Marcone Moreira apresenta , uma instalação com cerca de 600 hélices de alumínio de uma embarcação adquiridas de uma fundição artesanal amazônica, que preserva técnicas tradicionais. A instalaçãointegraoprojeto , emqueartistassãoconvidadosacriar obras paraaáreaexterna da instituição. Dispostas em 20 metros,ashélicescomseistamanhos distintosmimetizamomovimentode uma cobra e evocam fluxos e deslocamentosaquáticos.
Ao longo de 20 anos, Moreira tem pesquisado materiais náuticos,
incorporandomadeiraemetais,além de explorar a carpintaria naval e a fundição. Sua obra reflete um interesse pelas transformações industriais da matéria, ligado à sua proximidade coma Mina de Carajás, localizadanosudoestedoestadodo Pará.
MARCONE MOREIRA:
VERTEBRAL • CASA DE CULTURA DO PARQUE • SÃO PAULO • 26/4 A 31/8/2025
de arte ,AZ
NOVO ESPAÇO • São Paulo inaugura o primeiro Laboratório de Artes Imersivas da América Latina com mostra de Leonardo da Vinci. O Visualfarm Gymnasium se insere em um movimento internacional voltado à criação de ambientes narrativos, que combinam projeções, sons, aromas, luz digital, cenografia e inteligência artificial para conduzir o público por experiências sensoriais e imersivas.
CURIOSIDADES • Hilma’s Ghost, o coletivo de artistas feminino,inaugurou o mural na estação Grand Central do metrô de Nova York. Com 56 m² de mosaico em vidro, a obra combina simbolismo do tarô e arquétipos de jornadas heroicas para representar as transformaçõesvividaspelospassageiros. InspiradaspelaartistasuecaHilmaafKlint, asfundadorasdocoletivo,SharmisthaRay e Dannielle Tegeder, desenvolveram o projeto ao longo de dois anos.
MUSEUS • A Capela Sistina, célebre por seusafrescosdeMichelangelo,foifechada ao público em 28 de abril para os preparativos do conclave que elegerá o novo papa. O conclave reunirá 135 cardeais, sendo a maior assembleia do gênero na história da Igreja Católica. Durante o processo, os cardeais permanecerão isolados na capela, e a tradicional fumaça branca anunciará a eleição do novo pontífice.
PELO MUNDO
• O controverso ,
idealizado por Donald Trump, em 2020, foi reativado em abril de 2025 com uma chamada aberta para artistas enviarem propostasdeesculturas.Oprojetoretorna com um investimento de US$ 34 milhões e o jardim pretende homenagear 250 figurasamericanas-deMartinLutherKing Jr. a Antonin Scalia e Steve Jobs - com esculturas de até US$ 200 mil cada uma.
ARQUEOLOGIA
• Durante uma restauração do Obelisco de Luxor na Place de la Concorde, em Paris, o egiptólogo Jean-Guillaume OlettePelletier identificou sete criptogramas hieroglíficos ocultos no monumento de três mil anos. Essas mensagens enigmáticas, legíveis apenas por membrosdaeliteegípciaantiga,exaltam a soberania divina do faraó Ramsés II e incluem jogos de palavras e leituras horizontais incomuns.
• DISSE O ARTISTA GUI CHRIST ao vencer um dos maiores prêmios de fotografia mundiais. O fotógrafo foi contemplado na categoria no Sony World Photography Awards com sua série que tem como tema o combate ao racismo religioso.
, de Natalie Salazar, explora os caminhos poéticos das memórias e palavras silenciadas ao longo da história familiar da artista. A obra apresenta experimentações gráficas que se desdobram em imagens, textos e ausências - resultado de um processo investigativo que atravessa questões históricas e pessoais.
NATALIE
SALAZAR: ENTRE SILÊNCIO, PALAVRA E DELÍRIO • Editora & Galeria Degustar • 384 páginas
• R$ 180,00
A publicação reúne 21 artigos resultantes de um seminário realizado em novembro de 2023, após o acesso da academia à Coleção Collaço Paulo, difundida pelo Instituto Collaço Paulo por meio de duas mostras específicas: e .
TUDO SE DESEJA VER – MERGULHOS NA COLEÇÃO
COLLAÇO PAULO • Org. Sandra Makowiecky e Luana Wedekin • Instituto Collaço Paulo • 220 páginas
Na ficção, o livro acompanha oito artistas de diferentes origens e linguagens criativas durante três meses em um sobrado colonial, palco histórico marcado pelas memórias do período escravocrata. Durante uma residência artística imersiva, os participantes vivenciam trocas afetivas e sensoriais, elaborando obras enquanto confrontam suas próprias identidades e as estruturas coloniais que permeiam suas realidades.
CASA GRANDE SEM SENZALA • Aut. Patricia B. Knecht
• Black Brazil Art Editora • 190 páginas • R$ 75,00
Gertrude Abercrombie (1909-1977) se inseria nos mundos que pintava –em autorretratos, paisagens, cenas domésticasenaturezas-mortas–por meio de símbolos pessoais e figuras femininas enigmáticas.
Explorava sua consciência, escavava memórias, inspirava-se nos sonhos e encontrava o estranho nas coisas do dia a dia, pintando, como dizia, “coisas simples que são um pouco esquisitas.”
Abercrombie viveu em desafio às normas sociais de sua época. Como mulher branca, cercava-se de músicos de negros. Criava comunidade com pintores, poetas e pessoas – todos à margem da sociedade convencional. Casou-se e se divorciou duas vezes, teve muitos parceiros sexuais e pouco interesse pela maternidade.
Suaspinturas–aosobreporcamadas de realidade – também questionam a existência como é comumente entendida, imaginando outros mundospossíveis.Apesardeteruma visão singular, seu mergulho na consciência interna e o uso de um estilo fantástico a conectam a movimentos mais amplos do modernismo americano. Em várias partes do país, outros artistas também faziam arte como forma de entender o “eu” e sua relação com umaexistênciainstável,muitasvezes utilizando estratégias surrealistas.
Abercrombie dizia: “O mundo inteiro é um mistério” – uma frase que afirma as infinitas possibilidades de liberdade e autodescoberta por meio da arte. Essa exposição retrospectiva – a primeira mostra de abrangência nacional dedicada à sua obra – celebra uma artista que foi historicamente marginalizada por quem era, como viveu e como criou. Suas pinturas extraordinárias formam um universo próprio que expande nosso entendimentosobreidentidade,história dosEstadosUnidoserelevânciaartística.
Gertrude Abercrombie teve uma infância nômade,morandoemAustin(Texas),Ravinia (Illinois),Berlim(Alemanha),Aledo(Illinois)e, por fim, Chicago. Estudou na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign e, depois, voltou para Chicago, onde se envolveu profundamente com a cena artística local, participando de grupos de artistas e expondo em galerias, feiras de arte ao ar livre e exposições anuais no Art Institute of Chicago.Em1935,elaassistiuaumapalestra daromancista,poetaecolecionadoradearte Gertrude Stein. Ideias apresentadas nessa palestra – como a eficácia retórica da repetição, o questionamento da divisão entre interior e exterior e a natureza emocional da realidade – logo se manifestariam nas pinturas de Abercrombie. No mesmo ano, Abercrombie foi contratada por um programa do , criado por Franklin Delano Roosevelt para apoiar artistas durante a Grande Depressão. No final da década de 1930, sua prática de pinturafloresceu,eelaproduziuosprimeiros trabalhosmadurosdesuacarreira.Mudou-se para um novo apartamento em Hyde Park, em Chicago, que inspiraria suas pinturas de interiores claustrofóbicos, da mesma forma que Aledo – cidade que ela sempre considerou seu verdadeiro lar – serviria de “pano de fundo” para suas paisagens. Executadas com precisão e dominadas por umapaletadeazuisgélidos,cinzasmetálicos e verdes intensos, suas novas composições pulsavam com personalidade e mistério, repletas de referências íntimas.
Duranteadécadade1940,Abercrombiecrioupinturasnarrativamente complexas, muitas vezes refletindo suas experiências com eventos específicos–inclusivesuavidaamorosatumultuada.Elapovoavaessas composiçõescomumrepertóriocadavezmaiordesímbolospessoais, que podiam ser combinados de formas diversas para gerar respostas emocionaisoutransmitirpiadasvisuais.Entreosobjetosquepassaram a fazer parte de seu vocabulário visual estavam casas geminadas, uma ,uma torre de marfim,tendas combandeirinhas no topo e corujas. Sua repetição visual era semelhante à maneira como seus amigosmúsicosde criavamo ,improvisandosobrepadrões de acordes fixos. O virtuoso do trompete Dizzy Gillespie reconheceu essa afinidade entre sua arte e o : “Gertrude Abercrombie é a artista do – no sentido de que ela pegou a essência da nossa música e transportou para outra forma de arte.”
A inclinação estilística de Abercrombie pelo bizarro coincidia com abordagens visuais que, nos anos 1930 e 1940, receberam diferentes rótulos, como surrealismo, realismo mágico e pintura fantástica. Ela nunca se opôs a essas descrições, mas, para ela, o que importava era sua própria concepção do “real”. Como ela dizia: “A arte tem que ser louca de verdade, pessoal de verdade e real de verdade – senão, não é nada.” Abercrombie expressava seu mundo interno e o tornava acessível ao público, criando o que chamava de “ponto de contato... ondeoespectadorencontraaideia,emoçãoouexperiênciadoartista.”
Durante os anos 1950, Abercrombie produziu quase 500 pinturas, algumas emescalaminiatura.Suascomposições enfatizavam temas como amor, luta, jogos e feitiçaria – reflexos de sua própria vida. Ela expandiu seu repertório de narrativas e símbolos fantásticos, introduzindo novos motivos como girafas, dados e uma mesa com tampo de mármore.
Carinhosamente chamada de “Rainha Gertrude” por seu círculo boêmio, Abercrombie passou a incluir essa persona em suas pinturas – talvez um reflexodesuacrescenteautoconfiança artística e social.
Continuou a expor, vender suas obras regularmente e receber reconhecimento da crítica. Apresentavasuaspinturasemsuacasa eemmuseusegalerias,principalmente no Meio-Oeste e em Nova York. O auge de suas oportunidades comerciais foi em 1952 e 1953, com nove exposições individuais nesses dois anos. Em meio a esse sucesso, ela escreveu ao artista Karl Priebe, seu amigo mais próximo: “Estou pintando como uma louca de novo.”
UMA
EM MOVIMENTO
Enquanto criava seus interiores e paisagens enigmáticos, Abercrombie começouaexperimentarcomnaturezasmortas.Nessascomposições,organizava de forma sóbria elementos como conchas, ovos, dominós, dados e outros objetos, mas agora sem narrativas implícitas. Ela se concentrava em reproduzir com precisão esses itens –que de fato tinha – pintando-os a partir da observação. A maioria dos objetos representados é em tamanho real, e as dimensões das composições costumam seguir o tamanho dos próprios elementos retratados.
Abercrombietambémexplorouaescala ao criar pinturas em miniatura, muitas dasquaisforamfeitasparaseremusadas como broches. Essas pequenas obras, executadas com meticulosidade, retratam temas recorrentes como compotas de uva, árvores mortas, luas cheias,conchas,petecaseautorretratos. Ela ainda inovou ao criar naturezasmortas em (caixas com profundidade),posicionandoladoalado objetos pintados e objetos reais. Esse estilo hiper-realista mostra que ela brincava com a fronteira entre o mundo físico e o universo da arte. Ao destacar a importância de cada objeto com sua colocação cuidadosa, Abercrombie sugeriaquesuaspinturaseramfantasias paralelas à vida real – autobiográficas, mas também fabulosas.
Em 1955, Abercrombie apresentou uma nova série de trabalhos: (Portas de demolição). Em cada uma dessas pinturas, há, pelo menos, trêsportasdispostasemfila,depésobre uma calçada, independentes de qualquer construção. Ela brincava com cores e padrões, explorando a ideia de diferença dentro da repetição. Essas cenas não surgiram apenas da imaginação da artista. Abercrombie se inspirou em algo real que via no bairro: portas removidas de edifícios antes da demolição e reutilizadas como barreiras em canteiros de obras. Na década de 1950, Hyde Park passou por um dos maiores projetos de renovação urbana dos Estados Unidos, liderado pela UniversidadedeChicago.Comapoiode novas legislações federais, estaduais e locaiscriadasparaeliminaráreasurbanas consideradas “degradadas”, a universidade buscava transformar a vizinhança em um espaço predominantemente branco e abastado – em um momento em que a população negracresciadevidoàGrandeMigração. Abercrombie, que não tolerava preconceitos e sempre teve uma conexão profunda com o bairro, pode ter usado suas como forma de resistência simbólica contra essas políticas racistas que estavam transformando sua comunidade.
LUA MINGUANTE
A saúde de Abercrombie começou a se deteriorar rapidamente em 1959. Na metade da década de 1960, ela enfrentava não apenas dificuldades físicas, mas também emocionais, financeiras e artísticas. Sua depressão crônica e sentimentos de solidão se intensificaram à medida que sua vida social – antes vibrante – foi se apagando, e sua saúde passou a dificultar o ato de pintar. Sua produção caiu drasticamente até que,eventualmente,elaparoude pintar.Mesmoassim,continuoua exibir suas obras, culminando com a primeira retrospectiva de sua carreira, realizada no Hyde Park Art Center em 1977, pouco antes de sua morte.
Durante toda sua trajetória, Abercrombie reutilizou temas e incorporou memórias em suas pinturas, refletindo sobre a passagem do tempo. Essa característica é simbolizada pelas constantes fases da lua presentes em sua obra. Suas últimas criações costumavam ser povoadasporportasepassagens, que podem ser vistas como reflexões sobre sua iminente travessia para o além.
Eric Crosby é curador e diretor do Henry J. Heinz II no Carnegie Museum of Art e vice-presidente do Carnegie Museums of Pittsburgh.
THE WHOLE WORLD IS A MYSTERY • CARNEGIE MUSEUM OF ART • PITTSBURGH • EUA • 27/2 A 1/6/2025
IMAGINE ENTRAR EM UMA SALA E SER BOMBARDEADO
POR PALAVRAS QUE PARECEM GRITAR, FRASES AFIADAS QUE O ATRAVESSAM COMO LUZ NEON, ENQUANTO IMAGENS EM PRETO E BRANCO FALAM SOBRE CONSUMO, PODER, GÊNERO, IDENTIDADE. ESSA É A EXPERIÊNCIA IMERSIVA DE BÁRBARA KRUGER, UMA DAS ARTISTAS MAIS PROVOCATIVAS DOS ÚLTIMOS 40 ANOS
Entrar em uma instalação de Bárbara Kruger é como ser sugado para dentro de uma propaganda política gigante e imersiva. Você se depara com frases curtas, afiadas, que quasegritamcomvocê.Palavrasbrancassobre blocosvermelhos,imagensempretoebranco de estética publicitária e uma mensagem que, de tão direta, faz você rir, provoca você e depois o joga em uma crise existencial. Esse é o poder da arte de Kruger: ela nos faz pensar, repensar e, se possível, tropeçar em nossas próprias certezas.
A ESTÉTICA DA PROVOCAÇÃO
Desde os anos 1980, Kruger criou um estilo inconfundível. Inspirada pelo gráfico e pelo universo da propaganda, ela faz arte como se estivesse criando campanhas de guerrilha contra o . Seus trabalhos misturamimagens“roubadas”(geralmenteem preto e branco) com frases curtas em letras brancas sobre fundos vermelhos – uma estética que já virou marca registrada. Mas não é só visual marcante: suas frases são “cutucadas” diretas no sistema. (Euconsumo,logoexisto), (Seucorpoéumcampo de batalha), (Quem é dono do quê?). São perguntas e afirmações que jogam luz sobre os mecanismos de poder, consumo, linguagem e representação. Em vez de propor soluções, Kruger cria armadilhas visuais que nos obrigam a confrontar nossos próprios desejos, crenças e contradições.
umproduto,elavendeumaideia—oumelhor,umconflito.Seufamoso é uma ironia direta ao cogito cartesiano de Descartes(Penso,logoexisto).Krugertrocao“pensar”pelo“comprar” e, assim, dá um tapa com luva de veludo na cultura do consumo.
QUEM SOMOS NÓS NO MEIO DE TUDO ISSO?
Kruger está sempre “cutucando” as estruturas sociais que moldam o que somos. Seus trabalhos trazem questionamentos sobre gênero, raça, classe, identidade e desejo. Ela nos lembra de que tudo isso é construídosocialmente–queoqueachamosser“natural”sobrequem somos foi, na verdade, moldado por sistemas de representação: imagens, palavras, espaços e instituições. Por isso, seus trabalhos muitas vezes se voltam para o espectador com frases no pronome (“você”): (Seu olhar bate na lateral do meu rosto), (Você não é você mesmo), (Você quer, compra,esquece).Aintençãoéclara:nãodáparaassistirdefora.Você está dentro. Você é o alvo. E, ao mesmo tempo, o cúmplice.
REPETIR, REMIXAR, RECONTEXTUALIZAR
Krugeradorarepetir.Elarevisitasuas próprias obras, atualizando frases, trocandoimagens,animandotextos. Chamados por ela de , esses trabalhosreconfiguramsuascriações antigasàluzdopresente.Umaforma demanteracríticaviva,atual,semse prender à ideia de “obra original”. Um exemplo é a obra , criada em 1989 como cartaz para uma marcha pelos direitos reprodutivos em Washington. Anos depois, Kruger a transformou em uma instalação animada com LED, atualizando a frase para – um lembrete de que, décadas depois, o embate continua. Esse gesto de retomar o passado e reativá-lo no presente é um jeito de ela desafiar a linearidade do tempo na arte. Em vez de olhar para trás com nostalgia, ela olha com faca nos dentes.Seus sãocomogritos reciclados: ainda mais potentes porque ecoam comnovas urgências.
DO PAPEL AO ESPAÇO URBANO
Nos anos 1980, Kruger começou a expandir seu trabalho para além das paredes de museus e galerias. Criou instalações em metrôs, , ônibus, estações e fachadas de prédios. Depois, passou a ocupar salas inteiras com textos gigantes que tomam o chão, o teto e as paredes.Tudovirasuporte:oespaço vira linguagem. A arquitetura se dobra à palavra. Umexemplopoderosoéainstalação , que traz trechos de Virginia Woolf e George Orwell espalhados pelas paredes e piso de espaços como o Hammer Museum e o Stedelijk Museum. Uma experiência sensorial e política, que envolve o corpo do visitante e o forçaa“pisar”literalmentenasideias que a artista propõe.
Para Kruger, essas intervenções públicas são uma forma de tirar a arte da bolha e colocá-la no mundo. Fazer com que ela dialogue diretamente com a cidade, com o cotidiano, com quem passa por ali semestar“preparado”paraverarte. Ela transforma o espaço em palco e o público em protagonista.
A ERA DO REMIX E DO CAOS DIGITAL
Vivemosemumtemposaturadodeimagens–eKrugernãosóentende isso, como brinca com isso. Ela nunca tentou “proteger” sua estética. Ao contrário, acha divertido ver sua linguagem ser apropriada por marcas, artistas, fãs e até memes. Seu trabalho é “remixável” por natureza.
Em 2011, ela criou uma obra feita com mais de 550 imagens tiradas do Google que imitavam seu estilo. Foi como se dissesse: “Já que vão me copiar, vou me apropriar da minha própria cópia.” Hoje, seu visual é referência direta em peças de moda (alô, Supreme), redes sociais e até .
Kruger encara esse caos visual como parte do jogo. Ela não tenta controlar a circulação de suas imagens – prefere dialogar com o fluxo,
com o excesso, com o eterno da cultura digital. Como ela mesmadisse:“Eunãoacreditoquedáparapararofluxodeimagens.”
ENTRE ARTE E POLÍTICA, ENTRE RISO E RAIVA
O que torna Barbara Kruger tão impactante não é só sua estética. É sua insistência em transformar arte em ferramenta de consciência crítica. Ela quer nos lembrar de que vivemos em um sistema repleto dehierarquiasinvisíveis,cujalinguagem,aimagemeoespaçomoldam o que podemos ser.
Seus trabalhos não são panfletos, mas também não são neutros. Estão mais para “socos visuais” que misturam humor, ironia e indignação. E sempre com certa ambiguidade: você pode rir de uma frase e, segundos depois, sentir o incômodo da verdade que ela carrega.
Aolongodecincodécadas,Krugernuncaparou.Continuaremixando, repetindo, desafiando. Seus temas seguem pulsando: o corpo como campo de disputa, a verdade como algo em risco, o consumo como identidade, a linguagem como campo de batalha. Em cada nova instalação, ela reafirma: a arte pode ser simples – e ainda assim devastadora.
UMA ARTE QUE SE MOVE COM O MUNDO
OtrabalhodeBarbaraKrugerésobreoqueestáportrásdasimagens. Ésobreoqueacreditamos,oquedesejamos,oquetememos.Esobre como tudo isso pode ser manipulado — ou libertado — com apenas algumas palavras.
NO COMMENT • AROS • DINAMARCA • 27/11/2024 A 21/5/2025
Háquasetrintaanos,RashidJohnson (nascido em 1977, Chicago) experimenta com linguagem, materiaiseformasparaquestionaras crençasdoséculo21.Suasinfluências vêm de movimentos artísticos e políticos radicais que marcaram as décadas de 1960 a 1990 – período emque seus pais estavamengajados no ativismo e ele próprio se formava como indivíduo. Eram tempos em queidealistasdesafiavamhierarquias e propunham novas formas de viver. Embora Johnson esteja bem ciente de que esses movimentos não conseguiram construir um mundo justo, ele olha para fora – para o passado – e para dentro, para sua experiência cotidiana e vida emocional, criando obras potentes que mostram como uma vida pode tanto seguir o ritmo da história quanto traçar seu próprio caminho. apresentamaisde noventa obras e convida o visitante a acompanhar o crescimento e os desejosdoartista.Emseusprimeiros trabalhos, Johnson experimenta fotografia, vídeo e escultura, explorandofigurashistóricaseheróis – muitas vezes com humor ou como ponto de partida para performances e jogos de identidade.
Comotempo,Johnsondesenvolveuumvocabuláriosimbólico próprio e passou a usar materiais característicos como sabão preto e manteiga de karité. Esses elementos aparecem em pinturas híbridas e naturezas-mortas tridimensionais em técnicas mistas. Em suas obras mais recentes, ele revela a fragilidade humana com painéis de madeira quebrados, esculturasdebronzeecerâmicamarcadasporcicatrizes,etelas intensamente riscadas ou sobrecarregadas.
Johnsontambémcriaespaçosparaqueoutraspessoaspossam produzir:umpalcodeperformancesnotérreodomuseueuma salamusicalcomumpianoverticalnoúltimoandaratuamcomo pontos de partida e chegada da exposição.
Embora a mostra destaque a disposição de Johnson em abandonar estilos artísticos tradicionais e experimentar novas ideias, materiais e temas, duas constantes atravessam sua trajetória: o amor pela linguagem e pela literatura (o título da exposição é retirado de um poema de Amiri Baraka) e a busca contínua por paz interior e realização criativa. Johnson costuma dizer: “O tema do meu trabalho é a liberdade”, revelando seu desejo profundo de romper com limitações da arte, da cultura e até do próprio tempo físico. Nessa busca incessante, ele encontra poesia na vida cotidiana e transforma objetos comuns em verdadeiros heróis.
Johnson tem talento para trabalhar em muitas formas – escultura, instalação, fotografia experimental, pintura, filme e vídeo – muitas vezes transformando essas mídias tradicionais em objetos híbridos. Por exemplo, um desenho de texto antigo também é uma pintura de grafite; uma escultura de bronze é uma fogueira; uma “pintura” em grande escala de várias faces tambéméumaesculturadecerâmicae,mais claramente, não utiliza qualquer tipo de tinta. Por outras palavras, Johnson abandona facilmente – “mata”, se preferir –convençõeseformasanterioresdetrabalhar em favor de novas configurações que correspondam às suas ambições em altura. Em seu trabalho sobre diferentes modos de expressão, Johnson tem diversas preocupações, muitas delas tentando imaginar novas formas de ser e dar sentido ao mundo. Suas obras sugerem novos começos, mas os começos também exigem fins. Para Johnson, a morte – um tema recorrente – é um desses fins, mas não é final. A morte, em vez disso, marca o início de uma nova jornada para a vida após a morte ( e ); o início de uma lenda ( ); e pode até ser um objetivo, uma espécie de trégua ou uma fuga ( ). Essas obras marcam a misteriosa migração do reino físico para o metafísico, enquanto as personagens atuam como testemunhas da transformação ( , .
IRREVERÊNCIA
A maior parte do trabalho de Johnson é organizado em séries, por meio das quais ele trabalha um único ou ideia em vários objetos. Em suas primeiras séries, ele faz referência enérgica e astutamente a outros artistas, obras de arte da História da Arte, eventos,figurasproeminentes,letrasmusicaiseobrasdeliteratura.As citações que ele utiliza dessas fontes são evidências de seu intelecto ativo e, como muitos da geração , de sua capacidade de remixar e redirecionar esses objetos e gestos em formas totalmente novas. Por exemplo, camisa Dashiki assinada por Angela Davis presta homenagem à venerável educadora e
organizadora, mas a reformula como uma estrela do esporte, comparando a política à teoria dos jogos. Homenagem a Chinua Achebe IV ( ) mantém ícones literários e da música nigerianos em igualdade de condições com artistas europeus modernos, como Joseph Beuys. Nessas obras, Johnson homenageia e provoca esses heróis de maneira divertida, trazendo o ilustre dessasfigurasconhecidasaumnívelmaishumano.Johnsonusaráesse comportamento travesso e humor inexpressivo repetidas vezes por meio de trocadilhos linguísticos, como pode ser visto em seus textos pintadoscom eemobrasqueimitam,masesvaziam,lendascomo Jack Johnson e Frederick Douglass.
Johnson faz parte de uma geração de artistas educados em arte conceitual, um movimento guiado mais por ideias do que por preocupações técnicas e artísticas. O artista se expande muito para além das fronteiras do conceitualismo, a fim de recorrer livremente a uma vasta gama de precedentes artísticos, como o expressionismo e a redução poética da pintura modernista americana;ointeressedomovimentoitaliano em transformar materiais baratos em arte erudita; a insistência do na performance e na troca; e a sagacidade linguística e os trocadilhosvisuaisdisponíveisemobrasdaépoca.
A arte conceitual nos Estados Unidos surgiu na décadade1960,omesmomomentodelibertação socialpara,entreoutros,mulheres,pessoas epessoasdecor,especialmenteafro-americanos. Johnson, um estudioso atento desses movimentos,mobilizaaslutasdelibertaçãonegra como quadro conceitual da sua arte, especialmente nos momentos em que a estética negra, seja nas belas-artes ou na cultura , alinha-se com as políticas libertadoras. Ele tem trabalhado para reimaginar as formas de arte no contexto da história social, desde os primeiros trabalhos que examinam o movimento Novo Negro e a Renascença do Harlem no início dos anos 1900 (o sujeito negro burguês como ícone modernista)atéomovimentodasartesnegrasda década de 1960 (os sujeitos negros como estranhos radicais) e trabalhos mais recentes que envolvem o afrofuturismo (os sujeitos negros como alienígenas destinados a retornar ao seu “lar” cósmico). Mais especificamente, ao tentar criar modos e ideias, Johnson pondera a obrigação do artista para com a sociedade.
MATERIAL COMO CONCEITO
Em 2008, o trabalho de Johnson incorpora um novo investimento no comportamento dos materiais. O foco do artista não é tanto trabalhar por meio de formas de arte específicas, mas explorar as possibilidades de materiais que têm significado cultural e emocional. Sabonete preto e manteiga de karité – produtos de higiene comuns na comunidade diaspórica africana que sinalizam autocuidado com o corpo – se tornam a base para o preto monocromático das pinturas da série e um material escultórico, respectivamente. Em suas grandes estruturas, as plantas aparecem frequentemente em ou dentro de formas cúbicas, justapondo a linguagem masculinista do minimalismo com organismos vivos que suscitam empatia e dependem do cuidado humano. Painéis compostos de azulejos de cerâmica e vidro lembram a casa de banho em um prédio comunitárioemChicagoqueJohnsonfrequentou. Livros e músicas marcam uma autoeducação intelectual e cultural. Em todos esses exemplos, Johnson constrói seu próprio material vernáculo, unindo a influência de artistas do movimento italiano da década de 1960 com a de artistas contemporâneos que trabalham nos Estados Unidos.
Assim como Johnson tem um de ferramentas com materiais favoritos aos quais ele recorre continuamente – sabão preto,manteigadekarité,vidro,cerâmica, livros, plantas e álbuns de vinil – ele também tem um glossário singular de sinaisesímbolosquedeixaàinterpretação individual. Grades esculpidas à mão, alvos demiraeformasdediamanteapareceram pela primeira vez na série no início dos anos 2000. Em trabalhos posteriores, Johnson usa ferros quentes para marcar alvos, palmeiras e círculos concêntricosouentrelaçadosnasuperfície de obras compostas por tábuas de madeira, como ou em tapetes. Tal como a marca tradicional de gado, Johnson marca sua presença e propriedade sobre esses objetos. Essessímbolossetornamascaracterísticas mais proeminentes nas pinturas maduras de Johnson,muitasvezesproliferandoem telasouazulejosemformasdegrade.Eles têm suas raízes tanto no urbano quanto nos pictogramas rudimentares encontrados nas pinturas do expressionista abstrato Adolph Gottlieb. A aparição desses personagens em obras como as da série e a série de pinturas permitem que Johnson aborde estados emocionais e afetivos com cuidado e sensibilidade, sem depender de representação documental plana. Isso, por sua vez, abre sua obra ao sublime e ao metafísico.
ESCAPAR
Como um estudante dedicado da história e literatura afro-americana, Johnson está bem ciente do tema permanente da fuga e da evasão à capturanoimagináriofolclóriconegro. Pode-se traçar essa tradição mediante personagensrecorrentesemnarrativas desde canções de trabalho do século 19 até ao afrofuturismo contemporâneo,comofugitivosdeum sistema de justiça criminal injusto, ou “africanos voadores” ou “ ” (africanos capturados que regressaram dasAméricaspeloarouestabeleceram um lar no fundo do Atlântico, depois de saltarem ou serem atirados de navios negreiros). Johnson se baseia nessa tradição por meio de textos anteriores– ,e – evocando essas tendências de fuga de uma forma que muitas vezes é como um aviso ao seu público. Mais tarde, trabalhos executados sobre a parede, como ou são mais sutis como portais potenciais para outro lugar imaginado.
No entanto, não é necessário ir “a outro lugar” para escapar de um presenteperturbadorouestressante. Em seu trabalho, Johnson frequentemente utiliza e aplica termos terapêuticos (descanso, leitura, banho, ioga); faz referência sutilàpsicoterapiapormeiodeobras de arte baseadas em móveis, como e ); ou cria espaços interiores que protegem um sujeito dos males potenciais de um mundo imprevisível.Essasobras,juntamente comváriasdasérie apontam paraasvulnerabilidadespsicológicas de Johnson, mas ele também busca constantemente a libertação estética. Nunca confiando em um único meio para articular suas ideias, Johnsonsemoveagilmentepormeio demúltiplasformas,procurando,em cada obra, reinventar termos culturaiseescaparasignificadosque já não são pessoalmente úteis.
Naomi Beckwith é diretoraadjunta e curadora chefe do Solomon R. Guggenheim Museum and Foundation, em Nova York.
A POEM FOR DEEP THINKERS • GUGGENHEIM NEW YORK • 18/4/2025 A 18/1/2026
Visualizemaimagemdeumpequenoacidenteautomobilístico, um tamponamento traseiro. Agora, imaginem o motorista descendo veloz do próprio carro, pedindo desculpas ao motorista atingido e indo embora às pressas porque, declara, "Tenho que chegar a tempo para ver o pôr do sol".
Pareceumapiada,masessaaventuraaconteceurealmentecom o artista italiano Salvo, em 1988, conforme o relato da esposa dele-CristinaTuarivoli-reportadonocatálogoqueacompanha aexposiçãodoartistanaPinacotecaAgnelli,emTurim: ( ) até o próximo 25 de maio. Salvo Mangione (Leonforte, Sicília, 1947 - Turim, 2015), que retirouseusobrenomelogonocomeçodasuajornadanaarte,
é, sem dúvidas, uma das figuras mais excepcionais do panoramaitalianodoúltimomeioséculo,estreandonofinalda décadade1960,quandocomeçousuarelaçãoprofissionalcom o galerista Gian Enzo Sperone. EmTurim,paraondeSalvosemudoucomafamíliacom9anos de idade e onde ficou a vida toda, o artista assistiu ao nascimento da Arte Povera, tornando-se amigo de um dos protagonistas do Movimento, Alighiero Boetti (Leia a matéria com Alighiero Boetti, por Matteo Bergamini, na Dasartes nº 150), com o qual compartilhou também o seu primeiro ateliê, mesmo em Turim.
Tal como o camarada Alighiero, retirado logonocomeçodaturmadosPoveristas, Salvo nunca entrou em grupos ou correntes, nem foi incluído no Manifesto do movimento - lançado em 1967, mas, já dois anos depois, em 1969, deu início à sua primeira série, Lápides. Trata-se de superfícies em mármore que trazem aforismos simplíssimos: Salvo é vivo; Salvo é morto, Più tempo in meno spazio (Mais tempo em menos espaço) ou alguns trechos das fábulas de Esopo, tendo estas uma lição moral a relatar à transitoriedade da existência à relatividade dos valores humanos. Diferentemente dos artistas da Arte Conceitual e da Arte Povera, Salvo escolheucomoseusuportefavoritotanto o material monumental, quanto uma tipografia requintada, investigando, também, as implicações da linguagem dentro do objeto, aproximando-se fugazmentedacorrenteArt&Language, nascida nos mesmos anos nos Estados Unidos,porquetinhaentreosfundadores os artistas Michael Baldwin, Harold HurrelleJosephKosuth.Exemplarsãoas cinco Lápides que compõem a série ( , 1971) cujas veias e a textura da pedra diferenciam cada uma por ínfimos detalhes, remetendo à impossibilidade de encontrar dois ou mais elementos iguais a natureza, questionando também - acrescentamos -, a vida da (1936), segundo o mítico ensaio do filósofo Walter Benjamin.
San Giovanni degli
Eremitani, 1980.
Courtesy of Antonio Colombo Collection, Milano.
SALVO, O QUEIMADOR DE ETAPAS
Mas quem era realmente Salvo? Considerado por muito tempo um pintorsimplesdemais,até"popular", o galerista italiano Massimo Minini descreveu o pintor como "Um menino rebelde, pintor por prazer; entrou um dia em uma galeria e saiu como artista. Queimou etapas em poucos meses, entrou nas últimas exposições e galerias Poveristas, fotografou, criou frases, neons, tricolores, e, somente quatro anos depois do começo da sua carreira, voltou a pintar, tendo aproveitado todas essas oportunidades. Os primeiros quadros foram claros: são Jorge e o dragão, temas sicilianos, mitológicos. Devoto de Giorgio De Chirico, pelo Giro d'Itália (a maior competição ciclística do país), pelo bilhar, pela TV, grande autodidata sempre pronto a apostar. Pintava para si mesmo, já que sua guinada nãoagradouatodoomundodaarte que estava ao seu redor".
Mesmo histriônico, o artista se deu repentinamente à pintura apoiado pelo galerista alemã Paul Maenz: "Salvodesejavaserindependente.A sua intenção era contar 'uma coisa realqueafinalsetornasonho',como ele mesmo afirmava", explica a filha, Norma Mangione.
Eis que, de 1973 em diante, Salvo quebrou também as categorias da figuração, pondo em luz uma
linguagem "aparentemente kitsch em uma época na qual dominava uma arte sóbria e severa", relata a curadora da exposição, Sarah Cosulich: contudo, o pintor nunca foi esquecido ou deixado por trás pelo mercado, muito pelo contrário, o sucesso comercial sempreacompanhousuatrajetória. Arespeitodisso, se abre com a reconstrução de duas exposições que Salvo apresentou em 1973, ano que marcou sua particular volta à pintura: a da galeria John Weber, em Nova York, onde apresentou um grupo de obras fotográficas que substituiu a face dos retratados com a própria (vê-se o , 1970) e a da galeria Toselli, em Milão, na qual o artista expôs, pela primeira vez, duas pinturas monumentais nas quais estavam representados os santos Jorge e Miguel, em duas composições inspiradas pelos quadrosdeCosmèTura( , 1469) e Rafael ( , 1518): em ambos os casos, como já aconteceu com o , Salvo representa os dois santos utilizando os próprio traços, sacralizandodessejeitoafigurado artista cujo papel - na própria ideia - precisava também tomar uma posiçãoarespeitodatradiçãoeda história da arte.
Senza Titolo, 1988.
Courtesy of Galleria
Arte Marinelli, Lodi.
A METAFÍSICA DO COTIDIANO
Essa modalidade de perceber a própria prática acompanharia Salvo em todo seu percurso, mesmo quando os temas parecem corriqueiros em um primeiro olhar: "Reconhecer-me-á, pelo menos, o mérito de ter empreendido uma escolha tão perigosa em anos que não perdoavam operações desse tipo, mas sempre desconfiei dos artistas que nunca mudam", declarava o artista, em 1988, sobre o próprio caminho.
Mais um núcleo de obras inesquecíveis, em Turim, é a da série ( ). Feitas ao longo de duas décadas, também esse sujeito bem relata a obsessão do pintor pela luz e pela cor, inclusive, por aquela característica espaçotemporal que vem chamada de Metafísica:"Arealidadeémetafísica; é metafísica também uma maçã apoiada na mesa: a existência da realidade é mágica, então é metafísica; conseguir retratá-la em pintura não deve ser um ato voluntário", declarava em uma entrevista com o crítico italiano Giacinto di Pietrantonio, em 2002. Divididos em grupos, cada um a compor uma paisagem, os integramtambémoutrostemascaros ao artista: os postes e os cones de luz projetada por eles; os cenários invernais onde a neve, por sua vez,
clareia o ambiente; as árvores nuas; as ruas vazias, como também os minaretes de mesquitas...
Isso tudo, conforme com a poética do artista, vem representado em formasbásicas,quaseelementarese, mais ainda, imóveis: "A pintura tem que 'lembrar' todos os pores do sol de uma vida e todos os do mundo: os de Smirne, os de Naples, os da Noruega", relatava Salvo ao curador Luigi Meneghelli, em 1992, apurando: "O quadro sempre tem umtempodeexecuçãomaiordoque a realidade temporal: você nunca conseguirá representar uma tempestade enquanto ela acontece. Tudo acaba no ateliê, tudo termina no filtro da memória".
Fazem parte desse "filtro" especial também a série das , ou seja, um acervo de pinturas que identificam imagens-símbolos da área geográfica do mar Mediterrâneo, que banha os países doSuldaEuropa,doNortedaÁfrica e do Oeste da Ásia: partindo da igreja de São João dos Eremitas, em Palermo, chegando às mesquitas do Afeganistão e passando pela Turquia, desvelam-se impressões de lugares,tantopelarepresentaçãoda vegetação compartilhada entre os continentes (palmeiras, figos da Índia, ciprestes e pinheirosmarítimos) quanto pelas ruínas (gregas ou romanas) que atravessam
Mais do que um espaço-ambiente real, Salvo retratava um espaço mental, a "lembrança certa" que pertence às viagens,momentosdosquais"cadaum procura o próprio paraíso, o enraizar-se de um sonho, ou persegue a utopia de uma recordação que se queria reencontrar na vida real".
A propósito da vida cotidiana, não podemos esquecer a série ( ), realizada a partir de 1980 e concluída somente 35 anos depois, com o falecimento do artista, já que a vida dentro dos bares foi um dos temas prediletos de Salvo. Mas como nada na produção dele é o que se enxerganasuperfície,tambémascenas do bar de esporte são tratadas exatamentecomo"pinturadegênero", como "retratos em estilo", "como se pintasse o sapateiro ou a mulher que costura em um quadro holandês", declarava, em 1984. As luzes ao neon, ácidas, os reflexos, os rostos tomados pela solidão e, fora das janelas, os postes a clarear as ruas, os faróis dos carrosedosônibus,fazemcomque,nas pinturas dos bares de Salvo, apareça o espectrodoSurrealismoou,novamente, de uma metafísica alucinada: "puro suco" das décadas de 1980 e 1990.
DEIXAR-SE
PELA PAISAGEM
E, para concluirmos, eis ( ,1988),oquadro do pôr do sol feito para seu amigo e colecionador Giuseppe Pontiggia, responsável pelo acidente de carro de Salvo, apressado para chegar a tempo para alcançar aquele tom diluído, híbrido e vibrante entre o vermelho e o cor-de-rosa, o laranja e o amarelo. Porém, , além de ser o nome de um romance do mesmo Pontiggia, também oferece o título a mais uma seção da exposição: por uma densa coleção de obras, desvela-se de vez toda a vontade de Salvo em retratar a específica transição do anoitecer, investigada em infinitos momentos, dos meados da tarde até ao cair das trevas, enfatizando paisagens industriais, marítimas, pontes ou "fotografando" a entrada da autoestrada que conecta Turim e Milão, destacando mais uma paixão do artista, a do conduzir: "Salvo dirigia muitíssimo. De carro, chegou até a Noruega, na Turquia e em muitos outros lugares. Era o seu modo favorito para apreciar a paisagem. Quando lhe perguntaram que trabalho teria escolhido se não tivesse sido artista, ele respondeu 'caminhoneiro'", conta a filha à curadora Lucrezia Calabrò Visconti.
"Hoje, já que tudo parece possível, é preciso desejar o impossível. Além disso, como tudo parece tão fácil, é necessário exigir uma arte difícil. A arte difícil é a arte inventada por conta e risco próprio. A aparente facilidade de uma arte colorida, desfeitaearbitrária,criouailusãode que qualquer um, pegando em uma paletaeumpincel,pudessecomeçar a rabiscar uma tela, ressuscitando antigasacademiasounão,eexibindo uma imperícia eterna": essas linhas, escritas em 1981 por Francesca Alinovi, apresentando um grupo de outrora novos pintores italianos, parecem aderir à carreira de Salvo como uma luva. Antecipando de quase dez anos a escancarada "volta à pintura", que tomou posse do mercado da arte e, consequentemente, de todas estéticas, no começo da década de 1980, tanto na Itália quanto no Brasil ou na Alemanha, Salvo deu xequemate ao próprio tempo: chegou na hora certa para observar as cores do crepúsculo, livrando-se de longe do repentino nascimento e do conseguinte apodrecimento de grandes e modestas "ondas" que levaram consigo inúmeras personalidades. Enquanto ele prosseguiu na difícil - às vezes, impossível - ventura da liberdade.
Matteo Bergamini é jornalista e crítico de arte. Trabalha com as revistas italianas ArtsLife e Il Giornale dell'Arte, e também colabora com a portuguesa Umbigo Magazine.
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