normal’ não será novo nem será mais normal. A retomada às aulas em 2022 já tem uma bandeira promissora e aparentemente inovadora: o tal hibridismo. O que é ele? Aparentemente não nos ameaça, afinal não chega fazendo grandes promessas uma vez que ele “nem é isso nem aquilo”. Não vi nenhuma tensão no ar ao se anunciar nas escolas e nas universidades a sua chegada meio salvacionista.
Híbrido tem um sentido pouco ameaçador e marcado pelo gosto do “jeitinho” brasileiro.
O que é o híbrido? Começo pelo sentido primeiro trazido do senso comum: é o misturado, um pouco de cada, metade-metade, sem identidade definida, composto de
diferentes raízes, conceitos, espécie ou formato. Lusco-fusco, indefinido, impreciso, inexato, ambivalente... Vamos fazer aqui um exercício lógico e tomá-lo no bom sentido. Tomá-lo-emos como aquele processo que guarda duas características de essências diferentes e as aproxima, fazendo deles uma composição nova. Por exemplo, a rádio Cultura de São Paulo tem um programa que aproxima a música medieval e seus instrumentos às produções do jazz norte-americano. Muito interessante. O programa analisa, destaca as características presentes nas épocas, as temáticas sociais, as evoluções e desafios, os instrumentistas e os compara. Bacana.
Na educação atual, durante a pandemia (2020-2021), o termo híbrido entra e vai se instalando em todas as suas frestas. Mas não tenho visto senso crítico tratando de suas proposições. Nenhuma, a não ser uma posição oportunista que evita desgaste de pensar profundamente o que se poderia fazer de novo e inovador a partir de momento tão grave na história da educação.
O híbrido na escola, área ímpar do conhecimento humano, não se compara com o funcionamento de um carro ‘híbrido’ – que pode usar da gasolina ou do etanol de acordo com conveniências econômicas ou circuns-
O que se contrapõe ao presencial não é o virtual; é o ausencial. É a falta de.
É aquilo que, de fato, tanto nos faltou durante a pandemia
tanciais. Mas cada especificação técnica do carro híbrido é refinadamente definida.
O híbrido na educação é a mistura do que com o quê? Para quê?
A mistura de dois ingredientes pode conter o pior de cada um dos elementos escolhidos. E não necessariamente o melhor de cada ingrediente. Por isso, para ser hibridamente coerente há necessidade criteriosa da definição dos ingredientes escolhidos como as partes da mistura. Nosso objetivo de hibridização teórico-metodológico deve passar necessariamente pela escolha dos melhores componentes e estudos de procedimentos de cada um dos seres hibridizáveis.
A tarefa de analisar seus componentes cabe aos educadores das escolas, aos gestores de planejamentos curriculares e às políticas da educação. E não às pressões de uma época marcada pelas saídas mais fáceis ou pela força das mídias e dos “influencers” que hoje se constituem nos programas de TV ou das redes sociais. Essa pressão é pesada e impositiva, pois é da mesma laia que aquela que é capaz de definir eleições ou fazer tombar uma economia. A educação, como diz Miguel Arroyo, é um território de disputa, sendo o seu currículo um lugar dos confrontos mais sutis e mais violentos na busca da hegemonia do que é a finalidade da educação.
Por isso, algumas fases de estudo e reflexão devem correr paralelas à implantação que vai se dar maciçamente em 2022. Trago algumas delas aqui para os educadores, famílias e planejadores dedicados a pensar a educação e guardar para ela o que tem de melhor na sociedade e não apenas o que é mais fácil ou mais da moda.
As escolhas dos elementos “misturáveis” devem ser claras, explicitadas e acompanháveis do ponto de vista dos grandes objetivos da educação. E, não apenas, dos objetivos apresentados nas açodadas propostas de hibridismo.
Algumas definições do híbrido – que se encontram em sites de escolas inovadoras, afirmam: “O ensino híbrido é uma das maiores tendências do século 21. Basicamente, significa misturar aulas online e presenciais”.
É uma das “maiores tendências do século”?! “Misturar ausência com presença”?
Presença às aulas?
Não concordo. As salas de aula são espaços de convívio, como um teatro, como um clube, como as festas familiares; são ajuntamentos presenciais sem os quais não se criam as relações fundantes da vida. Afirmar gratuitamente que o que faltava à escola era a ausência é de fato argumento precipitado e sem fundamento antropológico. De fato, o que se contrapõe ao presencial não é o virtual; é o ausencial. É a falta de. É aquilo que, de fato, tanto nos faltou durante a pandemia. O conhecimento (falo aqui do escolar basicamente) exige a linguagem, a comunicação, a socialidade, das trocas das falas em nuances dialogadas. O conhecimento e a inteligência são operados nos tempos de amadurecimento da reflexão trazida pelo olhar, pela cena, pela ironia, pela pausa da dúvida e da indagação.
Na brevidade deste artigo não cabe aprofundar outros elementos defendidos pelo hibridismo sem fronteiras que mereceriam estar aqui. Ater-nos-emos à ideia do hibridismo de que a “ausência é melhor que a presença”. Que a escola é ruim porque tem muita presença. Os rituais dos ritmos alheios, a cadência dos grupos, as pausas feitas pelo coletivo, os silêncios reflexivos, algazarras sobressaltadas da turma são momentos de vida comum que são o contexto da aprendizagem e não seu defeito ou falha. A aprendizagem é um bem coletivo, social e constitutivo íntimo da sua essência. Os momentos individuais de tornar assimilável o trabalho são fundamentais para as elaborações mentais e criativas, mas a presença do outro não é um estorvo. Nunca.
Sendo assim, trago no primeiro artigo do ano uma questão ao hibridismo que merece ser complementada por outras e tão graves como essa.
Fernando José de Almeida
é professor de pós-graduação em educação: currículo na PUC-SP e foi secretário municipal de Educação da cidade de São Paulo (2001-2002).
Afirmar gratuitamente que o que faltava à escola era a ausência é de fato argumento precipitado e sem fundamento antropológico
Escolas de baixo custo são a nova preocupação para as escolas isoladas. Sem serem afetadas pelos grandes grupos que adquirem as de elite, agora vão ter que se transformar para continuarem no mercado
Ofenômeno das aquisições ocorridas no ensino superior, que forma um oligopólio, e que cada vez mais dificulta a vida das instituições menores, está se repetindo nas escolas de educação básica. O surgimento de conglomerados de escolas que atuam com uma mensalidade abaixo do que é praticado, oferecendo um serviço de qualidade, vai obrigar que o setor independente se reúna para ações de cooperação entre escolas de regiões diferentes. Terão de usar serviços comuns e se utilizar de tecnologia para enfrentar essa novidade.
As escolas de baixo custo, conhecidas entre mantenedores como low cost, estão de fato causando preocupação entre aquelas médias que são independentes. Por se tratar de uma concorrência com mensalidades mais baixas, possível pelo ganho em escala e pela centralização dos serviços financeiros e administrativos, a
“As escolas de baixo custo estão sim mexendo muito com a gente. Na hora da matrícula, os pais não perguntam nada sobre a matrícula ou parte pedagógica, apenas sobre descontos”, conta Sueli Conte, do Colégio Renovação
verdade é que haverá a necessidade da criação de um modelo de escola mais barata para fazer frente aos novos grupos que montam várias unidades low cost.
Sueli Conte, diretora e mantenedora do Colégio Renovação, considerado de médio custo, conta que as escolas low cost são vistas como concorrentes, tornando-se um desafio a mais para a gestão do colégio. “As escolas de baixo custo estão sim mexendo muito com a gente. Na hora da matrícula, os pais não perguntam nada sobre a matrícula ou parte pedagógica, apenas sobre descontos e até mesmo apresentam propostas de outros lugares”, revela.
Com unidades na cidade e interior de São Paulo, o Colégio Renovação possui mais de 35 anos de atuação, atende do minimaternal ao ensino médio e cursinho. Possui cerca de 350 professores e aproximadamente 2.500 alunos, sem contar o preparatório, com mensalidades que variam de 900 reais a 1.400 reais.
Segundo Sueli, o Renovação passou por ajustes e cortes para se tornar mais atrativo. “Tivemos de diminuir aulas e alguns cursos que não estavam agradando, porém, tudo baseado em uma pesquisa com os próprios alunos. Antes de acrescentar as aulas de inglês quatro vezes por sema-
Fundador da Escola Mais, tida como low cost, Günther Mittermayer conta que possuem 5 mil alunos e 520 funcionários
na com trabalho mais lúdico. O fato é que a gente precisa se desdobrar em tudo que é proposto por conta das escolas de baixo custo.” Ela acrescenta que há ainda concorrência das “escolas menores, normalmente sediadas em casas alugadas, que foram adaptadas para o ensino. Já o Colégio Renovação, construiu prédios e instalações para serem escolas. Espaços projetados para sala de aula com recursos audiovisuais, refeitório, salão de jogos, espaço para música, aulas de judô e até piscina, tendo uma estrutura muito diferenciada quando comparada àquelas oferecidas pelas escolas menores, que acabam terceirizando esse tipo de serviço”.
A Escola Mais, de São Paulo, uma low cost, foi fundada por Günther Mittermayer, hoje diretor de produtos de todas as unidades do grupo. Ele concorda com o pensamento de Sueli de que escolas de bairro normalmente evoluem conforme o tempo, aumentando uma creche para uma sala que comporta uma turma de fundamental. “A nossa lógica é diferente. Em primeiro lugar, a gente constrói a escola com arquitetos e com investimento, pensando já no tamanho que ela vai ser. Por exemplo, se entendemos que uma unidade tem potencial para 700 alunos, então já fazemos a estrutura para comportar esses alunos. Provavelmente, no primeiro ano não teremos os 700, mas sim 300 ou, na melhor das hipóteses, 500 alunos, mas a vantagem é que o prédio inteiro já está projetado para onde ele vai chegar”, explica.
A Escola Mais foi fundada em 2018 por José Luiz Aliperti, fundador e CEO, Marina Nordi Castellani, fundadora e diretora pedagógica, e Günther Mittermayer. Ao todo a escola tem oito unidades, computando 5 mil alunos e 520 funcionários, ofertando cursos do ensino fundamental 1 ao ensino médio, em período integral, com aulas de inglês todos os dias. A escola possui, além das salas de aula, espaços para estudos individuais e labo-
“Toda a parte financeira está centralizada em uma equipe única que cuida de todas as unidades”, diz Günther Mittermayer, da Escola MaisUnidade Jd. Marajoara
ratórios maker, que são os três princípios de metodologia de ensino que eles ofertam: aulas no modelo tradicional, estudo individual, espaço e tempo para o aluno estudar sozinho e desenvolver independência e o mão na massa, aulas práticas nos laboratórios.
“Às vezes explicamos para as famílias que tem coisas que você aprende melhor com aula, mas tem coisas que você aprende melhor fazendo ou estudando sozinho. Então, ao criar esse equilíbrio, você desenvolve muitas habilidades diferentes, constrói autonomia nos alunos, cria uma cultura de estudo e ao mesmo tempo ajuda os jovens a aprenderem de formas diferentes”, detalha Günther Mittermayer.
Günther revela que a estratégia utilizada por eles para manter as instituições funcionando é o pensamento de reestruturar o que sempre foi feito da mesma forma na escola, pensando no que é necessário. “O número de profissionais na escola é reduzido, a maioria das escolas tem tesouraria e um milhão de pessoas para ajudar em um monte de coisas. Não temos nada disso em nossas unidades, só os educadores, como professores e monitores, além de uma diretora, três coordenadores e duas secretárias. Toda a parte financeira está centralizada em uma equipe única que cuida de todas as unidades, além do uso da tecnologia que ajuda a viabilizar o modelo financeiro da escola, o que possibilita oferecer uma mensalidade mais barata com qualidade.”
“O que permite o colégio ser de baixo custo é uma estrutura planejada que olha para as três unidades de maneira conjunta”, diz Dali Alonso, diretora de relacionamento da Vereda Educação
O paulista Colégio Vereda é low cost. “O que permite o colégio ser de baixo custo é uma estrutura planejada que olha para as três unidades de maneira conjunta. Dessa forma, conseguimos ter um olhar amplo, dados para geri-las, além de pessoas capacitadas para isso. É uma gestão estratégica em dados e informações, dinheiro de fornecedores, além de estratégia com o pedagógico dos nossos professores, que têm muita autonomia nas salas de aula”, afirma Dali Alonso, diretora de relacionamento da Vereda Educação.
Inaugurado em Santo André, município paulista, em 2018, dois anos depois o Vereda abriu duas novas unidades, na cidade de São Bernardo e no bairro da Mooca, zona leste de São Paulo. Ao todo são aproximadamente 2 mil alunos e 150 professores, ofertando curso do ensino infantil ao médio em período integral, com mensalidades em torno de 970 reais, inclusos alimentação e material didático.
“O nosso desafio é expandir e aumentar o número de estudantes. Só conseguimos fazer isso com um bom trabalho, pois nossos alunos vêm através das indicações das famílias que já estão na escola. Temos o desafio financeiro de ter um número de estudantes minimamente adequado para a escola ser rentável”, explica Dali Alonso, que complementa: “em agosto de 2021, lançamos a rematrícula e tivemos quase 70% de alunos registrados já nesse primeiro mês. Então, o retorno das famílias é muito positivo no sentido de quererem continuar conosco, de indicar a escola, de entender que tomamos muitas decisões para que sejamos cada vez mais eficientes, e que nunca vamos deixar a qualidade de lado, pois é para isso que existimos”.
Há muito a aprender com o novo modelo, mas uma das coisas que chama a atenção, e uma diferença entre a escola tradicional e a nova, é a proporção alunos/funcionários, conforme revelam os dados desta matéria.
“Temos o desafio financeiro de ter um número de estudantes minimamente adequado para a escola ser rentável”, explica Dali Alonso, da Vereda
Muitos não veem diálogo de seu currículo com as questões centrais da adolescência ou com outros campos propedêuticos de importância para a formação humanista do indivíduo
| POR Alexandre Le Voci SayadPara onde quer que olhemos hoje, há inteligência artificial. Nas redes sociais, sites, chatbots , no banco, no comércio e na educação. Mas as interfaces tecnológicas não são as únicas que se esbaldam nesse modelo de propósito geral: os bastidores da indústria, comércio, serviços e agropecuária sofrem transformações intensas. É a realidade do trabalho 4.0.
Além de programar, operar essa tecnologia tem exigido formação e desenvolvimento de novas habilidades e competências não somente no alto escalão das empresas; todos os trabalhadores se encontram numa encruzilhada de mudança na formação inicial e continuada, que alguns autores costumam comparar com aquela oriunda da Revolução Industrial.
Por um lado, os currículos regulares no mundo todo têm sofrido mudanças, tal qual as propostas pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e o novo ensino mé-
dio, que procuram aproximar os conhecimentos e habilidades contemporâneas da realidade dos estudantes.
Mas há um campo pouco discutido e ainda cercado de mitos e preconceitos no Brasil: a educação profissional ainda carrega estigmas do passado e procura se reinventar para abraçar as demandas da inteligência artificial e seus derivados.
Enquanto por aqui a porcentagem de estudantes que cursam o médio juntamente com o técnico não chega a 20%, países da OCDE costumam ostentar números acima dos 70%. O desenvolvimento da matriz educacional brasileira costuma explicar essa disparidade.
Para começar, a educação superior nem sempre foi um horizonte visível a olhos nus para grande parte da juventude no Brasil. Por anos, o acesso a uma universidade pareceu distante e repetiu a história da educação básica até as últimas décadas do século passado: uma miragem para a população mais pobre, um oásis para quem tinha recursos.
Instrumentos de democratização de acesso, como o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), vieram após uma expansão acelerada de faculdades no final da década de 1990, quando o mercado privado dominou boa parte da demanda reprimida. Instrumentos de avaliação tentaram controlar a qualidade dos cursos e mecanismos de financiamento para estudantes brotarem aos montes.
Por outro lado, a educação profissional e tecnológica, conhecida como EPT, foi sempre vista com desconfiança pelo mesmo público acadêmico. Para muitos educadores, trata-se de uma maneira superficial de responder a demandas do mercado de trabalho. Muitos não veem diálogo de seu currículo com as questões centrais da adolescência, ou com outros campos propedêuticos de importância para a formação humanista do indivíduo. Há para essa parcela de educadores um excesso de tecnicidade e crescimento profissional limitado do egresso.
Entretanto, é importante lembrar que durante muito tempo a ETP exerceu o papel fundamental de transformar vidas de famílias de baixa escolaridade cujos membros viam poucas possibilidades de adentrar ao ensino superior. O ensino técnico promoveu mudanças sociais marcantes e rápidas para quem teve oportunidade de cursar. De maneira similar ao ensino médio regular, o profissionalizante também acabou por criar bolsões de excelência, sobretudo dentro do Sistema S (Sesi, Sesc e Senai). Em outras palavras, não houve universalização de acesso, mesmo a indústria pressionando os governos por mais vagas - daí os números de baixa adesão apresentados no início do texto.
A própria indústria, o comércio e a agropecuária moldam os cursos de acordo com a demanda no mercado; agem muito proximamente às escolas, seja no fornecimento de equipamento ou na formação de professores e instrutores; encontrar uma oportunidade de emprego logo após a conclusão é algo comum para os estudantes. As empresas caçam talentos nas portas das escolas. Hoje os dilemas e desafios da educação profissional encontram um terreno fértil para derrubar a imagem de formação “menos importante”. O novo ensino médio propõe um itinerário formativo específico que integra a formação
profissional ao desenho regular - uma maneira de agregar o olhar propedêutico e humanista. Por outro lado, quem saiu na frente nessa integração são as mesmas organizações do Sistema S que já primavam pela qualidade antes.
A tendência de unir ensino médio e formação profissional é global. A China, por exemplo, em 10 anos, colocou o equivalente quase à totalidade da população brasileira (170 milhões de jovens) dentro das escolas vocacionais, como são chamadas por lá. A Rússia e a Europa promoveram recentes transformações e ampliações de sua educação profissionalizante. Para acelerar o processo, apostam em festivais, “hackathons” e outras competições nacionais (chamadas de “WorldSkills”) que estimulam o desenvolvimento de habilidades socioemocionais que deem conta de tecnologias como a inteligência artificial.
A aceleração do uso de mídias digitais por conta da pandemia da covid-19 é ainda um novo elemento para compor o complexo desafio da profissionalização. Segundo uma recente pesquisa com 1.000 indivíduos acima de 18 anos, realizada pela GetCourse, edtech internacional, em conjunto com a plataforma Toluna, 48% deles realizaram cursos profissionalizantes em plataformas de e-learning. É uma questão de tempo e redução de desigualdade de acesso para essa realidade se aproximar dos adolescentes em formação profissional.
Em suma, é importante que a qualidade da educação profissional do Senai ou Sesi, ou Senac seja expandida em escala para as redes públicas - esse é um caminho que se vislumbra. Entretanto, é fundamental garantir diversidade e acessibilidade a toda a matriz de educação superior brasileira: da universidade aos cursos livres, passando pelos profissionalizantes. O jovem precisa cursar aquilo que cabe no seu sonho - e essa escolha deve ser exclusivamente dele.
A educação profissional ainda carrega estigmas do passado e procura se reinventar para abraçar as demandas da inteligência artificial e seus derivados
Programa Escrevendo o Futuro, que tem como um de seus braços a Olimpíada de Língua Portuguesa, se consolida como uma iniciativa de formação continuada – e até de complemento à inicial - aos carentes educadores da rede pública
Dos quase 80 países analisados no último Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) por meio de jovens de 15 anos, o Brasil avançou timidamente e ficou em 57º no quesito habilidade em leitura, atrás de países como Chile e México. Pelo menos 50% dos alunos brasileiros ficaram no nível 2 de uma escala que vai até 6, o que significa que identificaram o
objetivo central de um texto de tamanho moderado, porém, não conseguiram compreender textos longos e nem distinguir fato de opinião.
Não é novidade que a qualidade da educação brasileira precisa avançar e que um dos caminhos é o aperfeiçoamento da formação inicial e continuada dos professores. E é justamente sob a ótica de mobilizar docentes para um ensino e aprendizagem da língua portuguesa eficaz e transformador que o Progra-
ma Escrevendo o Futuro, iniciativa do Itaú Social com coordenação técnica do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), atua por meio da Olimpíada de Língua Portuguesa (virou política pública com apoio do Ministério da Educação em 2008), revista digital sobre leitura e escrita, formações online, entre outras iniciativas voltadas aos docentes da rede pública.
Claudia Petri, coordenadora da área de implementação regional do Itaú Social da qual a Olimpíada de Língua Portuguesa faz parte, diz que o Programa Escrevendo o Futuro não vai dar conta de todas as defasagens educacionais, mas acredita que contribui com uma parcela. “Como é que a gente muda isso? Acreditamos que seja pelo viés da formação. A figura do professor é fundamental nessa relação ensino e aprendizagem, a gente diz que quando você tem o professor e o aluno, a aula acontece, a produção de conhecimento acontece... E aí, de maneira geral e não só na área de língua, precisamos de professores que busquem enxergar como o aluno aprende, ‘em que contexto estou inserido; tenho esse conhecimento curricular’? Acreditar que não é só pela memorização que os alunos aprendem, que há construção de conhecimento”, detalha a coordenadora, que fala ainda da importância de uma aula instigadora visando transformar a sala de aula no que ela chama de oficina de saber.
A Olimpíada de Língua Portuguesa se consolidou, justamente, como um concurso com caráter formativo e menos competitivo. “Ela é um mobilizador tanto para professores como para alunos na questão de uma formação da melhoria da prática pedagógica do professor, de conhecer o que você tem de mais inovador em relação às questões da língua, linguagem, letramento. Acreditamos que a formação e o desenvolvimento profissional dos professores são os vieses mais importantes”, diz Claudia.
Ano passado, a Olimpíada, que costuma ocorrer a cada dois anos, entrou em sua 7ª edição. Nela, o relato
de prática do professor foi avaliado - espécie de análise sobre as atividades desenvolvidas com a turma e que o ajuda a refletir sobre sua atuação -, textos dos alunos foram escolhidos pela classe, potencializando o trabalho coletivo e 50% das vagas foram reservadas para professores e escolas que estavam em territórios mais vulneráveis.
“Isso também é formativo, porque a hora que qualquer educador para e vai pensar no seu trabalho, refletir sobre a sua prática: ‘o que eu fiz, como aconteceu, que estratégias consegui desenvolver, como é que pude envolver a turma como um todo nesse movimento online?’, ele está refletindo sobre o trabalho e pode pensar em melhorias. Então, isso para nós é formação também”, defende a coordenadora, que tem em sua trajetória profissional experiência enquanto professora estadual em São Paulo.
A 7ª edição teve 59 mil professores inscritos e mais de 27 mil escolas participantes. Como os professores podem participar de mais de uma categoria, uma com o 5° ano e outra com o 3° do médio, por exemplo, ao todo foram mais de 112 mil inscrições. Os estados brasileiros foram representados por meio de 3.877 municípios. Geni Guimarães foi a homenageada da última edição. Em 2019, Conceição Evaristo foi a escolhida, dando iní-
“Precisamos de professores que busquem enxergar como o aluno aprende, ‘em que contexto estou inserido’”Claudia Petri:
relato de prática é formativo e essencial para o aperfeiçoamento do ensino e aprendizagem
cio a esse tipo de reconhecimento. Ambas são mulheres, negras, professoras e escritoras que representam parte da literatura brasileira e de mundos ainda negados. Claudia Petri conta que a escolha das duas se deve por conta da produção literária de alta qualidade e também sob um olhar mais político e cultural de valorização da mulher e do povo negro. “Trazer a voz delas é uma forma de mostrar sim o quanto a gente tem diversidade no país e o quanto precisamos valorizar isso.”
O Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e a Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação) são parceiros da Olimpíada e junto com as escolas se envolvem na parte da seleção e comissão julgadora. Participam alunos da rede pública do 5º ano ao 3º do ensino médio. Crônica, artigo de opinião, memórias literárias, documentário e poema fazem parte dos gêneros envolvidos, sendo que o documentário entrou como categoria em 2019.
No Portal Escrevendo o Futuro há oficinas formativas, cursos online gratuitos mediados e autoformativos para os educadores. Apenas no primeiro semestre de 2021 “Caminhos da escrita” foi o curso com o maior número de certificado de conclusão, 68,20%. Com mais inscritos foi “Avaliação textual: análises e propostas”, chegando a 1.775 participantes e tendo 60,70% de certificados. Ao todo, 6.147 educadores se inscreveram nos cursos desse período. Em 2019, segundo Claudia Petri, foram cerca de 18 mil professores fazendo diferentes tipos de formações no portal.
Esses números bem como os relatos da coordenadora do Itaú mostram que os professores querem e buscam formas de se desenvolverem, ansiando a lapidação de práticas pedagógicas bem como a ampliação de seu repertório cultural.
O Portal não foca apenas conteúdos técnicos para os professores. A revista Ponta e Lápis, por exemplo, aborda crônicas, informações sobre poetas, literatura. A mesma coisa ocorre na avaliação dos trabalhos para a Olimpíada. Segundo Claudia, mais que a estrutura do texto, se valoriza o conteúdo e o que o aluno conseguiu traduzir de acordo com a temática proposta, no caso da última edição, “o lugar onde vivo”.
Em dezembro do ano passado, o site da TV Cultura vinculado ao UOL noticiou o caso de Micaela, oito anos, que escreveu uma carta ao Papai Noel contando
que policiais assassinaram 20 pessoas no Complexo do Salgueiro, RJ, e as jogaram em um mangue. “Meus amigos não têm mais seus papais. Aqui não temos com o que nos divertir, por isso quero te pedir um patins (sic) de 4 rodas”, escreveu em um trecho a criança.
Indagada se os textos dos meninos e meninas que participam da Olimpíada trazem denúncias, Claudia lembra de uma edição em que um aluno trouxe o problema do lixão de sua cidade e a escola levou o relato para a prefeitura. “É isso que queremos, porque o domínio da língua pode ser transformador. O conhecimento empodera”, destaca.
Quando se trabalha com a língua portuguesa, Claudia acredita que não se pode desconectar do tripé oralidade, leitura e escrita, que também envolve discussão, reflexão e diálogo. No caso de um poema, antes de focar a técnica, para além da métrica e estrofes, é preciso uma ambientação do gênero, apresentar outros poetas que não Drummond e discutir o que faz parte da essência do texto - oferecendo uma bagagem inclusive cultural. Nesse processo, a coordenadora também defende a aprendizagem em diferentes locais, seja no pátio da escola com os jovens sentados em círculo ou mesmo em um museu.
Para ela, outro ponto a que os professores devem ficar atentos é saber que nem todo mundo aprende do mesmo jeito, sendo assim, é preciso organizar em que momento da aula focar o aluno individualmente e também os momentos de agrupamento. (LR)
“A Olimpíada é um mobilizador tanto para professores como para alunos na questão de uma formação da melhoria da prática pedagógica do professor, de conhecer o que você tem de mais inovador em relação às questões da língua, linguagem, letramento”Colégio Opção, São Paulo
Inaugurado em 2003, em São José dos Campos, SP, o Grupo Educacional Opção possui duas unidades de ensino: o Colégio Opção Kids, voltado para o ensino infantil, e o Colégio Técnico Opção, centrado no ensino fundamental e no médio. Com o intuito de ir além do ensinar, “foi criado para ser um lugar onde crianças e jovens fossem acolhidos e tivessem desenvolvidas suas habilidades, sempre valorizando o desenvolvimento socioemocional como fundamental nesse processo”, apresenta Jamille Dias, mantenedora de ambas as unidades e diretora.
Ao todo são 140 alunos e 15 professores na unidade infantil e 650 alunos e 52 professores na unidade do Colé gio Técnico Opção. Com uma metodologia de en sino baseada na neurociência e com material de ensino assinado pelo psicoterapeuta Leo Fraiman, o Colégio Técnico Opção possui aulas diárias de inglês, música, progra mação de games e robótica, além de opções de cursos técnicos e aulas preparatórias para o Enem, ofertados para o ensino fundamental 1 e 2, ensino médio regular e ensino médio com os cursos técnicos em informática, administração, meio ambiente e mecatrônica.
No ensino fundamental, do 1º ao 8º ano, as aulas são no período da tarde e a proposta pedagógica oferecida por eles é baseada em vivências e experimentações, a fim de tornar o ambiente escolar um gran-
de laboratório de aprendizagem, sendo o acolhimento e o brincar prioridades na rotina das crianças. “A proposta pedagógica para o fundamental 1 em nosso colégio é baseada nas vivências montessorianas. Acreditamos que a criatividade e a fantasia, o brincar, a felicidade devem ser fundamentos do currículo para que as crianças mantenham a alegria de vir à escola”, conta Jamille. Já o 9º ano e o ensino médio funcionam no período da manhã com a tarde livre para os alunos poderem escolher e realizar cursos técnicos. O colégio possui salas multimídia, quadra poliesportiva, rede
Ano passado, o investimento foi para a estrutura da unidade Kids
“Acredito que o maior diferencial de nossas escolas é a proximidade das famílias e a equipe gestora”, conta a mantenedora Jamille Dias acompanhada na foto de seu filho
wi-fi, sala de estudo e laboratórios de programação, eletrônica e mecânica e uma sala maker para projetos de metodologias ativas. “Como consequência do trabalho desenvolvido, temos crianças felizes e autônomas e jovens que alcançam, a cada ano, um resultado ainda melhor no Enem e oportunidades nas maiores empresas da região, consolidando o reconhecimento dessas empresas que têm no colégio um referencial para a busca de estagiários”, garante Jamille Dias.
“Acredito que o maior diferencial de nossas escolas é a proximidade das famílias e a equipe gestora. Neste momento, em que foram tantos os desafios, estarmos juntos e à disposição para conversarmos e encontrarmos as soluções foi ainda mais importante”, diz a mantenedora, a respeito dos desafios que enfrentaram durante a pandemia e o fechamento das escolas. Segundo ela, o Colégio Opção foi pioneiro na cidade na iniciação de aulas remotas e ao vivo, isso no primeiro dia do fechamento dos prédios escolares, em 23 de março de 2020: “Sendo uma escola credenciada ao Google for Education, investimos na capacitação de nossos professores e de nossa equipe, além da aquisição de equipamentos para a transmissão das aulas e, por meio do nosso programa “Opção in Home”, oferecemos toda a estrutura para que nossos alunos continuassem seus aprendizados. Também desenvolvemos projetos para que nossa equipe pudesse continuar com eles diariamente, preservando
as bases pedagógicas e cuidando dos aspectos emocionais”.
O sistema de ensino é voltado também para a preparação dos alunos para o Enem, com simulados e devolutivas individuais desde o 1º ano do ensino médio, com acompanhamento psicológico, com orientador de carreiras, plantões de dúvidas, aprofundamentos diários físicos ou remotos e aulas para ajudar no desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Na opinião de Jamille: “A escola tem que ser pensada para os alunos e eles são diferentes da geração dos professores e gestores. Partindo desse princípio, acredito ser imprescindível a capacitação de toda a equipe tanto do ponto de vista técnico, estimulando a pesquisa e o desenvolvimento de projetos, como do emocional, acolhendo as inseguranças de nossos colaboradores e mostrando alternativas para atender às demandas das nossas crianças e jovens. Seguimos otimistas e acreditando nessa geração, que demonstrou o quanto é forte e capaz, superando com resiliência muitos desafios impostos por uma pandemia sem precedentes no mundo”.
Segundo ela, o Grupo Educacional Opção, após investir em 2021 na estrutura da unidade Kids, está se preparando para investir em melhorias na unidade do fundamental e médio: “Do ponto de vista pedagógico, os projetos estão sempre sendo revistos e incrementados. Nenhum ano letivo é igual ao outro. Já estamos com muitas novidades prontinhas para serem implementadas em 2022”.
“Como consequência do trabalho desenvolvido, temos crianças felizes e autônomas e jovens que alcançam, a cada ano, um resultado ainda melhor no Enem”Escola como laboratório de aprendizagem Divulgação Arquivopessoal
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É provável que eventos climáticos severos se tornem mais comuns à medida que as crianças de hoje envelheçam. Especialistas dizem que os pequenos podem aprender sobre as mudanças climáticas usando exemplos locais e linguagem simples
| Por Ariel Gilreath, The Hechinger Report, nos EUAUm número sem precedentes de desastres climáticos nos Estados Unidos aconteceu só em 2021, incluindo um congelamento profundo no Texas, crises de temperaturas escaldantes no noroeste do Pacífico normalmente temperado, uma continuação de incêndios florestais graves na Califórnia e inundações históricas em Nova York, área do furacão Ida.
E as crianças de hoje provavelmente passarão por eventos climáticos mais severos. Um estudo publicado na revista Science estima que meninos e meninas de seis anos de idade passarão por, em média, três vezes o número de desastres climáticos pelos quais seus avós passaram ao longo de suas vidas.
Especialistas dizem que é importante falar sobre mudanças climáticas para os pequenos. Mas quão jovem uma criança deve ser para iniciar essa conversa, e como os pais podem navegar na discussão sem assustá-los?
Jeremy Wortzel, estudante de medicina na Universidade da Pensilvânia, e Lena Champlin, estudante de doutorado em ciências ambientais na Universidade Drexel, publicaram recentemente um livro infantil sobre um jovem esquilo preocupado com as mudanças climáticas, produzido com o apoio do Grupo para o Avanço do Comitê de Psiquiatria do Clima. Chamado de Fogo de Coco: mudando a ansiedade climática em ação climática (em tradução livre), o livro demonstra como os pais podem conversar com crianças do ensino fundamental sobre o assunto. Abaixo, os autores e especialistas da obra abordam dúvidas comuns que os pais podem ter ao conversar com as crianças sobre o tema.
Por que os pais devem conversar com os filhos sobre as mudanças climáticas?
Abordar o tópico no início pode dar às crianças alguma clareza sobre as emoções de medo e ansiedade que sentem quando ocorre o aquecimento global ou desastres naturais, diz Wortzel.
“Este é um problema que afeta suas vidas inteiras e afetará as vidas de muitas gerações futuras”, enfatiza Wortzel. “É importante para nós informar às gerações mais jovens agora para que sua compreensão e interação com a comunidade científica e a comunidade da mudança climática sejam positivas, e para que sua relação com a ciência e este trabalho de ativismo seja enraizada em um lugar de amor e empoderamento ao invés de medo.”
As crianças também podem ouvir sobre as mudanças climáticas na escola, na televisão ou de outras crianças - outro motivo importante para os pais iniciarem a conversa mais cedo, de acordo com Janet Lewis, copresidente do Comitê Climático do Grupo para o Avanço da Psiquiatria.
“Há muitos jovens e crianças que realmente se importam e sabem muito sobre as mudanças climáticas, ainda mais do que a população adulta agora. Eles conhecem tanto e têm tantos sentimentos sobre isso que são atores muito poderosos no ativismo pelas mudanças climáticas”, afirma Champlin.
Que idade se pode considerar para falar sobre mudança climática?
Para Wortzel, não há idade certa para as crianças começarem a compreender a mudança climática. “Mas a maneira como você aborda o assunto e a gravidade e a linguagem que você usa têm que mudar conforme [as crianças] crescem.” É igualmente importante, acrescenta ele, fazer com que os jovens se envolvam na natureza, “levando-os para fora o mais cedo possível e falando sobre a beleza e as maravilhas da natureza”.
A chave para falar com crianças pequenas sobre uma perspectiva assustadora, como a mudança climática, é usar uma linguagem que informa ao invés de amedrontar, orienta Lewis. Quando as crianças, e até mesmo os adultos, sentem medo e opressão ao pensar em algo, Lewis acredita que pode ser atraente afastar-se do que quer que esteja causando essa ansiedade. O objetivo é ser honesto de uma forma que
É importante informar às gerações mais jovens agora para que sua compreensão e interação com a comunidade científica e a comunidade da mudança climática sejam positivas”, diz Jeremy Wortzel
não os faça recuar no assunto. “Isso é o que precisa acontecer com as comunicações sobre as mudanças climáticas: eles obtêm os fatos, mas também estes devem ser comunicados de uma forma que as pessoas possam se sentir esperançosas de serem capazes de se engajar”, acredita Lewis.
Qual é um bom exemplo de como falar sobre essas questões?
Pode ser tão simples quanto conversar com as crianças sobre por que não chove há algum tempo ou por que tem havido mais tempestades do que o normal. Isso ajuda a manter os exemplos locais, segundo Champlin.
“Historicamente, muito da educação sobre a mudança climática tem sido: ‘Este é um problema global’. Mas estamos pensando em tentar comunicar a mudança climática de uma forma que fale sobre exemplos locais e ambientes locais que amamos”, alerta Champlin.
Até os aspectos mais assustadores podem ser falados com as crianças, desde que seja feito de uma forma que não induza ao estresse. Deve ser semelhante ao modo como os adultos falam sobre outros assuntos difíceis com os menores, como a morte, de acordo com Elizabeth Haase, que também é copresidente do Comitê Climático do Grupo para o Avanço da Psiquiatria. A ideia é que as crianças que vivenciam a ansiedade climática, seja por causa dos desastres climáticos vividos ou pela exposição ao tema, sairão dela com um crescimento pós-traumático.
“Você passa por uma experiência profundamente dolorosa e, muitas vezes, precisa desmoronar um pou-
co para chegar ao lugar onde é mais provável que cresça”, acrescenta Haase.
Isso é modelado no livro Fogo de Coco: o jovem esquilo lê uma carta de sua tia, a qual relata que ela evitou por pouco um incêndio florestal. A pequena obra segue Coco e uma “pequena chama de ansiedade em seu estômago”, que acaba se transformando em uma centelha de esperança e ação, com a ajuda de seu pai e uma coruja cientista. O livro também imita maneiras simples de explicar tópicos complexos para crianças mais novas: em vez de dizer “gases do efeito estufa”, a coruja cientista fala com Coco sobre isso como muitas camadas de “cobertores” cobrindo a Terra.
Na visão de Lewis, essas conversas serão imperfeitas e o mais importante é que a conversa aconteça. “A criança vai se sentir contida pelo fato de o adulto ser capaz de falar sobre isso de uma forma amorosa e honesta”, orienta Lewis. “O pai e o professor estão com a criança. E, dessa forma, a criança pensa: ‘Oh, isso deve ser tolerável. Isso deve ser tolerável porque, olhe, o adulto está tolerando’.”
Em última análise, as crianças devem sair com um senso de urgência sobre o problema, mas com a compreensão de que algo pode ser feito para lidar com a mudança climática - que o futuro não é sem esperança.
*Esta história sobre a compreensão das mudanças climáticas foi produzida pelo The Hechinger Report , uma organização nos Estados Unidos de notícias independente e sem fins lucrativos com foco na desigualdade e inovação na educação.
Crianças de seis anos passarão por, em média, três vezes o número de desastres climáticos pelos quais seus avós passaram ao longo de suas vidas
O país não é mais polarizado hoje do que fora no tempo de Chico Buarque e de seus antepassados. Essa dicotomia rachada é paisagem estrutural da nossa convivência política e sociocultural
| Por João Jonas Veiga SobralChico Buarque é um artista que carrega em si as raízes do Brasil profundo. Muitos se debruçaram sobre as riquezas e as misérias brasileiras e escavaram – cada um ao seu modo - o chão e o lodo dessa pátria mãe gentil, mas poucos deram voz a uma galeria imensa de seres humanos e de tipos sociais que compõem o que se pode chamar de povo brasileiro. Esse carioca,
hoje cidadão do mundo, talvez seja, entre raros, o bendito fruto de nossa gente. Talvez seja, em seleta casta e companhia, o que de melhor essa terra pôde parir. Sim, essa terra fértil gerou bons filhos às pencas e muitos degenerados também. Entre os bons e os melhores, esse artista brasileiro desfila como se pisasse um chão de esmeralda.
Havia um certo orgulho em gostar do Chico e em ostentar em casa LPs e CDs do compositor e também alguns de seus livros. O homem é também romancista e dramaturgo de mão cheia. Havia ainda constrangimento e pudor em não gostar tanto dele - em escolher, só de birra e de marra, um outro compositor ou cantor. E havia, sobretudo, uma vergonha estética e moral em não gostar dele. Chico não era unanimidade, porque, como dizia o Nelson Rodrigues, ela é burra. Gostava-se mais de Caetano Veloso ou de Gilberto Gil, por exemplo, mas não era possível não gostar do Chico. Nem mesmo a classe média brasileira branca e de olhos claros virava a cara ou arranhava seus discos, sentia-se, às vezes, traída – é verdade, mas mantinha a reverência. Achava, se muito, que ele deveria atravessar menos para a margem esquerda do rio.
Chico, 77 anos. Odiá-lo e vociferar contra ele talvez seja desvio de caráter, problema moral mesmo
O país não é mais polarizado hoje do que fora no tempo de Chico e de seus antepassados. Essa dicotomia rachada é paisagem estrutural da nossa convivência política e sociocultural. Nascemos, no sanatório geral, sob a égide da polarização entre brancos e pretos, entre Pelé e Garrincha, entre violão e guitarra elétrica, entre manteúda e teúda, entre pobres e ricos, entre direita e esquerda e por aí vai. Não somos hoje mais polarizados do que fôramos, somos – talvez - mais
obtusos e, com certeza, mais violentos na contrariedade. Somos hoje capazes de proferir desaforos públicos ao Chico na rua, na porta de restaurantes e nas redes sociais, com um orgulho tolo, como se singrássemos o mar numa caravana de insensatos, como sugere o nosso artista: “Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria/Filha do medo, a raiva é mãe da covardia/Ou doido sou eu que escuto vozes/Não há gente tão insana/ Nem caravana do Arará“.
Odiar o Chico, vestir-se de verde e amarelo e entoar “Sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor” soa tão esquizofrênico como sonhar em morar em Miami, vestido com a mesma camiseta e entoando a mesmíssima canção. É importante amá-lo, sobretudo, porque o nosso artista brasileiro emprestou sua voz e estampa para nos defender em anos de chumbo e de limpeza de sangue em panos quentes. Rejeitou o calar-se e o cálice tinto de sangue, emprestando sua cuca e o seu peito para desafiar o silêncio que atordoava, mutilava e emudecia.
Não deixou barato a morte anônima daquele que ergue prédios para moradia ou trabalho e morre como um pacote flácido, atrapalhando o trânsito e o sábado das gentes distraídas. Denunciou a construção de uma sociedade cruel e evasiva. Deu voz ao Pedro pedreiro que espera o trem, o salário, a comida, o amor, a dignidade para o mês seguinte. Chamou atenção da moça que sempre fora vestida como uma cabocla de alta classe para a necessidade de consciência de classe. Abriu nossos olhos para os miseráveis do Brejo da cruz, crianças azuis de fome e de cola que crescem e vão construir com as mãos e em silêncio um Brasil que a gente vê ao vivo e na TV. Revelou nossos olhos para os invisíveis: “São jardineiros, guardas-noturnos, casais. São passageiros, bombeiros e babás. São faxineiros, balançam nas construções. São bilheteiras, baleiros e garçons”.
Se deu voz à ingenuidade sábia de mãe pobre que insiste em negar o destino tão cruel de seu rebento, menor amoroso e contraventor que a enchia de presentes furtados, não deixou de mostrar a dor de uma outra mãe esclarecida de classe média que vê seu filho
tragado pela ditadura, torturado e jogado ao mar. Mãe que desejava apenas embalar seu filho morto. Denunciou para a classe que apoiou o regime militar a possibilidade de ser também vítima dele.
Se Chico iluminou o mundo de Beatriz, a atriz, colocando-a no sétimo céu, entendeu a sua dimensão humana, na dor de quem chora sozinha em um quarto de hotel. Se desvendou os olhos tristes de Carolina que guardava toda dor deste mundo, permitiu à dona de casa negligenciada provocar, com um vestido cheirando a guardado, os desejos do marido. Se cantou a submissão da mulher que recebe com açúcar e com afeto o marido traidor, louvou também uma valente que, na desforra, revela ao “ex” displicente que outros homens a amaram bem melhor do que ele.
Gostar do Chico é sinal de bom gosto estético de evolução civilizatória. Não gostar dele depõe mais contra si do que contra um artista de carreira robusta e reconhecida pela crítica especializada e por ouvintes e leitores do mundo inteiro. Odiá-lo e vociferar contra ele talvez seja desvio de caráter, problema moral mesmo. Precisamos voltar a merecer Francisco Buarque de Holanda, e resgatar, em uma espécie de bazar de um antigo casarão, os sonhos de delicadeza extraviados. Precisamos desinventar a tristeza revanchista que nos assalta e descobrir um tempo que refaz o que desfez.
É preciso engrossar o cordão em defesa do Chico:
“Ninguém vai me acorrentar, enquanto eu puder cantar, enquanto eu puder sorrir, enquanto eu puder cantar, alguém vai ter que me ouvir, enquanto eu puder cantar, enquanto eu puder seguir”
É preciso encontrar o Chico pelo Leblon e, em reverência de súdito, catar as poesias que ele entorna no chão.
Chico, o homem que denunciou a construção de uma sociedade cruel e evasiva.
Deu voz ao Pedro pedreiro que espera o trem, o salário, a comida, o amor, a dignidade para o mês seguinte
Nos idos de 20, eu criara o hábito de, em cada manhã de domingo, enviar uma oferenda virtual aos meus amigos, acompanhada de votos de uma semana feliz.
Ontem, quando vasculhava o baú das velharias, achei uma cartinha enviada no segundo dia do já distante janeiro de 2022. Rezava assim:
Apesar da tua tenra idade, querido neto – terias, talvez uns três anitos –, já havia quem te dirigisse a pergunta sacramental:
“O que queres ser, meu menino, quando fores grande?”
Essa pergunta, quando dirigida a uma criança, soava como xingamento. Criança não iria ser; ela era criança!
Certamente, não te recordarás, mas, como virias a ser autor de ti, não respondeste. Pensarias: O que é que eu quero que seja o que eu quero ser?
Não foi por acaso que assim agiste. O Rubem dizia que quem deixava morrer a criança grande, que tinha em si, não virava adulto – adulterava-se.
Os seres humanos, que são crianças crescidas, renascem a todo o momento. Cada manhã é mais um pretexto para recomeçar. Ritualizar o crepúsculo de cada dia, ou o primeiro segundo de um novo ano, tanto faz. Uma criança lendo um livro, ou uma criança mais crescida escutando uma suíte de Bach, tanto faz. São gestos de todos os dias, que restituem aos dias, que despontam ou cessam, o suave mistério da vida sem tempo calculado.
Talvez se vá por aí, até ao alcançar do dom da imortalidade, que os alquimistas, em vão, perseguiram, e que os poderosos nunca lograram comprar. É simples penetrar a harmonia de um universo sem princípio nem fim. Basta reconhecer essa verdade indelével no sereno respirar de uma criança.
Quando eu ia a alguma escola, conversava com os alunos. Perguntava-lhes o que queriam fazer, saber, o que queriam ser. Numa faculdade, idêntica pergunta fiz aos meus alunos:
“Pedro, o que queres ser?”
“Você sabe. Quero ser professor.”
“Sim, claro! Por isso estás aqui. Mas, que professor queres ser? Que pessoa queres ser?”
O Pedro respondeu:
“Quero ser digno de mim. Não atraiçoar ideais. Não vender a alma a troco de benesses. Não ter vergonha de ser coerente, nem me arrepender de ser honesto para mim e para os outros.”
Hoje, o Pedro está perto da aposentadoria, mas ainda é professor universitário, um professor que não se queda pela especulação teórica, que sobe ao chão da escola, que mergulha inteiro nos afazeres dos educadores, partilhando dificuldades, buscando soluções.
Na universidade dos idos de 20, havia poucos Pedros. O que não faltava era freiriano não-praticante, escolanovista não-praticante, socioconstrutivista não-praticante. Foi-me dado o privilégio de conviver com excepções. Em 2022, convidei-os para acompanhar movimentos de renovação, que surgiam por toda a parte. E o melhor presente desse Natal chegou num e-mail recebido de um amigo, que já não via há muito tempo. Comentava uma das minhas intervenções públicas e assim concluía a sua mensagem:
“Caro amigo, que presente o seu texto! Eu havia esquecido o quanto seus escritos, sinceros e lúcidos, me acordam e lembram o que é educação.
A universidade quase apagou essa lembrança em mim. Mas, neste ano, finalmente, recuperei a minha liberdade, com a saída da universidade. Aos poucos, vou recuperando a saúde da minha alma, longe de tanto intelectualismo estéril, sem finalidade e sem luz.
Gratidão, meu amigo! Você nem imagina o quanto!”
Não era arrependimento. Era prova de que eu estava certo, quando não deixava de acreditar que os professores (até mesmo os teoricistas não-praticantes e os áulicos) poderiam transcender e se transformar em seres humanos sublimes.
José Pacheco Educador e escritor, josepacheco@editorasegmento.com.br