DIRETORA
Liege Gonzalez Jung
CONSELHO
EDITORIAL
Agnaldo Farias
Artur Lescher
Guilherme Bueno
Marcelo Campos
Vanda Klabin
REDAÇÃO
André Fabro andre@dasartes.com
SITE
Leandro Fazolla dasartes@dasartes.com
MÍDIAS SOCIAIS
Kauã Muniz
DESIGNER
Moiré Art moire@moire.com.br
REVISÃO
Angela Moraes
PUBLICIDADE
Sylvia Carolinne sylvia@dasartes.com
SUGESTÕES E CONTATO info@dasartes.com
Doe ou patrocine
pelas leis de incentivo Rouanet, ISS ou CMS/RJ financeiro@dasartes.com
As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião da Dasartes.
A Revista Dasartes (ISSN 1983-9235) é uma publicação da Indexa Editora Ltda ME.
Capa: Leigh Bowery, Fergus Greer Session 7, Look 37, June 1994 (c) Fergus Greer. © Leigh Bowery.
92 COLUNA DO MEIO
,
O Instituto de Arte ContemporâneaIAC apresenta a exposição da artista Regina Silveira, em São Paulo. A mostra – que tem curadoria Agnaldo Farias –, apresenta os processos criativos e desenvolvimento de algumas de suas obras de diferentes períodos, além de maquetes, desenhos preparatórios e mesmo documentários em vídeo. O conjunto ocupa duas salas expositivas e a área do café da instituição. Alguns dos trabalhos expostos no IAC já foram vistos no Brasil, mas outros foram obras , instaladas temporariamente em outros países.
O evento também celebra a doação dos arquivos e documentos da artista para o IAC, tendo como maior função a sua disponibilização para a pesquisa. A intenção primeira é mostrar como cada ideia foi desenvolvida e formulada, além de explicitar suas sucessivas derivações, apontando similaridades e diferenças, ou o modo com se constitui cada série de trabalhos.
OPERANDI • IAC • SÃO PAULO • 22/3 A 26/7/2025
REGINA SILVEIRA: MODUS
• Festival Vórtice recebe inscrições para sua sua 4ª edição, prevista para os meses de maio a junho no Espaço República, em São Paulo. Com o tema
, a convocatória busca artistas que desafiem limites estéticos e abordem a diversidade dos corpos, o erotismo e a liberdade política e afetiva. As inscrições são gratuitas e abertas até 13 de abril, em
CURIOSIDADES • Autoridades gregas prenderam Nikos Papadopoulos, um parlamentar de extrema direita do partido Niki, depois que obras de arte na National Gallery de Atenas foram vandalizadas. Papadopoulos foi liberado da custódia desde sua prisão, mas foi acusado de danificar quatro obras de arte do artista Christoforos Katsadiotis, três delas se assemelhando a ícones religiosos.
TECNOLOGIA • Oartistaturco-americano Refik Anadol inaugurou uma releitura com tecnologia de IA do legado arquitetônico de Frank Gehry, no Guggenheim Bilbao. A instalação percorre seis capítulos que mostram um conjunto de dados se transformar por meio de visões abstratas alucinatórias, terminando em um capítulo caleidoscópico onde se vê a IA codificar os dados em tempo real, imaginando novas formas arquitetônicas.
PELO MUNDO • Uma nova mostra, na Phillips Collection, em Washington, explora a influência duradoura de Alphonse Mucha – artista que ajudou a definir a . A exposição apresenta não apenas o amplo acervo de pôsteres, desenhos, pinturas e outras obras do artista, mas também uma ampla seleção de capas de álbuns, ilustrações de mangás, capas de histórias em quadrinhos e outras obras de arte dos séculos 20 e 21 inspiradas por Mucha.
Viena e Nova York, em 2021, ela precisava urgentemente de limpeza e estava em uma moldura pouco atraente. Mas havia, de forma surpreendente, um selo indicando que ela vinha do espólio do famoso artista austríaco.
• DISSE O PRESIDENTE da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), Celso Pansera, ao selecionar o Museu das Comunicações e Humanidades (Musehum) em edital inédito para preservação e difusão do maior acervo das comunicações do Brasil.
apresenta fotografias inéditas tiradas por Aldo van Eyck, em 1996, em viagem ao Brasil para visitar as obras de Lina Bo Bardi, além de um texto escrito por ele sobre ela: . O livro explora as afinidades entre esses dois criadores extraordinários, cujas obras e o pensamento marcaram a arquitetura do século 20.
LINA POR ALDO: AFINIDADES NO PENSAMENTO DOS ARQUITETOS LINA BO BARDI E ALDO VAN EYCK • Org. Isabel Diegues e Jorn Konijn • Editora Cobogó • 400 páginas • R$ 112,00
O livro apresenta uma seleção de obras, produzidas nos últimos 25 anos, pela artista mineira Sonia Gomes, um dos principais nomes da arte contemporânea brasileira. A partir da elaboração de tecidos, a “poesia plástica” de Sonia Gomes, como a própria artista denomina a sua criação, se relaciona com temas como identidade, memória e temporalidade.
SONIA GOMES: ASSOMBRAR O MUNDO COM BELEZA • Org. Paulo Miyada • Editora Cobogó • 320 páginas • R$ 260,00
Com 208 páginas, o livro, de grande apuro visual e gráfico, traz imagens dos trabalhos de Antonio Manuel da série inédita , incluindo dois fac-símiles. Completam a publicação textos inéditos dos curadores Ana Maria Maia e Paulo Venancio Filho, além do ensaio , escrito por Décio Pignatari, em 1973, para a Exposição .
ANTONIO MANUEL: INCONTORNÁVEIS • BEĨ Editora • 208 páginas • R$ 180,00
Brener
A ARTISTA BAIANA HANA BRENER, ESCOLHA DO JÚRI,
NO15ºPRÊMIOGARIMPODASARTES,TRANSITAENTRE DANÇA, FOTOGRAFIA E PERFORMANCE PARA EXPLORARMITOS,SÍMBOLOSEAIMPERMANÊNCIADO CORPO NA PAISAGEM
O CHÃO E AS COISAS, DE HANA BRENER
POR ALECSANDRA MATIAS DE OLIVEIRA
Na História da Arte, o uso do corpo como expressão e reflexão é um caminho sedimentado por Ana Mendieta, Lygia Clark, Pina Bausch e outras artistas-mulheres que, cada uma à sua maneira, desafiam normas e expandem as fronteiras do processo criativo. Juntas, essas artistas inauguramnovosmodosdeverepensarsobreidentidade, corpo,naturezaeexperiênciahumana.Comoempregode diferentes mídias e linguagens, as proposições de Hana Brener pisam neste chão fecundo, mas seguem além...
Colher com os olhos. © Hana Brener.
Foto: Ziza Gomes.
Em seu trajeto, Brener faz interfaces entre a dança, o teatro, a fotografia e a instalação, porém, a fotoperformance (a imagem capturada pela câmera que imortaliza a arte que se dá ao vivo) parece se tornar instrumento de essência à sua práxis. Artista visual, educadora, bailarina e , ela entende que a fotografia é capaz de apreender o tempo visual, aquele instante crucial da narrativa, proporcionando maior densidade à abordagem de seus temas.
Suaproduçãoartísticapodeservistaapartirdaintegração entre o corpo em movimento e a concepção de imagens. Seustrabalhosresultamdainvestigaçãodemotivosligados à identidade, ao gênero e à natureza. Em seu repertório, destacam-seocorpo-mulhereasconexõescomosobjetos domésticos, intrinsecamente relacionados às funcionalidades e aos significados míticos, ritualísticos e culturais. Essa interação estrutura e reflete vivências; lida com os ambientes conhecidos.
À esquerda: Estreito (parceria com Ana Pi Videira). Abaixo: Fundir corpos d’água. © Hana Brener.
Colher com os olhos. © Hana Brener. Foto: Ziza Gomes.
Abaixo: Colheres.
© Hana Brener. Foto: Ziza Gomes.
As coisas designam identidade e pertencimento, conectando sua arte ao imaginário coletivo do Brasil. Como extensões do corpo, os objetos, muitas vezes, criam desconforto; mostram um espaço de intersecção entre o material e o simbólico e, acima de tudo, questionam e reimaginam suas rotinas e atributos.
Umaperformancequeusacolheres pode, por exemplo, discutir a materialidade do cotidiano e sua relação com a alimentação, o afeto e o castigo: a ação de alimentar alguém com uma colher pode ser vista como profundamente íntima e carinhosa – nesse caso, seria o cuidado materno. Mas, também, a colherdepauélembradacomoum instrumento de punição corporal, especialmente em contextos familiares, onde poderia ser usada para disciplinar crianças – nesse outro caso, a repressão.
Nos títulos de seus trabalhos, a colher pode evocar “acolher”e“encolher”,ou,ainda,gerarmetáforascomo a “mulher de pau”. Nessa perspectiva, o objeto visto como o emblema da subserviência ou da domesticidade podeseconverteremresistênciaeforçafísica-emocional. Assim, a artista rememora que objetos domésticos não são passivos. Eles moldam e são moldados por ações, emoções e culturas. Em seu vocábulo, a premissa fundante é: as coisas são testemunhas silenciosas do mundo. Mas, no seu “fazer arte”, elas contam histórias.
Abaixo: Recolher (Da Série Colher).
À direita: Acolher (Da Série Colher). © Hana Brener.
Republiqueta das Bananas (parceria com Marlon de Paula e Lucimélia Romão). © Hana Brener. Foto: Kauê Rocha.
Mulher galho (parceria com Nirlyn Seijas e Cecília Carvalho).
Foto: Nirlyn Seijas. © Hana Brener.
A mulher corpo-natureza é outra chave de interpretação do seu trabalho.SuaformaçãoemBiologia e seu interesse em Agroecologia compõem também o chão da artista,cujainteraçãogênero,terra e natureza surge em plena potência. É algo que se evidencia nas intervenções e performances emambientesnaturais,destacando a importância da preservação ambientaledastradiçõesagrícolas. Também nesse nexo, estão as questões de gênero e feminilidade que, muitas vezes, utilizam elementosculturaisbrasileirospara discutir a resiliência das mulheres.
À esquerda: Danço seu Silêncio (parceria com Ana Pi Videira). © Hana Brener.
Sua investigação e prática artística são relevantes em um contexto cultural cujas questões de igualdade de gênero precisam ser amplamente debatidas. E, aqui,édifícilnãopensarnoenvolvimento do seu trabalho com o ecofeminismo, campo onde se conectam a exploração das mulheres e a degradação da natureza. Por fim, do chão de Mendieta, Clark e Bausch, somado às coisas, os trabalhosdeHanaBrenerdespertampara experiências sensoriais e emocionais que tensionam as percepções convencionais e convidam o público a refletir sobre a relação entre imagem, corpo e espaço.

AlecsandraMatiasdeOliveiraédoutora em Artes Visuais (ECA-USP). Pósdoutorado em Artes Visuais (Unesp). Curadora independente. Professora do CELACC (ECA USP). Pesquisadora do CentroMarioSchenbergdeDocumentaçãoePesquisa em Artes (ECA-USP). Especialista em Cooperação e Extensão Universitária no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP). Membro da Associação Internacional de Crítica deArte(AICA).ArticulistadoJornaldaUSP,editorada Revista Arte & Crítica e colaboradora da DasArtes. Autora dos livros Schenberg: crítica e criação (Edusp, 2011) e Memória da resistência (MCSP, 2022).
Bowery,
Fergus Greer, Leigh Bowery Session I Look 2 1988 © Fergus Greer.
Courtesy The Michael Hoppen.
EXPOSIÇÃO NO TATE MODERN TRAÇA A TRAJETÓRIA DO MULTIARTISTA LEIGH BOWERY, DESDE SEUS PRIMEIROS ANOS COMO ESTILISTA E GAROTO DOS CLUBES DA VIDA NOTURNA DE LONDRES DOS ANOS 1980, ATÉ SUAS PERFORMANCES POSTERIORES EM GALERIAS,NOPALCO,NARUAEALÉM,ATÉSUAMORTE, EM 1994. UMA JORNADA PELO CENÁRIO CRIATIVO E DINÂMICO HABITADO POR BOWERY E SEUS AMIGOS
POR FIONTÁN MORAN
Leigh Bowery (1961-1994). Um garoto do interior de Sunshine, um subúrbio de Melbourne, na Austrália. Ele está entediado. Inspirado pela cena , Bowery abandonou a faculdade de moda e chegou a Londres em outubro de 1980. Os dominavam a cena. Naquele dezembro, ele escreveu seus desejos de Ano Novo:
Isso seria apenas o começo das ambições de Bowery. Em sua breve vida, Bowery foi descrito de muitas formas. Entre elas: estilista; monstro dos clubes; escultura humana; modelo nu; bêbado de ; autor anárquico; surrealista pop; palhaço sem circo; peça de mobília ambulante; arte moderna sobre pernas. No entanto, ele declarou: “Se você me rotula, você me nega”. E sempre se recusou a ser classificado, comercializado ou conformado. Bowery era fascinado pelo corpo humano e interessado na tensão entre contradições. Ele usava maquiagem como forma de pintura, roupas e corpo como escultura, e cada ambiente como um palco pronto para sua arte. Transitando entre arte e vida, ele assumia diferentes papéis e depois os descartava, apresentando uma compreensão da identidade que nunca era estável, mas sempre memorável. Fergus Greer Session 4, Look 17, August 1991 © Fergus Greer. Courtesy The Michael Hoppen Gallery


Bowery abraçava a diferença, frequentemente usando o constrangimento como ferramenta para liberar tanto suas próprias inibições quanto as das pessoas ao seu redor. Ele queria chocar com seus e performances. Em uma época de valores conservadores em ascensão no Reino Unido, Bowery reinventou ideias sobre identidade, moralidade e cultura. Às vezes, isso causava ofensa.
Desde o final dos anos 1970, a cultura dos estava na vanguarda da cena dos clubes londrinos. Inspirado por estrelas do como David Bowie, Slade e Roxy Music, esse estilo extravagante frequentemente desafiava as convenções de gênero. Quando Bowery chegou a Londres, em 1980, no entanto, o estilo já estava mudando. As pessoas começaram a adotar o visual , com roupas em cores apagadas e bordas desgastadas. Para sua primeira coleção de moda, Bowery criou sua própria versão desse , utilizando os poucos recursos que economizou enquanto recebia o auxílio-desemprego.
Nigel Parry - Photoshoot at home (c) Nigel Parry.
Em 1984, ele mudou de direção, desenvolvendo uma coleção que apresentava roupas de cores vibrantes feitas de tecidos sintéticos brilhantes, chapéus de vinil cobertos de lantejoulas e botas de plataforma, com os rostos dos modelos pintados de cores diferentes. A coleção combinava sua ampla gama de interesses: ficção científica, astrologia, (então considerado fora de moda), divindades hindus, além das vestimentas usadas pela comunidade de Bangladesh, no Leste de Londres (onde Bowery vivia). Em outros , ele usava recortes e tecidos franzidos para enfatizar diferentes partes do corpo. Ele também aplicava maquiagem para criar formas abstratas ou imitar feridas e verrugas.
A arte de Bowery se estendia ao seu ambiente doméstico, que ele criou com seu melhor amigo, o artista Trojan. Com poucos recursos, transformaram sua casa em uma cápsula que refletia seu interesse pelo mau gosto, pelas formas exageradas e pelo mundo surreal.
Dave Swindells, Daisy Chain at the Fridge Jan 88. Leigh & Nicola 1988.
Levou tempo para Bowery encontrar sua “turma”. Em 1981, um encontro ao acaso com a o levou ao , na sala dos fundos do Heaven, o maior clube do Reino Unido na época. Esse mundo se abriu para ele. No entanto, foi só quando Bowery, Trojan e o David Walls começaram a sair juntos usando os de Bowery que ele consolidou sua posição na cena. Em 1983, Bowery já apresentava suas coleçõesdemodainternacionalmente.Logo, porém, decidiu que estava mais interessado em criar para seu próprio corpo e para uma clientela seleta do que para o público em geral. As casas noturnas de Londres se tornaram a passarela de suas criações.
Em 1985, Bowery e o promotor Tony Gordon criaram o — um clube ironicamente nomeado, pois lá se podia fazer qualquer coisa. Logo, tornou-se conhecido como o clube mais obsceno, extravagante e venenoso de Londres. Na porta, Marc Vaultier segurava um espelho de mão na frente de clientes malvestidos e perguntava: “Você se deixaria entrar” O permaneceu aberto por pouco mais de um ano antes de ser fechado devido a acusações sensacionalistas de uso de drogas no local. Logo depois, os de Bowery se tornaram ainda mais elaborados, cobrindo todo o seu corpo com tecido, acrescentando mais lantejoulas e exagerando proporções para atrair atenção.

“Eu gosto de os serem tão fortes quanto são, especialmente agora que todo o mundo está tão conservador e austero. Eu não quero que as coisas que faço sejam meramente extravagantes – isso já foi feito antes... Tem que ter aquela ironia, sabe, porque se eu estou rindo do jeito que me visto... que possível crítica as pessoas podem fazer, realmente? Se a piada é comigo e eu sei disso?”
Leigh Bowery
O humor era uma característica dominante nos de Bowery, bem como essencial à maneira como ele se apresentava e agia ao usá-los. Quando aparecia em passarelas e programas de TV, usava a paródia e o pastelão para desestabilizar as convenções estabelecidas da moda, da alta sociedade e da
cultura. Isso também se estendia à sua vida pessoal, onde frequentemente espalhava boatos apenas para provocar reações. Quando um jornalista perguntou: “Em que ocasiões você mente?” Bowery respondeu: “Em que ocasiões eu respiro?”.
No mundo da arte, o , de Andrew Logan, deu a Bowery uma nova forma de encarar o ato de se vestir como uma performance. Criado em 1972 e ainda acontecendo até hoje, o concurso reinventou o tradicional Miss Mundo para celebrar a arte da transformação. Os participantes desfilam de roupa casual, moda praia e traje de gala, sendo avaliados pelos mesmos critérios de um concurso de cães de raça: POSTURA! PERSONALIDADE! ORIGINALIDADE!
Bowery conheceu muitos dos seus amigos londrinos depois de participar do , de 1981. Mais tarde, tentou a sorte nas edições de 1985 e 1986, mas não levou o prêmio.
Acima e à esquerda: Costume photography, Leigh Bowery, Tate Photography.
“ ”
Leigh Bowery
O jeito de Bowery se vestir no dia a dia era tão intrigante quanto suas roupas de palco e de clube: perucas ruins, suéteres velhos, saltos de tamancos escondidos por calças largas, uma sobrancelha presa com fita adesiva para criar um visual torto. Ele dizia que queria parecer “aquele maluco na rua que você comenta com a sua mãe”. Às vezes, Bowery usava essas roupas enquanto procurava sexo em banheiros públicos e parques. Para ele, qualquer ambiente – inclusive a rua –era um potencial palco para sua exibição e sua vontade de subverter a “normalidade”. Em uma ocasião, a polícia chegou a prendê-lo por fazer um no meio da estrada. Usando os faróis dos carros como holofotes, ele se apresentou na rua vestindo apenas uma (peruca pubiana) e um adereço de cabeça. A rua também foi cenário para a série de fotos (1990). Bowery e sua amiga, a estilista Nicola Rainbird, jogaram roupas destruídas em noitadas anteriores do alto da varanda do e depois as fotografaram. As peças foram expostas em uma galeria em Tóquio, tanto em fotografias quanto espalhadas pelo chão da exposição. Bowery ainda fez uma performance. foi uma forma de ele enxergar suas criações fora de seu próprio corpo, mostrando que suas roupaseram,decertaforma,umasegundapele.
Fergus Greer Session VIII, Look 38, June 1994. © Fergus Greer. Courtesy The Michael Hoppen Gallery.
Uma galeria, dividida ao meio por uma parede com um grande espelho de duas faces. De um lado, Bowery aparece sob um holofote, vendo apenas seu próprio reflexo. Do outro, o público assiste. Sons de insetos e da rua ao lado podem ser ouvidos. Diferentes aromas, como banana e , preenchem o espaço.
Essa foi a configuração da primeira performance de Bowery em uma galeria. Em outubro de 1988, ele posou na Anthony d’Offay Gallery, em Londres, por duas horas diárias, durante cinco dias. A cada dia, usava um visual diferente, escolhido entre os que ele havia criado nos últimos quatro anos. O terno de bolinhas, o vestido em padrão xadrez e a jaqueta verde com plumas foram refeitos pelo estilista e , já que as versões originais estavam cobertas de sujeira de balada. Na performance , Bowery encenou o próprio ato de olhar, tratando seu corpo como um objeto de arte. O dançarino descreveu a apresentação como , e muitas pessoas comentaram que a obra era tanto sobre os visitantes da galeria quanto sobre Bowery em si.
Pouco tempo depois da performance, Bowery começou um extenso projeto de retratos com o fotógrafo Fergus Greer, documentando meticulosamentemuitosdeseusvisuaismaisicônicos.
Em novembro de 1988, Bowery foi diagnosticado com HIV, um fato que manteve em segredo, contando apenas para sua amiga Sue Tilley e, mais tarde, para Nicola Rainbird.
À direita: Dick Jewell Still from What's Your Reaction to the Show 1988 © Dick Jewell.
“A pele é o tecido mais fabuloso que existe. Gosto de camuflar meu corpo porque, ao esconder, você pode revelar, mas também pode fazer o contrário.”
Leigh Bowery
Ao entrar nos anos 1990, Bowery começou a deixar de lado os enfeites brilhantes de lantejoulas em seus figurinos. Continuando a criar suas peças no estúdio de casa, ele trabalhou com Mr. Pearl e seu novo assistente, Lee Benjamin, para produzir visuais que usavam espuma, tecidos elásticos e látex para distorcer seu corpo, transformando-o em uma criatura surreal – às vezes, quase alienígena. Cada vez mais, ele via suas criações como obras de arte independentes e passou a ser fotografado e filmado por artistas tanto em estúdios quanto nas ruas, criando performances pensadas exclusivamente para a câmera. Suas apresentações ao vivo ficaram ainda mais chocantes e extremas, influenciadas pela cena alternativa e de Nova York – em clubes como Jackie 60 e The Pyramid Club – e por artistas de vanguarda da performance.
Nessa época, Bowery começou a posar para o pintor Lucian Freud. Os dois se conheceram no clube , apresentados pelo amigo Angus Cook. Freud retratou Bowery em uma escala maior do que costumava usar em seus retratos. As pinturas evidenciam a obsessão contínua do artista em explorar como a tinta pode capturar a realidade da pele e da existência. Pela primeira vez, Bowery aparece “desmascarado”, sem maquiagemnemfigurinos.Masseráqueessesretratos mostram o verdadeiro Bowery? Ou são apenas mais uma de suas performances?
Bowery e Freud desenvolveram uma amizade intensa, trocando histórias chocantes um com o outro. Bowery, em especial, inspirava-se no jeito de Freud, que se recusava a seguir as regras impostas pela sociedade.
À esquerda: Dave Swindells, The Limelight Leigh Bowery, 1987.
“Em tudo o que fiz nos últimos 10 anos, o corpo sempre foi o centro. Ele é como a imaginação, pode ser qualquer coisa, é infinito, dá para fazer de tudo. Quanto mais me envolvo com pessoas que trabalham com manipulação corporal e todo tipo de performance, mais empolgante isso fica.”
Leigh Bowery
Na sexta-feira, 13 de maio de 1994, Bowery e Nicola Rainbird se casaram em uma cerimônia privada no leste de Londres. Embora Bowery tenha descrito o casamento como uma peça de arte performática, a decisão também foi motivada pelo medo de ser deportado, já que havia sido preso por fazer sexo em um banheiro público na estação de trem de Liverpool Street.
A parceria entre Bowery e Rainbird culminou em uma performance na qual Bowery “dava à luz” a Rainbird. Amarrada de cabeça para baixo em um arnês preso ao corpo de Bowery, Rainbird explodia para fora do figurino dele enquanto ele se deitava, simulando o trabalho de parto. Rainbird surgia nua para o público, pintada de vermelho e usando um colar de salsichas como se fosse um cordão umbilical. A performance se tornou parte essencial do espetáculo de Bowery. A banda de Bowery, Minty, formada inicialmente com o ex- Richard Torry e depois expandida para um grupo completo, proporcionou um novo espaço para sua expressão artística. A apresentação da música incluía a cena do “parto” e explorava temas como desejo sexual, subversão de gênero e a ideia de que a “inutilidade” podia ser um estado produtivo. Fergus Greer Session 7, Look 37, June 1994 (c) Fergus Greer.


Além da performance do “parto”, Bowery e Rainbird encenavam outras funções corporais nos do Minty –suco de maçã representava urina; sopa de ervilha fazia o papel de vômito.
Apresentado em um período em que o medo da aids estava no auge, Bowery usava essas encenações para desafiar e, ao mesmo tempo, celebrar todos os aspectos do corpo humano.
Bowery morreu na véspera de Ano Novo de 1994, aos 33 anos, devido a complicações relacionadas à doença.
Uma figura que despertava choque, repulsa e êxtase, suas modificações corporais e provocações buscavam questionar e testar todos os limites entre arte e vida. Recusando qualquer definição, seu trabalho nos convida a olhar para o nosso próprio espelho e ir além das aparências, abraçando o desconhecido.
Você se deixaria entrar?
Fiontán Moran é curador assistente na Tate Modern e editor do livro Leigh Bowery! pela editora Paperback.
Fergus Greer Session 3, Look 14, August 1990. © Fergus Greer. Courtesy The Michael Hoppen Gallery.
DOCUMENTA 12,
Kassel. © Iole de Freitas.
Arpoador, Rio de Janeiro, 2022. © Iole de Freitas.
COM MAIS DE 50 ANOS DE TRAJETÓRIA, IOLE DE FREITASCONTINUAPRODUZINDOEEXPERIMENTANDO NOVOS MATERIAIS. EM SUA MAIS NOVA PESQUISA NA EXPOSIÇÃO FAZER O AR, NO PAÇO IMPERIAL, SERÃO APRESENTADOS CERCA DE 25 TRABALHOS INÉDITOS, QUE EXPLORAM O VOLUME E O AR. CONVIDAMOS A
ARTISTA PARA NOS CONTAR O QUE A INSPIRA PARA CRIAR SUAS OBRAS DE ARTE
POR IOLE DE FREITAS
OS MANTOS, 2025.
Exposição Fazer o Ar. Paço Imperial (RJ)
© Iole de Freitas.
“ são uma exteriorização transbordante das pulsões de um ser. Eles explodem, saem do corpo, projetam-separa fora, em uma expansão de energia, que se molda através da pele de algo banal –um papel. Encorpam-se pela presença da areia, um mineral. Sem ser o mineral usado nas grandes esculturas de aço, ele é triturado pelo tempo, pela natureza, pelo vento e pelas águas. Ele está acomodado na superfície do papel industrializado. Com eles – papel e areia –, os mantos se organizam de forma atomizada. Vão sendo compulsivamente produzidos, acumulados, empurrados para longe. E acabam por criar territórios. OS MANTOS criam territórios. Territórios arenosos, mais ou menos densos ou sutis. Um território colorido? Pode ser… Manchado de vermelho sanguíneo – sempre quis que fosse assim. Desse modo, eles vão tateando o espaço do Paço Imperial na exposição ,comcuradoriaetextosdeEucanaãFerraz.Instalam-sedojeito que podem, sobre as macas de madeira que se dispuseram a acolhê-los. E ali permanecem. Até quando? Não se sabe.”


Casa Daros, 2019. Foto: Sergio Araujo. © Denise Milan.
ESCADA, 2023-2025. Videoperformance
Mostra Colapsada em Pé, 2023. Instituto Tomie Ohtake (SP) Mostra Fazer o Ar, 2025. Paço Imperial (RJ) © Iole de Freitas.
“Esta performance traz o corpo na sua pulsão de vida. Ocupando volumétrica e dinamicamente o espaço em torno, qualifica as pulsões vindas da interioridade de dois corpos que se relacionam e intensificam a exteriorização daquilo que elaboram psíquica e emocionalmente.
Tendo a improvisação como dinâmica impositiva, tensionam o acaso como um dos elementos estruturais dessa dança. Trata-se da retomada do corpo em movimento, atuante, como nasexperiênciasdosanos1960 e nas obras dos anos 1970. Em 2023, esse trabalho fez parte da video-instalação , exposta no âmbito da mostra , com curadoria de Paulo Miyada, ocorrida no Instituto Tomie Ohtake. Agora, em 2025, na exposição , no Paço Imperial, com curadoria e textos de Eucanaã Ferraz, ele traz nova inflexão na tensão entre corpo dançante e corpo escultórico. O risco, qualidade própria do processo de invenção, aqui se apresenta na agudeza dos movimentos dos corpos se infiltrando no exíguo espaço ocupado pela . Enfim, não há descoberta sem risco nos processos da arte e nos da vida.”
Pág. anteriores: Museu do açude, Dora Maar na piscina e Centro de Artes Hélio Oititica, 2000. Foto: Sergio Araujo. © Iole de Freitas.
À esquerda: COLAPSADA EM PÉ, 2023. Átrio do Instituto Tomie Ohtake, São Paulo. © Iole de Freitas.
“Enquantoocorpofísicoretoma a dança, o corpo psíquico, visionário, enxerga como estabelecer nova conexão entre as diversas partes constitutivas de instalações anteriores,desdeade1999,no MuseudoAçude–Rio,passando pela do Museu da Valle, em Vitória; a do CCBB – Rio; a da Fundação Iberê Camargo – Porto Alegre; a da Casa FrançaBrasil – Rio; a do MAM – Rio em 2015, entre outras. Nessa nova ordenação de chapas de policarbonato e tubos de aço, anteriormente trabalhados em suas torções e curvas, surge a obra , contendo em seu bojo o histórico de todas essas linhas e superfícies marcadaspeloslugaresporondeandaram.Atualmente,essaobraéparte deumacoleçãoparticular,passandoaterseuprópriopavilhãoaabrigá-la.”
Lago, 2009. © Iole de Freitas.
CORPO SEM ÓRGÃOS, 1996. Mostra Utopia. Casa das Rosas (SP).
“Bom, depois disso tudo, a escolha dessa obra. Por quê? Anos 1990, 1996, sei lá. Descarnadas, desossadas quase, mas não sem pele, sem superfície, sem espelhamento no brilho da superfície, sem transparência, sem translucidez. Tudo isso essa obra detém. Todos esseselementosqueconstituem o trabalho há mais de 50 anos, ali estavam, desdobrando-se sobre eles mesmos, em um só corpo. Sem interioridade, sem órgãos,semsangue,purapele.E,porquenãodizer,pura luz, quando ela se digna a sobre ele se derramar.”
Pinacoteca de São Paulo, 2009.
Foto: Sergio Araujo.
© Denise Milan.
“Vocês me pedem oquintotrabalho.
é o que está por vir. Estou agora distante do Rio, na natureza. A exposição está pronta. Instalada. Respiro. Textos de Eucanaã estão nas paredes. Fortes. Cristalinos. Vislumbro o trabalho que já existe no desenho de meus olhos sobre as montanhas. Não tem nada a ver com paisagem ou com montanha. Mas eu as uso, ambas, como uma folha de papel onde rabisco. Surgem novas ocupaçõesespaciaisgigantescas.Lidamcomovento,comumasabedoria que talvez já tenham adquirido. Aquela de saber conjugar placas de

policarbonatocomadireção que o vento impõe. É trabalhocompartilhadocomo vento,meuparceiro.Nãoémais um desafio… ele é parceiro nas torções e evoluções das formas no espaço. Daqui resultará, em uma jogada espaço-temporal, a nova obra. Desenhada nessa folha de papel invisível e impalpável (quase um vegetal) por um olhar que sobrevoa e risca o risco do devir. Traz em si gravada a impregnação de lugares, cores, texturas, uma escala lunar… Onde será? Não sei… Onde quer que seja, irá trazer o alinhavo das três vertentes ali, na serra, trabalhadas: Cor/Luz, Trama/Vida, Atmosfera/ Planeta. Será no Cariri?.”
• 15/3 A 11/5/2025
MAM (RJ).
Foto: Sergio Araujo.
© Iole de Freitas.