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Soraya Thronicke: uma senadora vira onça quando precisa

Convencida pelo União Brasil a assumir uma candidatura à Presidência da República aos 45 minutos do segundo tempo, a poucos dias do início oficial da campanha eleitoral do ano passado, a senadora Soraya Thronicke (MS) mostrou que não foge de desafios.

Mesmo sem ter feito uma pré-campanha, ela não só superou o desempenho do primeiro nome lançado por seu partido na disputa presidencial _ o do deputado Luciano Bivar (PE), que entrou e saiu da campanha sem pontuar _, como Soraya transformou-se em um ‘case’ eleitoral, quando virou a ‘candidata onça’, após um embate com o então presidente Jair Bolsonaro durante um dos debates presidenciais.

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Com a mesma coragem que se defendeu dos ataques de Bolsonaro, a quem alertou que não deveria “cutucar a onça com a sua vara curta”, a senadora do Mato Grosso do Sul e atual presidente nacional do União Brasil Mulher não hesita em expor agora os dirigentes de seu partido que não honraram os compromissos assumidos com diversas candidatas mulheres, que saíram da campanha do ano passado endividadas.

Confira a entrevista que a senadora deu à jornalista Adriana Vasconcelos: Em pleno mês da mulher a senhora foi alvo de um ataque horroroso em meio a uma entrevista que estava dando. Ainda falta muito para a igualdade de gênero dentro na política no Brasil?

Soraya Thronicke – Sim, falta. Vamos falar de Brasil. Eu fico impressionada porque a gente trabalha na legislação e a gente avança. A passos lentos, mas querendo ou não, avançamos: 30% de candidaturas femininas, é lei. Depois conseguimos o valor proporcional do Fundo Eleitoral para as candidaturas femininas, que pode ser mais do que 30%. Tem ser no mínimo 30% do Fundo Eleitoral destinado as mulheres. Ao mesmo tempo, agora em 2021, nós conseguimos aprovar o Fundo Eleitoral dobrado para mulheres eleitas.

Conseguimos aprovar no Senado Federal, também em 2021 uma proposta, de forma escalonada, fracionada, para não assustar o Brasil, para que nós atingíssemos em 2030 obrigatorieda- de de 30 % de cadeiras femininas. Começamos com 18%, indo para 22%, e assim sucessivamente até os 30% em 2030. Na Câmara, engavetaram.

Então, se a gente se reúne todo mês de março para tratar da legislação, por isso, dias atrás, em um evento dessa natureza lá na Câmara, eu disse o seguinte: Não acho temos o que comemorar. Tá muito fraco ainda, porque toda a legislação que nós temos não se concretiza, não dá resultado, não tem eficácia. Enquanto não tivermos 30% ao menos de mulheres nas Executivas municipais, estaduais e nacionais, nós teremos ainda problemas. E olha que isso não seria suficiente, mas estamos longe.

A senhora teve que virar onça na campanha presidencial, e isso acabou se transformando na sua marca. Mesmo em um cenário polarizado, a senhora e a senadora Simone Tebet acabaram conseguindo pautar o debate nacional. O que foi mais difícil ao longo dessa campanha presidencial, quando acabou entrando em último no último momento, depois de várias idas e vindas do partido?

Soraya – Primeiramente, eu sairia como vice do presidente do União Brasil, Luciano Bivar. Foi realmente em cima da hora. Eu me lembro muito bem que eu tive a oportunidade na campanha de conhecer pessoalmente João Dória, de conversar com ele. E quando eu disse para ele que eu havia entrado nos 45 do segundo tempo, ele disse assim: você entrou na prorrogação. A maioria dos candidatos, acredito que todos, tiveram um tempo para fazer até uma pré-campanha. Eu não tive essa chance, mas aceitei o desafio do partido.

Não fui eu que pedi para ser candidata. Eu não lutei por isso. Eu aceitei na terceira vez que me chamaram realmente. Como foi tudo muito em cima, foi difícil me convencer.

O mais difícil é insegurança que a gente tem de não ter o controle da sua campanha, de mandarem na sua campanha. Isso acontece com muitas mulheres, pois quem manda é o partido, que determina como tudo vai ser feito. Combinam, se comprometem de te dar estrutura, transporte e segurança, mas você não tem a garantia em um ambiente ainda muito inóspito para mulheres. Isso foi a questão mais difícil.

Eu sou presidente nacional do União Brasil Mulher e an- dei pelo país construindo candidaturas. Mesmo assim não temos o controle dos recursos. O que eles prometem, eles deveriam cumprir. Mas nos 45 dias de uma campanha a gente tem surpresas na forma como atacam candidatos homens e candidatas mulheres. Ninguém espera um mar de rosas, mas os ataques são diferentes. Essa foi a pior parte, pois o partido que deveria proteger as mulheres, não protege.

A violência política de gênero é um dos fatores que mais afastam as mulheres da política. A senhora tem razão quando diz que os ataques são diferentes para as mulheres, seja na interrupção de uma fala, a conotação sexual das críticas, uma tentativa de desqualificação das mulheres. Como lidar com isso? Recentemente a bancada feminina do Senado só conseguiu participar da CPI da Covid, porque se uniu.

Soraya – O que dói é quando subestimam a nossa inteligência. Acho impressionante. Não são todos os homens. Existe uma gama considerável de homens que nos apoiam e muito votaram em mim. Mas o machismo realmente costuma imperar. Entre os 81 senadores era para cada um ter 1/81 de parcela do Poder, mas na prática isso não acontece. Por isso que falam que tem parlamentares do baixo clero, do alto clero.

Com as mulheres, você quer trabalhar e participar, mas como aconteceu na CPI da Covid, os blocos partidários não indicaram as mulheres. E entra ano e sai ano, eles fazer ouvidos moucos, pois continuamos não tendo mulheres na Mesa do Senado.

Aí a gente vai e fala no dia 8 de março, entra aqui e sai por ali. Estou praticamente me recursando a ir para tribuna no próximo dia 8 de março, se algo não for efetivamente mudado. Eu vou participar de uma forma diferente, não vou me omitir. Isso realmente afasta as mulheres.

É bem diferente você ser uma mulher na política e estar casada. A família começa a ficar apavorada, porque o ambiente é hostil demais com as mulheres. Eles tem medo e aconselham que não nos candidatemos mais. E eu entendo que é por proteção. Porque se meu marido não tem mandato, ele se sente alijado do ambiente e sem força. É um caso bem complicado e por isso precisamos de uma estrutura maior.

Eu tenho um projeto de lei que pode até ser criticado por quem não é político, mas para permitir que se destine uma parte do fundo eleitoral para que essas mulheres paguem os cuidados de seus filhos, para que possam deixar seus filhos creches e comprovem o pagamento, e o fundo eleitoral banque esse gasto. Isso valeria até para um pai solo.

Eu coloquei no Mato Grosso do Sul, em um evento partidário, uma brinquedoteca, para que as mães pudessem participar da política e pudessem levar seus filhos ao mesmo tempo. As vezes você é até criticada por isso, mas só quem tem filho pequeno sabe que não dá para deixar para trás seus filhos.

As bancadas acabaram provando na prática que a união das mulheres é a única saída para que consigam avançar dentro do Legislativo. Qual que é a o segredo dessas ações conjuntas? E também suprapartidárias, outra coisa também muito difícil de se ver na política. Esse é um jeito feminino de fazer política?

Soraya - Creio que sim. A nossa sensibilidade é bem maior. Tanto que aqui a bancada feminina no Senado Federal atuou de forma muito notória durante a CPI da Covid, porque nós deixamos de lado absolutamente tudo, todas as nossas diferenças e fomos uma bancada só. Nós fomos uma só durante esse período e continuamos assim. E tem sido interessante.

Na época (da CPI) podíamos colocar nossos nomes para falar uma lista de membros e uma lista de suplentes. Então, quem chegava mais cedo, colocava o nome, às vezes uma dava lugar para outra. Isso é importante! Principalmente por- que as políticas públicas e essas questões que envolvem as mulheres são muito para inglês ver, elas são muito bonitas no papel, mas muitas vezes são mascaradas.

Vou te dar um belo exemplo aqui no Senado Federal, onde a gente se orgulha de ter uma liderança da bancada feminina, com direito a destaque, com direito a voz de líder e tudo isso, porém não tem nenhum cargo e venho repetindo isso. Não porque eu queira, não é isso, mas nós não temos que quer uma sala.

Todas as lideranças _ têm da minoria, da maioria, tem liderança de tudo aqui _ têm estrutura. Nós temos uma liderança com 15 senadoras hoje, quase a maior bancada, e essa estrutura ainda é só promessa.

Temos a Lei Maria da penha, que foi considerado pela ONU uma das 3 melhores legislações de proteção de violência doméstica. Porém, eu sou advogada de família, vai pedir uma medida protetiva e vê quanto tempo demora? Vai tentar tirar essa mulher da casa, onde você a coloca? O que você faz com os filhos? E aí você corre atrás para citar esse cidadão agressor e o cara fica fugindo para lá e para cá. Porque você tem a legislação, mas nenhum estado, dentro da justiça esta- dual, coloca a estrutura para cumprir essa lei, que é linda. Então vamos parar de elogiar e vamos dar nome aos bois e dizer o seguinte: cumpra-se!

Tem mulheres na política que se espelham em homens até para sobreviver. Qual que é a sua estratégia pra sobreviver dentro da política? É onça?

Soraya - Pergunta difícil! (rsrs) A estratégia vem de acordo com o tiro. Você se prepara para um debate, mas dentro de um limite de educação. Nunca me preparei para dizer para um adversário que ele não deveria me cutucar com a vara curta, mas eu fui chamada de estelionatária. Não estava na liturgia do ambiente a previsão de eu ser chamada de estelionatária daquela forma. Simone (Tebet) também foi atacada naquele momento. Como você se prepara para isso? Na força da fé, mistura tudo junto no preparo. Agora se você tem de virar onça, vira. Mas tem que dosar essa onça. Se não você é chamada de louca, histérica, destemperada. Eu não sei se existe tempo calmo na política.

Outro dia eu estive com a ex-senadora Marisa Serrano, que já está com 72 anos. Ela sentou do meu lado e disse: ‘Soraya tem dia que olho para você e me dá até uma dó, porque quando eu era política, eu não vivia nesse tempo onde as pessoas destroem reputações em um segundo numa rede social. Estou abismada!’ Eu acho que em vez de a gente melhorar... porque o certo é uma sociedade avançar, vamos analisar friamente, será que tem os avanços? Porque quando você não reconhece o grau que você está, não toma atitude condizente com aquele grau, você fica se enganando. Eu não quero mais ser enganada. Eu não quero ser distraída. Eu não consigo mais romantizar as coisas. Eu não tenho mais paciência para isso, porque não faz bem. A gente tem que bater real, entendeu?

A situação piorou! Se analisarmos dentro dos números, fatos e lógica. O que está acontecendo? Se eu senadora, no meio do mandato, candidata á Presidência pelo maior partido naquele momento, passei pelo passei, e não consegui fazer com que presidentes estaduais cumprissem com sua palavra com mulheres (candidatas), passassem a perna nelas...

Você não tem ideia do que recebo de reclamação de mulher que está devendo até hoje da campanha e que o partido disse que iria fazer assunção de dívida, mas não paga. Fazer isso com uma mulher negra, de 72 anos, viúva, uma líder de bairro. Antes da campanha, para cumprir a cota, estendem o tapete vermelho para ela ser candidata. Promete que ela pode contratar equipe e faz compromisso. E no meio do caminho puxam o tapete dela. E essa mulher tem a casa toda pichada, não pode mais sair de casa. Aí esses líderes partidários somem e nem atendem mais o telefone. E isso não aconteceu só com uma, mas com muitas.

Eu não posso me calar. Gosto de mim brava, se eu amansar fico com preguiça.

A senhora assumiu recentemente a presidência da Comissão de Agricultura do Senado. Quais são suas prioridades?

Soraya – Agricultura, reforma agrária e meio ambiente caminham juntos. Primeiramente, vamos caminhar de mãos dadas, com o meio ambiente, com a sustentabilidade, precisamos produzir de forma sustentável. Quero trabalhar, limpar pauta, entregar para a população. Temos muitos projetos de lei muito interessantes, alguns muito sensíveis, como é a questão até do licenciamento ambiental. Por isso, estou bastante ansiosa, principalmente para encontrar uma solução para a regularização fundiária e ajudar o pequeno produtor, o pequeno proprietário, aqueles assentados, aquelas pessoas contribuem, produzem o que nós temos para consumo interno, mas são esquecidas porque elas não conseguem acessar o Plano Safra, por exemplo.

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