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Faixa ano 26

Odia 1o de abril marcou o vigésimo sexto aniversário de um marco importantíssimo para o DF. É curioso que muitos se referem a esse episódio como a instituição do marco legal da faixa de pedestres, mas a prioridade absoluta do pedestre nas faixas já estava no então Código Nacional de Trânsito. O que ocorreu, então, no dia 1o de abril de 1997?

Vivíamos um quadro catastrófico de violência no trânsito e foi nesse ambiente que o governo Cristovam Buarque, iniciado em 1995, construiu o exitoso programa Paz no Trânsito, mobilizando diversos segmentos da sociedade. Duas frentes tiveram destaque no programa: a redução das velocidades nas vias e o respeito ao direito de o pedestre usar as travessias não semaforizadas.

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Vou pular aqui o ponto da moderação da velocidade para falar do respeito à faixa, um imenso desafio por conta da inversão de valores e mudança de atitude e comportamento de condutores e pedestres. (Abro parênteses aqui para reverenciar dois saudosos personagens, fundamentais para o sucesso da iniciativa: o coronel Azevedo, comandante do Batalhão de Trânsito da PM, e o psicólogo Luís Miúra, diretor geral do Detran.)

É triste constatar, passado este quarto de século, a visível ameaça de perda dos valores tão duramente conquistados, que se deve em larga medida à descontinuidade das campanhas institucionais. Há muito o programa Paz no Trânsito reclama uma segunda edição, tão forte e bem construída como a primeira. Apostando que essa nova edição virá, ouso sugerir um novo valor a ser invertido, resgatando a promoção da cidadania que tanto nos orgulhou nos anos 90.

Naqueles dias, dizia-se que a iniciativa não ia dar certo porque motoristas não perceberiam a intenção das pessoas de cruzarem as vias. Data de então a figura que ganhou o sugestivo nome de “sinal da vida”. O competente trabalho educativo levado a efeito pelos órgãos governamentais e pela mídia popularizou com sucesso a ideia de pedestres estenderem o braço para assegurarem-se de que estão sendo vistos por condutores.

Ao longo dos anos, com o esmaecimento das campanhas educativas, testemunhamos uma interpretação distorcida do “sinal da vida”: em lugar da garantia de visibilidade, um pedido de licença para usar o espaço dos veículos. Não custa ressaltar: na faixa de pedestres, quem tem que pedir licença é o veículo. Ao se aproximar de uma, o condutor tem que se assegurar de que não há pessoas usando ou querendo usar aquele espaço antes de cruzá-la. Ou seja, é o oposto da interpretação que vem ganhando corpo.

Para nosso espanto, temos visto propostas que, embora talvez com a melhor das intenções, buscam normatizar a travessia obrigando o pedestre a fazer o “sinal da vida” como condição necessária ao exercício do direito que é dele. Para piorar, há propostas que, além do tal pedido de licença, condicionam a “concessão do direito” de usar a faixa à formação de um grupo – sozinha, uma pessoa não poderia interromper o fluxo veicular para atravessar a rua.

Com todo o respeito que os proponentes merecem por certamente pensarem na integridade física das pessoas e na fluidez do tráfego veicular, é preciso reconhecer que essas propostas são a pura expressão de quem vê o mundo pela janela do carro. Por essas e outras é tão urgente a campanha Paz no Trânsito 2.

* Paulo Cesar Marques da Silva é professor da área de Transportes da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília. Possui graduação em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal da Bahia (1983), mestrado em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992) e doutorado em Transport Studies pela University of London (University College London) (2001).

Aquarela sobre papel 100% algodão

Flávia Mota Herenio

@mota aviafm

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