Imagens feitas pelo telescópio espacial James Webb, da NASA, foram a inspiração para a artista AmandaCoimbracriaras35obrasda exposição , no Paço Imperial. Com curadoria de NatáliaQuinderé,serãoapresentadas obras inéditas, produzidas desde o ano passado em diferentes suportes, comofotografias,caixasdeluz,vídeo e instrumentos ópticos variados. A sala expositiva terá uma luz mais baixa, difusa, criando um ambiente escuro,contemplativoeestelar. Para realizar os trabalhos, Amanda fotografa o céu de forma analógica, usando uma câmera Rolleiflex. Com
ESTELAR ECOANDO • PAÇO IMPERIAL • RIO DE JANEIRO • 14/6 A 10/8/2025 Agenda,
as imagens prontas, ela faz interferências no filme slide com objetos pontiagudos, em geral compassos, desenhando planetas, estrelas e elementos cósmicos na superfície da película. O resultado é surpreendenteeoespectadorprecisa trabalhar sua percepção para entender o que é real e o que foi criadopelaartista.
AMANDA COIMBRA: LUZ
de arte ,AZ
Um novo museu dedicado à Frida Kahlo, o Museo Casa Kahlo, será inaugurado em setembro, na Cidade do México. Localizado na Casa Roja, antiga casa da irmã de Frida, o espaço apresentaráitensinéditosdaartista,como sua primeira pintura a óleo, cartas e fotografiasdeinfância.Omuseuoferecerá uma perspectiva íntima sobre a vida
PELO MUNDO • Aescultura , da artista Barbara Chase-Riboud, encomendada em 1996 para o African BurialGroundemManhattan,permanece inacessívelaopúblicoemNovaYork.Mas agora, uma réplica da obra está exposta nos Jardins das Tulherias, em Paris, tornando-se o único memorial público da escravidãodeNovaYorkvisívelaopúblico - mas do outro lado do Atlântico.
Mundial, incluindo uma máquina Enigma restaurada, descoberta em 2017 na Bélgica, com lance estimado de US$ 200 mil. Destaca-se também o lote 368, uma carta de rendição assinada em 6 de maio de 1945 pelo presidente do Reich, Karl Dönitz, com valor estimado em mais de US$ 100 mil.
EDITAIS • A Aliança Francesa Porto
Alegreestácomasinscriçõesabertaspara o 8º Prêmio Aliança Francesa de Arte Contemporânea. A premiação busca estimular a produção das artes visuais a partir de um programa cruzado de residência artística Brasil-França. A mobilidade vai acontecer no Centre Intermondes – Humanidades Oceânicas, em La Rochelle (FR), e na Casa Iberê (POA). Inscrições até 22/6/2025, pelo website .
ARQUEOLOGIA
• O Rijksmuseum, em Amsterdã, Holanda, está exibindo um preservativo de quase 200 anos com um desenho erótico de uma freira e três clérigos. A relíquia, de 1830, presumivelmente feita de apêndice de ovelha, pode ter sido uma lembrança de umbordel,informouomuseu.Apeçaestá em exposição como parte de uma mostra sobresexualidadeeprostituiçãonoséculo 19, em cartaz até novembro.
• DISSE MARC POTTIER, curador e coordenador internacional de projeto do futuro Centre Pompidou Paraná, em entrevista à Dasartes. A instituição será inaugurada em 2027, como parte da Temporada Cruzada França–Brasil.
Livros,
e , que acompanha a exposição na galeria Pinakotheke Cultural, oferece imagens das obras expostas, fac-símiles de documentos e textos históricos, e de correspondências endereçadas a Hélio Oiticica, textos de Max Perlingeiro, Luciano Figueiredo, Paulo Venancio Filho, Analivia Cordeiro, e da única fotografia conhecida de Hélio e Waldemar juntos, sentados lado a lado no MAM Rio.
Com coordenação editorial do jornalista Bruno Albertim, o livro reúne um conjunto de exposições realizadas no Brasil e oito textos de críticos e curadores para falar sobre a produção do artista Renato Valle, reconhecido como um dos principais nomes da arte contemporânea nacional.
RENATO VALLE • Org. Bruno Albertim • Cepe Editora • 292 páginas • R$ 170,00
E é rememorando os belos cenários que retratou ao longo de sua carreira, que este livro percorre a trajetória artística, estudos e técnicas de Claude Monet. Aos leitores brasileiros, o Senac São Paulo oferece a oportunidade de descobrir (e redescobrir) o universo do pintor por meio de textos explicativos e da reprodução de diversas de suas pinturas.
MONET • Aut. Anne Sefrioui • Editora Senac São Paulo • 124 páginas • R$ 199,00
WAYNE
THIEBAUD
WAYNE THIEBAUD, ARTISTA
NORTE-AMERICANO QUE
CONQUISTOU FAMA NOS
ANOS 1960 COM SUAS
NATUREZAS-MORTAS
INUSITADAS, TRANSFORMOU VITRINES DE PADARIAS E LANCHONETES EM VERDADEIROS PALCOS DO COTIDIANO AMERICANO
Os bolos e as fatias de torta de Wayne Thiebaud (1920-2021), pintados com corespastéisesombrasexuberantes,são facilmente confundidos com representações realistas – mas há ali um quê de poesia, sociologia e surrealismo que vai muito além da estética apetitosa. Thiebaud não se limitava a pintar sobremesas. Sua nova exposição no museu De Young, em São Francisco, mergulha em um aspecto menos conhecido (e fascinante) de sua trajetória: suas apropriações e releituras da história da arte. Ele mesmo confessava, com ironia e franqueza: “É difícil pensar em artistas que não foram influentes para mim, porque sou um ladrão obsessivo.”
Thiebaud via no ato de “roubar” – ou seja, apropriar-se de ideias visuais de outros artistas – um elo direto entre inspiração e originalidade. Para ele, o verdadeiro objetivo era criar uma “espécie visual” de arte, e seu mantra era claro: “A arte vem da arte. E de mais nada.”
Essa crença o levou a ver o passado e o presente da arte mundial como igualmenterelevantes.Aomesmotempo em que críticos de sua época rejeitavam estilostradicionaiseatémesmoapintura figurativa, Thiebaud olhava para trás –para os mestres antigos – em busca de caminhos para avançar.
Em seu processo criativo, Thiebaud às vezescopiavaliteralmenteobrasdeoutros artistas. Curiosamente, apesar de frequentar museus com frequência, ele fazia a maioria dessas cópias a partir de reproduções encontradas em sua vasta biblioteca pessoal de livros de arte e catálogos de exposições.
“Se estou tendo dificuldade com uma pintura,possovoltarepintaralgobaseado no trabalho de outro artista – ou desenhar a partir dele – ou, simplesmente, observálo e tentar usar as ideias que ele teve. Isso pode incluir [Vincent] van Gogh, [Giorgio] Morandi ou Barnett Newman. Todos tiveram um impacto tremendo no que eu queria explorar. E, sim, eu realmente roubocoisasdeles–umplágiodescarado.”
Aotrabalharcomreproduçõesplanas,sem a textura tridimensional das obras originais, Thiebaud focava na composição e nas formas bidimensionais. Essas imagens “destiladas” ajudaram a consolidar seu estilo singular – uma representação ligeiramente abstrata e surrealista, muitas vezes derivada da memóriaedaimaginação,eraramenteda observação direta.
Copiar, para ele, era também uma forma deentenderasintençõeseosmétodosde outros artistas. E ele não se intimidava em encontrar falhas nos “velhos mestres”: “Nenhuma pintura é totalmente bemsucedida. Você pode aprender muito observando os mestres e tentando identificar o que não funcionou.”
À direita: Model for the Bar at the Folies Bergère (after Edouard Manet).
Thiebaud não era apenas um artista e estudioso da história da arte – também era um colecionador apaixonado. Ele comprava ou trocava obras de artistas que admirava, e fazia questão de mantê-las expostas em sua casa. Embora tivesse algumas peças abstratas, preferia obras representacionais – uma espécie de contraponto pessoal à dominação do modernismo, que, frequentemente, marginalizavaartistasvistoscomo “datados”.
“Acho que temos uma ideia equivocada sobre de onde vem a pintura. Não é uma atividade hermética. Não nasce do indivíduo. É algo coletivo, comemorativo, cheio de camadas,quesurgedegruposde pessoas. Se você olha para a históriadapintura,vêenclavesde artistas que trabalharam juntos, que se apoiaram, que dependeram uns dos outros. Você precisa de confronto, de questionamento crítico.”
Sua coleção funcionava como uma ponte – conectando Thiebaud a uma comunidade estendida de artistas, vivos e mortos, com os quais ele mantinha um diálogo constante por meio das imagens. “A verdadeira alegria de ser pintor, para mim, é bem simples: é esse encantamento de estar conectado a uma comunidade inteira de pessoas que amo e admiro ao longo da história. É uma maravilha se sentir parte de algo que já dura há mais de um milênio – essa linguagem que chamamosdepinturaedesenho.”
Thiebaud talvez seja lembrado principalmenteporsuascoloridas sobremesas em vitrines cintilantes. Mas por trás do brilho está um artista profundamente intelectual, que entendia a arte como um legado contínuo – um fluxo de ideias compartilhadas, reaproveitadas, ressignificadas. Em um mundo que valoriza o “original”, Thiebaud nos lembra que o novo pode muito bem nascer do antigo, e que o roubo – na arte – pode ser o mais sincero ato de amor.
Wayne Thiebaud nasceu em Mesa, no Arizona, foi criado no sul da Califórnia e passou a maior parte de sua carreira no norte do Estado. Ele ganhou destaque em 1962 com pinturasqueretratavamumacolorida e tipicamente americana variedade de vitrines de padarias, cafeterias e delicatessens, decoradas com comidas deliciosas – ou duvidosas. Nas décadas seguintes, Thiebaud abordou novos temas, incluindo grupos de figuras e retratos, paisagens urbanas densamente organizadas, vastas paisagens naturaisepalhaçosemperformances comoventes. Suas representações abstratas do mundo real não apenas desafiaram a percepção do realismo no meio artístico, como também convidaram o público a decidir se seus temas cuidadosamente posicionados eram dignos de admiração, crítica – ou ambos.
Thiebaud também foi um professor influente e admirado de arte e história da arte no Sacramento Junior College (atualmente Sacramento City College) e, mais tarde, na Universidade da Califórnia, em Davis. Seu legado como artista, professor e mentor influenciou significativamenteaevoluçãodaarte americana nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial.
Timothy Anglin Burgard é curador sênior do Fine Arts MuseumsofSanFrancisco.
WAYNE THIEBAUD: ART COMES FROM ART • DE YOUNG - FINE ARTS MUSEUMS OF SAN FRANCISCO • EUA • 22/3 A 17/8/2025
COM OBRAS QUE
RECONFIGURAM O
PROSAICO POR MEIO DE MEMÓRIAS AFETIVAS, NITA
MONTEIRO CONVIDA O PÚBLICO A REVISITAR SUAS
PRÓPRIAS HISTÓRIAS.
VENCEDORA DO PRÊMIO
GARIMPO DASARTES 2025, PELO VOTO POPULAR, A
ARTISTA MISTURA
ARTESANATO, OBJETOS ENCONTRADOS E FICÇÃO EM INSTALAÇÕES QUE
quantas manchas do seu colchão de infância você carrega na sua pele memória? quanto das portas que você atravessa diariamente entre cômodos paisagens moldam seu olhar ao girar a chave de casa? quanto das ruas de terra, pedra ou vidroporondevocêpisadiariamente impregnam seu corpo de asfaltos afetos? talvez essas perguntas não tenhamrespostassentidosobjetivos, mas, possivelmente, abrem janelas desejos para a recepção da produção artística de nita monteiro, vencedoradoprêmiogarimpo2025, promovido pela dasartes. formada emarquiteturaeurbanismopelausp e pautando sua produção principalmente em , e ocupações do espaço, nita conduz sua produção de forma a causar no espectador uma reconfiguração do prosaico a cada nova pegada deixada pelo caminho.
tendo nascido em volta redonda e crescido em angra dos reis, no rio de janeiro, e passando parte de sua infância e juventude em conservatória, o contato de nita com as artes começou distante do universo da arte contemporânea. foi por meio dos artesanatos feitos principalmentepormulheres,incluindoasdesuafamília,edaspinturas de que via durante os passeios pela cidade turística em que
morava, que nita se deparou pela primeira vez com obras artísticas, ainda que obras muitas vezes não reconhecidas pelo . e são esses os elementos ainda reconhecíveis em suas obras. através do verniz da contemporaneidade, sua produção coloca dentro da sala do museu os mesmos bordados, tapeçarias e cobre-jarras com os quais se habituou durante a juventude.
a partir de seu olhar, fragmentos e quinquilharias do cotidiano ganham estranheza, seja pela transfiguração de local, que faz com que o espectador olhe com novos olhos o que a vista cansada já se acostumou a ignorar; seja pelo acúmulo, que faz com que, pela relação com outros objetos, cada um se transmute; ou, até mesmo, pelo gesto da artista, que molda formas e imagens inusitadas dentro daquele universo. em (2024-2025), nita reúne em uma parede um semnúmerodeobjetos,obtidosdevárias formas: coletados, recebidos, herdados. a obra nos transporta do macro, pelo grande impacto visual quecausa,emumprimeiroencontro, ao micro, pela curiosidade que cada item, de forma isolada, é capaz de despertar pela sutileza e intimidade do encontro.
coletora não apenas de coisas, mas também de histórias, nita dá ares de fantástico à sua forma de articular imagens e ficcionalizar o interior, aqui entendido não apenas como dentro, mas também como distante do urbano. diante de suas obras, perdemo-nos por imaginários corredores que nos levam ao mais banal dos cenários cotidianos que, ao mesmotempoemquereconhecíveis,têmalgoforade
lugar,umespectrodesonhodaquelesque,tãoreaisque são,nãoconseguimosacordarporinteiroaoamanhecer. entre alguns dos temas recorrentes de sua produção estão a maternidade, nas mais diversas esferas, como nas obras e ; além da casa, que surge em sua produção não apenas como fonte de inspiração e matéria-prima, mas também como tema,
emobrascomo ,cujo objeto-títuloéumhíbridodemesamulher, uma figura surrealista na qual bebês se alimentam tanto de seus seios quanto dos frutos oriundos de uma árvore que cresce de seu umbigo. assim como fez na convocatória título de sua última exposição no marp - museu de arte de ribeirão preto -, , nita monteiro nos convida a, por meio de suas histórias, vasculhar as nossas próprias.juntodela,demãosdadas e deixando rastros pelo caminho, revolvemos os escombros da vida cotidiana para garimpar dali o material possível para o sonho. e, acordados subitamente em um misto de assombro e contemplação, podemos dar novo valor ao ordinário da vida.
O texto acima adota intencionalmente recursos estilísticos escolhidos pelo autor para dialogar com a estética e a produção da artista Nita Monteiro.
Leandro Fazolla é ator, historiador e crítico de arte. Doutorando em Artes Cênicas. Mestre em Arte e Cultura Contemporânea, na linha de pesquisa de História, Teoria e Crítica de Arte. Diretor Geral do Instituto Cultural Cerne.
EMPURRAR O CÉU, CRIAR MORADA • DESAPÊ • SÃO PAULO • 8/5 A 28/6/2025
Van Gogh e a Família Roulin,
EXPOSIÇÃO REVELA A AMIZADE DE VAN GOGH COM UMA FAMÍLIA SIMPLES, SEU VÍNCULO COM ARTISTAS DO PASSADO; O SONHO DE FORMAR UMA COMUNIDADE
CRIATIVA E OS LAÇOS
AFETIVOS QUE O MARCARAM. UMA HISTÓRIA DE RESILIÊNCIA E DOS LAÇOS
TERNOS ENTRE PESSOAS QUE DÃO MAIS SENTIDO À VIDA
POR REDAÇÃO
Pág. anteriores: Portrait of Joseph Roulin. 1889. The Museum of Modern Art, New York. À direita: Armand Roulin,1888. Collection Museum Boijmans Van Beuningen, Rotterdam. Acquired with the collection of D.G. Van Beuningen.
The Yellow House, 1888. Van Gogh Museum, Amsterdam (Vincent van Gogh Foundation).
SENSAÇÃO DE LUGAR: A CASA AMARELA EM ARLES
Van Gogh para Theo van Gogh, 3 de setembro de 1888.
Vincent van Gogh ansiava por conexão significativa. Quando chegou à cidade de Arles, no sul da França, em 1888, ele estava na casa dos trinta anos e já havia abandonadováriasprofissões,como ensino, pregação e trabalho em livrarias e galerias de arte. Estava há quase oito anos em sua carreira como artista e vivia um ponto de viradaemsuavidaeobra.Acreditava que seu antigo sonho de se tornar marido e pai talvez nunca se realizasse, e passou a nutrir novas ambições: criar arte e construir uma comunidade.
“Do que mais gosto, muito mais do que todo o resto da minha profissão é o retrato, o retrato moderno”, escreveu Van Gogh. “Gostaria de fazer retratos que parecessem aparições para as pessoas daqui a um século. Então, não procuro nos retratos uma semelhança fotográfica,masexpressõesapaixonadas, usando como meio de expressão e intensificação do caráter, nossa ciência e gosto moderno pela cor.”
Em Arles, essa paixão resultou em uma série extraordinária de retratos de seus novosamigos,afamíliaRoulin.VanGogh acabou criando mais de duas dezenas de pinturas e desenhos do carteiro Joseph Roulin, sua esposa Augustine e seus três filhos, com os quais buscava expressar algo sobre os “pensamentos e alma do modelo” e, ao mesmo tempo, sobre a humanidade de forma mais ampla.
and
Madame Roulin
Her Baby, 1888. Lent by The Metropolitan Museum of Art, New York, Robert Lehman Collection, 1975.
O CARTEIRO E A PRÁTICA DO RETRATO
Embora van Gogh morasse na mesma rua que a famíliaRoulinentrefevereiroemaiode1888,ele só mencionou o carteiro que trabalhava na estação ferroviária em uma carta no fim de julho. Na época, van Gogh e os Roulins já tinham se mudado para lugares mais distantes um do outro.Osdoishomenscomeçaramaseencontrar em um café e uma amizade surgiu. O dono do estabelecimento comentou que van Gogh e Roulin pareciam irmãos, com seus cabelos castanhos-avermelhados, olhos claros e companhia frequente.
Joseph Roulin, 1988. Gift of Robert Treat Paine, 2nd.
Naquele período, Augustine, a esposa grávida de Roulin, havia ido para a casa dos pais, com os filhos Armand e Camille, para dar à luz a filha Marcelle.Impedidodeacompanhá-losdevidoao trabalho, Joseph teve tempo para socializar e depois posar para o artista. Para muitos artistas, retratar pessoas por encomenda era uma forma de ganhar dinheiro. Como Van Gogh não trabalhava nesse sistema, pintava retratos por motivação própria e compensava os modelos com comida e bebida, em vez de pagar uma taxa. Escreveu a Theo: “Não há maneira melhor ou mais rápida de melhorarmeutrabalhodoquefazerfiguras.Além disso, sempre me sinto confiante ao fazer retratos,sabendoqueessetrabalhoémuitomais sério – não é bem essa a palavra –, mas é o que me permite cultivar o que há de melhor e mais sério em mim.”
Ele buscava inspiração nas pessoas ao seu redor, mastambémnosretratosdepintoresholandeses do século 17, como Frans Hals, Rembrandt van Rijn e Adriaen van Ostade, que tinha visto em museus e guardava na memória com carinho.
Postman
Lullaby: Madame Augustine Roulin Rocking a Cradle (La Berceuse), 1889. Bequest of John T. Spaulding.
A FAMÍLIA ROULIN
Van Gogh fez 26 retratos dos cinco membros da família Roulin, 14dosquaisestãonestaexposição.Nahistóriadaarteeuropeia – que o artista conhecia muito bem –, um envolvimento tão duradouro com uma família (além da própria) era geralmente reservado à elite social, como a realeza. Retratar repetidamente uma família modesta da classe trabalhadora era algo inédito no século 19. Isso sugere que a satisfação de van Gogh ao criar esses retratos era tanto pessoal quanto profissional. Para ele, não era apenas uma questão de escassez de modelos dispostos, embora isso também fosse verdade. Afirmava: “Para
Camille Roulin, 1888. Van Gogh Museum, Amsterdam (Vincent van Gogh Foundation).
mim, a mesma pessoa oferece material para retratos muito diversos.” Além de retratar a mesma pessoa de formas diferentes, ele repetia composições para poder guardar uma pinturaparasi,daroutraaoretratadocomopagamentoeenviar outras à família (especialmente ao irmão) ou a amigos artistas. “Fiz os retratos de uma família inteira, a família do carteiro cujo rosto pintei antes – o homem, sua esposa, o bebê, o garoto e o filho de 16 anos [na verdade, tinha 17] [...] Dá para sentir o quanto isso me deixa no meu elemento, e me consola,de certa forma, por não ser médico.” – Van Gogh para Theo van Gogh, 1º de dezembro de 1888.
CRIANDO COMUNIDADE POR
MEIO DA ARTE
Van Gogh se descrevia como “um elo na corrente dos artistas”. Tinha grande interesse pela linhagem artística, ligando-se a artistas do passado, presente e futuro. Esperava que a Casa Amarela fosse um lugar acolhedor, onde modelos pudessem posar, e um centro para uma colônia de artistas em Arles, um destino para quembuscavaapoioepráticacoletiva. Quando jovem, van Gogh havia trabalhado para um negociante de arte; seu irmão Theo também atuava nesse ramo. Os irmãos colecionavam obras – principalmente gravuras, mas também pinturas de artistas conhecidos. Van Gogh gostava de visitar museus, onde ficava longos períodos diante de obras que admiravaedepoiscompartilhavasuas impressões em cartas. Os retratos da família Roulin foram uma combinação criativa da observação cuidadosa de amigos queridos e das fontes de inspiração que van Gogh absorvia e transpunha com seu pincel.
Marcelle Roulin, 1888.
Van Gogh Museum, Amsterdam (Vincent van Gogh Foundation).
The Bedroom, 1889. The Art Institute of Chicago, Helen Birch Bartlett Memorial Collection.
CARTAS DO CARTEIRO
No fim de dezembro de 1888, após uma briga com Gauguin, van Gogh cortou a própria orelha esquerda. Foi internado no hospital de Arles para tratar o ferimento e cuidar da saúde mental. Seu irmão Theo veio imediatamente, mas ficou apenas um dia e voltou a Paris com Gauguin. Joseph Roulin visitou van Gogh no hospital, assim como sua esposa, e passou a escrever cartas aos irmãos do artista, atualizando-os sobre seu estado. Van Gogh teve alta no início de janeiro e passou o dia com Roulin na Casa Amarela. Pouco depois, Roulin foi transferido para Marselha a trabalho. A família não pôde
Portrait of Joseph Roulin, 1888.
The J. Paul Getty Museum, Los Angeles.
se mudar imediatamente, então ele ainda teve algumas oportunidades de visitar os filhos (e van Gogh) em Arles. As cartas entre pintor e carteiro continuaram por meses, embora só restem as de Roulin. Ele oferecia conforto, palavrasdeencorajamentoeatualizaçõessobresuaprópria família. Van Gogh foi internado e teve altas intermitentes em Arles, nos primeiros meses de 1889. Sabendo que precisava de cuidados mais longos, internou-se voluntariamentenoasiloemSaint-Rémy,emmaiode1889, ondepermaneceuatémaiode1890.Passouosdoisúltimos meses de vida em Auvers-sur-Oise, mais perto de Theo.
The Postman Joseph Roulin, 1888.
Los Angeles County Museum of Art, George Gard De Sylva Collection.
LEGADO DURADOURO
VanGoghenviousuaspinturas–incluindoosretratos da família Roulin – para Theo, em Paris, onde foram vistas e apreciadas ainda em vida. O escritor Albert Aurier publicou a primeira crítica dedicada à arte de Van Gogh em janeiro de 1890 e mencionou especificamente os retratos de Joseph e Augustine Roulin,elogiando-ocomoparte“dalinhagemsublime de Frans Hals.” Embora van Gogh tenha discordado modestamente de algumas observações de Aurier, ele não contestou as relacionadas ao retrato e à herança holandesa.
Poucos meses depois, em julho de 1890, van Gogh tirou a própria vida. Theo morreu seis meses depois. Émile Bernard publicou um comovente tributo ao amigo em 1891 e organizou uma pequena exposição de suas obras no ano seguinte.
A maioria das obras de van Gogh permaneceu com a viúva de Theo, Jo van Gogh-Bonger (1862-1925). Ela trabalhou comdedicação e estratégia para inserir o trabalho do cunhado em exposições e coleções e assim consolidar seu legado. Por meio de sua arte, uma família modesta de Arles foi imortalizada – e o artistatambém,comoeletantodesejava,aoperceber que sua contribuição para a humanidade não seriam filhos, mas ideias criativas expressas em tela.
Self-Portrait, 1889.
National Gallery of Art, Washington, Collection of Mr. and Mrs. John Hay Whitney, 1998.
ROULIN FAMILY
PORTRAITS
• MUSEUM OF FINE ARTS • BOSTON • EUA • 30/3 A 7/9/2025
VAN GOGH: THE
Lucas
Arruda
EMBORA PEQUENAS, AS
PINTURAS DE LUCAS
ARRUDA SÃO CARREGADAS DE UMA GRANDE TENSÃO DRAMÁTICA. VERDADEIRO
PRODÍGIO DO GESTO
PICTÓRICO, ELE
DESENVOLVE SUA OBRA EM
TORNO DA LUZ E
REPRESENTA, DE FORMA CONSTANTE, PAISAGENS.
SUA NOVA EXPOSIÇÃO, NO
MUSEU D'ORSAY, É A
PRIMEIRA MOSTRA
MONOGRÁFICA EM UM
MUSEU FRANCÊS
POR SYLVAIN AMIC
Pág. anteriores: Sem título, 2024. À direita: Sem título, 2022 (Da série Deserto-Modelo).
Arruda. Courtesy the artist, David Zwirner and Mendes Wood DM Photography by Kerry McFate e Claire Dorn.
LucasArrudaproduzhámaisde15anosumtrabalhoseriado, composto por quadros de pequeno formato chamados (modelos de desertos), ou seja, paisagens imaginárias, visões interiores pintadas de memória em ateliê. À maneira dos impressionistas, essas telas próximas da abstração colocam no centro a questão da luz e a projeção sensível de uma forma de introspecção. Em seção do Museu D’Orsay, habitualmente dedicada aos colecionadoresMollardePersonnaz,oartistaquisorquestrar um diálogo entre suas telas e um panorama da paisagem impressionista, de , de Boudin, aos
, de Pissarro, até uma clareira em , de Rousseau, com um desvio por , de Morisot. A presença excepcional neste espaço de , de Courbet, fonte de inspiração para Monet e, frequentemente associada aos escritos sobre Arruda, permite aproximar fisicamente as obras dos dois artistas e apreciar a conexão real entre elas. Dispostas na galeria impressionista, as obras de Lucas Arruda se integram naturalmente e provocam uma sensação simples e espontânea: parecem-nos familiares – seja na pintura, seja no espírito.
Mesmo sendo difícil identificar os locais representados, os motivos panorâmicos do artista – linhas do horizonte, bordas de florestas densas ou céus nublados – pertencem ao repertório universal da pintura. Noentanto,suaspinturasnãoaderemcompletamenteàtradição pictórica da paisagem, tão ricamente representada no Museu d’Orsay. De Camille Corot à escola de Barbizon, dos mares de Courbet às praias de Boudin, sem esquecer os locais icônicos preferidos por Monet e Cézanne, trata-se sempre de obras realizadas a partir da observação da realidade – ao passo que a produção de Arruda é inteiramente imaginada. Essa montagem, posicionada como uma cisão dentro das coleções impressionistas, revela a profunda originalidade do
artista e seu talento para variar o motivo sem jamais esgotá-lo. A disposiçãolineardastelas,àimagemdalinhadohorizonte,destaca a questão do espaçamento e do ritmo, que se torna essencial. ClaudeMoneteLucasArrudatêmemcomumocaráterdepintores sistemáticos. O ecletismo das paisagens imaginárias produzidas por Arruda ressoa com a produção seriada de Monet – sejam as catedrais, os fardos de feno ou os álamos.
A analogia entre os dois artistas reside também na questão imperiosa da luz. Lucas Arruda, que trabalha com a técnica da subtração – raspando a camada pictórica para deixar irradiar a luz que ela contém por trás –, prossegue de outra forma essa busca por uma pintura luminosa, portadora de sua própria luz.
Aimagemdelicadaerelativamente serena que se percebe à primeira vista é rapidamente contrastada por uma contemplação atenta dos milharesdepinceladasvivas,quase nervosas, que compõem a pintura. Ainda assim, para o artista, essas duas atmosferas são compatíveis, e essa pintura pretende ser sincrética.
A concepção de , de 2018 (da série ), está diretamente ligada ao semestre que Lucas Arruda passou em Berlim, em 2015, durante o qual visitou regularmente a e desenvolveu uma fascinação particular pelas pinturas de anunciação. Além do registro religioso, o artista vê, sobretudo, um encontro entre os céus e a terra. Embora, estritamente falando, o formato dessa pintura seja horizontal e panorâmico,omotivoéumaforma vertical – uma espécie de hemistíquio visual – e representa uma conexão direta entre o céu e o domínio terrestre.
Os monocromos de Lucas Arruda testemunham,acimadetudo,suaatenção obsessiva à sensação provocada pela cor eàformacomoelaépercebidaconforme a iluminação. Cada monocromo parte da ideiadeumúnicotomdecor(quasecomo um único pixel ampliado) aumentado à escala de uma grande tela, para observar meticulosamente o efeito produzido. Materialmente, o artista adquire um tecido cujo aspecto lhe agrada em um mercadodeSãoPauloeocobredeforma uniformecomtintadamesmatonalidade. Ele repete o exercício, às vezes, até cem vezes, até que a granulação da malha do tecido desapareça em favor de uma sensação: o apagamento do ponto de referência.Emtensãoentreaacumulação intencional e o limite anterior ao excesso, entre a figuração e a abstração, os monocromos de Lucas Arruda são sínteses do espectro da luz – algo especialmente sensível em um monocromo branco. A prática do monocromo, para Arruda, é uma espécie de sinédoque, na qual o menordenominadorpossíveldoespectro cromático escolhido é elevado ao de totalidade – por meio de centenas de camadas de tinta até que se torne a obra inteira. Se todas as pinturas de Lucas Arruda escolhidas com o Museu d’Orsay flertam com a abstração, o monocromo branco , de 2024 (da série ),aocontrário,flertacom a figuração.
NOITE ESTRELADA
LucasArrudasededicaarepresentar a diversidade de paisagens – diurnas ou noturnas – que teve a oportunidadedeobservar.Aopintar, essas imagens se sobrepõem e se impõem à sua mente como um palimpsesto. Essa noite estrelada , de 2023 (da série ),é,evidentemente, uma obra indispensável à exposição, tanto pela universalidade do motivo quanto pela referência pictórica a Vincent van Gogh. De forma um pouco mais autorreflexiva,essaobracontémuma chave importante para se interpretar todo o conjunto da obra de Lucas Arruda. Segundo estudos, um visitante passa, em média, entre 9 e 28 segundos diante de uma obra em um museu — um tempo certamente curto demais para se captar todas as nuances e a originalidade gráfica da composição.Acontemplaçãodocéu estreladoexigeamesmareação:são necessários vários minutos para que o olho humano se adapte e consiga apreciarplenamenteamagnitudedo espetáculo da natureza.
Já em , de 2021 (da série ), o artista descreve a linha que atravessa a pintura como um “arco-íris tímido”, que ele imaginou e traçou como uma homenagem a John Constable.
Para ele, essa curva quase horizontal se assemelha ao cabo de um equilibrista, sem ponto de apoio em qualquer das extremidadesdacomposição.Omotivo dessatelaéjustamenteodeum“entredois”: um momento suspenso, entre dois episódios meteorológicos, em equilíbrio, cheio de tensão e fluidez.
RAIO VERDE
Por mais improvável que a tela , de 2025 (da série ), possa parecer, ela retrata um fenômeno real, embora pouco conhecido: o raio verde. Também chamado de “ verde”, trata-se de um fotometeoro raro, observável ao nascer ou ao pôr do sol. Esse fenômeno se manifesta como um brilho verde visível por alguns segundos logo acima do horizonte, enquanto o sol ainda está em grande parte oculto. De fato, todas as cores estão presentes na natureza, e é evidente que não se pode esperar de Lucas Arruda que limite algumas delas – como o verde –à representação da fauna exuberante de suas florestas tropicais.
Acima: Sem título, 2021. Abaixo: Sem título, 2025 (Da série Deserto-Modelo).
Se as paisagens de Lucas Arruda nos parecem familiares, seja na pintura ounoimaginário,équasesemprede forma genérica que as reconhecemos. Para o artista, é crucialqueasobraspermaneçamtão abertas à interpretação e às possibilidades quanto as próprias paisagens. , de 2022 (da série ), por exemplo, pode evocar , de Caspar David Friedrich, devido a um degradê de cores semelhante. No entanto, o plano inferior na pintura de Arruda apresenta uma tonalidade muito menos sombria e ameaçadora, embora empregue diferentes gradações para transmitir uma profundidade comparável.
A composição , de 2013 (da série ), reproduz exatamente a vista da janela do quarto de Lucas Arruda, na casa de seu pai, em Sertão da Barra do Una. Essa tela, no entanto, não foi pintada ao ar livre ou diante da paisagem; mais uma vez, foi feita estritamente de memória. Nessa visão idealizada – que poderia ser confrontada com a realidade –, a densidadedaflorestacumpreopapeldo esmaecimentodasnuvens.Acomposição oferece a mesma profundidade e a mesma margem de interpretação. Coincidentemente, foi exatamente por meiodajaneladeumquartoondeestava hospedado, por acaso, que Monet teve, em fevereiro de 1892, a epifania da inspiraçãoaoavistaracatedraldeRouen.
A relação seriada entre as catedrais de MoneteasflorestasdeArrudaéevidente na exposição, e ambas compartilham umaorigemsimples:umquartocomvista.
Sylvain Amic é curador e presidentedoestabelecimento públicodoMuséed'Orsayedo Musée de l'Orangerie, Valéry Giscardd'Estaing.
LUCAS ARRUDA: QU’IMPORTE LE PAYSAGE • MUSÉE D’ORSAY • PARIS • 8/4 A 20/7/2025
, Coluna do meio
Solly Kamkhagi
MITS Galeria
São Paulo
Luiz Martins
MH8ARTE
São Paulo
Guilherme Giaffone, Solly Kamkhagi e Roger Supino
Alessandra Paterno, Dorli Kamkhagi e Márcia Viscomi
Claudia Matarazzo, Michele Tawil, Dorli Kamkhagi e Maria Tereza Matarazzo
Raquel Saliba, Anna Bella Geiger e Bia Sampaio
Carol Baltar, Alice Loureiro, Pericles Monteiro e Erika Arnaut Tibério
Marisa Abate, Anna Bella Geiger, Flavio Cenciarelli, Raquel Saliba e Paola Colacurcio
Henrique Brígido, Felipe Rodrigues e André Belo
Luiz Martins e Gino Bidart
Marcela França, Marcela Penteado, Bárbara Figueroa e Natascha Kamimura
Imani Lima, Antônio Carlos Rodrigues e Fernando Tajima
Alexandre Rese, Carol Baltar e Massimiliano Design versus
Fotos: Leda Abuhab
Fotos: Denise Andrade
Fotos: Leda Abuhab
Suellem Nonato, Fábio Bento, Natália Pires e Luiz Vagner
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