Revista Desassossegos vol 6 (ISSN 2595-6566)

Page 7

QUEM SOMOS NÓS?

Cena do filme Verónica

OLHOS SOBRE A TELA

por José Aparicio da Silva e Jeanine Geraldo Javarez

“O caos é a ordem por decifrar.” Livro dos contrários.

Quem é de verdade sabe quem é de mentira”. Ao ouvir essa frase na letra da música Pontes Indestrutíveis, da banda Charlie Brown Jr, ficamos indagando: como saber isso realmente? A questão se levanta porque muitas vezes ao conversarmos conosco mesmos ou nos encararmos frente ao espelho aparecem disputas entre aquilo que queremos ser e aquilo que parecemos ser. José Saramago, em seu livro O homem duplicado, parte do pressuposto de que não pode haver dois de nós mesmos, daí advém o dilema do personagem Tertuliano Máximo Afonso ao pensar em sua cópia António Claro:

“um de nós é um erro”. Por isso a dúvida: o nosso ser real onde está? Onde se encontra? Qual é o eu de verdade e o eu de mentira? O eu certo e o eu errado? O medo do diferente talvez faça com que se enxergue apenas aquilo que se quer do outro, e esse outro muitas vezes está dentro de nós. Ou ainda, como refletiu o narrador de O homem duplicado: “Diz-se que só odeia o outro quem a si mesmo se odiar” e, como veremos a seguir, essa é uma questão latente no trabalho mexicano dos diretores Carlos Algara e Alejandro Martinez-Beltran, os quais se auto proclamam: Los visualistas. Verónica (2017) é uma trama psicológica que leva o espectador a questionar-se sobre sua existência, sobre sua vida ou a representação dela. No roteiro, a personagem principal, Verónica De La Serna, cria para si

mesma uma outra personagem, uma renomada psicóloga, que passa por algum tempo a conviver com sua paciente, diagnosticada com transtorno dissociativo e traços de sadismo em virtude de ter sido abusada pela mãe quando criança. Qual o sentido dessa projeção? Uma maneira de se esconder de si mesma? Talvez. Mas se olharmos o enredo do filme a partir dos pontos de intertextualidade que se apresentam no próprio discurso ficcional, é possível identificar traços da Alegoria da caverna de Platão, citada, inclusive, pela personagem na cena que caracteriza o turning point da narrativa. A fotografia em preto e branco que predomina no longa-metragem denota o aspecto sombrio dos cenários, enfatizado pelas transições de cenas em fade out (tela escura), as cortinas quase

7


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Revista Desassossegos vol 6 (ISSN 2595-6566) by Revista Desassossegos (ISSN 2595-6566) - Issuu